A Questão Do Humano: Entre O Humanismo E O Pós-Humanismo: Resumo
A Questão Do Humano: Entre O Humanismo E O Pós-Humanismo: Resumo
A Questão Do Humano: Entre O Humanismo E O Pós-Humanismo: Resumo
RESUMO:
No registro do contexto tecnocientfico contemporneo o outrora insuspeito
antropocentrismo ontolgico que embasou a concepo humanista de
homem parece vacilar. O objetivo deste artigo expor alguns elementos e
direcionamentos importantes para a compreenso do modo como o
pensamento ps-humanista, que rene intrpretes deste contexto, rearticula
os termos da pergunta antropolgico-filosfica acerca do entendimento das
noes de humanidade e de ser humano.
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Mestre em filosofia pela Universidade Federal de Uberlndia (UFU), Minas Gerais
Brasil. E-mail: [email protected]
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O diagnstico e anlise da amplitude do abismo criado entre as cincias e as humanidades
o tema da obra de Snow (1959), atravs da qual se tornou clebre o conceito de "duas
culturas".
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A famosa passagem de Spinoza, entretanto, visa criticar os insensatos que concebem "os
homens na Natureza como um imprio dentro do imprio" (SPINOZA, 2010, p. 161).
Dessa forma, ele ataca um dos pilares do humanismo moderno.
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Especialmente em relao aos predicados associados racionalidade: linguagem, aptido
para a cultura etc.
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A busca de um princpio metafsico centrado no humano ser elaborada como "eidos" em
Plato, "ousia" em Aristteles, "esse" em Santo Toms de Aquino, o "cogito ergo sum"
cartesiano, o "sujeito transcendental" de Kant, a razo ou o esprito em Hegel e,
segundo Heidegger, a histria desta busca culmina no conceito de "vontade de poder"
nietzschiano. A subjetividade moderna arquitetada por Descartes e fundamentada no cogito
enquanto o primeiro princpio da filosofia (DESCARTES, 1996, p.38), deixa entrever
alguns traos gerais desta "metafsica da subjetividade" aqui tomada como ncleo da
compreenso humanista de ser humano. Segundo esta, o estatuto superior do homem
corresponde sua capacidade de mediar com a realidade externa e transcend-la,
apreendendo-a conceitualmente. Por ser dotado de conscincia e razo, ele se eleva como o
nico ser capaz de representar o mundo de modo exato mediante um espelhamento mental
da realidade, ou seja, atravs da traduo de aspectos do mundo em imagens e conceitos
claros e distintos, universais e apriorsticos. O sujeito, neste sentido, um conceito
filosfico-metafsico que descreve aquele que consciente de seus pensamentos e
responsvel pelos seus atos, pois enquanto senhor absoluto de si tambm o agente e a
unidade substancial qual se remetem todas as suas representaes e aes. Ele uno,
simples, permanente, autorreferenciado. Compreendido nestas bases diz respeito a um
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A obra em questo se chama The third culture: beyond the scientific revolution, e
consiste em uma coletnea de textos sobre Bateson e um posfcio escrito por este.
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Esta declarao foi assinada em 2002, em um encontro de vinte e quatro integrantes da
World Transhumanist Association, organizao mais representativa do projeto
transumanista. "Fundada em 1998 por Nick Bostrom e David Pearce, a associao congrega
atualmente cerca de 15 entidades, possuindo quase quatro mil scios de uns cem pases
(2006), e se prope a servir de plataforma organizacional para os grupos interessados em
promover o ps-humanismo. Existem sees em doze pases e seus quadros incluem
pesquisadores de vrias empresas e sociedades cientficas (...). O objetivo livrar o trans-
humanismo da inconsistncia cultural que, segundo seus crticos, possuiria, promovendo
sua respeitabilidade acadmica, moral e intelectual." (RDIGER, 2007, p.12-13).
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Marvin Minsky, um dos pioneiros da inteligncia artificial, descreve o crebro humano
como uma mquina de carne (meat machine) (CLARK, 2001, p.7, traduo nossa).
