Nascimento e Morte Do Sujeito Moderno
Nascimento e Morte Do Sujeito Moderno
Nascimento e Morte Do Sujeito Moderno
O problema da sujeito no um velho problema do pensamento filosfico ocidental. Este problema tem sua origem no mundo moderno. Os antigos Gregos nunca criaram uma extensa gama de conhecimentos cientficos, como tambm os grandes fundamentos do pensamento filosfico e do pensamento poltico, contudo pensaram o problema da interioridade humana. Eles estavam mais interessados em
especular sobre os problemas da natureza (physis) O que os Gregos buscavam era uma explicao racional e sistemtica do universo. atravs do estudo da origem e movimento da vida natural que os primeiros filsofos criaram uma extensa gama de conhecimentos, como a fsica, a matemtica, a astronomia, a lgica e a metafsica dando origem ao pensamento ocidental. Se a preocupao dos antigos era desvendar a origem e as transformaes da natureza, o grande problema da filosofia moderna ocidental era indagar sobre o conhecimento. O colapso da ordem social, econmica e cultural medieval possibilitaram ao homem moderno o interesse pelo conhecimento de sua existncia. O valores como racionalismo, humanismo e antropocentrismo tornaram -se essenciais para libertar o homem das amarras da ordem feudal e da Igreja. A partir desses valores ele aprendeu inquirir, investigar e decifrar sua prpria realidade. O homem colocou-se a si prprio como centro dos interesses e decises de sua prpria vida. pensamento e das cincias, o indivduo Com o avano do passa a se interessar pelo modo como
conhecemos o mundo. O indivduo se afasta de metas transcendentes, deixando de se preocupar com outro mundo e passa a se preocupar com esta vida, com este mundo. Ele ganha conscincia de sua subjetividade essencial. Entre a realidade e o conhecimento est o sujeito. Este passa a ser o motivo de suas preocupaes. Os gregos conceberam o conhecimento da realidade como desvelamento. A verdade aquilo que se desvela. Conhecer contemplar a vida como ela , deixando-a falar por si mesma. J para a filosofia moderna o conhecimento da realidade d-se como representao. O conhecimento s possvel como relao entre o sujeito que conhece (ser cognoscente) e o objeto (ser cognoscvel). O sujeito projeta seus modos ou estruturas perceptivas no objeto para captar suas caractersticas e propriedades. dessa
relao cognitiva que surge o conhecimento. Por esta razo, a noo de sujeito torna-se fundamental na investigao do conhecimento da realidade. No sculo XVII, o filsofo francs Ren Descartes (1596-1650) vai ser o primeiro a colocar a pergunta O que sou?. Sua resposta: uma coisa que pensa. A certeza do cogito inaugura a noo de sujeito moderno. A subjetividade torna-se o fundamento do sujeito do conhecimento. Em seu livro Discurso do mtodo, ao duvidar de todo conhecimento que o precedeu, Descartes procurou a verdade no grande livro do mundo. Seu ponto de partida era a busca de um axioma que pudesse servir de fundamento a todo conhecimento, uma verdade primeira indubitvel. A partir da dvida Descartes chega a uma verdade certa e segura,o eu penso: cogito ergo sum. Se duvido, eu penso; se penso, eu existo. O eu cartesiano puro pensamento (res cogitans). O pensamento o lugar da verdade, o puro intelecto, pois por meio dele que adquirimos as idias claras e distintas. esse puro intelecto que se torna o ncleo do sujeito moderno. O filsofo Emannuel kant (1724-1804) tambm contribui para a construo da noo de sujeito no mundo moderno. Para indagar sobre a natureza de nossos conhecimento ele colocou a razo num tribunal para poder julgar o que podemos conhecer e o que no podemos conhecer, traando os limites de nosso pensamento. Com isso descobriu que a conscincia s lida com fenmenos. O real no algo externo ao indivduo, mas este o produz no interior de si mesmo. Somos ns que atravs de certas faculdades apriori (estabelecidos independentes da experincia) organizamos e damos sentido e coerncia ao real. O conhecimento surge como representao. A razo seria essa capacidade que o ser humano tem, partindo de princpios apriori, representar e conhecer o mundo. Em consequncia disso, na teoria kantiana a razo torna-se o ncleo do sujeito moderno. Outro filsofo importante na construo do sujeito moderno foi o filsofo das Luzes Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). A diferena em relao a Descartes e Kant que ele no coloca o pensamento ou a razo como o ncleo do sujeito, uma vez que a reflexo surge tardiamente no homem. No seu texto Discurso sobre a desigualdade entre os homens Rousseau afirma que o homem em estado de natureza desprovido de razo e reflexo, sendo que essas faculdades so tpicas do estado de sociedade. A reflexo e a razo surgem no ser humano a partir de uma caracterstica distintiva no ser humano, que sua perfectibilidade, isto , sua faculdade de se aperfeioar. essa
capacidade distintiva e quase ilimitada de desenvolver suas potencialidade que tirou o homem do estado de natureza e o tornou um ser socivel. Se a reflexo surge tardiamente no homem, ento existiria uma nica virtude natural no ser humano em seu estado de natureza: o sentimento moral de piedade, entendida como uma repugnncia inata de ver sofrer seu semelhante. Decorre da para Rousseau a ideia de bom selvagem. Foi atravs da piedade que surgiram todos os sentimentos sociais como a generosidade, a clemncia, a benquerena e a comiserao. O sujeito antes de tudo um ser do sentimento e no da razo. Dessa forma o sentimento moral relaciona-se com a noo de sujeito no pensamento de Rousseau. a partir do mundo moderno que o sujeito ganha certas capacidades humanas fixas e um sentimento estvel de seu prprio eu. Ele ganha conscincia que uma identidade racional, moral e psicolgica. Ele torna-se um ser soberano, autnomo, fixo, estvel, compreendendo que um ser que pensa, sente, reflete e age e interage com o mundo objetivo. a partir da modernidade que ele ganha conscincia de sua vida interior como transparente a si mesmo, como ator de suas idias e de seus atos. Esse contato do homem consigo mesmo s foi possvel graas aos movimentos modernos, como renascimento, protestantismo e iluminismo, que libertaram a conscincia Mas esta noo de um sujeito individual das instituies religiosas medievais.
