Um Voluntario Na Campanha de Obama

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Cezar Busatto, Cezar, A convite da Universidade de Stanford,

economista, ex-deputado Cezar Busatto viajou do Brasil aos


Estou para dirigir-me ao Parque Grant para falar para todos lá reunidos,
e ex-secretário municipal Estados Unidos, em agosto de 2008,
mas queria escrever para ti primeiro. Nós recém fizemos história.
de Porto Alegre e do Estado para observar a eleição presidencial.
E não quero que esqueças como nós fizemos isso.
do Rio Grande do Sul, E assim tornou-se testemunha
com mais de quarenta anos Tu fizestes história a cada dia durante essa campanha – cada dia privilegiada de dois episódios
de militância política. Começou no que batestes em portas, fizestes uma doação, ou falastes com tua família, norte-americanos que estão
movimento estudantil nos anos 60 amigos e vizinhos sobre por que tu acreditas que é tempo de mudança. produzindo conseqüências em
e no início dos anos 70 ingressou dimensão planetária: a eclosão da crise
Quero falar para cada um de vocês que deu seu tempo, talento,
na política partidária para reforçar financeira e econômica, que ameaça
e paixão para essa campanha. Nós temos muito trabalho a fazer
a sua luta democrática. conduzir a economia mundial à
para recolocar nosso país nos trilhos, e brevemente voltarei
depressão, e o movimento social
Nos últimos dez anos, se dedicou a fazer contato a respeito do que virá em seguida.
que resultou na eleição do candidato
a promover o paradigma da
Mas quero ser muito claro sobre uma coisa... democrata Barack Obama para
responsabilidade social como
Tudo isso aconteceu por causa de ti. a Casa Branca.
compromisso maior de todos, pessoas,
instituições, empresas e poder público Obrigado. Mais do que observador,
em todos os níveis. Desse aprendizado Barack Busatto foi narrador e analista
originou-se o conceito de governança
daqueles acontecimentos em seu
solidária local, que traz no seu bojo
blog www.vidademocratica.com.
uma nova concepção de democracia,
E mais do que observador, narrador
de desenvolvimento, de governo, A revolução instituída pela campanha de Barack Obama, no âmbito do Marketing Político, foi fortemente baseada na
exploração de recursos tecnológicos numa escala sem precedentes em disputas eleitorais. Do uso daqueles recursos e analista, foi um dos milhões de
uma nova cultura política.
resultou, por exemplo, a distribuição, via internet, de cartas personalizadas para milhões de apoiadores, em vários
Um voluntário na campanha de cidadãos que se fizeram trabalhadores

OBAMA
Essas inovações políticas estão momentos da campanha. Uma das cartas assinadas pelo próprio Obama foi distribuída aos apoiadores imediatamente voluntários na campanha democrata,
depois de conhecido o resultado da eleição, com a vitória do candidato democrata. É o texto acima, em tradução livre.
sendo experimentadas desde 2005 em mobilizados pela confiança e pela
Porto Alegre e orientaram o seu trabalho esperança em Obama.
como coordenador geral da Conferência
Mundial sobre o Desenvolvimento de Toda a riqueza dessa experiência
Cidades, que se realizou em fevereiro de múltipla face, vivida em
de 2008 na capital dos gaúchos. oportunidade singular, é o que o
gaúcho Cezar Busatto, 56 anos,
expõe neste livro.
OUTROS TÍTULOS DO AUTOR
Anjos Anômimos - 1999
Democracia, Prosperidade, Responsabilidade Social - 2001
Responsabilidade Social, Revolução do Nosso Tempo - 2003 Cezar Busatto
EM CO-AUTORIA
A Era dos Vagalumes - 2006 ISBN 978-85-62275-00-5
Jogo da Verdade, O Pacto Pelo Rio Grande - 2006
Olhares Sobre a Governança Solidária Local
de Porto Alegre - 2008
A convite da Universidade de Stanford,
Cezar Busatto viajou do Brasil aos
Estados Unidos, em agosto de 2008,
para observar a eleição presidencial.
E assim tornou-se testemunha
privilegiada de dois episódios
norte-americanos que estão
produzindo conseqüências em
dimensão planetária: a eclosão da crise
financeira e econômica, que ameaça
conduzir a economia mundial à
depressão, e o movimento social
que resultou na eleição do candidato
democrata Barack Obama para
a Casa Branca.

Mais do que observador,


Busatto foi narrador e analista
daqueles acontecimentos em seu
blog www.vidademocratica.com.
E mais do que observador, narrador
e analista, foi um dos milhões de
cidadãos que se fizeram trabalhadores
voluntários na campanha democrata,
mobilizados pela confiança e pela
esperança em Obama.

Toda a riqueza dessa experiência


de múltipla face, vivida em
oportunidade singular, é o que o
gaúcho Cezar Busatto, 56 anos,
expõe neste livro.
sumário

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

I A necessidade de revigorar a democracia . . . . . . . . . . . . . . . 14

II Governança e Responsabilidade Social . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

III A eleição nos Estados Unidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

IV A crise econômica e financeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95


projeto, edição e produção gráfica
Coletiva Editora Ltda.

revisão editorial
Robson Barenho

revisão
Elenita Andreatta

capa
Guilherme Dietrich

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

B976 Busatto, Cézar Augusto, 1952- .


Um voluntário na campanha de Obama /
Cézar Augusto Busatto. – Porto Alegre : Coletiva, 2008.
120 p. : il.
ISBN 978-85-62275-00-5
1. Obama Junior, Barack Hussein, 1961- .
2. Política 3. Eleições – Estados Unidos da América
4. Campanha Eleitoral I. Título.
CDU 324(73)

bibliotecário responsável Rodrigo Costa Barboza CRB-10/1694

Avenida Carlos Gomes, 1155 Conj. 401 90480-004 Porto Alegre RS Brasil
Fone/Fax 51 3331.5278 [email protected]
Ao professor James Fishkin, sua esposa Shelley e seu filho Bob,
aos voluntários da campanha Bárbara Oceanlight e Ernesto Munhoz,
à minha irmã norte-americana Sue Bonner, seu marido Bill e filhos Wim e
Hope, ao meu irmão Barry Johnson e seu filho Ben, que me inseriram na vida
norte-americana e no movimento social que está mudando os Estados Unidos.

Ao jovem artista Guilherme Dietrich. À coordenação competente


de Gabriel Fuscaldo, à dedicação de Elenita Andreatta e Tiba e,
especialmente, aos amigos José Fuscaldo, José A. Vieira da Cunha
e Magali Barbiani, da Coletiva Editora, que foram
decisivos para que esse livro viesse à luz.
Um voluntário na campanha de Obama

apresentação

O Marketing Político entra em nova era

A longa campanha presidencial norte-americana, que resultou na eleição de


Barack Obama, recebeu tratamento superficial da mídia tradicional do Brasil – te-
levisão, rádio, jornais e revistas. Por esse tratamento, predominou amplamente ape-
nas um aspecto posto em jogo pela disputa: a diferença da cor de Obama frente a de
Hillary Clinton, sua adversária no Partido Democrata, e a de John McCain, seu opo-
nente republicano. Grosso modo, portanto, a ênfase da cobertura da mídia brasilei-
ra nunca foi além de assinalar os confrontos de um candidato negro com dois ad-
versários brancos.
É certo que a simples candidatura de um negro, correntemente denominado
afro-americano, à presidência dos Estados Unidos da América contém ineditismo e
simbolismo extraordinários. Mas isso não esconde o fato de que a ênfase quase ex-
clusiva sobre a questão racial estabeleceu uma drástica redução do conjunto de cir-
cunstâncias e de elementos que formaram a campanha e decidiram a disputa em fa-
vor de Obama.
Este livro, em primeiro lugar, rompe aquela redução. E, ao rompê-la, desvenda
ao público brasileiro, entre outros aspectos relevantes, nada menos do que uma revo-
lução produzida pela campanha de Barack Obama no segmento de Comunicação que
chamamos de Marketing Político. O Partido Democrata e seu candidato levaram o
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Cezar Busatto

uso político e eleitoral da internet, da telefonia celular e de tecnologia, por exemplo,


a um patamar até então inalcançado, seja em volume de público, em nível de organi-
zação ou em eficiência operacional.
Pouco mais de 30 dias após a eleição de Obama, o jornal Washington Post publi-
cou uma espécie de balanço não oficial da rede de apoio e do sistema de comunicação
eletrônica construídos e mobilizados na campanha democrata.
Alguns números impressionantes divulgados pelo Post:

• a lista de emails de Barack Obama é formada por mais de 13 milhões de


endereços – e mais 5 milhões de apoiadores se reuniram em diversas redes de
relacionamento;

• a assessoria do candidato enviou mais de sete mil diferentes mensagens ao longo


da campanha;

• o número de emails encaminhados superou a 1 bilhão;

• o número de pessoas que se inscreveram para receber mensagens de texto por


telefone chegou a 1 milhão;

• no dia da eleição, pelo menos 3 mensagens de texto foram enviadas a cada eleitor
inscrito no programa;

• os apoiadores de Obama receberam, em média, entre 5 e 20 mensagens por mês,


dependendo de onde viviam;

• no site http://www.mybarackobama.com/ ou no http://www.mybo.com/, a própria


rede de Obama, 2 milhões de perfis foram criados;

• foram escritas cerca de 400 mil postagens de blog;

• aproximadamente 3 milhões de chamadas telefônicas foram feitas apenas nos


últimos 4 dias de campanha, usando uma única plataforma de banco de telefones;

• mais de 5,4 milhões de usuários “clicaram” o botão “Eu votei”, no dia da eleição,
para avisar seus amigos do Facebook que eles haviam comparecido às urnas.
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Um voluntário na campanha de Obama

Mesmo sem o inteiro conhecimento desses números, só há pouco divulgados,


não foi difícil a um político experiente como Cezar Busatto perceber que se desenca-
deara nos Estados Unidos, logo após a escolha de Obama pelo Partido Democrata,
um movimento político e eleitoral de dimensões épicas. Até porque ele teve o privi-
légio de estar no centro do furacão.
Busatto viajara para os Estados Unidos em agosto, convidado pelo Centro de
Democracia Deliberativa da Universidade de Stanford, em Palo Alto, Vale do Silício,
na Califórnia, para observar as eleições e examinar propaladas inovações políticas no
âmbito dos partidos e da sociedade civil. Acabou convivendo – e se envolvendo irres-
tritamente – com uma campanha que descreve como “um dos mais belos aconteci-
mentos democráticos da história recente da humanidade, cujas implicações políticas,
econômicas, sociais e culturais haverão de influenciar a agenda mundial nos próxi-
mos anos.”
Da participação e da observação da campanha presidencial norte-americana
resultou, já durante a disputa, o precioso conteúdo das postagens que Busatto fez em
seu blog www.vidademocratica.com. Agora resulta este livro – que tem o conteúdo
do blog como matéria-prima e que a Coletiva Editora cumpre o dever de publicar,
orientada pela convicção de que está contribuindo, a um só tempo, para o aperfeiçoa­
­mento da Comunicação e da Democracia.

A Editora

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Cezar Busatto

introdução

Revolução na política,
na sociedade e
na economia dos
Estados Unidos

A política tradicional tornou-se um


sistema auto-referente, voltado para sua
própria reprodução e desconectado dos
anseios mais profundos da sociedade.
En­­­contra-se demasiadamente submeti-
da à lógica das pesquisas de opinião, que
recomenda conquistar o voto do eleitor
dizendo o que ele quer ouvir, e não a de
dizer o que realmente precisa ser feito
pa­­­ra melhorar a vida das pessoas, de su-
as comunidades, do país e do planeta. O
resultado mais comum dessa estratégia
de manipulação é o horror político tra­­du­
­zido pelo persistente descumprimento
10
Um voluntário na campanha de Obama

do que foi prometido durante a campanha eleitoral. Essa forma de fazer política, por-
que requer recursos em grande monta, tornou-se presa fácil do lobby dos interesses
privilegiados, que domina a cena política, tanto em Washington como em Brasília.
Como a política convencional exauriu sua capacidade de representar os reais
anseios da sociedade, acabou desconstituindo a credibilidade dos políticos, de um
modo geral, e está colocando em xeque a própria legitimidade da democracia repre-
sentativa que temos praticado. Não é por outra razão que estamos em pleno processo
de discussão de uma reforma política no Brasil.
Recém-encerrado o processo eleitoral norte-americano, alguns analistas vêem
em Barack Obama, antes de tudo, um produto de marketing competente e capaz de
sensibilizar a juventude conectada pela internet e o celular neste início de século XXI.
É um ponto de vista interessante, que coloca a questão recorrente quando um políti-
co faz bom uso da mídia: será Obama apenas mais um produto da política e da mídia
convencional, ou há efetivamente algo de conteúdo novo?
Acredito, sem dúvida, que está personificado em Obama o surgimento de uma
nova cultura política. Mais ainda, creio que o movimento social mudancista que se
formou em torno da eleição de Obama, o estilo de sua personalidade e de sua forma
de liderança, e as novas idéias dessa poderosa coligação de interesses sociais progres-
sistas, com forte protagonismo das pessoas comuns, constituem-se, essencialmente,
em uma resposta democrática à crise estrutural que tem fragilizado a economia nor-
te-americana e a liderança dos Estados Unidos no mundo.

Compromissos com os sonhos populares


Iniciante na carreira política como organizador comunitário nos subúrbios po-
bres de Chicago, Obama expressa dois valores políticos inovadores. Primeiro, de que
são as pessoas da base da pirâmide social norte-americana o objetivo principal de sua
vida pública: os moradores da periferia, os desempregados, os que não têm seguro-
saúde ou casa própria, os despejados, os que ganham pouco e trabalham muito, as
classes médias empobrecidas, os imigrantes desamparados. Segundo, de que a união
e a cooperação entre as pessoas, a sua organização e mobilização nas comunidades
de base, suas redes de solidariedade e ajuda mútua, seus laços de confiança, enfim,
seu capital social, são a força propulsora das mudanças de que o país necessita.
A plataforma política de Obama, até chegar à presidência, foi coerente com os
interesses e reivindicações sociais daqueles segmentos da sociedade para os quais o
11
Cezar Busatto

sonho americano nunca passou de uma figura de retórica. Resgatar o sonho ameri-
cano significa, para essas pessoas, ter seguro-saúde, possibilidade de acesso à casa
própria, trabalho decente com remuneração digna, educação de qualidade para os
filhos, segurança previdenciária na velhice, economia que gere empregos e uma so-
ciedade de oportunidades para todos; um país que seja exemplo de liberdade e pros-
peridade perante a comunidade das nações, e que evite ter que enviar seus filhos pa-
ra morrer nos campos de batalha. São exatamente esses os principais compromissos
do presidente eleito.

Um novo pensamento político


Rompendo com o pensamento convencional que oscila entre o economicismo
e a demagogia, Obama inaugura um novo pensamento político, consistente, que pro-
põe as mudanças necessárias para que a economia e a sociedade funcionem a servi-
ço da promoção da dignidade humana.
Ao fazer a crítica do pensamento econômico convencional, Obama propõe que
os mercados sejam submetidos à regulação política do governo democrático, para
que também funcionem a serviço das pessoas comuns e não apenas dos grandes in-
vestidores e das corporações.
Ao enfrentar a recessão e suas conseqüências, Obama não titubeia em propor
um plano que aumenta o déficit fiscal do orçamento na nação, se esse for o preço a
pagar para reativar a economia e gerar novos empregos. O valor fundamental do equi-
líbrio fiscal, nas circunstâncias de uma forte recessão, com milhões de desemprega-
dos, não pode ser superior ao valor da sobrevivência das pessoas.
Ao propor mudanças na política tributária, Obama tem a coragem de propor
que os que podem mais paguem mais, e os que podem menos paguem menos, de
modo a promover uma redistribuição de renda que beneficie a capacidade de consu-
mo da esmagadora maioria das pessoas.
Ao analisar o sistema de atendimento à saúde, Obama afirma com clareza que
a saúde deve ser um direito de todas as pessoas, e não só daquelas que têm dinheiro
para pagar um tratamento, e propõe um sistema universal de atendimento à saúde,
até hoje inexistente no país da democracia e das liberdades.
Poderá ser dito que as mudanças propostas por Obama fazem parte de um novo
receituário para salvar o capitalismo – e isso não deixa de ser verdade. Quem sabe,
entretanto, se não chegamos num ponto de tal concentração de renda e poder em que
realmente tenha se tornado disfuncional para a própria sobrevivência do sistema.
12
Um voluntário na campanha de Obama

Os valores do idealismo despertado


“O que Obama diz é o que realmente ele acredita”, afirmou-me o professor Ri-
chard Ford, da Universidade de Stanford, autor do livro The Race Card.
Dizer a verdade e não manipular, prestar a informação correta, dar a explicação
clara, mostrar o que precisa ser feito se quisermos alcançar os resultados que pretende­
­mos, posicionar-se claramente e não omitir o que eventualmente desagrade algum in­
­­­terlocutor, realizar uma permanente interação com as pessoas, ouvir e respeitar os que
não pensam como nós, estimular a responsabilidade social e o engajamento cívi­­co,
chamar a todos para que se unam em torno de projetos comuns, fazer as pessoas vol-
tarem a acreditar em si próprias, na sua força quando se unem, porque, juntas, podem
transformar seus sonhos em realidade – esses são os valores do novo idealismo que
Obama e sua campanha despertaram em milhões de norte-americanos.
Foi com base nesses valores que Obama conseguiu tecer uma imensa rede social
de 35 mil grupos de apoiadores voluntários; consolidou a vitória eleitoral em estados
tradicionalmente democratas; viabilizou a vitória em vários estados até então domi-
nados pelos adversários republicanos; levou para a campanha milhões de novos elei-
tores que normalmente não compareciam às urnas; e possibilitou inaugurar uma
forma inédita, altamente eficaz e transparente de financiamento da política, através
de pequenas contribuições voluntárias, capaz de gerar um volume de recursos duas
vezes maior do que as campanhas presidenciais feitas até hoje nos Estados Unidos.
Por tudo isso, a campanha de Obama alcançou a força e a dimensão de um mar-
co histórico. Com certeza, a história das campanhas eleitorais em todo o mundo será
contada, a partir de agora, distinguindo o que se fazia antes e o que se fará depois da
campanha de Obama.

13
Cezar Busatto

a necessidade de revigorar a democracia

Não há dúvida de que as inovações introduzidas na prática política dos Estados


Unidos apontam para uma profunda transformação na política convencional, que
deverá ter reflexos em todo o mundo. Quando aqui no Brasil se discute o financia-
mento público de campanhas, por exemplo, nos Estados Unidos, com o sucesso da
campanha de Obama, passou-se a questionar o financiamento público que vigora lá
e a discutir a introdução do financiamento pelas pessoas, e não mais pelo Estado ou
pelas empresas privadas.
Os resultados das transformações que estão em curso na política norte-ameri-
cana, a partir da eleição de Obama e da constituição de seu movimento mudancista,
apontam para um revigoramento da democracia nos Estados Unidos, a partir de um
novo protagonismo das pessoas e de suas redes sociais de participação e ação comu-
nitária, tanto no plano local, como nacional e global.
É um revigoramento imprescindível. A democracia nos Estados Unidos passa por
uma época de fragilização em suas principais bases históricas de sustentação, que no
passado impressionaram Alexis de Tocqueville, em seu famoso texto “A Democracia
na América”. O professor George Mehaffy, da Associação Americana das Universida-
des e Faculdades Públicas, identifica as seguintes razões: o declínio do capital social,
a desigualdade crescente, a atomização de interesses e a concentração em entretenimen­
­­to, o papel do dinheiro na política, o crescente partidarismo, a inabilidade de resolver
alguns problemas estruturais do país e a crescente diversidade cultural e social.
14
Um voluntário na campanha de Obama

O declínio do capital social


Existem evidências persistentes de declínio do capital social no país nos últimos
25 anos, constatadas em estudo de Robert Putnam – Bowling Alone.
Alguns exemplos: o atendimento a encontros de associações e clubes reduziu-se
em 58% nesse período; a realização de jantares familiares baixou 33%; as visitas entre
amigos caíram 45%. Entre os fatores que estão contribuindo para esse declínio, des-
taca-se o aumento do tempo dedicado ao deslocamento casa-trabalho, uma vez que
cada 10 minutos representam menos 10% de participação cívica, segundo Putnam.
Contribui muito também o tempo dedicado a ver televisão e o fato de que ho-
je pai e mãe na família acabam tendo que trabalhar para assegurar um padrão de
vida decente.
A análise amplamente reconhecida de Putnam associa o declínio do capital so-
cial com o declínio da vitalidade democrática dos Estados Unidos.

A desigualdade crescente
Estudo da Associação Americana de Ciência Política de 2004, “A Democracia
Americana numa Era de Crescente Desigualdade”, chegou à conclusão que as desi-
gualdades de renda, riqueza e acesso a oportunidades estão crescendo mais rapida-
mente nos Estados Unidos do que em muitos outros países. Pessoas ricas “estão fa-
lando forte, com tanta clareza e consistência que os funcionários públicos ouvem e
seguem prontamente, enquanto cidadãos com rendas menores estão falando com um
sussurro”, diz o estudo. O progresso em direção aos ideais americanos de democracia
pode ter estagnado, e em algumas áreas até regredido. Na mesma direção, Holly Sklar,
Laryssa Mykyta e Suzan Wefald, no livro Raise the Floor, analisam que, no período de
1968 a 2000, enquanto a produtividade cresceu 74%, o valor do salário por hora caiu
3% nos Estados Unidos. Se os salários tivessem acompanhado a produtividade, o sa-
lário médio por hora seria de 24,5 dólares, ao invés de 13,7 dólares.
A insuspeita revista The Economist, em edição de dezembro de 2004, comparou
a média das compensações recebidas pelos 100 executivos de mais altos salários nos
Estados Unidos: há trinta anos, era trinta vezes maior do que o salário mé­­­­dio de um
trabalhador; hoje, é mil vezes maior que o salário médio de um trabalha­­­dor. A revis-
ta Chronicle of Higher Education, de 14 de abril de 2008, mostra que 35% dos estu-
dantes em todas as faculdades e universidades norte-americanas recebem auxílio por
dificuldade de custear seus estudos. Nas 39 universidades públicas mais ricas, esse
percentual é de 18% e nas 75 universidades privadas mais ricas, é de 13%. Constata-se
15
Cezar Busatto

também uma preocupante situação de fortalecimento das desigualdades quando as


políticas públicas são examinadas. 52% da ajuda federal, no valor anual de 45 bilhões
de dólares, é definida com base em critérios que não levam em conta a necessidade
das famílias. Na mesma linha, 34% das deduções nos gastos com educação benefi-
ciam famílias com renda superior a cem mil dólares por ano.

A inabilidade de solucionar problemas estruturais


A assistência à saúde apresenta altos custos e resultados pobres. Predomina a
irresponsabilidade fiscal, com uma dívida nacional crescente, e com obrigações tam-
bém crescentes. Na área da energia, faltam políticas claras para desenvolver fontes
alternativas. Na governança, não se resolve o problema da divisão distrital, cresce o
poder da mídia, falta coerência entre o discurso político e a realidade. As relações in-
ternacionais continuam pautadas pela guerra e o complexo industrial-militar. De
acordo com um recente estudo, cinco estados gastam mais em prisões do que em
educação superior. Um em cada cem norte-americanos está preso, o mais alto índice
de encarceramento no mundo. Entre 1987 e 2008, os gastos públicos em prisões cres-
ceram 127%, enquanto os gastos em educação superior cresceram 21%.

A crescente diversidade cultural e social


Robert Putnam realizou um novo estudo sobre os Estados Unidos: “E Pluribus
Unum: Diversity and Community in the Twenty-First Century”, 2007. Nesse estudo,
procura demonstrar que o crescimento da diversidade reduz a confiança, as amiza-
des, o altruísmo e a esperança das pessoas. Em Los Angeles e San Francisco, 30% das
pessoas dizem que confiam muito nos seus vizinhos. Em comunidades rurais de Da­
­­kota, 70% a 80% das pessoas confiam muito nos seus vizinhos. A diversidade, segun-
do Putnam, cria isolamento e retraimento, reduz a participação e o engajamento.

Falta de civismo
A cultura cívica apresenta uma decaída generalizada no país. Falta conhecimen-
to cívico: em 1998, 23% dos estudantes de quarta série, 23% dos estudantes de oitava
série e 26% dos estudantes da décima segunda série pontuaram acima da proficiên-
cia mínima. Em 2006, somente os estudantes de quarta série mostraram alguma me-
lhoria (e pequena). Falta de entendimento cívico: de uma pesquisa entre 112.003 es-
tudantes de ensino médio, 36% acreditam que os jornais deveriam ter “aprovação
governamental” das matérias antes de publicá-las. Fonte: John S. and James Knight
16
Um voluntário na campanha de Obama

Foundation, 2006. Falta de habilidades cívicas: uma pesquisa da National Geographic


de 2006, entre jovens de 18 e 24 anos, constatou que 60% não conseguem localizar o
Iraque no mapa; 88% não conseguem localizar o Afeganistão; 70% não conseguem
localizar a Coréia do Norte; e 33% não conseguem localizar o Estado norte-america-
no de Louisiana.

