Um Voluntario Na Campanha de Obama
Um Voluntario Na Campanha de Obama
Um Voluntario Na Campanha de Obama
OBAMA
Essas inovações políticas estão momentos da campanha. Uma das cartas assinadas pelo próprio Obama foi distribuída aos apoiadores imediatamente voluntários na campanha democrata,
depois de conhecido o resultado da eleição, com a vitória do candidato democrata. É o texto acima, em tradução livre.
sendo experimentadas desde 2005 em mobilizados pela confiança e pela
Porto Alegre e orientaram o seu trabalho esperança em Obama.
como coordenador geral da Conferência
Mundial sobre o Desenvolvimento de Toda a riqueza dessa experiência
Cidades, que se realizou em fevereiro de múltipla face, vivida em
de 2008 na capital dos gaúchos. oportunidade singular, é o que o
gaúcho Cezar Busatto, 56 anos,
expõe neste livro.
OUTROS TÍTULOS DO AUTOR
Anjos Anômimos - 1999
Democracia, Prosperidade, Responsabilidade Social - 2001
Responsabilidade Social, Revolução do Nosso Tempo - 2003 Cezar Busatto
EM CO-AUTORIA
A Era dos Vagalumes - 2006 ISBN 978-85-62275-00-5
Jogo da Verdade, O Pacto Pelo Rio Grande - 2006
Olhares Sobre a Governança Solidária Local
de Porto Alegre - 2008
A convite da Universidade de Stanford,
Cezar Busatto viajou do Brasil aos
Estados Unidos, em agosto de 2008,
para observar a eleição presidencial.
E assim tornou-se testemunha
privilegiada de dois episódios
norte-americanos que estão
produzindo conseqüências em
dimensão planetária: a eclosão da crise
financeira e econômica, que ameaça
conduzir a economia mundial à
depressão, e o movimento social
que resultou na eleição do candidato
democrata Barack Obama para
a Casa Branca.
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
revisão editorial
Robson Barenho
revisão
Elenita Andreatta
capa
Guilherme Dietrich
Avenida Carlos Gomes, 1155 Conj. 401 90480-004 Porto Alegre RS Brasil
Fone/Fax 51 3331.5278 [email protected]
Ao professor James Fishkin, sua esposa Shelley e seu filho Bob,
aos voluntários da campanha Bárbara Oceanlight e Ernesto Munhoz,
à minha irmã norte-americana Sue Bonner, seu marido Bill e filhos Wim e
Hope, ao meu irmão Barry Johnson e seu filho Ben, que me inseriram na vida
norte-americana e no movimento social que está mudando os Estados Unidos.
apresentação
• no dia da eleição, pelo menos 3 mensagens de texto foram enviadas a cada eleitor
inscrito no programa;
• mais de 5,4 milhões de usuários “clicaram” o botão “Eu votei”, no dia da eleição,
para avisar seus amigos do Facebook que eles haviam comparecido às urnas.
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Um voluntário na campanha de Obama
A Editora
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Cezar Busatto
introdução
Revolução na política,
na sociedade e
na economia dos
Estados Unidos
do que foi prometido durante a campanha eleitoral. Essa forma de fazer política, por-
que requer recursos em grande monta, tornou-se presa fácil do lobby dos interesses
privilegiados, que domina a cena política, tanto em Washington como em Brasília.
Como a política convencional exauriu sua capacidade de representar os reais
anseios da sociedade, acabou desconstituindo a credibilidade dos políticos, de um
modo geral, e está colocando em xeque a própria legitimidade da democracia repre-
sentativa que temos praticado. Não é por outra razão que estamos em pleno processo
de discussão de uma reforma política no Brasil.
Recém-encerrado o processo eleitoral norte-americano, alguns analistas vêem
em Barack Obama, antes de tudo, um produto de marketing competente e capaz de
sensibilizar a juventude conectada pela internet e o celular neste início de século XXI.
É um ponto de vista interessante, que coloca a questão recorrente quando um políti-
co faz bom uso da mídia: será Obama apenas mais um produto da política e da mídia
convencional, ou há efetivamente algo de conteúdo novo?
Acredito, sem dúvida, que está personificado em Obama o surgimento de uma
nova cultura política. Mais ainda, creio que o movimento social mudancista que se
formou em torno da eleição de Obama, o estilo de sua personalidade e de sua forma
de liderança, e as novas idéias dessa poderosa coligação de interesses sociais progres-
sistas, com forte protagonismo das pessoas comuns, constituem-se, essencialmente,
em uma resposta democrática à crise estrutural que tem fragilizado a economia nor-
te-americana e a liderança dos Estados Unidos no mundo.
sonho americano nunca passou de uma figura de retórica. Resgatar o sonho ameri-
cano significa, para essas pessoas, ter seguro-saúde, possibilidade de acesso à casa
própria, trabalho decente com remuneração digna, educação de qualidade para os
filhos, segurança previdenciária na velhice, economia que gere empregos e uma so-
ciedade de oportunidades para todos; um país que seja exemplo de liberdade e pros-
peridade perante a comunidade das nações, e que evite ter que enviar seus filhos pa-
ra morrer nos campos de batalha. São exatamente esses os principais compromissos
do presidente eleito.
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Cezar Busatto
A desigualdade crescente
Estudo da Associação Americana de Ciência Política de 2004, “A Democracia
Americana numa Era de Crescente Desigualdade”, chegou à conclusão que as desi-
gualdades de renda, riqueza e acesso a oportunidades estão crescendo mais rapida-
mente nos Estados Unidos do que em muitos outros países. Pessoas ricas “estão fa-
lando forte, com tanta clareza e consistência que os funcionários públicos ouvem e
seguem prontamente, enquanto cidadãos com rendas menores estão falando com um
sussurro”, diz o estudo. O progresso em direção aos ideais americanos de democracia
pode ter estagnado, e em algumas áreas até regredido. Na mesma direção, Holly Sklar,
Laryssa Mykyta e Suzan Wefald, no livro Raise the Floor, analisam que, no período de
1968 a 2000, enquanto a produtividade cresceu 74%, o valor do salário por hora caiu
3% nos Estados Unidos. Se os salários tivessem acompanhado a produtividade, o sa-
lário médio por hora seria de 24,5 dólares, ao invés de 13,7 dólares.
A insuspeita revista The Economist, em edição de dezembro de 2004, comparou
a média das compensações recebidas pelos 100 executivos de mais altos salários nos
Estados Unidos: há trinta anos, era trinta vezes maior do que o salário médio de um
trabalhador; hoje, é mil vezes maior que o salário médio de um trabalhador. A revis-
ta Chronicle of Higher Education, de 14 de abril de 2008, mostra que 35% dos estu-
dantes em todas as faculdades e universidades norte-americanas recebem auxílio por
dificuldade de custear seus estudos. Nas 39 universidades públicas mais ricas, esse
percentual é de 18% e nas 75 universidades privadas mais ricas, é de 13%. Constata-se
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Cezar Busatto
Falta de civismo
A cultura cívica apresenta uma decaída generalizada no país. Falta conhecimen-
to cívico: em 1998, 23% dos estudantes de quarta série, 23% dos estudantes de oitava
série e 26% dos estudantes da décima segunda série pontuaram acima da proficiên-
cia mínima. Em 2006, somente os estudantes de quarta série mostraram alguma me-
lhoria (e pequena). Falta de entendimento cívico: de uma pesquisa entre 112.003 es-
tudantes de ensino médio, 36% acreditam que os jornais deveriam ter “aprovação
governamental” das matérias antes de publicá-las. Fonte: John S. and James Knight
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Um voluntário na campanha de Obama
Mais democracia
Um amigo observou-me recentemente que é impressionante a sensação que
está no ar de se caminhar ou não para uma nova política. Tenho procurado há anos
compreender quais os caminhos pelos quais está passando essa necessária mudan-
ça para uma nova política, mais verdadeira e representativa da vontade e dos anseios
da sociedade civil. Lembro-me do Jardineiro que Tinha Fé, de Clarissa Pinkola Es-
tés: “Ah”, disse ele, “chegamos agora a um ponto na história dessa pequena vida no
qual a única mudança que é certa é que haverá mudança. Está entendendo o que es-
tou dizendo?”
