Sábado #670

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OS ETERNOS HERÓIS MARVEL

PRIMEIRO LIVRO DE UMA COLECÇÃO


OFICIAL E DE CULTO POR APENAS €2,99

JANTARES DISCRETOS

RESTAURANTES
À PORTA FECHADA
www.sabado.pt N.º 670 – SEMANAL – 2 A 8 DE MARÇO DE 2017 – €3,20 (CONT.)

ESPECIAL19PÁGS.

INTERROGATÓRIOS
FATAIS
Tudo o que Salgado e Bataglia
revelaram sobre os milhões de Sócrates
“A coincidência destas “Eu disse ‘sim, Ricardo,
operações com aquelas se precisas, eu faço. Desde
datas do Hélder Bataglia, que me transfiras o dinheiro,
é o Diabo. Foi o Diabo ” eu faço esses pagamentos’”
RICARDO SALGADO HÉLDER BATAGLIA
Sumário 2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

Destaque
Portugal
Interrogatório O que disseram RicardoSalgado e Hélder Bataglia 26

Portugal
Reportagem O estilo de Marcelo, depois de um ano em Belém 50
Polémica Secretário de Estado investiu na empresa da mulher 56
Nomeação Do governo para o regulador da energia 59

Mundo
Iraque A “prisão dos horrores” do Estado Islâmico 60

50
RICARDO PEREIRA

Dinheiro
SELFIE-MANMARCELO EM ACÇÃO Offshores A montanha de onde pode sair um rato 62
PELO PAÍS: UM ANO DE PRESIDÊNCIA
Sociedade
Anda a pé por todo o lado, dá dores de cabeça à segurança e na Casa Entrevistadevida João Perry, 76 anos de aventuras 66
Civil já houve quem tivesse de meter uns dias para recuperar o fôlego
Bolívia As zebras que põem ordem no trânsito 72
Doença Não suporta ouvir os outros comer? Não é único 73
Destaque GPS Turismo Os chefs que vêm dos Açores 74

Mesas à porta fechada Cinema O álcool está a chegar às salas 77

Só é possível entrar em alguns Apelidos Fundir o nome da mãe e do pai? Há quem o faça 78
dos bons restaurantes de Por-
Família
tugal depois de tocar à campai-
nha. Tam- Grávidas Vão à terapia para serem mães perfeitas 80
PEDRO ZENKL

26 bém uma
Social
LUSA

entrevista
com o ar- Espanha O regresso em apoteose da diva Isabel Pantoja 82
AS REVELAÇÕES DE quitecto Si-
SALGADO E BATAGLIA za Vieira; e Desporto

O que disseram os dois homens a estreia Entrevista Patrícia Mamona: a carreira e o que vai seguir-se 84
quando foram ouvidos pelo Mi- do novo
Opinião
nistério Público no âmbito da ope- Wolverine
ração Marquês

E mais...
José Nuno Alberto
4 Bastidores 14 Nuno Costa Santos 88 Alexandre Pais
Pacheco Rogeiro Gonçalves
6 Editorial 23 Pedro Marta Santos
Pereira 48 90
10 Do Leitor 25 Obituários
8
11 A Abrir 81 Dulce Garcia

www.sabado.pt

Alimentação 20 A 26 DE
Conheça os benefí- + LIDAS FEVEREIRO
cios dos alimentos
01. A MORTE DE REN HANG
que usa todos os dias
O controverso fotógrafo
Espinafres, couve-roxa,
chinêsexpôsem váriospaíses
agrião, nozes, romã e
outros que ajudam a pre-
02. AMIZADE COLORIDA
venir doenças crónicas
As regras para manter uma
relação saudável
Fotografia
Animais que parecem
03. VISITOU 193 PAÍSES
posarparaacâmara
Aartesurrealista A aventura de Cassandra De
Veja as estrelas do que
deBrianDettmer Pecol durou 18 meses e 26 dias
podia ser um calendário

3
Do director 2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

B
BASTIDORES
Os dois interrogatórios
demoraram horas
As revelações
e decorreram ambos
na sala 2 do DCIAP, a 5 e 18
de Salgado
de Janeiro. São, portanto,
muito recentes as
e Bataglia
explicações que os dois
deram sobre os milhões 15 dias de expirar o prazo (17
de José Sócrates e Zeinal
Bava, entre vários outros A de Março) definido pela pro-
curadora-geral da República,
Joana Marques Vidal, para que seja
concluída a investigação da Operação
Marquês, a SÁBADO revela, em pri-
meira-mão, o conteúdo de dois depoi- Henrique Espada, a quem demos a g
mentos-chave no processo: o de Ricar- missão de o seguirdurante umasema- Patrícia Mamona
voa na praia,
do Salgado, histórico presidente do na. À UCCLA, chegou 20 minutos an- antes da
BES, e Hélder Bataglia, fundador do tes da hora marcada e começou pela entrevista à
BES Angolae pai dafilhade umaprima parte final, baralhando tudo e todos. SÁBADO, na qual
confessa que
de José Sócrates. Na Póvoa de Varzim, fez questão de quando deixar
Os dois interrogatórios demoraram dar uma volta maior do que a prevista as pistas pode ser
horas e decorreram ambos na sala 2 pelos anfitriões só para falar com ma- médica ou
dedicar-se
nifestantes da CGTP. E muito do que à televisão
Marcelo faz, todos os dias, nem consta (para ler nas
da agenda oficial. Não por improviso, págs. 84 a 87)
mas porque o Presidente, que tomou
posse faz um ano no próximo dia 9,
estácansado de enchentes mediáticas
e sabe que anunciando asuapresença
a enchente é maior. Além disso, man-
tém privadaaagendaprivada: domin-
go, por exemplo, teve uma tertúlia em
!
casade amigos.
Uma reportagem com a marca SÁ-
BADO, para ler nas págs. 50 a 55.

B
Perry, uma vida intensa
g do Departamento Central de Investi- A entrevista esteve marcada para o
Marcelo Rebelo de gação e Acção Penal (DCIAP). O pri- Teatro Aberto, mas João Perrypreferiu
Sousa no porto da
Póvoa do Varzim meiro a 5 de Janeiro (Bataglia) e o se- fazê-la na casa onde vive desde 1975,
a activar uma gundo a 18 (Salgado). São, portanto, e para onde já não carrega coisas pe-
balsa salva vidas muito recentes as explicações que os sadas – vive num quarto andar sem Uma noite
dois deram sobre os milhões de José elevador, entre oito toneladas de livros a não perder
no Musicbox
Sócrates e muitos outros movimentos e documentos. Desde que foi operado Depois das exposi-
de dinheiro, beneficiando os próprios à coluna, deixou de ser ele a levá-las, ções no Espaço San-
ou, por exemplo, os antigos líderes da pede sempre aalguém. ta Catarina e no res-
taurante Largo ao
PT – Zeinal Bava e Henrique Grana- Durante a conversa com a jornalista Tacho, o projecto
deiro, constituídos arguidos pelo Mi- Ana Taborda, o actor foi bebendo – e Uma Página para
nistério Público na semana passada. oferecendo – café de Timor: “É ópti- Emoldurar, da SÁ-
Um grande especial da SÁBADO, mo, dá-me um speedfantástico.” BADO/GPS e do Ge-
rador, toma conta
para ler nas págs. 26 a 44. Aos 76 anos, já deixou o hábito de do Musicbox, numa
pregar partidas, mas não totalmente: noite com muita
B “Sempre as fiz, agora não, não tenho música e animação,
Na estrada com Marcelo paciência. Se me perguntarem sou ca- que vai juntar Maria
B Vidigal, Tó Trips,
Marcelo Rebelo de Sousa é um Presi- paz de sugerir coisas, mas já não as Alex Cortez e o DJ
Director dente difícil de seguir, como testemu- executo.” Umaemocionante entrevis- GPS. A não perder,
Rui Hortelão nhou a jornalista da SÁBADO Maria tade vida, paralernas págs. 66 a 71. W já dia 18.

4
Opinião 2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

E
EDITORIAL porexplicarrelacionadas comemprés-
timos de amigos e avales do banco pú-
Em Portugal, há um
governante que escondeu
A nova arma blico;háumex-Presidentequefaloude
escutasaoPaláciodeBelém,quepatro-
dados sobre offshores; um
Governo que resiste a fazer
de arremesso cinou um encontro discreto do seu as-
sessor pessoal com um jornalista num
uma auditoria forense à
CGD; e um líder espiritual
da política café daAv. de Romae que não se coíbe
de voltarao temaparase ilibardo que o
da esquerda que aceita dar
apoio a um governador
moderna seu próprio homem de confiança de
décadas escreveu emlivro; hátodo um
que classificou de “um grupo que estoirou com dois colossos
perigo para Portugal” transparênciaé aarmade arre- empresariais portugueses (BES e PT) e

A messo dos tempos políticos


modernos. De caso em caso,
em Portugal e lá fora, sucedem-se as
queseguevidacomosenadafosse;ehá
umoutro, aindamais numeroso, de de-
putados, reguladores, auditores, advo-
suspeitas e as investigações, as des- gados, comentadores e jornalistas que
confianças e as (raríssimas) condena- fazemcarreiradaalternânciaentrefun-
ções. É excepção a Islândia, onde em ções públicas e privadas.
2008 aJustiçadeclarou o ex-primeiro- Por fim, há a realidade: um despre-
-minis- tro GeirH. Haarde culpado por zo total pela transparência e uma
terescondido acrise financeirado res- impunidade quase tão grande para
tante governo; e onde, no ano passado, todos os envolvidos.
o então primeiro-ministro, Sigmun-
dur Gunnlaugsson, teve de se demitir E
porteromitido nadeclaração de patri- Osriscosdo registo oncológico
mónio os 50% que detinha de uma O secretário de Estado Adjunto e da
empresaoffshore, que nem erailegal. Saúde, Fernando Araújo, está empe-
EmPortugal,pelocontrário,háminis- nhadíssimo emcriaro Registo Oncoló-
tros que alteramleis àmedidados inte- gicoNacional.E,aoparecernegativoda
resses pessoais dos gestores que que- Comissão Nacional de Protecção de
remcontratar;secretáriosdeEstadodos Dados (CNPD), que considera que a
Assuntos Fiscais queescondem,duran- nova base de dados não salvaguarda a
te anos, informação relevante sobre 10 privacidade dos doentes, o Ministério
mil milhões transferidos paraoffshores daSaúde lembraque aCNPD “é obvia-
ouqueviajamparaverabolaàcontade mente importante, mas que a Assem-
empresas do sectorque tutelam; háum bleia da República é soberana”. A ga-
primeiro-ministroquerecebeuumare- rantia absoluta de Fernando Araújo de
comendação da Assembleia da Repú- que a nova ferramenta será blindada a
blicaparafazerumaauditoriaforense à qualquer utilização incorrecta dos da-
CaixaGeralde Depósitos e que aignora dos dos doentes com cancro – umain-
desde 2 de Agosto; há um governador formação com valor económico para
doBancodePortugal(BdP)que,nomo- bancos e seguradoras, como assinalou
mento de contratar um novo director aCNPD – contrastacom adesconfian-
de supervisão nomeiaquem tinhaesse ça que o seu par no Governo, Rocha
mesmo cargo durante o período que Andrade,revelousobreosistemainfor-
antecedeuo colapso do BES; háumex- máticodoFiscoapropósitodocasodos
-líderdoBlocodeEsquerdaqueacusou offshores. O secretário de Estado dos
esse mesmo governadorde “imprepa- AssuntosFiscaisatéjápediuquefossem
ração técnica” e de ser“umperigo para averiguados os dados correspondentes
Portugal”,masqueagoraaceitouocon- aessastransferências,porsuspeitarque
viteparaintegraroConselhoConsultivo houve“eventuaisintervençõesnosiste-
do Banco de Portugal; há um governo ma informático associadas ao não tra-
que, através da Caixa Geral de Depósi- tamento daqueles dados”.
tosecomoapoiodoBdP,contestauma E se os dados financeiros são im-
decisão judicial paradivulgaralistados portantes, os de pessoas doentes são
maiores devedores do banco público; ainda muito mais e exigem uma sen-
há um ex-primeiro-ministro que foi sibilidade que o secretário de Estado
preso e estáhámeses sob suspeitasem Adjunto e da Saúde insiste, no míni-
acusação, apesar das muitas histórias mo, em negligenciar. W

6
Opinião

O
ALAGARTIXA res, com a mesma repulsa politica-
mente correcta com que defendem
E O JACARÉ É vê-los a Trump. Não, meus caros amigos, não
há sofisticação nenhuma, nem é pre-
É preciso um grande saber
de economia e finanças
defender os ciso um curso de Economia e Gestão
para perceber os offshores, pelo con-
parase perceberas virtudes
dos offshores, e só os igna-
seus, a atacar trário, percebe-se muito bem paraque
servem e o que são.
ros é que falam mal dos
offshores, essa benévola
os seus Bem demais. W

instituição do “comércio in-


ternacional”
inimigos O
comuns e a
revelarem-se Núncio demitiu-se
Játinhaacontecido com Trump: quan-
do se tratava de atacar os inimigos de de quê?
Trump, também os “seus” inimigos,
tocava-se a rebate para defender Paulo Núncio demitiu-se de uns luga-
Trump. Agora são os offshores. Inte- res insignificantes do CDS e assumiu a
ressante. Nas declarações politica- “responsabilidade política” pela não
mente correctas toda a gente é contra publicação dos dados sobre 10 mil
os offshores, mas aconteceu o que milhões de saídas não controladas de
aconteceu com gente do CDS e do dinheiro para os offshores. Cristas
PSD do ex-governo e aparecem deze- veio elogiar o homem a quem o País
nas de explicações esfarrapadas sobre “devia muito”. Passos Coelho, Vítor
por que é que devem existir offshores Gaspar e Maria Luís Albuquerque fa-
e porque é que não há mal nenhum zem de conta que não é com eles. Ou
em não os controlar. seja, mais uma vez continua a haver
É a contínua afirmação de que man- uma enorme irresponsabilidade no
dardinheiro paraoffshoresé o cúmulo exercício de cargos públicos onde, a
da legalidade – não admira quando partir de um certo nível e quando se
vem dos mais distintos advogados de está dentro do círculo de confiança do
negócios, como Paulo Núncio aliás, ou poder fáctico que governa este país,
Assunção Cristas, cujos escritórios ofe- ninguém cai, tudo se transforma.
recem entre os seus serviços a consti- Se Núncio tivesse gerido o seu escri-
tuição de offshorese aconselhamento tório de advogados como umaempre-
fiscal sobre como manobrar eficaz- sa que vive da influência junto do po-
mente alei –, tudo legal como é óbvio. der, causado os danos ao cliente (neste
Depois apareceu agora outra explica- caso o povo), os estragos reputacionais
ção-justificação, não é possível actuar àempresa(neste caso o governo ante-
no comércio internacional sem usar rior) e a grossa negligência que mos-
offshores. E ainda iremos ouvir outras trou no exercício das suas funções,
versões damesmanecessidade de co- sem esquecer que, quando inquirido,
locar dinheiro, legalmente, claro, nas começou poratiraras responsabilida-
Ilhas Caimão ou em Gibraltar, dinheiro des para outros e mentir, era provável
que, por singular coincidência, depois que lhe fosse mostrada a porta. Nisso
de láestarficasem rastro. dou vantagem aos nossos pseudolibe-
Sim, é preciso um grande saber de rais, pois talvez o sector privado fosse
economia e finanças para se perceber mais severo com o prevaricador do
as virtudes dos offshores, e só os igna-
ros é que falam mal dos offshores, essa
benévola instituição do “comércio in-
ternacional”. E, sempre os mesmos, lá
estão afadigados adefenderos offsho-
O
Professor
José Pacheco Pereira

8
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

que o Estado e os políticos têm sido. A O no plano político já antiga. Porém, as


não serque o dolo venhamais de cima respostas permanecem contraditó-
e tenha sido dito a Núncio que não era
conveniente publicar-se os dados so-
O que fazer? rias no Partido Democrático, como se
vê com a eleição do seu presidente,
bre as saídas de dinheiros paraoffsho- Os democratas nos EUA e de um muito ligado à linha Obama-Clinton,
res, porque também me parece com- modo geral os opositores a Trump contra o candidato apoiado por Ber-
pletamente implausível que aministra estão defrontados com uma questão nie Sanders, na sequência do que
das Finanças, ou o primeiro-ministro clássica de táctica e de estratégia nos aconteceu nas primárias. No entanto,
nuncatenham tido sequer curiosidade movimentos sociais e políticos: ata- as bases do Partido têm vindo à rua,
de saber quanto dinheiro estava a sair que intransigente desde já a Trump literalmente, com muita dureza e mi-
do País. Nem que fosse quando se ou contemporização à espera dos er- litância, criando uma ecologia muito
aprovou um plano destinado a, com ros cometidos pelo novo Presidente? hostil aos republicanos, em particular
uma pequena penalização, fazer re- Há toda uma nuvem de respostas na questão do chamado Obamacare.
gressar o dinheiro que tinha saído possíveis e muitos elementos desse Como aconteceu na forte desloca-
fraudulentamente do País. E não ha- debate, bastante interessante e rico, ção à direita de muitos partidos so-
verásequerum SMS? W têm sacudido uma modorra teórica ciais-democratas e mesmo socialistas
na Europa, deixando dependurados
todos os que eram fiéis a uma linha
centrista, o mesmo se está a passar
com os republicanos cuja radicaliza-
ção deixa homens como John McCain
isolados. O processo de polarização e
os seus efeitos radicalizadores são
uma evidência na política americana,
como aliás na Europa, deixando vazio
o centro. No caso de Trump e dos seus
ideólogos mais à direita, como é o
caso de Steve Bannon, esta polariza-
ção é desejada, o que leva alguns a
questionarem se uma táctica intransi-
gente não servirá os interesses revo-
lucionários do actual Presidente e dos
seus homens que sabem o que fazem.
Outros não saberão, mas há quem
saiba o que quer.
Penso que, se se entender que está
em curso uma revolução nos EUA,
uma revolução do século XXI, sem
modelo prévio com que possa ser
comparada, a resposta não pode ser
meiga, nem complacente. O que é in-
teressante nos EUA, e isso mudará
todo o espectro político mundial, é que
há cada vez mais pessoas que com-
preendem o que se estáapassare per-
cebem o imperativo moral e político
de se oporem desde já, sem meio-ter-
mo. É provável que essa seja a lingua-
gem que Trump percebe e domina,
SUSANA VILLAR mas também não é líquido que não
seja a que maiores estragos traz aos
seus planos. Vamos ver. W

9
Do leitor [email protected] www.sabado.pt

Conselho de Administração Paulo Fernandes (Presidente),


João Borges de Oliveira, Luís Santana e Alda Delgado

O drama do sono – problemas


Directora Geral de Marketing Isabel Rodrigues
Director Geral Comercial Hernani Gomes
Directora Administrativa e Financeira Alda Delgado
Director de Circulação e Assinaturas João Ferreira de Almeida

e soluções para todas as idades Director de Informática Rui Taveira


Director de Recursos Humanos Nuno Jerónimo
Directora de Research Ondina Lourenço

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Editor Executivo João Carlos Silva ([email protected])
Directora Criativa e de Operações Joana Pais Vieira ([email protected])
Redactor Principal Pedro Jorge Castro ([email protected])
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Editor Online Filipe Garcia ([email protected])
Editor Multimédia Nuno Paixão Louro ([email protected])
Subeditores Alexandre Azevedo ([email protected])
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Redacção Ágata Xavier ([email protected]) Ana Catarina
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Cronistas Alberto Gonçalves ([email protected]), Alexandre
Pais ([email protected]), Eduardo Dâmaso
([email protected]), João Costa ([email protected]), José Pacheco
L Pereira (jppereira@ gmail.com), Nuno Costa Santos ([email protected]),
Nuno Rogeiro ([email protected]) e Pedro Marta Santos
([email protected])
Fátima Sequeira Secretária da Direcção Catarina Gonçalves ([email protected])
Lisboa Ilustração Luis Grañena, Rui Ricardo, Susana Villar
Infografia Filipe Raminhos e Ruben Sarmento
Grafismo Nuno Martins da Silva (editor),
Dormir cerca de oito horas por noite bem dormidas é essencial para o bom Ana Soares (gráfico sénior), Daniel Neves, Marta Cristiano, Marta Luz,
funcionamento do corpo e das funções cognitivas. Li neste artigo da SÁBA- Tiago Dias, Tiago Martinho (gráfico sénior)
Tratamento de Imagem João Cruz e Ricardo Coelho
DO que, por exemplo, fazerem-nos festas na cabeça pode ser um inimigo Consultoria Linguística Manuela Gonzaga ([email protected])
Documentalista Anabela Meneses ([email protected])
do sono. Para mim não é, nunca foi. (...). Desde miúda que adormeço muito Estatuto editorial (Leia na íntegra em www.sabado.pt)
melhor assim. E se ler um livro na cama, comigo funciona como um sopo-
Os textos da SÁBADO não seguem o novo Acordo Ortográfico
rífero, ao fim de duas páginas estou a cair de sono. (...)
Assinaturas
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L alguma beleza, mas a América foi Rua Luciana Stegagno Picchio nº 3 – 2.º Piso – 1549-023 LISBOA
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Póvoa de Varzim genocídio dos índios e a escravatu- 2 anos (104 edições) € 200,20 - -
IVA incluído à taxa de 6%
Louçã tem de partir a louça ra durante 300 anos. Ninguém Contactos Margarida Matos (Coordenadora), Sandra Sousa, Ana Pereira
e Sónia Graça (Serviço de atendimento)
sabe o que vai acontecer nos e aos
Venda de edições anteriores
Se Francisco Louçã não “partir a EUA. Há milhões de pessoas, não Contacte-nos pelo 219 253 248 ou [email protected]
louça” nas reuniões do Conselho só na América mas no mundo, em Marketing
Sónia Santos (gestora)
Consultivo do Banco de Portugal, estado de horror, com raiva e
Publicidade
o antigo dirigente do Bloco de medo. Por cá, em matrizes funda- Assistente Comercial Irene Martins
Rua Luciana Stegagno Picchio nº 3, São Domingos de Benfica,
Esquerda é um coleccionador de mentais de Trump, o CDS e o PSD 1549–023 LISBOA Telefone +351 210 494 102 – Fax + 351 213 540 392
ou + 351 213 153 543 Email [email protected]
máscaras. Afinal, o BE faz parte do são os que lhe estão mais próxi-
Produção
arco da governação. Se Louçã fosse mos. Trump repugna a democracia Avelino Soares (director-adjunto), Carlos Dias (coordenador),
nomeado para o departamento de e tudo o que faz e diz tem um Paulo Bernardino, José Carlos Freitas e Fátima Mesquita (assistente)

jogos da Santa Casa da Misericór- conteúdo perigosíssimo. Ninguém Circulação


Madalena Carreira (coordenadora) e Jorge Gonçalves
dia, apostava na criação de um pode ou deve ficar indiferente. Redacção
jogo social para descobrir quem Rua Luciana Stegagno Picchio nº 3, São Domingos de Benfica,
1549–023 LISBOA Telefone +351 213 185 200 – Fax +351 210 493 144
serão os próximos administradores L
Sede: Administração e Publicidade
da Caixa Geral de Depósitos. Ernesto Silva Rua Luciana Stegagno Picchio nº 3
São Domingos de Benfica, 1549–023 LISBOA
Vila Nova de Gaia
L O livro de Cavaco Propriedade/Editora
Cofina Media SA
Estrada Consigliéri Pedroso, 90
Casal de Santa Leopoldina
Vítor Colaço Santos Capital Social 22.523.420,40 Euros 2745-553 Queluz de Baixo
CRC Lx n.º 502 801 034 Tel. 214 345 400
S. João das Lampas Cavaco Silva enganou-se no título Contribuinte 502 801 034 Pré-impressão
Principal Accionista Cofina SGPS, GRAPHEXPERTS
Megalómano e perigoso do livro das quintas-feiras: em vez SA (100%) Rua cidade de Rabat
N.º Registo ERC 124436 32-B, 1500-163 Lisboa
de memórias era rancores. Depois, N.º ISSN 0872-8402 Distribuição
Depósito Legal 210999/04 VASP – Distribuidora de Publicações,
Os EUA são um país erigido por em entrevista à RTP, o ex-Presi- Tiragem média no mês de Janeiro Lda. MLP: Media Logistics Park
100 mil exemplares Quinta do Grajal – Venda Seca,
imigrantes e escravos que também dente da República esclareceu que Impressão LISGRÁFICA 2739-511 Agualva, Cacém
foram imigrantes – levados à força. com ele não se pode ter conversas Impressão e Artes Gráficas, SA
Eleita pelo sétimo ano consecutivo newsmagazine
A Constituição americana encerra privadas… só secretas. W do ano pela Meios & Publicidade

10
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

Aabrir

opções ou decisões.”
Filhoealuno É Miguel Caetano que
Miguel Caetano gere e autoriza os pedidos
foi aluno do pai de consulta da documen-
durante dois tação do arquivo Marcello
anos na Facul- Caetano, depositado na
dade de Direito. Torre do Tombo. Em
“Posso dizer que Junho de 2007, foi contac-
conheci o pro- tado por Francisco Marti-
fessor: a história nho, professor do Depar-
do cerimonial da tamento de História da
entrada nas au- Universidade de São Pau-
las, do reparo ao lo, o que deu origem a
aluno sem gra- uma investigação publica-
vata e da expli- da no livro Marcello Cae-
cação a uma tano – Uma biografia
aluna sobre as 1906-1980, lançado no
h razões que leva- fim do ano passado pela
Caetano estudante: vam a condicio- editora Objectiva.
dentro do regime nar o acesso das O filho do último presi-
era considerado
da “ala moderna”
mulheres às car- dente do Conselho do Es-
reiras de magis- tado Novo deixa claro que
trados judiciais não esperava uma hagio-
são perfeitamen- grafia de Marcello Caeta-
te plausíveis” no, mas afirma que “basta
dar maior ou menor rele-
vo a determinados perío-
dos ou factos políticos
para alterar a projecção
da personagem no seu
período histórico”.
O livro serve de pretexto
a uma análise de Miguel
É O FILHO, Caetano à vida do pai em
MIGUEL, QUE 10 pontos-chave, que ten-
ABIOGRAFIADE CAETANO GERE E AU-
TORIZA OS
ta enquadrar no que seria
o seu pensamento. Se-

VISTAPELO FILHO PEDIDOS DE


CONSULTA
DO ARQUIVO
guem-se excertos relati-
vos a cada ponto:

CRÍTICA A propósito da mais recente biografia do sucessor de Salazar, DO PAI, NA 1. A rejeição de uma
escrita por Francisco Martinho, o seu terceiro filho, Miguel, analisa a vida TORRE DO democracia parlamentar
do pai em 10 pontos. O texto integral, em exclusivo, está no site da SÁBADO TOMBO “Marcello Caetano nunca
aceitou como adequada
uem conhecer o pode ler na íntegra o tex- mente do pai sobretudo a ao seu país uma democra-

Q meu currículo cí-
vico conclui rapi-
to) – de Miguel Caetano à
última biografia sobre o
partir da reeleição de
Américo Thomaz para a
cia parlamentar. Qualquer
dos seus alunos sabia isso,
damente que não fui pro- sucessor de Salazar. Presidência da República, e os seus Manuais de
priamente um apoiante O terceiro filho do últi- em 1972. Mas há uma Ciência Política também
do Estado Novo, o que mo chefe de governo do diferença entre concordar eram bem explícitos
não impediu que tivesse regime deposto a 25 de com o pai em tudo e quanto à sua posição. Por
tido uma relação franca e Abril de 1974 foi por tentar compreendê-lo – isso, em momento algum
aberta com o meu pai ao exemplo fundador da e disso não desistiu: “Ha- enganou fosse quem fosse
longo dos anos 60 e 70.” SEDES (Associação para o bituei-me a procurar per- com falsas promessas. (…)
Arranca assim a crítica – Desenvolvimento Econó- ceber o meu pai, Marcello Mesmo quando fala em
escrita em exclusivo para mico e Social), em 1970, Caetano, mesmo que não Miguel eleições e na possibili-
o site da SÁBADO (onde tendo divergido politica- concordasse com as suas Caetano dade de serem eleitos Q

11
Aabrir

Q para a Assembleia de- te, não era fácil acabar


putados doutras listas, não com a censura e desarmar
está a pensar fazer depen- a PIDE/DGS. Para Marcel-
der o governo do voto lo Caetano o Partido Co-
parlamentar.” munista Português fazia
parte duma organização
2. A aproximação à internacional dependente
Europa do “chefe da ala da União Soviética, da
moderna” qual recebia ordens. Tam-
“(…) Dinamizou as relações bém, e dentro dos seus
do Estado com os empre- princípios, o PCP batia-se
sários, promoveu o lança- pela subversão da socie-
mento da televisão em dade que ele defendia. (…)
Portugal. Essa a razão por E teria sido mais fácil
que foi considerado, den- negociar a independência
tro do Regime, como o das colónias em 1969 ou
chefe da ala moderna: 1970? Creio que o resulta-
defende a modernização do teria sido o da entrega
da economia portuguesa, das colónias aos movi-
uma maior abertura à Eu- mentos independentistas,
ropa e ao mundo, um sis- sem conseguir assegurar a
tema político mais liberal.” protecção dos cidadãos
portugueses que nelas vi-
3. A recusa da luta viam, tal como acontecera
de classes na maioria dos processos
“Apesar da maturação do de descolonização ante-
seu pensamento, Marcello riores e veio a acontecer
Caetano, sendo um pro- com Portugal após o 25 de
fundo conhecedor da Abril (apesar do optimis-
obra de Karl Marx, nunca mo de Spínola no início).”
aceitou a dogmática mar-
xista. Contrapôs sempre à 7. A dimensão atlântica
luta de classes a solução “A dimensão atlântica é
corporativa. (…) Para Cae- uma mais-valia na inte-
tano, corporação signifi- gração de Portugal em
cava compreensão e co- qualquer comunidade
laboração. Sobretudo europeia. Pequeno país
compreensão de patrões periférico na Europa,
e de empregados para a mesmo de todos os países g pensamento. A Europa apenas poderia ter im-
No início dos anos
implantação do bem co- que faziam parte da OCDE. 70, um instante de
Ocidental representava portância e significado
mum, tendo consciência, A aproximação às médias popularidade de- uma civilização, uma cul- nesta comunidade se
ambos, ‘do significado europeias foi uma realida- pois de suceder a tura, uma mensagem que afirmasse a sua dimensão
Salazar
moral do capital e do tra- de, não ficando atrás da tinha obrigação de levar atlântica. (…) Curiosamen-
balho ao serviço da co- que se verificou após o 25 aos povos menos evoluí- te, hoje parecem estar
lectividade’”. de Abril, que não conse- dos, ajudando-os a todos de acordo com
guiu melhor, apesar dos integrarem-se nesse mo- a existência duma
4. A obra como grandes apoios financeiros “MARCELLO delo de civilização. Não Comunidade dos Países
presidente do Conselho recebidos da União Euro- TINHA era racista, pois tal não ca- de Língua Portuguesa,
“Os seus Governos avan- peia. (…) Será que alguém GRANDE AD- bia nos seus princípios, com interesses culturais e
çam na criação de infra- pode afirmar convicto que MIRAÇÃO mas pensava que existiam económicos.”
-estruturas, na liberaliza- no tempo de Marcello PELAS QUA- culturas mais evoluídas do
ção da economia, no apoio Caetano ‘Portugal era o LIDADES MI- que outras. Mas a sua visão 8. O mito Spínola
à iniciativa privada – fim país mais pobre da Europa LITARES DO ecuménica da humanida- “Marcello Caetano tinha
do condicionamento Ocidental. E assim se man- GENERAL de levava-o a integrar to- grande admiração pelas
industrial, com tal sucesso tinha sem nenhuma pers- SPÍNOLA, dos como iguais.” qualidades militares do
que Portugal registou, pectiva de alteração’?” MAS NÃO O general Spínola, mas não
entre 1968 e 1973 as taxas ADMIRAVA 6. A censura o admirava pelo seu senso
de crescimento do PIB 5. A questão colonial PELO SEU e a PIDE/DGS político. (…) Se analisarmos
mais elevadas de toda a “A África para os africanos SENSO POLÍ- “Com o País em guerra e a a falta de originalidade do
Europa, provavelmente não fazia sentido no seu TICO” ameaça soviética presen- livro Portugal e o Futuro e

12
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

PUB
a não adequação da solu-
Livro ção proposta ao que se
passou em 1974 e 1975,
Marcello creio que a alternativa
Caetano – Spínola não passou de um
Uma perigoso mito, que desen-
Biografia cadeou uma situação rapi-
(1906-1980) damente incontrolável.”
Autor
Francisco 9. O exílio
Martinho “Não creio que Marcello
Editora Caetano tivesse concorda-
Objectiva do com a publicação inte-
gral da sua correspondên-
cia, pois deixou instruções
aos filhos para destruírem
a correspondência particu-
lar (de portugueses) por ele
recebida no Rio de Janeiro,
por entender que em
situações anormais as
pessoas dizem coisas de
que facilmente se arrepen-
deriam noutra situação.”

10. Conclusão
“Vencido no dia 25 de
Abril pelo golpe militar
que ocorrera em Portugal,
motivado pela insatisfação
dos militares com a conti-
nuação da guerra colonial,
insatisfação em que se
misturavam reivindica-
ções de tipo corporativo
com outras de ordem polí-
tica, [Marcello Caetano] é
afastado da chefia do Go-
verno e acusado de ter fa-
lhado uma oportunidade
Limites única para assegurar a
“Considero Mar- transição entre o Estado
cello Caetano Novo de Salazar e uma
bem mais mo- outra realidade política de
derno que Sala- contornos indefinidos.
zar. (…) O que Onde falhara Marcello
não deixo, no Caetano? Teria sido possí-
entanto, é de fa- vel com outra política,
zer referência arriscando mais na linha
aos limites da da abertura e da liberali-
intenção zação? Nunca ninguém o
modernizadora saberá. Talvez o problema
de Caetano”, herdado por Marcello
escreve Caetano representasse a
Francisco impossível quadratura do
Martinho, autor círculo. Talvez...” W
da biografia,
num texto de Leia o texto integral e a
resposta a resposta de Francisco Mar-
Miguel Caetano tinho em www.sabado.pt

13
Aabrir www.sabado.pt

Fotografia contada
O marginal ameno
c
A Hong Kong Economic and Trade Office in Brussel e a Câmara Casamento
Shirley Lam
de Comércio e Indústria Portuguesa celebraram a entrada no comparou a relação
novo ano chinês, do Galo de Fogo, com um almoço em Lisboa China-Hong Kong
com um casamento,
em que são dois
Memória países e um sistema
Artur Lami contou que com o avanço da
O tecnologia, a sala de mercados de Hong
Nuno Costa Santos
Kong faz parte da memória, sendo
Escritor
agora uma espécie de museu

Uma nesga
de eterno
Foi junto à praia da Granja,
território onde Sophia de
Mello Breyner passava os
Verões, numa casa de família,
reduto do poema Casa Bran-
ca, que espreitei, no maldito
iPhone, uma notícia sobre o
livro de Cavaco Silva Quinta-
Feira e Outros Dias. É nos lu-
gares mais líricos que nos dá O brinde
para devorar os mais prosai- (Da esquerda para a direita) Rui Miguel Nabeiro, CEO da Delta Cafés; Ilídio Serôdio, presidente PCG da
Profabril e vice-presidente da Câmara de Comércio Luso-chinês; Mário Patinha Antão, vice-presidente
cos assuntos. Banco Português de Gestão; Gabriela César, adjunta do chefe da Delegação Económica e Comercial
Estava aí em trabalho e, du- de Macau em Lisboa; Artur Lami, director-geral para as Actividades Económicas; Shirley Lam,
rante uma pausa, em vez de representante especial para as Relações Económicas e Comerciais de Hong Kong junto da UE; Cai Run,
aproveitar o sol marítimo, se- embaixador da República Popular da China; e Miguel Horta e Costa, director da Câmara de Comércio
gui um alerta digital e consu-
mi, um a um, os citados consi-
derandos do ex-Presidente O TRIUNFO DOS OS GATOS PREFEREM AS MULHERES
sobre o ex-primeiro-ministro. GENÉRICOS REVELA UM ESTUDO PUBLICADO NA
Até que consegui abandonar REVISTA BEHAVIOURAL PROCESSES.
essa espuma e olhar a que ti- MEDICAMENTOS
nha em frente. Mais de 800 medicamentos
OS FELINOS TÊM UMA RELAÇÃO MUI-
E então vi a Granja de Sophia, genéricos, um recorde absolu- TO MAIS INTENSA COM AS DO-
sobre a qual falou assim a Maria to, foram aprovados em 2016 NAS DO QUE COM OS HOMENS
Armanda Passos: “Há lugares nos EUA (um espelho da reali- EM GERAL. DUAS EXPLICAÇÕES:
sagrados, sabe? Mas isso são dade mundial). Só nos EUA, a
coisas que se escrevem nos con- poupança ao sistema de saúde
SENTEM O INSTINTO MA-
tos e nos poemas e que não se que os genéricos trouxeram na TERNAL DAS MULHERES E
dizem numa entrevista.” Pude última década é astronómica: A VOZ FEMININA SOA-
fantasiar o que era estar naquele 1.700.000.000.000 euros. -LHES MELHOR.
sítio antes da Internet. Foi aíque
nasceu A Menina do Mar, livro
de tantas infâncias, inspirado
numa história que a sua mãe lhe O MEDIATISMO DE
contava sobre uma rapariga que VALE E AZEVEDO
morava nos rochedos. “Essa
menina representava para mim LIVROS
a felicidade perfeita porque al- De que modo o ex-presidente
moçava no mar, dormia no mar, do Benfica construiu uma
vivia no mar.” Sim, feliz a hora identidade que o tornou pro-
em que me libertei da armadilha tagonista da agenda dos des-
do noticiário. Não podemos dei- portivos portugueses? Esta é a
xar que a actualidade atrapalhe pergunta a que responde o li-
uma nesga de eterno. W vro A Ascensão Mediática de
Vale e Azevedo, de António
Varela, jornalista de Record.