A democracia representativa local


Assisti a uma sessão da Câmara
de Vereadores de Mountain View, cida-
de do Vale do Silício com 70 mil habi-
tantes, onde morei. Eram sete vereado-
res, quatro homens e três mulheres,
eleitos diretamente para quatro anos de
mandato, sendo que o prefeito e a vice
foram eleitos indiretamente pelos co-
legas. Realizam-se duas sessões mensais ordinárias do Plenário e tantas extraordiná-
rias quantas forem necessárias, por convocação do prefeito.
Os vereadores têm remuneração apenas simbólica, como em geral acontece nas
cidades pequenas e médias. Só nas grandes cidades dos Estados Unidos, onde o tra-
balho do vereador exige tempo integral, há remuneração integral.
A prefeitura tem 600 funcionários e orçamento de 240 milhões de dólares.
Mountain View é uma cidade relativamente muito mais rica e tem uma prefeitura
muito mais enxuta do que qualquer cidade brasileira. É administrada por um Ci-
ty Manager (Gerente de Cidade), um gestor profissional como um CEO de uma
em­­­presa, sendo que a Câmara de Vereadores faz o papel do Conselho de Adminis­
­tração, que define as diretrizes e toma as decisões políticas que orientam a ges-
tão. Tanto o Gerente da Cidade como o Procurador Geral tem que participar de to­
­­­­­­das as sessões da Câmara de Vereadores. Em todas as sessões da Câmara é garanti­
­do um espaço para manifestações do público, com tempo de três minutos para
cada intervenção.
Não há um modelo político e de gestão único para todas as cidades. Há outras
em que o prefeito é eleito diretamente junto com os vereadores, e nesses casos assu-
me mais diretamente a gestão da cidade, reduzindo o papel do Gerente.
17
Cezar Busatto

Rigor contra a corrupção


Li diariamente alguns dos jornais da região do Vale do Silício. Numa mesma
edição do San Jose Mercury News, duas notícias de como a corrupção na área públi-
ca é tratada com rigor nos Estados Unidos. Um lobista, Jack Abramoff, que admitiu
ter liderado um esquema de corrupção que envolvia advogados, assessores do Con-
gresso e governamentais, teve sua pena de prisão reduzida para quatro anos por ter
colaborado com os investigadores federais. Mais de doze pessoas, incluindo um par-
lamentar de Ohio e um Secretário do Interior, foram condenados no escândalo Abra-
moff, e as investigações ainda continuam, envolvendo outras autoridades federais e
de vários estados.
O caso do prefeito de Detroit, Kwame Kilpatrick, é semelhante: denunciado por
corrupção, ele renunciou ao cargo em troca de uma pena menor de quatro meses de
prisão, pagamento de uma restituição de 1 milhão de dólares à cidade, perda de sua
licença para praticar advocacia e proibição de concorrer para qualquer cargo eletivo
nos próximos cinco anos.

Mais democracia
Um amigo observou-me recentemente que é impressionante a sensação que
está no ar de se caminhar ou não para uma nova política. Tenho procurado há anos
compreender quais os caminhos pelos quais está passando essa necessária mudan-
ça para uma nova política, mais verdadeira e representativa da vontade e dos anseios
da sociedade civil. Lembro-me do Jardineiro que Tinha Fé, de Clarissa Pinkola Es-
tés: “Ah”, disse ele, “chegamos agora a um ponto na história dessa pequena vida no
qual a única mudança que é certa é que haverá mudança. Está entendendo o que es-
tou dizendo?”
Parece-me que há um certo consenso na opinião pública de que o sistema po-
lítico-eleitoral atualmente vigente no Brasil exauriu sua capacidade de representar
a sociedade e seus anseios, e isso é tão certo que há vários anos se fala da necessida-
de de uma reforma política que nunca conseguiu até hoje acontecer. O assunto está
de volta. Que tipo de mudança política se requer? Esse tema tem sido tratado como
se necessitássemos tão somente de mudanças institucionais, como a fidelidade par-
tidária, o voto em lista fechada, o financiamento público de campanhas, entre outras.
18
Um voluntário na campanha de Obama

Isso é positivo, mas é importante observar que uma nova política institucional pouco
avançará na democratização da sociedade se não aprofundarmos a cultura democrá-
tica na vida e na relação entre as pessoas nas comunidades onde elas vivem, traba-
lham, constróem suas esperanças e seus projetos de vida.
Democratizar o cotidiano da vida das pessoas com base na prática dos valores
da verdade, da confiança, do diálogo, do respeito às diferenças, da legitimidade do
outro, da honestidade, da transparência, é a grande mudança necessária para que se
possa avançar para uma mudança efetiva na nossa cultura política. Sem essa mudan-
ça de valores democráticos na vida e nas relações humanas na base da sociedade, as
mudanças institucionais serão pouco mais do que uma tentativa de dar satisfação aos
reclamos da opinião pública, não tendo a força de promover uma mudança efetiva no
sentido de mais democracia na vida da sociedade.
Mais vida democrática é, pois, a resposta para melhor enfrentar os complexos
desafios do mundo em que hoje vivemos. Mais democracia na política institucional,
mas, sobretudo, mais democracia no cotidiano da vida em sociedade.

Desconcentração da estrutura tributária


Li artigo de Fábio Araújo Santos Jr. no jornal Zero Hora, cujas principais idéias
repercuto pela sua relevância.
A atual distribuição de todos os impostos recolhidos no Brasil, considerando as
três esferas de governo, tem o seguinte perfil: 70% ficam com o governo federal, 24% com
os governos estaduais e 6% com os governos municipais. Ao mesmo tempo, temos
uma carga tributária total que se aproxima dos 40% do Produto Interno Bruto do país.
Essa enorme concentração dos tributos arrecadados, e pagos com grande sacrifí­
­­cio pela população, é autocrática, abrindo caminho para a manipulação e o controle
políticos dos estados e municípios pelo poder central. Nessas condições, continuamos
com a velha política do “chapéu na mão” por parte de prefeitos, governadores e par-
lamentares, que a Constituição Cidadã de 1998 veio para acabar. Essa estrutura tribu­
­­tária é incompatível com uma democracia que se possa chamar por esse nome.
Para avançarmos na democratização do país, é preciso inverter a nossa pirâmi-
de tributária, pois a proporção dos recursos deve crescer quanto mais próxima a es­­­
fe­­­ra de governo estiver da população. Se há um lugar onde não podem faltar recursos,
esse lugar é a esfera local, onde vivem as pessoas e estão as suas necessidades básicas
de sobrevivência, bem-estar e bem-conviver. Esse é o princípio fundamental da sub-
sidiariedade, basilar para uma democracia vibrante e presente na vida das pessoas.
19
Cezar Busatto

Ele determina que só deveria ser submetido a instâncias superiores de governo aqui-
lo que não puder ser resolvido nas comunidades e instâncias administrativas locais.
Ou seja, para avançarmos na nossa democracia, precisamos empoderar mais os cida-
dãos e as comunidades locais, criar condições para que a base da sociedade possa ca-
minhar com suas próprias pernas. Devemos eliminar todas as formas de tutela e de-
pendência que aprisionam, geram passividade e destróem a cultura do voluntariado
e do engajamento cívico, essenciais para uma democracia efetiva.

Redução dos Cargos em Comissão


Ao contrário de uma prática para assegurar a governabilidade, que é o principal argu-
mento em defesa dos Cargos em Comissão, os CCs constituem, na verdade, uma manei-
ra de viabilizar o emprego de correligionários, em geral sem experiência na adminis-
tração pública, e que dificilmente seriam aprovados em qualquer concurso público. Tem
razão Claudio Weber Abramo, da ONG Transparência Brasil, quando afirma que a dis-
tribuição de cargos públicos é, talvez, a principal usina de corrupção no país. Para ele,
a cada quatro anos um mar de gente invade o serviço público e destrói a eficácia de
qualquer administração.
Outros especialistas reforçam os argumentos contra o excesso de CCs, que caracteriza
praticamente todos os governos no Brasil. O cientista político Paulo Moura, da Ulbra, e
Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, analisam que o papel dos cargos em comis-
são seria o de garantir que os funcionários de carreira coloquem em prática as políticas
do candidato eleito, mas, de fato, trabalham com o objetivo de atender aos interesses do
partido e não os do contribuinte e da sociedade.
Por outro lado, a contratação desenfreada de CCs perverte os mecanismos de valoriza-
ção e ascensão profissional dos funcionários de carreira, pois o servidor concursado que
não se acertar com algum partido não terá oportunidade de ascensão na carreira. Essa
prática tem sido utilizada por todos os partidos do espectro ideológico brasileiro, e dei-
ta suas raízes numa cultura política patrimonialista que já não corresponde mais aos
anseios da sociedade. Ela precisa urgentemente mudar, para o bem da democracia e da
política no país.

20
Um voluntário na campanha de Obama

II

governança e responsabilidade social

Os Estados Unidos tem uma sociedade civil muito ativa e empreendedora, com
forte espírito de responsabilidade social de cada cidadão e de todos os segmentos da
comunidade. E as cidades, distritos e estados federados, por sua vez, têm uma impres-
sionante autonomia administrativa, financeira e política, que faz valer o princípio da
subsidiariedade, essencial para uma efetiva federação. Ou seja, só são submetidos a
esferas superiores os assuntos que não podem ser enfrentados e resolvidos pelos ci-
dadãos em suas comunidades e instituições locais.
As cidades e distritos regionais, onde vivem mais de 95% dos norte-americanos
(no Brasil, esse índice é hoje de 83%), constituem-se, assim, em verdadeiros centros
de inovação econômica, política e social. E neles, o papel do conhecimento e a inser-
ção da universidade são essenciais.
Pude registrar vários exemplos, especialmente relacionados com a cidade de San
Jose, capital do Vale do Silício, na região mais próspera dos Estados Unidos.

Encontre seus vizinhos


Um belo exemplo do espírito comunitário que se expressa na vida cotidiana das
famílias e comunidades nos Estados Unidos. O casal Marian e Dave Ferrari promoveu
em sua casa, no bairro Rose Garden da cidade de San Jose, o encontro “venha conhe-
cer o seu vizinho”. Eles convidaram cerca de 200 pessoas e 100 delas compareceram.
21
Cezar Busatto

Algumas recém haviam se estabelecido no bairro, outras já viviam ali há mais de 50


anos. Marian Ferrari considerou o encontro um “verdadeiro construtor de comuni-
dade. Todas as pessoas têm as mesmas preocupações, não importa quanto jovens ou
velhos nós somos”.
É um exemplo que muitos vizinhos deveriam seguir, diz o articulista Sal Pizarro,
do San Jose Mercury News, que participou do evento. “É tão fácil hoje em dia perder
contato com as pessoas da vizinhança e é impressionante como são poucas as dife-
renças que temos quando nos encontramos uns com os outros, especialmente para
confraternizar”.
Eis aí uma boa atitude que ajuda muito a criar um ambiente de confiança e so-
lidariedade entre as pessoas e, inclusive, de mais segurança na comunidade. Os vizi-
nhos se encontrarem, se conhecerem melhor, irem tecendo uma rede de amizade e
cooperação para o bem comum. Cada um e todos saem ganhando.

Plataformas colaborativas
Uma característica marcante da atual sociedade norte-americana é a presença
da internet na vida das pessoas e das comunidades, muito mais destacada do que
no Brasil. A mais poderosa ferramenta já inventada até hoje para conectar pessoas
e compartilhar seus interesses comuns facilitou e multiplicou a interação entre as
pessoas, como acontece com alguns dos sites mais visitados – o MySpace e o Face-
book por exemplo. Segundo especialistas, com essas novas tecnologias, o custo de
encontrar as pessoas e interagir com elas ficou tão baixo que facilitou enormemen-
te sua articulação, inclusive para organizá-las em movimentos sociais e em grandes
mobilizações cívicas.
Tive uma conversa interessante com um especialista em tecnologia da informa-
ção, que me mostrou seu trabalho sobre um tema quente nos ambientes especializa-
dos na matéria: o desenvolvimento de plataformas colaborativas. São sistemas ope-
racionais virtuais que possibilitam a interação da inteligência e capacidade de milha-
res ou até milhões de pessoas, não só de especialistas como também de pessoas co-
muns, para trabalhar juntas em temas de interesse comum e, mais facilmente, resol-
ver os problemas sociais comuns que enfrenta a humanidade.
A possibilidade de promover a colaboração global para produzir inovações so-
ciais impactará fortemente na vida das cidades no futuro próximo, pois seus problemas
22
Um voluntário na campanha de Obama

são geralmente os mesmos no mundo inteiro, facilitando a cooperação entre cidades


na busca de soluções em conjunto.
Uma proposta de plataforma colaborativa interessante, neste caso utilizando o
telefone celular, pode ser encontrada em http://citizenlogistics.com/.

Cidades adotam metas para o desaquecimento


Vinte e três das 35 cidades do Vale do Silício adotaram os objetivos de redução
de gases poluidores do Acordo de Proteção do Clima dos Prefeitos dos Estados Uni-
dos, sob o clamor de ativistas locais com a campanha do Sierra Clube para Cool Ci-
ties (Cidades Desaquecidas). O acordo conclama as cidades a reduzirem suas emis-
sões de gás carbônico em 7% abaixo dos níveis, até 2012, tanto na cidade como um
todo quanto nos bairros, alinhado com o Protocolo de Kyoto. A maior parte dessas
cidades terá inventários completos de suas próprias situações e o próximo passo
será construir um plano de ações para reduzir emissões, de acordo com o Sierra
Clube. Essas ações envolverão desde incentivos para que as pessoas limitem seus
deslocamentos, até a possibilidade de tornar viável a colocação de painéis solares
em suas casas.
“Temos visto uma combinação de ativismo público e conscientização geral que
tem levado a níveis maiores de engajamento cívico, mas muitas cidades estão tendo
problemas de execução de suas ações por uma série de razões”, diz Julio Magalhães,
coordenador do Programa Aquecimento Global da seção local do Sierra Clube.

Pacto regional de governos e empresas


Por outro lado, os prefeitos de San Francisco, San Jose e Oakland – as três prin-
cipais cidades da Área da Baía, na Califórnia – acordaram participar de um pacto re-
gional pela mudança climática, liderado pela iniciativa privada, que incluirá o uso de
mais energia renovável, geração de mais empregos com tecnologias limpas, redução
do uso de água e crescente destino do lixo urbano para produzir energia. De acordo
com o termo de referência do pacto proposto, cerca de 8 mil projetos de energia solar
estão em andamento ou foram concluídos na Califórnia, com uma capacidade de ge-
ração total de 112 milhões de quilovates.
Uma pesquisa entre as 250 empresas líderes da iniciativa mostra que um terço
delas estão envolvidas na execução de pelo menos um projeto verde. Esse esforço
23
Cezar Busatto

conjun­­­to das cidades e do setor privado norte-americano insere-se no projeto nacio-


nal de conquistar a independência de petróleo importado nos próximos anos, ao mes-
mo tempo em que poderão ser gerados milhões de novos postos de trabalho no país.

Desenvolvimento local diante da crise global


Na medida em que o sistema financeiro mundial desmorona, as comunidades
locais têm razões ainda mais fortes para concentrar seu foco naquilo que está em seu
poder mudar. E isso inclui, prioritariamente, assegurar o uso mais eficiente de seus
próprios recursos humanos, sociais, naturais, políticos, culturais, financeiros e mate-
riais, no presente e no futuro. O prefeito Chuck Reed, de San Jose (Califórnia), por
exemplo, elegeu-se em 2006 com o programa de fazer de San Jose – equivalente a Por­
­­to Alegre, em tamanho – uma cidade verde nos próximos 15 anos,“o centro da inova­
­­ção e da tecnologia limpa”. Desafiou a cidade a liderar a implantação de altos padrões
de sustentabilidade em todos os âmbitos da vida, tanto nas atividades de governo e
nos serviços públicos, como nos negócios privados e no dia-a-dia das comunidades.
Por isso, passou a ser conhecido como o “prefeito verde” e chegou até a conquistar o
apoio de alguns de seus principais opositores.
No balanço do primeiro ano da “visão verde”, os resultados alcançados mos-
tram que a cidade está encarando com seriedade o desafio. Há progresso na criação
de empregos em tecnologias limpas, promoção de fontes renováveis de energia e
construção de edifícios “verdes”, utilizando materiais com padrões de sustentabili-
dade e alta eficiência em energia. Mas há ainda um longo caminho pela frente, e fi-
ca para ser com­­­­provado se muitas das dez metas ambiciosas, tais como abastecer
toda a cidade com fon­­­tes de energia renovável, transformar todo o lixo em energia
e reutilizar toda a água, podem ser alcançadas no plano de 15 anos que o prefeito
está implementando.
Dos 25 mil novos postos de trabalho em tecnologias limpas a serem criados,
1.500 já foram criados no primeiro ano pelas empresas que produzem fontes alter-
nativas de energia em San Jose. Sem contar com os novos 1.000 empregos que serão
criados em 2010, quando iniciar suas operações na cidade a fábrica de carros elétri-
cos da Tesla Motors.
O prefeito Reed foi bem-sucedido em conseguir o apoio dos principais grupos
do setor privado para sua política de “construções verdes” na cidade, que prevê a
24
Um voluntário na campanha de Obama

construção de 50 milhões de metros quadrados de edifícios “verdes” novos ou con-


vertidos em 15 anos. Uma das estratégias bem recebidas pela iniciativa privada foi a
implementação dessa política em etapas.

As dez metas da visão verde de San Jose


1. Criar 25 mil empregos em “tecnologias limpas”.
2. Reduzir o consumo per capita de energia em 50%.
3. Abastecer 100% da energia elétrica da cidade com fontes limpas e renováveis.
4. Construir ou converter 50 milhões de metros quadrados em “edifícios verdes”.
5. Converter 100% do lixo urbano em energia.
6. Reciclar ou reutilizar 100% da água utilizada.
7. Adotar um plano geral com medidas mensuráveis de desenvolvimento sustentável.
8. Assegurar que 100% da frota de veículos da cidade utilize combustíveis
alternativos.
9. Plantar 100 mil novas árvores e renovar 100% das luminárias públicas com
iluminação de emissão-zero.
10. Criar 100 milhas (cerca de 160 quilômetros) de trilhas interconectadas.

“Não há nada que não possamos superar juntos”


A conferência que assisti do prefeito Cory Booker, de Newark, New Jersey, foi
marcante. Afro-americano formado pela Universidade de Stanford, com graduação
em Ciências Políticas e mestrado em Sociologia, elegeu-se em 2006, depois de passar
seus quatro anos como vereador,“fazendo meu doutorado nas ruas e bairros de Newa-
rk, batendo de porta em porta e conversando com as pessoas”. Jovem e carismático,
Cory Booker é uma das novas lideranças políticas democráticas, que estão sendo for-
jadas a partir da gestão política local. Ganhou reputação nacional como líder com
idéias inovadoras e ousadas, principalmente para melhorar a segurança nas comuni-
dades e construir novos parques e praças.
“Moveu-me a idéia de que minha cidade podia ser melhor, que se nos uníssemos
poderíamos mudá-la”. Não é ilógico, afirma, estimular os cidadãos de Newark a so-
nhar e lutar para alcançar seus sonhos. “Estou convencido de que não há nenhum
problema nos Estados Unidos que nós não possamos resolver se nos juntarmos para
isso, é essencialmente uma questão de vontade”.
25
Cezar Busatto

40% de redução na criminalidade


Durante os últimos dois anos, de quinta-feira a domingo, das dez da noite às
quatro da manhã, o prefeito Cory Booker percorre os bairros mais violentos da cida-
de para conversar com as pessoas, visitar as comunidades, acompanhado da polícia.
Antes, diz ele, a polícia trabalhava de dia, enquanto as gangs trabalham à noite. O re-
sultado já está aparecendo: mais de 40% de redução na criminalidade da cidade, que
hoje lidera nacionalmente essa luta. Nesse período, Booker também dedicou-se a fa-
zer os policiais acreditarem que eles podem ser bem-sucedidos, desde que eles este-
jam focados nos seus objetivos, que acreditem nas suas capacidades, competências e
criatividade. Complementarmente, foram instaladas mais de 100 câmeras de vigilân-
cia em pontos críticos da cidade e investidos 40 milhões de dólares na melhoria dos
parques e praças da cidade, através de parcerias público-privadas.
“Imagina o teu sonho, a tua causa, o teu projeto, o teu objetivo, foca tuas ener-
gias, capacidades e criatividade nele, luta por ele, assuma compromisso com ele, e is-
so vai se realizar. E o teu objetivo tem que ser aquele que desperta tua paixão, o teu
espírito, que mexe com tuas emoções, vai atrás dele, sem medo de errar, que você vai
finalmente conquistá-lo. E não importa o que você fizer, faça-o com espírito público,
compromisso coletivo, com amor pelas pessoas, pela sua comunidade, pelo seu país”.
De sua vivência no meio das comunidades da cidade, Booker destaca a energia
de diferentes pessoas darem-se as mãos, cantarem, rezarem em todas as religiões, a
forma como se conectam com o divino, com o universo. Os melhores momentos de
sua vida são aqueles quando pessoas de diferentes DNAs conseguem compartilhar
os mesmos sentimentos, o mesmo espírito. “Se nós nos unirmos, soubermos quem
somos, acreditarmos em nossos ideais, não há nada que nós não possamos superar
juntos. E devemos ignorar as vozes que queiram nos dividir, que não acreditam em
si mesmas”.

As novas possibilidades de inovação


O prefeito Cory Booker percebe com lucidez as mudanças da sociedade nessa
era do conhecimento e da emergência das redes sociais. Vivemos numa sociedade
radicalmente diferente do passado, quando os indivíduos sentiam-se isolados em seus
pequenos mundos e eram poucas as possibilidades de aproximação e conexão. Hoje,
diz ele, é impressionante como as idéias inovadoras logo se tornam orgânicas, passam
a ser compartilhadas e assumidas por muitas pessoas, e com muita rapidez se tornam
realidade.
26
Um voluntário na campanha de Obama

Booker relatou a experiência de muitos prefeitos norte-americanos que estão se


reunindo, trocando idéias, compartilhando suas experiências e juntando forças para
resolver em conjunto seus problemas comuns. Pelo grau de conexão que hoje temos
na sociedade, analisa, a partir do local podemos desencadear mudanças que terão
impacto nacional e global. É o conhecimento, e não mais o volume de capital, a terra
ou os equipamentos, que impulsiona a sociedade e a economia para o futuro. O mais
valioso recurso que temos, portanto, são as pessoas. Temos que concentrar nossos in-
vestimentos nelas, que, diferentemente dos recursos materiais, estão distribuídas por
toda a cidade, toda a nação.

Arte e tecnologia na cidade


Li um interessante artigo da professora Ann Marcusen, da Universidade de Mi-
nesotta (www.hhh.umn.edu/projects/prie), “Moldando uma Cidade Diferenciada”,
que anunciava sua conferência no seminário sobre Empreendedorismo Criativo, na
Casa dos Artistas da Prefeitura de San Jose. Decidi participar e desloquei-me para
aquela que é a cidade-sede de algumas das mais importantes empresas de tecnolo-
gia da informação e da comunicação do mundo, como a Cisco Systems. A preocu-
pação da equipe exclusivamente dedicada à formulação da estratégia de desenvol-
vimento municipal – eis aí já uma inovação – é estimular todas as modalidades de
artes na cidade, porque a arte é por excelência criação, inovação, além de beleza es-
tética. O objetivo a ser alcançado é mais do que fazer a cidade ainda mais atrativa,
bonita, agradável para viver. A cidade busca principalmente desenvolver ainda mais
o ambiente criativo e inovador, já presente na economia da informação e da comu-
nicação, conectando de modo mais orgânico e sistêmico a criação artística com a
inovação tecnológica.
Para alcançar esse propósito, a prefeitura incorporou ao planejamento estraté-
gico da cidade um novo programa: a articulação da economia com a arte e a socie-
dade, de modo que a produção artística seja incorporada transversalmente em todos
os aspectos do planejamento da cidade. Os artistas estão sendo chamados a se incor-
porar na tomada de decisões sobre toda a política de estímulo à criação e produção
artística local. O nome do seminário – Empreendedorismo Criativo – mostra bem
que o foco é promover artistas empreendedores, capazes de sustentar-se com os re-
sultados de seu próprio trabalho. O prefeito Chuck Reed deixou claro, na abertura do
27
Cezar Busatto

evento, que a busca de conexão mais profunda entre arte, tecnologia e mudança está
associada ao objetivo estratégico de fazer de San Jose um lugar melhor para viver e
uma cidade ainda mais competitiva no mundo globalizado.

