A Juventude Como Sintoma de Cultura
A Juventude Como Sintoma de Cultura
A Juventude Como Sintoma de Cultura
da cultura
1. f5111 llnsoio foi escrilo como condlln'o00 d" vrio, artigos de minha ovto,in, j j)vblicodo"
wbrll llU" lllma: "Advllllsclincia", para a Cadllrna Mai,1 da Folha de S.PavJo; "A cv!lvro da
molandmgem odolesCMt"", paro o rllViJl<' ~poca; " "Gca"id... no odo'''scnclQ", paca o liv'o
G!roo OeliVl\ry, organizado pa' C~bel'" Wllibe,g.
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por seu corpo", sem base de apoio para conscituir uma acitude, uma poStura,
uma "personalidade" que acompanhem seu crescimenro fisico. Para isso, de
tenta se valer de objetos-feciche: o sutti na menina., o barbeador no menino
etc., que sustentem. como apndices dooorp:>, o crcsomcnlO que: de n:;i..rindi-
o. A anlise de IUssial nos ajud:a a compreender o lugar privilegiado do
adolescente eomo consumidor, em todas tU l/mses sodaiJ. Caros ou bar.uos,
vendidos em shoppping,s ou em camels. os :acessrios rompiimJ a m:ilsarad.:il
adolescente, funcionando como objetos ttansicionais que ajudam na dificil
tarefa de reinscrever esse novo corpo. estranho au~ para o prprio sujeito,
nesse Jugar tambm de transio entre a infncia e a vida aduha que de passa
a habitar. Em nossas socicdadeslaicas. em <lue faltam rilos de passa~m para
sinalizar o ingresso na vida adulta, os objetos dc consumo c os espaos pr-
prios para freqentao adolescente - a lanchonete, o baile jJmk, a boate. 05
"'tUls1x)IIIJ de rua - substituem os ritos caracteristicos das culturas pr-moder-
nas. Os jo\'Cns tambm inventam seus prprios ritos. Penso que o COl1SUlnO
de drogas leves como a maconha ou a cerveja funciona como prova ou
desafIO para decidir a entrada dos novatos em certos grupos, estabelecendo a
Iinh2 no s entre os caretas e os entendidos, mas entre os que so \ristos
como ainda cri2nas e os que j se considerAm com um p na vida adulta.
EnquantO as sociedades fundadas na transmisso oral prescrv:n-am, nos
mos iruciticos, o espao potencial desse nio-Iugar da adolescncia, pondo
em cena o que a entr.l em jogo de "morte" e de
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imagiruri:a constitud:a pdo que o Outro s:abe se dcstlz, e:a prpria. cx~n
ci:a perde significaio. E, como nenhum lugar de produio de discurso fica
v:azio muito tempo sem que :algum :aventureiro l:ance mio - :atenio! -, o
.EsOOo :aUtoritrio, puro e simples, pode vir f:azcr:as '"eZCS dos :aduhos que se
prerendem /n. Neste caso, em vez d:a cl:aboraio da expenncia, tcremos
"r:azcs de Estado" (ou pior, razcs de mercado, pautadas por critrios do
FMJ) ditando o que f:azer de nossas vidas.
A desvalorizao da experincia esvazia o sentido da vida. No falo da
experincia como argumento de autoridade, saber imposto ao outro ~ "eu
sei porque vivi". faro que em uma cultura plstica e veloz como a contem-
pornea pouco podemos transmitir aos outros com base em nossa experin-
ci:a. I o mximo, temos o dever de confrontar nossos filhos e educandos
com O fato de que a :altcridade existe - o que um modo de dIzer que
m:cessrio impor limites parcda de gozo a que cad:a um tem direito.
Alm disso, a experincia do adulto, assim como a memria, produz
consistncia subjeti,'a. Eu sou o que vivi. Descartado o p:assado, em nome
de uma eterna juventude, produz-se um vazio difcil de suportar. Parece
contraditrio supor que uma cultura /tm possa ser dcprcssiv:a, sobretudo
quando se aposta no imprio das sensaes - adrenalina, orgasmo, cocana
- para agitar a moada. Mas o que se tem observado, pelo menos entre
os jovens de classe mdia que recebo no consultrio. Eles buscam encon-
trar na vida dos mais velhos alguma perspectiva de futuro, mas encon-
tram um espelho deformado de si prprios. Quando os adultos se
espelham em ide:ais /un, os adolescentes ficam sem parmerros para pen-
sar o futuro. Como ingressar no mundo adulto onde nenhum :adulto quer
';ver? O que os espera, entio?