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2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

OS PEDIDOS MAIS
Oemoji RIDÍCULOS EM VOO
favorito é... VIAGENS
Um upgrade para a primeira classe é
uma exigência comum, mas há quem vá
mais longe. A Rumbo, agência de via-
gens online, recolheu os pedidos mais
estranhos dos passageiros de avião.

…o coração. Antes o
símbolo preferido dos
utilizadores do Face- QUER ALMOÇAR COM
book era o polegar le- BERLUSCONI? TEM €30 MIL?
vantado, sinal de “gos- SOLIDARIEDADE
to”. Mas desde há um Sílvio Berlusconi aceitou participar num almo-
ano, quando aquela ço solidário cuja receita reverte para a recons- Escorrega Peluche
trução das localidades do centro de Itália Posso usar um Vou levar um boneco
rede social lançou o afectadas por sucessivos terramotos. Em me- escorrega em vez gigante. Mas não se
Facebook Reactions – nos de 24 horas, as ofertas para almoçar com da escada para sair preocupem, não
uma lista de emojis o ex-primeiro-ministro italiano superaram os do avião? precisará de comida
para interagir com as 30 mil euros. O leilão, promovido pela Charity
Stars e pela Cruz Vermelha, estará aberto até
publicações –, o mais 16 de Março. Berlusconi, de 80 anos, é apre-
usado passou a ser o sentado como “famoso por ser um génio da
coração. comunicação e um político popular”.

Hospedeira Estranhos
Quero ser servido Quero saber quem
por uma hospedeira, se vai sentar ao meu
mas tem de ser sexy, lado. Odeio viajar
muito sexy com desconhecidos

Aniversário Bombons
Posso sentar-me Nada de comida para
ao lado do piloto? mim. Só bombons,
É que faço e que não sejam
anos hoje… de café

Rainha Cactos
É a nossa lua-de-mel. Sei que é um assunto
Têm de tratar a picante, mas posso
minha mulher como levar cactos na
uma rainha! bagagem?

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2 MARÇO 2017
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Quantasrosas? A criada malcriada


Símbolo do amor, FACEBOOK.COM/ACRIADAMALCRIADA E SABADO.PT
as rosas vermelhas são
as flores dos Off-off-off-offshore
apaixonados. Mas não é
assim tão simples. Há
que saber interpretar a
mensagem consoante o
número de cada ramo.
Atenção ao 108

1
Amor à primeira vista

3
Amo-te

9
Juntos para sempre

100
Sou-te dedicado Para ti (lha)
JOÃO COSTA, activador de negócios

h
108
Queres casar comigo? Uma revolução na segurança aquática
Um dispositivo inovador promete diminuir o risco de afogamento. Trata-se de uma bóia
insuflável portátil para ser usada como se fosse um relógio de pulso
365
Vou amar-te todos os dias talizadas por afogamentos têm, muitas
da minha vida vezes, prognóstico reservado.
Depois de perder um amigo por afo-
gamento, o mentor do Kingii foi moti-
vado a criar um dispositivo que pudes-
999
O meu amor é infinito
se ajudar alguém em situações de pe-
rigo no mar, nos rios ou piscinas. Este
equipamento de segurança asseme-
lha-se a um relógio de pulso – é uma
espécie de pulseira salva-vidas. Possui
uma alavanca, que activa um pequeno
cilindro de CO2, para accionar o en-
chimento de uma bóia e projectar a
pessoa para a superfície. A bóia é reu-
tilizável através da inserção de um
novo cartucho de CO2.
ais de 370 mil pessoas mor- Este produto não substitui outros sis-

M rem afogadas anualmente em


todo o mundo. Em Portugal,
nas crianças, o afogamento é a segunda
temas de segurança, mas poderá com-
plementar e ajudar a evitar mortes em
determinadas situações.
causa de morte, segundo os dados da Está disponível para compra em
Associação para a Promoção da Segu- Mais www.kingii.com, onde encontra tam-
rança Infantil. A gravidade dos afoga- em sabado.pt bém informações mais detalhadas.
mentos não se restringe aos casos que Veja no site
resultam em morte – as pessoas hospi- como funciona [email protected]

16
Promoção semanal, às 5ªs
5 s feiras de 16 de Fevereiro a 5 de Outubro de 2017. PVP 1ª
1 entrega 1€; PVP 2ª
2 entrega 3,95€ ; PVP restantes entregas 6,95€. Colecção de 34 entregas, cada uma composta por fascículo + oferta de peças. Preço total da colecção 227,35€.
Preços válidos para Portugal Continental, IVA incluído. Promoção limitada ao stock existente. Para mais informações 210494414 (dias úteis das 9H30 às 13H00 e das 14H30 às 18H30). À venda numa banca perto de si ou em loja.xl.pt.

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2 MARÇO 2017
Aabrir www.sabado.pt

Insólito
SÓNIA BENTO

!
Tinta para o cabelo
que varia de cor
A empresa britânica
The Unseen lançou
uma tinta para o cabelo
que pode assumir duas
cores, consoante a tem-
peratura do ambiente. !
Fire é uma mistura de Agente apressado
compostos químicos de Um agente da polícia que
Lauren Bowker, a quem deveria estar com pressa
chamam A Alquimista. para voltar ao trabalho
saiu de um posto de ga-
solina, na Flórida, EUA,
! ! com o bocal da manguei-
Meditarnocemitério ra de combustível pendu-
Liu Taijie, uma chinesa
de 30 anos, divorciada,
Golpe na disfunção eréctil rado no carro. Só deu
conta do que se passava
montou um negócio iné- Não imagina porque é que este mestre chinês de kung-fu quando foi avisado por
dito para ajudar mulheres é conhecido como Virilha de Aço? É simples: Wei Yaobin outro motorista, que tirou
a superarem os divórcios. leva pontapés na zona genital repetidas vezes e nem pes- a foto. O bocal foi devol-
É radical: reúne-as em vido à bomba.
taneja. Afirma mesmo que a prática é eficaz para comba-
cemitérios e coloca-as
em meditação, deitadas ter a disfunção eréctil e a ejaculação precoce. O mestre
mostra a técnica pelas ruas de Louyang, na China, mas os
em campas abertas. “Eu
pensei em cometer suicí- seus vídeos tornaram-se virais na Net e ele quer popula- €1.365
dio quando me divorciei”, rizar em todo o mundo o seu estilo de kung-fu.
explica Liu, que se casou Em vez de oferecer flo-
aos 19 anos. res à namorada, um
homem da província
! de Jilin, na China, fez
O EXCESSO DE VELOCIDADE um bouquet com notas
dobradas em forma de
LEVOU OS MORADORES DE flor, que davam uma
HOPEMAN, UMA VILA NA ESCÓ- soma de 10 mil yuans
CIA, A VESTIREM COLETES COMO SE (€1.365). O arranjo era
FOSSEM POLÍCIAS E A USAR SECADO- para comemorar o Ano
do Galo do zodíaco chi-
RES PARA SIMULAR RADARES. nês e ele jura que foi
O OBJECTIVO É DISSUADIR OS para dar sorte à rapari-
CONDUTORES DE ACELERAREM. ga e não para se exibir.

! ! ! !
Michelin por engano Polícia ajuda nos TPC Rouba carro e pede Presa por dançar
O restaurante Le Incapaz de resolver um tra- ajuda ao próprio dono A norte-americana
Bouche à Oreille, da balho para casa – a equação 1. Abbotsford é uma pequena Brittany Fultz alegou ino-
pequena cidade (8 + 29) x 15 –, Lena Draper, cidade, situada no extremo oeste cência após ter sido presa
francesa de Bourges, de 10 anos, pediu ajuda pelo do Canadá, onde neva imenso. Por por realizar uma dança
recebeu uma estrela Facebook à Polícia de Ma- isso roubar carros ali é arriscado, já erótica para um idoso de
Michelin por engano e rion, nos Estados Unidos. E que podem ficar presos na neve. 100 anos, num asilo do
encheu-se de clientes teve resposta: “Os números 2. Foi o que aconteceu a um ho- Ohio, EUA. “O homem
espantados com a mo- entre parêntesis devem ser mem que invadiu uma casa duran- sabia exactamente o que
déstia da sala. O Guia resolvidos primeiro. Assim, o te a madrugada e roubou uma van. se estava a passar”, disse
Michelin apressou-se a problema é 37 x 15”. “Resol- 3. Só que ficou preso na neve em o advogado de defesa
pedir desculpa: há ou- ver emergências é o nosso frente a um café e, para seu azar, de Fultz, acusada de
tro restaurante com o trabalho”, explicaram depois foi pedir ajuda ao próprio dono da crime sexual por ter
mesmo nome em Paris. os polícias. carrinha. Acabou preso. exibido os seios e o rabo.

20
TENHA INFORMAÇÃO
PRIVILEGIADA NA
PONTA DOS DEDOS

MARKETING GESTÃO E NEGÓCIOS GESTÃO DE PESSOAS

LITERACIA
LI
LITERA
RACI
CIAA FINANCEIRA DESTINOS DE SONHO
SONH
NHO
O

Saiba
Saib
ba ma
m
mais
is sob
sobre
obre
re aass nossass rrevistas
evis
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blicaco
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es.pt
pt · Tel:
Tell: 21
21 012
0112 34 00
Aabrir

As frases da semana

F
Papa Francisco, Associated Press
“Há aqueles que dizem: ‘Eu sou católico, vou sempre à missa.’
Algumas destas pessoas deviam dizer: ‘A minha vida não é cristã,
pago salários baixos, exploro as pessoas, lavo dinheiro’ (...) Há
muitos católicos assim. Se isto é um católico, mais vale ser ateu”

F F F F
Ferro Rodrigues Lindsay Lohan, Pedro Santana Lopes Stephen Bannon
“A minha imparcialidade é total. actriz, US Weekly “Não se justificaria que o PSD “Os media, tal como estiveram
É evidente que há pessoas que “[No e o CDS celebrassem também errados durante a campanha ,
continuam a pensar que a um acordo parlamentar estão errados sobre o que está
maioria é a mesma de há um ano
aeroporto] para responder à maioria a acontecer agora. (…) Os media
e meio, mas, infelizmente para mandaram- parlamentar que se formou?” mainstream deviam entender
elas, não é e, portanto, têm que -me tiraro Provedor da Santa Casa da Misericórdia, uma coisa: todas as suas
Correio da Manhã
se habituar às novas regras” lenço que promessas [de Trump]
Presidente do parlamento, acusado de vão ser implementadas”
parcialidade por Assunção Cristas, Lusa trazia na F Chefe de estratégia de Trump, CBS
cabeça. Foi António Ventura
F a primeira “Se estiverem dois candidatos F
Luís Montenegro vez que me em pé de igualdade e um deles George Clooney
“O que está a acontecer no for maçon, é compreensível “Stephen Bannon é um produtor
parlamento é um escândalo
apontaram que se favoreça o maçon” e realizador falhado. Escreveu
democrático, com a anuência poruma Historiador e professor catedrático, i um musical rap, baseado em
do primeiro-ministro e com questão ra- Shakespeare, sobre os conflitos
a anuência dos seus acólitos, cial. Fiquei F em Los Angeles, que nunca
que criaram uma nova Tomas Sedlacek conseguiu avançar. Fez muito
realidade dos ‘donos disto tudo’”
chocada. “Hoje, os menos escrupulosos dinheiro com Seinfeld. É um
Líder parlamentar do PSD, RR Foi estra- prometem o impossível. Se elitista de Hollywood”
nho… Sou retirarmos o poder de fazer Actor, Canal +

F de Nova dívida aos governos, eles


Pedro Soares dos Santos deixarão de poder mentir tanto” F
“A concertação social só vale
Iorque. Autor do livro A Economia do Bem e do Cavaco Silva, ex-Presidente da
em termos políticos. Em termos Fiquei Mal, Jornal de Negócios
República, RTP
comerciais não vale nada” intimidada” “Eu não preciso de ajustar
CEO da Jerónimo Martins, F
Jornal de Negócios
Magdalena Andersson
contas com ninguém.
“Se se mudam para Portugal A vida correu-me muito
F porque gostam de fado ou vinho bem. (...) Sondagens, ruídos
Michael O’Leary verde ou porque adoram o clima, mediáticos,
“O caso dos pássaros [no então devem poderfazê-lo.
aeroporto do Montijo]… Mas se se mudam só para evitar
trepidações
É só pegar em duas shotguns o pagamento de impostos, então políticas, espuma
e o problema resolve-se…” devem olhar-se ao espelho” dos dias,
Presidente da Ryanair, Público Ministra das Finanças sueca, Expressen
nunca
influencia-
F F
Bono Orlando Afonso ram as
“Se os estados frágeis falirem, “Dois juízes valem no mercado minhas
teremos todos um o mesmo que um gravador. decisões”
problema... Não existe Entendeu-se que, com a
nada piorque um espaço prova gravada, não são
PEDRO CATARINO

sem governo; no caos, o precisos três juízes. Como se


radicalismo impõe-se” fosse uma questão de ouvido”
Vocalista dos U2, El País Juiz conselheiro jubilado do Supre-
mo Tribunal de Justiça, Visão

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2 MARÇO 2017
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MYRIAM GASPAR O moralista


F F
Chrissy Teigen, modelo, Pedro Madeira Rodrigues
Sports Illustrated “Jesus tem ganho muito
dinheiro e o que deixou
“Antes de ficar foi uma supertaça.
grávida Se não se afastar,
a saída de Jorge O
pesava-me Jesus vai ser
limpinha, limpinha”
Pedro Marta Santos
Jornalista e argumentista

três vezes Candidato à presidência


do clube leonino, Monócolo
por dia. Sporting TV
Observar a realidade de um país
Sabia F
atravésdeumarevistadelifestyle
deluxo,aMonocle, detidae editada
quanto Bruno de Carvalho
“O que ele diz é
por um jornalista milionário, Tyler
Brûlé, é a mesma coisa que olhar
pesava às tudo uma cambada de parao caos daAméricade hoje e re-
falácias. Nós é factos, produzi-lo num editorial de moda
8h da ele é tudo crenças” fotografado por David La Chapelle,
manhã, Presidente do clube,
Sporting TV
com Karlie Kloss e uma legião de
moças arianas, esguias como vea-
quanto F
dos, a fitarem o sol da prosperida-
de yankeeem tailleurTom Ford so-
devia Jordan Horowitz bre um muro de mármore made in
“Pessoal, pessoal, Colorado.
pesar à 1h lamento. Não... Houve A edição do 10º aniversário da
da tarde e um erro. Pessoal, foi
o Moonlight a ganhar
Monocle dedica um caderno de 64
páginas a Portugal, nação que “está
quanto devia o Melhor Filme.”
Produtor de La La Land, que
no meio de algo notável”, destacan-
do-se o soft power de Guterres na
pesar às 8h foi erradamente anunciado
como vencedor do Óscar
ONU, da vitória no Euro 2016, de
museus como o MAAT e de eventos
da noite” para o Melhor Filme,
The Washington Post como a Web Summit. Um País “or-
gulhoso, pronto parao negócio e en-
grenado com o resto do mundo”. Em
F paralelo à Monocle, sugiro um dos-
Jimmy Kimmel siê de 640 páginas na Mononucleo-
“Alguns de vós estarão se, uma revista focada em doenças
hoje neste palco e farão hard como o orgulho num ex-pri-
discursos sobre os quais o meiro-ministro investigado porcor-
Presidente dos Estados rupção, adisponibilidade parao ne-
Unidos twittará em gócio das PPPs e das rendas da
maiúsculas durante o seu energiae aengrenagem com o resto
movimento intestinal das do mundo através de 10 mil milhões
5h da manhã” de euros transferidos para offshores
Apresentador dos Óscares, ABC sem controlo daAutoridade Tributá-
ria, amesmaque me enfiaamim e a
F si na choldra caso nos atrasemos 64
Asghar Farhadi segundos naentregade umafactura.
“Dividir o mundo entre ‘nós’ Podemos sempre fugircom tranqui-
FOTOS GETTY IMAGES

e ‘os nossos inimigos’ cria lidade de Caxias numa bicicleta Ór-


medo. É uma justificação bita (outra jóia citada pela Monocle)
enganosa para a agressão e e observar o rio encostados ao galo
para a guerra” da Joana de Vasconcelos, gânglios
Cineasta iraniano, impedido de viajar linfáticos num virote mas peito cheio
para os EUA pelas novas leis restritivas,
cujo filme The Salesman ganhou o Óscar
de modernidade, olharsonhadorno
para Melhor Filme Estrangeiro, CNN paraíso fiscal das ilhas Caimão.
That’s Portugal. W

23
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Indiscretos
F.E.; M.E.S.; M.H.E.; O.L.O.; S.B.

k
“Está a brincar?”
Na sexta-feira, na tomada de
posse da nova direcção da CIP,
Mira Amaral informou um ami-
go de que Francisco Louçã tinha
sido nomeado para o conselho
consultivo do Banco de Portu-
gal. Não o convenceu:
“Ah, isso é uma brincadeira.” k
“Não, é verdade.” Ao cuidado de todos os
“Não pode ser, está a brincar.” caçadores de talentos
“Não estou, é verdade, garanto, Na Internet, as listas são como os
soube-se agora.” chapéus: muitas e para todos os
... Silêncio... gostos. E a moda já chegou ao
parlamento. Ascenso Simões, de-
putado do PS, usou a sua página
k no Facebook para retratar o que
Moedas ao tem sido uma vida cheia: já apa-
pequeno-almoço receu na TV, já escreveu um li-
O comissário europeu para vro, já mudou de look, já assistiu
a Investigação, Ciência e ao entardecer na praia, entre
Inovação tomava o peque- tantas outras coisas (42 no total).
no-almoço na Eric Kayser, Só não fez uma tatuagem ou um
no Amoreiras Plaza, no últi- piercing, nem experimentou
mo domingo. Carlos Moedas mergulho ou cantou num ka-
mora num condomínio pri- raoke. O coro da Assembleia da
vado, no outro lado da rua. República que se cuide!

k
EDUARDO CATROGA, EX-MI-
NISTRO DAS FINANÇAS E
AGORA PRESIDENTE DO CON-
SELHO GERAL E DE SUPERVI-
SÃO DA EDP, JANTAVA AO
BALCÃO DA MARISQUEIRA
SETE MARES, NO PASSADO
SÁBADO. SOZINHO...

k k
LUSA

50 anos O presidente
k no cinema sem sede
Tatuagem cumprida O cinema São Jorge,
em Lisboa, foi o lo-
É à quinta-feira, pelas
11h, que André Couto,
Motorizadas potentes, artes marciais, músi- cal que Paulo Pires presidente da Junta
ca, gatos, músculos e tatuagens são os te- escolheu para cele- de Freguesia de Cam-
mas que marcam a página de Miguel Tiago brar o seu 50º ani- polide, responde a
versário, no domin- dúvidas e reclama-
no Instagram. Numa espécie de teaser, o go, 26. O actor – ções. No dia 23, num
deputado do PCP, que se destacou na co- que grava a série vídeo em directo na
missão de inquérito do BES, foi mostrando Madre Paula, para a página de Facebook
as várias fases de uma supertatuagem no RTP – juntou ali da junta, falou à po-
amigos, entre os pulação durante 1h20
seu braço esquerdo, que teve início em No- quais Fernanda Ser- sem beber um gole de
vembro de 2015 e que entretanto terminou. rano e Rui Vilhena. água, nota O Corvo.

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2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

Obituários
RUI MIGUEL TOVAR

Analice Silva (1943-2017)


Aultramaratonista brasileira es- na via pública, a devolver à triste SEM TEMPO tempo. Nos três anos seguintes, ga-
pantou Portugal ao correr mesmo realidade. Analice apanha outro au- PARA TREI- nhei sempre essa corrida.”
depois dos 70 anos. Muito popular tocarro, em direcção ao Rio de Ja- NAR NA RUA, E agora? Aventura-se na Europa e
na comunidade do running, supe- neiro. Ao todo, oito dias de viagem SOBE E DES- arrisca uma corrida de 100 km em
rou muitos obstáculos: o abandono, “por estradas de asfalto” sem con- CE AS ESCA- Santander (Espanha). “Fui lá e ga-
a escravatura, a fome, a violência seguir enganar a fome e o frio. DAS DO PRÉ- nhei. Depois já não quis voltar para o
Segue-se um aborto, a estabilida- DIO DURAN- Brasil. Fui para Madrid, procurei o
sperança é acreditar em algo de com um boliviano “muito de- TE TRÊS HO- consulado brasileiro e foi o embaixa-

E possível mesmo quando há in-


dicações do contrário. Esperan-
ça é também o nome de três cidades
cente” chamado Júlio e um empre-
go estável. No dia 31 de Dezembro
de 1980, lê uma notícia em que os
RAS DIÁRIAS dor que me deu o dinheiro para eu
vir para Lisboa.” Ah-ah, aí está ela.
Analice em Portugal a partir de 1986.
portuguesas, em Arronches, Ourém e pulmões de um fumador necessi- Para nunca mais sair. O primeiro
Póvoa de Lanhoso. Esperança é ainda tam de 10 anos de repouso até vol- emprego é no apartamento de um
o nome de sete cidades brasileiras, tarem a ter saúde. “Fiquei assus- casal na Av. João XXI, em Lisboa.
uma delas no estado de Paraíba. É lá, tada. A única maneira de Sem tempo para treinar, sobe e
em Esperança, que nasce Analice da voltar a ter os meus pul- desce as escadas do prédio
Silva, a 20 de Dezembro de 1943. mões cor-de-rosa era durante três horas. Nas ho-
A sua vida é parecida à de uma correndo. E comecei ras soltas, dá voltas e mais
bola de pinball. Com tão-só três logo nessa noite.” voltas no Inatel até com-
anos de vida, é entregue pelo pró- Como? Desce o cal- pletar 50 km. Nas folgas,
prio pai aos cuidados de uma se- çadão de Copacaba- corre do Cais do Sodré até
nhora a viver na cidade mais próxi- na e vai do Leme até Cascais. Ou faz ida e volta
ma, em Campina Grande. “Cuidava ao Arpoador, ida e da Arrábida até Sesimbra.
de bebés e aguentava o trabalho de volta. Qualquer coisa Mais animada do que nun-
roça, aquilo era escravatura”, conta como 16 km. “Fiquei ca, começa a dar que falar
ela ao blogue O Arrumadinho. Em toda partidinha.” pelas sucessivas corridas
troca, só uma cama. E comida? “Só Na primeira corrida de entre Caminhos do Tejo
mesmo quando havia.” E e e e e... sempre, Analice ganha (146 km), Lisboa-Mação
Um dia, por exemplo, come um pe- uma medalha. Na segunda, (254 km) e Volta ao Minho
daço de pão sem pedir autorização outra. Um mês depois, estreia- (385 km). Lá fora, faz trinta por
e fica de castigo. Cinco anos depois, -se na meia maratona e demora uma linha. Só um exemplo ca-
Analice volta ao lar, amargo lar. três horas. No ano seguinte, a tegórico: aos 69 anos, faz os
Sem amor, só violência, a fuga é a primeira maratona e ainda uma 240 km da Maratona das
única solução. corrida de 100 km, entre Areias em 46 horas, 41 minu-
Apanha um autocarro para o Re- Uberlândia e Uberaba, tos e 16 segundos. Analice
cife, onde conhece um pescador de em montanha. “Venci Silva, o melhor sinónimo
lagosta chamado Evandro. Casa-se essa prova e fiz 11h42m, para a palavra esperança,
com uma condição: “Tolero tudo que passou a ser re- morreu no dia 23, aos 73
menos porrada.” Bastam seis meses corde sul-americano. anos, vítima de um can-
para o primeiro empurrão, em ple- E foi durante muito cro no pâncreas. W
LUIS GRAÑENA

Ren Hang Nada de modelos, porque lhe to- Weiwei, que o ajudou a tornar-se
lhiam a liberdade criativa. Prefe- internacionalmente conhecido.
(1987-2017) ria trabalhar com os amigos que Para além da China, expôs em
Controverso, tido como um fotografava nus, em posições que vários países – Holanda, Itália,
dos principais nomes da nova resultavam surreais e sexuais. França, Portugal, Suécia, Israel e
geração de artistas chineses, Censurado, o jovem fotógrafo foi Estados Unidos – e a prestigiada
foi várias vezes censurado e algumas vezes preso pelas auto- editora Taschen publicou algum
preso por causa das suas foto- ridades chinesas. Controverso, do seu trabalho. Nascido a 30 de
grafias de nus, surreais e se- Ren Hang viu-se apadrinhado Março de 1987 na província de
xualmente explícitas por outro artista mal-amado do Changchun, suicidou-se na sex-
regime chinês, o famoso Ai ta-feira, 17, aos 29 anos. D.N.

25
Destaque


Ricardo Salgado
pediu-me para
lhe fazer um
favor. Não se
dizia não ao dr.
Ricardo Salgado
naquela altura
HÉLDER BATAGLIA

OPERAÇÃO MARQUÊS. OS INTERROGATÓRIOS DECISIVOS

SÓCRATES:TODAS
Num interrogatório explosivo, o empresário luso-angolano Hélder Bataglia revelou que Rica
a Carlos Santos Silva. Confrontado, o banqueiro negou tudo: afirmou que mal conhecia
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2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

Estou

profundissi-
mamente
chocado com
tudo isto.
Nunca vi tanta
mentira junta
RICARDO SALGADO

AS REVELAÇÕES
rdo Salgado lhe pediu para utilizar as suas contas para fazer chegar discretamente dinheiro
Santos Silva e que nunca foi íntimo de Sócrates. PorAntónio José Vilela, Fernando Esteves e Rui Hortelão

27
Destaque

HÉLDER

S
ASDASDSAD
SADASD SAD
AS DAS DSA
DAS DASD
Sentado ao lado do advogado Rui Patrício, o empresá- ASD SA
rio luso-angolano tinha as mãos entrelaçadas em cima DASDSAD
da mesa castanha quando o procurador Rosário Tei- ASD ASD
xeira, sentado ao lado da colega Ana Catalão, anun- SADADAS D
ciou para a gravação: “Vamos proceder ao interroga-
tório complementar do arguido Hélder Bataglia no
processo 122/13.8 TELSB. O sr. Hélder Bataglia vai ser
novamente ouvido como arguido.”
Enquanto ouvia o formalismo habitual do início do
interrogatório judicial na sala 2 do Departamento Cen-
tral de Investigação e Acção Penal (DCIAP), em Lisboa,
Bataglia recostou-se por momentos na cadeira e colo-
cou as mãos junto às pernas. Vestia um fato escuro e g continuou a folhear um pequeno dossiê, que tinha em
gravata em tons carregados de azul. De seguida, voltou Hélder Bataglia cima da secretária, sem olhar sequer para o procura-
negociou durante
à posição inicial, mesmo em frente ao inspector tribu- meses com o MP: dor. As “especificações” citadas pelo Ministério Público
tário Paulo Silva. só testemunharia (MP) eram os pontos 26, 27, 28 e 30 da nova indiciação
“Os factos que aqui estão são essencialmente os em Lisboa se o que o DCIAP já fornecera a Bataglia. Mas o objectivo
não prendessem
mesmos, mais uma especificação (…)”, disse-lhe Rosá- primeiro era esclarecer quem tinha corrompido quem.
rio Teixeira, referindo-se ao anterior interrogatório “Já em Novembro de 2010, o arguido Hélder Bataglia
ocorrido em Angola, no ano passado e por via de carta recebeu numa conta por si controlada, aberta em
rogatória. Um interrogatório no qual Bataglia recusara O EMPRESÁ- nome da Green Emerald junto do Crédit Suisse, a
falar sobre os milhões do BES que entraram nas suas RIO LUSO- quantia total de 15 milhões de euros com origem na
contas e depois saíram para as contas suíças alegada- -ANGOLANO conta titulada pela ES Entreprises. Tal montante pago a
mente controladas por Joaquim Barroca e Carlos San- DENUNCIOU coberto de um pretenso contrato de prestação de ser-
tos Silva, alegado testa-de-ferro do ex-primeiro-mi- O BANQUEI- viços destinava-se, na realidade, conforme acordado
nistro José Sócrates, suspeito de corrupção na Opera- RO RICARDO entre o arguido e responsáveis do GES [Grupo Espírito
ção Marquês. SALGADO Santo], a repartir em parte para a esfera pessoal de Ri-
A 5 de Janeiro passado, enquanto decorria a leitura COMO cardo Salgado e outros responsáveis do GES, para
dos (novos) indícios judiciais, o advogado Rui Patrício CORRUPTOR além de compensar o arguido pelo pagamento que de-

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2 MARÇO 2017
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EUDISSE: detenção internacional e que não o dete-


riam preventivamente no fim do interroga-
tório), já todos sabiam que Bataglia ia falar.
E ele fê-lo durante horas. A conversa não

“SIM,RICARDO, demorou muito a chegar a um homem caí-


do em desgraça: Ricardo Salgado.

O FAVOR AO AMIGO BANQUEIRO

SEPRECISAS,
Rosário Teixeira: “Vamos entrar nos segun-
dos 15 milhões que vêm mais uma vez atra-
vés da ES Entreprises direitos às suas socie-
dades, a Markwell e a Monkway. O que é
que se recorda disto? Estamos a falar de

EUFAÇO” operações já de 2008.”


(…)
Hélder Bataglia: “Estas operações foram
muito simples: foi o dr. Ricardo Salgado, que
numa das minhas vindas a Portugal, pediu
para eu passar lá no banco e pediu-me se
podia fazer um favor, porque tinha uns com-
promissos em que tinha de pagar cerca de 12 milhões
de euros. Disse-me se eu conhecia o Carlos Santos Sil-

BATAGLIA q
va, eu disse que sim, se tinha conta na UBS, eu tam-
bém disse que sim, e se eu podia fazer esses pagamen-
tos. Eu disse ‘sim, Ricardo, se precisas, eu faço. Desde
que me transfiras o dinheiro, eu faço esses pagamen-
tos’. E aproveitei também para lhe dizer: ‘Se vais fazer
O fim da amizade esses 12, vê se vem mais algum [risos] devido à nossa
Hélder Bataglia reco- dívida antiga.’ Era uma coisa que eu repetidamente in-
nheceu no interrogató- sistia com ele, não todos os anos, mas todos os meses.
rio que andou anos Para não se esquecer [Bataglia insistiu no interrogató-
ressabiado porque, ale- rio que Salgado lhe prometera dinheiro por conseguir
gadamente, Ricardo a licença em 2001 para o BES Angola, mas que o ban-
Salgado não lhe queiro andara sempre a adiar o pagamento] (…) Ele
reconheceu o que fez fez-me esse pedido e foi assim que foi.”
no BES Angola – nunca RT: “Então, vamos lá ver, os termos desse pedido (…)
pagou o que lhe devia ficou com a ideia que era o Carlos Santos Silva?”
HB: “Ele perguntou-me se conhecia o Carlos Santos
Silva e que era para entregar ao Carlos Santos Silva,
exactamente.”
RT: “Sem lhe dar detalhes para o que é que era?”
HB: “Não me deu detalhe nenhum, nem eu lhe per-
veria realizar em sede de um aparelho de negócios guntei. Na altura, como deve saber, eram coisas que
com o Grupo Lena a propósito de um imóvel em An- não se perguntavam ao dr. Ricardo Salgado, não é? Ele
gola [a venda de um terreno, no Kanhangulo]…” pedia-me, eu devia-lhe favores, o maior de todos era
O procurador Rosário Teixeira continuou a leitura apoiar-me na Escom, o segundo era se ele cumpria e
durante mais algum tempo até ser necessária uma de- me pagava as minhas compensações pelo que eu tinha
cisão. “São estes os factos que vão ficar no auto”, feito [no BESA].”
concluiu, questionando se o arguido queria prestar BATAGLIA RT: “E, logo nessa altura, ele deu-lhe alguma ideia
declarações e salientando que não era intenção do DIZ QUE dos montantes que estariam ali em causa ou se eram
MP “repisar” o que Bataglia já dissera em Angola. NUNCA PER- uma sucessão de operações ao longo do tempo?”
Para a investigação, as novas declarações do empre- GUNTOU A HB: “Ele disse que ia fazer umas operações até um
sário eram fundamentais, isso sim, para “tentar en- SALGADO montante de 12 milhões de dólares.”
contrar aqui uma história mais coerente, no sentido PARA QUE Paulo Silva: “A questão dos dólares é porque está ha-
de ter uma sequência cronológica”. Naquele dia e ERAM OS bituado em Angola ou…”
naquela sala, depois de complexas negociações de 12 MILHÕES HB: “Estou habituado aos dólares em Angola, foram
bastidores que se arrastaram durante meses entre a ENVIADOS euros, não é? [Gargalhada]. Peço desculpa.”
defesa do empresário e o MP (os investigadores pro- A SANTOS RT: “Em termos dessa operação, isso ia aparecer nas
meteram a Bataglia que levantavam o mandado de SILVA suas contas. Obviamente, o dr. Ricardo Salgado co- Q

29
Destaque

Ele dizia-me: “vamos fazer


Q nhecia as suas contas, mas nessa conversa disse-
-lhe: ‘utiliza esta ou aquela conta’” agora uma transferência,
(…)
HB: “Os detalhes eram os seguintes: eu vinha cá a qual é a conta?”, eu dava
Lisboa, ia ter com ele no 15º andar, sentávamos na-
quela salinha pequenina, não sei se o sr. procurador a
conhece no banco [antiga sede do BES, em Lisboa]?”
a conta e era, pronto, assim
RT: “Sim.”
HB: “Ele dizia-me: ‘vamos fazer agora uma transfe-
que fazíamos
rência, qual é a conta’, eu dava a conta e era, pronto, HÉLDER BATAGLIA SOBRE ENCONTRO COM RICARDO SALGADO
assim que fazíamos.”