O censo dos artistas


O Programa Parceiros das Artes, de San Jose, tomou uma iniciativa importante
para oferecer estímulos mais efetivos à criação e produção artísticas. Com a assesso-
ria da professora Ann Marcusen, foi feito um levantamento censitário completo dos
artistas locais em todas as modalidades das artes: visuais, de performance, músicos
e compositores, escritores e autores, designers, arquitetos. Foram apresentadas no se-
minário informações objetivas sobre os artistas da cidade, como idade, gênero, etnia,
nível educacional geral e no campo específico, modalidade artística que praticam, re-
muneração, situação profissional (autônomo ou empregado e, nesse caso, vínculo em-
pregatício público, privado ou não-governamental). O censo também levantou infor-
mações subjetivas, como dificuldades enfrentadas para exercer a profissão, áreas em
que o artista sugere melhorias e expectativas quanto ao futuro.
Foi constatado que, diferentemente da expectativa inicial, San Jose tem uma bai-
xa proporção de artistas: 0,84% da população, bem menor do que Los Angeles (2,99%),
San Francisco (1,82%) e Nova Iorque (2,52%). Enquanto isso, 41% dos empregos da
cidade são gerados pela área de alta tecnologia, o que revela uma forte concentração
e especialização econômica da cidade nesse setor. A cidade também surpreendeu-se
com a informação de que a relação entre entrada e saída de artistas da cidade é de
0,81, ou seja, para cada cinco artistas que vão embora, apenas quatro ingressam na
cidade. Na cidade de Los Angeles, a mais atrativa de artistas do país, essa relação é de
2,61. Foi também constatado que uma pequena proporção dos artistas é formada por
autônomos, sendo que a maior parte tem algum outro emprego, público, privado ou
não-governamental, para poder sobreviver. Surpreendeu também a constatação de
que a maior parte dos artistas desenvolveu seus conhecimentos e habilidades através
do auto-aprendizado e não pela escola convencional.
A maior parte dos artistas quer financiar-se através da venda dos seus trabalhos
e uma das grandes reivindicações é que sejam criadas mais oportunidades de mos-
trar o que fazem para o grande público. Foi dado o exemplo da melhor utilização de
espaços ociosos para mostras, como é o caso das entradas de hotéis, centros de con-
venções, aeroportos, sedes das grandes empresas de alta tecnologia. Os artistas sen-
tem falta de um bom local de trabalho e de equipamentos adequados para trabalhar
28
Um voluntário na campanha de Obama

e reivindicam que lhes sejam oferecidas alternativas de financiamento acessíveis pa-


ra resolver essas dificuldades. Eles carecem de espaços, tanto físicos como virtuais,
para interagir com outros artistas, proporcionando ambientes de trocas de conheci-
mentos e experiências. A criação de Centros de Artes para cursos, encontros e convi-
vência dos artistas da cidade foi recomendada. Foi também sugerida a criação de Es-
paços de Trabalho Artístico, onde os artistas podem alugar ou adquirir seus estúdios.

O valor do trabalho artístico


A proporção de artistas na população dos Estados Unidos dobrou nos últimos
25 anos. Entretanto, apenas 8% deles são autônomos e só dependem de seu trabalho
para sobreviver. Na era do conhecimento em que vivemos, baseada numa aceleração
sem precedentes da inovação, a habilidade do artista em continuamente criar algo
novo tem um valor essencial para o desenvolvimento econômico e social. Criar am-
bientes onde pessoas das áreas artísticas e tecnológicas trabalhem juntas tem um va-
lor estratégico. Além do mais, a arte é uma língua universal, perfeitamente adequada
ao mundo plano da rede virtual global e, portanto, seu papel deve ser compreendido
no âmbito da comunidade global e não só local.
Já começam a ocorrer encontros físicos e virtuais internacionais entre artistas e
setores da indústria, como a automotiva, para instigar a criatividade e a inovação. Pro-
jetos de criação de novos produtos e processos já são desenvolvidos ao mesmo tempo
por muitas pessoas em várias partes do mundo, criando o desafio de sua gestão, mas
ao mesmo tempo gerando satisfação e prazer de criar coletivamente. Iniciativas como
essas deverão multiplicar-se rapidamente em muitos outros segmentos da economia
globalizada.

A falta de políticas atrativas


Estimular de todos os modos possíveis a criação e a produção artísticas passou
a ser, portanto, uma questão central da competitividade global de um território, seja
ele um bairro, uma cidade, uma região, um estado ou uma nação.
Fala-se muito em políticas de atração de investimentos para o território. Mas
não se tem dado o valor que se requer na era do conhecimento para políticas de atra-
ção de artistas. Vejamos alguns exemplos: promover o estudo, a prática e o incentivo
às artes nas escolas é um ponto de partida imprescindível para despertar nas crian-
ças e adolescentes a criatividade e a inovação, enriquecer seu conhecimento, desen-
volver suas habilidades, elevar sua auto-estima, ampliar suas experiências de vida,
29
Cezar Busatto

estabelecer novas relações com a comunidade a sua volta. Identificar as contribuições


artísticas, muitas vezes escondidas, mas que estão presentes na história do desenvol-
vimento territorial. Estimular as pessoas e famílias a apreciar e ter obras de arte em
suas residências e locais de trabalho. Abrir os espaços públicos e privados ociosos pa-
ra mostras de produção artística, dando visibilidade às artes e valorizando seus au-
tores. Multiplicar os espaços de encontro e interação entre artistas de todas as moda-
lidades. Abrir ainda mais espaços na mídia para a divulgação do trabalho artístico.
Por último, e não menos importante, elevar a prioridade que tem sido dada até aqui
aos incentivos fiscais e financeiros para a criação e a produção artísticas locais e para
a retenção e atração de artistas para o território. Essa proposta é formulada e funda-
mentada por Richard Florida em seu livro The Rise of the Creative Class (A Ascensão
da Classe Criativa).
O desenvolvimento das artes tem que ser estimulado por múltiplas razões que
se conjugam hoje, mais do que nunca: sua importância para embelezarmos os espa-
ços e enriquecermos a convivência, criarmos valor pela criatividade e a inovação, de-
senvolvermos a economia, a competitividade e novas oportunidades de trabalho e,
enfim, vivermos uma vida mais exuberante, mais intensa e mais rica.
Jane Jacobs, autora de um livro clássico sobre a prosperidade e a decadência das
cidades norte-americanas, afirmou certa vez que o que fez de Nova Iorque a cidade
fantástica que é não foram as suas grandes avenidas, mas a diversidade e a convivên-
cia de suas vizinhanças, que se expressa nos encontros, festas, comemorações rechea­
­das de manifestações artísticas locais. Creio que em nossas definições estratégicas,
orçamentos públicos, redes de governança local, políticas públicas, não temos dado
ao trabalho artístico e criativo a importância ainda maior que ele passou a ter, não só
para tornar a cidade mais diversa, culturalmente rica, plena de vida e convivência,
como também para impulsionar a atual sociedade do conhecimento, baseada na ace-
leração sem precedentes da inovação, sem a qual não há como nossos territórios com-
petirem no mundo globalizado.

Arte, sobrevivência e felicidade


Tive a oportunidade de conhecer o Nancy’s Studio (http://www.nancyrice.com/), uma
oficina de arte dedicada à pintura, criação de sites e educação artística. Nancy Rice
inaugurou sua oficina no último mês de julho. Até então, sua pintura era uma ativida-
de complementar ao trabalho na Cysco Systems, uma das gigantes da tecnologia da in-
formação e da comunicação, com sede no Vale do Silício. A pintura até rendia-lhe alguns

30
Um voluntário na campanha de Obama

dólares, mas se constituía num componente de felicidade em sua vida. Agora, sem outro
rendimento, passou a ser também sua única fonte de sobrevivência. E seu relato é de que
isso não tem sido nada fácil. Nancy é uma das milhares de pessoas que perderam seu
emprego nos últimos tempos, em conseqüência da desaceleração da economia norte-
americana. A perda de empregos e a redução dos níveis salariais reduzem, num verda-
deiro círculo vicioso, o poder de compra das pessoas e retrai-se o mercado para obras de
arte. Nancy tem sido impelida a buscar novos mercados, inclusive fora dos Estados Uni-
dos. Mas não desanima, tem confiança em si mesma, acredita que vai superar essa fase
difícil e, acima de tudo, quer continuar a buscar a felicidade.

Encontro de apoio à arte no parque


Aos domingos, os parques se transformam em pontos de encontro para múltiplas ativi-
dades de convivência. Esses encontros são manifestações vivas do forte espírito comu-
nitário que está presente na vida das cidades norte-americanas, característica de sua
democracia. Participei de um desses encontros na Quinta Mostra Anual de Blues, pro-
movida pelos amigos do Museu de Artes Triton, na cidade de Santa Clara, no Vale do
Silício. Num palco montado para a Mostra, desfilaram diferentes conjuntos de blues ao
longo do dia (Vinny Peterson and All Stars Band, The Usual Suspects, The Robinson
Brothers Band), todos apresentando-se gratuitamente em apoio ao Museu. Ao mesmo
tempo, acontecia uma feira de trabalhos de cerca de vinte artistas locais, uma exposição
de carros antigos de trinta colecionadores, à venda boa comida, bebidas e muita gente
rebolando à sua maneira, seguindo o ritmo da música que envolvia a todos. No fim da
tarde, rifa de uma guitarra e de muitas outras doações, para levantar fundos para a
manutenção das atividades e a conservação do Museu Triton.

Madison Square Garden: New York Knicks contra Utah Jazz


No domingo, 9 de novembro, tive o privilégio de assistir a uma partida de basketball no
Madison Square Garden, entre o New York Knicks e o Utah Jazz. Um verdadeiro espe-
táculo, além de uma grande partida. A arena é a quadra de basquete, os gladiadores são
os jogadores, o leão é a bola, o coliseu é o estádio. Nova Iorque é a nova versão de Roma.
Uma versão exuberante, tecnicolor. Nós, a plebe, assistimos boquiabertos a partida, os
tambores são reproduzidos por um som digital, não gritamos mais morra, e sim “offen-
se”, “diffense”. O espetáculo é o “game”, o “dancing” cívico dos adolescentes do “Knicks
kids”, o desfile militar em suas fardas impecáveis. Nos telões do teto desfilam rostos de
marinheiros, já que é dia de homenagear a marinha norte-americana. As celebridades

31
Cezar Busatto

do cinema e da música são anunciadas com orgulho e seus rostos aparecem nas telas,
todos irmanados pela vibração da disputa entre dois grandes times de um dos esportes
preferidos por aqui. Diante dos meus olhos, uma síntese da cultura e da sociedade nor-
te-americana, sua pujança, sua organização, seu profissionalismo, sua energia cívica,
sua paixão pelo esporte, ao lado de um forte espírito militarista e imperial, que nos dei-
xa com as barbas de molho. Um cartaz de Obama exposto por um torcedor é ovaciona-
do. Tempos novos parecem que se avizinham. Há uma grande expectativa e uma inter-
rogação no ar. Mas, enfim, isso é Nova Iorque, e Nova Iorque é “express”, o sonho norte-
americano de consumo feito realidade.

A cidade da próxima geração


Visualizar a cidade da próxima geração é a proposta de Carol Coletta, presiden-
te e executiva da associação CEO’s for Cities (Executivos para Cidades), http://www.
ceosforcities.org/, apresentadora e produtora do programa de rádio Smart City (Ci-
dade Inteligente), http://www.smartcity.com/. Assisti sua conferência no Le Petit Tria-
non Theatre da cidade de San Jose, capital do Vale do Silício, Califórnia.
As idéias de Coletta são, em síntese, as seguintes:
As cidades e regiões metropolitanas representam 80% dos ativos, dos empregos
e dos impostos gerados. Portanto, definir estratégias urbanas corretas é essencial pa-
ra o bem-estar da nação. Não há nação forte sem cidades fortes. Entretanto, muitas
das nossas cidades foram construídas com base em pressupostos que se desatualiza-
ram. Sempre pensamos que a gasolina seria barata e abundante e que teríamos sem-
pre soluções para o congestionamento. Nós assumimos o pressuposto de que os nor-
te-americanos estavam abandonando a vida em áreas públicas, felizes em viver pri-
vativamente em suas residências suburbanas cada vez mais caras. Esses pressupostos
não são mais verdadeiros.
A gasolina está cara e encarecendo mais. Nós não conseguimos construir auto-
estradas com a rapidez necessária para reduzir o tempo no trânsito. E o desejo de
conviver em áreas públicas está crescendo. Jovens adultos estão 33% mais propensos
do que outros norte-americanos a viver num raio de 3 milhas (mais ou menos 5 qui-
lômetros) da área central de negócios, onde a vida é vivida muito mais publicamente.
As pessoas estão até mesmo aprovando em plebiscitos aumento de impostos especí-
ficos para parques e espaços públicos.
32
Um voluntário na campanha de Obama

Essas são as novas realidades e o problema é que nossas estratégias de desenvol-


vimento das cidades não conseguiram adequar-se a um mundo novo e muito dife-
rente. O que as cidades devem fazer para serem bem-sucedidas numa sociedade do
conhecimento e economia globalizada?

Iniciativas fundamentais e elementos vitais


Estudos mostram que as cidades posicionam-se melhor para o sucesso quando
se tornam muito competentes em realizar quatro iniciativas fundamentais:
• desenvolver-se, através da manutenção e atração de talentos;
• conectar seus cidadãos às oportunidades, a cidade à região e a região à economia
global;
• entender o que faz sua cidade peculiar, e ter a confiança de capitalizar essa
identidade (ao invés de perseguir a mesma estratégia que todas as outras cidades
estão seguindo);
• desenvolver a capacidade para a inovação, no governo e na comunidade.
Talento, conexões, peculiaridade e inovação. Esses são os elementos vitais da ci-
dade, dimensões com base nas quais as cidades da nova geração serão bem-sucedi­­­-
das. Eles conformam o conceito de “cidade criativa”, que aposta no desenvolvimento
da capacidade criativa das pessoas e das comunidades. Hoje as lideranças surgem em
qualquer lugar, se existir ambiente propício e se houver estímulo adequado. As novas
tecnologias da comunicação são ferramentas poderosas para isso.

Fortalecimento de áreas centrais e engajamento das empresas


Ter uma área central da cidade forte e vibrante é um importante acelerador
de cada um desses elementos vitais. Essa não é uma lista convencional de temas
ou soluções urbanas. Eles não se adaptam facilmente à estrutura organizacional
da prefeitura ou à nossa estrutura convencional de participação cívica. Existe um
Departamento de Talentos na Prefeitura de San Jose? Um Diretor de Peculiarida-
des? Alguém dedicado às Conexões? Alguém responsável por inovação, não so-
mente na prefeitura (embora isso colocasse sua cidade muito à frente de outras),
mas no espaço público? Um grupo absolutamente apaixonado em tornar a área
central da cidade vibrante, fazendo dela um acelerador de talentos, conexões, pe-
culiaridades e inovação? É essencial estimular um engajamento mais forte das
empresas privadas com o desenvolvimento da cidade, de sua região central e de
seus bairros.
33
Cezar Busatto

Governança Solidária Local na Expo Shangai 2010


O Programa de Governança Solidária Local representará Porto Alegre na Ex-
po Shanghai 2010. O anúncio da participação da cidade foi feito pela prefeitura, em
cerimônia realizada na Fiergs com a presença do embaixador da China no Brasil,
Chen Duqing, do presidente da Fiergs, Paulo Tigre, representantes da UNESCO, in-
tegrantes do secretariado municipal e representantes de entidades empresariais e
da sociedade civil.
A prefeitura promoveu em janeiro a inscrição da cidade na exposição mundial,
na categoria Melhores Práticas Urbanas, tomando como referência o Programa de
Governança Solidária Local. O processo seletivo ocorreu entre 106 propostas, re-
presentando 87 cidades, sendo que 55 foram selecionadas. Porto Alegre ocupa a 22ª
colocação.
Junto com São Paulo, a capital gaúcha será a única representante da América do
Sul, mas apenas Porto Alegre apresentará proposta de desenvolvimento local, com
enfoque na democracia participativa e ênfase na articulação conjunta entre Poder
público, sociedade e iniciativa privada.
A 47ª Expo Shangai ocorrerá entre 1º de maio e 31 de outubro de 2010 e será a
primeira edição com foco nos centros urbanos e no desenvolvimento local, com o te-
ma “Melhor Cidade, Melhor Vida”.
Porto Alegre terá um espaço com 206 metros quadrados no pavilhão das “Me-
lhores Práticas Urbanas – UBPA”, próximo aos estandes das cidades alemãs de Düs-
seldorf e Freiburg e de Moscou.

O que é a Governança Solidária Local?


Um dos 21 programas estratégicos da prefeitura, a Governança Solidária Local
tem como objetivo promover o desenvolvimento das comunidades, através da arti-
culação de redes de participação democrática dos cidadãos e da aglutinação de forças
em prol da solução de problemas locais.
A base do programa é o estabelecimento de parcerias entre o Poder Público, a
sociedade e a iniciativa privada, com foco na territorialidade, para a efetivação de
ações que melhorem as condições de vida das comunidades.
Além da resolução de problemas, a governança estimula a conscientização da
responsabilidade de cada um na conquista e na preservação de direitos e a valoriza-
ção do cidadão-gestor.
34
Um voluntário na campanha de Obama

Centro histórico com rede de amigos


Foi criada em Porto Alegre, no dia 3 de novembro, a Rede de Amigos do Centro Histó-
rico (AMICHIS). Tudo começou com a aprovação da Lei 10.364/2008, que altera a de-
nominação da área central para Centro Histórico da Cidade de Porto Alegre. A mudan-
ça não fica apenas na denominação. A coordenadora da iniciativa e presidente do Con-
selho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural, Rita Chang, mostra que essa mu-
dança significou a agregação de um novo valor, fortalecendo a região central como a
verdadeira identidade urbana da cidade. Uma coisa, diz Rita, é morar ou ter um negó-
cio no centro da cidade, outra coisa é morar ou ter um negócio no Centro Histórico de
Porto Alegre. Com essa valorização, uma nova motivação tomou conta dos moradores
e empresários do Centro Histórico, além de pessoas de toda a cidade que se sentem igual-
mente identificadas. Estão sendo formadas inúmeras redes temáticas de cooperação,
voltadas a revitalizar a vida cotidiana no Centro Histórico, e quem deseja incorporar-
se pode entrar em contato com [email protected].
A AMICHIS incorpora um elemento crucial para o fortalecimento do Programa Viva o
Centro, da Prefeitura de Porto Alegre, que é o engajamento cívico e voluntário de pes-
soas motivadas, talentosas e empreendedoras.

Incentivo ao voluntariado
Reproduzo a justificativa de Projeto de Lei de autoria dos senadores Edward
Kennedy, de Massachussetts, e Orrin Hatch, de Utah, que propõe incentivos ao traba-
lho voluntário nos Estados Unidos. Para maiores informações sobre essa iniciativa, que
pode inspirar outras desse tipo no Brasil, visite o site http://www.citizenschools.org/,
que traz inclusive opiniões de apoio dos candidatos à presidência, Barack Obama e
John McCain.
“Imagine que enorme diferença faria para nossas comunidades e para a nação
se cada americano participasse durante um ano de um grupo de serviço comunitário,
entidade não-governamental ou organização religiosa. Nós estamos introduzindo no
Senado o Estatuto Servir a América, que proporciona recursos e incentivos para pro-
gramas de atendimento voluntário, de tal maneira que o maior número possível de
pessoas possam servir voluntariamente em algum ou em todos os estágios de suas
vidas. Nós queremos tornar possível para muitos dedicar um ano ou mais ao volun-
tariado. Temos visto vidas mudarem quando americanos doam seu tempo e talentos
35
Cezar Busatto

para organizações de serviço comunitário. Mas sabemos que muito mais pode ser
feito. É hora de estimular muito mais americanos a candidatar-se a ser voluntários
em comunidades no país e no estrangeiro.
Americanos por todo o país estão começando a atender a esse chamado, dedi-
cando um ano ou mais ao serviço voluntário e, no processo, mudando o mundo. Eles
estão restaurando casas e melhorando a conservação de energia. Eles estão melho-
rando o serviço de saúde em comunidades de baixa renda. Eles estão capacitando
pessoas ao redor do mundo a ter acesso à água potável e vacinas essenciais. Eles estão
ajudando comunidades a recuperar-se após a devastação de furacões e enchentes. Al-
guns dos mais importantes esforços estão acontecendo em nossas escolas. Escolas
Cidadãs (http://www.citizenschools.org/) viabiliza que pessoas dediquem parte do
seu tempo a conduzir programas de complementação escolar, de modo que os estu-
dantes tenham mais tempo para aprender e interagir com profissionais que lhes aju-
darão a conectar seu aprendizado com uma futura profissão. City Year traz jovens
talentosos e motivados do AmeriCorps para as escolas para tutorar e monitorar estu-
dantes em situação de risco e mostrar-lhes que alguém cuida deles.
Há outros exemplos, mas ainda não suficientes. É hora de fazer mais. Para aque-
les que não quiserem dar um ano para serviços voluntários, nós deveríamos criar in-
centivos para serviços de tempo parcial e de curto prazo em suas comunidades. Nós
deveríamos apoiar estados, comunidades e empreendedores sociais que estão desen-
volvendo propostas inovadoras para auxiliar aqueles que precisam. E para aqueles
que podem dar um ano ou mais, é chegada a hora de ajudá-los a fazê-lo. Os desafios
que enfrentamos são muito grandes. Nós já esperamos um tempo longo demais para
valorizar sua impressionante energia, criatividade e compromisso.”

Pressão por Responsabilidade Social


Chama minha atenção a pressão que a sociedade civil e os formadores de opi-
nião fazem nos Estados Unidos para que as empresas e os empresários assumam sua
responsabilidade social perante suas comunidades.
O articulista Chris O’Brien, do San Jose Mercury News, relata a situação do Dis-
trito Escolar de Portola Valley, com seu orçamento de 11 milhões de dólares para o
presente ano escolar apresentando um déficit de 1 milhão de dólares. Parte desse
déficit é explicado pela menor arrecadação do imposto sobre propriedade, devido à
36
Um voluntário na campanha de Obama

redução do preço dos imóveis causada pela crise do setor imobiliário. A outra parte,
segundo o articulista, ocorreu pelo fato de que o executivo-chefe da empresa Oracle
de informática, Larry Elison, ter conseguido junto à corte de apelação do município
de San Mateo, que faz parte do distrito, uma redução do valor de avaliação, para fins
tributáveis, de sua luxuosa propriedade, de 173 milhões de dólares em 2007 para 69,7
milhões de dólares em 2008. Com isso, Elison baixou o valor do imposto a pagar so-
bre a propriedade, de 1,86 milhão de dólares em 2007 para 751 mil dólares em 2008,
contribuindo desse modo para reduzir ainda mais a arrecadação do distrito.
A pressão para que Elison ajude a cobrir o déficit do Distrito Escolar não resul-
ta do fato de ele ser muito rico e um dos mais bem pagos executivos dos Estados Uni-
dos, que só no ano de 2007 recebeu de sua empresa 84,6 milhões de dólares. A pressão
ocorre sobre alguém que se beneficiou, mais do que a maior parte das pessoas, de tu-
do aquilo que a sociedade tem para oferecer – e de quem a mesma sociedade mais
deveria receber em retorno.

Parceiros em educação
Nos meus primeiros contatos com a sociedade civil no Vale do Silício, Califórnia,
onde fica a Universidade de Stanford, impressionou-me muito a organização volun-
tária Partners in Education (Parceiros na Educação): http://www.papie.org/. Ela é
composta de pais voluntários de estudantes dos níveis fundamental e médio das es-
colas públicas da cidade que, em parceria com a comunidade e o Poder Público, le-
vantam recursos não-governamentais com o objetivo de destiná-los para iniciativas
que melhorem a qualidade da educação para todos os estudantes da localidade.
O trabalho realizado pela Parceiros em Educação varia segundo o nível do en-
sino, mas inclui diversas modalidades, como apoio individualizado para alunos que
apresentam dificuldades; desenvolvimento de habilidades nas artes; estimulo à inte-
gração da tecnologia no curriculum acadêmico, incluindo áreas inovadoras como a
biotecnologia e a media eletrônica; aconselhamento acadêmico e profissional para os
níveis mais avançados, entre outras.
O que me chamou especialmente a atenção foi o fato de que a Parceiros em Edu­
­­ca­­­ção trabalha de forma complementar e articulada com o sistema público de ensino,
como se fossem dois lados de uma mesma moeda, sendo que a Parceiros atua na-
quelas lacunas da formação educacional que o Poder Público não consegue atender
37
Cezar Busatto

adequadamente, seja por falta de recursos ou de tempo, ou mesmo de qualificação


dos professores. Essa integração é tão forte que a qualidade da educação dos estudan-
tes passa a ser o resultado do trabalho conjunto do Poder Público e da comunidade
organizada voluntariamente, através da Parceiros em Educação. Aqui me parece que
está a novidade: a sociedade civil organizou-se voluntariamente para melhorar a qua-
lidade da educação dos jovens, tomando a iniciativa de complementar o trabalho da
escola pública, também nos Estados Unidos reconhecido como insuficiente. E isso
que se trata de um dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo.
Com maiores razões a sociedade civil brasileira precisa fortalecer iniciativas des-
se tipo, que já existem, mas são ainda insuficientes para a escala que se necessita. Ini-
ciativas da sociedade civil como a dos Parceiros em Educação, que se articulam com
o Poder Público para obter melhores resultados em termos de capacitações perma-
nentes para a sociedade como um todo, são exemplos concretos de governança soli-
dária local que se multiplicam por todos os lados nos Estados Unidos, mostrando que
a capacidade de iniciativa da sociedade civil é ainda a força dinâmica que diferencia
a democracia norte-americana das demais grandes democracias ocidentais, inclusive
das européias, essas, como as democracias latino-americanas e a brasileira em parti-
cular, ainda muito assentadas no protagonismo estatal.