Parece-me que há um certo consenso na opinião pública de que o sistema po-
lítico-eleitoral atualmente vigente no Brasil exauriu sua capacidade de representar
a sociedade e seus anseios, e isso é tão certo que há vários anos se fala da necessida-
de de uma reforma política que nunca conseguiu até hoje acontecer. O assunto está
de volta. Que tipo de mudança política se requer? Esse tema tem sido tratado como
se necessitássemos tão somente de mudanças institucionais, como a fidelidade par-
tidária, o voto em lista fechada, o financiamento público de campanhas, entre outras.
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Um voluntário na campanha de Obama
Isso é positivo, mas é importante observar que uma nova política institucional pouco
avançará na democratização da sociedade se não aprofundarmos a cultura democrá-
tica na vida e na relação entre as pessoas nas comunidades onde elas vivem, traba-
lham, constróem suas esperanças e seus projetos de vida.
Democratizar o cotidiano da vida das pessoas com base na prática dos valores
da verdade, da confiança, do diálogo, do respeito às diferenças, da legitimidade do
outro, da honestidade, da transparência, é a grande mudança necessária para que se
possa avançar para uma mudança efetiva na nossa cultura política. Sem essa mudan-
ça de valores democráticos na vida e nas relações humanas na base da sociedade, as
mudanças institucionais serão pouco mais do que uma tentativa de dar satisfação aos
reclamos da opinião pública, não tendo a força de promover uma mudança efetiva no
sentido de mais democracia na vida da sociedade.
Mais vida democrática é, pois, a resposta para melhor enfrentar os complexos
desafios do mundo em que hoje vivemos. Mais democracia na política institucional,
mas, sobretudo, mais democracia no cotidiano da vida em sociedade.
Ele determina que só deveria ser submetido a instâncias superiores de governo aqui-
lo que não puder ser resolvido nas comunidades e instâncias administrativas locais.
Ou seja, para avançarmos na nossa democracia, precisamos empoderar mais os cida-
dãos e as comunidades locais, criar condições para que a base da sociedade possa ca-
minhar com suas próprias pernas. Devemos eliminar todas as formas de tutela e de-
pendência que aprisionam, geram passividade e destróem a cultura do voluntariado
e do engajamento cívico, essenciais para uma democracia efetiva.
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Um voluntário na campanha de Obama
II
Os Estados Unidos tem uma sociedade civil muito ativa e empreendedora, com
forte espírito de responsabilidade social de cada cidadão e de todos os segmentos da
comunidade. E as cidades, distritos e estados federados, por sua vez, têm uma impres-
sionante autonomia administrativa, financeira e política, que faz valer o princípio da
subsidiariedade, essencial para uma efetiva federação. Ou seja, só são submetidos a
esferas superiores os assuntos que não podem ser enfrentados e resolvidos pelos ci-
dadãos em suas comunidades e instituições locais.
As cidades e distritos regionais, onde vivem mais de 95% dos norte-americanos
(no Brasil, esse índice é hoje de 83%), constituem-se, assim, em verdadeiros centros
de inovação econômica, política e social. E neles, o papel do conhecimento e a inser-
ção da universidade são essenciais.
Pude registrar vários exemplos, especialmente relacionados com a cidade de San
Jose, capital do Vale do Silício, na região mais próspera dos Estados Unidos.
Plataformas colaborativas
Uma característica marcante da atual sociedade norte-americana é a presença
da internet na vida das pessoas e das comunidades, muito mais destacada do que
no Brasil. A mais poderosa ferramenta já inventada até hoje para conectar pessoas
e compartilhar seus interesses comuns facilitou e multiplicou a interação entre as
pessoas, como acontece com alguns dos sites mais visitados – o MySpace e o Face-
book por exemplo. Segundo especialistas, com essas novas tecnologias, o custo de
encontrar as pessoas e interagir com elas ficou tão baixo que facilitou enormemen-
te sua articulação, inclusive para organizá-las em movimentos sociais e em grandes
mobilizações cívicas.
Tive uma conversa interessante com um especialista em tecnologia da informa-
ção, que me mostrou seu trabalho sobre um tema quente nos ambientes especializa-
dos na matéria: o desenvolvimento de plataformas colaborativas. São sistemas ope-
racionais virtuais que possibilitam a interação da inteligência e capacidade de milha-
res ou até milhões de pessoas, não só de especialistas como também de pessoas co-
muns, para trabalhar juntas em temas de interesse comum e, mais facilmente, resol-
ver os problemas sociais comuns que enfrenta a humanidade.
A possibilidade de promover a colaboração global para produzir inovações so-
ciais impactará fortemente na vida das cidades no futuro próximo, pois seus problemas
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Um voluntário na campanha de Obama
evento, que a busca de conexão mais profunda entre arte, tecnologia e mudança está
associada ao objetivo estratégico de fazer de San Jose um lugar melhor para viver e
uma cidade ainda mais competitiva no mundo globalizado.
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Um voluntário na campanha de Obama
dólares, mas se constituía num componente de felicidade em sua vida. Agora, sem outro
rendimento, passou a ser também sua única fonte de sobrevivência. E seu relato é de que
isso não tem sido nada fácil. Nancy é uma das milhares de pessoas que perderam seu
emprego nos últimos tempos, em conseqüência da desaceleração da economia norte-
americana. A perda de empregos e a redução dos níveis salariais reduzem, num verda-
deiro círculo vicioso, o poder de compra das pessoas e retrai-se o mercado para obras de
arte. Nancy tem sido impelida a buscar novos mercados, inclusive fora dos Estados Uni-
dos. Mas não desanima, tem confiança em si mesma, acredita que vai superar essa fase
difícil e, acima de tudo, quer continuar a buscar a felicidade.
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Cezar Busatto
do cinema e da música são anunciadas com orgulho e seus rostos aparecem nas telas,
todos irmanados pela vibração da disputa entre dois grandes times de um dos esportes
preferidos por aqui. Diante dos meus olhos, uma síntese da cultura e da sociedade nor-
te-americana, sua pujança, sua organização, seu profissionalismo, sua energia cívica,
sua paixão pelo esporte, ao lado de um forte espírito militarista e imperial, que nos dei-
xa com as barbas de molho. Um cartaz de Obama exposto por um torcedor é ovaciona-
do. Tempos novos parecem que se avizinham. Há uma grande expectativa e uma inter-
rogação no ar. Mas, enfim, isso é Nova Iorque, e Nova Iorque é “express”, o sonho norte-
americano de consumo feito realidade.
Incentivo ao voluntariado
Reproduzo a justificativa de Projeto de Lei de autoria dos senadores Edward
Kennedy, de Massachussetts, e Orrin Hatch, de Utah, que propõe incentivos ao traba-
lho voluntário nos Estados Unidos. Para maiores informações sobre essa iniciativa, que
pode inspirar outras desse tipo no Brasil, visite o site http://www.citizenschools.org/,
que traz inclusive opiniões de apoio dos candidatos à presidência, Barack Obama e
John McCain.
“Imagine que enorme diferença faria para nossas comunidades e para a nação
se cada americano participasse durante um ano de um grupo de serviço comunitário,
entidade não-governamental ou organização religiosa. Nós estamos introduzindo no
Senado o Estatuto Servir a América, que proporciona recursos e incentivos para pro-
gramas de atendimento voluntário, de tal maneira que o maior número possível de
pessoas possam servir voluntariamente em algum ou em todos os estágios de suas
vidas. Nós queremos tornar possível para muitos dedicar um ano ou mais ao volun-
tariado. Temos visto vidas mudarem quando americanos doam seu tempo e talentos
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Cezar Busatto
para organizações de serviço comunitário. Mas sabemos que muito mais pode ser
feito. É hora de estimular muito mais americanos a candidatar-se a ser voluntários
em comunidades no país e no estrangeiro.
Americanos por todo o país estão começando a atender a esse chamado, dedi-
cando um ano ou mais ao serviço voluntário e, no processo, mudando o mundo. Eles
estão restaurando casas e melhorando a conservação de energia. Eles estão melho-
rando o serviço de saúde em comunidades de baixa renda. Eles estão capacitando
pessoas ao redor do mundo a ter acesso à água potável e vacinas essenciais. Eles estão
ajudando comunidades a recuperar-se após a devastação de furacões e enchentes. Al-
guns dos mais importantes esforços estão acontecendo em nossas escolas. Escolas
Cidadãs (http://www.citizenschools.org/) viabiliza que pessoas dediquem parte do
seu tempo a conduzir programas de complementação escolar, de modo que os estu-
dantes tenham mais tempo para aprender e interagir com profissionais que lhes aju-
darão a conectar seu aprendizado com uma futura profissão. City Year traz jovens
talentosos e motivados do AmeriCorps para as escolas para tutorar e monitorar estu-
dantes em situação de risco e mostrar-lhes que alguém cuida deles.