OS ENCONTROS NAS AMOREIRAS


COM SANTOS SILVA Paulo Silva: “O escritório, onde?”
O procurador Rosário Teixeira quis depois saber mais HB: “É nas Amoreiras. Eu dizia-lhe o que era, que ti-
pormenores sobre o destino desse dinheiro e passou a nha a instrução do Ricardo Salgado, ele dava-me a
descrever várias movimentações ocorridas em 2008 i conta e eu, quando chegava a Luanda, telefonava ao
para as contas bancárias de entidades offshore alega- O procurador Canals (…)”
Rosário Teixeira
damente controladas por Carlos Santos Silva e pelo abriu a Operação PS: “Porque é que não fazia a chamada daqui [Lis-
empresário Joaquim Barroca, um dos donos do Grupo Marquês em 2013 e boa], desculpe lá a minha…”
Lena. Mas também quis saber como Bataglia tinha a acusação deverá HB: “Era um detalhe, [pausa] estar a fazer a chamada
sair em Março
chegado a Carlos Santos Silva. próximo das Amoreiras a dizer ‘transfere lá 2 milhões [risos] e 4
HB: “(…) ele [Salgado] sabia da minha relação com o milhões’, está a ver...”
José Paulo [Pinto de Sousa, primo de José Sócrates], per- PS: “É melhor ter cautela, não é isso?”
guntou se eu conhecia o Carlos Santos Silva, eu disse HB: “Eu fazia sempre de Luanda essas coisas (…) che-
que sim, conheço e, portanto, na prática, o que fiz a se- gava a Luanda e [pausa] tranquilo…”
guir foi telefonar, na primeira vez, ao José Paulo para ver RT: “(…) Não houve outros pedidos de Ricardo Sal-
se combinava uma reunião com o Carlos Santos Silva gado por causa de operações deste tipo?”
porque precisava de falar com ele. Depois, disse-lhe que HB: “Não, foi só esta. Este conjunto de operações
o dr. Ricardo Salgado tinha dado esta disponibilidade e que ele pediu e que foram implementadas.”
o que é que queria que eu fizesse. Ele deu-me um pape- RT: “Isso não o deixava, pelo menos, desconfortável?”
linho com umas contas, uma ou duas, não me recordo HB: “Vou-lhe dizer: em 2008, o dr. Ricardo Salga-
agora. Eu guardava o papelinho, chegava a Luan- do pedir-me uma coisa dessas, para mim,
da, telefonava ao Canals [Michel Canals, era um favor que lhe estava a fazer (…) E
gestor da UBS e depois sócio de Bata- não se dizia não ao dr. Ricardo Salgado
glia e Álvaro Sobrinho na gestora de naquela altura, como deve saber.”
fortunas suíça Akoya] e dizia-lhe: RT: “Pois.”
‘Preciso de fazer uma transferência HB: “(…) dizer não, não posso (…) e
para as contas x, y e z.’ Ele dizia, ‘sim não achei que fosse uma coisa tão
senhor, vou fazer, está feita e depois, complicada, na altura.”
quando estivermos juntos, assinas’.
Era recorrente com o Canals, traba- A UBS E O AMIGO
lhávamos muito ao telefone e de- MICHEL CANALS
pois, quando nos encontrávamos O interrogatório continuou, Ba-
em Lisboa, na Suíça ou em Angola taglia foi bebendo cada vez mais
– ele também lá ia às vezes (…) – água e respondeu a tudo. Mes-
assinava depois tudo. Era assim mo quando
que as coisas eram feitas.” a conversa ficou concentrada
O magistrado Rosário Teixeira durante muito tempo nas mes-
insistiu no tema, quis saber como é mas personagens.
que foram indicadas as contas de Paulo Silva: “Para si, quem era
destino e se o primo de Sócrates ti- o engº Carlos Santos Silva?”
nha participado em algum encontro Hélder Bataglia: “Para mim,
com Bataglia. era o administrador do Grupo
Hélder Bataglia: “O José Paulo Lena. O grande promotor do
não esteve presente. O Carlos San- Grupo Lena no estrangeiro, era
tos Silva foi ter comigo, salvo erro, ao assim que o José Paulo me falava
meu escritório. Encontrámo-nos duas dele (…) para mim, o Carlos Santos
ou três vezes por esses assuntos.” Silva era o homem do Grupo Lena.”

30
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

j para matar uma pessoa’ e, pelo caminho, o senhor era


Para o Ministério o intermediário.”
Público, o
empresário Carlos Hélder Bataglia: “Acho que é um exemplo exagera-
Santos Silva é o do. O dr. Ricardo Salgado, em 2008; ninguém em Por-
segundo testa-de- tugal imaginava que contratasse alguém para matar.”
-ferro de Sócrates
O inspector ainda tentou corrigir, dizendo que podia
ser outro episódio, mas Bataglia foi peremptório: “(…)
Não interpelei o dr. Ricardo Salgado e implementei as
instruções que ele tinha pedido. Isso é que é um facto.”
O advogado Rui Patrício entrou na conversa, como
fez de quando em vez durante todo o interrogatório,
sobretudo para clarificar respostas do cliente ou per-
guntas algo confusas dos investigadores: “Sabia que as
contas de destino também eram da UBS?”
Hélder Bataglia: “Eram da UBS e vim depois a des-
cobrir que eram geridas também pelo Canals.”
Rosário Teixeira: “Não tinham o nome da pessoa
que era titular da conta?”
HB: “Não, só tinham o número da conta (…) e o nome
de uma sociedade, salvo erro. Já não me recordo se ti-
nha isso…”
RT: “Não, eram contas numéricas.”
HB: “Então, deu-me o número das contas.”
Os investigadores quiseram depois perceber se Bata-
glia soubera na altura que na realidade fizera transfe-
rências para as contas de Joaquim Barroca no banco
suíço UBS, e não para Carlos Santos Silva. Ele disse
que não, que só soube muito mais tarde. Rosário Tei-
xeira perguntou-lhe se tinha sido depois da detenção
de Carlos Santos Silva ou de Barroca (respectivamente,
(…) g no fim de 2014 e em 2015), mas o empresário disse-lhe
PS: “Como é que isto cruza com o dr. Ricardo Salga- Foi o gestor que fora antes (sem concretizar datas) e pela boca de
Michel Canals
do?” que tratou na Santos Silva. Uma situação estranha pois em várias da-
HB: “Não sei, é uma questão que tem de lhe pergun- Suíça das transfe- quelas ordens de transferências financeiras, com datas
tar. Ele pediu-me concretamente aquelas operações, rências de Hélder de 2009, tratadas por Canals e assinadas por Bataglia,
Bataglia para
para entregar àquela pessoa e foi isso que eu fiz. Não Santos Silva e já aparecia identificado um tal de “Joaquim Rodrigues”
perguntei, como deve imaginar, ao engº Carlos Santos Joaquim Barroca (Barroca). No interrogatório, o MP mostrou-lhe os do-
Silva porque é que estava a fazer aquelas transferên- cumentos, mas Bataglia garantiu que não se lembrava
cias, isso ia pôr em causa o Salgado (…).” daquilo. E sublinhou que Barroca só lhe foi apresenta-
O inspector tributário responsável pela Operação do em 2014, alguns meses antes da detenção de José
Marquês perguntou então porque é que Ricardo Salga- Sócrates.
do não fez directamente as transferências bancárias e Depois, Rosário Teixeira quis saber porque é que ti-
se Bataglia não estranhou que o tivesse usado como nham mudado as contas de destino durante as seis
intermediário. O empresário respondeu: “(…) Mas foi operações suspeitas e com origem na ES Entreprise e a
assim que ele optou e eu disse sim.” Atento, o procura- intermediação de Bataglia. O empresário disse que a
dor deu-lhe de imediato uma outra hipótese de res- decisão final fora sempre de Carlos Santos Silva com
posta: “Porque havia mais facilidades em justificar pa- quem se encontrava sempre antes das operações de
gamentos feitos assim, eventualmente?” transferência. E revelou que, além dos encontros no
Hélder Bataglia: “Eventualmente, francamente não escritório, também o fez algumas vezes na recepção
sei. (…) Acho que nestas coisas não devemos interpelar do Hotel D. Pedro, igualmente junto às Amoreiras. “Ele
nem uma parte nem a outra. Cumpri instruções.” [Santos Silva] dizia-me ao telefone: ‘Preciso falar con-
Paulo Silva voltou à carga, questionou Bataglia sobre HÉLDER sigo.’ E encontrávamo-nos. (…) os encontros nunca fo-
se nunca desconfiou de nada, deu a entender que BATAGLIA ram além dos 10 minutos, porque tínhamos muito
achava estranho que ele não ponderasse o risco que GARANTIU pouco o que falar um com o outro.”
correra ao intermediar aquelas transferências e anun- QUE SÓ Rosário Teixeira: “Nestas operações, recebe 15 mi-
ciou que ia especular de seguida. Com a sua pronúncia EM 2014 lhões de euros, transfere para a dita conta do Joaquim
nortenha, saiu-lhe um exemplo um pouco deslocado: CONHECEU Barroca 12 milhões de euros e o remanescente entrou
“(...) o dr. Ricardo Salgado lembrou-se que queria ma- JOAQUIM por conta daquilo que achava que tinha direito?”
tar uma pessoa qualquer, contratou o engº Carlos San- BARROCA Hélder Bataglia: “Exactamente, com alguma luta
tos Silva então, ‘pega lá, vai estes 15 milhões de euros [risos].” Q

31
Destaque

Q RT: “Mas isso foi também falado com o dr. Ricardo


Salgado?”
HB: “Sempre, com o dr. Ricardo Salgado.”
(…)
Ana Catalão: “Posso fazer uma perguntinha? Há uma
transferência de 5 milhões para a sua conta da
Monkway [offshore]. O sr. Hélder não fazia logo a
transferência para a conta que lhe era indicada do va-
lor correcto. Dividia aquilo por parcelas por indicação
de alguém?”
HB: “Não, porque decidia que devia fazer conforme o
tempo, o timing, a minha disponibilidade...”
Paulo Silva: Se acabava de receber os 5 milhões de
Ricardo Salgado porque não entregava os 5 milhões ao
engº Carlos Santos Silva?”
HB: “Porque entregava o que eu achava que devia g nenhum envolvimento seu?”
entregar na altura e depois a outra parte.” José Sócrates HB: “Zero envolvimento.”
tem-se queixado
RT: “Era o Carlos Santos Silva que lhe pedia assim?” de perseguição RT: “Nem mesmo ao nível da Escom nem do BESA?”
HB: “Não me recordo, mas no banco UBS não gosta- pelo Ministério HB: “Não, não houve nada.”
vam de fazer operações back to back, isto é, receber Público PS: “Mas sabia de interesses que o sr. engº Carlos
num dia e passar tudo no mesmo dia, era considerado Santos Silva tinha em Angola?”!
uma coisa complicada. (…) E, portanto, o que eu fazia HB: “Sabia, porque ele dizia-me que ia lá, mas nunca
era dividir essas coisas para não pensarem que eu era o vi lá. Ele dizia-me que ia também muito à Venezuela
ali um correio [risos]. Está a ver o problema?” e à Argélia (…). Sabia do grande sucesso que ele estava
a ter na Venezuela, mas nunca tive nada a ver com o
A FAMÍLIA PINTO DE SOUSA E SÓCRATES Grupo Lena.”
Durante o interrogatório, as relações e os negócios de RT: “Relativamente ao José Paulo, houve negócios (…)
Hélder Bataglia com a família Pinto de Sousa, com José que tinha feito com José Paulo e família. Eles tinham
Sócrates, Ricardo Salgado e Carlos Santos Silva foram para lá uns terrenos, daquilo que se recorda, como é
um dos temas mais recorrentes, porque os investiga- que surge o primeiro negócio?”
dores pareciam já estar convencidos de que o antigo HB: “A relação com o José Paulo é muito mais tarde e
primeiro-ministro socialista terá sido corrompido com é com a Escom, não comigo, quando a família, e não
o auxílio de dois testas-de-ferro: o primo José Paulo ele, vende o terreno das Salinas da Belavista [Salinas
Bernardo e o amigo Santos Silva. do Chamune, em Angola]. Começa por vender 70%,
Rosário Teixeira: “Como é que ele [Carlos Santos Sil- salvo erro, porque queríamos investir no sector imobi-
va] aparece na sua vida? É em termos dos negócios da liário. Em Angola, entre 2004 e 2008, foram quatro ou
Escom e do BESA ou pela via de uma relação familiar?” cinco anos de perfeita loucura no sector imobiliário.
Hélder Bataglia: “O engº Carlos Silva é-me apresen- Eu pessoalmente comprei alguns terrenos já urbaniza-
tado pelo Zé Paulo, não tinha qualquer relação de ne- dos em Luanda Sul, em Talatona, por 85 dólares o me-
gócios, de trabalho com ele. Conheci-o porque, como tro quadrado, que depois se vendiam a 700/650 dóla-
sabem também, tenho uma filha com uma prima do res, quase 10 vezes.”
engº José Sócrates, portanto, eles eram muito amigos, O arguido Hélder Bataglia perdeu-se de seguida nos
o Carlos Santos Silva e o José Paulo Pinto de Sousa.”
(…)
O procurador insistiu:
RT: “Terá sido José Paulo que lhe introduziu o Carlos
Santos Silva?”
HB: “Introduziu, hum, hum...”
O eng.º Carlos Silva é-me
Paulo Silva: “Tem uma ideia em que anos é que isso
foi?
apresentado pelo Zé
HB: “Não sei, por volta de 2000 ou 2002, franca-
mente não tenho presente.”
Paulo, eu não tinha
RT: “Por volta do nascimento da sua filha?”
HB: “Sim, ela nasceu em 1999 e acho que foi a partir qualquer relação de
desse momento que comecei a frequentar mais a casa
do tio, do pai de José Paulo, às vezes encontrava-o
[Santos Silva], mas nunca tive uma relação, social nem
negócios com ele
nada, porque não tinha nada a ver com ele.” HÉLDER BATAGLIA
RT: “Portanto, em termos de negócios, não houve

32
2 MARÇO 2017
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enquadramentos históricos, mas voltou depois à famí- NO INTER- ro e que ele lhe emprestou “por várias vezes, cerca de
lia de Sócrates e ao negócio imobiliário das salinas. ROGATÓRIO, 7,5 ou 8 milhões de dólares”. Que deu instruções ao
Disse que a Escom chegou a fazer um projecto imobi- HÉLDER banco suíço UBS para transferir o dinheiro para uma
liário para o local, que demorou a ser aprovado pelas BATAGLIA conta de José Paulo também na Suíça e que a dívida só
autoridades de Angola. O terreno já urbanizado teria NUNCA teria começado a ser paga em 2013 quando José Paulo
um valor potencial de 122 milhões de dólares, segundo DISSE QUE lhe ofereceu sociedade num negócio que estava a
os estudos citados pelo empresário. Mas o procurador O DINHEIRO montar numas outras salinas que a família Pinto de
interrompeu-o: “No estado em que aquilo se encontra- DO BES ERA Sousa tinha em Angola. A família de Sócrates entrava
va não era esse o valor.” PARA com o terreno e o projecto para produzir 100 mil tone-
HB: “Não, era 14/15 milhões, mas com o projecto SÓCRATES ladas de sal por ano (Angola é importadora de sal) e
aprovado valia 122 milhões. A área era tão boa que a Bataglia via abatidos 4 milhões da dívida: ficava com
Mota e Companhia [actual Mota-Engil] comprou nou- 50% da nova empresa. Bataglia disse que mais tarde
tro sítio, por trás, por muito mais dinheiro.” José Paulo lhe pagou quase tudo o que lhe devia.
PS: “Houve algum adiantamento para esse negócio?” “Hoje, deve-me muito pouco”, disse ainda na manhã
HB: “Não me recordo, francamente. Mas normal- do interrogatório de Janeiro passado.
mente há sempre, não é? Deve ter havido dois ou três (…)
milhões de dólares de adiantamento, em 2008.” i Rosário Teixeira: “Emprestou-lhe sem qualquer ga-
PS: “Quando é que adquirem os restantes 30%?” O inspector rantia?”
tributário Paulo
HB: “Mais tarde, talvez um ano depois, em 2009. Silva decidiu Hélder Bataglia: “Sim, Sim.”
Quando senti que aquilo era uma coisa muito interes- interromper as RT: “E sem nada escrito também?”
sante, propus comprar os restantes 30%, mas não que- escutas a Ricardo HB: “Para mim, é como se fosse família, não ia fazer
Salgado no caso
riam vender. Por incrível que pareça, foi a irmã, que, Monte Branco um contrato com ele.”
enfim, é a mãe da minha filha, que mais se opôs, por- por falta de meios Paulo Silva: “Mas disse-nos que eram 8 milhões.”
que era uma coisa do pai. Eles são muito ligados a HB: “Sim, não fiz…”
Benguela, mas lá reuniram e adquirimos o terreno.” PS: “Não é propriamente uma quantia…”
PS: “Para si, comprar os restantes 30% e pagá-los em HB: “Mas veio a revelar-se que eu tinha razão porque
2013 é completamente impossível?” no fundo recebi praticamente a quantia toda. Pratica-
HB: “O quê? Em 2013, os restantes 30%? Não sei, mente. E tenho outros contratos que fiz e não recebi os
agora tinha de verificar. São tantos os negócios, tantas fundos e tenho ainda hoje litígios em tribunal.”
as operações, que eu não me lembro (…) normalmente, (…)
não demora tantos anos a pagar.” RT: “Tinha alguma razão ou percepção que esses
(...) pagamentos e essas responsabilidades [de José
PS: “Sobre essa relação com a família Pinto de Paulo] tinham a ver com Carlos Santos Silva?”
Sousa, depois teve uma filha com Maria Filome- HB: “Nenhuma. ”
na, (...) como é que a conheceu? [Conheceu] Pri- (…)
meiro o José Paulo ou a Maria Filomena?” RT: “E se eu lhe disser que boa parte desses 8
Hélder contou que o pai era muito amigo do milhões de dólares, que passaram para a conta
pai de José Paulo e de Maria Filomena, em An- da Gunter [offshore controlada por José Paulo]
gola. Que tinha conhecido desde sempre a fa- estiveram em aplicações financeiras e andaram lá
mília Pinto de Sousa, que se lembrava de “an- naquelas brincadeiras que os suíços fazem com o
dar com José Paulo ao colo” e de estar muitas dinheiro tão bem como ninguém? Portanto, apa-
vezes em casa deles. “Conhecia a Maria Filo- rentemente não era para pagar a ninguém.”
mena desde pequenina. Passava lá a vida em HB: “Sr. procurador, não foi isso que ele me dis-
casa porque a mãe era uma cozinheira ex- se. Eu cumpri com aquilo que ele me pediu (…).”
traordinária e eu adorava ir lá a casa e que RT: “(…) a tal grande urgência, necessidade, que
me convidassem para almoçar.” lhe foi invocada, o dinheiro esteve investido em
Paulo Silva: “E já nessa altura também aplicações financeiras.”
estava lá a mãe do sr. engº José Só- HB: “É uma coisa que eu desconhecia completa-
crates, não era?” mente. Ele pediu-me o dinheiro, eu emprestei-lhe o
Hélder Bataglia: “Nunca a vi, dinheiro e não lhe pedi explicações para que era o
não me lembro desse detalhe. dinheiro (…)”
Talvez, mas não me lembro.” (…)
Depois, a conversa chegou a PS: “Sabia da proximidade do Carlos Santos Silva
tempos bem mais próximos, com o engº José Sócrates.”
às dificuldades sentidas pela HB: “Sim, o Zé Paulo dizia-me que eles eram ami-
família Pinto de Sousa em An- gos de infância.”
gola e em Lisboa, especial- PS: “E o sr. Hélder, como conheceu o engº José
mente por José Paulo. Bataglia Sócrates?”
contou que o amigo lhe foi pedindo muito dinhei- HB: “Por via familiar, em casa do Zé Paulo, há Q

33
Destaque

Q alguns anos. Depois nunca mais o vi, depois vi-o h


outra vez quando ele estava no governo do engº Gu- As torres Escom ,
em Luanda,
terres. Via-o em festas familiares. A minha filha [sobri- foram um dos
nha de Sócrates] gostava muito dele, tinha 10 anos negócios mais
mas dizia-lhe algumas coisas e ele gostava muito de emblemáticos da
Escom e do Grupo
contra-argumentar [gargalhada].” Espírito Santo
PS: “Foi convidado para o lançamento do livro [A
Confiança no Mundo, apresentado em 2013] do engº
José Sócrates?”
HB: “Não. Nem no primeiro nem no segundo. Eu não
tinha uma grande relação com ele. Ele gostava muito
da minha filha Maria e ela dele.”
PS: “É verdade que o senhor apresentou o engº Só-
crates a Ricardo Salgado?”
HB: “É possível, mas não me recordo. Nem o dr. Ri-
cardo Salgado precisava de...”
PS: “(...) Nessa altura talvez não...”
HB: “[Gargalhada] Pois...”
RT: “Não é que o dr. Ricardo Salgado precisasse de si
para conhecer José Sócrates, mas ele é que podia pre-
Da sua experiência na
cisar de si para nessa altura conhecer o dr. Salgado.”
HB: “Francamente não me recordo.”
área imobiliária, faz algum
RT: “Nessas conversas que teve com Ricardo Salgado
alguma vez ele lhe falou da PT estar por detrás destes sentido este negócio em
pagamentos?”
HB: “Nunca me falou da PT.” que a CGD entra com
O NEGÓCIO DE VALE DO LOBO
E ARMANDO VARA
97,5% dos capitais e fica só
Rosário Teixeira: “Vamos avançar para um novo
tema: Vale do Lobo. Só para nos situar, como é que
com 25% do capital de
surgiu esta oportunidade de negócio?”
Hélder Bataglia: “Foi o Luís Horta e Costa [alto qua-
Vale do Lobo?
dro do BESI] que falou comigo, como fazia aliás com
ROSÁRIO TEIXEIRA PARA BATAGLIA
todos os projectos que tinha. Disse-me que estava a
tentar desenvolver um projecto com o irmão e com o
Diogo Gaspar Ferreira e que, portanto, era um projecto
interessante, que havia um holandês que queria voltar HB: “Não sei, naturalmente pediram um empréstimo
à Holanda e queria vender aquilo.” à CGD.”
RT: “Já conhecia Diogo Gaspar Ferreira?” (…)
HB: “Não, não conhecia. Eu disse-lhe que sim, per- RT: “Mesmo naquela altura louca antes do Lehman
guntei porque é que ele não convidava também o Pe- Brothers, um investimento de 1,2 milhões de um accio-
dro [Pedro Neto, então administrador da Escom], que nista privado num investimento de 230 milhões não é
está aqui a trabalhar connosco, e nós entrámos no ne- um capital pequenino?”
gócio de Vale do Lobo. A sociedade teve de se finan- HB: “Sim, é pequenino, estou de acordo com o se-
ciar para fazer a aquisição, para comprar a participa- nhor procurador.”
ção do senhor holandês.” RT: “Foi, portanto, uma boa oportunidade. Com 1,2
RT: “A vossa ideia, havia noção de que era um gran- milhões ficarem com o controlo de um empreendi-
de esforço financeiro?” mento como Vale do Lobo…”
HB: “Sim, não me recordo ao certo quanto era. Mas HB: “(…) Mas naquela altura a intenção era que accio-
metemos lá alguns recursos.” nistas portugueses ficassem com activos estratégicos
RT: “Dado o que pudemos perceber, cada um de vós “NÃO TINHA para Portugal. Era o discurso que havia no momento. E
colocou 1,2 milhões.” GRANDE eu acho que muitas vezes as instituições financeiras
HB: “Talvez, senhor doutor, talvez.” RELAÇÃO não investem só porque há capitais próprios, investem
RT: “Para um investimento de 230 milhões não é mui- COM SÓCRA- porque acreditam em quem as vai gerir. Projectos
to significativo. Como se diz na gíria, havia um levera- TES. ELE como Vale do Lobo são estratégicos, são específicos e
ged buyout, ou seja, o empreendimento devia gerar ren- GOSTAVA DA têm as suas peculiaridades, não interessa os capitais
dimento para se pagar a ele próprio. (...) Como é que MINHA FILHA próprios, interessa como eles são geridos. Acho que
surge a Caixa Geral de Depósitos (CGD) a financiar isto?” E ELA DELE” esse foi o principal princípio. Acho.”

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“É POSSÍVEL RT: “Sabia que esses terrenos pertenciam a uma socie-


QUE TENHA dade de que era sócio o próprio Diogo Gaspar Ferreira?”
APRESEN- HB: “Não, estou a ouvir isso hoje pela primeira vez.”
TADO RT: “E que ele ganhou, entre entradas e saídas, quase
SÓCRATES 1 milhão de euros?”
A SALGADO” HB: “Não, sr. procurador. Estou a ouvir isso pela pri-
meira vez. Eu não sabia.”
RT: “E sabe que a compra dos terrenos de Vale de
Santo António ficou no financiamento? E pela vossa
cabeça não passava a ideia de reforçar capitais
próprios?”
HB: “Não passava porque não havia. Eu ainda tinha
alguns, mas eles não. Mas não estava disposto a entrar
num negócio sozinho, que eu não conhecia, não con-
trolava. Aliás, eles ainda tentaram, mas não.”
(…)
RT: “O que está aqui em causa é que, numa determi-
RT: “Da sua experiência na área imobiliária e até nada altura, houve um pagamento de uma venda de
bancária com o BESA, faz algum sentido este negócio lotes de Vale do Lobo em que aparentemente terá tido
em que a Caixa entra com 97,5% dos capitais e fica só algumas fracções do preço que foram desviadas para
com 25% do capital?” umas contas na Suíça, curiosamente, para a mesma
HB: “(…) Terão tentado mudar nessa altura do para- conta que o Carlos Santos Silva lhe indicou para rece-
digma dos capitais próprios para o paradigma da com- ber os pagamentos.”
petência. E eu, francamente, se fosse gestor da CGD e HB: “Ai, é? Olhe, isso, sr. dr., estou completamente
me aparecesse um senhor aqui do lado que nunca ti- fora desse assunto. Desconheço.”
vesse visto um projecto turístico e dissesse que tinha (…)
50% dos capitais próprios, eu preferiria investir em RT: “(…) Às tantas, há um cidadão holandês que com-
quem tem créditos firmados. O problema do malpara- pra um dito lote, como sabe lá em baixo havia a com-
do ia surgir mais tarde ou mais cedo. Era a minha aná- pra do lote e a necessidade de construir por [parte da
lise da situação.” empresa] Vale do Lobo. [Depois disso] É exigida uma
(…) compensação e a compensação, por não construir
RT: “Tem a noção que pouco depois de terem adqui- com a empresa de Vale do Lobo, é paga para uma
rido Vale do Lobo houve uma nova necessidade e fi- conta da Suíça. E curiosamente para a mesma conta
nanciamento para adquirir uns terrenos que ali estavam do sr. Joaquim Barroca, para onde o sr. Hélder tinha
perto, que era o chamado Vale de Santo António?” feito aquelas transferências.”
HB: “Tenho, sim. Lembro-me de terem falado nisso.” HB: “Ah, pois… Isso é uma grande coincidência. Não
RT: “Quem é que lhe falou nisso?” sabia… Não conheço o holandês, nunca o vi. Eu soube
(…) i disto tudo pelos jornais, sabem? (…) Agora acabo de
HB: “Acho que foi o Luís [Horta e Costa]. Da primeira A CGD investiu constatar esta do Vale de Santo António, que não sou-
230 milhões de
vez que fui a Vale do Lobo, disseram-me que era a euros no projecto be pelos jornais, soube aqui pelo sr. doutor [risos].
expansão natural de Vale do Lobo, que era um grande imobiliário de Agradeço [risos].”
negócio.” Vale do Lobo (…)
RT: “Sobre a escolha de CGD, não a sugeriu a nin-
guém?”
HB: “O sr. Luís Horta e Costa conhece todos os admi-
nistradores da Caixa, todos do BCP, etc.”
RT: “O sr. Hélder também conhece…”
HB: “Sim, alguns, mas não como ele.”
RT: “Conheceu o dr. Armando Vara.”
HB: “Sim, há uns anos conheci o dr. Armando Vara.
(…) Não me recordo de quando o conheci. Estive com
ele muito pouco, não tinha com ele qualquer relação.
Só tive relações com o dr. Armando Vara quando ele
foi trabalhar para a empresa brasileira que geria coisas
em Angola e Moçambique, a Camargo Corrêa.”
(…)
RT: “Foi apresentado, talvez pelo eng. José Sócrates?”
HB: “Não, nunca me foi apresentado pelo engº José
Sócrates. Acho que ele nunca me apresentou ninguém,
devo dizer. Não tínhamos essa proximidade (…). W

35
Destaque

NUNCANAMINHA
VIDAPENSEIQUE
ISTOPUDESSE
ACONTECER

D
De fato escuro, pulôver amarelo e gravata castanha, Ri-
cardo Salgado parecia desconfortável na cadeira sim-
ples, quase rudimentar, que lhe destinaram na sala 2 do
Departamento Central de Investigação e Acção Penal
(DCIAP). A seu lado, para o assessorarem, estavam os
advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano
Squilacce. E à sua frente, para o interrogarem, encontra-
va-se a dupla mais falada da justiça portuguesa: o pro-
curador Rosário Teixeira e o inspector tributário Paulo
Silva, que desde Setembro de 2013 investigam, no âmbi-
to da Operação Marquês, suspeitas de corrupção ao ex-
-primeiro-ministro José Sócrates.
Depois de milhares de horas de escutas telefónicas, de
dezenas de vigilâncias, cartas rogatórias, buscas e inter-
mináveis interrogatórios, o caso encaminha-se para o
fim. E, acreditam os investigadores, tudo é agora mais
claro do que no início, porque o corruptor já tem um
nome – e encontra-se mesmo ali sentado a cerca de um
metro de distância. Chegara a hora de lhe dizerem por-
que o chamaram.
Rosário Teixeira passou 31 longos minutos a ler a indi-
ciação contra Salgado. Há fundamentalmente duas
rão sido utilizados por Ricardo Salgado esquemas finan-
ceiros – em que o empresário luso-angolano Hélder Ba-
taglia terá desempenhado um papel nuclear – para fazer
chegar discretamente a totalidade de 22 milhões de euros
a José Sócrates.
Em conclusão, Ricardo Salgado é suspeito de vários cri-
mes: abuso de confiança, corrupção activa, branquea-
mento de capitais e fraude fiscal qualificada. Mas, subli-
grandes frentes de batalha: a OPA falhada da Sonae à nhou Rosário Teixeira, o caso não está fechado: “Obvia-
Portugal Telecom (PT), em que o Ministério Público sus- mente que estes factos não são uma posição definitiva no
peita que Sócrates terá sido pago pelo BES para bloquear processo. São, digamos assim, um tema de conversa ou a
as intenções de Belmiro de Azevedo, favorecendo as “A ÚLTIMA diligência deste interrogatório (…) Seria útil a colaboração
pretensões de Ricardo Salgado. E há a venda da opera- VEZ QUE do senhor doutor no sentido de esclarecer a razão de ser
dora de telecomunicações Vivo à Telefónica e a poste- ESTIVE dos respectivos factos.”
rior entrada da PT no capital da operadora brasileira Oi, COM JOSÉ Ricardo Salgado ficou em choque. Tirou vários aponta-
em que, uma vez mais, os investigadores estão conven- SÓCRATES mentos numa folha de papel enquanto Rosário lia a indi-
cidos de que Sócrates foi subornado por Salgado. FOI EM ciação. Com os cotovelos assentes na mesa e as mãos en-
Para justificar os indícios em causa, Rosário Teixeira ar- ABRIL DE trelaçadas junto à boca, não escondeu o seu desalento.
gumentou com depoimentos, buscas e informações de 2011, ANTES “Senhor procurador, devo dizer que estou profundamente
cartas rogatórias que comprovarão, por exemplo, que te- DA TROIKA” chocado, profundissimamente chocado com tudo isto.

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“ACREDITO aproveitaram para conferenciar com Ricardo Salgado, os


QUE ESTOU trabalhos foram retomados. Os temas abordados foram
EM CONDI- muitos, quase todos na perspectiva das relações alegada-
ÇÕES DE mente suspeitas que Ricardo Salgado foi estabelecendo
REVERTER com algumas das figuras mais poderosas da política e da
A TOTALI- economia portuguesa, nomeadamente desde a OPA fa-
DADE DAS lhada de Belmiro de Azevedo à PT, consumada em 2007.
ACUSAÇÕES”
JOSÉ SÓCRATES NUNCA FOI ÍNTIMO
O líder histórico do BES quis deixar desde logo bem claro
perante Rosário Teixeira que entre ele e José Sócrates
nunca existiu uma relação de promiscuidade. “Não são
verdadeiras as afirmações de qualquer tipo de relação de
influência do primeiro-ministro da altura, engenheiro José
Sócrates, em relação a qualquer operação que fosse. Nun-
ca falei com o José Sócrates sobre a história da PT, sequer.
E muito menos entregar valores a um primeiro-ministro,
portanto, subornos, directa ou indirectamente, por qual-
quer outra forma.”
Rosário Teixeira: “Conhecia-o antes das suas funções
como primeiro-ministro?”
Ricardo Salgado: “Não. Julgo que terei tido, eventual-
mente, um encontro quando ele foi [ministro] do Ambien-
te, por causa de uma situação na Beira Baixa, onde tínha-
mos propriedades. Fora isso, as minhas relações com o
engº José Sócrates foram sempre institucionais. Aliás,
nunca tive relações íntimas com nenhum primeiro-minis-
tro ou Presidente.”
RT: “Já agora qual foi a última vez que esteve com ele?”
RS: “[Suspiro profundo] Ora, estamos em Abril, é a histó-
ria da troika, que vai entrar em Portugal a seguir, e o engº
José Sócrates sai logo a seguir, não é? Abril de 2011. Nunca
mais estive com ele. E acredito que ele tenha ficado torci-
do comigo e com os outros banqueiros que foram à tele-
visão dizer…”
RT: “O engenheiro nun-

RICARDO SALGADO ca foi à sua residência em


Cascais?”
RS: “Não me recordo.”
Sabendo que foi publi-
cada uma notícia pelo Correio da Manhã sobre um alega-
q do jantar entre o ex-primeiro-ministro e Salgado na casa
À defesa deste último, Adriano Squilacce recordou-o ao seu cliente.
Durante quatro Ricardo Salgado: “Não me lembro…”
horas, o ex-líder Rosário Teixeira: “De José Sócrates ter jantado na sua
do Banco Espíri- casa?”
to Santo respon- RS: “Não, não me lembro… [pausa] Pode ter ido quando
deu às suspeitas ele escreveu um livro, quando regressou de Paris e regres-
do Ministério sou de Paris (…) Não me recordo do jantar, recordo-me do
Nunca vi tanta mentira junta. Peço desculpa por o estar Público. Disse-se tal livro, que eu nunca li. E nunca tive intimidade nenhu-
a afirmar, mas julgo que o senhor procurador já me co- “chocado” ma com o engenheiro José Sócrates (…) Eu estive contra o
nhece há algum tempo e sabe que nunca deixei de res- com os indícios engenheiro Sócrates duas vezes: quando disse que a Vivo
ponder às questões, mesmo quando estava com a facul- apresentados tinha de ser vendida (e não foi com o objectivo de rece-
dade de o poder fazer. Eu vou argumentar na medida do bermos dividendos) e a outra quando no dia 4 de Abril de
meu conhecimento, uma vez que se trata de operações 2011 fui à TVI e disse que era preciso chamar a troika. Fui
que já vêm de longa data. Acredito que estou em condi- o segundo banqueiro a fazê-lo, logo a seguir ao Carlos
ções de reverter a totalidade das acusações que estão Santos Ferreira. Tivemos uma reunião prévia na sexta-
aqui implícitas.” -feira anterior no Ministério das Finanças com o Fernando
Depois de um pequeno intervalo em que os advogados Teixeira dos Santos, explicámos que não estávamos em Q

37
Destaque

Q condições de continuar a comprar títulos de dívida pú- “ÁLVARO


blica e ele disse: ‘Não será por mim que o País vai à falên- SOBRINHO
cia.’ E eu fiquei confortado.” METEU A
CUNHADA À
PARA ONDE FORAM OS MILHÕES FRENTE DO
ENTREGUES A HÉLDER BATAGLIA? CRÉDITO NO
Hélder Bataglia era o homem-forte do BES em Angola. Lí- BESA! NÃO
der da Escom, tinha acesso privilegiado aos corredores do HAVIA
poder de Luanda. Foi ele o grande responsável pela ex- ACTAS!”
pansão dos negócios do Grupo Espírito no país de José
Eduardo dos Santos, através de investimentos que vão do
imobiliário ao petróleo. Também foi Bataglia, que Ricardo
Salgado chega a apelidar, durante o interrogatório, de
one-man show, quem conseguiu a licença do BESA. Só
essa diligência ter-lhe-á valido um prémio de 3 milhões h
atribuído por Salgado. Os fluxos financeiros entre o ex-lí- Sócrates e Salgado:
o Ministério Públi-
der do BES e Bataglia estão sob escrutínio de Rosário Tei- co acredita que o
xeira e Paulo Silva, que consideram que uma parte subs- banqueiro corrom-
tancial das transferências efectuadas para Hélder Bataglia peu o político.
Ambos negam
destinar-se-ia, na realidade, a José Sócrates. Confrontado
com as suspeitas do MP, Ricardo Salgado tentou explicar
as razões dos movimentos financeiros. E exprimiu a sua tinha capitais para entrar no BESA, era o contrário. O
surpresa por alegadamente o dinheiro que fizera chegar a Hélder Bataglia pedia constantemente financiamentos
Bataglia ter ido parar a contas tituladas por figuras que ele, ao BESA para apoiar o desenvolvimento imobiliário e foi
segundo garantiu, mal conhece, como Joaquim Barroca, por isso que eu disse que ele estava em conflito de inte-
do Grupo Lena, ou Carlos Santos Silva. resses e que tinha de sair do Conselho de Administração
Ricardo Salgado: “Os pagamentos ao Hélder Bataglia “POR TRÁS do BESA (…) Ele tinha uma posição de 2,5% no capital do
eram feitos com esta finalidade: obtenção de poços de pe- DAS NOSSAS BESA e acabou por vender a posição ao Álvaro Sobrinho
tróleo (…) de repente, eu devo dizer-lhe que descobri, de- COSTAS por 60 milhões. 60 milhões!!! O Álvaro Sobrinho não ti-
pois do colapso [risos], que por trás das nossas costas se ESTAVA A nha dinheiro para comprar aquilo [risos]! O BESA esteve
estava a passar um filme de terror em que os recursos PASSAR-SE ao serviço do Álvaro Sobrinho e da família. Viemos a sa-
eram desviados para outras finalidades. Eu nunca na mi- UM FILME DE ber depois que o Álvaro Sobrinho pôs a cunhada à frente
nha vida pensei que isto pudesse acontecer.” TERROR [EM da área do crédito. Quem dava o crédito era a cunhada!
Rosário Teixeira: “Porque é que pagaram sem verificar ANGOLA]” Não havia actas! Quando lá fomos em Outubro e nos
se isso tinha ido avante ou não?” deparámos com aquele programa de terror – que eu
RS: “Porque é que pagámos? [Risos] A sua questão é aliás publicamente manifestei e que está na acta – ele
perfeitamente correcta. Nós estávamos convencidos de foi chamado à pedra pelo general Kopelipa e pelo Dino,
que as coisas estavam a acontecer. (…) Só em 2009 come- era uma coisa absolutamente inconcebível o que se ti-
cei a ter um cheirinho que a coisa estava a complicar-se. nha passado dentro do BESA.”
Só um cheirinho. Para nós, esses fundos estavam a ser i Paulo Silva: “Está convencido que o financiamento de
orientados para essas operações concretas.” Ao denunciar Álvaro Sobrinho para comprar a Hélder Bataglia a posição
Ricardo Salgado,
O tema Bataglia é visivelmente incómodo para o líder Hélder Bataglia no BESA foi financiada pelo próprio BESA?”
do BES, que não esconde a sua animosidade em relação tornou-se uma RS: “Tenho quase a certeza. Mas o Álvaro Sobrinho já
ao seu ex-amigo e parceiro de tantos negócios. testemunha-chave se tinha servido muito bem... Ninguém sabe até hoje
para a investigação
Ricardo Salgado: “Não tenho dúvida nenhuma que fo- como é que ele saiu com os recursos. Diziam que
mos completamente enganados em relação a duas coisas: saíam de mala...”
o banco [BESA] e a Escom. E que o Hélder Bataglia foi um Rosário Teixeira e Paulo Silva preferiram deixar Álvaro
elemento determinante nisso.” Sobrinho à margem da conversa. Queriam fundamental-
Outro ex-quadro do BES em Angola que não é poupado mente que o ex-banqueiro falasse de Hélder Bataglia e,
quanto às responsabilidades pelo descalabro angolano é em particular, de um contrato que firmou com o gestor
Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BESA e, de acordo com luso-angolano em 2005, cujo pagamento final ocorreu
Salgado, cúmplice de Bataglia em quase tudo o que de apenas em 2010. Só no âmbito desse acordo, foram pagos
mau sucedeu com o banco. a Bataglia cerca de 15 milhões de euros. Ricardo Salgado
Rosário Teixeira: “É verdade que, aquando da constitui- garantiu que o dinheiro foi pago como forma de prémio
ção do BESA, falou ao Hélder Bataglia que a Escom pelo suposto desenvolvimento dos negócios do grupo
podia entrar como accionista?” em África, mas Rosário Teixeira não acredita, está
Ricardo Salgado: “Isso não faz sentido ne- convencido de que na realidade o dinheiro esta-
nhum. É mentira. Nós tínhamos a área finan- va em trânsito para as mãos de José Sócrates.
ceira separada da não financeira. A Escom não Rosário Teixeira: “Em 2006 recorda-se se

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Não tenho dúvidas de


que fomos enganados em
duas coisas: o BESA
e a Escom. E que Bataglia
foi determinante nisso
RICARDO SALGADO

soubesse o que sei hoje não lhe tinha pago, não é?”
Paulo Silva: “E para isso foi feito algum contrato?”
RS: “Não sei. O senhor inspector é uma pessoa muito
cuidadosa e meticulosa mas peço-lhe que acredite que
não tinha tempo para a parte administrativa.”