Escolas Cidadãs
Entrava numa sala de cinema e me deparei com uma mesinha em que estava
exposto material de divulgação da ONG Citizen Schools (Escolas Cidadãs). É uma ini-
ciativa educacional nacional que mobiliza milhares de adultos voluntários para aju-
dar a melhorar o desempenho de estudantes através do ensino de habilidades no pe-
ríodo complementar ao da escola.
Os seus programas combinam projetos de aprendizado do mundo real com ati-
vidades acadêmicas e de desenvolvimento de liderança, preparando os estudantes
de nível médio a ter sucesso na escola, no trabalho e na vida cívica. Pode candidatar-
se qualquer pessoa com habilidades para compartilhar com jovens entre 11 e 14
anos. O que fazer? Conduzir semanalmente, durante 11 semanas, projetos de apren-
dizado de 90 minutos numa escola local, para mostrar para os jovens “como você faz
o que você faz”.
As habilidades solicitadas são: cozinhar; mecânica de carros; desenho de páginas
38
Um voluntário na campanha de Obama

na internet; lei; dança; escrita criativa; fotografia; começar seu próprio negócio; primei­
­­ros socorros. O período de trabalho voluntário é o do outono, de outubro até dezembro.
Lançada em Boston em 1995, a Citizen Schools (http://www.citizenschools.org/)
atualmente atende a 3 mil estudantes e envolve 2.400 voluntários em 16 cidades.

Doações filantrópicas às universidades


Uma prática comum nos Estados Unidos, e que deveria tornar-se exemplo para
o Brasil, é a das doações de recursos por parte de ex-alunos que enriquecerem, tendo
aprendido sua atividade profissional na universidade. Lorry Lokie, por exemplo, fun-
dador da empresa Business Wire, acaba de doar 75 milhões de dólares para a Escola
de Medicina da Universidade de Stanford, na qual foi aluno. Esses recursos ajudarão
a construir o novo laboratório de pesquisa em células tronco, que adotará o nome de
seu maior patrocinador. O laboratório hospedará 350 cientistas que trabalharão jun-
tos para captar o poder dessas células no tratamento de doenças tão variadas como
câncer, diabetes e doenças do coração.“As células tronco passarão a ser tão importan-
tes como os chips de silício que criaram o Vale do Silício”, disse Lokie, numa referência
à região onde se localiza a Universidade de Stanford.
A doação de Lokie é a maior recebida de um cidadão até hoje pela Escola de Me­
­­di­­­cina e uma das maiores recebidas pela Universidade de Stanford. Com a doação, Lo­
­­­kie terá comprometido mais de 500 milhões de dólares de sua fortuna pessoal para
ações filantrópicas, a maior parte delas nas áreas de ciência e educação. “Olhei para
trás e perguntei a mim mesmo o que tem criado toda essa riqueza. Eu compreendi
que é a educação”, disse Lokie. A perspectiva de atrair pesquisadores de alto nível a
Stanford é para ele muito mais significativa do que os bens pessoais que seu dinheiro
poderia comprar.“Eu não quero aviões e barcos e participação em clubes luxuosos”, diz.
“Eu acredito que, se uma pessoa ganha muito dinheiro, como aconteceu comigo, ela
deve recolocá-lo no solo – assim o solo é preparado para a colheita do próximo ano”.

Universidades e cidadania
Tive a oportunidade de participar de um seminário sobre a implantação da
metodologia da Deliberative Polling (Pesquisa Deliberativa) com professores e
39
Cezar Busatto

funcionários administrativos de 17 universidades públicas norte-americanas. O en-


contro foi coordenado pelo professor George Mahaffy, dirigente da Associação Ame-
ricana de Universidades e Faculdades Públicas (AASCU), e ocorreu na Universidade
de Stanford, que é privada, mas parceira da iniciativa através do Centro pela Demo-
cracia Deliberativa. O professor George Mahaffy dirige o Projeto Democracia Ame-
ricana, do qual fazem parte 1,6 milhão de alunos e 230 faculdades e universidades
das 400 que compõem a AASCU. Seu objetivo é que o desenvolvimento de cidadãos
bem informados e engajados seja o imperativo da educação superior no país.
Para John Dewey, filósofo norte-americano que nas décadas de 20 e 30 do sécu-
lo passado escreveu importantes contribuições para o aperfeiçoamento da democra-
cia – ver, por exemplo, Democracia Cooperativa, Escritos Políticos de John Dewey
(1927-1939), organizado por Augusto de Franco e Thamy Pogrebinschi, EdiPUCRS,
Porto Alegre, 2008 e lançado na Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de
Cidades –, “o problema... é que nós tomamos nossa democracia como definitiva, vie-
mos pensando e agindo como se nossos antepassados a tivessem instituído para sem-
pre. Nós esquecemos que ela tem que ser renovada em cada geração”.
Para o Projeto Democracia Americana, o propósito público mais importante das
universidades é preparar a próxima geração de cidadãos ativos e engajados, para man-
ter viva a democracia.
Segundo o Civic Health Index (Índice de Saúde Cívica), a saúde cívica do país
apresenta forte declínio nos últimos 30 anos. Há evidências de contínua queda em
indicadores como confiança em outras pessoas e nível de contribuições humanitárias.
Um seminário realizado para avaliar esses indicadores concluiu que “sem os fortes
hábitos de participação social e política, os Estados Unidos estão em risco de perder
as próprias normas, redes e instituições da vida cívica que nos fizeram a nação mais
reconhecida e respeitada da história”.
Por outro lado, a Comissão Nacional de Renovação Cívica afirmou gravemente
que “os Estados Unidos estão se tornando uma nação de espectadores”. Uma pesqui-
sa recente do New York Times e da CBS News constatou que 81% dos americanos acre-
ditam que “as coisas estão se encaminhando muito seriamente para rumos equivo-
cados”, contra 60% um ano atrás e 35% em 2002. Hoje, 46% dos pais esperam que seus
filhos tenham melhor nível de vida que eles, contra 56% em 2005.
Segundo o professor George Mahaffy, é difícil imaginar uma universidade com-
prometida com resultados cívicos para seus estudantes, que não seja também com-
prometida com sua comunidade. O engajamento cívico passa por trabalhar para
40
Um voluntário na campanha de Obama

fazer a diferença na vida cívica das comunidades. Desenvolver a combinação de co-


nhecimento, habilidades, valores e motivação para fazer a diferença. Promover a
qualidade de vida na comunidade, através de processos políticos e sociais. O papel
dos professores é decisivo, mostrando a dimensão de política pública de suas disci-
plinas. Tratando a sala de aula como espaço público, praticar a pedagogia do enga-
jamento dos estudantes, considerando comunidade, em primeiro lugar, o campus
universitário, e, em segundo lugar, o entorno onde a universidade está inserida. Os
professores devem também ser explícitos sobre o foco cívico de suas disciplinas, me-
dir os resultados do engajamento cívico e ajudar a definir a intencionalidade cívica
de sua instituição universitária.

Exemplo britânico para a terceira idade


A Universidade da Terceira Idade (http://www.u3alondon.org.uk/) é um grupo
de homens e mulheres aposentados que se reúnem para estudar um conjunto amplo
de assuntos durante a semana na cidade de Londres. Eles oferecem atualmente cerca
de 140 grupos de estudo, ninguém é pago para ensinar e tampouco existem funcio-
nários administrativos pagos. Eles não se consideram uma universidade no sentido
convencional, mas no sentido original de uma comunidade de pessoas engajadas em
aprender e, sobretudo, aprender umas com as outras. Eles não têm exames, certifica-
dos ou diplomas: estudam pelo prazer de aprender, e os líderes dos grupos de estudo
são chamados coordenadores e não professores ou conferencistas, porque aprender
é entendido como um processo cooperativo.
Existem mais de 700 universidades da terceira idade no Reino Unido e todas
elas são autônomas e totalmente auto-sustentáveis, ou seja, não recebem ajuda do go-
verno central ou local. Fazem suas próprias regras e regulamentos e não prestam con-
tas a nenhuma autoridade superior.
Existe também uma organização não-governamental nacional chamada Fun-
dação da Terceira Idade que representa o movimento das universidades da terceira
idade no Reino Unido e oferece apoio, assessoramento e um amplo conjunto de ser-
viços para as atuais e as novas universidades da terceira idade que se formam. Para
a pessoa freqüentá-la, deve pagar uma modesta contribuição anual, sem nenhuma
cobrança adicional, a não ser em eventos especiais. A pessoa pode participar de qual-
quer grupo de estudo que desejar e das palestras das segundas-feiras sem qualquer
41
Cezar Busatto

pagamento adicional. A única limitação é que alguns grupos podem ficar completos,
e nesse caso a pessoa deve colocar seu nome numa lista de espera.
Eis aí uma boa idéia que pode ser replicada no Brasil, que está vendo sua popu-
lação de terceira idade crescer rapidamente, seguindo os passos dos países do Primei-
ro Mundo. Hoje temos os encontros da terceira idade, as festas, os bailes, as confra-
ternizações de todo o tipo. Mas porque não avançar para o compartilhamento do sa-
ber e da experiência, a aprendizagem pela cooperação, que promove a auto-estima,
estimula a alegria de viver, abre horizontes de conhecimento e de consciência, cria
ambientes de convivência e novas experiências de vida comunitária? Creio que é um
passo que o movimento da terceira idade no Brasil está maduro para dar.

Autodidatismo e autocracia
O jornal Folha de S. Paulo divulgou uma reportagem que me chocou. Os pais de dois
adolescentes de 14 e de 15 anos de Timóteo, MG – Cleber e Bernardeth Nunes – estão
sendo processados por serem adeptos do ensino domiciliar (“homeschooling”) e há
dois anos estarem ensinando seus filhos em casa. A prática é proibida pela legislação
brasileira e, se forem condenados, podem perder a guarda dos filhos. O mais incrível
é que Davi e Jonatas foram aprovados no conjunto de provas determinados pela jus-
tiça para avaliar se o conhecimento deles é compatível com o dos alunos matriculados
no ensino regular.
Eis aí um tema digno para ser submetido a um profundo debate democrático. Porque
não respeitar iniciativas autônomas como a possibilidade de os pais buscarem novos
métodos de aprendizagem, num momento em que está mais do que comprovada a
insuficiência da escola tradicional em preparar a gurizada para esse novo mundo de
início de século? Na Califórnia, um dos estados mais ricos dos Estados Unidos, acaba
de ser divulgada uma avaliação muito crítica da qualidade do ensino nas escolas.
Está bem submeter os meninos a uma avaliação no mesmo nível dos que freqüentam a
escola convencional, mas a legislação que proíbe os pais de escolher a forma de educar
seus filhos é autocrática e desatualizada, porque desconhece os novos meios de apren-
dizagem que se desenvolvem com a nova sociedade da informação e da comunicação.
Meios para os quais a escola tradicional precisa abrir-se cada vez mais para dar conta
dos desafios do ensino numa sociedade inteligente e informada. A propósito, recomendo
vivamente a leitura de “Autodidatismo: a livre aprendizagem numa sociedade inteligen-
te”, de Augusto de Franco, acessível em http://www.escoladeredes.org.br/.

42
Um voluntário na campanha de Obama

Jovens aprendem a lidar com a polícia


Registro uma iniciativa importante de responsabilidade social da cidade califor-
niana de San Jose. Acaba de sair uma edição atualizada do Guia de Práticas Policiais
para Estudantes, uma iniciativa coordenada pela Auditoria Independente da Polícia.
Tanto a Auditora, Barbara Attard, como o Chefe de Polícia, Rob Davis, esperam que o
guia de 36 páginas ajude os jovens a aprender como fazer as escolhas certas sobre
atitudes criminosas – seja como vítima ou como um potencial autor – e como lidar
com os agentes policiais.
“Acho que o novo guia lida com temas muito assustadores, sobre os quais é di-
fícil falar, mas nós esperamos que ele seja útil para promover uma melhor comuni-
cação entre pais e seus filhos jovens”, disse Barbara Attard. O guia foi em grande par-
te elaborado por especialistas em educação, e revisado pelo Departamento de Polícia,
pela Procuradoria-geral e pela Defensoria Pública do município, pelo gerente da ci-
dade e por pessoas da comunidade.
O guia está sendo editado em três idiomas – inglês, espanhol e vietnamita -, tan-
to em papel como em CD, e será distribuído em escolas, reuniões comunitárias e cen-
tros de recuperação de jovens. Ele contém capítulos sobre relacionamento com agen-
tes policiais, direitos e responsabilidades quando um jovem é preso, corridas de car-
ros nas ruas, crimes passionais, atividades de gangues, namoro e abuso sexual, entre
outros. Um tema enfatizado ao longo de toda a cartilha é o do respeito. “Respeito é
um sinal de força e inteligência”.
As últimas páginas da cartilha são dedicadas aos recursos de que o jovem pode
utilizar-se, incluindo números de telefones importantes, endereços de email para ca-
sos de suicídio, programas contra drogas, programas de combate às gangues e um
programa de remoção de tatuagens. A cartilha foi viabilizada por uma ampla parce-
ria envolvendo a Auditoria Independente da Policia, o Departamento de Polícia, o
Programa de Parques e Recreação e a Administração Municipal.

A Google é aqui
No ano de seu décimo aniversário, tive a oportunidade de visitar a sede mundial da
Google, que fica em Mountain View, no Vale do Silício. Sempre chamou-me a atenção o
caráter despojado da empresa, e as condições de trabalho diferenciadas de seus mais de
20 mil funcionários. A hierarquia é mínima e a liberdade de trabalho estimula cada fun­
­­cionário a ter grande impacto no desenvolvimento da empresa. Conversei longamente

43
Cezar Busatto

com um googler (trabalhador da Google), Bob Mohan, gestor sênior da área de finan-
ças. Bob não tem horário fixo, trabalha por projetos e prazos, e com isso consegue orga-
nizar com mais liberdade sua agenda de vida. No dia de nossa conversa, por exemplo,
Bob aproveitou o calor e foi cedo surfar em Santa Cruz, uma cidade costeira a 45 mi-
nutos daqui. Com isso, começou sua jornada de trabalho mais tarde, pelas 10:30. Bob
confirmou-me que esse novo modo de trabalhar aumenta muito sua satisfação e per-
mite maior realização pessoal.
Vi outros googlers jogando vôlei, brincando com seus cachorros, conversando animada-
mente em pleno horário de trabalho. A quase totalidade deles são muito jovens, mani-
festando grande diversidade étnica e cultural. Os googlers podem dedicar 20% de seu
tempo de trabalho a projetos próprios. Foi nesse tempo “livre” que nasceu a rede social
Orkut. A palavra de ordem é valorizar o ser humano, criar um ambiente de liberdade, que
estimula a criatividade, a inovação e o desenvolvimento pessoal e da própria empresa.
Chamou-me também a atenção a integração com a natureza. Alguns dos jardins da
empresa são hortas com plantação de verduras e flores, numa parceria com a Universi-
dade da Califórnia. Num dos
jardins, há uma placa onde se
lê: “A crescente conexão: culti-
vando alimentos, conectando
mentes, colhendo esperanças”.
Apesar das críticas que tem re-
cebido sobre demasiada con-
centração de poder, há unani-
midade sobre a contribuição da
Google para democratizar o
acesso à informação.

Recursos ociosos e inovação


Tive uma conversa com Robert Fishkin, um jovem criador de novas tecnologias
da informação. Sua obstinação é desenvolver uma plataforma colaborativa, ou seja,
um sistema operacional virtual que reúna a inteligência de pessoas de cidades de
todo o mundo capazes de encontrar resposta para a seguinte pergunta: como recur-
sos ociosos, geralmente concentrados em áreas urbanas prósperas, podem constituir
44
Um voluntário na campanha de Obama

possi­­bilidades de inovação? Para entender o que isso significa, usou uma experiência
concreta que ele mesmo desenvolveu e ajudou a implementar na cidade de Baltimore.
Constatou-se a existência de uma média anual de 1,5 milhões de cadeiras va-
zias nos eventos culturais que efetivamente ocorrem na cidade. Através de um acor-
do construído pela prefeitura e a Associação dos Operadores de Casas Culturais, foi
acordado que 1% dessas cadeiras não-ocupadas seria liberado para que crianças e
adolescentes pobres da cidade pudessem freqüentar esses eventos gratuitamente.
As escolas públicas foram chamadas a ajudar na distribuição dos ingressos entre os
alunos mais pobres. Eis aí uma boa iniciativa que pode ser replicada em qualquer
cidade do mundo.
Mas promover a inovação social através da utilização mais racional dos recursos
ociosos disponíveis é uma questão abrangente. Apenas como exemplos para refletir:
imagine quantas pessoas aposentadas, com enorme conhecimento e experiência acu-
mulada, estão sendo pouco ou nada aproveitadas em benefício seu e da própria so-
ciedade; imagine quantos espaços naturais ou construídos estão sendo utilizados
muito aquém de sua capacidade e que poderiam ser de utilidade social essencial pa-
ra os que não dispõem de quase nenhum espaço. Ou então, reflita sobre a seguinte
informação: nos Estados Unidos, durante sua vida, uma pessoa fica em média 9 a 11
anos vendo televisão. Considerando que somente 5% dos norte-americanos fazem
algum trabalho voluntário, imagine quanto o voluntariado ainda poderia crescer se
uma pequena parte do tempo que a pessoa dedica a ver televisão fosse canalizada
para ações voluntárias em sua comunidade. Imagine que fantástico impacto social
teríamos se isso ocorresse também no Brasil e nos demais países. As plataformas co-
laborativas da internet serão muito úteis para conectar os recursos ociosos com as
suas possíveis utilizações mais racionais, gerando um novo valor social de grande im-
pacto na mudança do mundo para melhor.

Nova tecnologia da comunicação


Reframe It é uma nova tecnologia da informação e da comunicação que per-
mite escrever na margem das páginas da internet tão facilmente como escrever na
margem da página de um livro. Ela possibilita aos usuários comentar diretamente
sobre conteúdos de qualquer uma das mais de 30 bilhões de páginas na internet,
em qualquer idioma, sem necessidade de permissão do site. Esses comentários são
45
Cezar Busatto

colocados diretamente ao lado das palavras, frases, parágrafos ou imagens, aos quais
eles se relacionam.
“Reframe It pode ajudar a combater o poder da má informação, que distorce
nossa conversa sobre temas nacionais que importam. Qualquer pessoa que se im-
porta sobre a qualidade do diálogo público deverá saudar a transparência que ele
possibilita”, afirma Henry Gates Jr., membro do conselho consultivo da empresa Re-
frame It Inc.
A nova tecnologia pode ser acessada gratuitamente pelo endereço http://www.
reframeit.com/. Uma margem aparece do lado direito da tela e esse espaço permite
aos usuários destacar qualquer conteúdo ao qual deseja responder com um comen-
tário. Os comentários aparecem numa página separada da rede, que não altera o con-
teúdo da página que está sendo comentada. Reframe It é uma ferramenta ideal de
compartilhamento de informações para propósitos educacionais, empresariais, de
organizações e de lazer pessoal.
“Reframe It mudará a maneira como as páginas da rede são vistas e usadas”, diz
Bobby Fishkin, executivo da empresa. “Nós estamos entusiasmados em oferecer ao
mercado uma poderosa ferramenta para ajudar a promover o debate público em tem-
po real”. Ao unirem-se aos grupos de discussão de Reframe It, os usuários podem re-
alizar discussões públicas ou privadas, dependendo da amplitude desejada à conver-
sa. Ela será lançada com grupos de usuários de comunidades tais como Green options,
Always on e http://www.e-thepeople.org/ para possibilitar o debate de notícias am-
bientais, tecnológicas e políticas no momento em que ocorrem.

A Escola da Vida
De acordo com seu site, a Escola da Vida (http://www.theschooloflife.com/) é
uma nova empresa cultural localizada no centro de Londres que oferece orientação
inteligente sobre como levar uma vida plena. Preciso mesmo de um relacionamento
amoroso? Como aproveitar de forma mais inteligente e criativa o meu tempo livre?
O trabalho precisa ser algo chato e repetitivo? De onde saem nossos conceitos sobre
política? Dá para extrair mais proveito de visitas a museus, cinemas e teatros?
São oferecidos cursos à noite e finais de semana, férias em locais inesperados,
psicoterapia, conferências, refeições com conversas e debates, um corpo docente de
especialistas e um novo tipo de consultoria literária chamada biblioterapia. O corpo
46
Um voluntário na campanha de Obama

docente é formado por alguns dos pensadores e artistas mais brilhantes no mundo,
incluindo Alain de Botton, Geoff Dyer, Susan Elderkin, Tom Hodgkinson, Brett Khar,
Robert Macfarlane e Martin Parr. A sua sede é uma loja pequena, mas espetacular,
que foi organizada como uma farmácia para a mente, um lugar onde as pessoas po-
dem experimentar uma variedade de soluções culturais para suas indisposições do
dia-a-dia. São oferecidos livros, obras de arte, cursos, serviços terapêuticos e de ocu-
pação do tempo livre.
No fundo da loja, uma porta conduz para uma fantástica sala de aula criada pela
artista Charlotte Mann. Ali são oferecidos cursos regulares à noite e nos finais de se-
mana, explorando os cinco temas centrais de nossas vidas: trabalho, lazer, família,
política e amor. As experiências de seu corpo docente unem-se com os insights de im­
­­­portantes pensadores do passado para proporcionar uma combinação única de bom
humor e inteligência, com relação às questões que a vida nos coloca no dia-a-dia.
A Escola da Vida está aberta para todos aqueles que estão procurando uma aven-
tura pessoal e intelectual. Suas audiências, como seus professores, caracterizam-se
pela curiosidade, sociabilidade, abertura de espírito e apetite pela vida.

Empresariado pode fazer a diferença


A Federação das Indústrias do Paraná, presidida por Rodrigo da Rocha Loures,
tomou uma iniciativa de ação política a partir da sociedade civil que merece ser divul­
­­gada e replicada em outros lugares do país. Eu a reproduzo aqui.
“Neste ano de eleições municipais, estamos diante de mais uma oportunidade pa-
ra mudar a política no Brasil. É preciso saber aproveitá-la mobilizando as forças da
so­­­ciedade. Relato aqui um caso concreto, em que estou pessoalmente envolvido.
Neste momento milhares de pessoas no Paraná estão fazendo o que jamais foi fei-
to em um processo eleitoral. Não com tal amplitude. Aderindo a uma proposta dos em-
presários da indústria, os cidadãos paranaenses resolveram intervir para valer nas elei-
ções de 2008.
Grandes e pequenos empreendedores, profissionais liberais, lideranças comunitá-
rias, donas-de-casa e trabalhadores estão se reunindo para listar as prioridades de de-
senvolvimento do seu município. A lista é transformada em uma carta-compromisso
para ser assinada pelos candidatos a prefeito e vereador. Em cada município o docu-
mento é diferente, pois atende às exigências específicas do desenvolvimento local. Mas
47
Cezar Busatto

um núcleo de propostas básicas, sugeridas por uma cartilha eleitoral chamada “Guia
do Voto Responsável”, está incluído em todas as cartas-compromisso.
Esse núcleo de medidas estratégicas – todas factíveis e estritamente de competên-
cia municipal – para impulsionar o desenvolvimento humano e social sustentável das
localidades está distribuído em quatro grandes eixos: educação básica, transparência,
qualificação profissional e desburocratização. Eles se desdobram em ações efetivas, ex-
postas a seguir.

Educação básica – Universalizar o atendimento de pré-escola para crianças a partir


de 4 anos de idade até 2010; alfabetizar de forma plena todas as crianças de até 8 anos
de idade até 2011; e atingir o índice 6,0 do Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb) até o final de 2012.

Transparência – Publicar na internet e em outros meios de comunicação a prestação


de contas mensal da prefeitura (ou da câmara); apoiar a criação de um observatório
para o monitoramento do desenvolvimento local e da gestão pública; e propor a criação
de um fórum para implementar uma estratégia de desenvolvimento integrado e sus-
tentável, com a participação do poder público, iniciativa privada, organizações da so-
ciedade civil e cidadãos.

Qualificação profissional e desenvolvimento – Criar, ampliar ou apoiar programas


de capacitação e qualificação profissional para jovens e adultos, atendendo à demanda
e à vocação do setor produtivo local; e implementar ações para atingir as metas dos oi-
to Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, da ONU, até 2010.

Desburocratização – Implantar estrutura para facilitar a obtenção de licenças e cer-


tidões municipais imprescindíveis para o funcionamento das empresas e modernizar
o sistema de tributação para facilitar o recolhimento de taxas e impostos no âmbito
municipal.”