Há outros exemplos, mas ainda não suficientes. É hora de fazer mais. Para aque-
les que não quiserem dar um ano para serviços voluntários, nós deveríamos criar in-
centivos para serviços de tempo parcial e de curto prazo em suas comunidades. Nós
deveríamos apoiar estados, comunidades e empreendedores sociais que estão desen-
volvendo propostas inovadoras para auxiliar aqueles que precisam. E para aqueles
que podem dar um ano ou mais, é chegada a hora de ajudá-los a fazê-lo. Os desafios
que enfrentamos são muito grandes. Nós já esperamos um tempo longo demais para
valorizar sua impressionante energia, criatividade e compromisso.”
redução do preço dos imóveis causada pela crise do setor imobiliário. A outra parte,
segundo o articulista, ocorreu pelo fato de que o executivo-chefe da empresa Oracle
de informática, Larry Elison, ter conseguido junto à corte de apelação do município
de San Mateo, que faz parte do distrito, uma redução do valor de avaliação, para fins
tributáveis, de sua luxuosa propriedade, de 173 milhões de dólares em 2007 para 69,7
milhões de dólares em 2008. Com isso, Elison baixou o valor do imposto a pagar so-
bre a propriedade, de 1,86 milhão de dólares em 2007 para 751 mil dólares em 2008,
contribuindo desse modo para reduzir ainda mais a arrecadação do distrito.
A pressão para que Elison ajude a cobrir o déficit do Distrito Escolar não resul-
ta do fato de ele ser muito rico e um dos mais bem pagos executivos dos Estados Uni-
dos, que só no ano de 2007 recebeu de sua empresa 84,6 milhões de dólares. A pressão
ocorre sobre alguém que se beneficiou, mais do que a maior parte das pessoas, de tu-
do aquilo que a sociedade tem para oferecer – e de quem a mesma sociedade mais
deveria receber em retorno.
Parceiros em educação
Nos meus primeiros contatos com a sociedade civil no Vale do Silício, Califórnia,
onde fica a Universidade de Stanford, impressionou-me muito a organização volun-
tária Partners in Education (Parceiros na Educação): http://www.papie.org/. Ela é
composta de pais voluntários de estudantes dos níveis fundamental e médio das es-
colas públicas da cidade que, em parceria com a comunidade e o Poder Público, le-
vantam recursos não-governamentais com o objetivo de destiná-los para iniciativas
que melhorem a qualidade da educação para todos os estudantes da localidade.
O trabalho realizado pela Parceiros em Educação varia segundo o nível do en-
sino, mas inclui diversas modalidades, como apoio individualizado para alunos que
apresentam dificuldades; desenvolvimento de habilidades nas artes; estimulo à inte-
gração da tecnologia no curriculum acadêmico, incluindo áreas inovadoras como a
biotecnologia e a media eletrônica; aconselhamento acadêmico e profissional para os
níveis mais avançados, entre outras.
O que me chamou especialmente a atenção foi o fato de que a Parceiros em Edu
cação trabalha de forma complementar e articulada com o sistema público de ensino,
como se fossem dois lados de uma mesma moeda, sendo que a Parceiros atua na-
quelas lacunas da formação educacional que o Poder Público não consegue atender
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Cezar Busatto
Escolas Cidadãs
Entrava numa sala de cinema e me deparei com uma mesinha em que estava
exposto material de divulgação da ONG Citizen Schools (Escolas Cidadãs). É uma ini-
ciativa educacional nacional que mobiliza milhares de adultos voluntários para aju-
dar a melhorar o desempenho de estudantes através do ensino de habilidades no pe-
ríodo complementar ao da escola.
Os seus programas combinam projetos de aprendizado do mundo real com ati-
vidades acadêmicas e de desenvolvimento de liderança, preparando os estudantes
de nível médio a ter sucesso na escola, no trabalho e na vida cívica. Pode candidatar-
se qualquer pessoa com habilidades para compartilhar com jovens entre 11 e 14
anos. O que fazer? Conduzir semanalmente, durante 11 semanas, projetos de apren-
dizado de 90 minutos numa escola local, para mostrar para os jovens “como você faz
o que você faz”.
As habilidades solicitadas são: cozinhar; mecânica de carros; desenho de páginas
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Um voluntário na campanha de Obama
na internet; lei; dança; escrita criativa; fotografia; começar seu próprio negócio; primei
ros socorros. O período de trabalho voluntário é o do outono, de outubro até dezembro.
Lançada em Boston em 1995, a Citizen Schools (http://www.citizenschools.org/)
atualmente atende a 3 mil estudantes e envolve 2.400 voluntários em 16 cidades.
Universidades e cidadania
Tive a oportunidade de participar de um seminário sobre a implantação da
metodologia da Deliberative Polling (Pesquisa Deliberativa) com professores e
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Cezar Busatto
pagamento adicional. A única limitação é que alguns grupos podem ficar completos,
e nesse caso a pessoa deve colocar seu nome numa lista de espera.
Eis aí uma boa idéia que pode ser replicada no Brasil, que está vendo sua popu-
lação de terceira idade crescer rapidamente, seguindo os passos dos países do Primei-
ro Mundo. Hoje temos os encontros da terceira idade, as festas, os bailes, as confra-
ternizações de todo o tipo. Mas porque não avançar para o compartilhamento do sa-
ber e da experiência, a aprendizagem pela cooperação, que promove a auto-estima,
estimula a alegria de viver, abre horizontes de conhecimento e de consciência, cria
ambientes de convivência e novas experiências de vida comunitária? Creio que é um
passo que o movimento da terceira idade no Brasil está maduro para dar.
Autodidatismo e autocracia
O jornal Folha de S. Paulo divulgou uma reportagem que me chocou. Os pais de dois
adolescentes de 14 e de 15 anos de Timóteo, MG – Cleber e Bernardeth Nunes – estão
sendo processados por serem adeptos do ensino domiciliar (“homeschooling”) e há
dois anos estarem ensinando seus filhos em casa. A prática é proibida pela legislação
brasileira e, se forem condenados, podem perder a guarda dos filhos. O mais incrível
é que Davi e Jonatas foram aprovados no conjunto de provas determinados pela jus-
tiça para avaliar se o conhecimento deles é compatível com o dos alunos matriculados
no ensino regular.
Eis aí um tema digno para ser submetido a um profundo debate democrático. Porque
não respeitar iniciativas autônomas como a possibilidade de os pais buscarem novos
métodos de aprendizagem, num momento em que está mais do que comprovada a
insuficiência da escola tradicional em preparar a gurizada para esse novo mundo de
início de século? Na Califórnia, um dos estados mais ricos dos Estados Unidos, acaba
de ser divulgada uma avaliação muito crítica da qualidade do ensino nas escolas.
Está bem submeter os meninos a uma avaliação no mesmo nível dos que freqüentam a
escola convencional, mas a legislação que proíbe os pais de escolher a forma de educar
seus filhos é autocrática e desatualizada, porque desconhece os novos meios de apren-
dizagem que se desenvolvem com a nova sociedade da informação e da comunicação.
Meios para os quais a escola tradicional precisa abrir-se cada vez mais para dar conta
dos desafios do ensino numa sociedade inteligente e informada. A propósito, recomendo
vivamente a leitura de “Autodidatismo: a livre aprendizagem numa sociedade inteligen-
te”, de Augusto de Franco, acessível em http://www.escoladeredes.org.br/.
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Um voluntário na campanha de Obama
A Google é aqui
No ano de seu décimo aniversário, tive a oportunidade de visitar a sede mundial da
Google, que fica em Mountain View, no Vale do Silício. Sempre chamou-me a atenção o
caráter despojado da empresa, e as condições de trabalho diferenciadas de seus mais de
20 mil funcionários. A hierarquia é mínima e a liberdade de trabalho estimula cada fun
cionário a ter grande impacto no desenvolvimento da empresa. Conversei longamente
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Cezar Busatto
com um googler (trabalhador da Google), Bob Mohan, gestor sênior da área de finan-
ças. Bob não tem horário fixo, trabalha por projetos e prazos, e com isso consegue orga-
nizar com mais liberdade sua agenda de vida. No dia de nossa conversa, por exemplo,
Bob aproveitou o calor e foi cedo surfar em Santa Cruz, uma cidade costeira a 45 mi-
nutos daqui. Com isso, começou sua jornada de trabalho mais tarde, pelas 10:30. Bob
confirmou-me que esse novo modo de trabalhar aumenta muito sua satisfação e per-
mite maior realização pessoal.