UM MISTÉRIO CHAMADO ES ENTERPRISES


Nesta fase dos acontecimentos, Paulo Silva viu uma opor-
j tunidade para apanhar Ricardo Salgado em contradição.
Em 2007, Belmiro Estava na altura de falar na famosa Espírito Santo Enter-
de Azevedo lançou
uma OPA falhada à prises, o offshore montado pelo GES que, na opinião do
PT. O MP defende MP, serviu durante muitos anos como um enorme saco
que Sócrates azul destinado a fazer pagamentos ocultos a políticos e
interveio para
beneficiar o BES gestores alegadamente corruptos. Terá sido por lá que
passaram os dinheiros pagos a Bataglia.
Paulo Silva: “Conhece uma entidade chamada
Pinsong?”
Ricardo Salgado: “Sabe onde vi esse nome pela primei-
ra vez? No Expresso, nos Panama Papers. Eu não sabia,
depois soube que era um veículo criado pela [ES] Enter-
prises. E não sabia da Markwell e da Monkway [duas so-
ciedades offshore geridas pelo empresário luso-
-angolano].”
Rosário Teixeira: “Mas essas aí não estão na sua esfera,
são de Hélder Bataglia.”
PS: “Esses tais pagamentos foram estabelecidos nos
contratos entre a Pinsong e a Markwell precisamente para
cobrar esses valores.”
RS: “Valores que estavam relacionados com a conces-
são dos poços de petróleo. Mal sabíamos nós que esses
houve algum pagamento de success fee ao Hélder Bata- capitais estavam a circular por outro lado, porque os capi-
glia? Ele reclamou algum pagamento relacionado com a tais foram desviados. Vim a saber mais tarde que parece
sua intervenção na administração da Escom?” que os senhores me imputam a responsabilidade de ter
Ricardo Salgado: “Não me recordo. Sei que os paga- feito chegar dinheiro ao ex-primeiro-ministro Sócrates
mentos eram pela obtenção das licenças dos blocos de mas isto só pode ter sido feito pelo Hélder Bataglia, não
petróleo.” eu! Ele estava era a desviar recursos que deviam estar alo-
RT: “E eventualmente do BESA, que ele também cados àquela entidade.”
reivindica...” RT: “Vamos por partes. O senhor está-nos a dizer que
RS: “E do BESA. Acho que aí foram 3 milhões. Mas isso “SE não conhece a Pinsong.”
é a tal exigência que ele fazia porque não estando di- SOUBESSE RS: “Conheci no Expresso nos Panama Papers.”
rectamente a seu cargo o BESA, estando mais na área O QUE SEI RT: “Tem conhecimento da existência desses contratos
não financeira, o Hélder devido ao desenvolvimento HOJE NÃO entre a Pinsong e o senhor Hélder Bataglia?”
extraordinário do BESA achava que tinha direito de re- LHE TINHA RS: “Além desse da Entreprises depois havia os con-
ceber isso e como tinha sido ele a obter a licença e con- PAGO tratos dos poços de petróleo. Mas eu não lhe posso ga-
tribuído para o desenvolvimento da actividade em An- [A HÉLDER rantir que sejam esses da Pinsong.”
gola, considerou-se que se devia pagar. Claro que se BATAGLIA]” RT: “Parece haver aqui uma contradição: o senhor Q

39
Destaque

“ÁLVARO três de 5 milhões, que perfazem 15 milhões.”


SOBRINHO Nesta fase, Adriano Squilacce sentiu necessidade de in-
FOI tervir para recentrar o seu cliente. Queria sublinhar que
CHAMADO À Salgado não tratava de nada que tivesse relação com a
PEDRA PELO parte operacional.
GENERAL PS: “Tem memória disso, consegue detalhar, será a par-
h KOPELIPA” te operacional que tratava?”
Álvaro Sobrinho: RS: “Era a parte operacional, claro. Tenho de fazer um
o ex-CEO do BESA
é acusado por esforço de memória, não quero deixar de responder nesta
Salgado de altura.”
arruinar o banco PS: “Se permite ajudá-lo, aqui estamos a falar do pri-

Q diz que não sabe o que é a Pinsong, mas sabe que


há uns contratos; ora esses contratos são em nome da
Pinsong. Se não sabe o que é a Pinsong como sabe que
(..) ossenhoresimputam-me
há contratos?”
RS: “Eu soube dos contratos porque tive a informa- a responsabilidade de ter
ção da transferência dos recursos e só poderiam ter
sido transferidos à luz disso, dos acordos feitos com o feito chegar dinheiro a
Bataglia.”
RT: “Mas esses acordos são feitos com uma entidade
offshore que é a Pinsong, que por sua vez é uma filha da
Sócrates, mas só pode ter
ES Enterprises.”
PS: “Essa questão administrativa de elaborar os contra-
sido o Hélder Bataglia
tos e até escolher a entidade foi instruções que deu ao RICARDO SALGADO
Jean-Luc Schneider? ‘Trata disto que é preciso para o Hél-
der Bataglia.’”
RS: “Não sei se foi nesses termos. Sei que houve as con- meiro pagamento feito ao senhor Hélder Bataglia. Do pri-
cessões dos poços de petróleo que viríamos a descobrir meiro contrato de 2005 não foi nada pago, só foi pago em
ter sido só uma, mas na altura era isso que estava acorda- 2010. Aqui estamos a ir ao momento em que efectiva-
do e o que foi pago.” mente o senhor Hélder Bataglia lhe surge e está a ser-lhe
PS: “Acordado entre quem?” pago verbas [sic]. Dentro desse raciocínio consegue saber
RS: “Entre o grupo e o Hélder Bataglia.” qual é a primeira verba que está a ser paga, a que título e
RT: “Sotor, mas o grupo tem caras. Isto foi entre si e o porquê? Se é essa história dos 3 milhões ou se já foi os po-
senhor Hélder Bataglia.” i ços de petróleo?”
RS: “Provavelmente sim.” A PT, liderada RS: “A ordenação dos montantes não sei, não me
por Zeinal Bava
RT: “Portanto o que quer dizer é que esse acordo entre si vendeu a Vivo recordo.”
e o senhor Hélder Bataglia terá levado à assinatura desses à Telefonica, Paulo Silva não ficou contente com a resposta.
contratos embora não tenham sido elaborados por si. Al- mas só depois de PS: “Aqui não é a ordenação do montantes, é da
Sócrates autorizar
guém dentro da Enterprises arranjava a justificação con- realidade…”
tabilística para os pagamentos ao senhor Hélder. É isso?”
RS: “Sim.”
(…)
Depois de deixar bem claro que terá sido o ex-líder do
BES que negociou pessoalmente os termos dos pagamen-
tos ao empresário luso-angolano, Rosário Teixeira lan-
çou-se aos detalhes das operações financeiras.
Rosário Teixeira: “Um dos factos que lhe são imputados
são três operações de 5 milhões de euros cada, entre
2008 e 2009. Duas para a conta da Markwell e uma para
a conta da Monkway, ambas do Hélder Bataglia. Se bem
percebi, o sotor diz-me que esses 15 milhões estarão rela-
cionados com os contratos dos poços de petróleo. Os 3
milhões de success fee estão incluídos neste bolo?”
Ricardo Salgado: “Parece-me que sim.”
Paulo Silva: “Antes destas de 5 milhões há uma outra
em Julho de 2007 de 7 milhões da ES Enterprises para
a Markwell, antes dessas três (…) depois disso vieram

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ESTREIA EXCLUSIVA
2 MARÇO 2017
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PUB
h
Na orla do BES, foi criada
a ES Enterprises, a entidade
offshore de onde, acredita
o MP, foram feitos
os pagamentos a Sócrates

RS: “O que estava combinado era pagar os poços de pe-


tróleo (…) Se foi antes ou depois não sei.”

©ABC STUDIOS
RT: “A ordem que aqui está é que em 2007 há uma
transferência da ES Enterprises para a Markwell de 7 mi-
lhões. Desses 7 ele agarra em 3 e põe na sociedade Gunter
que é do senhor José Paulo, primo de José Sócrates.”
RS: “[Risos] É o filme que passa atrás das nossas costas e
que só agra é que eu estou a realizar!”
RT: “A seguir a estes 7 milhões (…) há mais três transfe-
rências de 5 milhões de euros (a última já é em 2009),
que perfazem 15 milhões de euros (…) o que perfaz 22
milhões. Pronto. Estes 22 milhões entregues ao senhor
Hélder Bataglia são o quê? Estamos a falar de tudo rela-
cionado com poços de petróleo mais os 3 milhões da
compensação da licença do BESA?
RS: “Exactamente. Desenvolvimento dos projectos. O
nder um
Hélder Bataglia tinha o compromisso de desenvolver os
o defe
com
projectos e estava constantemente a pedir recursos para
efeitos não sei de quê, para contribuir para o desenvolvi-
mento dos projectos. Se ele depois pegava no dinheiro e
entregava a alguém lá no Congo-Brazzaville ou em Ango-
la eu não faço ideia. O compromisso dele era desenvolver
os projectos e trazer os poços de petróleo.”
RT: “Então este dinheiro que aqui está não é apenas
uma remuneração do success fee e do trabalho...”
RS: “Com certeza que não.”
RT: “Era também para ele próprio contribuir para esse
desenvolvimento dos projectos.”
RS: “Exactamente.”
Estava na hora de introduzir Carlos Santos Silva na con-
versa. Alicerçado no depoimento de Hélder Bataglia [que
dissera que Ricardo Salgado lhe pedira para utilizar as
suas contas offshore no sentido de fazer chegar discreta-
mente dinheiro a Carlos Santos Silva, alegado testa-de-
ESTREIA T3
ferro de José Sócrates], o MP quis explorar a relação entre
Salgado e o amigo do ex-primeiro-ministro. TERÇA 7
Rosário Teixeira: “Conhece o engenheiro Carlos
Santos Silva?”
Ricardo Salgado: “Nunca o vi e é uma situação para 23:10H
mim de uma enorme perplexidade porque pelo que per-
cebi os recursos foram parar a Carlos Santos Silva.”
RT: “Certo.”
RS: “Eu vou-lhe dizer o que conheço do Grupo Lena.”
RT: “Está a associar o Carlos Santos Silva ao Grupo
Lena...”
RS: “E não é?” Q

41
Destaque

Q RT: “Entre outras coisas, sotor.”


RS: “Ó senhor procurador, eu não me recordo de ter fa-
lado ao Carlos Santos Silva.”
RT: “Era seu cliente com alguns recursos… Até rece-
bia alguns dinheiros no BESI que não são para toda a
gente e que até trouxe alguns dinheiros lá de fora ao
abrigo do RERT.”
RS: “Para mim foi uma enorme surpresa que ele tivesse
feito o RERT no BES. Nunca me passou pela cabeça que
isto pudesse acontecer, esta conjugação de relações entre
o engenheiro Sócrates, o Grupo Lena e o Carlos Santos
Silva. Não fazia ideia!” g Ricardo Salgado: “Nunca fiz isso na minha vida!”
Estava na altura de confrontar o líder histórico do BES Nos tempos em RT: “Nunca utilizou contas de passagem nem nunca pe-
que era apelidado
com a pergunta sacramental. de DDT (Dono diu a ninguém ‘olhem deixem lá passar esse dinheiro e
Rosário Teixeira: “E muito menos tem conhecimento Disto Tudo), depois transfere para a conta tal?’”
de que tenha pedido a alguém para fazer transferências Salgado era RS: “Não.”
inquestionável
para este Carlos Santos Silva?” entre a elite O procurador resolveu fazer um ponto de situação. Os
Ricardo Salgado: “Claro que não! Claro que não! Isso é empresarial depoimentos de Bataglia e de Salgado não podiam ser
tudo iniciativas do senhor Bataglia, que quando tinha um mais contraditórios.
programa para desenvolver em Angola e para o qual esta- Rosário Teixeira: “Aquilo que aqui está em causa é
va a ser remunerado (…) fazia circular os recursos pelas duas versões sobre a existência destes pagamentos, des-
nossas costas desta forma. Foi uma total surpresa!” tas operações. O senhor está-nos a dizer que deu estes
Paulo Silva: “Mas tem algum conhecimento que o se- dinheiros todos ao senhor Hélder Bataglia (só nestes
nhor Hélder tenha relações com Carlos Santos Silva?” anos de 2008, 2009, somam 22 milhões de euros) e que
RS: “Não faço ideia. O Hélder nem sequer desenvolvia o [os dinheiros] são pura e simplesmente para ele de-
relacionamento que tinha com o engenheiro José Sócra- senvolver negócios e para remunerações dele do suces-
tes. A única coisa que me disse sobre a família do enge- so que pudesse ter, incluindo a tal licença bancária do
nheiro Sócrates foi este senhor Pinto de Sousa, que estava BESA que terá sido paga algum tempo depois. Outra coi-
lá em Angola e que tratava lá das salinas e de uns terrenos sa é dizer que parte deste dinheiro foi entregue por si ao
que eles tinham, portanto não se surpreendam por eu ter senhor Hélder Bataglia mas depois para o reencaminhar
ficado em estado de choque.” para umas contas que o senhor Carlos Santos Silva lhe
Rosário Teixeira sentiu necessidade de fazer sentir a Sal- “Ó SENHOR deveria indicar.”
gado que não estava a imaginar coisas ou a relacionar PROCURA- Ricardo Salgado: “Eu nunca ouvi falar no Carlos San-
factos de forma abusiva. DOR, EU NÃO tos Silva antes, nunca! O Hélder Bataglia nunca me falou
Rosário Teixeira: “Mas algumas das interpretações des- ME RECOR- num Carlos Santos Silva, nunca me falou de nada! Ele
tes factos não saem da nossa lavra, saem de pessoas que DO DE TER fazia o que queria!”
afirmaram e que dizem que foi o senhor que pediu para FALADO COM
haver contas que serviam de passagem para dinheiros CARLOS SAN- ZEINAL BAVA E A DESGRAÇA DA OI
que vieram da ES Enterprises.” TOS SILVA” Já eram 2h da tarde e Ricardo Salgado começava a dar si-
nais de cansaço, mas Rosário Teixeira decidiu prolongar o
interrogatório. Queria avançar para a polémica venda da
h operadora de telecomunicações. A tese do MP é esta: Ri-
Com a implosão do BES, cardo Salgado terá corrompido José Sócrates para que
também a PT foi à ruína.
Tinha investido 897 este autorizasse a venda da Vivo à operadora espanhola
milhões de euros só em Telefónica, gerando dividendos milionários para os accio-
obrigações da Rio Forte nistas da PT, que tinha metade da Vivo. Ao mesmo tempo
que subornava o ex-primeiro-ministro, Ricardo Salgado
terá ainda distribuído muitos milhões de euros por Zeinal
Bava (na altura CEO da PT) e Henrique Granadeiro (chair-
man da empresa) no âmbito deste negócio, que se esten-
deu depois à entrada da PT no capital da operadora brasi-
leira Oi, numa operação que se revelou ruinosa para os
cofres da PT.
Rosário Teixeira: “Em 2007 há aqui pagamentos ao se-
nhor Zeinal Bava com origem na ES Enterprises. Porquê?”
Ricardo Salgado: “Já tive oportunidade de lhe dizer o
seguinte, e aproveito para responder a outra suposta
acusação, de que eu é que engendrei a operação da PT
adquirir a Oi Telemar (…) O José Sócrates queria que se

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2 MARÇO 2017
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vendesse a Vivo e queria que ficássemos no Brasil. Saí-
ram notícias com afirmações do Sócrates de que a PT ti-
nha de ficar no Brasil (…) O Brasil estava a crescer muito,
era muito importante a operação mas se a Vivo fosse
vendida e se houvesse a alternativa de uma outra com-
panhia, nesse caso a Oi Telemar, havia talvez a possibi-
lidade de se fazer uma parceria.”
RT: “Mas que não estava garantida na altura.”
RS: “Não estava garantida e mais uma vez fomos leva-
dos à certa, mas agora por brasileiros.”
Ricardo Salgado passou então a explicar detalhada-
mente a ruína do negócio alegadamente arquitectado
por ele, por Sócrates, Zeinal Bava e Henrique Granadei-
ro. E de como terá sido por causa da situação calamitosa
que encontraram na Oi que foram pagos os milhões a
Zeinal Bava.
Ricardo Salgado: “A situação da Oi Telemar era dramá-
tica. No Brasil, qualquer cliente de companhia de telefo-
nes em que o serviço não esteja à altura põe imediata-
mente um processo. A Oi Telemar tinha milhares, se não
milhões, de processos distribuídos pelo Brasil. E ainda
ninguém tinha avaliado isso. Foram avaliar a empresa,

Há pessoas que
afirmam que foi o
senhor que pediu
para haver contas Ricardo
de passagem para
dinheiros
ROSÁRIO TEIXEIRA

provavelmente, os activos e os passivos, mas não avalia-


ram a litigância, que era brutal. Nessa altura era vital en-
viar uma equipa-choque para o Brasil e essa equipa só
dava garantias se fossem portugueses, porque brasileiros
já sabíamos o que eles tinham sido capazes de fazer. O
Zeinal Bava aceita chefiar essa equipa, eu entretanto co-
meço a perceber que o Zeinal Bava está a ser solicitado
para ir para outras águas, um dos que parece tê-lo convi-
dado é o Carlos Slim [um dos homens mais ricos do mun-
do, é dono da América Móvil, a maior empresa de teleco-
municações da América Latina e, no Brasil, controla Em-
bratel, a Claro e a Net]. Aliás também já me dizem hoje
que ele está a colaborar com o Carlos Slim em Londres.
Bom, mas o Zeinal Bava não podia saltar dali. E era fun-
damental ter uma equipa com ele, para poder dominar
aquela fera da Oi Telemar. E essa equipa…”
Rosário Teixeira: “Mas antes ou depois da aquisição? Q

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2 MARÇO 2017
Destaque www.sabado.pt

Que dizia que se a operação de fusão não se fizesse, o di-


nheiro era retornado. E o Zeinal Bava comportou-se im-
pecavelmente. Olhe que não fui eu que lhe pedi a devolu-
ção do dinheiro, foi ele que por sua iniciativa devolveu o
dinheiro à massa falida do Luxemburgo. Tudo. Até ao úl-
timo cêntimo, incluindo juros.”
Paulo Silva: “Por isso estamos a falar de 8 milhões e
meio que estão indicados, ainda em finais de 2010 e em
Janeiro de 2011. E depois esse momento é reforçado ao
longo de 2011 com mais 10 milhões. São ao todo 18 mi-
lhões e meio. São estas verbas de que estamos a falar.”
Ricardo Salgado: “Exacto. Mas foram reembolsadas.”
PS: “Mas se estou a perceber o que sr. dr. está a dizer,
seriam um fundo.”
RS: “Não é um fundo.”
PS: “É um fundo…”
g Adriano Squilacce: “É uma operação fiduciária.”
O MP defende RS: “É uma operação fiduciária que se destina…”
No negócio da que Henrique
Granadeiro, ex-
-chairman da PT,
RT: “…que ficava na esfera dele para ele fazer uns
pagamentos…”
entrada na Oi terá recebido
dinheiro do BES
RS: “Não era pagamentos. Aquilo devia permitir, logo
que a operação se fizesse, uma relação financeira que

Telemar fomos motivasse os colaboradores e essa relação era para ser


atribuída àqueles que fossem para lá. Podia ser em ac-
ções da PT, já numa segunda fase, ou havendo fusão,
levados à certa, mas da empresa resultante. Por isso, não se sabia e se dei-
xou em aberto.”
agora por brasileiros “NUNCA USEI
CONTAS DE
RT: “Fizeram um contrato.”
RS: “Exactamente. Mas os senhores devem ter o contra-
RICARDO SALGADO PASSAGEM to. Nas cartas rogatórias não receberam o contrato?”
NA MINHA RT: “Eu pessoalmente… neste processo, não temos esses
VIDA NEM contratos. Por isso se os quiserem disponibilizar…”
PEDI A AS: “Nós não os temos [risos], por isso é que os gostáva-
Q Já depois da aquisição?” NINGUÉM mos de ver.”
RS: “Exactamente. Mas eu estou a falar-lhe por causa do PARA PS: “Essas verbas de 18 milhões e meio, na mesma altu-
pagamento ao Zeinal Bava.” O FAZER” ra, transferiu para a [imperceptível]”
(…) RS: “Para a [imperceptível] são outros 500… Agora o
RT: “Então o Zeinal ia para o Brasil para chefiar uma que eu gostava de lhes dizer era o seguinte: já ouvi falar
equipa para pôr a Oi em ordem.” várias vezes do Diabo. A coincidência destas operações
RS: “Exactamente. E para o fazer precisava de uma com aquelas datas do Hélder Bataglia, é o Diabo. Foi o
equipa grande. Porque a Oi Telemar é a maior operadora Diabo [risos]. Não tem nada a ver…”
brasileira de rede fixa. É uma coisa incrível mas é verda- RT: “Mas não sendo o Diabo elemento processual,
de. O Zeinal diz-me: ‘Ó dr. Ricardo, nós precisamos de ter i requer uma interpretação humana. Esse é o problema.”
uma garantia qualquer de que a equipa que vai, fica.’ (…) E Nuno Vasconcellos RS: “Isso é o que vos quero dizer. Reparem que
era um dos
então pensou-se, o Zeinal Bava comigo, e eu com o Zei- grandes aliados o dinheiro voltou, como estava combinado com
nal Bava, numa modalidade na qual se estabelecia uma de Salgado. Com o Zeinal Bava.”
operação fiduciária, que se destinava a constituir a âncora o descalabro do PS: “E a [imperceptível]?”
BES, foi à falência
para segurar os colaboradores portugueses que fossem RS: “A [imperceptível] tem a ver com Granadeiro. mas
para o Brasil. Essa operação fiduciária traduzia-se num ele não tem a ver com isto, tem a ver com uma colabora-
montante que não sabíamos exactamente, julgo que no ção que deu ao grupo, muito importante, em anos ante-
escalonamento dos pagamentos ao Bava há uma evolu- riores, antes de ir para a PT, na reorganização da área
ção. Se bem me lembro não se sabia o número exacto de agrícola do grupo relacionada com a Comporta. (...)”
quantas pessoas iriam para o Brasil. Falava-se de um Eram 15h quando Rosário Teixeira deu o interrogató-
montante que podia chegar a 20 ou 30 milhões (…) Tudo rio por terminado. No momento em que se levantou da
isto tinha de estar no espaço e no tempo, num programa cadeira para se encaminhar para a saída, Ricardo pare-
que fosse sólido. E combina-se uma primeira fase de 8 cia cansado. Não era para menos: estivera quatro horas
milhões, salvo erro, e de outros montantes a seguir. Mas sob fogo cerrado. Agora, resta-lhe esperar pela acusa-
estava lá uma cláusula de salvaguarda, que infelizmen- ção e, eventualmente, preparar-se para um
te não foi a mesma que se fez quanto ao Bataglia. longo e cansativo julgamento. W

44
O maior prémio de literatura infantil
do país está de volta.






 

 

De 21 de F   





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2 MARÇO 2017
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Iniciativas SÁBADO 2 MARÇO 2017
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GRÁTIS. CINCO ESTRELAS DO CINEMA PORTUGUÊS

KILAS,OMAUDAFITA
O cartaz da comédia de José Fonseca e Costa, rodada no início
Schopenhauer
É o pensador do 6º livro da
colecção DescobriraFilosofia
dos anos 80, é o terceiro de cinco que aSÁBADO lhe oferece
Foi um filósofo alemão
do século XIX, conhecido pela
sua obra O Mundo como Von-
tade e Representação (1818).
Schopenhauer – O
pessimismo torna-
-se filosofia é o livro
que acompanha a
SÁBADO na próxima
semana e custará
Crónica dos Bons 9,95 euros. O próxi-
Malandros
mo é de David Hume.
16 de Março

GraphicNovelsMarvel
A SÁBADO lança colecção
com os maiores super-heróis
Esta semana a SÁBADO
vem acompanhada pelo
primeiro de 60 livros, de capa
Branca de Neve dura, da colecção Graphic
23 de Março Novels da Mar-
vel, por €2,99. A
segunda entre-
ga custará
€6,99 e as res-
tantes (até 19
de Abril de
2018), €11,99.

j
Kilas, o Mau da
Fita é oferecido
com a próxima
O corpo humano
SÁBADO A SÁBADO traz a terceira
caixa com peças para
a obra de José Fonseca e seia-se numa obra de Tabajara montar um esqueleto

D Costa (1933-2015), Kilas, o


Mau da Fita constitui uma
referência incontornável no cine-
Ruas que retrata o mundo dos
pequenos marginais lisboetas.
Protagonizado por Mário Viegas,
Todas as semanas, a
SÁBADO é acompanhada
por uma caixa que traz um
ma português. O cartaz deste fil- contou com a participação da fascículo e peças para
me é o terceiro desta colecção actriz Lia Gama e dos brasileiros montar um corpo humano.
que a SÁBADO oferece aos leito- Lima Duarte e Natália do Vale. Esta semana entregamos
res – Depois de A Canção de Lis- Este é o terceiro de uma a terceira caixa, por €3,95.
boa e de Aniki-Bóbó. colecção de cinco cartazes As restantes custarão
A longa-metragem, rodada entre (de 48X68 centímetros) dos gran- A LONGA- €6,95. No final da colec-
1978 e 1980, com música de Sér- des clássicos do cinema portu- -METRAGEM, ção, que termina a 5 de
gio Godinho, estreou a 27 de Fe- guês que a SÁBADO oferece aos COM MÚSICA Outubro, terá um
vereiro de 1981, no Eden, em Lis- leitores. Segue-se Crónica dos DE SÉRGIO esqueleto completo,
boa e foi um dos maiores êxitos Bons Malandros, um filme do rea- GODINHO, com 1,10 m de altura.
de bilheteira do cinema portu- lizador Fernando Lopes, baseado FOI UM
guês, ultrapassando os 100 mil no livro de Mário Zambujal ÊXITO DE
espectadores. Este sucesso ba- com o mesmo nome. W BILHETEIRA

47
Opinião

O pressão privada, o revisionismo, os


RELATÓRIO interesses instalados e as “campa-

MINORITÁRIO A tela e a trela nhas” encapotadas marcam muitas


vezes um espaço secreto.

O
O que nos diz o atraente s filmes sempre revelaram Claro que não podemos confundir
psicodrama dos Óscares, muito sobre o mundo. Ou regimes políticos e sociedades onde a
misturado de Carnaval e falsificando-o, ou traduzin- censura é uma regra, e aqueles onde
comício, sobre a sociedade do as realidades mais cruas, as ob- constitui uma excepção.
americana, e, já agora, sessões, as modas e os medos, e às Hollywood, apesar das pragas, dos
sobre a humanidade? vezes exilando-se dele, para os abis- tiques e das taras, continua a ser um
Entre humildade e mos risonhos da fantasia. apreciável reservatório de liberdade
humidade, há respostas Há filmes de ópio para as massas, artística e de criação. Não é o único
sobretudo quando estas parecem que- pólo de cinema do mundo – com o
rê-lo, e filmes “de autor”, que podem crescimento da indústria europeia e
ser verdadeiros tesouros, epifanias e asiática, do Magrebe e do Mashrek, e
dádivas à humanidade, ou só uma ex- com o tímido aparecimento da filmo-
tensão egoísta da personalidade tor- grafia comercial africana – mas tra-
tuosado realizador. ta-se de um farol reconhecido, para o
Há filmes que brincam com o pú- bem e para o mal.
blico, e filmes que se tomam dema- Este ano, voltámos às perplexidades
siado a sério. e paradoxos. A rábula final, com os
Os Óscares, e o seu ritual, fazem atropelos em jeito de comédia de en-
parte deste universo, onde a proibi- ganos, pode colocar na mente o filme
ção económica, a auto-restrição, a Moonlight(na foto, o realizador, Barry
Jenkins), ou ridicularizá-lo.
Mas este merece atenção especial:
retrata, de formainteligente, subtil e às
vezes ternurenta, um caminho trá- Q

O j
Medir as palavras

Trump não desiste de ser um elefante


em loja de porcelana. Claro que se di-
verte, reagindo a todas as provoca-
ções. Mas faz pena ver um Presidente
continuaracomportar-se como se es-
tivesse em campanha, ou permitir-se
usar o Twitter para discutir a vida in-
terna dos partidos. Como prevíamos,
Trump é o piorinimigo de si mesmo.
Mas dizer isto é diferente de pin-
tar os EUA como uma tirania em
construção. Para isso seria preciso
um congresso obediente, uma ma-
gistratura dependente, um executi-
vo de castrados, uma maioria so-
cial silenciosa, uma polícia política,
uma imprensa proibida, e a aboli-
ção dos estados. Nada disso existe,
O
Politólogo e a condição para existir seria, lite-
Nuno Rogeiro ralmente, a guerra civil.
[email protected] Vêem-na? W

48
2 MARÇO 2017
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vrões, nem violência, nem sexo, nem terbytheSea, umagrande históriafei-


droga. Apesar do aparecimento de tade pequenas coisas, como avida.
John Legend e do discurso sobre a sal- E houve a omissão, por causa do de-
vação do jazz (agrande músicanegra), creto Trump, de Asghar Farhadi, que
das garras do comercialismo e das me- podia ajudar os EUA a compreender
lopeias para elevadores, eis um pseu- que o Irão profundo não é feito de aya-
FOTOS REUTERS

domusical branco. Intenso mas bem tollahse de mísseis. E houve areconci-


comportado, no qual se elogiao talento liação do “fascista” Mel Gibson com o
e aoriginalidade, mas também o estu- sistema, tendo o seu grande filme de
do e o trabalho esforçado, e aconcilia- guerra sem armas cinco nomeações e
Q gico de parte da sociedade ameri- ção final entre a liberdade e o comér- dois prémios. A curta-metragem hún-
cana, aface obscuradaprosperidade. cio. Claro que é também, nas derradei- gara Sing, ou a corrupção vista pelos
É um pântano com indivíduos esti- ras imagens, um percurso sobre a me- mais pequenos, foi também felizmente
lhaçados, incapazes de amar, autó- ditação comum dos mortais: “O que notada, assim como o documentário
matos destrutivos, que às vezes, po- poderíamos tersido, se...?” CapacetesBrancos. Estes são os volun-
rém, encontram redenção onde me- Para os aludidos primários, esta é a tários que o regime sanguinário de As-
nos se espera. América que ganhou as eleições. sad desprezacomo “terroristas”.
Película “progressista”, retrata, para Pelo meio tivemos a discreta derro- Tive pena de não ver reconhecido
os mais primários, a América que per- ta de Meryl Streep às mãos de Emma Silêncio, ainda por cima realizado
deu as eleições de 2016. Stone. Devemos dizer que justamen- por um democrata com cartão,
La La Land, ao contrário, é cinema te, até porque a Florence da genial apoiante da senhora Clinton.
“reaccionário”: não há ali nem pala- Streep é muito inferior à versão fran- Mas ainda não chegou o tempo de
cesa, em que Catherine Frot (Margue- Hollywood perceber o peso de um
rite, de Xavier Giannoli) nos entrega drama espiritual setecentista, com
um desempenho soberbo, complexo, jesuítas portugueses e inquisidores
cómico antes de ser trágico. nipónicos, filmado em Taiwan e ini-
E tivemos ainda justiça por linhas ciado em Macau.
tortas, com CaseyAffleckde Manches- Já chega de complicações. W

O h O
Do bloco ao banco Reflectir e
relembrar
É absurdo acusar Francisco Louçã Editado o clássico de AnthonyGiddens
de “traição”, ou “oportunismo”, ao (nafoto), CapitalismoeModernaTeo-
entrar no órgão consultivo do Ban- riaSocial: grande tentativade explica-
co de Portugal (BdP). Talvez por ig- ção, em 1972, do “modelo” que ainda
norância, confunde-se um regula- nos domina. De Fernando Ângelo, Os
dor com um balcão comercial. Ora Flechas, investigação sériasobre tema
o BdP é o árbitro acima dos regi- controverso: as lendárias forças espe-
mes, não o agiota dos romances de ciais daPIDE/DGS, em Angola. Quanto
cordel. Com “capitalismo” ou “so- aTimothy Garton Ash, escreve o volu-
cialismo”, teria sempre de existir, e j moso Liberdade de Expressão, pas-
só se deve lamentar que “existisse” seio labiríntico sobre as formas de co-
pouco, ou de forma tardia, em casos municar, nesta carruagem do milénio.
recentes. Quanto à competência do E Han Eun-Mi, em Ainda Estou Viva,
ex-bloquista, a sua melhor defesa é conta uma versão, vivida e sofrida, da
a de Cavaco Silva. Num recente li- Coreia do Norte: não a superpotência
vro de memórias, o ex-PR e profes- lunática, mas o mundo da miséria. Na
sor de Economia, insuspeito de música, A Dança dos Pássaros, ou a
trotskismo, distingue Louçã, apon- Orquestra do Hot Club a revisitar An-
PEDRO CATARINO

tando-lhe o rigor técnico e as con- tónio Pinho Vargas: soberbo, original e


tas certas. Por oposição à oralidade delicado. W
disparatada de outros “génios”. W