Um dos sintom:as desse vazio de significantes que de'"cmm demarcar,
para o jovem, o sentido d:a vida adulta a ocorrncia de crises de pnico,
ge.ralmente n:a passagem da infnci:a p:ara a adolescnci:a. "Sndrome do p-
nico" o nome psiquitrico que corresponde, em psic:anlise, s fobias.
Designa um conjunto de formaes sintomiticas cuja funo barrar a
angstia - que, para a psicanlise, sempre angstia de castrao. O "pni-
co" do adolescente contemporneo resume a impossibilidade de elaborar
o tal retorno amplificado do complexo de dipo a que Freud se refere nos
T ril tnJfliol Jobn 11 Jtxllalit!adt.
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apenas para dizer que nada o angustiava em relao vida que estava levando.
Apenas um pesadelo o intrigava: costumava acordar assustado depois de
sonhar que se via diante de uma montanha incalculvel de cocana que lhe
cabia, sozinho, consumir... Sentia medo, com toda a razo, de ter que respon-
der ao imperativo de gozo tal como vem sendo lanado sobre ele e toda a
sua gerao h quase duas dcadas. A montanha de cocana do pesadelo re-
presentava a demanda que pesava sobre ele de responder com seu gozo aos
ideais libenrios frustrados de seus pais.
O gozo, afinal, aquilo que pede para ir sempre alm dos limites do
prazer - nisso consiste seu vnculo com a pulso de morte. O gozo ameaa a
vida do corpo c a vida psquica. A adolescncia na nossa cultura a idade na
qual se representam as formas imaginrias do mais-gozar. Toda a publicidade
apela para o "sem limites" da vida adolescente, representado pela velocidade
da moto, pela potncia do aparelho de som, pela resistncia do carro, peJo
barato da cerveja e do cigarro, pelo corpo aerbico e perfeito malhado nas
academias e transformado em cone sexual, objeto incontestvel do desejo de
lovens, velhos e crianas. Diante de tanta idealizao, e na falta de um sistema
de referncias alternativo aos valores do consumo - sistema <jue deveoa estar
sendo permanentemente elaborado por jovens e adultos, mas no est -, os
pais sentem-se desautorizados a barrar certos excessos de seus filhos. Em
nome do que deveriam reprimir ou limitar alguns prazeres, algumas prticas
arriscadas, mal-educadas ou mesmo anti-sociais desses meninos e meninas
que nasceram para levar vantagem em tudo? Como impedi-los de escutar
msica alssima at tarde da noite barrando o descanso de <juem trabalha,
tirar rachas em plena rua ameaando os pedestres, fazer sexo sem camisinha?
Se o consumo o bem maior, em nome de que outro valor se pede aos
jovens que renunciem plena satisfao pulsional?
Sendo assim, no de estranhar que a drogadio tenha se transforma-
do no sintoma emergente entre os adolescentes dos pases industrializados. A
drog,t encama o objeto do gozo, um objeto real, do qual se pode tomar.
posse, que se pode introduzir no corpo abolindo momentaneamente toda a
falta e instaurando em pouco tempo o imperativo da necessidade em lugar
das moes do desejo. Drogadio e delinqncia: duas modalidades de re-
cusa da castrao produzidas em massa pela lei do mais~gozarque rege o lao
social nas sociedades de consumo.
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adolescncia para quem tem algum poder aquisitivo, mais consistente, mais
slida, do que a vida que Iara levava em casa de seus pais.
Outra adolescente, Unda, sofria terrivelmente com o abandono de seu
pai, separado da me quando ela estava com 10 anos. A me, durante um
'longo perodo de depresso, mal percebeu o que se passava com a filha.
Linda entrou na adolescncia com toda a liberdade que uma garota de sua
idade poderia desejar. Por duas vezes, foi hospitalizada em coma alcolica
depois de festas; na primeira, tinha apenas 13 anos. Fumou maconha desde
muito cedo, perdeu o ano na escola, desorganizou-se. Quando comeou a
anlise, desafiava-me: posso fazer o que quiser, meu pai llem sabe que eu
existo e minha me no se importa. Sua vida sexual comeou aos 14, com um
garoto com quem "ficou" na mesma noite em que o conheceu. Por muito
tempo, -sexo era "ficar", sem compromissos.