Vi outros googlers jogando vôlei, brincando com seus cachorros, conversando animada-
mente em pleno horário de trabalho. A quase totalidade deles são muito jovens, mani-
festando grande diversidade étnica e cultural. Os googlers podem dedicar 20% de seu
tempo de trabalho a projetos próprios. Foi nesse tempo “livre” que nasceu a rede social
Orkut. A palavra de ordem é valorizar o ser humano, criar um ambiente de liberdade, que
estimula a criatividade, a inovação e o desenvolvimento pessoal e da própria empresa.
Chamou-me também a atenção a integração com a natureza. Alguns dos jardins da
empresa são hortas com plantação de verduras e flores, numa parceria com a Universi-
dade da Califórnia. Num dos
jardins, há uma placa onde se
lê: “A crescente conexão: culti-
vando alimentos, conectando
mentes, colhendo esperanças”.
Apesar das críticas que tem re-
cebido sobre demasiada con-
centração de poder, há unani-
midade sobre a contribuição da
Google para democratizar o
acesso à informação.
possibilidades de inovação? Para entender o que isso significa, usou uma experiência
concreta que ele mesmo desenvolveu e ajudou a implementar na cidade de Baltimore.
Constatou-se a existência de uma média anual de 1,5 milhões de cadeiras va-
zias nos eventos culturais que efetivamente ocorrem na cidade. Através de um acor-
do construído pela prefeitura e a Associação dos Operadores de Casas Culturais, foi
acordado que 1% dessas cadeiras não-ocupadas seria liberado para que crianças e
adolescentes pobres da cidade pudessem freqüentar esses eventos gratuitamente.
As escolas públicas foram chamadas a ajudar na distribuição dos ingressos entre os
alunos mais pobres. Eis aí uma boa iniciativa que pode ser replicada em qualquer
cidade do mundo.
Mas promover a inovação social através da utilização mais racional dos recursos
ociosos disponíveis é uma questão abrangente. Apenas como exemplos para refletir:
imagine quantas pessoas aposentadas, com enorme conhecimento e experiência acu-
mulada, estão sendo pouco ou nada aproveitadas em benefício seu e da própria so-
ciedade; imagine quantos espaços naturais ou construídos estão sendo utilizados
muito aquém de sua capacidade e que poderiam ser de utilidade social essencial pa-
ra os que não dispõem de quase nenhum espaço. Ou então, reflita sobre a seguinte
informação: nos Estados Unidos, durante sua vida, uma pessoa fica em média 9 a 11
anos vendo televisão. Considerando que somente 5% dos norte-americanos fazem
algum trabalho voluntário, imagine quanto o voluntariado ainda poderia crescer se
uma pequena parte do tempo que a pessoa dedica a ver televisão fosse canalizada
para ações voluntárias em sua comunidade. Imagine que fantástico impacto social
teríamos se isso ocorresse também no Brasil e nos demais países. As plataformas co-
laborativas da internet serão muito úteis para conectar os recursos ociosos com as
suas possíveis utilizações mais racionais, gerando um novo valor social de grande im-
pacto na mudança do mundo para melhor.
colocados diretamente ao lado das palavras, frases, parágrafos ou imagens, aos quais
eles se relacionam.
“Reframe It pode ajudar a combater o poder da má informação, que distorce
nossa conversa sobre temas nacionais que importam. Qualquer pessoa que se im-
porta sobre a qualidade do diálogo público deverá saudar a transparência que ele
possibilita”, afirma Henry Gates Jr., membro do conselho consultivo da empresa Re-
frame It Inc.
A nova tecnologia pode ser acessada gratuitamente pelo endereço http://www.
reframeit.com/. Uma margem aparece do lado direito da tela e esse espaço permite
aos usuários destacar qualquer conteúdo ao qual deseja responder com um comen-
tário. Os comentários aparecem numa página separada da rede, que não altera o con-
teúdo da página que está sendo comentada. Reframe It é uma ferramenta ideal de
compartilhamento de informações para propósitos educacionais, empresariais, de
organizações e de lazer pessoal.
“Reframe It mudará a maneira como as páginas da rede são vistas e usadas”, diz
Bobby Fishkin, executivo da empresa. “Nós estamos entusiasmados em oferecer ao
mercado uma poderosa ferramenta para ajudar a promover o debate público em tem-
po real”. Ao unirem-se aos grupos de discussão de Reframe It, os usuários podem re-
alizar discussões públicas ou privadas, dependendo da amplitude desejada à conver-
sa. Ela será lançada com grupos de usuários de comunidades tais como Green options,
Always on e http://www.e-thepeople.org/ para possibilitar o debate de notícias am-
bientais, tecnológicas e políticas no momento em que ocorrem.
A Escola da Vida
De acordo com seu site, a Escola da Vida (http://www.theschooloflife.com/) é
uma nova empresa cultural localizada no centro de Londres que oferece orientação
inteligente sobre como levar uma vida plena. Preciso mesmo de um relacionamento
amoroso? Como aproveitar de forma mais inteligente e criativa o meu tempo livre?
O trabalho precisa ser algo chato e repetitivo? De onde saem nossos conceitos sobre
política? Dá para extrair mais proveito de visitas a museus, cinemas e teatros?
São oferecidos cursos à noite e finais de semana, férias em locais inesperados,
psicoterapia, conferências, refeições com conversas e debates, um corpo docente de
especialistas e um novo tipo de consultoria literária chamada biblioterapia. O corpo
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Um voluntário na campanha de Obama
docente é formado por alguns dos pensadores e artistas mais brilhantes no mundo,
incluindo Alain de Botton, Geoff Dyer, Susan Elderkin, Tom Hodgkinson, Brett Khar,
Robert Macfarlane e Martin Parr. A sua sede é uma loja pequena, mas espetacular,
que foi organizada como uma farmácia para a mente, um lugar onde as pessoas po-
dem experimentar uma variedade de soluções culturais para suas indisposições do
dia-a-dia. São oferecidos livros, obras de arte, cursos, serviços terapêuticos e de ocu-
pação do tempo livre.
No fundo da loja, uma porta conduz para uma fantástica sala de aula criada pela
artista Charlotte Mann. Ali são oferecidos cursos regulares à noite e nos finais de se-
mana, explorando os cinco temas centrais de nossas vidas: trabalho, lazer, família,
política e amor. As experiências de seu corpo docente unem-se com os insights de im
portantes pensadores do passado para proporcionar uma combinação única de bom
humor e inteligência, com relação às questões que a vida nos coloca no dia-a-dia.
A Escola da Vida está aberta para todos aqueles que estão procurando uma aven-
tura pessoal e intelectual. Suas audiências, como seus professores, caracterizam-se
pela curiosidade, sociabilidade, abertura de espírito e apetite pela vida.
um núcleo de propostas básicas, sugeridas por uma cartilha eleitoral chamada “Guia
do Voto Responsável”, está incluído em todas as cartas-compromisso.
Esse núcleo de medidas estratégicas – todas factíveis e estritamente de competên-
cia municipal – para impulsionar o desenvolvimento humano e social sustentável das
localidades está distribuído em quatro grandes eixos: educação básica, transparência,
qualificação profissional e desburocratização. Eles se desdobram em ações efetivas, ex-
postas a seguir.
modo especial, dos políticos que elegemos. Numa recente palestra que proferi para
estudantes universitários, quando perguntado sobre o que fazer, defendi que os estu-
dantes organizassem ONGs para fiscalizar os políticos que elegeram. Desse modo, o
cumprimento de promessas de campanha, o comportamento ético, a posição diante
de projetos relevantes, poderiam ser monitorados caso a caso, aumentando o víncu-
lo e o comprometimento, hoje quase inexistentes, entre representantes e representa-
dos, ou seja, entre políticos e cidadãos. Com as atuais ferramentas da internet, não só
esse monitoramento, como a sua publicização, ficou muitíssimo facilitada.