49
Portugal

MARCELO REBELO DE SOUSA. UM ANO EM BELÉM, COM UM ESTILO PRÓPRIO

ESTE HOMEM
TEM UM CASO
COM O PAÍS
50
2 MARÇO 2017
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Faz ele as malas,


compra frangos em
Cascais e vai ao fim-de-
-semana à faculdade.
Selfie-man Marcelo,
há um ano a exercer a
presidência perto de si.
Por Maria Henrique Espada

uarta-feira, dia 22, Pó-

Q voa de Varzim. No
porto, as mulheres
penduram-se nele,
agarram-lhe as faces,
abraçam-no, espremem-lhe o cor-
po para caber melhor no enquadra-
mento da selfie. Até tira uma foto
com um cão ao colo do seu dono,
os três muito apertados. Há beijos,
abraços, fotos, gente quase emo-
cionada, um ambiente de festa de
casamento – e ele é o noivo. Os co-
mentários em volta são de fãs a
suspirar pela estrela: “Ai, que já te-
nho, já tenho, já tirei”; “É que não
saio daqui sem dois beijinhos”;
“Queria tanto, mas não sei se vá,
achas que vá?, vou, vou”; “Assim
fica cansadinho, coitadinho”. Uma
comenta-lhe os olhos, ele “são ver-
des, perigosos”, ela não se fica, “os
meus são castanhos, de encantos
tamanhos”, e ele ri-se. Um casal
vai-se embora feliz, selfie tirada,
“ainda bem que viemos, eu não te
disse?”. Marcelo retribui sempre:
trata velhotas com um “oooh, mi-
nha filha” carinhoso, distribui,
“ooohh minha querida” com abun-
dância. Faz selfies triplas e quádru-
plas, todos juntinhos, agarra a mão
de quem está ao lado, abre os bra-
ços para incluir tanta gente quanto
possível, ajuda quando o/a fotógra-
fo/a não sabe nem inverter a câma-
ra do telemóvel.
Os homens são mais contidos nos
comentários, mas não se ficam (“O
homem é mesmo acessível”, “É um
RICARDO MEIRELES

senhor, isto é que é um senhor”), e


menos ternurentos nos gestos, mas
também não guardam distância Q

51
Portugal

Q protocolar: o mestre José Festas, com o partido Livre, com o comis-


presidente da Associação Pró- A mão sário europeu para a segurança Ju-
-Maior, motivo da visita, percorreu que usa para lian King e com o presidente da
feliz umas centenas de metros com gesticular quan- FLAD. Quando saiu da TVI, ainda
a mão sempre a envolver com toda do está junto a foi jantar ao Cozinha Velha com o
a convicção os rins do senhor Presi- um palanque é seu amigo e colega professor de Di-
dente da República. a direita. Mas se reito Fausto Quadros.
Marcelo é um Presidente em flirt estiver de pé, Terça-feira: de manhã deu um
com o País, apesar de o período ofi- solto, usa mais mergulho na praia. Esteve no ISCSP
cial de namoro, ou campanha, ter a esquerda, ou numa conferência sobre Macau a
terminado há um ano. Já tem con- as duas. É am- falar das relações entre Portugal e
fessado que chega às vezes à noite bidestro. Sem China. Foi depois inaugurar a expo-
com o corpo desfeito, moído de interpretações sição Conexões Afro-Ibero-
tanto aperto. Não o incomoda. Tem políticas -americanas, dia 21, na UCCLA
plena consciência de que já não vai, (União das Cidades Capitais de Lín-
não pode, mudar de estilo algures a gua Portuguesa). A seguir arrancou
meio do mandato, mesmo que directamente para o Porto. Já leva-
eventualmente o desejasse: uma va a mala feita – e é sempre ele
vez selfie-man, sempre selfie-man. quem faz as suas malas, seja para
É isso que as pessoas esperam dele onde for. Dá trabalho, mas gosta.
quando lhe fazem esperas à porta Jantou na estação de serviço de Lei-
dos sítios por onde vai entrar – e se ria. Comeu sopa e pediu uma dose
a agenda for pública, é garantido Vida de frango, mas não terminou o pra-
que há gente à espera. É um per- e obra mistu- to. Já no Porto, resolveu dar uma
curso sem recuo. Felizmente para o ram-se?, per- volta a pé antes de se deitar. Subiu a
próprio, sente-se confortável com guntou às escri- Avenida da Boavista até à Casa da
ele. Pelo contrário, mostra às vezes toras Inês Pe- Música e quando atravessou para o
menos compreensão para com al- drosa e Patrícia outro lado reparou num casarão
guns amigos e conhecidos mais Reis numa en- bonito quando vinha a descer. Era o
queques – é preciso não esquecer trevista à Ante-
que mora e faz vida em Cascais – na 1. “E como é
que lhe dizem “Mas como é que que controlam
aguentas? Estragaste a tua vida!”. para que não
Diz-lhes: “Não sou capaz de fazer seja demais?”
de outra maneira.” E que corre por No caso de
gosto, há quase um ano. Tomou Marcelo, vida
posse a 9 de Março de 2016. pessoal e
política estão
Doente, mas imparável em síntese
Marcelo andou péssimo toda a se- permanente
mana. Pelo menos foi o que achou
o próprio, que se sentia em baixo de
RICARDO MEIRELES E RICARDO PEREIRA

forma: estava ainda a recuperar de


uma gripe, e apesar de se saber que
é hipocondríaco não quis tomar an-
tibiótico, limitou-se a um Ben-u-
ron quando teve de ser. Mas se an-
dava mal, não se notou. Uma sema-
na fraquinha, para Marcelo, é assim: ALGUNS
Segunda-feira: esteve na TVI, AMIGOS DE
meia hora em estúdio, na inaugura- CASCAIS T
ção das novas instalações. O pro- PERGUN- Uma foto em qualquer lugar
grama não seguiu o guião previa- TAM-LHE Há sempre tempo e paciência:
mente combinado, mas Marcelo POR VEZES: não deixa pendurado um
aguentou-se com as mexidas e as “COMO É único candidato ao “afecto”
audiências – e desde os seus tem- QUE AGUEN- presidencial
RICARDO PEREIRA

pos de televisão que Marcelo lhes TAS? ESTRA-


presta atenção – foram boas. Du- GASTE A
rante o dia tinha tido audiências TUA VIDA!”

52
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

Chiado Café Literário. Entrou. Na comprar ao Jardim dos Frangos, no


cave decorria um quiz. Acabou a centro de Cascais. Ainda por cima
participar. Calhou-lhe a pergunta, havia fila.
que se suspeita ter sido elaborada Quinta-feira: recebeu em Belém a
por simpatia: “O regime português é ministra dos Negócios Estrangeiros
parlamentar, presidencial ou semi- RICARDO MEIRELES
da Colômbia, Maria Angeles Hol-
presidencial?” Pois o professor de guín, que organizou um encontro
Direito Constitucional acertou: “Se- de toda a diplomacia colombiana
mipresidencial.” 1 na Europa em Lisboa. Ela, e mais as
Quarta-feira: depois da cerimónia cerca de três dezenas de embaixa-
a assinalar os 22 anos da Universi- 1 dores, a querer meter conversa.
dade de Medicina do Porto em que No porto da Como não havia tempo, Marcelo
Quantos anos mais? Póvoa de Varzim,
Adriano Moreira falou 48 minutos a aprender como sugeriu: “Não querem marcar qual-
Quando chegar Setembro
(Marcelo jamais comete tal pecado, se processa ali o quer coisa amanhã à noite na Cida-
de 2020, logo se vê peixe
por regra, nos maiores, não passa dela de Cascais e eu tento ir lá ter?
dos 20), esteve no festival literário “Não sei qual será a situação 2 Arranja-se qualquer coisa ajantara-
Correntes de Escritas na Póvoa de política do País em 2020. Só A seguir à exposi- da.” E pôs os serviços da presidên-
Varzim, deu ali mesmo uma entre- nessa altura poderei avaliar se ção na UCCLA, em cia a tratar do assunto.
Lisboa, partiu para
vista à Antena 1, almoçou com me recandidato ou não”, diz o Porto. Comeu Ao fim da tarde esteve na FIL, na
Francisco Pinto Balsemão e foi ao Marcelo Rebelo de Sousa. E uma sopa e frango conferência “Moldar o futuro, o im-
porto da Póvoa visitar a Associação não diz mesmo mais nada, na estação de ser- perativo do crescimento”, promovi-
viço de Leiria
Pró-Maior, que apoia a segurança garantindo que a decisão não da pela CIP. Recebeu António Costa
dos pescadores. Entrou no barco está tomada. As presidenciais a seguir, em Belém, entre as 19h45 e
“Fugitivo” e viu como se descarrega serão no início de 2021. as 22h – uma longa conversa, de-
o peixe. Discursou (pela terceira vez Marcelo, que hoje tem 68 anos, pois de lhe ter deixado recados pú-
nesse dia). Ainda regressou a Lisboa terá então 72. blicos na CIP. Ainda foi outra vez
a tempo de passar em Belém e ir aos Jardim dos Frangos comprar
jantar com a filha. Frango assado, jantar fora de horas, que não tinha
que foi ele próprio, claro, e a pé, sobrado nada da véspera.
Sexta-feira: esteve no Centro de
2 Pequeno Informação Geoespacial do Exérci-
coleccionador: to. Almoçou com Ferro Rodrigues
assim se definiu em Belém – aparentemente, o en-
na exposição contro estava marcado há algum
na UCCLA. tempo, embora as críticas de PSD e
Cesariny? Te- CDS à alegada “parcialidade” do
nho, mas muito presidente da AR o tenham por es-
mais tarde. E ses dias colocado na mira mediáti-
Malangatana. ca. Ferro entrou com ar tenso, mas
Gosta de arte saiu mais distendido. A seguir, foi a
vez de Assunção Cristas, líder do
CDS (e sua ex-aluna). E depois, de
Valdis Dombrovskis, comissário le-
tão responsável pelo euro e pela
estabilidade financeira. Recebeu
vários presidentes de câmaras
abrangidas pelo Parque das Serras
do Porto e foi à apresentação do li-
vro do constitucionalista Bacelar
NO CHIADO Gouveia. E à noite ainda apareceu
CAFÉ LITERÁ- no jantar dos diplomatas colom-
RIO ENTROU bianos. Como foi a pé e voltou a pé,
NUM QUIZ. deixou-os desconcertados e a fazer
PERGUNTA- perguntas: na Colômbia, o padrão
RAM-LHE de segurança não contempla estas
PELO SISTE- liberdades. Ficou até depois da
MA POLÍTICO uma da manhã.
PORTUGUÊS. Sábado: deu um passeio junto ao
ACERTOU mar e foi ao Jumbo, em Cascais, Q

53
Portugal

Q fazer as compras da semana, h


como habitualmente. Tinha duas Com óculos 3D
para apreciar
exposições para ver (no MNAA e no melhor o trabalho
Museu Vieira da Silva-Arpad Sze- do Exército. O
nes), nenhuma fazendo parte da ministro da
Defesa, ao seu
agenda pública. A missa é também lado, declinou
ao sábado à tarde, às 18h, com o usá-los
capelão José Carlos Otero.
Vai todos os fins-de-semana ao
seu antigo gabinete na faculdade.
Confessou na entrevista à Antena 1
que do que mais tem saudades é de
ser professor. De resto, mesmo que
um dia volte a leccionar, nunca
mais terá anfiteatros cheios: depois
dos 70 anos os professores da Fa- Sem notas RICARDO PEREIRA

culdade de Direito só leccionam a é a regra nas


doutoramentos e afins, pelo que a audiências com
audiência arruma-se numa peque- António Costa.
na sala. Marcelo sabe disso e tem Ao contrário de
pena. Prefere auditórios maiores. Eanes (que gra- corrige Marcelo], isto é o quê?” O
vava conversas Detalhe e minúcia militar interpelado nem tem tempo
O estilo big showMarcelo com Balsemão) Delega, mas não deixa de responder, Marcelo atalha: “É
Marcelo é fácil. No Correntes de Es- ou de Cavaco ele de ver como a margem de erro.”
critas, um conhecido atira, pelo Silva (que Marcelo faz graças com à vontade.
meio da multidão apinhada, “não se anotava tudo) Diplomas Na inauguração da exposição na
esqueça do nosso jantar de edito- Tudo à lupa UCCLA, perante uma das obras:
res”. Marcelo: “Quando é?” O outro Vê ao detalhe as leis todas que “Inclina-se para a direita, o que vai
admite: “Não está marcado.” Mar- passam por Belém, mesmo que contra a moda vigente...”
celo contrapõe: “Marca-se já. Se- a Casa Civil também o faça Marcelo é cansativo. Pelo menos
nhor major, traz aí a agenda.” para quem não é Marcelo. Vários
Marcelo faz o que quer. À chegada Agenda elementos da Casa Civil já tiveram
ao festival, era notório na linguagem Oficial ou nem tanto de meter alguns períodos de repou-
corporal do presidente da autarquia, Na página oficial consta pouca so fora de época, para tentar recu-
que o foi receber, a intenção de o le- Assunção coisa: ele acrescenta eventos perar o fôlego. Em Agosto, o Presi-
var até à porta pelo caminho mais Cristas foi a Be- para-oficiais em cada dia dente tirou apenas 10 dias, e mais
curto. Marcelo avaliou o terreno e lém falar sobre nenhum o resto do ano. Já prometeu
escolheu o percurso mais longo: a comissão de Telemóvel (cumprirá?) em Belém que 2017 será
passando pelos manifestantes da inquérito à CGD. Sempre, sempre, sempre um ano mais calmo: como há autár-
CGTP – que obviamente ele sabia Mas a SÁBADO Manteve o número e usa-o. quicas no fim do Verão, fará um es-
estarem ali – em protesto contra a apurou que Passa horas ao telefone – nos forço para andar mais discreto.
administração do casino. E metendo falaram pouco intervalos de tudo o resto
conversa: “Então, expliquem lá?” do assunto Não há indirectas: é directo
Selfie e beijinho na sindicalista que E, sim, Marcelo é imprevisível no
distribuía os panfletos. dia-a-dia. Mas, politicamente, ainda
Marcelo é difícil. Pelo menos para a Marcelo é impulsivo. “Ouvi o mes- não. O que o Presidente pensa o
segurança. Vide parágrafo anterior. tre Manuel Alexandre a dizer que País não anda longe de saber. Até
Vide fila nos frangos. Vide banhos de não tem calças [insufláveis, um sis- porque ele o diz. E disse-o, por
mar. No início do mandato, ainda tema de segurança para pescado- exemplo, na quinta-feira, 23, com
houve alguns eventos em que a se- res]”, conta na Póvoa de Varzim. recados para: António Costa; os
gurança ia primeiro e “limpava” o lo- UM PESCA- “Eu pessoalmente ofereço-lhe as parceiros de Governo; os líderes da
cal, criando espaço de segurança DOR NÃO calças. Já apurei quanto é.” oposição; e até Cavaco Silva.
para o Presidente não ser assaltado TEM CALÇAS Marcelo está sempre à frente. No 18h45, dia 23, Centro de Congres-
(em bom sentido) por qualquer um DE SEGU- Instituto Geoespacial do Exército, sos de Lisboa: chega apressado e
dos presentes. Marcelo não gostou, RANÇA: “EU dia 24, o ministro da Defesa, Azere- cruza-se logo à entrada com Luís
achava um horror a distância higie- PESSOAL- do Lopes, questiona, perante uma Ferreira Lopes, o ex-jornalista da
nizada à sua volta e acabou com MENTE OFE- explicação técnica: “Aqui onde está SIC que é seu assessor para a área
isso. Agora impera o seja o que Deus, REÇO-LHE escrito a exactidão altimétrica, das empresas e inovação, a quem
ou melhor, o Presidente, quiser. UMAS” maior que dois metros [“menor”, diz de raspão, sorriso aberto: “Sub-

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2 MARÇO 2017
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entrar em directo nos telejornais das O AVISO: sição: “Significa ainda Governo for-
oito e era demasiado em cima da “TEMOS DE te mas oposição ou oposições não
hora para permitir fazerem-se peças CRESCER menos fortes. É preciso trabalhar
para os mesmos. E o Presidente teve MUITO MAIS todos os dias para garantir estes
pena. Queria ter sido mais ouvido. E DO QUE OS dois termos fortes de uma alternati-
o que tanto queria dizer que “sub- 1,6% OU 1,7% va para o Governo de Portugal.
verteu” planos? POR ALGUNS E ainda pediu “convergências de
Com o ministro das Finanças, Má- PREVISTOS regime” (nunca usa “pactos”) “nas
rio Centeno, sentado na fila da fren- PARA 2017” políticas externa, de defesa, de se-
te do auditório, sentenciou: “Temos gurança, financeira pública e priva-
de crescer muito mais do que 1,4% da, de justiça e de reforma do Esta-
em 2016 ou mesmo 1,6, ou 1,7 por “EU DEITO do”. Criticou a oposição dizendo
alguns previstos para 2017. Apenas ÁGUA NA que “o uso instrumental do tema
valores claramente acima de 2%, FERVURA, [do valor da dívida pública] nas pi-
com acento tónico no investimento MUITAS cardias conjunturais é dispensável”,
e nas exportações, serão penhor de VEZES ANTES numa frase que pareceu dirigida a
um processo verdadeiramente sus- DE ELA CO- Cristas, que em vários debates con-
tentável.” Além disso, “temos de fa- MEÇAR A SU- frontou António Costa com a ques-
zer cair ainda mais o desemprego”, BIR”, AFIRMA tão. E pareceu dirigir-se a Passos
manter a trajectória do défice e À SÁBADO Coelho quando afirmou que a cha-
verti tudo.” De facto, acontece-lhe “continuar a equilibrar as contas ex- ve do sucesso no sistema bancário,
com frequência subverter progra- ternas” e garantindo justiça social. “noutras democracias europeias, a
mas, agendas e discursos pré-elabo- É preciso “muito mais investi- começar nas nossas vizinhas, resi-
rados. Neste caso, o comentário mento, o que implica efectiva for- diu em não introduzir neste domí-
prova duas coisas: que a responsa- mação de poupança, passos em nio querelas tácticas” – isto numa
bilidade pelo que disse a seguir é falta na consolidação do sistema semana dominada pela segunda
mesmo só dele (aliás, proferiu em financeiro”. E ainda “incentivo fis- comissão de inquérito à CGD.
Novembro que “não há fontes de cal e estabilidade clara em matéria À SÁBADO, Marcelo disse que
Belém, a única fonte de Belém sou laboral”. E “não perceber este im- neste primeiro ano de presidência o
eu”); e que reflectiu sobre o que ia perativo nacional do crescimento é que mais o preocupou foram “as
dizer. Não foi um acaso ou impulso: privilegiar o dia-a-dia em vez de questões do défice e do cumpri-
havia intenção, e não era pouca. Es- olhar para Portugal com visão de mento dos compromissos interna-
tranhamente, o discurso, com reca- médio e longo prazo”. Televisão cionais – mas isso já esperava –, e
dos, directas e indirectas para quase Depois elencou condições para nunca mais: a banca – e isso não esperava”. E o
todo o espectro político, teve pouco que isso aconteça: “Estabilidade po- admite voltar, que torna a função mais cansativa é
impacto na comunicação social. lítica, que significa ausência de cri- quando muito, a opção que fez por “apostar na
Marcelo queixar-se-ia até, depois, ses políticas, num tempo em que o a falar de livros função preventiva. Eu deito água na
reflectindo sobre um erro de avalia- respeito das legislaturas ganha e só de livros. fervura, muitas vezes antes de ela
ção próprio: “A hora era péssima maior importância.” Com o Gover- Mas o regresso começar a subir. A minha maneira
para os telejornais.” Não dava para no arrumado, virou-se para a opo- ao comentário de ser é fazer pontes. Não me zango
político está pessoalmente com ninguém.”
afastado. Belém No final da intervenção na CIP
fecha esse ciclo deixou uma nota pessoal sobre a
forma activa e interventiva como
exerce o cargo. Poderia, diz, falan-
do na terceira pessoa, “ter optado
pela posição mais cómoda de se
preservar, a benefício de um ale-
gado ou hipotético reforço de au-
toridade para decisões de emer-
gência última ou para juízos histó-
ricos acerca dos desconcertos do
sucedido”, numa alusão a fazer
j lembrar (sem nunca o nomear) o
Ao lado de Mário recente livro de Cavaco Silva. E
Centeno e de Cal- terminou: “Mas escolheu não cor-
RICARDO PEREIRA

deira Cabral, antes rer o risco de pecar por omissão.”


de ir ao palco exi-
gir um crescimen- Marcelo poderá ter outros pecados
to mais robusto políticos – mas nunca esse. W

55
Portugal

FUNDOS. SECRETÁRIO DE ESTADO DA INDÚSTRIA

ENTRE
MARIDO E
MULHER...
... o Estado não mete a colher. João
Vasconcelos foi sócio de um fundo que
investiu dinheiros comunitários no
negócio da mulher. Por BrunoFariaLopes

oão Vasconcelos, actual se- h

J cretário de Estado da In-


dústria, foi sócio da empre-
João Vasconcelos,
41 anos, confirma
o investimento
GLOBAL NOTÍCIAS

sa de capital de risco Go Big e nega que tenha


or Go Home que, em Dezembro de significado um
conflito ético
2010, investiu 400 mil euros na
Eco Choice – uma empresa que ti-
nha como accionista e administra-
dora a sua mulher, Isabel Domin- sentava um conflito de interesses. em troca de uma participação no
gues dos Santos. Cerca de dois ter- As orientações europeias nesta capital. Neste caso concreto, busi-
ços do investimento feito pela Go área mudaram a partir de 2012, ness angels como a Go Big or Go
Big or Go Home, 260 mil euros, fo- passando a incluir ligações conju- Home tinham um contrato de fi-
ram financiados por fundos comu- gais no âmbito de um potencial nanciamento com o Fundo de
nitários ao abrigo do programa FI- conflito de interesses na aplicação Apoio ao Financiamento à Inova-
NOVA, gerido pela entidade públi- de dinheiros públicos – seja numa ção, o FINOVA, e investiam com
ca PME Investimentos. Vasconce- autoridade de gestão desses di- fundos comunitários – quando a
los, com um passado ligado ao nheiros ou num organismo inter- PME Investimentos aprovava uma
empreendedorismo e hoje com mediário – merecedor de identifi- operação, os “anjos” punham do
funções políticas na área, confirma cação e de avaliação (não necessa- seu bolso 35% do total investido e o
o investimento à SÁBADO, defen- riamente de proibição). FINOVA os restantes 65%. A lógica
de que actuou dentro da lei e rejei- A Go Big or Go Home, fundada desta parceria entre público e pri-
ta que haja um conflito ético. VASCONCE- em 2010, foi uma das 54 entidades vados é de que os business angels
A PME Investimentos, que quan- LOS E A PME seleccionadas pela PME Investi- têm experiência acumulada e uma
do avaliou o investimento não pro- INVESTI- mentos ao abrigo de uma linha de rede ampla de contactos, podendo,
curou informação sobre relações MENTOS DE- financiamento reembolsável para em tese, ajudar o FINOVA a identi-
entre accionistas de uma empresa FENDEM A business angels – os “anjos” são ficar oportunidades.
e de outra, justifica à SÁBADO que LEGALIDADE pessoas com património elevado e A Eco Choice, uma pequena em-
não o fez porque à luz das regras DA OPERA- que investem num negócio, tipica- presa de consultoria para constru-
estabelecidas a situação não repre- ÇÃO DE 2010 mente a dar os primeiros passos, ção sustentável, foi o primeiro in-

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2 MARÇO 2017
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PUB
OS BUSINESS vestimento feito pela Go Big or Go
ANGELS Home: um aumento de capital de
PÕEM 35% 400 mil euros, 260 mil oriundos do
DO SEU BOL- FINOVA. Os restantes 140 mil euros
SO E 65% foram postos em partes iguais pe-
VEM DOS los seis sócios identificados nos es-
FUNDOS PÚ- tatutos da Go Big or Go Home, pes-
BLICOS DO soas conhecidas no empreendedo-
FINOVA rismo nacional: Armindo Monteiro
(presidente da Compta e ex-presi-
dente da Associação Nacional de
Jovens Empresários – ANJE), Fran-
cisco Maria Pinto Balsemão (admi-
nistrador da Compta, da Impresa,
ex-presidente adjunto da ANJE e fi-
lho de Francisco Balsemão), Jorge
Santos Carneiro (presidente da Sa-
ge Portugal), João Filipe Neto (fun-
100
milhões
dador da NDrive e ex-administra-
dor da própria Eco Choice), João
Dotação total Vasconcelos (ex-vice-presidente
do FINOVA da ANJE e, à data, assessor do pri-
para investir meiro-ministro José Sócrates) e
em inovação Tiago Gali Macedo. A Eco Choice
empresarial foi também o maior dos três inves-
timentos feitos pela Go Big or Go
Home, absorvendo mais de metade
do capital de 270 mil euros posto
pelos sócios, que aprovaram a ope-
ração por unanimidade.

Lei omissa, contrato deixa


Questionado pela SÁBADO sobre
40%
Quota que a Go
se um investimento com recurso a
fundos públicos na empresa da sua
Big or Go Ho- mulher (com quem casou em 2010)
me, com fun- configurou uma situação de confli-
dos próprios e to de interesses, João Vasconcelos
do FINOVA, as- começa por apontar a cláusula de-
sumiu na Eco finida pela PME Investimentos no
Choice contrato de financiamento sobre
impedimentos: de uma forma ge-
ral, a Go Big or Go Home só não
podia investir numa empresa em
que um dos seus accionistas fosse
também accionista. Mesmo nesse
caso, o investimento poderia até
ser permitido mediante o cumpri-
mento de alguns critérios avalia-
dos pela entidade pública.
“O legislador e as partes não de-
VASCONCE- terminaram outros impedimentos,
LOS DIZ CO- nomeadamente limitando a liber-
NHECER OU- dade contratual ao cônjuge e ou-
TRAS SITUA- tros familiares sócios da Go Big or
ÇÕES SEME- Go Home”, afirma à SÁBADO o
LHANTES NO secretário de Estado da Indústria.
ÂMBITO DO “As limitações à liberdade das
FINOVA pessoas e do mercado têm de Q

57
Portugal www.sabado.pt

g jeitas as entidades públicas gesto-


O secretário de ras dos fundos e “qualquer organis-
Estado da Web
Summit fez o seu mo intermediário” – e recomenda
percurso no sec- que as entidades públicas definam
tor das startups procedimentos de controlo, que in-
e na política
cluam uma declaração inicial de
ausência de conflitos de interesse e
D.R.

“registos de quaisquer conflitos que


tenham surgido, para demonstrar
Q encontrar-se expressamente Europeia uma ligação conjugal en- como foram resolvidos”.
consagradas pela lei ou pela von- caixa numa definição ampla de Sobre a existência de um conflito
tade das partes. Daqui se conclui conflito de interesses. A Comissão ético – além do plano legal –, João
que não existe qualquer impedi- começou a preencher o aparente Vasconcelos considera que não fa-
mento ou conflito de interesses no vazio legal ao inscrever em 2012 no ria sentido que o mérito do projec-
investimento”, acrescenta. regulamento financeiro do orça- to fosse prejudicado apenas porque
A administração actual da PME mento europeu essa definição: Isabel Santos era sua mulher. Vas-
Investimentos, a entidade pública “Existe conflitos de interesses sem- concelos defende que na fase ini-
responsável pela avaliação da pre que o exercício imparcial e ob- cial de um projecto é importante
operação proposta pela Go Big or jectivo das funções de um interve- para um business angel conhecer
Go Home, confirma que não tinha niente financeiro ou de outra pes- bem a equipa da empresa benefi-
de saber da relação conjugal. soa (…) se encontre comprometido ciária e que há vários casos em
“Uma vez que estas situações não por motivos familiares, afectivos, de Portugal de “relações especiais”
configuram conflitos de interesses afinidade política ou nacional, de nesta área, incluindo algumas re-
à luz das regras estabelecidas interesse económico, ou por qual- lações conjugais.
para este tipo de operações, não é quer outro motivo de comunhão de Eco Choice
recolhida informação sobre esta interesses com o destinatário.” Isabel Santos é Grupo Lena foi padrinho
matéria”, indica. Na preparação para o pacote de administradora A Eco Choice foi fundada em 2007
Quer o regulamento de gestão do fundos comunitários entre 2014 e e accionista da após Isabel Santos, engenheira
FINOVA, quer o decreto-lei que re- 2020, o Organismo Europeu de consultora que que trabalhava na Galp, ter ganho
gulamenta o fundo são omissos so- Luta Anti-Fraude remete para esta fundou após ter um concurso nacional de em-
bre conflitos de interesses – o as- definição ampla – a que estão su- ganho um con- preendedorismo que lhe valeu um
sunto é enquadrado e regulamen- curso nacional prémio financiado pelo Grupo Le-
tado apenas no contrato de finan- de empreende- na: financiamento para tornar a
ciamento com cada entidade veí- O político startup dorismo ideia realidade. A empresa come-
culo. O conteúdo dos contratos Vasconcelos foi visado nas çou por ser uma participada do
nesta matéria “é igual para todos os polémicas viagens ao Euro grupo de Leiria, que sairia anos
intervenientes, não havendo lugar depois – em Abril 2010 Joaquim
a quaisquer negociações indivi- O secretário de Estado da In- Paulo da Conceição, que também
duais com estes últimos”, explica a dústria, 41 anos, fez percurso nas era administrador de negócios do
PME Investimentos. startups e na política. Foi direc- Grupo Lena, abandonou a admi-
E o que dizia a legislação nacio- tor executivo da Startup Lisboa nistração da Eco Choice. Isabel
nal e europeia? A Agência para o entre 2011 e 2015 e vice da AN- Santos, de Leiria (como João Vas-
Desenvolvimento e Coesão, que JE. Pelo meio foi assessor no ga- concelos), ficou ao leme.
entre outras atribuições monitoriza binete de José Sócrates. João Questionada sobre o balanço da
a gestão dos fundos comunitários, Vasconcelos foi um dos políticos participação na empresa, a PME In-
indica à SÁBADO que “na consulta que viajou a convite da Galp a vestimentos – sem dar detalhes
aos diplomas relevantes [nacionais França para ver os jogos da se- “por motivos comerciais da própria
e comunitários em 2010] em maté- lecção. Na altura admitiu o con- empresa beneficiária” – considera
ria de contratação pública consta- vite, disse ter pago que a 31 de Dezembro de 2015, data
ta-se a inexistência de uma refe- o bilhete e per- DESDE 2012 das últimas contas certificadas, “o
rência à expressão ou ao conceito guntou à petrolífe- QUE, PARA financiamento do FINOVA encon-
de conflito de interesses”. A mesma ra se havia despe- BRUXELAS, tra-se valorizado”. A Eco Choice re-
agência – que a SÁBADO consul- sas adicionais a UMA LIGA- gistou um resultado líquido de 58
tou sem referir o caso específico da pagar. Acabou ÇÃO CONJU- mil euros em 2015 e de cerca de 68
Go Big or Go Home – lembra que por ficar à mar- GAL IMPLICA mil euros em 2014, segundo a base
isto era assim no quadro anterior gem da polémica. POTENCIAL de dados Informa D&B. A mesma
de fundos comunitários, mas que CONFLITO base de dados contabiliza oito tra-
as orientações europeias mudaram. DE INTE- balhadores à data e vendas de 901
Desde 2012 que para a Comissão RESSES mil euros em 2015. W

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ENERGIA. TRANSIÇÃO IMEDIATA DE MARIANA OLIVEIRA

DOGOVERNOPARAOREGULADOR
Primeiro, Seguro Sanches nomeou aeconomistasuaadjunta. Depois, indicou-aparaaERSE. Por Octávio Lousada Oliveira

8 de Janeiro de 2016 o secre- FALTA académica, de forma sólida e muito riana Janelas Oliveira – que não res-

A tário de Estado da Energia


nomeou Mariana Janelas
Oliveira para adjunta no seu gabine-
APENAS A
LUZ VERDE
DO CONSE-
exigente, em regulação ou em eco-
nomia da energia, reforçando os co-
nhecimentos especializados que de-
pondeu aos pedidos de comentário
da SÁBADO – ouviu as questões dos
deputados na Comissão de Econo-
te. Pouco mais de um ano depois, LHO DE monstra possuir já”, pode ler-se no mia, Inovação e Obras Públicas
Jorge Seguro Sanches indicou a eco- MINISTROS parecer, de 8 de Fevereiro, assinado (como a lei-quadro das entidades re-
nomista para o Conselho de Admi- PARA CON- pela presidente da CReSAP em subs- guladoras determina) e sinalizou es-
nistração da Entidade Reguladora FIRMAR A tituição, Maria Proença de Almeida. tar disponível para complementar a
dos Serviços Energéticos (ERSE) – NOMEAÇÃO E assinala: “A assunção de responsa- sua formação assim que isso lhe seja
sem período de transição. bilidades ao nível da direcção de topo fisicamente possível, uma vez que
Apesar ter superado o crivo da i exige, naturalmente, uma formação está grávida.
Comissão de Recrutamento e Se- Seguro Sanches sólida em gestão, que deve ser inicia- Sobre um eventual conflito de in-
lecção para a Administração Públi- nomeou Mariana da de imediato” – e “numa instituição teresses por transitar directamente
Oliveira para o seu
ca (CReSAP), com um parecer em gabinete há pouco académica reputada e exigente”. do gabinete com a tutela da Energia
que se conclui que o seu perfil é mais de um ano Na terça-feira 21 de Fevereiro, Ma- para o regulador do sector, afirmou
“adequado” para as funções na en- que a independência da ERSE – com
tidade que regula o gás natural e a a qual já tinha colaborado em as-
electricidade, Mariana Janelas de suntos relacionados com os custos
Oliveira não convenceu por com- das tarifas de electricidade e gás na-
pleto os avaliadores. O documento, tural, bem como no plano da estra-
consultado pela SÁBADO, não é tégia internacional – é garantida
brando nas recomendações. através do conhecimento e da for-
Não sendo vinculativo, o parecer mação (ética, académica e profissio-
atribui notação “+” em nove parâme- nal). E puxou dos galões quando fa-
tros, “+/-” noutros dois, ao passo que lou da liderança de diversos grupos
o “–” é escolhido num único (mas re- técnicos para sublinhar a experiên-
levante) aspecto: a formação profis- cia que acumulou e que considera
sional. “(...) recomenda-se assim for- um trunfo para a ERSE, que passará
temente que a personalidade em a ser liderada por Cristina Portugal.
causa complemente a sua formação O gabinete de Seguro Sanches re-
corda que Mariana Janelas Oliveira
é quadro da ERSE desde 2011 e
Outros casos “tem carreira feita no sector”. À
Antigos governantes SÁBADO disse ainda que “o quadro
já passaram pela ERSE em questão foi sujeito ao escrutínio
da CReSAP, tendo esta comissão
Antes de Mariana Oliveira, o avaliado o cumprimento das regras
caso mais flagrante da relação de incompatibilidade e impedi-
entre a ERSE e o poder foi o de mento”. E reforçou: “Qualquer
Artur Trindade, ex-secretário de membro do conselho de adminis-
SÉRGIO LEMOPS

Estado da Energia. Saiu do regula- tração de uma entidade reguladora


dor para o Governo e foi depois goza de um estatuto que lhe confe-
nomeado para o organismo. re independência face ao decisor
O deputado Ascenso Simões dei- político e é sujeito ao escrutínio ri-
xou o Governo em 2009 goroso e contínuo” do parlamento.
e em 2010 tornou-se ad- Como os deputados consideraram
ministrador da ERSE. que Mariana Janelas de Oliveira
reúne os requisitos necessários
para o novo cargo, só falta luz ver-
de do Conselho de Ministros. W

59
Mundo

IRAQUE. REVELADAS MAIS ATROCIDADES DO ESTADO ISLÂMICO

UMACASA,
UMAPRISÃO,
UM INFERNO
A habitação de um ex-oficial iraquiano foi usada
pelo grupo terrorista para torturar e matar centenas
de pessoas perto de Mossul. Por Octávio Lousada Oliveira
FOTOS REUTERS

a porta, um graffito em g res, vou arrancar-te o coração pe-

N jeito de aviso: “Esta casa


pertence ao Estado Islâ-
mico.” Mas “casa” não
passava de um eufemismo para
prisão – improvisada pelos jihadis-
O militar que com-
bateu o Daesh ins-
pecciona a prisão
improvisada de
Hammam al-Alil,
onde morreram
inúmeras pessoas
las costas!”, disse-lhe um dos tortu-
radores. O objectivo era Yad con-
fessar estar (ou ter estado) ao servi-
ço do governo iraquiano, chefiado
por Haider al-Abadi.
tas para torturar e matar quem lhes “Confessa – dizia-me ele – ou
apeteceu em Hammam al-Alil, matamos toda a tua família!”, re-
uma cidade da margem ocidental forçava Yad. “E, então, pegou num
do rio Tigre, situada a sul de Mossul alicate e arrancou-me um dente. A
(um dos últimos redutos do grupo dor foi tanta que desmaiei.”
terrorista no Iraque). Quando recuperou os sentidos, o
As atrocidades ali cometidas têm “O DIABO torturador continuava ao seu lado,
sido desvendadas à medida que o FICARIA pronto para continuar o trabalho na
Estado Islâmico é expulso de zonas ESPANTADO prisão improvisada em Hammam Ofensiva
que ocupara. Os relatos multipli- COM OS al-Alil, cidade de onde o grupo ter- Soldados iraquianos detêm
cam-se e ganham escala. Yad este- MÉTODOS rorista foi expulso há pouco mais de um suspeito de pertencer
ve entre as centenas de detidos DO ESTADO um mês. Sovas intermináveis, pri- ao Estado Islâmico,
pelo grupo terrorista. Sofreu horro- ISLÂMICO”, vação de sono, descargas eléctricas, nos arredores de Mossul
res, como recordou ao jornal espa- DIZ VIZINHO os abusos eram intermináveis para
nhol El Mundo. “Se não confessa- DA PRISÃO obter uma confissão forçada.