Os céticos retrucarão que nada disso adianta, pois candidatos em campanha


prometem e assinam qualquer coisa. É verdade. Mas a diferença aqui está na conti-
nuidade da iniciativa. Para tanto, começamos a articular ainda em 2006 a Rede de
Participação Política do Empresariado (http://www.redeempresarial.org.br/), que ho-
je já conta com mais de 5 mil conectados. A rede está orientando seus participantes
48
Um voluntário na campanha de Obama

a realizarem ações que impeçam que o termo de compromisso vá parar na gaveta


depois do pleito.
Em cada localidade, milhares de assinaturas estão sendo colhidas em apoio à
agenda pactuada com os candidatos. Passadas as eleições, ela ficará exposta em
outdoors nas praças das cidades, ensejando a democrática pressão social sobre os
eleitos.
De outra parte, o Guia do Voto Responsável – cujo subtítulo é: “Uma agenda
positiva para você escolher bem seus candidatos e promover o desenvolvimento de
seu município” – está sendo distribuído amplamente, em folheto impresso e por
meios digitais. Espera-se alcançar a marca de 700 mil exemplares. Isso quer dizer
que pelo menos um em cada dez eleitores do Paraná estará engrossando o caldo
participativo.”
Este é um relato concreto de que é possível, sim, fazer alguma coisa para que
aconteça uma verdadeira reforma da política, de baixo para cima. É uma prova de
que o empresariado, se assumir a sua responsabilidade política, pode fazer a dife-
rença. Temos o direito e mesmo o dever de influir na pauta política nacional, regio-
nal e local a partir da mobilização de forças sociais. A experiência descrita mostra
que a sociedade espera este protagonismo e ouvirá nosso apelo. Cabe a nós dar um
bom exemplo.

Fiscalização pela sociedade civil


A iniciativa do Instituto de Estudos Empresariais de promover um jantar-deba-
te com Gil Castelo Branco, fundador da ONG Contas Abertas, merece elogios. E o te-
ma não poderia ser mais importante, “a fiscalização dos gastos públicos pela socie-
dade civil”. Contas Abertas tem como objetivo disponibilizar as execuções orçamen-
tária, financeira e contábil do governo, estimular a fiscalização das contas públicas e
instigar a cidadania participativa, especialmente a relação entre governo e sociedade,
com vistas ao acompanhamento da arrecadação e das despesas públicas. Gil Castelo
Branco é considerado um dos maiores especialistas do Congresso Nacional no acom-
panhamento das gestões orçamentária, financeira e contábil da União, através do Sis-
tema Integrado de Administração Financeira.
Estamos carecendo de muito mais organizações da sociedade civil como a Con-
tas Abertas, com o propósito de fiscalizar e controlar a atuação do poder público e, de
49
Cezar Busatto

modo especial, dos políticos que elegemos. Numa recente palestra que proferi para
estudantes universitários, quando perguntado sobre o que fazer, defendi que os estu-
dantes organizassem ONGs para fiscalizar os políticos que elegeram. Desse modo, o
cumprimento de promessas de campanha, o comportamento ético, a posição diante
de projetos relevantes, poderiam ser monitorados caso a caso, aumentando o víncu-
lo e o comprometimento, hoje quase inexistentes, entre representantes e representa-
dos, ou seja, entre políticos e cidadãos. Com as atuais ferramentas da internet, não só
esse monitoramento, como a sua publicização, ficou muitíssimo facilitada.

Diferenças culturais
Leio nos jornais do Rio Grande do Sul que setores do Movimento Tradicionalista Gaú-
cho estão preocupados com a influência de homossexuais em suas atividades. Leio, no
mesmo dia, nos jornais da Califórnia, um extenso artigo defendendo o voto contrário
na Proposição 8, uma espécie de plebiscito, que prevê a proibição do casamento entre
pessoas do mesmo sexo, hoje autorizado na Califórnia. A Proposição 8 tem o respaldo
dos setores religiosos mais conservadores, especialmente os católicos. E os argumentos
do articulista Andrew Szeri, no jornal San Jose Mercury News, não são de conteúdo mo-
ral. Szeri apóia-se nas idéias de Richard Florida, para quem “uma comunidade aberta
para as diferenças tem muito mais capacidade para atrair e reter a classe criativa de
cientistas altamente educados, artistas e empreendedores”.
Pessoas talentosas, diz Florida, procuram ambientes abertos para a diferença. “Quando
eles estão avaliando uma empresa ou comunidade, a aceitação da diversidade e de gays
e lésbicas em particular é um sinal que significa ‘pessoas não padronizadas são bem-
vindas aqui’”. Com base nessa visão, Szeri defende que a mudança na legislação da Ca-
lifórnia “vai mandar embora para a Europa ou Canadá os talentos que vêm bater em
nossa porta”. “Eles irão para lá fazer suas invenções, começar seus novos negócios, enri-
quecer a cultura, e formar opinião. Quando a competição global pelos melhores talentos
está se intensificando, nós não podemos permitir que a discriminação retorne à nossa
Constituição. A Califórnia tem uma responsabilidade em manter essa abertura de boas-
vindas para o mundo.”

50
Um voluntário na campanha de Obama

III

a eleição nos estados unidos

Voluntário na campanha de Obama


Honrado com um convite da Universidade
de Stanford, na Califórnia, para pesquisar no
Centro pela Democracia Deliberativa e acompa-
nhar as eleições norte-americanas, saí do Brasil
no dia 22 de agosto, quando o senador Barack
Obama ainda não era o candidato oficial do Par-
tido Democrata à presidência da República e ne-
nhuma palavra era ouvida sobre a iminência de
uma profunda crise econômica, que logo viria a
eclodir. Nesse curtíssimo período, tive o privilé-
gio de ver o mundo mudar e, de alguma forma,
de tomar parte dessa mudança.
Através de amigos da universidade, tornei-
me um voluntário da campanha de Obama. Par-
ticipei de atividades em comitês eleitorais, de reu-
niões de trabalho em casas de família, conferên-
cias e debates sobre temas da atualidade, viagens
de apoio para estados de acirrada disputa entre
republicanos e democratas, como aconteceu em
51
Cezar Busatto

Nevada. Consegui realizar também o desejo de visitar o comitê central da campanha,


em Chicago, e, sem querer, acabei participando de uma disputa espontânea entre
apoiadores de Obama e McCain, em plena Times Square, em Nova Iorque.
Vi milhões de pessoas voluntárias se juntarem a uma causa, por acreditar nela,
e transformarem o país. Vi que só assim a política pode avançar, na medida em que
viabiliza uma forma mais democrática e ética de realizar e financiar campanhas,
sem cabos eleitorais pagos, sem necessidade de caixa dois e outros subterfúgios. Vi
que são necessários valores e causas para que a política se torne um instrumento de
transformação da sociedade, e não apenas uma disputa de poder entre partidos. Vi
que as pessoas ainda têm idealismo e esperança em seus corações, e que podem ser
despertadas por uma liderança política que se credencie pelo exemplo, pela confian-
ça e pela verdade. Vi, enfim, das pessoas, no país mais importante do planeta, de on-
de muitos talvez jamais esperassem, partir uma clara e inequívoca manifestação de
que a mudança é possível e de que o sonho de um mundo mais humano e pacífico
não acabou.

O sistema eleitoral
Escolha indireta
A eleição para presidente norte-americano não é direta, como no Brasil. O re-
sultado das eleições diretas para presidente em cada estado federado compõe o colé-
gio de delegados do estado, e os delegados dos 50 estados federados formam o Colé-
gio Eleitoral, que elege o presidente dos Estados Unidos. Se nenhum dos candidatos
obtiver pelo menos 270 votos no Colégio Eleitoral, o presidente será o candidato que
obtiver o maior número de votos na Câmara dos Deputados e o Vice-presidente aque-
le que obtiver o maior número de votos no Senado.

Voto facultativo
Também diferentemente do que ocorre no Brasil, nos Estados Unidos o voto é
facultativo. Os candidatos e partidos têm que realizar duplo esforço: conquistar os
eleitores e convencê-los a votar. Como o dia das eleições para presidente e para o Con-
gresso é sempre a primeira terça-feira do mês de novembro, e não é um feriado na-
cional, as pessoas têm que sair de seu trabalho, ou de seus afazeres normais de um
dia útil, para dirigir-se ao local de votação e votar. Isso, evidentemente, desestimula o
52
Um voluntário na campanha de Obama

comparecimento. Historicamente, os Estados Unidos tem um dos mais baixos índices


de comparecimento às urnas, entre todos os países democráticos. Mesmo em eleições
presidenciais, somente cerca de metade dos cidadãos com direito a voto comparecem
às urnas.

Voto antecipado e por correspondência


Para estimular o eleitor a participar da eleição, em vários estados é permitido
votar por correspondência e, a cada ano, um percentual maior de eleitores utiliza es-
sa prerrogativa. A legislação de alguns estados permite também o voto antecipado, ou
seja, o eleitor pode votar para presidente e para o Congresso antes do dia nacional das
eleições. Cada vez mais eleitores optam pelo voto antecipado, seja porque não conse-
guem se ausentar do trabalho ou porque estarão fora de seu local de votação, ou ain-
da porque querem evitar os incômodos e atropelos que costumam ocorrer no dia da
eleição, como filas e urnas estragadas que provocam atrasos. Essa peculiaridade da
democracia norte-americana é realmente surpreendente e, no mínimo, polêmica. Ela
produz uma situação de desigualdade entre eleitores de diferentes estados para a mes-
ma eleição nacional. Alguns eleitores têm mais dificuldade que outros para exercer
seu direito de votar para presidente e para o Congresso. Essa é uma situação incom-
patível com o princípio da isonomia que caracteriza a legislação no Estado Democrá-
tico de Direito.

Autonomia para coleta e contagem


A coleta e a contagem de votos não são regidas por uma única legislação nacio-
nal e não há uma instituição nacional responsável, como são, no Brasil, o Tribunal
Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais. As regras são estabelecidas autonoma-
mente em cada estado e, no interior dos estados, em cada distrito. A existência de di-
ferentes procedimentos de coleta e contagem de votos abre maior possibilidade de
ações fraudulentas, como já ocorreu em várias eleições no passado.
As informações sobre os problemas da coleta e contagem de votos nas eleições
norte-americanas sempre me causaram grande apreensão, não só porque se referem
ao país tomado como exemplo da democracia e da liberdade, senão porque esse é um
problema que, no essencial, já resolvemos bem no Brasil com a Justiça Eleitoral, as
urnas e a contagem eletrônica.
Para conhecer melhor o assunto, decidi ver um documentário muito comenta-
do chamado Stealing America: Vote by Vote (Roubando a América: Voto por Voto).
53
Cezar Busatto

Durante quase duas horas, vi uma demonstração detalhada e documentada de frau-


des ocorridas na coleta e contagem de votos em todas as eleições, desde que se in-
troduziu a urna eletrônica aqui. O caso mais escandaloso foi a eleição presidencial
de 2000, em que Al Gore perdeu para George W. Bush. Mas o filme mostra que situa­
­ções semelhantes repetiram-se em vários estados e distritos eleitorais nas eleições
de 2002, na presidencial de 2004 e novamente em 2006. Há fortes indícios de que
tenham ocorrido modificações em códigos de controle dentro dos computadores
das urnas eletrônicas em inúmeros distritos. Há também inúmeros casos de urnas
eletrônicas que funcionavam mal e não foram repostas. Verificou-se em muitos dis-
tritos a falta proposital de urnas para gerar longas filas que desestimularam o com-
parecimento dos eleitores à votação.
Diante dessas constatações, desenvolveu-se nos Estados Unidos um forte movi-
mento da sociedade civil para fiscalizar e assegurar a contagem honesta dos votos em
cada distrito. Logo que terminou o filme, fui surpreendido por uma senhora, Char-
lotte Casey, que solicitou a permanência dos que desejassem, pois se iniciaria um de-
bate sobre o filme. Trata-se de uma iniciativa da ONG Peace and Justice Center (Cen-
tro de Paz e Justiça) – http://www.sanjosepeace.org/, que trabalha junto com várias
outras ONGs da região do Vale do Silício para conscientizar as pessoas a mobilizar-se
para fiscalizar que seu voto não seja roubado, isto é, que não seja nem deletado ou
então contado para outro candidato que não o seu, como já ocorreu em eleições pas-
sadas. Várias pessoas permaneceram por mais de uma hora debatendo principalmen-
te como evitar que voltassem a ocorrer fraudes na contagem dos votos nas eleições
presidenciais deste ano.

Autonomia para registro


A legislação também é diferenciada, por estado, quanto ao registro de eleitores.
Alguns estados permitem o registro até no dia da eleição, enquanto outros exigem o
registro com, pelo menos, algumas semanas de antecedência. Há também diferentes
legislações estaduais quanto ao voto dos apenados e encarcerados. Dos 50 estados, 48
não permitem o voto dos presidiários, e a maioria dos estados proíbem o voto de cri-
minosos em liberdade condicional.

Propaganda paga na mídia


Não há propaganda gratuita no rádio e na televisão. Cada candidato e seu parti­
­­do têm que levantar recursos para comprar espaços para sua propaganda eleitoral na
54
Um voluntário na campanha de Obama

mí­­­dia. Quanto maior a capacidade de buscar recursos, maior será o espaço que pode­
­­rá comprar para divulgar seu nome, suas propostas e criticar seus adversários. Essa
característica contribui decisivamente para aumentar o poder do dinheiro nas elei-
ções americanas. Daí que passa a ser ainda mais crucial, para a qualidade da demo-
cracia norte-americana, a forma como o dinheiro é arrecadado pelos candidatos.

Mídia assume candidato e campanha


Nos Estados Unidos é normal que cada órgão de imprensa assuma publicamen-
te suas preferências eleitorais e faça campanha aberta para seus candidatos. Os jor-
nais Washington Post e New York Times fizeram campanha aberta para Barack Oba-
ma. A rede de televisão Fox News fez campanha aberta para John McCain. Na região
do Vale do Silício, um editorial do jornal San Jose Mercury News explicou porque os
eleitores deveriam votar na candidata democrata Rose Herrera, e não no candidato
republicano Patrick Waite, para preencher uma vaga na Câmara de Vereadores da ci-
dade de San Jose, que esteve em disputa nas eleições de novembro.

Plebiscitos com patrocínio


Outra peculiaridade do modelo americano é que, na cédula para as eleições ge-
rais para presidente, o eleitor também vota por proposições que serão transformadas
em lei se tiverem o apoio da maioria da população. Tratam-se, portanto, de verdadei-
ros plebiscitos. No estado da Califórnia, por exemplo, doze proposições constaram da
cédula, ao lado da eleição para presidente e para o Congresso. Entre essas proposições,
apenas para exemplificar, a de número 8 submeteu à decisão dos eleitores a proibição
do casamento entre pessoas do mesmo sexo; a de número 7 propôs medidas para es-
timular investimentos em fontes alternativas de energia limpa; as de números 6 e 9
propunham aumentar o orçamento público na área da segurança pública; a de nú-
mero 12 propôs um financiamento para compra de casa própria para veteranos de
guerra. Travou-se uma importante discussão sobre o financiamento das campanhas
a favor ou contra essas proposições, que é totalmente bancado pela sociedade, seja
por pessoas ou por empresas e organizações sociais. E, como a propagada na mídia é
toda paga, os custos dessas campanhas são todos milionários.
Poucas semanas antes das eleições, o Centro de Estudos Governamentais esti-
mou que cerca de 140 milhões de dólares foram levantados para financiar as cam-
panhas, seja a favor ou contra as proposições. E seu custo tem aumentado nos últi-
mos anos. Segundo o Centro, do ano 2000 para 2006 o custo médio por proposição
55
Cezar Busatto

aumentou de 4,3 milhões de dólares para 15,7 milhões de dólares. Esse crescimento
ocorreu devido ao aumento das doações de financiadores. Em 1990, um terço das
doações originou-se de financiadores que doaram um milhão de dólares ou mais.
Em 2006, dois terços das doações tiveram aquele valor. Diante disso, o Centro de Es-
tudos Governamentais recomendou neste ano que a Califórnia impusesse um limite
de 100 mil dólares para cada doação, justificando que essa medida evitaria que uma
pessoa muito rica, uma empresa ou grupo interessado, dominasse o debate sobre
uma determinada proposição.
“Até certo ponto, isso corrompe o sistema”, disse-me Robert Stern, presidente do
Centro.“Com dinheiro suficiente, você pode aprovar ou rejeitar qualquer proposição...
e muito dinheiro geralmente derrota qualquer proposta”. Além disso, um limite para
doações tornaria “mais fácil para movimentos sociais e organizações de base compe-
tir”, segundo um apoiador da proposição que estimulava investimentos em fontes al-
ternativas de energia limpa.

Obama revoluciona a campanha


As eleições deste ano transformaram a disputa em campanhas eleitorais, um le-
gado que será analisado por vários anos e que será um marco para as eleições no fu-
turo. Segundo o jornal New York Times, “as eleições reescreveram a forma de chegar
aos eleitores, levantar recursos, organizar apoiadores, gerenciar a mídia, acompanhar
e moldar a opinião pública e levantar e sustentar ataques políticos, inclusive muitos
feitos através de blogs, que não existiam há quatro anos atrás”.

A explosão da internet e do celular


A campanha deste ano utilizou a internet de maneiras nunca antes imaginadas.
“Entramos numa velocidade enlouquecida, os paradigmas foram transformados e se
tornaram verdadeiramente de baixo para cima e não de cima para baixo”, disse Mark
McKinnon, assessor sênior das campanhas de Bush em 2000 e 2004.
Essas transformações resultaram basicamente da forma como a campanha de
Obama conseguiu compreender e utilizar-se da internet para organizar uma imensa
rede de apoiadores e chegar aos eleitores que não dependem principalmente dos meios
tradicionais de informação, como jornais e televisão. As novas plataformas de comu-
nicação incluem o You Tube, que não existia na campanha presidencial de 2004, e as
56
Um voluntário na campanha de Obama

mensagens de texto por telefone celular, que os eleitores receberam inclusive na vés-
pera do dia da eleição, lembrando-os para votar.

Financiamento popular
Mas a inovação mais crucial da campanha, e que mudará a política daqui para
a frente, é o sucesso de Obama em usar a internet para mobilizar uma imensa rede
de doadores de recursos, que lhe permitiu levantar dinheiro suficiente para expandir
o mapa eleitoral dos democratas e competir em estados tradicionalmente republica-
nos. Os resultados alcançados com esse novo método de financiamento ameaçam
sepultar uma das principais reformas políticas da era Watergate, que é o financiamen-
to público de campanhas. O candidato republicano, John MacCain, recebeu 84 mi-
lhões de dólares da Comissão Eleitoral Federal, mas Obama abriu mão de utilizar di-
nheiro do sistema de financiamento público, e assim não precisou submeter-se às
restrições impostas pela legislação eleitoral, podendo decidir com mais liberdade on-
de aplicar os recursos arrecadados.
Enquanto no Brasil estamos discutindo a introdução do financiamento público
de campanhas na reforma política, a grande inovação produzida pelas eleições nos
Estados Unidos é um novo tipo de financiamento, muito mais democrático, e com
maior fundamento ético. Trata-se do financiamento de campanhas pelos próprios
eleitores, baseado em pequenas contribuições voluntárias de milhões de doadores,
que o fazem como ato de vontade para respaldar e tornar viável a campanha do can-
didato em quem depositam sua confiança, e querem que vença as eleições, para que
possa colocar em prática suas propostas políticas. Segundo analistas, essa inovação
da campanha de Obama aniquilou o sistema público de financiamento existente nos
Estados Unidos.

Um balanço divulgado no início de outubro informou que a campanha de Obama obte­


­­ve, em setembro, contribuições financeiras de 632 mil norte-americanos. O valor arreca­
­dado foi de 150 milhões de dólares, o maior da história de uma campanha num único
mês, numa média de 230 dólares por pessoa. Com isso, o número total de doadores até
o fim de setembro alcançou 3,1 milhões de norte-americanos, cada um tendo contribuí­
­do em média com 86 dólares. Segundo o relatório, esses recursos foram prioritariamen-
te destinados para expandir a campanha nos chamados estados críticos, onde os Republi­
­canos venceram as eleições anteriores, como é o caso de West Virginia, Colorado e Ohio.
Uma segunda prioridade era pagar anúncios na mídia para responder às acusações

57
Cezar Busatto

difa­­­matórias contra Obama. Uma delas, de autoria do próprio candidato republicano,


John McCain, acusava Obama de conduzir os Estados Unidos para o socialismo.
Os esforços para levantar recursos intensificaram-se na reta final da campanha. Obama
rea­­­­lizou um jantar na Califórnia, com a presença de Bárbara Streisand, ao custo de 28.500
dólares por pessoa. Pretendia arrecadar 9 milhões de dólares e arrecadou 11 milhões.

Pressão da sociedade
Na verdade, estamos vivendo um processo de
profundas transformações na forma como as cam-
panhas eleitorais são feitas. E essas mudanças, ma-
terializadas na campanha de Obama, refletem, por
sua vez, uma mudança cultural nos eleitores, produ-
zindo uma audiência que é ao mesmo tempo mais
bem informada, mais cética, e, através da leitura de
blogs, muitas vezes conferindo rumores e informa-
ções suspeitas.“Esses novos eleitores estão polician-
do as campanhas”, afirmou David Plouffe, coordena-
dor da campanha de Obama. Entre as mudanças
mais importantes desse ano está o intenso e novo
interesse pela política, que se expressou no registro de novos eleitores, aumento do
voto antecipado, e presença nos comícios de Obama. Entretanto, “sem um candidato
que emociona e mobiliza as pessoas, você pode ter a melhor estratégia e organização,
que elas não vão funcionar”, conclui Plouffe.
As mudanças postas em curso nas eleições norte-americanas resultam essen-
cialmente, sem dúvida, da pressão da sociedade civil, cujos movimentos de cidadãos,
utilizando a internet como veículo de comunicação e mobilização, praticamente con-
duziram a campanha de Barack Obama, imprimindo-lhe o conteúdo de sua platafor-
ma de propostas, a forma de organi-
zação em redes de vizinhos espalha-
das por praticamente todas as locali-
dades do país e a energia mobilizado-
ra, capaz de colocar 84 mil pessoas
num estádio de futebol americano pa-
ra ouvir o discurso de aceitação do
candidato democrata.
58
Um voluntário na campanha de Obama

Comitês de voluntários na internet


Os comitês por Obama e seus diversos sites na internet ofereceram várias pos-
sibilidades de ações voluntárias, entre elas destaco:

Equipes de vizinhos
As pessoas foram estimuladas a organizar sua própria equipe de vizinhos para
promover eventos de divulgação e engajamento na campanha. Um site, no caso da
re­­­gião do Vale do Silício onde morei, foi o http://www.sv4obama.com/, que fornecia
a relação dos vizinhos e um conjunto de orientações para o trabalho com a vizinhança.

Banco de telefones
Para essa atividade de fazer ligações telefônicas para vizinhos, amigos e outras
pessoas, além do roteiro de chamada (call script), era sugerido consultar o site http://
www.votebuilder.com/ e algumas páginas mais importantes do site principal da cam-
panha http://www.barackobama.com/, como foi o caso dos temas (issues), que apre-
sentavam as posições do candidato e a resposta às acusações (fight the smears).

Uso de ferramentas tecnológicas


Através da orientação proporcionada pelo site http://www.sv4obama.com/.

59
Cezar Busatto

Viagens
As pessoas eram chamadas a formar grupos capacitados durante dois dias para
ajudar na campanha, dentro dos estados mais difíceis para Obama (Nevada, Colora-
do, Ohio, New Hampshire, Michigan), os chamados battleground states (estados com
luta corpo a corpo).
No caso da Califórnia, as pessoas eram principalmente deslocadas para ajudar
no estado de Nevada. Essa atividade foi considerada crucial e seus par­­ti­­­ci­­­pantes eram
especialmente preparados pelo programa de treinamento em organização chamado
Camp Obama (Acampamento Obama).

Participação em eventos
A pessoa que desejasse participar de algum evento, em qualquer estado e cidade
do país, podia informar-se através da página find an event (encontre um evento) no
site http://www.barackobama.com/.

Outras atividades
Entre elas incluíam-se equipe de tecnologia, que recebia colaboração de peri-
tos em tecnologia da informação; finanças, que buscava colaboradores para ajudar
a levantar recursos para a campanha; facilidades e materiais, que recebiam contri-
buições para equipar os comitês, material de propaganda, meios de transporte, etc.;
e escritório, que buscava colaboradores para o atendimento voluntário nos comitês
de campanha.