Aos 17 anos, namorando pela primeira vez, Unda teve um atraso mens-
trual que a fez imaginar que talvez estivesse: grvida. Sua reao no foi de
desespero nem de desafio: foi de alvio. Na primeira sesso em que o atraso
se configurou, comeou a falar da vida em outros termos. Que agora tudo
precisava mudar. Que a primeira providncia seria parar de fumar, cigar-
ros e maconha, e convencer o namorado a fazer o mcsmo. Segunda pro-
vidncia, voltar a estudar. Terceira, conseguir emprego. Quarta, parar de
trocar os dias pelas noites. E assim por diante: apostando rodas as fichas
no suposto filho por nasccr, Unda foi coostruindo,diante de mim, a fan-
tasia da VIda mais certinha, mais bem comportada do que a mais exigente
das mes poderia desejar. Feliz ou infelizmente, a gravidez no se confor-
mou e ela teve que continuar a tentar resolver suas questes em anlise, sem
varinha de condo.
Iara e Unda, uma grvida de verdade, a outra em fantasia. Uma "arru-
mou a vida", a outra sonhou arrumar. Para ambas, a gravidez, ou a perspec-
tiva dela, funcionou como soluo de compromisso: por um lado, imps um
limite ao imperativo do gozo; agora, em nome de meu filho, devo parar de
gozar. Ufa! que alvio... Por outro lado, a barrigona, ostentada por muitas
garotas com um estilo ftry, atesta, para o mundo, o guanto esta moajgozou,
sem se importar com as conseqncias. A gravidez funciona ao mesmo tem-
po como testemunha de gozo e proteo conlra o pesado encargo de Nrque
gJzar mai!. "Agora chega, preciso arrumar minha vida", disse Iara. "No vou
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mais vivtr entrtgue aos meus impulsos t fantasias, no \'OU cuidar dos fIlhos
que meus pais abandonaram. Vou virar adulta bem depressa para cuidar do
meu bebC." E se casou, virou me de famflia no estilo mms certinho, repudia-
do pelas feminisras da gerao de sua me.
"Se no h pai por aqui, vou inventar um pai", temou Linda, em sua
gravidez fanrnsiosa. Fazer do namorado um pai, sair "dessa vida" com ele,
endireitar, criar o filho, encerrar a fase adolescente, a chatssima fase adoles-
ct:nte, a vaZia fase adolescente, c partir para uma vida "de vtrdade" em nome
do filho por criar. Soluo conservadora que reflete a falta de perspectivas
progressistas na vida de Linda.
Posta dessa maneira, parece que a maternidade/paternidade precoce
um grande achado, soluo ofertada pela natureza para os riscos e impasses
que nem os adolescentes de hoje nem seus pais sabem como enfremar. Acon-
tece que as mes-meninas de hoje so filhas de uma gerao que, depois de
uma scnc de desiluscs polticas, fez da famflia a ltima esperana, o signo
vazio de um futuro melhor, numa era neoliberal em que todos os projetos
coletivos de construo de futuro foram desqualificados diante da implacvel
"lgica do mercado". Lanados cada vez mais depressa para fora da infncia,
ante a perspeceiva de uma vida adulta vazia de valores e projetos coletivos-
o que c o mesmo que dizer uma vida sem sentido, j que o sentido da vida
no pode ser construido individualmente-, os filhos da gerao 1968 repre-
sentam a razo de serda vida de seus pais. Criar filhos felizes passou a ser o
grande, se no o nico, objetivo da vida privatizada do novo milnio. Os
fJ.1hos representam o rueo smbolo mconstestvel do futuro, no quadro de
valores do individualismo contemporneo. J\hs exatamente por isso, n:duzi-
dos a um fim em si mesmos, esses adolescentes no encontram ~,'TImde razo
dt ser para suas prprias vidas.
Coerentemente com essa falrn de horizonte coletivo, um beb vem a ser
recebido como a razo de \"iver de meninos e meninas que no conseguiram
nem comear a inventar uma razo para suas prprias existncias. Ora, se o
filho continua a ser o nico ou o maior valor nas vidas das mks adolescentes,
est se reproduzindo, em escala aumentada, o problema lJuc atinge a gerao
das Iaras e lindas dos anos 2lXX): urna no"a gerao de crianas hiperinvcsDebs,
condenadas ao vazio de quem veio ao mundo apenas para preencher o v'azio
da vida de quem concebeu.
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A importncia do fraterno
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