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2 MARÇO 2017
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Islâmico para expiarem os peca-


Recuperação dos. Subindo as escadas, encon-
Ponte-chave controlada tram-se cinco celas de um metro
pelas forças iraquianas e meio. Em cada uma chegaram a
esmagar-se uns contra os outros
O exército iraquiano voltou a seis prisioneiros, como conta Sa-
controlar na segunda-feira, 27, mer, outro dos que foi torturado.
uma ponte sobre o rio Tigre em Ainda existem vestígios dos mas-
Mossul, no nono dia da ofensiva sacres: sangue seco e unhas (ar-
para recuperar a zona oeste da rancadas), comida podre, farrapos
cidade ainda nas mãos do Esta- e paredes riscadas.
do Islâmico. A chamada “quarta O cenário é ainda mais negro na
ponte” – são cinco a atravessar o sala das torturas: uma cama de fer-
Tigre na sua passagem pela cida- ro, uma picareta para assestar gol-
de – pode ser decisiva nos próxi- pes e uma bateria usada para dar
mos embates, uma vez que, con- choques eléctricos nos genitais, na
firmou o coronel Falah al-Wab- língua e nos mamilos. “Pendura-
dan, das Forças de Intervenção ram-me pelo pescoço e deixaram-
Rápida do Ministério do Interior, -me em bicos de pés durante ho-
existe a possibilidade de a ras, a dor era insuportável. Bate-
reabilitar para ser atravessada ram-me com paus até ficar incons-
por munições e outro material. ciente. Electrocutaram-me várias
vezes até que senti que ia morrer”,
contou Samer ao El Mundo.

do exército iraquiano. Foi execu- Vida salva pelas aulas


tado assim que os terroristas che- Com o pai morto, Riyad e a família
garam à cidade – que antes con- tiveram de suportar o ambiente de
tava com cerca de 40.000 habi- medo em que Hammam al-Alil
tantes e hoje tem perto de metade estava mergulhada. Mais: os ele-
– e ele soube da maneira mais mentos do Estado Islâmico só lhes
inacreditável. permitiam continuar na sua pró-
“Um dia vieram a minha casa e pria casa mediante o pagamento
disseram-me que tinham matado de uma renda – uma prestação
o meu pai. Avisaram-me que se aos terroristas que comprava afi-
tentasse procurar o corpo me en- nal o “direito de viver”, explicou.
terrariam com ele”, revelou Riyad. Dali ouviam tiros nos campos de
cultivo das redondezas e as exe-
Ainda em Novembro, Riyad A sala da tortura cuções dos que tentavam escapar
Ahmed, de 30 anos, contou à Reu- Execuções Situada numa zona que já foi das das zonas controladas. Houve
ters aquilo que vira e ouvira a par- As autoridades mais prósperas de Hammam al- uma coisa que o ajudou a ficar
tir do outro lado da rua. Pelas cor- locais dizem que -Alil, a prisão de dois andares foi vivo, apesar do sofrimento que
tinas do seu quarto espreitava mais de 100 em tempos um edifício residen- isso lhe provocou: Riyad, profes-
aquele centro de detenção. E sabe pessoas foram cial, que tinha como proprietário sor de inglês, foi obrigado a dar
o que se passava: “O próprio diabo executadas (qua- um oficial iraquiano. Apesar de aulas aos homens que mataram o
ficaria espantado com os métodos se todas à noite) estar hoje quase toda queimada, seu pai. “Se recusasse, garantiram
de tortura do Estado Islâmico. Vão naquele local ainda se vislumbram os resquícios que me enforcariam na ponte de
para lá da nossa imaginação.” O do “inferno na Terra”, como a po- Qayyarah”, a cerca de 30 quiló-
professor de inglês confessa que pulação passou a chamar-lhe. metros da cidade.
passaram muitas semanas mas que No primeiro piso, quatro quartos Os terroristas não eram só sírios
é incapaz de expulsar da cabeça os A CIDADE maiores serviam de palco para ou iraquianos; havia franceses,
gritos de agonia das vítimas. PERDEU julgamentos sumários e duas ce- chineses, afegãos e tajiques. “Mui-
“Eles torturavam as pessoas lá QUASE las grandes onde homens e mu- tos escaparam quando a popula-
dentro e depois traziam-nas para METADE DA lheres dormiam de pé e faziam as ção foi libertada”, diz Riyad. Asse-
fora e disparavam sobre elas ou POPULAÇÃO suas necessidades. Os homens gura que estão a salvo na vizinha
cortavam-lhes as gargantas”, con- DESDE QUE acabavam quase todos por ser Turquia. Quase todos os dias, in-
tou ainda Riyad. Só da sua rua seis FOI TOMADA mortos; às mulheres diziam que siste, vê os seus perfis no Face-
pessoas foram executadas, in- PELO ESTA- tinham de esquecer os maridos e book, e acredita que eles nunca
cluindo o seu próprio pai, coronel DO ISLÂMICO casar com combatentes do Estado pagarão pelos seus crimes. W

61
Dinheiro

OFFSHORES. OS 10 MIL MILHÕES DE EUROS TRANSFERIDOS SEM ANÁLISE DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

O ALVO QUE NÃO


O historial das inspecções às transferências para paraísos fiscais comunicadas pela banca rev

Controlo
O dinheiro transferido
e declarado, em tese já
foi sujeito a tributação
em Portugal – se assim
for não há ilegalidade

A pilha
As Bahamas foram o
offshore que recebeu Empresas
mais dinheiro oriundo São responsáveis
de Portugal em 2015: por cerca de 98%
4,8 mil milhões das transferências
para paraísos fiscais
2 MARÇO 2017
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ATRAI O FISCO
ela ganhos muito magros de receita. E há boas razões para isso. Por Bruno Faria Lopes

ntre 2011 e 2014, um con-

Hong Kong
E junto vasto de operações
que totaliza cerca de 10 mil
milhões de euros foi co-
municado pelos bancos ao Fisco,
mas alegadamente não foi analisa-
E o Panamá – são dois do pelo Fisco – este é, em resumo,
destinos constantes o caso mais recente a marcar a po-
nas transferências lítica portuguesa, noticiado pelo
financeiras a jornal Público a 21 de Fevereiro. As
partir de Portugal Finanças informam que estão a in-
vestigar as operações em causa
para determinar as razões do não
tratamento e, sobretudo, quanto
ficou por apurar de imposto devido
aos cofres do Estado. As responsa-
bilidades dos bancos no reporte
destas operações e os dados dos
Em 2011 últimos relatórios oficiais de com-
As acções inspectivas bate à fraude e evasão fiscal suge-
do Fisco a estas trans- rem uma resposta possível a esta
ferências renderam última questão: deverá ser muito
apenas 500 mil euros baixo o montante de impostos que
em imposto por cobrar ficou por apurar, sobre o qual o
Estado dispõe de uma janela legal
de 12 anos para cobrar.
Os referidos relatórios publica-
dos desde 2010 revelam resulta-
dos parcos do cruzamento entre o
chamado Modelo 38 – que os
bancos enviam ao Fisco com a
descrição dos pagamentos feitos a
partir de contas dos seus clientes
para contas em paraísos fiscais –
Menos off e outras declarações. Em 2015 –
Acordos de troca de in- ano-recorde de transferências
formações entre o Fis- para offshores, já fora do período
co e vários destes “pa- que motiva a polémica actual –
raísos” foram celebra- dos 377 procedimentos inspecti-
dos nos últimos anos vos a estas operações resultou
apenas 1 milhão de euros de
ISTOCK

imposto em falta. Q

63
Dinheiro

1 2

Q Nos relatórios de 2013 e de


2014 não há referência a valores
(em 2014 o Fisco informa que 78%
dos casos em falta foram regulari-
zados voluntariamente, mas não
quantifica). Em 2012, a Autoridade
Tributária refere, sem quantificar,
“dezenas de milhões de euros de
matéria colectável [sobre a qual in-
cide o imposto] em falta” – o im-
posto por apurar será uma parte
desse valor. O relatório de 2011 re-
fere “centenas de sujeitos passivos
com indícios de inexactidões ou
omissões de rendimentos”, mas in-
forma que nos cruzamentos feitos
nesse ano (alguns terão sido no ano
seguinte – o controlo demora
meses) foram apurados cerca de
500 mil euros de imposto em falta. 1 transacções comerciais. é este últi-
Em 2010, a análise de 243 casos Paulo Núncio, mo caso que justifica a maior parte
ex-secretário de Modelo 38
de transferências de particulares Estado da área: do dinheiro que sai para offshores.
O que os bancos têm
resultaram no apuramento de 4.277 um homem Para muitas empresas importa-
sob pressão de enviar às Finanças
euros de imposto em falta, 4% do doras – seja de têxteis, de hardwa-
montante analisado. 2 Chama-se declaração de re informático ou de equipamento
Todos estes são números muito Rocha Andrade transferências transfronteiriças para montar estações de electrici-
baixos quando se olha para o mon- mandou analisar – ou Modelo 38. Os bancos es- dade – é relativamente comum pa-
as transferências
tante das transferências para para saber se há tão obrigados a enviar ao gar uma encomenda ao fornecedor
offshores: 2,9 mil milhões de euros imposto a haver Fisco dados sobre pagamen- para um número de conta offshore,
em 2010, primeiro ano da divulga- tos feitos por clientes seus para explica o fiscalista. Uma empresa
ção das estatísticas, 4,4 mil milhões jurisdições offshore: nome, des- que organize importações a partir
em 2011 ou o recorde de 8,7 mil tino, quantia e razão da transfe- da Ásia para a Europa, por exem-
milhões em 2015 (devido à transfe- rência estão entre os campos a plo, pode ter uma empresa de
rência de boa parte da venda da PT preencher. São os trading pelo meio sediada num
à Altice, como noticiou o Correio dados deste offshore – a utilização de Hong
da Manhã em Janeiro deste ano). modelo que Kong, para onde saíram 1,2 mil mi-
não terão lhões em 2015, está em parte rela-
Um esforço inglório sido analisa- cionada com a importação de
Um ex-titular da pasta dos Assuntos dos pelo Fisco. produtos a partir da China.
Fiscais indica à SÁBADO que é as- O baixo retorno do cruzamento
sim porque, desde logo, os bancos de dados entre uma amostra dos
“respondem solidariamente” por fa- milhares de transferências comuni-
lhas graves detectadas pelo Fisco – cadas pelos bancos e outras decla-
a banca tem um forte incentivo para O fiscalista João Espanha explica rações é um aspecto-chave que ex-
assegurar compliance com as re- que as leis aprofundadas ao longo plica a escassa prioridade dada por
gras, ou seja, declarar todas as trans- da última década limitam muito a sucessivas equipas governativas a
ferências processadas. Em segundo fuga fiscal via pagamentos declara- este controlo. “A Autoridade Tribu-
lugar, porque a esmagadora maioria dos a partir de Portugal para tária está afogada em informação e
do dinheiro declarado que sai para offshores – mais preocupantes e tem dificuldade em destrinçar o
jurisdições com tributação muito EM 2015, AS complexos para todas as autorida- que vale e não vale a pena tratar”,
baixa e opacidade garantida, vulgo INSPECÇÕES de tributárias são os pagamentos aponta João Espanha. Com recur-
paraísos fiscais, paga imposto antes AO MODELO realizados entre offshores, acres- sos humanos escassos e metas
da transferência declarada no Mo- 38 RENDE- centa um ex-titular da pasta dos anuais exigentes – decorrentes do
delo 38 – um exemplo que a mesma RAM SÓ 1 MI- Assuntos Fiscais. O fiscalista aponta constante estado de necessidade
fonte adianta são as mais-valias de LHÃO DE que o dinheiro enviado para das finanças públicas – o Fisco
investimentos na Bolsa de Lisboa – EUROS. NO offshores tem duas origens princi- tende a focar-se nas inspecções
“se não fosse o dinheiro que vai e IVA RENDE- pais: ou decorre de transferências que trazem mais receita. Em 2015,
vem de offshores não havia Bolsa”, RAM 597 ao abrigo da liberdade de circula- o mesmo ano em que as inspec-
afirma –, taxados a 25% na fonte. MILHÕES ção de capitais ou tem origem em ções ao Modelo 38 renderam 1

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uma organização
2 MARÇO 2017
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PUB
O QUE MAIS milhão de euros de receita, a acção
PREOCUPA inspectiva no IVA valeu 597 mi-
NÃO SÃO AS lhões de euros cobrados, cerca de
TRANSFE- 78% do total recuperado nesse ano
RÊNCIAS no combate à fraude e à evasão.
PARA Os offshores significam uma per-
OFFSHORES, da de receita para todas as outras
MAS ENTRE jurisdições e representam um pro-
OFFSHORES blema de transparência – os rendi-
mentos do dinheiro ali depositado
são taxados no offshore (muitas ve-

3, 4 E 5 DE MARÇO
zes com imposto zero); por outro
lado, é através dos offshores (so-
bretudo da triangulação entre dife-
rentes offshores) que se canaliza
dinheiro para financiar actividades
Os planos ilícitas. Vários Estados, incluindo
de actividades Portugal, têm celebrado acordos de
do Fisco troca de informação com algumas
prestam
relativamente
dessas jurisdições e a Comissão
Europeia prometeu uma resposta
O melhor Show da Europa,
pouca atenção à musculada ao problema após a di-
fiscalização das vulgação dos Panama Papers, uma depois do Show de Munique!
transferências fuga massiva que revelou como a
para offshores elite mundial se protege da tributa-
ção com os offshores.

Quanto se perdeu?
Segundo o Expresso, que cita uma
fonte anónima, o Ministério das Fi-
nanças já apurou o imposto em fal-
ta relativo às transferências para
offshores que terão ficado por fis-
calizar. A SÁBADO perguntou a
fonte oficial das Finanças se o valor
766
milhões
já foi apurado e quanto é o imposto
em falta, mas até ao fecho da edi-
Impostos ção não obteve resposta.
recuperados em A revelação da saída de 10 mil
2015 no comba- milhões de euros para offshores
te à fraude e à acabou por marcar a agenda me-
evasão. Cerca diática e política. Paralelamente à
de 78% vem de questão do não tratamento da in-
inspecções na formação declarada pelos bancos
área do IVA – algo que as Finanças estão a in-
vestigar – está a publicitação dessa
informação. Paulo Núncio, ex-se-
cretário de Estado na era PSD/CDS,
começou por afirmar que a res-
“SE NÃO ponsabilidade pela não publicação
FOSSE O DI- das estatísticas era dos serviços da
NHEIRO QUE AT, mas acabou por ser contrariado
VAI E VEM DE pelo ex-director-geral dos Impos-
OFFSHORES tos, José Azevedo Pereira – e aca-
NÃO HAVIA bou por assumir numa nota à co-
BOLSA DE municação social a “responsabili-
LISBOA”, DIZ dade política” pela não publicação, 3 E 4 MARÇO DAS 14H30 ÀS 21H00 • 5 MARÇO DAS 14H30 ÀS 20H00
UM EX-GO- demitindo-se das funções que ti-
VERNANTE nha até ao momento no CDS. W Hotel Pestana Palace
Rua Jau, 54 / Alto de Santo Amaro
65
Lisboa
Sociedade

Entrevistadevidaa
JOÃOPERRY
Erao Perryzinho, filho do actorcom o mesmo nome e apelido. Estreou-se aos
12 anos, viveu em Paris, Londres e NovaIorque, roubou comprimidos para
umatentativafalhadade suicídio, “coisade adolescentes”. Tem 76, umapeça
em cena, outraem preparação. Por AnaTaborda(texto)eAlexandreAzevedo (fotos)

“Vivimelhorsem
paixões?Vivi.
Senãonão
teriavivido”
reino dele começou por h autocontemplações, mas posto em

O ser o armazém de adere-


ços, “satisfeitíssimo por
poder deitar a mão a uma
coisa que tinha visto em cena”, por
“deitar a mão à moldura”. O teatro
João Perry à jane-
la da casa onde
tem 8 toneladas
de livros e de
papel – pesou-as,
quer tirar tudo
para umas obras
frente a uma personagem que tem
um percurso de decadência acelera-
do... Vi muitas pessoas neste estado.
Paraprepararestapeça?
Sim, não podes falar de uma coisa
parecia-lhe, diz João Perry, entre gar- que não sabes o que é, que não
galhadas – muitas, a entrevista toda olhaste para os olhos da pessoa nem
– “uma estação de metro, sempre a F viste se a mão treme, se o líquido cai
entrar e a sair gente”. Era o único “Vibastantes da boca, se chora e depois pára e pa-
miúdo por lá, “muito chato, sempre a pessoas com rece que não chorou antes.
fazer perguntas”, a entrar nos cama- Alzheimer. Custa-lhe sairdestapeça?
rins com pessoas em cuecas e a es- Não podes Muito. Fico duas horas a condescen-
conder coisas nos buracos do chão. falarse não der com os outros, a dizer que sim
A casa era sítio de poucos afectos – a sabes se a porque não sei o que me estão a pe-
mãe deu-lhe o primeiro beijo aos 18 mão treme, se dir, tanto faz, amanhã vejo. Exaspe-
anos – mas no teatro havia “beijoca- o líquido cai ra-me. Não quero mais nada assim.
lhices” constantes. “Às vezes não que- da boca, se Que papéis gostavade teragora?
ria, achava excessivo, não sou de chora e pára Pessoas com uma vida normal, mais
chocalhar os outros para dizer que logo” novas, saudáveis. É que depois são
gosto deles.” Fala com uma lingua- muitas sombras, fica sempre a me-
gem só dele, em que se vai ao con- F mória. Isto é na borda do vulcão, um eu gostasse, nada. Morais Sarmento
certo dos The Mamas & The Papas “Era dia pode escorregar o pé e lá vamos nunca ninguém me chamou, só
para “esculhambar”, como se estives- conhecido por pela encosta abaixo. É esquisito. aquela parentela mais complicada.
se em cena. E está, até dia 12, com O Perryzinho. Como é que João Rui Morais Sar- Até aínão tinhafeito nada, nem se-
Pai, no Teatro Aberto, em Lisboa. Só mecha- mento Paquete se estreiaem palco quernaescola?
mou Morais aos 12 anos como João Perry? Nunca tinha dito uma poesia numa
Napeçaque estáafazeragoraé Sarmento Eu era conhecido pelo Perryzinho, o festa de família, achava aquilo uma
um homem jáde umacertaidade, aquela filho do actor João Perry. O meu pai michuruquice. Na escola tinha imen-
com Alzheimer. Isso assusta-o? parentela morreu com 39 anos, tinha eu 9, e a sa vergonha, eles faziam muito mal,
Assusta-me imenso. Não tenho tem- mais minha mãe, inconsolável viúva, que- não era o que eu conhecia, o espec-
po para essas espreguiçadeiras de complicada” ria que eu fosse João Perry. Não é que táculo. Eu conhecia a alta doçaria, o

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bolo de arroz para mim era só para para o edifício onde a coisa se passa. ções. A minha mãe às vezes prepara-
encher a barriga. E eu não queria en- Havia sempre muitos bombons e F va-me, depois percebia que era em
cher a barriga, queria ser arquitecto, caramelos, pelo menos a minha “Não tive vão e o cenário desaparecia.
contrariando a vontade da minha recordação prioritária era essa. essas coisas. E preparavaárvore de Natal?
mãe, que queria que eu fosse médico. O seu pai foi protagonistade uma Natais, Não, que me lembre nunca. Não tive
O meu pai não queria que fosse nada, peçade Humberto Delgado, Asas, aniversários, essas coisas. Natais, aniversários, não.
tenho impressão, não teve tempo que estreou no Natal de 1942, a24 nunca. Sentia É bom, regimenta a pessoa.
para isso. de Dezembro. inveja, às Tentou perceberporquê?
O seu pai, que o levavaao teatro. Foi um dos Natais em que o meu pai vezes. Ébom, Para quê? Não tinha. Sentia inveja, às
Levava-me para o teatro, nunca ao não foi, com certeza. Foi bom, fiquei regimenta a vezes. Mas preencher vazios de
teatro, é diferente. Ir para o teatro é ir educado nessa história das celebra- pessoa” afecto com símbolos que não têm Q

67
Sociedade

Q nada a ver contigo? Porque é que


me deu uma colher de pau dourada?
Para que serve uma coisa que não é
para ti, que te dão para dizer que de-
ram?
Houve mais actores nafamília, a
suaavó paterna, porexemplo.
Nunca vi, felizmente, parece que não
era grande espingarda, foi a própria
Amélia [Rey Colaço] que me disse.
Era uma senhora assustadora, que
aos 6 anos me punha a comer ovos
com gelatina e galantines, depois
aquilo fugia do prato e ela dizia que
não podia ser. Eu era um bocado pa-
cóvio, como ela dizia, depreciava-me
muito. Era engraçado, porque é moti-
vador. Para lutadores, claro.
Asuaavó maternaeradiferente?
É a pessoa de que eu me lembro mais
afectivamente, de colo, de festas, do E as Luminaletas acalmavam-no? g que quando voltava para casa da mi-
cheiro. E das coisas que me evitou, Sei lá, era um drunfo. Tomava aquilo Na aranha do nha mãe perdia tudo, não podia usar
Teatro Aberto,
porque educar uma criança é muito quando ficava mais speedado. Isto foi onde é o protago- nada da existência paralela.
complicado para a criança, é uma depois de uma crise mais complicada nista de O Pai. Essas existências paralelas
submissão a uma ordem. E o afecto com eles. Eu tinha imenso ciúme dos A seguir vai en- duravam quanto tempo?
cenar outra peça
minimiza esses tratos compulsivos. afectos que via passar à porta. Uns mesesitos, quando duravam, ele
Que tipo de peças gostavamais de De que é que se lembrado seu pai? fartava-se rápido. Às vezes antes dele
verquando eramiúdo? Era um galã, gostava dos seus múlti- se desencantar eu voltava, porque a
Revistas, a revista era a Disneylândia plos fatos. Depois de ele ter morrido minha mãe tinha uma espia, a Ade-
para mim, muita roupa, muita gente, passei a vestir os seus casacos laide, costureira do meu pai, e quan-
muitos cheiros e pestanas postiças. de tweed e sentia um degredo… do eu ia ao teatro ela dizia-lhe. Era
Lembro-me de que na Electra e os Estranhamente, não é? uma coisa de afectos truculentos.
Fantasmas, do O’Neill, o [João] Villa- Os seus pais foram casados até ao Como foi essaprimeiragrande cri-
ret dizia para a [Maria] Lalande, creio seu pai morrer? se com os seus pais?
eu, vai-te deitar que são horas. Eu Sim, e a minha mãe foi casada até ao Devia ter para aí 7 anos. O meu pai
achava que era para mim e vinha-me fim da vida [96 anos], extraordinário. F comprou um Buick, levou a minha
embora. E adorava quando via a Como eraacasaonde cresceu? “Omeupai mãe a passear e a mim não, God
Amélia morrer na Águia de Duas Ca- Era pouco. É complicado ser filho de eraum galã, knows why. Quando voltaram a casa
beças, ela caía pelas escadas abaixo uma pessoa que é idolatrada, a quem depoisdeele eu tinha incendiado várias latas de
com um punhal espetado nas costas, se consente tudo. És só o produto da- morrerpassei cera no corredor. E a minha mãe era
eu chegava lá atrás e estavam todos a quele vaso, não se tem nunca priori- avestirosseus pouco amigável nessas situações.
rir. Que mentira tão bem pregada. dade. Então com a mesma profissão... casacosde Os castigos eram físicos?
Aquilo levava-me a acreditar. O seu pai preocupava-se muito tweed esentia Geralmente a minha mãe invocava o
Porque é que diz que erauma com ele próprio, asuamãe com o um degredo. meu pai, que não se queria maçar,
criançainsuportável? seu pai. Como eraconsigo? Estranha- dizia que eu era maluco. Bateu-me
Estava sempre a fazer perguntas. E O meu pai era um pólo de distracção, mente, uma vez, a pedido, a minha mãe foi
era tolo, davam-me colecções de sol- tinha sempre muitas solicitações ex- nãoé?” acordá-lo, acho que foi por isso. Eu
dados de chumbo e eu adorava pô- ternas à família. À família, bom, à fa- defenestrava tudo, era um pasto para
los a arder porque derretiam e era mília. E arrastava-me para essas dis- F essas aves junguianas, freudianas ou
um espectáculo fantástico, tracções como há quem leve malas e “Atirava tudo lacanianas. Atirava tudo pela janela,
melhor que os de celulóide, que tam- armários. Eu gostava muito, variava pela janela, moedas que tirava do mealheiro com
bém me davam e eu... bumba. A mi- imenso de pessoas que me levavam a moedas que uma faca com marmelada. A minha
nha mãe também não me levava a comprar roupa, mudava de escola. saíam do mãe zangava-se, claro, porque eu às
casa das amigas porque eu cortava os Amigos e amigas do seu pai? mealheiro vezes também atirava faqueiros.
cortinados e as franjas com tesouras. Amigas. Fui amigo de algumas, das com uma Estavaaborrecido?
Cheguei a ser levado [a um médico] que assumiram isso como tendo faca com Era tonto. Uma vez desci de um se-
para me acalmarem e fiquei cliente acontecido, porque outras fizeram de marmelada. gundo andar para o primeiro com
de uma coisa que na altura se cha- conta que naquele coqueiro nunca ti- Efaqueiros, uma corda, porque não me deixavam
mava Luminaletas [antiepiléptico]. nham trepado. Só era antipático por- às vezes” sair de casa. Fiquei com as mãos to-

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Avida
das queimadas. A minha mãe pediu, las coisas de lamber os outros para os
o meu pai bateu-me, assim com o culpar. Do abandono, da atenção?
chinelo, ou o que foi, não me lembro,
sei que não me aleijou. Depois fe-
1942
Com a mãe e o pai
Não deixou nada?
Nada, tomei aquela porcaria com
chei-me na despensa, disse que só – também João água [termal] Vichy, para não estra-
saía quando ele pedisse perdão. Perry – numa praia gar o estômago, porque água da tor-
E ele pediu? da Costa de neira nem em caso de morte tomo,
Não, de maneira que fui comendo Caparica deitei-me e tive imensa pena de
uns palitos La Reine que havia por lá, mim. Fui salvo por sorte. Estava
bebendo um licor de tangerina. À numa pensão e nos últimos dois me-
noite, a minha mãe foi lá, tens que ir ses tinha mudado para um quarto
para a cama, silêncio, já devia estar a
dormir e fiquei. Até que o meu pai lá
1943
Aos 2 anos
maior, uma benesse porque era Natal
e havia pouca gente. E um casal que
veio, pelas 11h, hora a que acordava. e meio, na praia. habitualmente ia para lá, de repente
Não sei o que disse, só sei que saí. “Era chato, muito pariu uma criança e precisavam de
Jábebiacom essaidade? chato, sempre a um sítio maior. Como às vezes me
Sim, com uma palhinha, licores. Nin- perguntar coisas” esquecia das chaves, devem ter-lhas
guém dava por nada. Devia ficar um dado e eles encontraram-me.
bocado paulado, claro, era maluco. Eram muitos comprimidos?
E aos 12 anos, quando começou no Os bastantes para ter patinado, estive
teatro, que papel fazia? em coma dois dias, fizeram-me uma
Era filho da Amélia Rey Colaço, foi ela lavagem ao estômago selvática, fi-
que me convidou. Eram muito afecti- quei todo ferido, uma porcaria. De-
vos comigo. Não tive razão de queixa pois fui posto fora [de Paris], estive
nenhuma até ter para aí 17 anos. A inibido de ir lá uns tempos, porque
adolescência é uma época terrífica, a não se pode atentar contra a existên-
pessoa está-se a ajustar a um mundo cia. Serviu-me para fazer currículo e
que não percebe, quer mudar a ma- para me safar da vida militar.
neira de ser dos outros e não conse- Foi porisso que não foi àtropa?
gue, tudo o que faz eles emolduram Estive internado novamente, deixei
dizendo que é diferente, como se di- de falar, fui despido para a parada e
ferente não fosse bom. Ah és novo, deram-me como incapaz. Não sabia
que bom, que bom depende de como até que ponto o que dizia era mentira
a pessoa está a organizar o seu dicio-
nário. Depois coincidiu com o Romeu
1953
Estreou-se em
ou verdade, não estava bom da cabe-
ça, tinha um medo horrível da guerra.
e Julieta, pff. Rapaziadas, no Matar alguém que se conhece é pos-
Foi nessaalturaque foi viverpara Teatro Nacional. sível, se me irritarem. É um excesso?
Paris e que tomou demasiados Era filho de Amélia Sim. Mas uma pessoa que não se co-
comprimidos? Rey Colaço nhece? Para defender um sítio que
Sim. É daquelas coisas de adolescen- não é o teu? Porque és de um país
tes românticos, ou pós-românticos. que diziam ser o teu? Eu não me sen-
Adolescentes. Paris é o abandono, a tia integrado, nunca me tinham pas-
desilusão. Estive lá oito meses, até ao sado a mão pelo pêlo. Não era justiça,
Natal, depois o Natal é aquela coisa.
Como arranjou os comprimidos?
1967
Numa das peças
consciência social, nenhum aparato
desses de defesa, só medo, incoerên-
Roubava nas casas das pessoas onde que fez com cia e não agressividade.
ia, geralmente essas coisas estão nas Eunice Muñoz, Quando veio de Paris para
casas de banho, debaixo dos lavató- de quem também Portugal veio sozinho?
rios ou nos armários. Tirava daqui já foi encenador Sim, mas como estava podia até vir
uns tantos, depois outros tantos, na bagageira de um carro que nem
quando achei que tinha suficientes notava. Estar em coma durante uns
para fazer uma saída triunfal...
...não conseguiu.
1971
Numa rua de
dias dá cabo de todo o sistema, que-
res é que não te chocalhem muito.
Foi bom, o destino, doloroso e vexa- Nova Iorque, nos Como é que depois de passarpor
tório, muito. É um acto falhado, é tempos em que isso põe umapistolanabocae
preciso uma coragem muito grande estudava teatro filmao videoclipe LyfeIsLong
para se conseguir mesmo emborcar e na Village (Rodrigo Leão & ScottMatthew)?
pensar que não se vai voltar atrás. E Já morri tantas vezes em cena que
não escrever cartas lamechas, aque- quando for a morte real vou pensar Q

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Sociedade

Q que é ensaio geral. Nunca morri Conhecia muito bem o Vasco, tinha
por me suicidar, engraçado. Mas ali vivido em casa da Maria Helena [Ma-
não se vê nada, só a pistola, é pouco, tos, sua mulher] com o meu pai, gos-
é pouco. Mas lá está, aquilo é uma tava imenso dela e ela de mim. Uma
paixão, uma coooisa de amor. vez trouxe-me umas fotografias deles
E porisso não gostade paixões?
Nem pensar, é uma doença. Ou as
1973
“Ao João,
os dois nos Alpes. Devia ter aceitado,
mas disse: “Ah, já tenho.” Não tinha
pessoas não percebem o que é e cha- afectuosamente, nada, mas aquilo na minha cabeça
mam ao vento uma tempestade, Eugénio [de era uma traição à minha mãe. Senti-
aqueles que têm uma paixão três ve- Andrade]” – a -me mesquinhito, parolo, grosseiro.
zes ao ano estão a falar de uma coisa dedicatória do E o Vasco Santana, como era?
que nem sei o que é. Como é que poeta foi escrita Profundamente depressivo, como
conseguem entrar e sair da máquina no Porto quase todos os cómicos, mas muito
de lavar miolos e depois voltar a pôr afectivo. Fui substituir o Henrique
a cabeça na centrifugação? Gostam Santana, que se tinha pegado de
de adrenalina? Saltem das pontes. amuos com o pai, o que era fre-
Portanto, teve umapaixão que de-
morou aresolver.
1976
Na praia onde
quente, parece, e tinha saído da
peça. Era novo e inexperiente, só fiz
Seis meses. Não repetível, não Amália asneiras, tinha que tirar a pasta de-
desejável, nada. Foi a única. Tinha 28 Rodrigues tinha baixo do braço do mestre-de-obras,
anos, estava muito desprevenido. casa, junto a um que era o Vasco, fiz tanta força que
E viveu melhorsem paixões? pescador da zona lhe dei com o cotovelo num olho.
Melhor? Vivi. Senão não teria vivido. “Tu és mesmo doido rapaz, parecias
A paixão é uma obsessão, não dá es- um bezerro”, dizia o Vasco. No outro
paço. O amor não é isso. dia ensaiei mais umas vezes e lá
O teatro é um palco de excessos. correu melhor.
Não se identificacom esse lado? E em 1971, aos 26 anos, conseguiu
Não, possivelmente porque sou umabolsadaFundação Ford e foi
excessivo. E reprimo essa parte.
Lembra-se datal estreiaaos 12
1982
O médico de Vila
estudarparaNovaIorque. Onde é
que tinhaaulas?
anos, napeçaRapaziadas? Faia. Já não tinha Na Village. A maior parte dos profes-
Não, lembro-me da expectativa que a certeza da sores já conhecia de cá, do Conserva-
tinha das críticas. Naquela altura era novela: “Fiz várias tório, mas tiraram-me o tapete. Esta-
isso que mantinha ou não a peça em vezes de médico” va habituado a trabalhar em silêncio,
cartaz. A primeira vez que saiu uma ali havia aulas com as janelas abertas,
crítica que me apontava defeitos de os carros da polícia a passar, as am-
dicção [quando fez o Romeu e Julie- bulâncias e os bêbedos a atirarem
ta, aos 18, 19 anos] foi uma surpresa garrafas contra as portas. Agora acho
tão grande e avassaladora… que é um sítio chique.
Como é que lidou com acrítica? E deu-se bem com os americanos?
Decidi ficar, para provar que estavam Tive que resistir às solicitações, não
enganados. É estúpido, não é? Mas é
uma energia.
1997
Fernando Krapp
tinha presilhas para me aguentar. Às
18h já estava bom para voltar para
E porque é que foi paraParis? Escreveu-me esta casa e eles queriam todos continuar,
Tinha dinheiro e queria-me ir embo- Carta, com a só mais um sítio, só mais um cocktail,
ra. A herança do meu pai era um amiga Alexandra eu já nem via nada, queria era deitar-
seguro, só recebi quando cheguei à Lencastre -me, ao outro dia tinha aulas cedo.
maioridade, e para a do meu avô Entre Paris e NovaIorque ainda
tinha um tutor, um irmão da minha viveu em Londres. Que outros
mãe que organizou o dinheiro da mundos játinhavisto?
maneira que entendia e quando eu Tinha estado nos primeiros Jogos
cheguei havia muito pouco para en- Olímpicos de Roma [1960], mas não
tender. Quando fiz 18 anos proclamei
à família da minha mãe que nunca
2017
Em O Pai é um
vi nada, passei a vida a entrar e a sair,
comia pouquíssimo porque quando
mais lhes voltava a falar. E foi assim. homem com aquelas marabuntas saíam do estádio
E asuamãe aceitou isso bem? Alzheimer e com invadiam tudo o que era ao preço
Não. Rosnou vários anos [risos]. uma relação difícil que eu podia pagar. Tanta melancia
Também trabalhou nacompanhia com a filha que eu comi porque era a única coisa
de Vasco Santana. Como foi? que havia à fartazana. No regresso