Diferenças culturais
Leio nos jornais do Rio Grande do Sul que setores do Movimento Tradicionalista Gaú-
cho estão preocupados com a influência de homossexuais em suas atividades. Leio, no
mesmo dia, nos jornais da Califórnia, um extenso artigo defendendo o voto contrário
na Proposição 8, uma espécie de plebiscito, que prevê a proibição do casamento entre
pessoas do mesmo sexo, hoje autorizado na Califórnia. A Proposição 8 tem o respaldo
dos setores religiosos mais conservadores, especialmente os católicos. E os argumentos
do articulista Andrew Szeri, no jornal San Jose Mercury News, não são de conteúdo mo-
ral. Szeri apóia-se nas idéias de Richard Florida, para quem “uma comunidade aberta
para as diferenças tem muito mais capacidade para atrair e reter a classe criativa de
cientistas altamente educados, artistas e empreendedores”.
Pessoas talentosas, diz Florida, procuram ambientes abertos para a diferença. “Quando
eles estão avaliando uma empresa ou comunidade, a aceitação da diversidade e de gays
e lésbicas em particular é um sinal que significa ‘pessoas não padronizadas são bem-
vindas aqui’”. Com base nessa visão, Szeri defende que a mudança na legislação da Ca-
lifórnia “vai mandar embora para a Europa ou Canadá os talentos que vêm bater em
nossa porta”. “Eles irão para lá fazer suas invenções, começar seus novos negócios, enri-
quecer a cultura, e formar opinião. Quando a competição global pelos melhores talentos
está se intensificando, nós não podemos permitir que a discriminação retorne à nossa
Constituição. A Califórnia tem uma responsabilidade em manter essa abertura de boas-
vindas para o mundo.”
50
Um voluntário na campanha de Obama
III
O sistema eleitoral
Escolha indireta
A eleição para presidente norte-americano não é direta, como no Brasil. O re-
sultado das eleições diretas para presidente em cada estado federado compõe o colé-
gio de delegados do estado, e os delegados dos 50 estados federados formam o Colé-
gio Eleitoral, que elege o presidente dos Estados Unidos. Se nenhum dos candidatos
obtiver pelo menos 270 votos no Colégio Eleitoral, o presidente será o candidato que
obtiver o maior número de votos na Câmara dos Deputados e o Vice-presidente aque-
le que obtiver o maior número de votos no Senado.
Voto facultativo
Também diferentemente do que ocorre no Brasil, nos Estados Unidos o voto é
facultativo. Os candidatos e partidos têm que realizar duplo esforço: conquistar os
eleitores e convencê-los a votar. Como o dia das eleições para presidente e para o Con-
gresso é sempre a primeira terça-feira do mês de novembro, e não é um feriado na-
cional, as pessoas têm que sair de seu trabalho, ou de seus afazeres normais de um
dia útil, para dirigir-se ao local de votação e votar. Isso, evidentemente, desestimula o
52
Um voluntário na campanha de Obama
mídia. Quanto maior a capacidade de buscar recursos, maior será o espaço que pode
rá comprar para divulgar seu nome, suas propostas e criticar seus adversários. Essa
característica contribui decisivamente para aumentar o poder do dinheiro nas elei-
ções americanas. Daí que passa a ser ainda mais crucial, para a qualidade da demo-
cracia norte-americana, a forma como o dinheiro é arrecadado pelos candidatos.
aumentou de 4,3 milhões de dólares para 15,7 milhões de dólares. Esse crescimento
ocorreu devido ao aumento das doações de financiadores. Em 1990, um terço das
doações originou-se de financiadores que doaram um milhão de dólares ou mais.
Em 2006, dois terços das doações tiveram aquele valor. Diante disso, o Centro de Es-
tudos Governamentais recomendou neste ano que a Califórnia impusesse um limite
de 100 mil dólares para cada doação, justificando que essa medida evitaria que uma
pessoa muito rica, uma empresa ou grupo interessado, dominasse o debate sobre
uma determinada proposição.
“Até certo ponto, isso corrompe o sistema”, disse-me Robert Stern, presidente do
Centro.“Com dinheiro suficiente, você pode aprovar ou rejeitar qualquer proposição...
e muito dinheiro geralmente derrota qualquer proposta”. Além disso, um limite para
doações tornaria “mais fácil para movimentos sociais e organizações de base compe-
tir”, segundo um apoiador da proposição que estimulava investimentos em fontes al-
ternativas de energia limpa.
mensagens de texto por telefone celular, que os eleitores receberam inclusive na vés-
pera do dia da eleição, lembrando-os para votar.
Financiamento popular
Mas a inovação mais crucial da campanha, e que mudará a política daqui para
a frente, é o sucesso de Obama em usar a internet para mobilizar uma imensa rede
de doadores de recursos, que lhe permitiu levantar dinheiro suficiente para expandir
o mapa eleitoral dos democratas e competir em estados tradicionalmente republica-
nos. Os resultados alcançados com esse novo método de financiamento ameaçam
sepultar uma das principais reformas políticas da era Watergate, que é o financiamen-
to público de campanhas. O candidato republicano, John MacCain, recebeu 84 mi-
lhões de dólares da Comissão Eleitoral Federal, mas Obama abriu mão de utilizar di-
nheiro do sistema de financiamento público, e assim não precisou submeter-se às
restrições impostas pela legislação eleitoral, podendo decidir com mais liberdade on-
de aplicar os recursos arrecadados.
Enquanto no Brasil estamos discutindo a introdução do financiamento público
de campanhas na reforma política, a grande inovação produzida pelas eleições nos
Estados Unidos é um novo tipo de financiamento, muito mais democrático, e com
maior fundamento ético. Trata-se do financiamento de campanhas pelos próprios
eleitores, baseado em pequenas contribuições voluntárias de milhões de doadores,
que o fazem como ato de vontade para respaldar e tornar viável a campanha do can-
didato em quem depositam sua confiança, e querem que vença as eleições, para que
possa colocar em prática suas propostas políticas. Segundo analistas, essa inovação
da campanha de Obama aniquilou o sistema público de financiamento existente nos
Estados Unidos.
57
Cezar Busatto
Pressão da sociedade
Na verdade, estamos vivendo um processo de
profundas transformações na forma como as cam-
panhas eleitorais são feitas. E essas mudanças, ma-
terializadas na campanha de Obama, refletem, por
sua vez, uma mudança cultural nos eleitores, produ-
zindo uma audiência que é ao mesmo tempo mais
bem informada, mais cética, e, através da leitura de
blogs, muitas vezes conferindo rumores e informa-
ções suspeitas.“Esses novos eleitores estão polician-
do as campanhas”, afirmou David Plouffe, coordena-
dor da campanha de Obama. Entre as mudanças
mais importantes desse ano está o intenso e novo
interesse pela política, que se expressou no registro de novos eleitores, aumento do
voto antecipado, e presença nos comícios de Obama. Entretanto, “sem um candidato
que emociona e mobiliza as pessoas, você pode ter a melhor estratégia e organização,
que elas não vão funcionar”, conclui Plouffe.
As mudanças postas em curso nas eleições norte-americanas resultam essen-
cialmente, sem dúvida, da pressão da sociedade civil, cujos movimentos de cidadãos,
utilizando a internet como veículo de comunicação e mobilização, praticamente con-
duziram a campanha de Barack Obama, imprimindo-lhe o conteúdo de sua platafor-
ma de propostas, a forma de organi-
zação em redes de vizinhos espalha-
das por praticamente todas as locali-
dades do país e a energia mobilizado-
ra, capaz de colocar 84 mil pessoas
num estádio de futebol americano pa-
ra ouvir o discurso de aceitação do
candidato democrata.
58
Um voluntário na campanha de Obama
Equipes de vizinhos
As pessoas foram estimuladas a organizar sua própria equipe de vizinhos para
promover eventos de divulgação e engajamento na campanha. Um site, no caso da
região do Vale do Silício onde morei, foi o http://www.sv4obama.com/, que fornecia
a relação dos vizinhos e um conjunto de orientações para o trabalho com a vizinhança.
Banco de telefones
Para essa atividade de fazer ligações telefônicas para vizinhos, amigos e outras
pessoas, além do roteiro de chamada (call script), era sugerido consultar o site http://
www.votebuilder.com/ e algumas páginas mais importantes do site principal da cam-
panha http://www.barackobama.com/, como foi o caso dos temas (issues), que apre-
sentavam as posições do candidato e a resposta às acusações (fight the smears).