Uma campanha conectada


Numa conversa que tive com uma eleitora de Obama, a professora Shelley, da
Universidade de Stanford, ouvi que o motivo que a levou a engajar-se ativamente na
campanha, a ponto de recomendar o candidato para toda a sua rede de amigos e ami-
gas e a contribuir voluntariamente com recursos de suas próprias economias para a
campanha, foi o sentimento de sentir-se parte, construindo cada passo da candida-
tura junto com o candidato. Por exemplo, ela foi sendo informada e chamada a dar
sua opinião durante todo o processo que resultou na indicação do vice-presidente Joe
Biden na chapa de Obama.
Um estudo comparativo foi feito por analistas políticos sobre a atuação dos
60
Um voluntário na campanha de Obama

dois candidatos, Obama e McCain, em ter-


mos de utilização da internet. O estudo evi-
denciou algo muito interessante: enquanto
as cartas-resposta aos eleitores na campa-
nha de McCain eram padronizadas e prati-
camente iguais para todos os eleitores, in-
dependentemente de suas diferentes carac-
terísticas pessoais, na campanha de Obama
as cartas-resposta aos eleitores eram elabo-
radas de modo praticamente personalizado,
adequando-se à identidade de cada eleitor.
O eleitor conectado na campanha de
Obama sentia-se tratado de forma indivi­­dual,
como se o candidato estivesse falando com
ele. E mais, ao analisar a evolução da corres­­­
pon­­­dência de um eleitor específico com o
can­­­didato ao longo da campanha, os analistas
constataram que as respostas dadas pelo can-
didato ao eleitor evoluíram como se uma his-
tória estivesse sendo contada, aprofundando-
se e apresentando diferentes enfoques a cada
nova carta-resposta enviada. Ou seja, a cor-
respondência do candidato com o eleitor evo-
luía como se estivesse ocorrendo uma conversa entre os dois ao longo do tempo, fa-
zendo o eleitor sentir-se considerado pelo candidato, envolvido na campanha e, em
conseqüência, estimulado a uma participação ativa e crescente.
A internet consegue assim ser utilizada para construir um sentido de pertenci-
mento, de engajamento, de envolvimento, de compromisso, e, conseqüentemente, de
mobilização pessoal e financeira para o candidato, seus eventos de campanha e suas
propostas. Parece-me importante reproduzir aqui a opinião de um dos coordenado-
res da campanha de Obama: “Eu acho que quando se pensa sobre democracia em re-
de ou democracia participativa, esse é um momento de transformação na história
americana, potencialmente realizando a visão dos fundadores desse país porque eles
e nós queremos uma forma de democracia mais direta. E com a internet nós pode-
mos nos mover um pouco mais naquela direção.”
61
Cezar Busatto

“Faça uma doação de US$ 25 agora mesmo”


Uma professora da Universidade de Stanford incluiu-me na lista de seus amigos
e logo em seguida comecei a receber mensagens diárias de lideranças importantes
do Partido Democrata e, depois, mensagens do próprio candidato a presidente, Bara-
ck Obama, que assina informalmente Barack.
Recebi quatro mensagens por email assinadas por Obama. A primeira, minutos
depois do seu discurso de aceitação.
“Cezar,
Essa noite não poderia ter acontecido 40 anos atrás – nem mesmo 4 anos atrás.
E não poderia ter acontecido sem você.
Você acreditou – contra todas as probabilidades – que a mudança era possível.
Eu senti tua paixão aqui hoje à noite. E eu sei que ela foi compartilhada por mi-
lhões de norte-americanos que estão construindo esse movimento por todo o país.
Hoje à noite é a sua noite, mas hoje à noite é apenas o começo.
A eleição geral será mais rápida e difícil do que qualquer coisa que nós já enfren-
tamos antes. E os nossos opositores farão tudo o que puderem para nos derrubar.
Eu preciso do seu apoio mais do que nunca.
Faça uma doação de US$ 25,00 agora mesmo:
http://my.barackobama.com/page/m/69cfce03874a9269/GVVwuG/VEsH/
Nosso partido está unido. Nosso objetivo está claro. E nossa meta está à vista.
Obrigado por tudo o que você tem feito,
Barack”

Não posso ser doador


Eu tentei fazer uma doação de US$ 25,00 atendendo ao pedido de Barack. Na página
de doações pela internet, entretanto, além dos dados pessoais e do número do cartão
de cré­­­dito, são arroladas sete condições para ser doador. Preencho todas elas menos
uma: ser cidadão norte-americano ou residente legal permanente. Fui ao site de Oba-
ma buscar uma explicação. No http://answercenter.barackobama.com/, entre as 108
perguntas distri­­­buídas por vários temas, lá estava a resposta para a minha pergunta:
cidadãos de outros países estão proibidos de doar para campanhas políticas nos Esta-
dos Unidos pela lei elei­­­­toral federal. Bingo! Fiquei frustrado por não poder fazer minha
modesta contribuição.
Vale a pena reproduzir as condições para ser doador da campanha de Obama:
1. Eu sou cidadão dos EUA ou residente permanente legalmente admitido no país;

62
Um voluntário na campanha de Obama

2. Eu tenho pelo menos 16 anos de idade;


3. Essa contribuição não é feita com recursos gerais do caixa de uma empresa,
organização sindical ou banco nacional;
4. Essa contribuição não é feita do caixa de um comitê de ação política;
5. Essa contribuição não é feita do caixa de uma entidade ou pessoa que é um
contratante junto ao governo federal;
6. Essa contribuição não é feita de fundos de um indivíduo ou agente estrangeiro
registrado como lobista junto ao governo federal, ou uma entidade, empresa ou
agente estrangeira de lobby registrada junto ao governo federal;
7. Os fundos que estou doando não estão sendo fornecidos a mim por outra pessoa ou
entidade com o objetivo de fazer essa contribuição.
Quantos doadores das campanhas eleitorais no Brasil atenderiam a todas essas
condições?

“A hora de fazer a diferença está terminando”


Logo após o segundo debate presidencial, recebi no meu email uma nova carta
personalizada de Barack Obama.
“Cezar,
Eu acho que as diferenças entre McCain e eu ficaram muito claras hoje à noite.
E lutarei pela classe média todos os dias e – uma vez mais – o senador McCain
não mencionou a classe média uma única vez durante o debate.
Se você concorda que nós precisamos uma redução de impostos para 95% das fa-
mílias trabalhadoras, redução de custos na assistência à saúde, e o fim da guerra do
Iraque de uma forma responsável, então preciso tua ajuda agora mesmo.
E se você ouviu John McCain defender mais das mesmas políticas desacreditadas,
incluindo redução de impostos para os mais ricos e para as corporações gigantes, au-
mento de impostos sobre a assistência à saúde, e a continuidade dos gastos de 10 bilhões
de dólares por mês no Iraque, então agora é a hora de agir.
Quatro semanas de hoje à noite, nós saberemos qual de nós será o próximo presi-
dente.
A hora de fazer a diferença nesta eleição está terminando – por favor, faça uma
doação de 5 dólares ou mais agora mesmo.
https://donate.barackobama.com/townhall
Obrigado,
Barack”
63
Cezar Busatto

“Apenas ataques a mim e a você”


Vale a pena traduzir uma nova carta que recebi do candidato democrata à pre-
sidência:
“Cezar,
Porque os republicanos gastam toda uma noite de sua convenção atacando pesso-
as comuns? Com a nação observando, os republicanos zombaram, depreciaram, e na
verdade deram gargalhadas dos americanos que se engajam em serviços e organização
comunitária. Nossa convenção foi diferente. Nós abrimos o palco para todos os ameri-
canos que tem fome de mudança e se mobilizaram para dar telefonemas, bater nas por-
tas e levantar dinheiro em pequenas quantias nas suas comunidades.
Você talvez possa ter perdido, mas nós também mostramos ao país um vídeo com
os rostos e vozes daqueles organizadores, voluntários e doadores de cada canto do país.
Olhe o vídeo e faça uma doação de 5 dólares ou mais agora, para mostrar que nes-
sa eleição as pessoas comuns farão suas vozes serem ouvidas.
O que você não ouviu dos republicanos na sua convenção foi uma única idéia no-
va sobre como fazer o sistema de saúde funcionar, fazer nossa economia mover-se para
a classe média, ou melhorar a educação.
Apenas ataques a mim e a você. Mas o que a brigada de ataque de McCain não
entende é que as pessoas como você – que devotaram parte de suas vidas ocupadas a
organizar e construir suas comunidades – tem o poder de mudar esse país.
Com a sua ajuda, isso é exatamente o que nós vamos fazer.
Obrigado, Barack”
Mais uma carta personalizada que, como milhões de americanos, recebi de Oba-
ma, tratava da crise econômica e financeira que eclodiu nos Estados Unidos durante
a campanha. Ela será reproduzida no capítulo final deste livro, especialmente dedi-
cado a esse tema.

Por dentro da campanha


Para compreender melhor o que estava acontecendo por dentro da campanha
de Obama, suas inovações, suas formas de organização, participei de uma reunião
do comitê do Vale do Silício por Obama, na Av. El Camino Real, 3898, em Palo Alto,
coordenado por Lynda Adler. A reunião estava marcada para as 9 horas e começou
pontualmente. Seu objetivo era orientar as pessoas voluntárias a telefonar para vizinhos,
64
Um voluntário na campanha de Obama

conhecidos e outras pessoas procurando conquistá-las para Obama e convencê-las a


comparecer no dia da eleição.
A reunião começou com 13 pessoas, 11 mulheres e 2 homens, sendo eu um de-
les. Em poucos minutos foram chegando mais pessoas até chegar a 30, das quais 25
mulheres e 5 homens. Várias delas eram professoras e jovens. A coordenadora do co-
mitê, após dar as boas-vindas a todos, abriu espaço para as apresentações. Cada pes-
soa disse seu nome e porque estava querendo ajudar a eleger Barack Obama – um
momento forte que revelou como as pessoas estavam ansiosas para ajudar, como que-
rem mudar, como o candidato despertou o sentimento de que agora a mudança é
possível e como os anos Bush deixaram marcas negativas nas suas consciências.

Como dar um telefonema efetivo


Após essa apresentação, Lynda expôs didaticamente a orientação de como de-
veriam ser feitos os telefonemas em busca de apoio. Começou apresentando os prin-
cípios básicos da campanha:
• Respeitar: mostrar respeito por todos os outros candidatos;
• Empoderar: capacitar os indivíduos a assumir responsabilidades porque,
finalmente, o governo será nosso e nossos líderes precisam ser receptivos a nós;
• Incluir: buscar e trazer para a campanha tantas pessoas quanto possível.
Depois de apresentados os princípios, Lynda explicou que os telefonemas deve-
riam ser feitos com clareza (se não sou claro, não posso ajudar outros a serem claros),
através dos seguintes passos: primeiro, começar contando a história de si mesmo, seus
valores, o que você tem para compartilhar; depois, a história do nós, ou seja, porque
nossa comunidade deve engajar-se na campanha; finalmente, a história do agora, a
urgência de engajar-se e fazer a mudança.
Em seguida, Lynda orientou para a pessoa concentrar-se e preparar-se para con-
tar a sua história, considerada um passo crucial. Recomendou que a pessoa fosse sem-
pre positiva, com foco em sua mensagem, sem esquecer que estava representando o
candidato e que suas ações se refletiriam na campanha. Acrescentou que a pessoa não
deveria argumentar, jamais depreciar os princípios e valores de ninguém, jamais acu-
sar outros candidatos, pensar numa resposta e, se não soubesse, ser honesta e dizer
que iria providenciar mais informações a respeito.
A orientação foi debatida e um call script (roteiro de chamada) com todos os
passos foi distribuído para cada participante começar o seu trabalho. Terminada es-
sa etapa de orientação, as pessoas começaram a telefonar ali mesmo no comitê, onde
65
Cezar Busatto

contei 15 computadores prontos para disparar telefonemas gratuitamente pela inter-


net. E foi isso que vi ocorrer com muitos dos participantes da reunião. Outros disse-
ram que fariam de suas casas e escritórios de trabalho.

Mobilização de vizinhos
No último dia da convenção do Partido Democrata, tive a oportunidade de
assistir ao discurso de Barack Obama na televisão da casa de Margaret Valliant,
uma chefe de família norte-americana que, como milhares de outras, abriram suas
residências para acompanhar junto com os vizinhos o pronunciamento do candi-
dato. Esse movimento voluntário de mobilização de milhares de pessoas por todo
o país, chamado Yes we Can (Sim nós Podemos), foi organizado por uma ONG po-
derosa chamada MoveOn – www.moveon.org – Política em Ação, totalmente enga-
jada na campanha.
Fiquei impressionado com o que vi na casa de Margaret, na cidade de Santa Cla-
ra, a cerca de 10 milhas de onde eu morava. Pelas condições de sua casa, concluí que
Margaret é uma mulher de classe média baixa. Estavam lá 12 pessoas adultas, fora

66
Um voluntário na campanha de Obama

várias crianças, incluindo jovens, velhos, brancos e afro-americanos. Um casal estava


com seu bebê de não mais de três meses. Quando falei que era estrangeiro do Brasil,
vários responderam em coro que também eram estrangeiros, pois não se conheciam
antes. Vi em todos eles uma crença, uma esperança, uma fé de pessoas que querem
mais uma vez acreditar que uma mudança importante de rumos do país é possível
de acontecer nas eleições. Algo que há muito tempo não vejo no Brasil.
Nessa noite testemunhei aquilo de que ouvia falar, mas não estava seguro de que
estivesse mesmo acontecendo: havia, sim, algo de novo acontecendo nas eleições nos
Estados Unidos. Não se tratava apenas de mais um bom produto da mídia eletrônica,
por sinal, usada, com uma competência sem precedentes, como tecnologia de comu-
nicação e mobilização. Não seria exagero nenhum afirmar que a indicação de um
afro-americano, e ainda mais com o nome de Barack Obama, filho de pai queniano e
de mãe norte-americana, como candidato à presidência por um dos dois grandes par-
tidos dos Estados Unidos, era um acontecimento político dos mais importantes do
pós-Segunda Guerra Mundial. Considerando a história das lutas contra a discrimi-
nação racial nos Estados Unidos, o significado dessa candidatura era ainda maior. E
mais, Obama representa uma nova geração de lideranças que se apóiam, não nas eli-
tes ou em grandes grupos econômicos, mas na mobilização cidadã de milhões de
apoiadores ativos, afro-americanos, brancos, de todas as etnias, de todas as idades.
Conectado com essa energia cidadã, no seu discurso de aceitação Obama colo-
cou claramente o seu foco nas pessoas, nas comunidades: “Precisamos de uma nova
política que responda aos interesses de vocês, não dos grupos privilegiados e das eli-
tes abastadas”; “Precisamos de um governo que trabalhe a nosso favor, não contra
nós”. Ao mesmo tempo, Obama chamou cada um à sua responsabilidade e à respon-
sabilidade mútua de todos pela construção de um projeto comum que promova as
mudanças necessárias. “A mudança não virá de Washington, a mudança irá para Wa-
shington e vem das pessoas e das comunidades”. Obama rompeu com o partidarismo
exacerbado, falando também para os republicanos e independentes e rechaçou a ten-
tativa de fazer uso partidário do sentimento de patriotismo e de amor pelos Estados
Unidos que cada cidadão norte-americano sente. “Essa eleição não é sobre mim, é
sobre vocês”.
Foi emblemático o discurso de aceitação ocorrer a exatos 45 anos do histórico
discurso de Martin Luther King em Washington, “I have a dream” (Eu tenho um so-
nho). Barack Obama resgatou aquele sonho coletivamente: “Nós juntos, nosso sonho
pode ser um e tornar-se realidade”.
67
Cezar Busatto

Conversa pessoa a pessoa


A última reunião de voluntários de que participei foi na casa de Elsa Schafer,
num bairro de classe média alta da cidade de Belmont, no Vale do Silício. A Elsa é
uma voluntária da ONG http://www.moveon.com/. Havia 18 vizinhos presentes, co-
mo sempre uma minoria de três homens. Fui muito bem recebido, com muita natu-
ralidade, todos gostaram que, mesmo sendo estrangeiro, estava lá para ajudar a ter-
mos um mundo mais pacífico.
A Elsa abriu a reunião dizendo que nunca tinha visto antes uma campanha com
tanta mobilização nas famílias e vizinhanças. Em seguida, as pessoas passaram a ser
treinadas em como dar um telefonema efetivo para pessoas previamente identifica-
das em listas, convidando-as para engajar-se nas atividades da campanha em suas
comunidades. O contato pessoa a pessoa por telefone, ou em visitas porta a porta, vi-
zinho a vizinho, é considerado a forma mais efetiva de envolvimento. Uma das prin-
cipais páginas da campanha pela internet – http://www.mybarackobama.com/ – lan-
çou uma mobilização nacional vizinho a vizinho, fornecendo para a pessoa interes-
sada a relação dos vizinhos na sua própria comunidade para fazer o contato, seja por
telefone ou em visitas porta a porta.
Houve um esforço especial para mobilizar voluntários ao deslocamento para os
estados onde Obama tentava reverter os resultados. Nevada foi o estado para onde os
californianos eram chamados a se deslocar. Após o breve treinamento, cada um ia
para um lugar da casa com seu telefone celular e começava a fazer telefonemas. No
fim, avaliação dos resultados, comemoração dos novos voluntários conquistados e
definição dos próximos encontros de trabalho.

De casa em casa, em Nevada


O estado de Nevada foi considerado um dos decisivos para a vitória de Obama ou
McCain. Era chamado um dos battleground states. Normalmente, os republicanos ven­
­­cem lá, mas nestas eleições havia uma chance de Obama vencer. Por isso, os demo-
cratas da Califórnia, estado vizinho, estabeleceram a estratégia de deslocar milhares de
voluntários para Nevada, com o objetivo de tentar conquistar a maioria do eleitorado.
Fui pessoalmente ver essa operação estratégica, muito bem organizada pelos lí-
deres da campanha de Obama, toda ela baseada na mobilização de voluntários, tanto
68
Um voluntário na campanha de Obama

da Califórnia como das pessoas de Nevada, e que foram estimuladas a organizar-se


em suas vizinhanças para conquistar mais eleitores para Obama. Escrevi minha nota
para o blog da casa da família Williamson, na cidade de Carson, com 50 mil habitan-
tes, cercada de montanhas, algumas com neve no topo.
As pessoas saíram de suas casas, em alguma cidade da região norte da Califór-
nia, e viajaram entre 4 e 6 horas para chegar a Carson. Ali, foram recebidas em casas
de famílias locais para alojamento. Fui maravilhosamente acolhido pelas famílias
Williamson e Badger.
No comitê de campanha de Obama em Carson, uma pequena equipe estava
preparada para receber os voluntários. Durante uma hora, pela manhã, recebemos
rápido treinamento sobre como abordar as famílias, casa por casa, e os procedi-
mentos para preencher os formulários que registrariam os resultados de cada visi-
ta. Mais de uma centena de pessoas voluntárias trabalharam o dia inteiro, fizeram
milhares de visitas, registraram centenas de novos eleitores, e ao fim do dia retor-
naram ao comitê para reportar os resultados do trabalho realizado. Tudo foi digi-
tado e remetido para o comando da campanha no estado de Nevada, para o côm-
puto e o controle geral.
69
Cezar Busatto

Enquanto era servido um breve jantar, os voluntários participaram de uma ava-


liação das visitas feitas: primeiro, o que aconteceu de positivo, depois o que foi nega-
tivo e por fim os encaminhamentos para o trabalho do dia seguinte. Em todos os fins
de semana, até o último antes do dia da eleição, esse movimento voluntário organi-
zado profissionalmente se repetiu. Objetivo: Obama vencer McCain em Nevada, es-
tado decisivo para chegar à presidência.

O país de volta para a maioria


Havia um clima de grande entusiasmo nas pessoas voluntárias, uma dedicação
contagiante de cada uma, um espírito de missão por uma grande causa, um verda-
deiro engajamento cívico – tudo isso feito com muita organização, profissionalismo
e seriedade. Entre as pessoas voluntárias, predominavam mulheres e jovens, mas ob-
servei um crescimento do número de homens presentes, com relação aos eventos de
campanha dos quais eu participara anteriormente.
O que ficou claro nas manifestações dessas pessoas é que estava em jogo mais
do que a vitória de Obama. Havia uma clara consciência de que uma possível virada
histórica estava prestes a acontecer, com a retomada do poder para as mãos das pes-
soas comuns, o país voltando a existir para a esmagadora maioria da população de
classe média e pobre, a democracia como meio efetivo de participação das pessoas
nas decisões que lhes dizem respeito.
Enfim, a sensação que passava era a de que os ideais do sonho americano tinham
uma oportunidade histórica de deixar de ser apenas a letra fria da Constituição dos
Estados Unidos e voltar a ser construído na realidade viva do país, que já foi uma ter-
ra de oportunidades para todos.

O papel das pessoas comuns


A campanha republicana tentou depreciar Obama por haver sido um organiza-
dor comunitário. O resultado foi uma reação fortíssima. Antes de iniciar sua carreira
política, Obama atuou no Lado Sul de Chicago, junto a pessoas que perderam seus
empregos quando as usinas de aço locais fecharam suas portas. Segundo a campanha
democrata, a atitude desconsiderou que as pessoas comuns têm, sim, um papel a jo-
gar no processo político. Os democratas afirmaram que no seu dia-a-dia as pessoas
têm o poder de construir algo extraordinário quando se unem, e a provas disso foram
70
Um voluntário na campanha de Obama

a própria indicação de Obama como candidato à presidência e sua campanha para a


presidência dos Estados Unidos.
Afirmou a campanha democrata: “Organização comunitária é como as pessoas
comuns respondem a políticos ausentes e suas políticas fracassadas. E não é surpresa
que, após oito anos de George Bush, milhões de pessoas descobriram que se unindo
em suas comunidades locais elas podem mudar o curso da história. Nossa campanha
tem se baseado nessa mensagem desde o início. Ao longo de nossa história, as pesso-
as comuns construíram o sonho americano organizando-se por mudanças a partir
das bases. Organização comunitária é o fundamento do movimento dos direitos civis,
do movimento pelo voto feminino, direitos dos trabalhadores, e a semana de 40 ho-
ras de trabalho. E está acontecendo hoje nos porões de igrejas, centros comunitários
e salas de estar por toda a América.”

Pontos básicos da plataforma de Obama


• Corte de impostos para 95% das famílias trabalhadoras e para os pequenos
negócios, para gerar mais empregos;
• independência do petróleo do Oriente Médio em 10 anos;
• investimento de 150 bilhões de dólares em fontes alternativas de energia
renovável em 10 anos, para baratear o preço dos combustíveis;
• cada criança deverá ter educação de classe mundial para competir no mundo
globalizado;
• recrutar mais professores e melhorar os seus salários;
• incentivo para os jovens que não tem recursos para financiar seu curso superior;
• pagamento de salário igual para trabalho igual entre homens e mulheres;
• aperfeiçoar o seguro previdenciário para os que se aposentam;
• plano de retirada responsável das tropas do Iraque, apoio ao Afeganistão, combate
à Al-Qaeda e mais diplomacia e menos guerra nas relações internacionais;
• juntar democratas, republicanos e independentes para resolver os problemas que
enfrenta a nação.

Renda não acompanha aumento de preços


Na última década, os preços da moradia, assistência à saúde e educação supera-
ram o aumento da renda das famílias norte-americanas. O preço da moradia, incluindo
71
Cezar Busatto

pagamento de financiamentos, seguros e equipamentos domésticos, aumentou 65%


no período 1996-2006, quando a renda cresceu somente 36%. No mesmo período, o
preço da assistência à saúde aumentou 56% e o da educação 69%. Diante dessa situ-
ação, as famílias estão propensas a bloquear seus cartões de crédito, se elas estão pre-
ocupadas com a queda nas bolsas de valores ou a manutenção de seus empregos. E
esse comportamento pode aprofundar ainda mais uma recessão. No ano de 2007, mais
de 7,5 milhões de famílias, quase 15% dos norte-americanos que pagam financia-
mentos habitacionais, estavam gastando metade ou mais de sua renda em prestações
da casa própria, impostos sobre a propriedade e seguros, de acordo com o Censo dos
Estados Unidos divulgado recentemente.
Convencionalmente, o governo e a maior parte dos financiadores consideram
que um proprietário que gasta 30% ou mais de sua renda em moradia está finan-
ceiramente sobrecarregado. Mas atualmente essa definição aplica-se para 38% dos
proprietários norte-americanos que pagam seus financiamentos, quase 19 milhões
de famílias. Na década de 90 essa situação era invertida, com o preço da moradia
crescendo menos do que a renda das famílias. A renda de uma família média no
ano passado era menor do que no ano 2000, em parte porque os salários reais, ou
seja, o aumento dos salários, descontada a inflação, caiu no período. O orçamento
doméstico também foi impactado pelo aumento dos custos do transporte. A gaso-
lina quase triplicou desde 2002, aumentando de 1,38 dólares o galão para 4,05 dó-
lares o galão nesse ano.