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fiquei doido para mexer naquela


merda, e aquilo pesa imenso, está
sempre tudo suado, cheira mal. Mas
não me deixavam, só fazia a locução.
Quando me distribuíram aqueles
dois solos... Bem a estreia foi um hor-
ror, falava dentro de uma máscara, o
microfone estava desligado.
Foi uma revista muito icónica.
O dinheiro que gastou é supericóni-
co, arruinou o orçamento da casa
durante várias temporadas. Uma re-
vista, é um espectáculo carérrimo, e
se não há reforço de verbas...
Teve dois convites para director
do Teatro Dona Maria II. Porque
é que nunca aceitou?
Não gosto de responsabilidades. Ser
viemos pela Áustria e ia ficando lá, g Também tomou conta de crianças responsável por acompanhar pes-
num lago, estava fraquíssimo. Quando acorda, Sim, às vezes quase não me deixa- soas à porta, por recebê-las, hoje
muitas vezes pelas
E não tinha consciência disso? 5h30, vai à janela vam estar, mas eu tinha o auxílio das posso ser muito simpático, mas ama-
Queria era lavar-me do que me tinha ver os patos e Luminaletas, dissolvidas em leite, nhã estar de mau humor e pensar:
acontecido, não achei graça nenhu- as galinhas que que tinha experimentado em mim “Porque é que lhe hei-de falar?” E eu
passam na rua
ma aos Jogos. Só me lembro de ver a essa hora, no próprio sem problema nenhum. não gosto de ser ditatorial, receio
umas luzes tremulantes na água. De- centro de Lisboa Depois de Nova Iorque veio para bem que haja em mim esse monstro.
pois desfaleci, não tive medo ne- Portugal definitivamente? Se eu consigo os outros também. É
nhum. Fui salvo por uma pessoa de Ainda pensei ficar, tive uma propos- uma questão de organização, de
quem nunca esqueci o nome. ta, mas era muito duro. Aqui era co- querer. E para querer é preciso abdi-
E Londres foi porquê? nhecido pelo que já tinha feito. car sempre, não é? Para teres filhos
Para visitar o Alain Oulman [compo- Estava cá quando foi o 25 de Abril? tens que abdicar de uma série de
sitor que fez muitos dos sucessos de Sim. A primeira coisa que fiz, às 7h, merdas porque aquela porcaria vai fi-
Amália Rodrigues]. Depois decidi fi- foi ir à mercearia: ora bem, feijão, car a borrar-se e tens mesmo que la-
car, estava tudo a crepitar, e tinha grão, o que é que se comprava na var o rabo, e não é um dia nem dois.
deixado crescer o cabelo, cá davam- guerra? Depois lá tive os telefonemas Nunca pensou nisso?
-me 25 tostões para ir ao barbeiro e da Ana Hatherly [escritora], avisámos Não, não, prefiro árvores.
lá ninguém me chateava, eram os F o Cesariny e fomos metendo os cor- A dada altura esteve cinco anos
Beatles, os Rolling Stones. “O concerto nitos ao sol, tipo caracol, ver a festa. sem trabalhar. Porquê?
Quem é que via mais por lá? era de borla e Fez a Banqueira do Povo, Ballet Não tinha vivido o suficiente ainda.
Aparecia imensas vezes o Mick estava pejado Rose, e outras dezenas de nove- Era uma bebedeira, o trabalho pode
Jagger, fomos à estreia de Tommy, de gente, las. Foi muito diferente começar ser tão aditivo como o álcool.
[ópera] dos The Who, que foi antes do andámos por a trabalhar em televisão? Que papéis lhe deram mais gozo?
concerto de homenagem ao Brian lá a tomar Não, era divertido, era bom, era tea- A isso não ligo nenhuma, está fei-
[Jones, dos Rolling Stones], em Hyde merdas e a tro. Durante algum tempo ensaiava to, mudei de pele, mas as persona-
Park, à borla. Andámos por lá a tomar fazermijo em durante um mês e depois gravava, gens acrescentam-nos sempre. É
merdas e a fazer mijo em latas de latas de era quase uma peça por mês. óptimo ter motivos externos que
fiambre porque não se podia sair, fiambre” VilaFaiafoi muito faladaporter obrigam a descobrir caminhos e
aquilo estava pejado de gente. Quan- sido aprimeiranovelaportuguesa. nos ensinam coisas. Porque essas
do soltaram as borboletas brancas foi Teve esse prestígio. Entrei muito a sondagens afastam qualquer sono,
um flash. F meio, era um médico e fazia par com vontade de comer ou de ir à casa
Como é que pagava as contas? “Pareide a Ana Zanatti, não era uma persona- de banho, a pessoa fica obsessiva,
Lavava louça em restaurantes, depois trabalhar gem com muito interesse. Não fez quer mais e mais.
passei para a sala. Trabalhávamos cinco anos uma grande mudança na minha Por isso de vez em quando pára?
para comprar bilhetes, para tingir os porque não vida, deu-me mais visibilidade. É, para digerir, assim tipo vaca, o que
fatos beges que passavam a verdes e tinha vivido Na revista PassaporMim no Ros- meti na barriga e não percebi bem.
depois a grená-escuros. Carnaby o suficiente. sio [do Filipe La Féria] até com Mas não tenho parado muito ultima-
Street lançava as modas, as bocas- O trabalho marionetas trabalhou. Fez de João mente, já não tenho tempo, se paro
-de-sino, os coletes, a pessoa era pode sertão Villaret e Almada Negreiros. sou capaz de perder. Nunca se perde
magra na altura. E Portobello não era aditivo como Tinha trabalhado com as marionetas nada porque se ganha outra coisa,
aquela coisa, agora é os Jerónimos. o álcool” da [Companhia de] São Lourenço e mas… Talvez um dia. W

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A vergonha resulta
Cidades de El Alto e Sucre
também já têm zebras
O medo da vergonha, mais do
que o receio do castigo por deso-
bedecer às regras de trânsito, é o
segredo do êxito, dizia Antanas
h Mockus quando era presidente
As riscas brancas no chão da câmara de Bogotá.
formam o paso de cebra
GETTY IMAGES

ou passo de zebra – aquilo


a que chamamos passadeira Acidentes: só têm registo
de um atropelamento. A ra-
pariga de 17 anos foi vítima de
BOLÍVIA. PROJECTO CÍVICO PARA EVITAR ACIDENTES um condutor alcoolizado mas
saiu ilesa.

AS ZEBRAS MANDAM O projecto organiza even-


tos especiais para que habi-

ATRAVESSAR
tantes e turistas sejam zebras
por um dia.

Põem ordem no trânsito, de fato às riscas. Este projecto premiado que estão a ser aplicados na cons-
tem a ajuda de 225 jovens em situação de risco. Por Maria Espírito Santo trução da Casa da Zebra, um espaço
de encontro para a comunidade.

Corridas e flexões
Primeiro, eram os fatos em que
ançam para os peões que EM forma de praticar a cidadania. cabiam duas pessoas. Depois chegou

D atravessam a estrada, aba-


nam a cabeça ao condutor da
esquerda que pisou a passadeira, pe-
DEZEMBRO
RECEBERAM
O PRÉMIO
A inspiração chegou de Bogotá. O
presidente da câmara de La Paz es-
tava de visita à capital colombiana
a cabeça do animal e mais tarde os
novos materiais. E a filosofia-zebra
também foi evoluindo. Hoje, têm
dem ao da direita para não deitar o PARA A e reparou nos mimos que, na rua, cinco metas a cumprir: conseguir
lixo para o chão. Desejam bom dia e INOVAÇÃO interagiam com as pessoas – um uma La Paz limpa, ordenada, alerta,
com meia dúzia de saltos regressam URBANA EM projecto lançado pelo filósofo e po- sem ruído e segura.
à passadeira. Não é uma manobra de GUANGZHOU, lítico Antanas Mockus. De regresso Cada zebra faz quatro horas por
marketing, nem uma partida: são as NA CHINA a casa, quis replicar o modelo. Com dia. Existem dois horários: as ruas
Cebras de La Paz ou as Zebras de La o tempo, as Cebras de La Paz estão vigiadas das 7h às 11h e das
Paz (Bolívia) que há 15 anos evitam tornaram-se um sucesso: em De- 12h30 às 18h30. Como tudo funciona
confusão, ruído e acidentes vários. zembro de 2016 receberam o pré- em regime de voluntariado e como
O projecto existe desde 2001 e fi- mio para a a Inovação Urbana em os jovens são menores, não têm um
xou uma meta ambiciosa: mudar Guangzhou (China), 19 mil euros contrato, mas recebem um incentivo
comportamentos. “Quando come- mensal: “Serve para ajudar nos pas-
çámos, as pessoas não ligavam aos ses dos transportes, no material es-
semáforos ou às passadeiras”, ex- colar”, diz Goya.
plica à SÁBADO Goya Bautista, Treinam coreografias e criam mú-
coordenadora. Por isso, a reacção sicas. Fazem corridas, flexões e ab-
inicial não foi boa: os mais velhos dominais para se manterem ágeis
não gostavam de ser repreendidos. mas também conversam. Antes de
“Foi um processo duro e longo. vestir o fato têm de passar por uma
Agora as pessoas já sentem que a aprendizagem. “Para qualquer jo-
zebra é um amigo, um porta-voz.” vem que se atreva a ser uma Zebra
Começaram com 24 jovens – hoje temos cursos. Ajudamos no desen-
contam-se 225: têm entre 16 e 22 h volvimento social e partilhamos o
anos e a maioria são adolescentes Antes de entrarem que sabemos; eles descobrem as
em acção, os jovens
em situações sociais de risco que frequentam cursos suas capacidades, reconhecem-se
D.R.

aqui encontram ocupação e uma como jovens líderes.” W

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ESTUDO. A RAZÃO POR QUE ALGUNS BARULHOS IRRITAM TANTO

NÃO SUPORTAOUVIR
PESSOAS ACOMER?
Nem o clique de uma caneta ou o som dos talheres no prato? Então é possível
que sofra de uma condição chamada misofonia. Por Lucília Galha

médico de família riu-se g ciência ou a motivação) e na activi-

O dela, o psicólogo agravou o


seu estado e só através de
uma pesquisa pouco convencional
Uma resposta fi-
siológica exagera-
da, como frequên-
cia cardíaca acele-
rada e maior trans-
O que é a misofonia?
Foi identificada e descrita
pela primeira vez em 2001
dade cerebral.
Uma equipa da Universidade de
Newcastle mediu a actividade ce-
na Internet – escreveu, no motor rebral de pessoas com e sem miso-
piração é o efeito
de busca, “ouvir pessoas a comer dos chamados Começa a notar-se normal- fonia, quando expostas a sons di-
dá-me vontade de lhes dar um sons-gatilho mente entre os 10 e os 12 anos. versos: neutros, como a chuva; de-
murro” – percebeu que não estava sagradáveis, como um bebé a cho-
a enlouquecer. Olana Tansley- Os sons-gatilho mais rar; e os chamados sons-gatilho
-Hancock, hoje com 29 anos, tinha comuns, e com que é mais (em inglês triggersounds), como
apenas 8 quando as refeições em difícil lidar, estão ligados aos uma pessoa a comer ou a respirar
família se tornaram insuportáveis. actos de comer e de respirar. alto. Quando confrontadas com es-
Os sons da refeição (sorver a sopa, tes últimos sons, os misófonos
a mastigação, etc.) irritavam-na A reacção começa por ser apresentaram alterações – através
tanto que só suportava comer no apenas ao som e depois passa a de um exame de imagem, os cien-
quarto. Na universidade, tudo pio- incluir as acções associadas ao tistas aperceberam-se de uma so-
rou: eram os colegas, mais os sons som e também a antecipação brecarga no cérebro, que desenca-
que ouvia na viagem diária de do som (saber que vai fazer deia uma resposta fisiológica exa-
comboio. “Mudava de carruagem uma refeição, por exemplo). gerada, como um aumento da fre-
mais de sete vezes, o barulho das quência cardíaca e transpiração.
pessoas a comerem ou a amarrota- A resposta costuma ser Além de confirmar a misofonia
rem papéis era infernal”, conta. um sentimento de raiva ou como uma doença, o estudo publica-
Identifica-se de alguma forma com CHEGOU A pensamentos violentos do na revista científica CurrentBio-
esta história? Pense: aquela pessoa MUDAR DE para com quem produz o logy abre caminho a possíveis trata-
com uma respiração ruidosa, sentada CARRUAGEM som-gatilho. mentos. “A minha esperança é identi-
ao seu lado no cinema, deixa-o furio- SETE VEZES ficar a assinatura cerebral dos sons-
so? Não suporta ouvir alguém a mas- PARA EVITAR -gatilho e usar isso para o tratamen-
car uma pastilha, o clique de uma ca- O BARULHO var que as pessoas a quem foi dia- to”, afirma o investigador Sukhbinder
neta ou o som dos talheres no prato? DE PESSOAS gnosticada misofonia apresentam Kumar, do Instituto de Neuro-
Então é possível que, como Olana A COMER E A diferenças evidentes no lobo ciências da Universidade de
Tansley-Hancock, sofra de uma con- AMARROTAR frontal do cérebro (responsável Newcastle, numa comu-
dição chamada misofonia. PAPÉIS por funções como a cons- nicação divulgada pela
universidade.
Os chamados sons-gatilho Para Olana Tansley-
A palavra usada para descrever o -Hancock, a britânica
transtorno identificado pela pri- que em miúda tinha von-
meira vez em 2001 significa ódio tade de bater nos
pelos sons do quotidiano e vem pais às refeições,
do grego: miso (ódio) e phon a solução foi
(som). Nos últimos 16 anos, os uma espécie de
cientistas tiveram cocktail: passou
dúvidas sobre o as- a meditar, reduziu
sunto, mas um es- a cafeína e
tudo agora reali- o álcool e nunca
zado no Reino sai de casa sem
Unido vem pro- auscultadores. W

73
Sociedade

TURISMO. ESCOLA DE HOTELARIA SEM FINS LUCRATIVOS

CHEFSMADE
INAÇORES
Os seus alunos já disputam e ganham concursos de barman
ou de gastronomia, em Portugal e na Europa. Uma fórmula
de êxito com 15 anos. Por Mónica Franco (textos) e Marisa Cardoso (fotos)

orge é tímido. Magro, baixo, a procura pelo mercado de trabalho.

J introvertido, passa desperce-


bido. Salta à vista o chapéu
alto de cozinheiro. Tem 21
anos e uns olhos claros com muita
vida (e tristeza). Cresceu em Santa
150
alunos
por ano é a mé-
dia de inscritos
A escola abriu em 2002, Filipe Ro-
cha foi o director-executivo entre
2004 e o fim de 2016 e, em 2008, a
sua unidade de aplicação mudou-se
do Hotel S. Pedro para o complexo
Cruz das Lagoas, a pouco mais de 10 nos cursos de Portas do Mar, desenhado pelo ar-
quilómetros de Ponta Delgada, mas Cozinha/Paste- quitecto Manuel Salgado. Criou-se
mudou-se recentemente para a prin- laria e Restau- de raiz o restaurante Anfiteatro. Está
cipal cidade da ilha de S. Miguel, Aço- rante/Bar, am- aberto sete dias por semana, ao al-
res. Um passo de gigante para o miú- bos do progra- moço e ao jantar, e tem uma equi-
do que antes tinha largado a escola ma Reactivar, pa própria. “Existem aulas normais
para não largar a mãe. “Não queria para desempre- – teóricas e práticas –, mas depois
sair de casa e deixar a minha mãe so- gados. Têm os alunos praticam em contexto
zinha.” A mãe, hoje com 48 anos, so- equivalência real. Habituam-se a trabalhar por
freu maus tratos do pai até se separa- ao 12.º ano turnos, ao fim-de-semana, à noi-
rem, há sete anos. “Tinha de a prote- te... Não conheço mais nenhum
ger”, desabafa Jorge Metade. Só re-
FOTOS MARISA CARDOSO

gressou à escola aos 17 anos (três


depois de os pais se separarem).
Quando fez o 9º ano, candidatou-se
ao curso técnico de Cozinha/Pastela-
ria da Escola de Formação Turística e
Hoteleira dos Açores (EFTH), em
Ponta Delgada. “Foi quase um tiro no caso em Portugal assim”, observa.
escuro, mas foi um belo tiro”, diz. A procura tem vindo a aumentar
A EFTH existe desde 2002, é uma porque, diz Filipe Rocha, “os jovens
associação privada sem fins lucrati- querem cada vez mais uma profis-
vos de que são parceiros o Governo “SOMOS UMA são com saídas profissionais”. E há
Regional dos Açores, a Câmara do GRANDE saídas: nos Açores, de 2012 a 2015
Comércio e Indústria de Ponta Delga- FAMÍLIA. HÁ houve um crescimento de 44% nas
da e a SATA. Vítor Fraga, o anterior ALGO MUITO T dormidas – e, de Janeiro a Abril de
secretário Regional dos Transportes e FORTE QUE Filipa Oliveira 2016, um aumento de 46%.
Turismo (e desde Novembro passado NOS UNE”, Com 22 anos está num bar na zona chique
de Mayfair, em Londres, cidade para onde
secretário Regional dos Transportes e AFIRMA foi aos 20, um ano depois de acabar o curso.
Escolaecasa
Obras Públicas), aponta como medida NUNO Para os pais, de um meio pequeno, “Criei uma família na escola.” A frase
do sucesso a sequência de prémios e SANTOS foi difícil aceitar a escolha é de Adília Paço, 27 anos, ex-aluna

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T
BrunoJarimba
Fez parte da equipa que abriu o Anfiteatro
antes de voltar, ao fim de 15 anos, a Macau,
terra da mãe, com menos de 1.000 euros
mas nenhuma certeza, uma aventura
recompensada

quando terminou o curso de Restau-


rante/Bar (com equivalência ao 9º
ano), mas quando começou o pri-
meiro estágio percebeu não estar
ainda preparada para trabalhar. T
“Criei uma família na escola e senti Jorge Metade
falta deles, não me senti à vontade e Usou a veja, um peixe típico das águas
açorianas, para vencer em Paris um dos mais
pedi à minha mãe para fazer mais importantes concursos internacionais
um curso.” Acabou Restaurante/Bar para jovens talentos da cozinha
com equivalência ao 12º ano em
2013, mas antes mesmo de o com-
pletar já tinha sido convidada a inte- Adília morrer após uma violenta
grar a equipa de bar do Anfiteatro. história relacionada com droga.
Em 2016 ficou entre os 15 finalistas “Somos uma grande família, há
do concurso Barman do Ano, com algo muito forte que nos une”, diz
dois cocktails da sua autoria: Salt No- Nuno Santos, 33 anos, outro ex-alu-
se e Pêra Bêbeda. no que no fim do curso acabou por
Há poucos meses deixou a fregue- ficar ao serviço do restaurante da
sia de Ribeira Grande, a 30 quiló- EFTH. Hoje é subchefe de cozinha
metros de Ponta Delgada, e alugou do restaurante e formador de Cozi-
um apartamento na capital. Está nha e Pastelaria. Mas andou perdi-
cada vez mais longe da realidade de do uns tempos: frequentou Enge-
que fugiu. Dos tempos em que vivia nharia Civil no Porto, alistou-se no
com a mãe biológica e o padrasto, exército, trabalhou na construção
em que tomava conta dos irmãos e civil nas Bermudas (Caraíbas)...
se sentia triste porque “queria fazer Regressou a S. Miguel e formou-se
alguma coisa na vida” e não podia. no curso de Cozinha/Pastelaria
Até ao dia em que deixou de ter (qualificação pós-12º ano) em 2010.
medo e decidiu ir viver com a avó. Foi um dos dois melhores e ganhou
Foi a avó (a quem chama “mãe”) uma bolsa para estudar na Univer-
que a inscreveu no curso, que a sidade Johnson & Wales/ EUA. É de
criou sozinha, depois de o pai de Vila Franca do Campo, a 30 quiló-
metros de Ponta Delgada, e diz ter
uma “ligação muito forte” à terra. O
seu caminho levou-o a outros la-
dos. É por isso que sublinha: “Nunca
pensei chegar aqui.”
A história de Joel Vieira é similar.
Frequentou Mecânica em Lisboa e
da EFTH e actual empregada de bar Economia nos Açores, até descobrir
do restaurante Anfiteatro, mas podia a cozinha. “Para perceber o que
ser de qualquer um dos seis alunos e queremos, temos primeiro de per-
ex-alunos com que a SÁBADO falou. ceber o que não queremos”, afirma.
Filipe Rocha acredita que essa rela- OS ALUNOS O cozinheiro de 30 anos apaixo-
ção próxima é responsabilidade do TRABALHAM nou-se pela profissão mal entrou
Anfiteatro: “O restaurante é o cora- NO RESTAU- no curso de Cozinha/Pastelaria
ção da escola. Passam muitas horas RANTE- T nível 4 (após o 12º ano).
juntos, conhecem-se melhor, vivem -ESCOLA POR Nuno Santos Terminou o curso da EFTH há
a experiência da escola de outra for- TURNOS, Tem 33 anos e é formador na escola, mas seis anos e, desde então, a escola
andou pelo mundo e em quase todos os
ma.” “Não são poucos os que prefe- AO FIM-DE- lugares era o cozinheiro de serviço. “Cozinhava
tem-lhe proporcionado experiên-
rem ficar a trabalhar a ir para casa...” -SEMANA muito na tropa, mas foi nas Bermudas, cias variadas: do Douro à Tercei-
Adília, por exemplo. Tinha 18 anos E À NOITE quando enjoei da comida deles, que despertei” ra, de Hong Kong a Boston, de S. Q

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Q Miguel a Londres. Trabalhou em


hotéis, em restaurantes pequenos
onde “fazia tudo sozinho”, em es-
paços de fine dining, de banquetes,
outros de alta cozinha distinguidos
com estrelas Michelin. Acabou por
regressar ao arquipélago. Em Junho 2 em 1
vai abrir um restaurante em nome Filipe Rocha, ex-
próprio, Vieira, e entretanto vai a -director da es-
casa das pessoas cozinhar – cola, sobre o An-
chama-lhe Vieira em Casa. fiteatro: “Costu-
mo dizer que
DosAçoresparaomundo não sei se é
Bruno Jarimba também tem 30 anos uma escola com
e uma experiência profissional rica. restaurante ou
Fez parte da equipa que abriu o Anfi- um restaurante
teatro. Desde então já participou na com escola”
abertura de vários restaurantes e ho-
téis, de Macau à Noruega. Deixou Vila
Franca do Campo, a sua freguesia na-
tal, para rumar a Macau, onde passou
a infância (e que é a terra da mãe).
Passaram-se sete anos, um casamen-
to com uma chinesa e muito currícu-
lo. Hoje, diz que chegou onde so- T a chegar ao bar. Passou pelo Soho
nhou: é gerente de F&B (Food & Be- Adília Paço House Private Members Club e res-
verage) de um restaurante no Legend “O João Couto (chefe de sala e bar do Anfitea- taurante Mint Leaf até chegar a su-
tro) começou a puxar por mim, viu que eu tinha
Palace Hotel Macau, responsável jeito para bar, ensinou-me sobre bebidas e mis-
pervisora no The Hide Bar, consi-
também pela formação e contratação turas e comecei a apreciar.” Hoje cria cocktails derado, em 2015, um dos 15 melho-
de pessoal. Insiste que foi o “curso di- res cocktail bars da cidade. Hoje
fícil” da EFTH que o preparou. está num restaurante/bar na zona
Filipe Rocha, director-executivo chique de Londres, Mayfair, cha-
da escola durante 12 anos, confirma coisa é fazê-lo trabalhando também mado Mnky Hse (Monkey House).
que não é fácil: “Há uma elevada Aposta aos fins-de-semana, noites e feria- Jorge Metade, o rapaz dos olhos
taxa de desistências, a unidade de Promover os re- dos. Se um aluno se habitua a este tristes, terminou o curso de Cozi-
aplicação requer um elevado nível cursos humanos ritmo durante três anos, está pronto nha/Pastelaria em Julho passado.
de exigência aos alunos. Uma coisa foi a intenção para o mercado de trabalho.” Por Mas ainda antes disso venceu, em
é tirar um curso de cozinha, de se- primordial ao isso, a taxa média de empregabili- Paris, o concurso Olivier Roellin-
gunda a sexta das 8h às 18h, outra criar a escola, diz dade da EFTH ronda os 80%. ger, para jovens chefs e estudantes
Vítor Fraga. “Sempre tive muito apoio da es- de cozinha, que visa encorajá-los a
“Uma aposta cola para ir mais além”, declara Fi- promover a sustentabilidade das
claramente lipa Oliveira, ex-aluna do curso de espécies. Ganhou esta importante
ganha”, afirma Restaurante/Bar que, aos 22 anos, competição internacional com
já trabalha há quatro em Londres. uma caldeirada de veja e uma veja
Tinha 15 anos quando ingressou na corada com crosta de vegetais, flan
EFTH. Em 2010 já conquistava o de cenoura, espinafres salteados
primeiro lugar na prova de bar do com sumo de limão, redução de
concurso anual da Associação Eu- vinagre balsâmico e mel, crocante
ropeia das Escolas de Hotelaria e de alho-francês e caviar de soja.
Turismo. É da Ribeirinha, a cerca Um menu inspirado pelos Açores.
JORGE de 20 quilómetros de Ponta Delga- O jovem que, desde criança, fazia
METADE da, “um meio muito pequeno”. bolos sozinho em casa, tão perfei-
GANHOU UM Ideias preconcebidas sobre o mun- tos que nem a mãe acreditava
T CONCURSO, do de bar, fizeram os pais recear serem feitos por ele, tornou-se
Joel Vieira EM FRANÇA, pela escolha de Filipa. arquétipo da escola que o fez
É da ilha das Flores e descobriu a cozinha COM Começou a lavar pratos no res- renascer. Acabou convidado para
só depois de tentar outros caminhos e já
não se imagina a fazer outra coisa: “Sempre
UM MENU taurante Notting Hill Kitchen (en- trabalhar no restaurante do Hotel
gostei de criar, de mexer, de colocar INSPIRADO tretanto encerrado), do chefportu- Azor, o novo hotel de cinco estrelas
um bocadinho de mim em alguma coisa” NOS AÇORES guês Luís Baena, e levou três meses de Ponta Delgada. E ali ficou. W

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Sociedade www.sabado.pt

j
Nos EUA são
salgadas e
cobertas com
manteiga e
já podem fazer-se
acompanhar de
bebidas brancas

TENDÊNCIA. BEBER UM COCKTAIL NO CINEMA

PIPOCAS,
eva vodka com aroma a ciadas a um conceito de dine-in

L pêra, sumo de arandos e xa-


rope “agitados com paixão”.
No fim, um toque de refrigerante e
(refeição no cinema). A Regal
Theatres, outra cadeia, segue os
mesmos passos (recentemente até
uma cereja no topo. Chama-se
Tentação Negra e acompanha o
segundo capítulo da novela eróti-
FILME E... já permitiu bebidas alcoólicas nas
suas salas no Havai) e a Cinemark
idem – uma centena das suas salas
ca de E. L. James, As Cinquenta
Sombras Mais Negras. Já A Grande
Muralha, com Matt Damon no
principal papel, combina com O
VODKA? já servem álcool, continua a
Hollywood Reporter. Até salas his-
tóricas estão, gradualmente, a ren-
der-se. É o caso do Plaza Theatre
Também há vinho e cerveja. As cadeias
Grande Guerreiro: com vodka de (em Miamisburg, Ohio), sala de
frutos vermelhos, sumo de lima e norte-americanas adoptam tácticas para cinema do início do século XX que
puré de morango. Os cocktails atrair espectadores. Por Maria Espírito Santo poderá, brevemente, servir Cosmo-
estão disponíveis em dezenas de politans, cerveja e vinho.
salas da AMC (uma das maiores
cadeias do sector, com mais de Respingos e sofás
8.200 ecrãs) em 25 estados norte- GOVERNA- Nova Iorque parece ser a única ex-
americanos. Para que uma pessoa O menu tem história DOR cepção. Só os cinemas de dine-in
nunca mais tenha de escolher en- As pipocas foram proibidas DE NOVA podem vender álcool – mas a situa-
tre uma saída à noite e uma ses- antes de se tornarem ritual IORQUE JÁ ção pode mudar. O actual governa-
são de cinema. ANUNCIOU dor do estado, Andrew Cuomo,
A estratégia começou a ser im- O hábito instalou-se na Améri- QUE SALAS quer levar as bebidas a qualquer
plementada no Verão de 2016: a ca do Norte em meados do sécu- VÃO TER sala de cinema, com um especial
AMC aliou-se à Crystal Head lo XIX. As pipocas comiam-se em CERVEJA foco na cerveja artesanal de Nova
Vodka e criou o primeiro cocktail, feiras e no circo – nos cinemas ARTESANAL Iorque: ficam de fora as bebidas
o Ghostbuster, para a estreia do era proibido, para evitar sujar as brancas ou destiladas.
filme com o mesmo nome, em Ju- elegantes carpetes. Quando os Plataformas como a Netflix ou a
lho. Desde então já vendeu 110 filmes ganharam som, nos anos Amazon Video (ambas em Portugal)
mil cocktails temáticos caça-fan- 30, já era possível comer e pas- disponibilizam séries e filmes, em
tasmas. “O álcool não afecta as sar despercebido mas a aliança casa, com um simples clique. Com
vendas de doces, refrigerantes e entre os dois negócios só chega- um bónus: poder beber um copo ou
pipocas”, garantiu George Patter- ria na década de 40. descalçar-se. A indústria tem vindo a
son, vice-presidente da AMC, à acompanhar as necessidades: se nos
revista Hollywood Reporter. “Se Desde 1934 Estados Unidos já se encontram vá-
abrir um bar, posso quase garantir que o álcool rias salas com assentos reclináveis ou
que as minhas receitas de comida possível servir álcool nos cinemas. está proibido onde até é possível esticar completa-
e bebida vão subir. Mais de 70 por Se em 2011 apenas seis locais da nas salas de mente as pernas, também em Portu-
cento dos nossos clientes têm AMC ofereciam este tipo de bebida, cinema de gal há novidades. Desde 2016 que há
mais de 21 anos.” no fim de 2016, 178 salas já Nova Iorque, a experiência 4DX: quer dizer que o
Nos últimos dois anos, 32 estados tinham zonas lounge com comes e em parte por bilhete lhe dá direito a cheiros, vento,
norte-americanos decidiram alte- bebes – tendo 150 destas apenas o causa do lobby respingos e abanos de cadeira, ao sa-
rar as suas leis, de maneira a ser tradicional bar, não estando asso- da Broadway bor do filme. W

77
Sociedade

ONOMÁSTICA. A MODA DOS NOMES ORIGINAIS E DA FUSÃO DE APELIDOS

AIMPORTÂNCIADE SE CHA
Paddy Cosgrave, fundador da Web Summit, decidiu atribuir ao seu primeiro filho um apelido
com o da mulher, a modelo Faye Dinsmore. O bebé chama-se Cloud Cosmore. Em Portugal,

J
amais um casal português se
lembrou de fundir os seus
apelidos na hora de registar os
filhos. No entanto, se há atri-
buto que não escasseia no cérebro
PADDY
COSGRAVE
, +
FAYE
DINSMORE

do irlandês Paddy Cosgrave, co-fun-


dador e CEO da Web Summit – o
grande certame do empreendedoris-
mo digital organizado desde o ano
passado em Lisboa –, é a capacidade
de inovação. Até no nome que deu
ao seu primeiro filho, nascido em
Outubro: Cloud (Nuvem) Cosmore. A
atribuição do nome próprio, inspira-
do no sistema informático de proces-
samento, partilha e armazenamento
de dados, foi pacífica. Aliás, Cosgrave
não é o primeiro ilustre estrangeiro a
baptizar o filho com um nome ligado
à sua actividade profissional: o filho
do surfista Garrett McNamara cha-
ma-se Barrel (tubo, uma manobra do
surf). O problema foi o apelido - a
teimosia do irlandês levou-o a uma
batalha de cinco meses com a buro-
cracia de Dublin. Tudo porque, em
nome da igualdade de género, quis
cruzar o seu nome de família com o
da mulher, a modelo e empresária ultrapassado. Os homens e as mulhe- um Santos e uma Costa poderia re-
Faye Dinsmore, criando uma startup res são iguais. Respeito as pessoas sultar num bebé “Sancosta”, tal como
onomástica. que escolhem ficar com o apelido do a filha de um Sousa e de uma Silva se
“Depois de muita amável persuasão marido, com o da mulher ou que poderia passar a chamar “Silvousa”.
o Estado irlandês concordou com a criam um apelido hifenizado. Seja Porém, se fosse português, Paddy te-
fusão de Cosgrave com Dinsmore como for, esta é outra opção que não ria de equacionar outro nome: “nu-
para o nosso primeiro filho: Cloud FORAM PRE- implica qualquer malabarismo legal.” vem” não está na lista de elegíveis
Cosmore”, publicou agora Paddy na CISOS CINCO A alternativa accionada pelos irlan- disponibilizada pelo registo civil e a
sua página de Facebook. “Nunca MESES DE deses – que convenceram os respon- composição de apelidos por agluti-
gostei da ideia de os meus filhos BUROCRA- sáveis de que a aglutinação é tão le- nação não está prevista na lei nacio-
adoptarem o meu apelido, como CIA PARA gítima como o hífen na obtenção de nal. “Entre nós, como em muitos paí-
manda a tradição em grande parte do TER AUTORI- um apelido composto –, poderia ori- ses, os filhos repetem alguns ou todos
mundo. Nem que a Faye o adoptasse. ZAÇÃO PARA ginar novos apelidos em Portugal, um os apelidos dos pais. Querendo, po-
Implica uma certa forma de proprie- O APELIDO país há muito dominado pelos Silvas, dem retomar apelidos de antepassa-
dade sobre a mulher, de um tempo COSMORE Santos e Pereiras. Uma ligação entre dos, fazendo prova por certidão de

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com as invasões bárbaras, que prati-