autnomo e soberano no durou muito. Com o avano do progresso do pensamento e do desenvolvimento tcnico e cientfico, noes como verdade, justia, razo, bem, mal, virtude, Deus, foram relativizados. O progresso do conhecimento colocou em dvida e levou perda de consistncia dos valores absolutos da modernidade. Em conseqncia disso, o sujeito racional e autnomo foi problematizado, uma vez que se colocava como uma entidade metafsica dada apriori, como algo absoluto. O primeiro pensador que comeou a descontruir a noo de sujeito foi Karl Marx (1818-1883) no decorrer do sculo XIX. Na concepo do materialismohistrico, o sujeito determinado por aquilo que ele faz, determinado pelo seu ser social. A forma como os indivduos manifestam a sua vida, reflete muito exatamente aquilo que so. O que so, coincide, portanto, com a sua produo, isto , tanto com aquilo que produzem como a forma como produzem. Aquilo que os indivduos so depende, portanto, das condies materiais de sua produo (Marx, 1976, p.19). o comportamento material do homem que fomenta suas representaes e pensamento. Marx nos ensinou que, se examinarmos a maneira pelas quais os homens produzem os
bens necessrios vida, possvel compreender as formas de seu pensamento, tais como sua moral, religio e filosofia. O pensamento torna-se o reflexo do desenvolvimento material objetivo da histria. Dessa forma, no existe um ncleo fixo do sujeito pela qual ele pudesse se desenvolver de forma autnoma. Friedrich Nietzsche (1844-1900) tambm foi um grande destruidor dos valores absolutos de nossa poca. Nietzsche se ops idia de origem do sujeito e passou a compreender este atravs de uma genealogia, que o concebe emergindo atravs de relaes de poder, atravs de um turbilho de foras que o atinge. O sujeito se constitui no terreno dos acontecimentos histricos, das contradies, das relaes de fora e poder. O conceito de genealogia concebe o sujeito enquanto ser no mundo, onde o corpo se torna visvel e um efeito dos embates de foras. Dessa forma, o prprio conceito de eu fixo e estvel perde sentido, pois o homem uma espcie cujas qualidades no esto fixadas. Sigmund Freud (1856-1939) mdico austraco, apesar de no ser um filsofo, deu um duro golpe no narcisismo da humanidade. Ele foi contra a idia de um eu lgico, fixo e estvel. Para ele o Eu no algo unitrio, firme, seguro e autnomo, diferente de tudo mais. O que chamamos de nossa conscincia continuado para dentro, sem qualquer delimitao ntida, por uma entidade mental inconsciente denominado Id, regio dos impulsos, afetos e desejos. No somos seres autnomos e racionais, donos de si mesmo. O Eu (Ego) no senhor em sua prpria casa. O sujeito no um ser da conscincia, mas sim da inconscincia, no um ser da razo, mas sim governado por um querer cego e irracional, destitudo de sentido e finalidade. Essa nova instncia descoberta pela psicanlise tornou questionvel a prpria noo do que entendemos por Eu. Para Freud, como se o indivduo existisse em duas dimenses: um lado consciente e outro inconsciente. J no sculo XX, Michel Foucault (1926-1984) deu o golpe final na noo do sujeito autnomo do iluminismo. Ele dedicou toda sua vida a criar uma histria dos diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os seres humanos tornaram-se sujeitos. Ele retoma a genealogia nietzschiana dedicando-se a estudar a histria das instituies disciplinares que surgiram na modernidade e pensa a constituio do sujeito a partir de formas de discursos e de relaes de poder. Foucault percebeu em suas pesquisas empricas que a partir do sculo XVII, atravs do inqurito, ou seja, de certas formas de anlise de problemas jurdicos, judicirios e penais, surgem conhecimentos como a
sociologia, a psicopatologia, a criminologia e a psicanlise. Atravs dessas prticas regulares de controle, que se modificaram atravs da histria, definiram tipos de -se subjetividade, individualidade e tcnicas de esquadrinhamento disciplinar, que tornaram o corpo do indivduo til produtividade. Isso significa que o sujeito moderno dcil, servial, trabalhador e responsvel se constitui atravs de prticas disciplinares em instituies de controle como o hospital, a priso, a fbrica e a escola. As filosofias do sujeito mostraram que no existe um eu fixo, acabado, estvel, com qualidades determinadas. A grande descoberta que o sujeito no nada, no uma entidade metafsica pr-estabelecida. Como diria Nietzsche o eu uma fico da linguagem. uma estrutura vazia, uma forma pura sem contedos. Decorre disso, que s podemos compreender o sujeito no interior da histria atravs das prticas sociais. O sujeito deve ser compreendido como um modelo da sociedade, pois nele se reflete a totalidade das relaes sociais. Conhecer o sujeito, portanto, significa conhecer a sociedade em todas as suas conexes.