Saúde: milhões de vidas sendo perdidas


Participei de um Fórum organizado pela campanha de Obama sobre alguns
temas críticos, de interesse para as mulheres. Em pauta dois temas principais: edu-
cação e assistência à saúde. Impressionou-me a exposição do professor Jacob Hacker,
na Universidade de Berkeley, que mostrou que quase 45 milhões de norte-america-
nos não têm seguro-saúde e que, por não terem recursos para enfrentar a ocorrência
de doenças, milhares de famílias são levadas todos os dias à insolvência nos Estados
Unidos. Por isso, seis em cada dez famílias sem seguro-saúde acabam adiando seus
necessários tratamentos médicos. E a situação vem se agravando: em 1979, 69% dos
empregadores ofereciam seguro-saúde para seus funcionários; em 2003, esse per-
centual baixou para 55%. O percentual da população que tem seguro-saúde apenas
parcial, por não poder pagar um de cobertura integral, aumentou de 32% em 2003
para 42% em 2007. É por isso que hoje 71% da população apóia a proposta de que o
72
Um voluntário na campanha de Obama

governo federal implemente um sistema universal de assistência à saúde, para salvar


milhões de vidas.
Um dos momentos mais belos do Fórum foi o depoimento de uma senhora afro-
americana da terceira idade, Gertrude Wilques. Ela começou dizendo que jamais ima-
ginou que estaria viva para ver um afro-americano candidato a presidente de seu pa-
ís. “Todos os dias rezo por ele, e peço a todos na minha família que rezem por ele
também”. Considerava que o mais importante da mensagem de Barack Obama era
sua proposta de que todos os norte-americanos se unissem para recuperar o país,
resgatar os seus valores, voltar a fazer dele um lugar de oportunidades para todos,
como foi no passado. No fim de seu depoimento, circulou os olhos entre os presentes
no auditório e concluiu: “É um bom tempo o que estamos vivendo, há um bom espí-
rito nessa sala, em todo o país, para, todos juntos, fazermos o que precisa ser feito”.
73
Cezar Busatto

Acusações x questões reais


Inicialmente a campanha presidencial norte-americana concentrou-se em ten-
tativas republicanas de desqualificar o candidato democrata. Diante da reação da opi-
nião pública, a campanha voltou-se para o debate dos grandes temas nacionais, a
guerra do Iraque, a política de impostos, o financiamento da assistência à saúde, o
enfrentamento da crise de energia. Com a escolha de Palin para vice de McCain, os
republicanos tentaram conduzir a campanha para o terreno dos valores da família
tradicional norte-americana. A eclosão da crise econômica e o avanço da candidatu-
ra Obama atropelaram essa tática e os candidatos republicanos retomaram a política
da desqualificação do candidato democrata. Voltaram a acusar Obama de ser amigo
de terroristas, pela amizade do candidato com o hoje professor Bill Ayers, acusado de
liderar na juventude um grupo de ação terrorista. Ao mesmo tempo, multiplicaram-
se anúncios tentando amedrontar o eleitor mais desinformado com acusações de que
Obama iria aumentar impostos para a classe média, que seu programa iria implantar
o socialismo no país, e que no seu governo o aborto seria liberado.
As acusações não partiram somente da campanha republicana, senão também
de associações conservadoras, propagandas que tentam espalhar medo e insegurança
nas pessoas menos informadas. Será que um afro-americano tem condições de liderar
o país? Seu voto em favor da liberdade da mulher de decidir não é um atentado à vida de
muitas crianças? Como uma pessoa que convive com terroristas pode presidir a na-
ção? Colocar a condução do país nas mãos de Obama é perigoso, arriscado, seria uma
desonra para os Estados Unidos. A vice de McCain, Sarah Palin, destacou-se nessa cam­
­­­pa­­­nha difamatória. E a Associação Nacional do Rifle anunciou que investiria 15 milhões
de dólares para esclarecer os norte-americanos de porque não votar em Obama.
A campanha de Obama divulgou um levantamento em que, durante apenas du-
as semanas, quase 100% dos anúncios da chapa McCain-Palin tinham conteúdo ne-
gativo. E acusou os republicanos de tentarem desviar o debate das questões reais, pro-
curando concentrá-lo em ataques cada vez mais agressivos contra Obama. Um dos
coordenadores de estratégia da campanha de McCain afirmou categoricamente: “This
election is not about issues” (Essa eleição não é sobre temas). As questões cruciais so-
bre as quais os eleitores teriam que se posicionar e decidir seu voto, segundo os de-
mocratas, foram as seguintes:
• os republicanos declararam-se contra as possibilidades de salvar vidas através da
pesquisa de células-tronco;
74
Um voluntário na campanha de Obama

• os republicanos nem mesmo mencionaram proteger o pagamento igual para


trabalho igual;
• os republicanos apoiaram grandes cortes de impostos para os 2% de americanos
mais ricos;
• os republicanos ignoraram completamente os 10 bilhões de dólares gastos a cada
mês no Iraque;
• e eles não fazem nenhuma exceção para o direito de uma mulher fazer sua
escolha – mesmo nos casos de estupro, incesto, ou para proteger a vida da mãe.
E concluía a análise democrata: se tudo isso parece mais do mesmo, é porque
realmente é. McCain está oferecendo um terceiro mandato para a desastrada agenda
de Bush, então não surpreende que sua campanha tenha escolhido focar em ataques
pessoais e não em temas.
Essa foi a linha predominante de defesa de Obama. Mas sua candidatura também
divulgou um depoimento de William Black, um agente federal de regulação de bancos no
período 1984-94, que relatava os vínculos de McCain com o escândalo da empresa finan­
­­­ceira Lincoln Savings, no início da década de 90. Controlada por Charles Keating, a em­
­­presa violou, através de fraudes contábeis, as normas da agência federal de regulamenta­
­ção, desviando recursos da ordem de 615 milhões de dólares para o bolso de seu proprie­
­­tário. À época, Keating era o principal financiador de campanha de cinco senadores,
en­­­tre os quais McCain, e acabou tendo sua empresa protegida politicamente. Dois anos
depois, o governo teve que injetar 3,4 bilhões de dólares de dinheiro dos contribuintes
na empresa, assumir o seu controle e evitar a sua falência para proteger os seus clientes.

A gravidez da filha de Sarah


A revelação de que Bristol, a filha de 17 anos da candidata a vice-presidente na chapa
de McCain, Sarah Palin, governadora do Alaska, estava grávida de cinco meses e não
era casada, trouxe à tona uma novidade importante. Em se tratando do debate político
nos Estados Unidos, em que as questões pessoais e da vida íntima dos políticos sempre
tem um peso decisivo, nesse caso a reação dos democratas, liderados por Obama, foi
imediata: “As famílias das pessoas são ‘off limits’ (fora dos limites) e as crianças são espe­
­cialmente ‘off limits’”, ou seja, são temas que deveriam ficar circunscritos ao âmbito
particular. Mesmo assim, a tradicional cultura política norte-americana é tão enraiza-
da que o tema da gravidez da adolescente continuou sendo um dos grandes temas de
debate na mídia. O desgaste foi tanto que chegou a se comentar a possibilidade de Sarah
Palin ser substituída na chapa republicana.

75
Cezar Busatto

Temas cruciais da campanha


Três questões políticas cruciais causaram resistência ao apoio a Barack Obama:
a liberação do aborto, o temor do assassinato do candidato e os apoiadores de Hilary
Clinton. Para cada uma dessas questões, achei interessante a preocupação das pesso-
as que participavam de uma reunião do Comitê do Vale do Silício por Obama, da qual
também participei, de encontrar a melhor abordagem. Para a questão do aborto, a
idéia não deveria ser pró-aborto e sim a favor da liberdade para as pessoas decidirem
o que é melhor para elas, no sentido de que “eu não quero um país que decida o que
eu devo ou não devo fazer com a minha vida”, como afirmou uma participante da
reunião. Para a questão do assassinato do candidato, a idéia que prevaleceu foi a de
rechaçar a política feita na base do medo e mostrar que Obama era o candidato do
entendimento e da união de todos os norte-americanos, acima das velhas disputas
raciais ou partidárias. E para a questão dos apoiadores de Hilary Clinton, a idéia que
predominou foi a de apoiar-se nas palavras do pronunciamento de Hilary na conven-
ção democrata, em que foi categórica ao dizer ”no McCain” (McCain não).

A indústria do lobby em questão


A campanha de Barak Obama e as principais lideranças do Partido Democrata
propuseram uma avaliação crítica a respeito da indústria do lobby, que acabou cons-
tituindo um “relacionamento simbiótico nocivo” com o Poder Legislativo, a ponto de
comprometer decisões importantes para a sociedade, como ocorreu recentemente
com a não aprovação pelo Congresso dos EUA de uma legislação que teria atacado
frontalmente o aquecimento global. No discurso perante a Convenção Democrata,
em 25 de agosto, a senadora Pelosi, presidente do Congresso dos Estados Unidos, afir-
mou que “para mudar a política em Washington é preciso mudar o jeito como Wa-
shington trabalha, sem a influência de interesses privilegiados”, referindo-se clara-
mente a essa influencia nociva da indústria do lobby na tomada de decisões políticas
na capital dos EUA.

Washington e Brasília
Tanto Obama quanto McCain disseram que é preciso mudar o jeito de trabalhar
de Washington, a capital política dos Estados Unidos. Que o jeito atual está falido.
Referem-se ao domínio exercido pelos chamados interesses privilegiados, a indús-
tria do lobby, que impede a tomada de decisões políticas relevantes para o país, os
casos freqüentes de corrupção, a falta de compromisso público de muitos executivos
76
Um voluntário na campanha de Obama

públicos, a falta de transparência e de prestação de contas à sociedade, a falta de um


espírito de dedicação e de voluntariado pelas causas nobres da nação.
A manutenção durante tanto tempo da liberalização dos mercados financeiros,
que possibilitou os abusos especulativos no financiamento habitacional, origem da
maior crise econômica desde a Grande Depressão dos anos 30 do século passado, é o
melhor exemplo do papel perverso da indústria do lobby que domina a política na
capital norte-americana. Qualquer semelhança com aquilo que vemos com tanta fre-
qüência ocorrer em Brasília não é mera coincidência. Resulta de um mesmo jeito de
fazer política, que precisa mudar em todo o mundo.
McCain propôs mudar a partir de sua luta histórica contra a corrupção e os lo-
bbies viciados. Obama disse que a mudança só será efetiva se vier de baixo para cima,
a partir da pressão que vem das ruas, dos bairros, das cidades, dos estados federados.
Obama incorporou a necessidade de uma nova cultura política, apoiado na evidência
de que as pessoas querem recuperar a capacidade que perderam nos últimos anos de
reunir-se, decidir e construir juntas o futuro de suas comunidades. O engajamento
cívico das pessoas é considerado por Obama um componente essencial do aperfeiço-
amento da democracia norte-americana. Ele esteve presente em sua campanha, está
em seu programa de governo e em todos os seus discursos.

Visita ao comitê central


Chicago é a cidade onde Obama começou sua vida pública, como organizador comuni-
tário, depois Senador Estadual, até chegar ao Senado Federal, quando se candidatou a
presidente dos Estados Unidos. Fui visitar o comitê central da campanha de Obama,
onde fui recebido pelo diretor da campanha no estado, Ken Bennett, e pela coordenado-
ra do trabalho voluntário da campanha, Ann Kalayil. A conversa foi rápida, porque o
trabalho no comitê era enlouquecedor nos dias imediatamente anteriores à eleição. Mas
valeu pelo significado de compar-
tilhar alguns minutos da emoção
que tomou conta de todos, com o
que ainda era possibilidade de
eleger o primeiro africano-ame-
ricano presidente, com uma pla-
taforma de mudanças econômi-
cas e sociais e de renovação da
política nos Estados Unidos.

77
Cezar Busatto

O Super B (de Barack) como agente de mudança


A candidatura de Obama realmente transformou-se num fenômeno esparramado por
todos os recantos da vida norte-americana. Nas bancas de jornais e revistas, nas livra-
rias, nas lojas de roupas, nas casas, nos produtos dos vendedores ambulantes nas ruas,
nos automóveis, por todos os lados a imagem de Obama esteve presente, retratada das
formas mais diversas e criativas. Chamou-me a atenção, por exemplo, o desenho de ca-
pa de um jornal de distribuição gratuita nas ruas e bares de Santa Cruz, Califórnia, em
que a figura do Super B (de Barack) era identificada como o agente da mudança que
todos os norte-americanos, gritando socorro, aguardavam.

A calculadora de impostos de Obama


A equipe de Obama tomou uma iniciativa inédita e criativa para convencer os norte-
americanos de que o candidato tinha a melhor proposta para reduzir a carga de impos-
tos e, assim, melhorar o orçamento das pessoas e famílias: colocou no site principal da
campanha – http://www.barackobama.com/ – um “tax calculator”, uma máquina cal-
culadora que em poucos segundos informava o quanto as propostas de Obama eram
melhores, para o bolso da pessoa, do que as propostas de McCain.

A cabeça dos novos eleitores


Pesquisa do Wall Street Journal, NBC News e MySpace sobre novos eleitores, di-
vulgada poucos dias antes da eleição, constatou que 61% deles votariam em Obama,
contra 31% para McCain. Mais de 75% desses novos eleitores registraram-se pela pri-
meira vez este ano e eram, na maior parte, jovens adultos.
A economia era o tema prioritário para 65% dos novos eleitores, seguindo-se o
atendimento à saúde com 20%. Temas sociais e de política externa ficaram muito
atrás. Quando perguntados por que as eleições são importantes, disseram que que-
riam escolher um presidente que fortalecesse a economia, muito mais do que esco-
lher um presidente que promovesse mudanças. Uma proporção de 9 em cada 10 no-
vos eleitores achava que os Estados Unidos estavam no caminho errado e em declínio.
Mais de 6 em cada 10 não tinham confiança que a geração de seus filhos teria melho-
res condições de vida. Os novos eleitores também querem que o governo seja mais e
não menos ativo: 72% acham que o governo deveria fazer mais para resolver os pro-
blemas do país. E somente 19% confiam no governo federal.
78
Um voluntário na campanha de Obama

Apesar do pessimismo, é interessante que os novos eleitores digam que estão


mais preparados do que seus pais para cuidar do meio ambiente, mais atualizados
sobre as questões internacionais e com mais voz ativa para resolver problemas do país
e engajar-se no processo político. Eles disseram, entretanto, que seus pais estavam
mais preparados para exercer o sentido de comunidade e de ajuda mútua.

Campanha para comparecer às urnas


A organização não governamental One (http://www.one.org/) mobiliza pessoas
e recursos nos Estados Unidos para reduzir a pobreza no mundo. Ela celebrou a con-
quista de fortes compromissos de luta contra a pobreza nas propostas de campanha,
tanto do Partido Democrata como do Republicano. Mais de 50.000 membros dessa
organização, com o apoio de dois senadores, um de cada partido, foram os responsá-
veis por essa conquista. Organizações de ação política em torno de temas mobiliza-
dores são muito comuns nos Estados Unidos e exercem um papel importantíssimo,
influenciando os rumos da campanha eleitoral. Nas últimas semanas de campanha
a One conclamou uma mobilização nacional pelo comparecimento das pessoas às
urnas, para “fortalecer sua voz com seu voto”, somando forças com outra organização
dedicada ao tema, a Rock the Vote (http://www.rockthevote.org/), para registrar um
número recorde de votos nas eleições desse ano.

Imigrantes por Obama


Tive a oportunidade de participar de uma reunião de iranianos-americanos por
Obama, promovida pela organização voluntária Iranianos-Americanos Democratas
da Área da Baía (http://www.baiad.org/), dedicada a desenvolver uma poderosa ação
política para fazer dos milhares de imigrantes iranianos que vivem nos Estados Uni-
dos, participantes ativos e responsáveis da democracia norte-americana. Só no Vale
do Silício moram mais de 10 mil iranianos, dos quais cerca de 500 são professores em
universidades da região.
Através da mobilização que a campanha de Obama promoveu, as comunidades
de imigrantes de todas as nacionalidades - vietnamitas-americanos, chineses-ame-
ricanos, indianos-americanos, africanos-americanos, latinos de todas as nações –
79
Cezar Busatto

começaram a ver crescer enormemente o in­­­­­te­­­­resse pela participação na vida política


do país. O interesse do mun­­­­­­­­­do in­­­­teiro pela elei­­­­­­­ção nos Estados Unidos fez também
com que pessoas de todas as nacionalidades, que vivem nos Estados Uni­­­dos, se en-
volvessem, como nunca, politica­­­men­­­te.
O que fez essa mobilização crescer foi o sentimento de que os republicanos con-
sideram os imigrantes um problema, situação que se agravou após 11 de setembro de
2001, enquanto os democratas liderados por Obama os vêem como a base da pros-
peridade norte-americana. Os iranianos, de modo particular, consideram que com
Obama na presidência não haverá guerra, mas negociação com o Irã; não haverá dis-
criminação contra iranianos no mercado de trabalho e haverá condenação de agres-
sões contra os direitos humanos pelo governo iraniano. E, acima de tudo, o Irã será
respeitado como a nação com a qual os Estados Unidos devem manter relações di-
plomáticas e não ser colocada no “eixo do mal”.
Sobre a questão nuclear, o sentimento generalizado é que a tendência dos pró-
ximos anos seria o Irã e mais uma dúzia de outras nações serem potências nucleares,
o que reforçava a necessidade da eleição de Obama, que tem um perfil e uma com-
preensão mais adequadas para lidar com um mundo tão instável e perigoso.

Obama e os muçulmanos
O fato de Obama ser filho de um pai queniano, ter no seu nome do meio Hus-
sein, e ter cor negra, foi motivo para os republicanos identificarem-no como muçul-
mano e simpatizante de terroristas. Tristemente, para uma parcela conservadora e
iletrada da sociedade norte-americana, ser muçulmano e simpatizante do terrorismo
são sinônimos. Mas esse equívoco foi duramente questionado por todos os lados.
80
Um voluntário na campanha de Obama

Fareed Zakaria, articulista internacional da revista Newsweek, concluiu sua de-


claração de voto por Obama assim: “Eu admito que falo em nome de meu interesse
pessoal. Tenho um filho de 9 anos chamado Omar. Acredito firmemente que ele po-
derá fazer absolutamente o que quiser neste país quando crescer. Mas admito que me
sentirei mais confiante sobre seu futuro se um homem chamado Barack Obama tor-
nar-se o presidente dos Estados Unidos”.
Entre as razões que o general Colin Powell enumerou para abrir seu apoio para
Obama estava sua inconformidade com a campanha do Partido Republicano de “in-
sidiosa combinação de rumores de que Barack Obama era muçulmano, com intimi-
dações de que ele era um simpatizante terrorista”. O equívoco de identificar os mu-
çulmanos e o mundo islâmico com o terrorismo, a partir do ataque às torres gêmeas
de 11 de setembro de 2001, tornou-se uma marca do Governo Bush e do seu partido.
O Conselho de Relações Islâmico-Americanas afirma que a expressão “terrorismo is-
lâmico” é um mito, porque associar o termo “islâmico” a “terrorismo” atinge generi-
camente todos os muçulmanos.
“A retórica usada contra os terroristas deve ser dirigida contra os verdadeiros
terroristas e não contra a fé islâmica que suas ações contradizem”. Perpetuar essa ex-
pressão “é uma afronta ao princípio da liberdade religiosa sobre o qual os Estados
Unidos foram fundados”, concluiu Saqib A. Zuberi, diretor do Conselho, em artigo
para o jornal San Jose Mercury News.
Depois de 18 meses de trabalho examinando as causas do deterioramento das
relações entre os Estados Unidos e o mundo muçulmano durante o Governo Bush,
um grupo diversificado de alto nível propôs uma completa mudança da estratégia
norte-americana para reverter a expansão do terrorismo e do extremismo no mun-
do. Em seu relatório, “Mudando o Curso: Uma Nova Direção para as Relações dos
Estados Unidos com o Mundo Muçulmano”, 34 líderes de setores religiosos, empre-
sariais, militares, diplomáticos, acadêmicos e de fundações e organizações não-go-
vernamentais recomendam que o próximo presidente utilize seu discurso de posse
para anunciar essa mudança de orientação. As principais mudanças seriam: mais
comprometimento diplomático, mesmo com o Irã e outros adversários; mais inves-
timentos em desenvolvimento econômico nos países muçulmanos, para gerar em-
pregos para uma juventude ociosa; a renúncia ao uso da tortura; e a indicação de
um enviado especial, dentro dos primeiros três meses do novo governo, para reali-
zar negociações em busca de uma solução diplomática para o conflito entre Israel e
os palestinos.
81
Cezar Busatto

Os latino-americanos, suas festas, suas lutas


Participei dos preparativos para a Celebração do Dia dos Mortos, uma tradicional festa
dos latinos, especialmente mexicanos, que vivem nos Estados Unidos, com grande pre-
sença aqui na Califórnia. A festa equivalente para os norte-americanos é o Halloween,
que foi celebrada ontem, 31 de outubro. As oferendas que eles preparam representam
uma expressão personalizada de amor e lembrança pelos entes queridos que partiram.
Através de muitos passos que são dados na preparação para a oferenda, as pessoas con-
seguem examinar e expressar seus sentimentos de forma concreta. Essa expressão per-
mite que as pessoas se curem, dando passos num caminho de transição, do pesar para
memórias felizes, da aceitação dolorida da morte de pessoas queridas, para a celebra-
ção de suas vidas e do que elas nos proporcionaram.
A lembrança do líder Cesar Chaves
Em meio aos festejos, a lembrança do maior líder trabalhista e ativista dos direitos hu-
manos das comunidades latinas nos Estados Unidos, Cesar Chaves. Entre as décadas
de 60 e 80 do século passado, Chaves liderou uma árdua e longa luta por melhores con-
dições de vida e de trabalho para os trabalhadores latinos e suas famílias, aqui na Ca-
lifórnia e em outros estados vizinhos. Eliminar o uso de pesticidas nas plantações, que
prejudicava a saúde das mulheres trabalhadoras, e causava o nascimento de crianças
deformadas, foi uma das tantas lutas e conquistas nesse período. Melhorar as condi-
ções salariais e conquistar direitos trabalhistas básicos, como previdência social e or-
ganização sindical, foram outras importantes conquistas dos trabalhadores latinos, sob
a liderança de seu líder, hoje referenciado. Chaves organizou os trabalhadores em en-
tidades sindicais e deu-lhes uma dimensão nacional, com a fundação da Associação
Nacional dos Trabalhadores no Campo, que mais tarde deu origem à União dos Tra-
balhadores do Campo. Tal é a importância de Cesar Chaves para a inclusão com dig-
nidade das comunidades latinas na sociedade norte-americana, que o dia do seu ani-
versário, 31 de março, transformou-se em feriado na Califórnia e em mais sete outros
estados norte-americanos.

Uma vida em harmonia e generosidade


Estive em visita a Ernesto Munhoz, um argentino-norte-americano que conheci na cam-
panha por Obama na cidade de Carson, estado de Nevada. Ernesto chegou aos Estados
Unidos em 1971 e naturalizou-se cidadão norte-americano, morando hoje na cidade
portuária de Santa Cruz, Califórnia. Ernesto é um exímio carpinteiro, mas acima de tu­
­­­do uma pessoa excepcional. Recebeu-me em sua casa para o almoço, servindo um filé

82
Um voluntário na campanha de Obama

grelhado de salmão do Alaska, verduras recém-colhidas na


própria horta, um purê de batatas cozidas e amassadas com
cas­­ca, para preservar todo o seu valor nutritivo, e um gostoso
vinho de Mendoza, é claro. Sua casa e pequeno terreno são um
espaço de sustentabilidade. A energia que utiliza é quase total­
­­mente produzida por placas de aquecimento solar, as verduras
para o alimento diário são cultivadas organicamente numa
pe­­quena horta, todo o lixo orgânico é processado numa peque-
na máquina e utilizado como adubo, o lixo seco é separado e
ven­­dido para contribuir com o apertado orçamento mensal.
Do alto de sua experiência de décadas, Ernesto analisa a ascensão de Barack Obama
co­­mo um fato novo na política norte-americana. Segundo sua análise, Obama é um po­
­­lítico que se desenvolve a partir de um profundo enraizamento no movimento de luta
pelos direitos dos trabalhadores desempregados e minorias raciais, como os negros e lati­
­­nos, nos subúrbios de Chicago. Seu compromisso com os mais pobres e com a mudança
são ainda maiores do que a campanha conseguiu demonstrar. E, em sua opinião, o gover­
­­no dos Estados Unidos, sob o comando de Obama, liderará transformações necessárias
na sociedade, na política e na economia do país, que terão repercussão em todo o mundo.