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A ideia de que o progresso tecnocientfico nos conduziu a uma situao totalmente nova,
at mesmo potencialmente catastrfica, ou seja, de que estamos na iminncia de passar por
uma mutao radical e violenta, caracterizada pela absoluta sntese entre homem e
mquina, que deixar para trs a humanidade conforme ns a conhecemos, diz respeito a
um conceito central ao pensamento ps-humanista, trata-se do conceito de singularidade. O
momento em que se atualizar a singularidade tecnolgica objeto, atualmente, de vrias
previses. Segundo Kurzweil, A era das mquinas espirituais (2007) corresponde a um
futuro prximo. At o ano de 2045 ser operada a sntese da sensibilidade humana com a
inteligncia artificial. A fuso da alma com o chip de silcio far desvanecer a linha que
separa o homem da mquina, ou a humanidade da tecnologia. Este conceito, por sua vez,
derivado do prognstico de Irving J. Good que em 1965 previu que em algum momento a
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Ora, "se o homem s existe por meio das formas corporais que o colocam no mundo,
qualquer modificao de sua forma implica uma outra definio de sua humanidade", de
forma que "uma desordem introduzida na configurao do corpo uma desordem
introduzida na coerncia do mundo." (BRETON, 2003, p.136).
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A crtica ao antropocentrismo ontolgico do humanismo fundado em uma forma perfeita,
substancial, autoreferenciada, dar-se-, sobretudo, mediante a valorizao da alteridade. O
ps-humanismo revela-se, assim, no como celebrao do humano como senhor e
possessor da natureza, mas como celebrao do papel constitutivo da hibridao na
identidade. Segundo Marchesini, ns realizamos as nossas qualidades nos antropo-
descentrando-nos, isto , assumindo outras perspectivas. De forma que o enfoque
conjugativo do ps-humanismo retoma o carter relacional do humano. Critica-se a ideia de
uma subjetividade normativa, que aponta para um conceito especfico de humano (homem,
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branco, europeu etc.) mergulhado no mito de sua prpria pureza antrpica, i.., separado do
restante da natureza e das outras espcies animais, porque nesta ideia encontramos a base
de toda forma de discriminao. No por acaso, o operador discriminativo sempre apelou
natureza zoomorfa do discriminado: o louco, a mulher, o negro, o ndio, a criana, o
deficiente etc., todos estes representados como animais ou dotados de maior dose de
animalidade (MARCHESINI, 2006, no paginado). Por isso, parte importante do debate
ps-humanista advm de vozes crticas do racismo (BALIBAR), sexismo (HARAWAY) e
especismo (SINGER), dentre outros. Se a crtica ao ideal humanista do homem com nico
protagonista do universo, de fato, puder ser considerada um ncleo de sentido comum ao
ps-humanismo, restaria no apenas avaliar a consistncia e legitimidade desta crtica, mas
tambm analisar pontualmente o pensamento de cada autor, a fim de averiguar se ele
carrega vestgios do humanismo, para consider-los ou no ps-humanistas.
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A pergunta pelo contexto de surgimento do pensamento ciberntico nos remete
especialmente s Conferncias Macy sobre Ciberntica (1943-1954), que reuniu
especialistas de diversos campos em torno do tema "Mecanismos de retroalimentao e
sistemas de causao circular em sistemas biolgicos e sociais". Duas vises do homem
foram postas em discusso: a primeira o definia em termos de mecanismo homoesttico
auto-regulado, ao passo que a segunda o concebia como ponto de passagem de um circuito
de informaes (HAYLES, 1999, p. 50-83). Deste duelo imps-se a compreenso
ciberntica do ser humano explicitada, sobretudo, por Norbert Wiener. Fundador da teoria
da informao, Wiener remete a definio da experincia humana categoria central de
informao. Segundo ele, "Informao o termo que designa o contedo daquilo que
permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele, e que faz com que nosso
ajustamento seja nele percebido. O processo de receber e utilizar informao o processo
de nosso ajuste s contingncias do meio ambiente e de nosso efetivo viver nesse meio
ambiente." (WIENER, 1968, p.17-8). A prpria noo de ciborgue (organismo ciberntico)
oriunda dos textos de Wiener.
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Segundo Guillebaud (2011, p.123), o conceito de convergncia tecnolgica uma das
duas ideias fundadoras do programa transhumanista, ao lado do conceito de singularidade.
A convergncia tecnolgica j no mais simples teoria, mas foi o objeto de um relatrio
dirigido pela National Science Foundation (NSF) e o Department of Commerce (DOF). "O
objetivo deste relatrio estava explcito: melhorar as performances humanas (Improving
Human Performance). O estabelecimento desta relao mobilizou dezenas de
pesquisadores. Pretendia-se esclarecer a situao em que se encontra o avano das quatro
tecnologias mais promissoras: nanotecnologias, biotecnologias, informtica e cincias
cognitivas. Por esta razo o texto de quatrocentas pginas entrou para a histria sob a
abreviatura NBIC, sigla representando a inicial de cada tecnologia citada. O tema central
sobre uma irresistvel - e desejvel - convergncia entre estas diversas tecnologias".
(GUILLEBAUD, 2011, p.123-4, traduo nossa).
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Referncias bibliogrficas
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