59
Cezar Busatto
Viagens
As pessoas eram chamadas a formar grupos capacitados durante dois dias para
ajudar na campanha, dentro dos estados mais difíceis para Obama (Nevada, Colora-
do, Ohio, New Hampshire, Michigan), os chamados battleground states (estados com
luta corpo a corpo).
No caso da Califórnia, as pessoas eram principalmente deslocadas para ajudar
no estado de Nevada. Essa atividade foi considerada crucial e seus participantes eram
especialmente preparados pelo programa de treinamento em organização chamado
Camp Obama (Acampamento Obama).
Participação em eventos
A pessoa que desejasse participar de algum evento, em qualquer estado e cidade
do país, podia informar-se através da página find an event (encontre um evento) no
site http://www.barackobama.com/.
Outras atividades
Entre elas incluíam-se equipe de tecnologia, que recebia colaboração de peri-
tos em tecnologia da informação; finanças, que buscava colaboradores para ajudar
a levantar recursos para a campanha; facilidades e materiais, que recebiam contri-
buições para equipar os comitês, material de propaganda, meios de transporte, etc.;
e escritório, que buscava colaboradores para o atendimento voluntário nos comitês
de campanha.
62
Um voluntário na campanha de Obama
Mobilização de vizinhos
No último dia da convenção do Partido Democrata, tive a oportunidade de
assistir ao discurso de Barack Obama na televisão da casa de Margaret Valliant,
uma chefe de família norte-americana que, como milhares de outras, abriram suas
residências para acompanhar junto com os vizinhos o pronunciamento do candi-
dato. Esse movimento voluntário de mobilização de milhares de pessoas por todo
o país, chamado Yes we Can (Sim nós Podemos), foi organizado por uma ONG po-
derosa chamada MoveOn – www.moveon.org – Política em Ação, totalmente enga-
jada na campanha.
Fiquei impressionado com o que vi na casa de Margaret, na cidade de Santa Cla-
ra, a cerca de 10 milhas de onde eu morava. Pelas condições de sua casa, concluí que
Margaret é uma mulher de classe média baixa. Estavam lá 12 pessoas adultas, fora
66
Um voluntário na campanha de Obama
75
Cezar Busatto
Washington e Brasília
Tanto Obama quanto McCain disseram que é preciso mudar o jeito de trabalhar
de Washington, a capital política dos Estados Unidos. Que o jeito atual está falido.
Referem-se ao domínio exercido pelos chamados interesses privilegiados, a indús-
tria do lobby, que impede a tomada de decisões políticas relevantes para o país, os
casos freqüentes de corrupção, a falta de compromisso público de muitos executivos
76
Um voluntário na campanha de Obama
77
Cezar Busatto
Obama e os muçulmanos
O fato de Obama ser filho de um pai queniano, ter no seu nome do meio Hus-
sein, e ter cor negra, foi motivo para os republicanos identificarem-no como muçul-
mano e simpatizante de terroristas. Tristemente, para uma parcela conservadora e
iletrada da sociedade norte-americana, ser muçulmano e simpatizante do terrorismo
são sinônimos. Mas esse equívoco foi duramente questionado por todos os lados.
80
Um voluntário na campanha de Obama
82
Um voluntário na campanha de Obama
83
Cezar Busatto
votantes de Obama. Com isso, se criou uma base de dados. Nos Estados Unidos se vota
sempre numa terça-feira. É um dia de trabalho e muita gente não vai votar porque vol-
ta cansada do trabalho ou tem que cuidar dos seus filhos. Isso atinge muito as minorias
afro-americanas e latinas. Vários estados estão tomando medidas para resolver esse
problema. Na Califórnia se pode votar pelo correio. No Oregon, somente se vota pelo
correio. Em Nevada, foi permitido aos eleitores votar antes em lugares específicos, como
supermercados, bibliotecas, etc.
Durante este período visitávamos as casas já identificadas como possíveis votantes de
Obama para que comparecessem a votar com antecedência. Cada noite levávamos nos-
sa informação e uma equipe de voluntários com laptops atualizavam as listas com os
dados recebidos do escritório de votação e eliminavam os que já haviam votado. Para
o dia da votação, já mais de 50% de nossa base de dados havia votado. Para o último
dia, minha companheira e eu tínhamos uma lista de 50 pessoas, fizemos um primeiro
roteiro às seis da manhã para deixar notícias na porta das casas que pudessem lembrar
as pessoas antes de ir trabalhar. Fizemos outra passada às dez da manhã, a lista se atu-
alizou às duas da tarde. Às quatro da tarde fizemos mais uma passada, e quando ter-
minamos, às seis, restaram cinco eleitores que ainda não haviam se apresentado para
votar. A eleição terminou às oito da noite.
Em cada lugar de votação havia dois advogados voluntários que se alternavam para
resolver problemas. Houve alguns trotes, nos informaram que hackers haviam invadido
o sistema na Universidade e haviam mudado a data para a quarta-feira, dia 5, e que
estavam chamando eleitores latinos para dizer-lhes que os de origem espanhola vota-
vam na quarta-feira e que podiam votar por telefone. Difícil de acreditar, mas no dia
que partimos, quando estávamos no estacionamento, ainda com botões e camisetas do
Obama, se aproximou para falar uma empregada do hotel. Nos disse que os empregados
estavam todos festejando pelo triunfo de Obama. Ela comentou que havia recebido uma
chamada telefônica em que lhe perguntaram se iria votar, ela disse “sim”; quantas pes-
soas aptas a votar, ela disse “seis”; e em quem pensava votar, “por Obama”. A pessoa que
ligou ainda perguntou: “você sabe que pode votar por telefone? Se quiseres, eu anoto o
nome dos seis eleitores”. “Não”, disse ela, “prefiro ir ao lugar onde se vota”.
O espírito dos voluntários foi magnífico, cada final de semana nós juntávamos mais de
mil californianos em Reno, além dos milhares que estavam fazendo chamadas telefôni-
cas desde a Califórnia. Eu visitei bairros com a maioria de latinos. Ainda que várias
casas tenham sido visitadas várias vezes, somente uma pessoa protestou, me disse: “vo-
cê aqui, acabo de bater o telefone para uma chamada dos Democratas”, e bateu a porta.
84
Um voluntário na campanha de Obama
Em outro lugar uma mulher me disse: “desde as primárias até agora recebi sete visitas”,
comecei a desculpar-me e ela me interrompeu, “não, está bem obrigado pelo seu traba-
lho”. Também parei para falar com pessoas nas ruas e em partidas de futebol, como a
que estivemos contigo,Cezar.
Fiquei satisfeito nessa eleição por ter feito o melhor que pude. No começo disse que nos úl
timos 25 anos o país havia entrado em um estado de alienação coletiva. Desta vez se per
cebe um despertar. A tomada de consciência se produziu gradualmente com a guerra
no Iraque e se fez com a crise do furacão Katrina. A situação econômica e social é muito
grave, mas agora há muita esperança e a convicção de que vamos ter que fazer sacrifícios.
Torcida mundial
Segundo pesquisa da BBC de Londres em 22 países, Obama era o candidato pre-
ferido para a presidência dos Estados Unidos: 49% queriam Obama contra 12% que
preferiam McCain. Além disso, 46% dos entrevistados acreditavam que as relações
internacionais dos EUA melhorarão com o democrata, contra 20% que consideravam
que melhorariam com o republicano. Os países mais otimistas com relação a um fu-
turo governo Obama eram: Canadá (66%); Alemanha (61%); Reino Unido (54%);
Itália (71%) e França (69%). No Brasil, 51% dos entrevistados preferiam a vitória de
Obama e apenas 8% preferiam McCain.
de agradecer a seu vice Joe Biden, a seu coordenador de campanha, David Plouffe, a
seu chefe de estratégia, David Axelrud, “que idealizaram e realizaram a melhor cam-
panha da história”, Obama dirigiu-se à multidão e afirmou que “essa vitória pertence
a vocês, é a sua vitória”.
88
Um voluntário na campanha de Obama
Mobilização da sociedade
Recebi cartas de vários participantes do movimento MoveOn – http://www.mo-
veon.org/, que começavam a organizar a mobilização de pessoas em todos os Estados
Unidos. O plano é desencadear uma grande campanha para apoiar o presidente eleito
Barack Obama nas reformas progressistas que pretende fazer após tomar posse. A mo
bilização começará localmente, devendo chegar até Washington, para se ter certeza de
que o Congresso sinta-se pressionado a trabalhar com Obama em suas iniciativas-chave.