MARCOSMORE camente extinguiu o sistema romano


do nome triplo, limitado à existência
de não mais que 30 nomes próprios.
“A população ibérica estava farta de
chamar aos seus filhos ‘Primus’, ‘Se-
resultante da fusão do seu nome de família cundus’, ‘Quintus’, etc., e quando ou-
o pedido não seria aceite – a lei não prevê. Por TiagoCarrasco viram os lindos nomes que os godos
traziam, tão sonoros, tão exóticos...
não resistiram à tentação de se cha-
marem como eles”, segundo o me-
dievalista Joseph Piel.
CLOUD
= COSMORE QUANDO SE
A terra dos Silvas
Terras,profissõesecredos
Até ao século XII, imperaram identi-
CASAM, A dades de origem visigoda, normal-
MULHER E É o mais comum em mente formadas apenas pelo nome
O HOMEM Portugal e no Brasil próprio. Com a influência árabe, dis-
ESCOLHEM seminou-se o uso do patronímico,
OS APELIDOS Em Portugal, as três primei- anunciado pelo termo iben (filho de).
QUE QUEREM ras posições são para os Silva, E nasceram Benavides, filhos de Vi-
USAR – E A Santos e Pereira. Silva é das, Venegas (Viegas), filhos de Egas.
SUA ORDEM também o apelido mais usado Este modelo ainda é dominante não
no Brasil. García é o apelido só no mundo árabe, como em países
mais comum em Espanha, com eslavos, como a Rússia, e escandina-
mais de 3 milhões de registos. vos, como a Suécia e a Islândia.
O mais comum no mundo? Após um período anárquico, a par-
Li ou Lee: mais de 100 milhões tir do século XVI começaram a defi-
de chineses, vietnamitas e nir-se nomes dinásticos, que ainda
coreanos têm este apelido. hoje prevalecem em Portugal através
das referências mais óbvias: nomes
Regras das terras e do pai, elementos da
Em Portugal, o Natureza, alcunhas, profissões e de-
nome completo nas o do marido (pode conservar o voções religiosas. Os filhos de Mendo
deve ter, no má- de família para fins profissionais), em nasciam Mendonças, os que eram
ximo, quatro Portugal há duas possibilidades le- conhecidos como grilos, Grilos fica-
apelidos e dois gais. A mais tradicional prevê que a vam, Ferreiro eram os que trabalha-
nomes próprios. mulher adicione aos seus apelidos os vam o ferro. E assim é em quase todo
Se tiver “e” ou nomes de família do cônjuge, que fi- o Ocidente – os Smith ingleses são
“de” no meio, cam no fim. “É uma solução mais descendentes de ferreiros e os Martin
contam como igualitária que a francesa ou a ingle- franceses filhos de um Martinus.
apenas um sa, na medida em que todos os apeli- Nos EUA, no Brasil e em vários
dos estão presentes”, diz Ivo Castro. países africanos e asiáticos, a pa-
que têm direito a eles. Podem manter “Mas há uma possibilidade recente nóplia é mais alargada. “São países
grafias antigas, se for uso na família”, que é a mais equilibrada de todas: no muito mais populosos que Portu-
explica Ivo Castro, professor de Lin- casamento, tanto a mulher como o gal, com muito mais nascimentos e
guística na Faculdade de Letras da homem podem escolher os apelidos um multiculturalismo mais acen-
Universidade de Lisboa. “Mas criar que passam a usar e a ordem de tuado, ou seja, com mais pessoas
um vocábulo artificial, que não é cada um. Deste modo, o casal pode de outros países a trazerem novos
idêntico ao de qualquer ascendente,
não seria admitido.”
18%
das pessoas
passar a usar absolutamente os mes-
mos apelidos, e assim os transmitirá
nomes, que adaptam ou não à lín-
gua do seu país de acolhimento”,
O artº 103 do Código de Registo Ci- partilham o aos filhos.” Nos casais homossexuais, diz Graça Rio-Torto, professora de
vil garante, não obstante, o princípio mesmo apelido aplica-se esta última regra: quando Linguística da Faculdade de Letras
de igualdade ao casal: ao passo que na Coreia do se casa, o par escolhe os apelidos de Coimbra, que se diz favorável a
na maioria dos países da Europa Sul. Há 9 que usará e passará aos filhos. todo o tipo de invocações onomás-
Central, como em Inglaterra, França milhões de Kim A onomástica está intimamente li- ticas que respeitem os padrões lin-
ou Alemanha, a mulher abandona o em 50 milhões gada à história dos países. Em Portu- guísticos do idioma – inclusive a
seu apelido de solteira e abraça ape- de habitantes gal, a primeira grande ruptura deu-se proposta de Cosgrave. W

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Família

TERAPIA. CRIAR AS CONDIÇÕES IDEAIS PARA SER MÃE

GRÁVIDASQUE
SERESOLVEM
NODIVÃ
Cada vez mais mulheres procuram ajuda psicológica
pré-maternidade. Por ansiedade, depressão e por
quererem ser mães perfeitas. PorLucíliaGalha

momento com que so- de). “A preocupação

O nhava há tanto tempo não


foi tão feliz como planea-
ra. Aos quatro meses de
gravidez, Isabel Costa, hoje com 39
anos, sentia-se constantemente an-
Em alguns
casos há um es-
tigma de procu-
rar terapia na
gravidez porque
dela era que a ansie-
dade prejudicasse a
bebé em termos físicos e
emocionais”, explica a psicóloga
clínica Bárbara Ramos Dias, que a
siosa, às vezes tinha ataques de pâ- este período é acompanhou. A terapia deu resulta-
nico e palpitações. Cerca de seis tido como ideal- dos, mas a ansiedade da mãe acabou
anos antes sofrera um aborto es- mente o mais de alguma forma por se reflectir: a
pontâneo às seis semanas; assim feliz na vida de bebé, agora com 9 meses, é calma e
que engravidou, a sua relação pio- uma mulher muito sorridente mas passa noites
rou e tinha discussões constantes inteiras acordada.
com o marido – chegou mesmo a Assim como se olha para a dieta e
separar-se, aos seis meses de gesta- para o estilo de vida de uma mu-
ção. “Sempre que se aproximava a lher grávida, fará sentido adicionar
hora de ele chegar a casa perdia o a terapia aos cuidados pré-natais?
fôlego, e era capaz de ficar nesse es- Um estudo recente publicado na
tado a noite inteira”, conta à SÁBA- revista científica Psychological
DO. Não estava preocupada com Science aponta nesse sentido. In-
ela, mas com a bebé. “Os médicos vestigadores da Universidade da
acreditam que transmitimos tudo Califórnia, EUA, concluíram que o
para eles e eu não queria isso de feto sente o estado psicológico da
maneira nenhuma”, diz. mãe e que, se ela está deprimida,
Decidiu procurar ajuda. Fez con- isso vai afectar o desenvolvimento
sultas de psicoterapia, uma vez por UM ESTUDO do bebé depois de nascer.
semana (no fim até duas), durante DA UNIVER-
mais de metade da gravidez. As ses- SIDADE DA Como ter um bebé zen
sões consistiam em reflexologia fa- CALIFÓRNIA Isabel Costa não é caso único. “Hoje
cial (técnica de estimulação facial), CONCLUIU fazem-se cada vez mais estas con-
exercícios de relaxamento, que re- QUE O FETO sultas pré-natais. Há quase uma ne-
produzia de manhã e à noite em SENTE O ES- cessidade de a mulher criar as con-
casa, e psicodrama (em que através TADO PSICO- dições ideais para ser uma boa mãe.
de um jogo teatral trabalhava as si- LÓGICO DA Começa a falar-se dos filhos antes
tuações que lhe causavam ansieda- MÃE de eles terem nascido”, diz Bárbara

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Lá em casa tudo bem

O
Dulce Garcia
Subdirectora

Os ricos não vão


para o céu, e
então?
– Tu já viste as tiradas do Papa
Francisco? Agora veio dizer
que é melhorser ateu do que ca-
tólico hipócrita.
– Pois eu acho que tem muita ra-
zão. Já dizia a minha avó que não
serve de nada andar a beber água
benta para depois destilar raiva.
O que não falta para aí é gente
que consome missas como quem
chupa rebuçados e mal põe o pé
no adro da igreja já está a tratar os
j Ramos Dias. Segundo a especialista, outros abaixo de cão.
Outra das angús- existem muitas mulheres a procurar – Isso já dá multa.
tias da gravidez e
que também pode ajuda psicológica até antes de engra- – O quê?
levar à terapia é o vidar, no sentido de se resolverem – Tratar mal os cães. Não sei se
medo de a mãe antes de serem mães. foi coisa do PAN ou do Presidente
não ser capaz de
se ligar ao bebé Os motivos não são apenas ansie- Marcelo, mas parece que saiu
dade ou depressões. Também há uma lei que põe essa gente na ca-
quem procure a perfeição e queira deia. Bandidos.
fazer tudo by the book– como – O Papa também falou nos ban-
aquelas mulheres que querem ser didos. Disse que escusam de an-
perfeitas e então fazem ioga, Pilates, dar agarrados ao terço de manhã
reflexologia e psicoterapia, etc. –, e à noite se depois não pagam aos
Estratégias quem não saiba dizer não e queira empregados, enganam o próxi-
para gerir a mudar antes da maternidade. “Faz mo e e andam metidos em negó-
sentido: ‘Se não consigo dizer não a cios sujos.
ansiedade ninguém como vou conseguir dizer a – Ele se calhar já anda a preparar
Relaxamento um filho?’”, descreve. o discurso que vai fazer em Fáti-
Exercícios de A psicóloga clínica seguiu o caso ma porque uma pessoa abre os
respiração aju- de uma grávida que tinha grandes jornais e só vê golpadas e negó-
dam a baixar a discussões com a sogra – não que- cios obscuros. Dizem que o por-
tensão arterial ria que ela interferisse na educação tuguês é poucochinho de cabeça,
do seu filho quando nascesse. Era a mas tu já viste a quantidade de
Alimentação mulher que tinha problemas de espertos que andam a enriquecer
Alimentos ansiedade, mas o marido também à nossa custa?! Alguns até têm ca-
como brócolos frequentou a terapia. “Começaram pelinha em casa.
e bananas são logo no início da gravidez e vinham – Há coisas que eu não percebo.
anti-stress todas as semanas, sempre os dois. Jesus já dizia aos colegas que é
O marido inclusive aprendia tudo mais difícil um rico ir para céu
Exercíciofísico para depois fazer com ela em casa”, do que um camelo passar pelo
Eleva a conta. Até na véspera do parto, que fundo de uma agulha. O que é
produção de foi agendado, a mulher fez questão certo é que de lá para cá, nin-
serotonina, que de aparecer. Parece ter resultado: guém fez nada. W
aumenta a sen- o rapaz é um verdadeiro bebé zen,
sação de prazer assegura a psicóloga. W

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Social

ESPANHA. CARREIRA RELANÇADA DEPOIS DA PRISÃO

ISABELPANTOJAVOLT
Passado mais um episódio trágico na sua vida, a reina dela copla reapareceu. Está mais magra,

estida de preto, olhar fir-

V me, com uma mão no


peito e a outra no micro-
fone, começou por
anunciar: “Continuo aqui.” As 10
mil pessoas que estavam no Palá-
cio dos Desportos, em Madrid, gri-
taram o seu nome. Depois de dois
anos de silêncio, o espectáculo de j
Isabel Pantoja, no dia 11, não de- Isabel Pantoja no
seu regresso aos
fraudou as expectativas. Acompa- espectáculos, no
nhada por uma orquestra de uma passado dia 11,
centena de músicos, a reina de la em Madrid
copla cantou durante mais de três
horas, numa noite de emoções.
Uma semana antes, numa espécie
de teste de popularidade, a artista
deu a sua primeira entrevista à tele-
visão depois de ter saído da prisão,
em Março de 2016. O programa
onde isso aconteceu, El Hormiguero,
alcançou um recorde de audiência
– 4,8 milhões de pessoas – o que
prova a curiosidade dos espanhóis
em rever la tonadillera, como a can-
tora é conhecida pelo seu estilo mu-
sical. Animada e descontraída, Pan-
toja cantou dois temas e preparou
um gaspacho. Na conversa, a única
referência que fez ao tempo que
passou na cadeia de Alcalá de Gua-
daíra, em Sevilha, e aos meses de li-
berdade condicional, foi para falar,
com uma voz embargada, de “dois
anos difíceis, intensos e dolorosos”.

Polémicasetragédias
Com 60 anos, e 40 de carreira, a
vida de Isabel Pantoja tem sido
marcada por polémicas e tragé-
dias. Esta foi a sua segunda retira-
da por um longo período. A pri-
meira foi quando ficou viúva, nos
anos 80: o marido, Francisco Ri-
vera, Paquirri, morreu com 36
GETTY IMAGES

anos na praça de Pozoblanco, em


Córdova, colhido por um touro, no
dia 26 de Setembro de 1984. Du-

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AEMAPOTEOSE
rejuvenescida e triunfante. Viu uma plateia de 10 mil pessoas a gritar o seu nome. PorSóniaBento

(Kiko) Rivera com Irene Rosales, no DEPOIS DE nunca venderia aquela propriedade,
O casamento do ano início de Outubro passado. Posou VENDER até porque 53 por cento são dela e o
Acantorae o toureiro mais para um exclusivo da Hola!, cantou e QUASE resto do filho, só que também ele
famosos daépocacasaram-se lembrou que só lhe faltava um mês e TODO O SEU tem uma avultada dívida de impos-
meio para voltar a ser livre. Na ver- PATRIMÓ- tos. Aos 33 anos, Kiko, mais conhe-
Paquirri era casado e tinha dade, faltava menos: a 28 de Outu- NIO, VIVE cido por Paquirrín, nunca teve pro-
dois filhos pequenos quando se bro a pena foi dada por cumprida. NUM APAR- fissão e viveu sempre à custa da
envolveu com Isabel Pantoja. Di- TAMENTO mãe. Participou em reality shows e
vorciou-se e casou-se com a Doismilhõesdedívidasaofisco DE TRÊS tornou-se cantor e DJ. A reina de la
cantora, a 30 de Abril de 1983. Um mês depois, lançou o disco Has- ASSOALHA- copla tem outra filha, Isa, que adop-
Foi, então, “o casamento do ta que Se Apague el Sol, que havia DAS tou no Peru, em 1996, e a quem deu
ano”. Nove meses gravado no México, no Verão de EM MADRID o seu próprio nome, Maria Isabel.
depoi, nasceu Fran- 2014. Em dificuldades, Pantoja teve Isa tem sido igualmente uma fonte
cisco (Kiko Rivera), de desfazer-se de quase todo o pa- de problemas para a mãe: aos 18
o primeiro e único trimónio, que chegou a estar avalia- anos, teve um filho e a sua instável
filho do casal mais do em 10 milhões de euros. Foi o vida amorosa leva-a com frequên-
famoso dessa dé- caso da mansão em La Moraleja, cia às capas das revistas.
cada em Espanha. uma das zonas mais exclusivas de Isabel Pantoja escolheu Madrid
Madrid, que vendeu muito abaixo para encerrar um dos piores capítu-
do preço de mercado. Liquidada a los da sua vida e refazer a sua roti-
multa, a artista tem ainda uma dívi- na. Alugou um apartamento de três
rante um ano, Isabel, então bapti- da ao fisco de quase 2 milhões de assoalhadas no centro da cidade,
zada pela imprensa como “viúva euros, o que a obrigou a pôr à venda junto ao Parque do Retiro, onde
de Espanha”, recolheu-se com o La Cantora, pela qual pede 7 mi- vive com a mãe e o irmão Agustín,
filho bebé na quinta La Cantora, lhões de euros. Ela sempre disse que que também é seu agente. À porta
uma propriedade de 500 hectares 1 há sempre um ajuntamento de pa-
que o marido lhe deixou, em Cá- Em 2013, des- parazzi e de fãs, que vão dar
diz. A ausência tornou-a desejada. maiou ao sair apoio, oferecer presentes e até di-
Quando regressou, em 1985, Mari- do tribunal que nheiro das suas poupanças à diva
a condenou
nero de Luces, o disco- homena- em dificuldades.
gem a Paquirri, vendeu um milhão 2 Neste regresso, não passou des-
de exemplares, tornando-a a ar- Pantoja no percebida a mudança de imagem
programa El Hor-
tista mais bem paga de Espanha. da cantora que tantas vezes teve a
REUTERS

miguero – quase 5
Em 2013, Isabel Pantoja foi conde- 1 milhões viram Rainha Sofia na plateia dos seus
nada a 24 meses de prisão e a uma espectáculos. Além de ter perdido
multa de 1,14 milhões de euros por bastante peso, o seu rosto está re-
branqueamento de capitais, no âm- juvenescido. Os especialistas ga-
bito da operação Malaya – um me- rantem que la tonadillera
gaprocesso de corrupção imobiliária, aplicou botox, para tirar os pés
que envolveu também Julián Muñoz, de galinha, ácido hialurónico, para
o ex-autarca de Marbelha com quem harmonizar o nariz, e fez um en-
viveu durante seis anos, e que conti- chimento nos lábios. Uma questão
nua na cadeia. Isabel foi presa a 21 que jornais e revistas de Espanha e
de Novembro de 2014 e saiu em li- da América Latina vão continuar a
berdade condicional a 2 de Março do debater: depois do triunfo em Ma-
ano passado. Desde então viveu re- drid, a cantora seguiu em tournée:
colhida em La Cantora. Só apareceu primeiro Chile, depois Peru,
2
D.R.

no casamento do filho, Francisco Colômbia e Argentina. W

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Desporto

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2 MARÇO 2017
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Entrevista
PATRÍCIAMAMONA
Três dias antes de partir para Belgrado, onde vai disputar os
Europeus de Pista Coberta (3 a 5 de Março), a campeã do triplo
salto falou à SÁBADO dos objectivos para 2017 e até abordou
o pós-carreira: poderá ser médica, fazer próteses ou dedicar-se
à televisão. E quer ser mãe depois dos Jogos Olímpicos
de Tóquio 2020. PorCarlosTorreseAlexandreAzevedo(fotos)

“Num bom
saltonãosinto
dores, nãosinto
nada. Ficonum
modozen”

spera, espera!”, exclama Pa- j A melhor classificação que tive num



E trícia Mamona, enquanto
pede um lenço. É assim vá-
rias vezes durante a sessão
fotográfica na praia de Carcavelos
(Cascais). Por causa do vento forte, a
Patrícia Mamona,
28 anos, a voar na
praia. O seu recor-
de é de 14,65 me-
tros, mas espera
ser a primeira a
passar os 15 metros
Europeu de Pista Coberta foi um 5º
lugar, se ficar em 4º já fico contente.
As medalhas são importantes, e
tenho essa expectativa, mas tudo se
resume a um dia bom, a um bom sal-
atleta começa a chorar devido à areia to, e pode acontecer a qualquer uma.
que lhe vai para os olhos. Já mais res- Em 2016 ganhou amedalhade
guardada, sentada numa esplanada, ouro nos Europeus de Amesterdão
fala à SÁBADO sobre vários temas: os (arlivre) e foi 6ª nos Jogos Olímpi-
Europeus desta semana; os piropos F cos. Foi o melhorano dasuavida?
nos Jogos Olímpicos do Brasil; a ma- “Gosto de Sim, definitivamente. Foi uma sur-
neira como em criança enganou os ouvirum presa, porque antes dos Europeus es-
pais para se dedicar ao atletismo; e piropo, mas tava em 2º no rankingnacional, atrás
até a polémica mudança de Nelson não ligo da Susana Costa. Mas sabia que podia
Évora do Benfica para o Sporting. muito. Pro- ter um bom resultado, porque estava
curo inspirar a treinar bem. Comecei a prova a
Este ano jáganhou o campeonato as pessoas saltar 13,90 metros e acabei com
nacional e o circuito mundial in- pelo que faço, 14,58 metros. Foi espectacular.
door. Não conseguiro ouro nos Eu- não porser Nos Jogos Olímpicos do Rio de
ropeus indoorseráumadesilusão? bonita” Janeiro ouviu piropos e até a Q

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Desporto

Q pediram em casamento. Como h


reage a esse seu lado de sexsym- A atleta do Spor-
ting diz que conse-
bol? Gosta ou fica incomodada? gue viver só do
Às vezes gosto de ouvir um piropo, atletismo. “Sou
mas não ligo muito. Se um dia conse- campeã da Euro-
pa, tenho alguns
guir fazer uma grande marca, ganhar patrocínios. Mas é
uma medalha nos Jogos Olímpicos, complicado, anda-
isso sim, vai deixar-me feliz. Procuro mos sempre a
contar os tostões”
inspirar as pessoas por aquilo que
faço, não por ser bonita. Embora sai-
ba que ser a Mamona gira também
ajuda, cativa o público para o atletis-
mo, que é uma modalidade que ain-
da não é profissional e que precisa de
ter nível mediático.
Tem essapreocupação de não ser
13.º
lugar
só ameninabonitado atletismo? Essa foi a sua
Sim. Quero é ficar conhecida como a melhor classifi-
Patrícia que foi campeã nacional, que cação num Mun-
saltou mais de 14 metros pela primei- dial. No próximo,
ra vez em Portugal, que fez mais de em Agosto, quer
15 metros – que é o próximo objecti- melhorar. “Espe-
vo –, que foi a primeira a ganhar uma ro chegar à final
medalha olímpica. Esses recordes é (12 primeiros) e
que ficam para a história. depois seja o
Como é asuarotinade treino? que Deus quiser”
Agora que estou a competir é um bo-
cadinho diferente. Não convém can-
sar muito o corpo, e treino só uma
vez por dia. Antes treinava duas ve-
zes, das 10h às 13h, depois fazia recu- os saltos, a resistência, sprints de nomia do meu corpo também não
peração até às 14h, almoçava, dor- 100 e 200 metros… ajuda, porque não sou alta [1,66 me-
mia, porque estava muito cansada, às Nos treinos, medem os saltos? tros], não sou muito magra, como são
17h retomava os treinos, até às 20h, Não há necessidade disso, sabemos as triplistas de base, e isso obriga-me
depois recuperação até às 21h, ia mais ao menos onde é que está a a desenvolver um trabalho adicional.
para casa jantar, descansar, ver umas marca. O treino é importante para Já faço atletismo há 18 anos e triplo
séries ou uns filmes para relaxar, e Mudança corrigir a técnica. salto há 10 e só agora é que se come-
dormir. Fazia isso todos os dias ex- Nelson Évora ter Mas jácalhou saltarmais nos trei- çam a ver os frutos do trabalho árduo.
cepto ao domingo. Treinava 12 trocado o Benfi- nos do que nas competições? O que é que sente nos saltos?
vezes por semana, o que era puxado. ca pelo Sporting Já, mas é muito raro, porque nos Depende. Às vezes dou impulso com
Agora, os treinos são muito intensos, “é legítimo”. “Os treinos não há pressão. Nas provas é mais força e sinto-me a voar; noutras
mas só duram duas horas e meia por atletas têm de normal exaltar-me e querer mostrar vou a correr mais rápido e parece que
dia. De manhã vou à universidade, e procurar o que que estou bem. Se uma rapariga salta sai tudo de repente. Mas quando o
sábado e domingo, se não estiver a é melhor para mais do que eu, dá-me aquela pica salto é bom não sinto dores, não sinto
competir, gosto de ir ter com o meu eles”, diz Patrícia extra e quero saltar ainda mais. nada. Esses são os melhores: o trei-
irmão ou então vou jantar ou ao Quersaltar15 metros estaépoca? nador diz para eu reter o que fiz e
cinema com o meu namorado. É um objectivo de vida, não sei se não consigo reter nada porque estava
Faz quantos saltos pordia? será esta época. Houve poucas rapa- num modo tão zen que nem me lem-
Háum número limitado? F rigas no mundo que conseguiram bro, tenho de ir ver as filmagens para
Depende, porque no treino não faço “Ia para os ultrapassar essa marca [foram 25], e perceber o que fiz. Fico em piloto au-
só triplo salto. Faço preparação físi- treinosedizia conseguir ficar no melhor ranking tomático, já foi tudo tão treinado que
ca geral, para dar força e estabilida- aosmeuspais mundial de sempre será espectacular. nem me recordo de nada.
de ao corpo. Quando é a altura de queiaestudar Mas ainda estou longe de lá chegar. O Qual foi o seu primeiro desporto?
simular uma prova faço no mínimo para casa de meu recorde [e de Portugal] é de Comecei no desporto escolar, e a
seis saltos. Mas só treino o triplo uma amiga. 14,65 metros. E nesta altura, conse- seguir a um corta-mato da escola, no
salto duas vezes por semana. Por- Um dia, iano guir aumentar um centímetro já é 5º ano, convidaram-me para ir para
que o treino é muito envolvente: comboio sem bastante difícil. É tudo uma questão o JOMA (Juventude Operária de Mon-
tens de ser rápido, tens que ganhar bilhete e fui de detalhes, da maneira como estico te Abraão, em Sintra). A partir daí co-
força… É preciso treinar várias áreas: apanhada” o braço, como dou impulso. E a fisio- mecei a fazer as várias disciplinas do

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Cantinho do Tovar

F terra. O resto da família juntou-se a


“Como ele mais tarde. Eu fiquei, por causa do
comeceia atletismo e para terminar os estudos.
ganhar, as O seu apelido, Mamona, levou a
pessoas que fosse gozadanaescola?
faziam Um bocadinho, mas nem ficava irri- O
trocadilhos tada, apenas virava costas e ia-me Rui Miguel Tovar
Jornalista
com o nome: embora. E como comecei a ganhar,
Com o pai, Patrício, ‘A Patrícia as pessoas até brincavam e faziam
e com o primo Dadino. A família mama os trocadilhos, tipo: “A Patrícia mama os
Uh la la, Benfica
vive em Inglaterra e Patrícia vai lá
regularmente. Mas não gosta do
prémios prémios todos.” Mas ainda me lem- em Dortmund
país – “tem um clima deprimente” todos’” bro de perguntar ao meu pai porque
é que tinha este nome e de ele me É a segunda eliminatória da
explicar que é angolano e significa vi- Taça dos Campeões 1963-
atletismo: saltos, corridas longas e sionário. O meu pai é do Uíge e o 64. Ao Benfica, calha em sor-
curtas, barreiras, lançamento do dar- nome é da língua da tribo dele. te os alemães do Borussia
do e do peso. Só com 21 anos é que Com 17 anos ganhou umabolsae Dortmund. Na Luz, até o árbi-
decidi dedicar-me em exclusivo, e foi estudarMedicinaparaos EUA. tro francês Pierre Schwinte
profissionalmente, ao triplo salto. Como surgiu essaoportunidade? está espantado com a falta de
Os seus pais apoiavam-na? Tive boas classificações nos mundiais sorte. “Foi um jogo inesquecí-
Na altura vivia em Agualva, e foi fá- EUA de juvenis e juniores e recebi convi- vel, nunca me tinha aconteci-
cil ir para o JOMA porque era perto, Viveu lá cinco tes de várias universidades – fui para do isto. Tenho penado Benfica,
eram só duas estações de comboio. anos. Podia ter- a de Clemson, na Carolina do Sul. dos jogadores e dos seus adep-
A questão é que fui para lá sem au- -se naturaliza- Tem 28 anos, achaque poderáiràs tos. Seis bolas ao poste deve
torização dos meus pais – dizia-lhes do? “O meu trei- duas próximas Olimpíadas? serdifícil de digerir.” Pois é, seis
que ia estudar para casa de uma nador mandou Faço conta de estar em Tóquio 2020. bolas ao poste.
amiga. Um dia, já lá andava há dois uns bitaites, mas Espero já ter acabado o curso e estar O Benfica ganha 2-1, golos
ou três meses, ia no comboio sem nunca me senti a preparar o pós-carreira. Quem sabe de Simões (47’), Wosab (53’) e
bilhete e fui apanhada. Tinha 13 americana” se não me apaixono pela televisão e Eusébio (67’), mas sofre como
anos e a minha mãe teve de me ir sigo a carreira da comunicação ou da nunca. Até ao intervalo, Eusé-
buscar à esquadra. Os meus pais publicidade. Ou vou ao Comité Olím- bio atira duas vezes à barra e
não reagiram lá muito bem, a minha pico dizer que quero fazer próteses Simões acertano poste. Nase-
mãe tinha receio que eu deixasse de para os atletas paraolímpicos – é gunda parte, entre o 1-0 e o 1-
ter boas notas na escola. Mas isso possível pelo curso de Engenharia 1, José Augusto remataao pos-
não aconteceu, comecei logo a ga- Biomédica. Também posso voltar a te. Depois do 2-1, Eusébio e
nhar campeonatos e eles pensaram: estudar Medicina – infelizmente não Serafim fixam em seis o novo
“Calma lá que a nossa filha é muito j me deram equivalência dos quatro número do azar. José Augusto
boa nisto.” Sentiam-se orgulhosos, Com 17 anos foi anos que fiz nos EUA. ainda se lembra dessa noite.
e hoje são os meus fãs nº 1. estudar Medicina Gostadaáreadacomunicação? “Foi terrível, parecia que eles
para os EUA. Em
O que faziam os seus pais? Portugal não lhe Sim, tem-me agradado a experiên- tinham encolhido a baliza. E o
A minha mãe trabalhava no hospital deram equivalên- cia no Fama Show [SIC] e tenho pior foi lá, na Alemanha.
como auxiliar de enfermagem e o cia e inscreveu-se aprendido muito. É uma área a ex- Aconteceu o contrário: cada
em Engenharia
meu pai estava na IBM. Quando eu ti- Biomédica. Está plorar, não só o facto de ser apre- remate deles era golo.” O ex-
nha 13 anos ele emigrou para Ingla- no 3.º ano sentadora mas perceber como é que tremo refere-se ao 5-0 de
a televisão funciona. Dortmund, numa noite em
Sermãe estános seus planos? que o Benfica joga sem Costa
Sim, mas ainda não estou preparada. Pereira, Germano e Eusébio.
Ficaráparadepois dacarreira? “Não há nenhuma equipa
Espero que não, porque o pós-gravi- imbatível”, continua José Au-
dez até dá um boostde hormonas, e gusto. “A regra é haver um
quem sabe se assim não consigo me- descalabro e foi isso que se
lhores marcas. Mas não quero trazer passou em Dortmund.” Ao in-
uma criança ao mundo sem ter uma tervalo, 3-0 com três golos
vida estável. Depois de Tóquio 2020, seguidos (34, 35 e 36 minutos).
se já tiver o curso acabado se calhar Na segunda parte, mais dois
será boa altura para constituir família, (47’ e 58’) e nenhuma bola ao
com 31 ou 32 anos, mesmo que possa poste ou à barra. W
prosseguir a carreira mais algum tem-
po, talvez até aos Jogos de 2024. W

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Opinião 2 MARÇO 2017
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PARECE QUE
FOI ONTEM
“Ninguém ganhou a última
guerra nem ninguém ganhará
a próxima” – Eleanor Roosevelt
(1884-1962), ex-primeira-dama
dos Estados Unidos

jgi
1 de Março de 1941: os meus
pais, Vitalina e António,
casavam-se em Lisboa. E

Um barco, ficaram casados... 68 anos!

uma guerra
e um
casamento
A 28 de setembro de 1940, o meu
pai, que prestava serviço militar na
Marinha, enviou do Funchal, de bordo
do contratorpedeiro Douro, um postal bem e a cerimónia realizou-se a 1 de dafuturavindaao Mundo do escriba.
para a minha mãe, em Lisboa, no qual março de 1941, na igreja de Santa Tomei consciência desses anos difí-
escrevia: “Afinal, houve paquete para Catarina, em Lisboa, na calçada do ceis, ou melhor, ainda mais difíceis
levar o correio antes do que se espe- Combro, perto do Chiado, numa rua porque toda a década de 40 foi má,
rava. Mas ainda te não posso dizer que tinha imensas sapatarias – hoje, através dos relatos do meu pai, que fa-
nada a respeito do movimento do na- não resta uma! lavacom reverênciado seu contrator-
vio”. Eram momentos de incerteza, O espetro daguerracontinuariapre- pedeiro – de cujo convés se atiravam à
estava-se em plena Segunda Guerra sente na vida dos meus pais, que só água, com uma corda atada à cintura,
Mundial e o receio de que Portugal em 1945, após o armistício, começa- os marinheiros que não sabiam nadar.
pudesse vir a participar no conflito ram a tratar do aumento da família e Um dia, ingenuamente, perguntei-lhe:
não se dissipava. Por outro lado, os “E se aparecesse um submarino ale-
meus pais tinham casamento aponta- i mão, vocês afundavam-no?” Arespos-
do para daí a meses e pairava a dúvi- Setembro de 1940: atracado ta retrata uma época: “Bem, isso seria
no porto do Funchal, o
da sobre a sua realização. contratorpedeiro Douro complicado. Só para pôr o barco a na-
Felizmente, tudo acabou por correr aguardava ordens de Lisboa vegareram precisas duas horas...” W

C g
Ex-director Record
1 de março de 1942: há 75 anos, no
Alexandre primeiro aniversário do casamen-
Pais to, o meu pai enviava um telegra-
www.alexandrepais.pt ma de bordo do Douro

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edp.pt

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Opinião 2 MARÇO 2017
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mos 34,7% do PIB em contribuições e deira) é no fundo um offshore, de resto


JUÍZO FINAL impostos, proeza que bateu o recorde instrumento hoje vital para as trocas
O problema é que, mesmo anterior e projecta um futuro radioso. comerciais e não um sintoma de de-
quando a presunção é hipotética O nome não mente: a Monocle é um gradação moral.
ou falsa, os offshores evocam bocado zarolha. O problema é que, mesmo quando a
dinheiro que escapa ao controlo Pior ainda, a nossa orgulhosa pátria presunção é hipotética ou falsa, os
pleno da oligarquia estárepletade zarolhos assim, uns por offshoresevocam dinheiro que esca-
infortúnio, outros por vocação, e ne- pa ao controlo pleno da oligarquia.
nhum com o sentido estético dapubli- Aliás, na perspectiva dos utilizadores,
cação britânica(aelite daqui exibe pê- a sua função é essa, prevenir que o
los nas orelhas). Se restavam dúvidas, ganho de uns não seja inteiramente
estas dissiparam-se com aerupção do devorado pelos que ocupam o Estado
caso dos 10 mil milhões em offshores. ou vivem a roçar-se nele: a inveja é o
“Erupção” é maneira de dizer, já que o real motor da História. Na perspectiva
“escândalo” fora divulgado um ano dos “ofendidos”, o recurso ao fantas-
O antes sem reacção palpável – eviden- ma dos offshorespermite alertar para
temente porque à época não havia roubos imaginários enquanto se co-
Em terra umatrapalhadaequivalente àdaCGD
para remover das notícias. “Caso”
metem os autênticos.
Chegou então o momento de res-
de zarolhos também é força de expressão, já que
uma pessoa lê as pessoas que perce-
ponder à pergunta que dilacera inú-
meras almas: como (simularvoz cons-
AMonoclelembra-me a actriz Ashley bem do assunto e não consegue ga- ternada) é sequer possível comparar a
Judd: bonitinhano invólucro, maluquita rantir qualquer ilegalidade. Acontece “fuga” de 10 mil milhões com os SMS
no conteúdo. No último número, a re- que, mal ouvem falar em offshores, os do dr. Centeno? Não comparo. Em
vista dedica 64 páginas de louvores a serviçais da oligarquia indígena desa- princípio, a primeira situação não es-
Portugal e conclui sermos “umanação tam a presumir, ou a fingir que presu- conde grande drama, excepto o desti-
orgulhosae prontaparao investimen- mem, crimes monstruosos. no que os legítimos proprietários de-
to”. Aparte do orgulho nemcomento. A Convém notar que o problema não ram às respectivas verbas. Em princí-
parte do investimento também não, e são bem os offshores. Com frequência, pio, a segunda situação é só a superfí-
deixo o comentário àFEE, Foundation os serviçais em causa estão directa ou cie da folia praticada a coberto da
for Economic Education, que fez as indirectamente ligados aoffshoresnas CGD, e do destino que proprietários
contas ao fisco e concluiu sermos, ao avenças que recebem, nas compras ilegítimos deram a verbas alheias. Ad-
lado da Bélgica e depois da Suécia, o que fazem, se calharaté nas contas que mitindo que do princípio à realidade
segundo lugardo Ocidente onde quem abrem e de certeza nos interesses que vai alguma distância, investigue-se
manda mais castiga a iniciativa de apoiam. Não admira, visto que uma ambas as situações e digam coisas,
quem obedece e melhor constrange o parcela considerável dos países do emborase adivinhe que se investigará
sucesso económico. Em 2016, pagá- mundo (Portugal incluído graças àMa- pouco e diránada. W

O O O
O bom O mau O vilão
Um imperativo conxitusinal La La Land Pluralidade
Saber português vai deixar de ser Nem sei quantas palavras poderia Recentemente, garantiram-me que
critério de aquisição da nacionali- escrever sobre os Óscares. Talvez o dr. Louçã sabe umas coisas de
dade. Com um único gesto, abate- duas: não vi. Nos últimos anos, salvo Economia, e que as alucinações in-
-se a cansativa frase de Fernando a ocasional fita decente, o que me fantis que profere em público são
Pessoa e justifica-se o linguajar do chega do cinema são as fitas inde- apenas para consumo de fanáti-
primeiro-ministro. É, porém, redu- centes protagonizadas pelas “estre- cos. Até por experiência própria,
tor atribuir apenas ao dr. Costa a las” em cartaz. “Hollywood” desatou eu sabia que o dr. Louçã mente so-
responsabilidade pela abertura a levar-se a sério e perdeu a piada bre tudo à sua volta. Aprendi que
em causa. Liga-se a televisão, toda. Aquela gente convenceu-se também mente a si próprio. Resta
abre-se os jornais, espreita-se as de que lhe compete esclarecer as apurar se no Banco de Portugal te-
ditas redes sociais e fica-se fasci- massas em vez de se limitar a entre- remos o académico que vive neste
nado pela tortura a que a língua é tê-las. O resultado do delírio nota-se mundo ou o populista que afirma
incessantemente sujeita. Ou nem no lixo em que participam e atinge desejar outro, cheio de unicórnios,
O isso: de facto, o que hoje espanta o clímax na celebração anual, que igualdade e campos de reeduca-
Sociólogo é ver alguém exprimir-se em por- voltarei a ver quando atribuírem o ção trotskistas. Entretanto, há que
Alberto tuguês razoável. Exigir o mesmo a prémio para o Maior Pedante. Mas nomear Ferraz da Costa para a di-
Gonçalves estrangeiros seria pura xenofobia. percebo a dificuldade na escolha. recção do BE a bem da pluralidade.

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