O movimento confia que Obama fará mudanças reais na economia do país, enfrenta-
rá a crise climática com tecnologias limpas, implantará um sistema universal de aten-
dimento à saúde e terminará a guerra com o Iraque. “Mas não há nenhuma maneira
de ele fazer isso sem milhões de nós apoiando-o”, afirmam os coordenadores locais
do MoveOn. Iniciativas como essa confirmam que o movimento de milhões de pes-
soas que elegeu Obama deverá continuar durante seu governo, para assegurar que as
principais mudanças prometidas em campanha saiam do papel e tornem-se realida
de, inaugurando uma nova era da sociedade e da política norte-americanas.
as mudanças que serão feitas pelo novo governo. Ou seja, o movimento mudancista
vai além da vitória eleitoral, transformando-se numa força política pela mudança nas
comunidades locais e no país como um todo.
Cezar,
Essa semana, o presidente eleito Barack Obama está anunciando os membros cha-
ve de sua equipe econômica na Casa Branca, que o ajudará a enfrentar sérios desafios
e trazer a mudança que nós precisamos para Washington.
Mas há muito trabalho para ser feito nas comunidades por todo o país – inclusive
a sua. Nos dias 13 e 14 de dezembro, apoiadores estarão reunindo-se para refletir sobre
o que nós conquistamos e ajudar a planejar o futuro desse movimento.
Muitos de vocês já encaminharam a sua avaliação através da pesquisa on line.
Nossa equipe em Chicago está analisando um impressionante número de respostas de-
talhadas, e suas contribuições ajudarão a conduzir o futuro desse movimento de base.
Inscreva-se para abrigar em sua casa um encontro “Mudança Está Chegando” e
convide seus amigos, familiares, e vizinhos para participarem. Você receberá tudo o que
precisa para fazer de seu encontro um sucesso, incluindo um DVD especial que nossa
equipe preparou especificamente para esses encontros.
Discutam os temas que são os mais importantes para vocês, o que vocês podem
fazer para apoiar a agenda de Obama, e como vocês podem continuar promovendo um
impacto em sua comunidade.
Agora é a hora de colocar de lado o partidarismo e a política, encontrar um terre-
no de preocupações comuns, e trabalhar juntos. Por favor, convide aqueles que podem
não ter se envolvido na campanha, e mesmo aqueles que podem ter apoiado nosso ad-
versário. Os desafios que nós temos que enfrentar exigem que nós sejamos os mais in-
clusivos possível. Eles precisarão de todos trabalhando juntos para colocar nosso país
novamente nos trilhos.
Promova um encontro para celebrar nossa histórica conquista e dê os próximos
passos para trazer as mudanças que nosso país necessita:
http://my.barackobama.com/changeiscoming
Seu envolvimento permanente é crucial para o futuro desse movimento.
Como Barack Obama disse na noite da eleição, “Esta vitória não é a mudança que
nós buscamos – ela é somente a oportunidade para nós fazermos aquela mudança.”
A organização de base que você construiu para ganhar a eleição continuará para
colocar nosso país em novo caminho. Obrigado por tudo o que você está fazendo,
David
93
Cezar Busatto
Obama e o mundo
Os analistas mais esclarecidos identificam nos grandes desafios deste início de
século, a necessidade de um perfil pacificador e negociador para o próximo presiden-
te da principal potência política e militar do Planeta, necessidade realçada após os
oito anos de Bush. De fato, o mundo da era da globalização vê-se diante de novas
questões cruciais, como os limites impostos pelo aquecimento global, a escassez de
água, a pressão do crescimento do consumo global sobre as reservas naturais de ma-
térias-primas e fontes de energia.
Ao lado disso, o desafio da convivência de culturas e religiões tão diferentes, em
meio a um mundo marcado por profundas e crescentes desigualdades sociais, que
tem produzido manifestações de extremismo, fanatismo e atos terroristas da mais
alta gravidade. Nesse mundo globalizado, desigual e tenso, a presença de líderes que
utilizem o diálogo e a diplomacia como método de relacionamento internacional, que
atuem como pacificadores, negociadores, construtores de entendimento e coopera-
ção, passa a ser uma questão emblemática.
Não é de estranhar, portanto, que a conclamação de Obama em seu já histórico
discurso em Berlim, por uma cooperação americana européia em beneficio da der-
rubada dos muros da intolerância, dos preconceitos e das desigualdades em todo o
mundo, de modo a fazer que the world stands as one (o mundo se una), tenha sido
tão bem recebida mundialmente.
94
Um voluntário na campanha de Obama
iv
“As pessoas focaram tanto na crise financeira imediata, que não se deram conta
do quanto a economia real está caindo”, diz Dean Baker, do Centro de Economia e
Pesquisa em Políticas Públicas, em Washington. A crise financeira não é o problema
fundamental, mesmo sendo o mais aparente. Ela apenas amplificou as fragilidades
econômicas, que agora estão se intensificando.
Dessa reflexão, Krugman retira uma importante lição política: medidas econômicas
erradas podem rapidamente minar um governo. Se o novo governo não proporcionar
uma recuperação da economia nos primeiros anos, a euforia democrata de agora te-
rá vida curta. “Meu conselho para a equipe de Obama é calcular quanto eles acham
que a economia necessita de ajuda, e sobre esse montante acrescentar mais 50%. É
muito melhor, numa economia deprimida, errar pelo lado do estímulo excessivo do
que pelo lado do estímulo insuficiente”.
•P
overTea (semelhança com poverty=pobreza): conversa com professores de Stan-
ford sobre pobreza nos Estados Unidos;
• Nenhum lugar como o Lar: um olhar sobre a luta por moradia nos Estados Unidos;
• S erviços e Privilégios: uma discussão sobre a ética dos serviços comunitários e a di-
nâmica escondida dos privilégios;
97
Cezar Busatto
100
Um voluntário na campanha de Obama
financeiras e bancos, nos Estados Unidos e nas principais praças financeiras, afe-
tando o sistema produtivo e comercial da economia mundial e provocando desem-
prego em grande escala. Ademais, os termos dessa iniciativa de importância trans-
cendental foram negociados exaustivamente pelo próprio presidente Bush e auto-
ridades econômicas do governo, com os líderes dos partidos Democrata e Republi-
cano, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, tendo inclusive participa-
do dessas negociações os dois candidatos à presidência, Barack Obama e John Mc-
Cain. Como se isso não bastasse, a grande imprensa, unanimemente, defendeu a
aprovação do plano de socorro negociado, a tal ponto que a expectativa de sua apro-
vação era generalizada.
Como, então, o plano foi rejeitado pela maioria dos parlamentares, contrariando
todas as expectativas? Para encontrar resposta a essa pergunta, é preciso sair do cir-
cuito tradicional da política, representado pelas autoridades governamentais, as casas
legislativas e a grande mídia, e examinar o que está acontecendo nas novas formas de
comunicação e expressão, como são os blogs, as cartas e sessões de comentários dos
jornais, os sites na internet, as pesquisas on-line, os programas de rádio e televisão
com manifestações por telefone ao vivo dos ouvintes e telespectadores. Nesses novos
meios sem filtros, conforma-se uma verdadeira rede de pessoas que manifestam li-
vremente seus sentimentos, suas verdades, suas idéias e posições políticas. Através
deles, está sendo forjada uma nova democracia direta, com peso e influência crescen-
te na definição dos rumos do país.
Pois bem, milhões de mensagens foram postadas, registradas, veiculadas e mi-
lhares delas enviadas para os parlamentares nesses últimos dias, mostrando a incon-
formidade da esmagadora maioria das pessoas com o socorro de quase um trilhão
de dólares às grandes instituições financeiras. As mesmas que se beneficiaram du-
rante décadas com lucros fabulosos através da especulação financeira desenfreada e
sem controles, que são as causadoras da crise e que agora querem ser socorridas com
dinheiro dos contribuintes para cobrir seus prejuízos.
As pessoas expressaram sua raiva de ter que pagar essa conta, denunciaram a fal
ta de alternativas, a não ser colocar esse fardo nas costas dos contribuintes. “Porque,
quando as peças do dominó caem, elas sempre caem sobre nós?” Talvez esteja nessa
nova rede de expressão da vontade popular a explicação da rejeição do plano de so
corro pela maioria dos Congressistas, surpreendente se olhada só pela ótica dos gran
des atores da política institucional. Foi flagrado seu descolamento, tanto de suas bases
parlamentares imediatas, como principalmente do sentimento e da manifestação das
105
Cezar Busatto
ruas. Revelou-se, portanto, nesse episódio, a conjugação de uma dupla crise, de lideran
ça e de governança da própria crise – reflexo de uma crise mais profunda do modelo
democrático que vigora nos Estados Unidos e em muitas outras nações do mundo.
107
Cezar Busatto
exitosa do Governo Clinton sinalizava para a continuidade de uma política fiscal res-
ponsável, o novo governo voltou a cortar impostos, financiar uma onda consumista
e, ainda por cima, pagar por uma guerra caríssima e administrar um déficit fiscal
crescente, tudo ao mesmo tempo. O resultado, como se constatou, foi o crescimento
explosivo dos déficits comercial e fiscal. A queda do dólar indica que nós chegamos
ao ponto em que essa política é insustentável.
O fracasso da política de desregulamentação estava claro, na verdade, muito an-
tes do colapso de Wall Street. Na Califórnia, os preços da energia elétrica dispararam
nos anos 2000 e 2001 como resultado da desregulamentação do mercado de energia
no Estado, e companhias inescrupulosas como a Enron manipulando em seu favor.
A própria Enron e outras companhias quebraram em 2004 porque padrões contábeis
não foram adequadamente exigidos.
A desigualdade nos Estados Unidos cresceu na última década porque os ganhos
do crescimento econômico beneficiaram desproporcionalmente os americanos mais
ricos e letrados, enquanto os salários dos trabalhadores estagnaram. Finalmente, a
desastrada ocupação do Iraque e a resposta ao furacão Katrina expuseram de cima a
baixo a fraqueza do setor público, resultado de décadas de insuficiência de recursos
e do desprestigiamento dos servidores públicos desde os anos Reagan.
112
Um voluntário na campanha de Obama
se perguntam se essas autoridades sabem o que estão fazendo. Essa perda de cre-
dibilidade terá duras conseqüências.
Globalmente, os Estados Unidos não mais desfrutarão a posição hegemônica
que ocuparam até agora. A capacidade norte-americana de moldar a economia mun-
dial através de acordos de comércio com o apoio do FMI e Banco Mundial estará re-
duzida, da mesma forma que os seus recursos financeiros. Em muitas partes do mun-
do, as idéias norte-americanas, o assessoramento e mesmo a ajuda será menos bem-
vinda do que foi até agora.
visão de estreitamento das relações com os países aliados, permite antever respeito e
relevância ao papel da ONU nas situações de conflito. A política unilateral e atrope-
ladora das instituições de mediação internacional de conflitos, que predominou no
governo Bush, será descartada. O fim do bloqueio a Cuba deverá fazer parte dessa
nova estratégia.
O último livro de Kliksberg, Primero la gente, é uma co-autoria com o Prêmio
Nobel Amartia Sen, editado primeiramente na Espanha. Os autores identificam-se na
análise da economia mundial, que na época da globalização acentuou as desigualda-
des e o desrespeito à dignidade da pessoa humana. No seu estágio atual, a globaliza-
ção impulsionou a modernização tecnológica e a eficiência produtiva, ao mesmo tem-
po em que universalizou o modelo capitalista da economia de mercado, derrubando
todos os muros ideológicos que se lhe antepunham. Entretanto, esse mesmo proces-
so aguçou a face especulativa e concentradora de riqueza da economia capitalista,
mantendo uma terça parte da humanidade em situação de pobreza absoluta. A força
da sociedade civil e dos novos personagens da cena política, o voluntariado, as mu-
lheres, a juventude, as empresas socialmente responsáveis, a política e os governos
pautados pela ética, são vistos como os fatores propulsores das mudanças que a sus-
tentabilidade do planeta exige.
118
Este livro foi desenhado pela Coletiva Editora Ltda. com as tipologias Myriad Pro e Minion Pro condensada
e impresso pelas oficinas da Gráfica Editora Pallotti (RS/Brasil), em dezembro de 2008.
O papel do miolo é Chamois Fine Dunas 80 g/m2 e o da capa Supremo 250 g/m2.
Cezar Busatto,
economista, ex-deputado
e ex-secretário municipal
de Porto Alegre e do Estado
do Rio Grande do Sul,
com mais de quarenta anos
de militância política. Começou no
movimento estudantil nos anos 60
e no início dos anos 70 ingressou
na política partidária para reforçar
a sua luta democrática.
EM CO-AUTORIA
A Era dos Vagalumes - 2006
Jogo da Verdade, O Pacto Pelo Rio Grande - 2006
Olhares Sobre a Governança Solidária Local
de Porto Alegre - 2008
Cezar Busatto, Cezar, A convite da Universidade de Stanford,
economista, ex-deputado Cezar Busatto viajou do Brasil aos
Estou para dirigir-me ao Parque Grant para falar para todos lá reunidos,
e ex-secretário municipal Estados Unidos, em agosto de 2008,
mas queria escrever para ti primeiro. Nós recém fizemos história.
de Porto Alegre e do Estado para observar a eleição presidencial.
E não quero que esqueças como nós fizemos isso.
do Rio Grande do Sul, E assim tornou-se testemunha
com mais de quarenta anos Tu fizestes história a cada dia durante essa campanha – cada dia privilegiada de dois episódios
de militância política. Começou no que batestes em portas, fizestes uma doação, ou falastes com tua família, norte-americanos que estão
movimento estudantil nos anos 60 amigos e vizinhos sobre por que tu acreditas que é tempo de mudança. produzindo conseqüências em
e no início dos anos 70 ingressou dimensão planetária: a eclosão da crise
Quero falar para cada um de vocês que deu seu tempo, talento,
na política partidária para reforçar financeira e econômica, que ameaça
e paixão para essa campanha. Nós temos muito trabalho a fazer
a sua luta democrática. conduzir a economia mundial à
para recolocar nosso país nos trilhos, e brevemente voltarei
depressão, e o movimento social
Nos últimos dez anos, se dedicou a fazer contato a respeito do que virá em seguida.
que resultou na eleição do candidato
a promover o paradigma da
Mas quero ser muito claro sobre uma coisa... democrata Barack Obama para
responsabilidade social como
Tudo isso aconteceu por causa de ti. a Casa Branca.
compromisso maior de todos, pessoas,
instituições, empresas e poder público Obrigado. Mais do que observador,
em todos os níveis. Desse aprendizado Barack Busatto foi narrador e analista
originou-se o conceito de governança
daqueles acontecimentos em seu
solidária local, que traz no seu bojo
blog www.vidademocratica.com.
uma nova concepção de democracia,
E mais do que observador, narrador
de desenvolvimento, de governo, A revolução instituída pela campanha de Barack Obama, no âmbito do Marketing Político, foi fortemente baseada na
exploração de recursos tecnológicos numa escala sem precedentes em disputas eleitorais. Do uso daqueles recursos e analista, foi um dos milhões de
uma nova cultura política.
resultou, por exemplo, a distribuição, via internet, de cartas personalizadas para milhões de apoiadores, em vários
Um voluntário na campanha de cidadãos que se fizeram trabalhadores
OBAMA
Essas inovações políticas estão momentos da campanha. Uma das cartas assinadas pelo próprio Obama foi distribuída aos apoiadores imediatamente voluntários na campanha democrata,
depois de conhecido o resultado da eleição, com a vitória do candidato democrata. É o texto acima, em tradução livre.
sendo experimentadas desde 2005 em mobilizados pela confiança e pela
Porto Alegre e orientaram o seu trabalho esperança em Obama.
como coordenador geral da Conferência
Mundial sobre o Desenvolvimento de Toda a riqueza dessa experiência
Cidades, que se realizou em fevereiro de múltipla face, vivida em
de 2008 na capital dos gaúchos. oportunidade singular, é o que o
gaúcho Cezar Busatto, 56 anos,
expõe neste livro.
OUTROS TÍTULOS DO AUTOR
Anjos Anômimos - 1999
Democracia, Prosperidade, Responsabilidade Social - 2001
Responsabilidade Social, Revolução do Nosso Tempo - 2003 Cezar Busatto
EM CO-AUTORIA
A Era dos Vagalumes - 2006 ISBN 978-85-62275-00-5
Jogo da Verdade, O Pacto Pelo Rio Grande - 2006
Olhares Sobre a Governança Solidária Local
de Porto Alegre - 2008