Já no Brasil, recebi uma mensagem de Munhoz que expressa o espírito e a força do


trabalho voluntário na campanha de Obama:
Admiro as pessoas desse país, por isso me tornei cidadão. Não espero que todos estejam
de acordo comigo, nem estar sempre do lado da maioria. Mas desde a presidência de
Ronald Reagan, o país tomou um curso que não foi só conservador – nada mal com is-
so – mas que mostrou uma grande alienação da realidade econômica e social.
Chegado o momento dessa última eleição presidencial, me decidi a fazer tudo o que pu­
­­des­­­se. Assim foi que realizei um treinamento com Camp Obama e fui quatro vezes a Ne­
­­­vada para fazer campanha. A primeira foi à cidade de Carson, onde nos conhecemos, e
as outras três a Reno. A experiência foi muito positiva. As pessoas responsáveis pela cam­
­­panha eram jovens muito competentes. Falei principalmente com latinos e fui muito
bem recebido. O condado de Washoe, onde estávamos fazendo campanha, havia votado
sempre com os Republicanos, mas desta vez votou por Obama. Com este condado e o de
Las Vegas, que também votou por Obama, foi suficiente para que os Democratas ganhas­
­­sem os eleitores de Nevada.
No trabalho de campanha, visitamos casas para registrar eleitores e identificar possíveis

83
Cezar Busatto

votantes de Obama. Com isso, se criou uma base de dados. Nos Estados Unidos se vota
sempre numa terça-feira. É um dia de trabalho e muita gente não vai votar porque vol-
ta cansada do trabalho ou tem que cuidar dos seus filhos. Isso atinge muito as minorias
afro-americanas e latinas. Vários estados estão tomando medidas para resolver esse
problema. Na Califórnia se pode votar pelo correio. No Oregon, somente se vota pelo
correio. Em Nevada, foi permitido aos eleitores votar antes em lugares específicos, como
supermercados, bibliotecas, etc.
Durante este período visitávamos as casas já identificadas como possíveis votantes de
Obama para que comparecessem a votar com antecedência. Cada noite levávamos nos-
sa informação e uma equipe de voluntários com laptops atualizavam as listas com os
dados recebidos do escritório de votação e eliminavam os que já haviam votado. Para
o dia da votação, já mais de 50% de nossa base de dados havia votado. Para o último
dia, minha companheira e eu tínhamos uma lista de 50 pessoas, fizemos um primeiro
roteiro às seis da manhã para deixar notícias na porta das casas que pudessem lembrar
as pessoas antes de ir trabalhar. Fizemos outra passada às dez da manhã, a lista se atu-
alizou às duas da tarde. Às quatro da tarde fizemos mais uma passada, e quando ter-
minamos, às seis, restaram cinco eleitores que ainda não haviam se apresentado para
votar. A eleição terminou às oito da noite.
Em cada lugar de votação havia dois advogados voluntários que se alternavam para
resolver problemas. Houve alguns trotes, nos informaram que hackers haviam invadido
o sistema na Universidade e haviam mudado a data para a quarta-feira, dia 5, e que
estavam chamando eleitores latinos para dizer-lhes que os de origem espanhola vota-
vam na quarta-feira e que podiam votar por telefone. Difícil de acreditar, mas no dia
que partimos, quando estávamos no estacionamento, ainda com botões e camisetas do
Obama, se aproximou para falar uma empregada do hotel. Nos disse que os empregados
estavam todos festejando pelo triunfo de Obama. Ela comentou que havia recebido uma
chamada telefônica em que lhe perguntaram se iria votar, ela disse “sim”; quantas pes-
soas aptas a votar, ela disse “seis”; e em quem pensava votar, “por Obama”. A pessoa que
ligou ainda perguntou: “você sabe que pode votar por telefone? Se quiseres, eu anoto o
nome dos seis eleitores”. “Não”, disse ela, “prefiro ir ao lugar onde se vota”.
O espírito dos voluntários foi magnífico, cada final de semana nós juntávamos mais de
mil californianos em Reno, além dos milhares que estavam fazendo chamadas telefôni-
cas desde a Califórnia. Eu visitei bairros com a maioria de latinos. Ainda que várias
casas tenham sido visitadas várias vezes, somente uma pessoa protestou, me disse: “vo-
cê aqui, acabo de bater o telefone para uma chamada dos Democratas”, e bateu a porta.

84
Um voluntário na campanha de Obama

Em outro lugar uma mulher me disse: “desde as primárias até agora recebi sete visitas”,
comecei a desculpar-me e ela me interrompeu, “não, está bem obrigado pelo seu traba-
lho”. Também parei para falar com pessoas nas ruas e em partidas de futebol, como a
que estivemos contigo,Cezar.
Fiquei satisfeito nessa eleição por ter feito o melhor que pude. No começo disse que nos úl­
­timos 25 anos o país havia entrado em um estado de alienação coletiva. Desta vez se per­
­­cebe um despertar. A tomada de consciência se produziu gradualmente com a guerra
no Iraque e se fez com a crise do furacão Katrina. A situação econômica e social é muito
grave, mas agora há muita esperança e a convicção de que vamos ter que fazer sacrifícios.

Torcida mundial
Segundo pesquisa da BBC de Londres em 22 países, Obama era o candidato pre-
ferido para a presidência dos Estados Unidos: 49% queriam Obama contra 12% que
preferiam McCain. Além disso, 46% dos entrevistados acreditavam que as relações
internacionais dos EUA melhorarão com o democrata, contra 20% que consideravam
que melhorariam com o republicano. Os países mais otimistas com relação a um fu-
turo governo Obama eram: Canadá (66%); Alemanha (61%); Reino Unido (54%);
Itália (71%) e França (69%). No Brasil, 51% dos entrevistados preferiam a vitória de
Obama e apenas 8% preferiam McCain.

4 de novembro, dia de fazer história


Estava em Nova Iorque no dia da decisão: Obama ou McCain seria o próximo
presidente dos Estados Unidos, depois da mais longa campanha presidencial na his-
tória do país. O cenário não poderia ser mais apropriado. A Times Square, esquina da
Sétima Avenida com a Rua 42, era pura efervescência, e os enormes backlights nos
prédios quase arranhavam o céu. Eram imagens em tempo real dos candidatos nos
seus últimos compromissos de campanha. Todos, entre eles eu, voltamos nossos olha-
res para o alto e o espetáculo era singular. Todos os jornais, canais de televisão, rádios,
milhões de sites e blogs na internet, dedicavam-se a especular sobre os resultados do
dia e sobre o futuro. Havia muita preocupação entre os norte-americanos, mas tam-
bém muita expectativa e interesse.
85
Cezar Busatto

Esperava-se um comparecimento às urnas sem precedentes. Cerca de uma terça


parte dos eleitores já haviam votado por antecipação, 50% mais do que em eleições
anteriores. Todas as pesquisas, inclusive aquelas feitas entre eleitores que já tinham
exercido seu direito de voto, prognosticavam a vitória de Obama. Havia expectativa
de vitória democrata também para o Congresso. Mas circulavam denúncias de irre-
gularidades, havia preocupação com a contagem dos votos e o temor de que, na inti-
midade da urna, muitos eleitores acabassem não votando num afro-americano. E
sentia-se também no ar a preocupação de que Obama, se eleito, fosse assassinado,
numa trágica repetição da história.

Disputa entre apoiadores de Obama e McCain


Caminhava na Times Square quando, sem querer, acabei testemunhando uma
briga entre apoiadores de McCain e de Obama. Três apoiadores de McCain faziam
uma ruidosa manifestação no canteiro central da Times Square. Começaram a juntar-
se pessoas pró-Obama espontaneamente e contestar com palavras e pequenos carta-
zes improvisados. A discussão acabou em briga, que exigiu a intervenção da polícia.
O que mais me chamou a atenção foi o fato de que, enquanto do lado de McCain per-
maneceram apenas as mesmas três pessoas iniciais, na turma de Obama aglomerou-
se uma pequena multidão, entre jovens, mulheres, brancos, afro-americanos, estran-
geiros, entre os quais acabei impelido a juntar-me, solidariamente.
A cidade de Nova Iorque parecia estar claramente inclinada para o voto demo-
crata, como a maior parte dos Estados Unidos, inclusive nos chamados estados críti-
cos, nos quais a disputa presidencial tem sido historicamente apertada.

Barack Obama, primeiro presidente afro-americano


da história dos Estados Unidos
Confirmou-se o prognóstico de todas as pesquisas. Os norte-americanos elege-
ram o primeiro presidente afro-americano da história dos Estados Unidos, Barack
Hussein Obama Jr. Foi uma vitória que se espalhou por todos os quadrantes do país,
inclusive alcançando estados tradicionalmente republicanos, como Virginia, Ohio,
Pennsylvania, New Mexico e Nevada. No estado de Nevada, onde trabalhei como vo-
luntário de campanha durante um fim de semana, Obama venceu por 60% a 38%. Um
resultado desses, num estado tradicionalmente republicano, só podia ser alcançado
86
Um voluntário na campanha de Obama

devido a um enorme trabalho de visitação porta a porta e de telefonemas a cada um


de seus eleitores, feitos por milhares de voluntários que se deslocaram da Califórnia
durante todos os finais de semana dos últimos meses.

McCain e Obama falam para os norte-americanos


Às 11 horas da noite, no horário da Costa Leste do país, a rede CNN anunciou
que Obama havia atingido o mínimo de 270 votos do colégio eleitoral necessários
para ser eleito presidente. Manifestações de alegria e emoção eclodiram por todos os
lados do país e, inclusive, se estendendo praticamente ao mundo todo. Poucos minu-
tos depois, o candidato republicano, John McCain, fez um pronunciamento muito
elegante e respeitoso, reconhecendo a derrota e já chamando Obama de “meu presi-
dente”. Passados mais alguns minutos, Barack Obama apareceu perante uma multidão
no Grant Park, em Chicago, onde fez seu primeiro pronunciamento como presidente
eleito dos Estados Unidos. Depois de revelar o telefonema que recebeu de McCain e
87
Cezar Busatto

de agradecer a seu vice Joe Biden, a seu coordenador de campanha, David Plouffe, a
seu chefe de estratégia, David Axelrud, “que idealizaram e realizaram a melhor cam-
panha da história”, Obama dirigiu-se à multidão e afirmou que “essa vitória pertence
a vocês, é a sua vitória”.

Obama conclama à união para a democracia e a paz


O candidato vitorioso destacou os desafios que terá que enfrentar, as guerras do
Iraque e Afeganistão, a maior crise econômica dos últimos 100 anos, um mundo em
perigo pelo aquecimento climático, e sentenciou: “Eu lhes prometo: nós, como povo,
chegaremos lá”. Com humildade e determinação para curar as feridas abertas do país,
lembrou Abraham Lincoln, um republicano, para dizer que pretende ser também pre-
sidente dos republicanos, porque “não somos inimigos, somos amigos; não somos
democratas, nem republicanos, nem independentes – somos os Estados Unidos da
América”. Resgatou os valores fundantes da nação, a democracia, a liberdade, opor-
tunidades para todos, e a esperança no futuro, para dizer que essa é a verdadeira alma
da Nação, e não o poder militar ou a riqueza. “Essa eleição é a prova de que ‘Yes we
can’ (Sim nós podemos) resgatar o sonho americano, que essa é uma terra de opor-
tunidades, que a nossa luta histórica não tem sido em vão, que juntos vamos construir
a paz, mudar os Estados Unidos e mudar o mundo”, afirmou o primeiro presidente
afro-americano da nação mais poderosa do planeta.
No meio da multidão, Jesse Jackson, emocionado e em lágrimas, junto com ou-
tras personalidades, testemunhou esse momento de fazer história.
Foi uma estrondosa vitória de todos aqueles que lutam pela democracia e pela
paz como caminhos para enfrentar e resolver os graves problemas com que se de-
fronta a humanidade nesse século XXI.

Mister president Barack Obama


Recebi este insight sobre a eleição de Obama, que merece ser publicado na íntegra.
“Eu vi, eu estava na rua, eu caminhei entre eles, passei por suas cidades, estados, eu os
vi trabalhando como voluntários, eu os vi abnegados, mas sem alarde, sem crenças pro-
fundas de vitória. Era como se admitir ganhar fosse perder. Eu vi cada negro destes res-
taurantes, escolas, lojas, supermercados, com uma esperança transcendente, quase uma
luz num olhar distante. Quase impessoal, cansados, não estavam mais aqui, estavam
distantes num trágico passado. No entanto, quando o último voto foi depositado na ur-
na, eles sabiam, pelo comparecimento massivo, que tinha-se enfim um resultado. E a

88
Um voluntário na campanha de Obama

nação poderosa e branca desmanchou-se em lágrimas, e as bocas caladas gritaram, fa-


laram, e os corações há tanto contidos, explodiram. Do Harlem ao Alabama, de Nevada
a Chicago, o país todo reverenciou um negro, agora Mister President Barack Obama.”
Em pleno Rockfeller Center, em Nova Iorque, encontrei duas afro-americanas, Raven
Dove e uma amiga, que me confirmaram o sentimento de temor e contenção que tomou
conta dos afro-americanos durante a campanha de Obama, e que explodiu em alegria
e emoção quando os re­­­­sultados indicaram a sua eleição.

A vitória foi só uma etapa


A campanha de Obama revelou um propósito que vai mais além da vitória elei-
toral. Nas atividades dos comitês, na orientação dos sites na internet, nos textos de
divulgação, ficou muito claro que o objetivo era também estimular a organização das
pessoas na vizinhança, em comunidades de base, de tal modo a que essa mobilização
ultrapasse o período eleitoral e possa sustentar um movimento de longo prazo por
mudanças no país. Barack Obama destacou esse objetivo em seus pronunciamentos,
dizendo que acredita na mudança quando é construída bottom up (de baixo para ci-
ma) e “que a mudança não virá de Washington e sim irá para Washington”.
89
Cezar Busatto

Mobilização da sociedade
Recebi cartas de vários participantes do movimento MoveOn – http://www.mo-
veon.org/, que começavam a organizar a mobilização de pessoas em todos os Estados
Unidos. O plano é desencadear uma grande campanha para apoiar o presidente eleito
Barack Obama nas reformas progressistas que pretende fazer após tomar posse. A mo­
­­­­­bilização começará localmente, devendo chegar até Washington, para se ter certe­­za de
que o Congresso sinta-se pressionado a trabalhar com Obama em suas iniciati­­­vas-chave.
O movimento confia que Obama fará mudanças reais na economia do país, enfrenta-
rá a crise climática com tecnologias limpas, implantará um sistema universal de aten-
dimento à saúde e terminará a guerra com o Iraque. “Mas não há nenhuma ma­­­neira
de ele fazer isso sem milhões de nós apoiando-o”, afirmam os coordenadores lo­­­cais
do MoveOn. Iniciativas como essa confirmam que o movimento de milhões de pes-
soas que elegeu Obama deverá continuar durante seu governo, para assegurar que as
principais mudanças prometidas em campanha saiam do papel e tornem-se reali­­da­
­de, inaugurando uma nova era da sociedade e da política norte-americanas.

O Movimento MoveOn – http://www.moveon.org/ – foi um dos grandes responsáveis


pela mobilização de voluntários para trabalhar na campanha de Obama. Dele partici-
pam cerca de 4 milhões de pessoas espalhadas por todos os recantos dos Estados Unidos.
É um movimento de ação política e cidadã, que se dedica a mobilizar pessoas para cau-
sas progressistas. Tive a oportunidade de participar de muitos eventos de mobilização
de vizinhos em favor da eleição de Obama, organizados pelo MoveOn e postados em
meu blog nos últimos meses.

Conselho de soluções cidadãs


A ONG Citizens Solutions – http://www.citizensolutions.tv/, liderada por Bar-
bara Max Hubbard, cujo lema é “comunicando o que funciona para a América”, está
promovendo um movimento nacional pela constituição de um “Citizens Solutions
Council” (Conselho de Soluções Cidadãs) vinculado à presidência dos Estados Unidos.
O endereço da campanha de mobilização é http://www.citizenssolutionscouncil.net/.
É uma iniciativa inovadora que contribui para o fortalecimento de uma nova cultura
política, praticada na base da sociedade e nas relações entre as pessoas comuns, e que
90
Um voluntário na campanha de Obama

identifique, conecte, comunique e ajude a construir, nacionalmente, soluções para


problemas concretos que cidadãos e sociedade civil já estão conseguindo resolver nas
suas comunidades. De acordo com a proposta, por todos os lados observam-se os sis-
temas fracassarem e ainda assim é também verdade que em todos os campos e fun-
ções há soluções bem-sucedidas, inovações e projetos que funcionam. Mas essas so-
luções não são amplamente conhecidas e conectadas.
O Conselho de Soluções Cidadãs será um espaço de compartilhamento de pro-
jetos que já estão funcionando bem em áreas como educação, saúde, meio ambiente,
energia e economia. O Conselho proporcionará também um papel participativo para
os cidadãos identificar soluções, aumentar o seu engajamento cívico e cultivar maior
conexão entre a criatividade cidadã e o processo governamental. Um benefício chave
da proposta é seu amplo reconhecimento e apoio entre Democratas, Independentes
e Republicanos, contribuindo para que avancemos do partidarismo para as parcerias.
Adicionalmente, o Conselho identificará oportunidades de colaboração entre o poder
público, a iniciativa privada e o setor não-governamental. Ele é um caminho para um
futuro colaborativo, para uma democracia voltada para os cidadãos e suas comuni-
dades, que supere a política institucional que hoje se pratica, centrada na disputa pe-
lo poder por partidos políticos adversários.

ONGs pela transparência


Conversei longamente com Daniel Kreiss, Diretor de Programas da ONG Vo-
terwatch (http://www.voterwatch.org/), dedicada a divulgar para a sociedade o que
ocorre no meio político, Congresso Nacional, suas Comissões Técnicas, e no interior
dos governos, como as decisões nas áreas de orçamento, política internacional, segu-
rança nacional e área social. A Voterwatch também trabalha para articular uma co-
munidade de ONGs interessadas em construir maior transparência política e gover-
namental nos Estados Unidos. Uma de suas preocupações é evitar o envolvimento
com ONGs patrocinadas por grandes empresas que, na verdade, não têm sido trans-
parentes em suas atividades empresariais. Considera também importante que a base
de dados da campanha de Obama, que reuniu mais de 3 milhões de voluntários, seja
usada somente para propósitos públicos e que, após as eleições, essas pessoas que se
dispuseram voluntariamente a trabalhar para elegê-lo, sejam mobilizadas para par-
ticipar das decisões do governo.
91
Cezar Busatto

Sua análise da situação política do país é interessante. Daniel avalia que há um


fator demográfico que fez a diferença nessas eleições: a participação massiva, em fa-
vor dos democratas, das pessoas com menos de 30 anos. A juventude estaria voltando
a mobilizar-se pelas grandes causas sociais, depois de um período de 30 anos em que
prevaleceu o interesse individual e a busca por uma profissão bem remunerada. O
fracasso da filosofia republicana, baseada na liberalização dos mercados e no unila-
teralismo, estaria produzindo uma mudança histórica de grandes proporções.
O caminho que Daniel prevê para os Estados Unidos direciona-se para uma
sociedade do bem-estar e para uma política internacional diplomática e pacifista. A
forte atuação política dos movimentos sociais em favor do candidato democrata nas
eleições, segundo Daniel, teve por objetivo não somente elegê-lo, como também der-
rotar definitivamente o conservadorismo, que prevaleceu no país durante os últimos
25 anos, desde o Governo Reagan.
Até mesmo o governo Clinton é considerado de perfil conservador pelos movi-
mentos sociais, segundo Daniel. Obama representaria uma autêntica alternativa de-
mocrata, pela primeira vez desde Reagan. Daniel espera de Obama uma filosofia di-
ferente de governo, com mais transparência, mais respeito ao interesse público, e mais
participação da sociedade nas decisões de governo. Obama promoveria mudanças
significativas na política energética, buscando fontes alternativas de energia limpa
para reduzir a dependência de petróleo importado.
Daniel aposta menos fichas numa nova política social, principalmente um sis-
tema de atendimento universal na área da saúde, pelas restrições orçamentárias que
o futuro governo democrata deverá enfrentar, agravadas pelos custos da atual crise
econômica. E acredita que será colocada em prática uma nova filosofia nas relações
internacionais, com mais diplomacia e multilateralismo. Daniel contextualiza a mu-
dança política em curso nos Estados Unidos com o que está acontecendo em vários
outros países do mundo, especialmente na Ásia e na América Latina.

A mudança está chegando


Transcrevo, em tradução livre, carta de David Plouffe, coordenador da campa-
nha de Obama, que é significativa porque confirma a estratégia de manter a mobili-
zação dos seus apoiadores, e ampliá-la procurando envolver inclusive os que não par-
ticiparam na campanha, ou mesmo os que votaram em McCain, agora para sustentar
92
Um voluntário na campanha de Obama

as mudanças que serão feitas pelo novo governo. Ou seja, o movimento mudancista
vai além da vitória eleitoral, transformando-se numa força política pela mudança nas
comunidades locais e no país como um todo.
Cezar,
Essa semana, o presidente eleito Barack Obama está anunciando os membros cha-
ve de sua equipe econômica na Casa Branca, que o ajudará a enfrentar sérios desafios
e trazer a mudança que nós precisamos para Washington.
Mas há muito trabalho para ser feito nas comunidades por todo o país – inclusive
a sua. Nos dias 13 e 14 de dezembro, apoiadores estarão reunindo-se para refletir sobre
o que nós conquistamos e ajudar a planejar o futuro desse movimento.
Muitos de vocês já encaminharam a sua avaliação através da pesquisa on line.
Nossa equipe em Chicago está analisando um impressionante número de respostas de-
talhadas, e suas contribuições ajudarão a conduzir o futuro desse movimento de base.
Inscreva-se para abrigar em sua casa um encontro “Mudança Está Chegando” e
convide seus amigos, familiares, e vizinhos para participarem. Você receberá tudo o que
precisa para fazer de seu encontro um sucesso, incluindo um DVD especial que nossa
equipe preparou especificamente para esses encontros.
Discutam os temas que são os mais importantes para vocês, o que vocês podem
fazer para apoiar a agenda de Obama, e como vocês podem continuar promovendo um
impacto em sua comunidade.
Agora é a hora de colocar de lado o partidarismo e a política, encontrar um terre-
no de preocupações comuns, e trabalhar juntos. Por favor, convide aqueles que podem
não ter se envolvido na campanha, e mesmo aqueles que podem ter apoiado nosso ad-
versário. Os desafios que nós temos que enfrentar exigem que nós sejamos os mais in-
clusivos possível. Eles precisarão de todos trabalhando juntos para colocar nosso país
novamente nos trilhos.
Promova um encontro para celebrar nossa histórica conquista e dê os próximos
passos para trazer as mudanças que nosso país necessita:
http://my.barackobama.com/changeiscoming
Seu envolvimento permanente é crucial para o futuro desse movimento.
Como Barack Obama disse na noite da eleição, “Esta vitória não é a mudança que
nós buscamos – ela é somente a oportunidade para nós fazermos aquela mudança.”
A organização de base que você construiu para ganhar a eleição continuará para
colocar nosso país em novo caminho. Obrigado por tudo o que você está fazendo,
David
93
Cezar Busatto

Obama e o mundo
Os analistas mais esclarecidos identificam nos grandes desafios deste início de
século, a necessidade de um perfil pacificador e negociador para o próximo presiden-
te da principal potência política e militar do Planeta, necessidade realçada após os
oito anos de Bush. De fato, o mundo da era da globalização vê-se diante de novas
questões cruciais, como os limites impostos pelo aquecimento global, a escassez de
água, a pressão do crescimento do consumo global sobre as reservas naturais de ma-
térias-primas e fontes de energia.
Ao lado disso, o desafio da convivência de culturas e religiões tão diferentes, em
meio a um mundo marcado por profundas e crescentes desigualdades sociais, que
tem produzido manifestações de extremismo, fanatismo e atos terroristas da mais
alta gravidade. Nesse mundo globalizado, desigual e tenso, a presença de líderes que
utilizem o diálogo e a diplomacia como método de relacionamento internacional, que
atuem como pacificadores, negociadores, construtores de entendimento e coopera-
ção, passa a ser uma questão emblemática.
Não é de estranhar, portanto, que a conclamação de Obama em seu já histórico
discurso em Berlim, por uma cooperação americana européia em beneficio da der-
rubada dos muros da intolerância, dos preconceitos e das desigualdades em todo o
mundo, de modo a fazer que the world stands as one (o mundo se una), tenha sido
tão bem recebida mundialmente.

94
Um voluntário na campanha de Obama

iv

a crise econômica e financeira

A crise econômica e financeira que explodiu no segundo semestre foi o pano de


fundo das eleições presidenciais e está no centro das preocupações do atual governo,
do futuro governo, de toda a sociedade norte-americana e dos governos e sociedades
de todo o mundo.
São cada vez maiores as evidências de que a economia mundial, liderada pelos
Estados Unidos, caminha para uma depressão, que equivale a uma recessão suficien-
temente profunda a ponto de produzir uma deflação de preços, ou seja, uma redu-
ção generalizada de preços nos mercados. Todos os indicadores apontam nessa di-
reção: o péssimo e persistente desempenho das bolsas de valores, a explosão do nú-
mero de desempregados, a drástica queda nas vendas, a vertiginosa baixa no preço
do barril de petróleo.
Os principais jornais de todos os países falam no mesmo tom: “A recessão deve-
rá ser mais longa e profunda do que mesmo os mais pessimistas tinham previsto”.
Desde um ano atrás, no ponto mais alto já atingido, até hoje, a Bolsa de Valores de
Nova Iorque caiu 43,5%. Desde o pico de outubro de 2007, foram aniquilados quase
10 trilhões de dólares de riqueza. Isso significa que a queda do mercado eliminou
praticamente todos os ganhos da época de crescimento que persistiu nos cinco anos
que vão de outubro de 2002 até outubro de 2007.
Os analistas que apostavam que o mercado havia chegado ao fundo do poço e
não poderia senão subir após as perdas de outubro, agora admitem que o sofrimento
está longe de terminar.
95
Cezar Busatto

“As pessoas focaram tanto na crise financeira imediata, que não se deram conta
do quanto a economia real está caindo”, diz Dean Baker, do Centro de Economia e
Pesquisa em Políticas Públicas, em Washington. A crise financeira não é o problema
fundamental, mesmo sendo o mais aparente. Ela apenas amplificou as fragilidades
econômicas, que agora estão se intensificando.

Obama reage com ousadia


Diante das inúmeras evidências de agravamento da recessão, tendo como resul-
tado o desemprego de quase 2 milhões de norte-americanos desde janeiro de 2008,
Obama anunciou a implementação de um ousado plano de investimentos em obras
de infra-estrutura, para criar imediatamente pelo menos 2,5 milhões de empregos.
Segundo os principais jornais do país, os investimentos propostos deverão custar mais
de 200 bilhões de dólares e já se especula sobre a resistência que esse aumento de gas-
tos públicos deverá receber da bancada republicana no Congresso.
O anúncio de Obama teve o propósito político de sinalizar o rumo de seu gover-
no e preparar desde já o ambiente para as medidas que deverá tomar a partir da pos-
se, em 20 de janeiro de 2009. Do ponto de vista do debate que se realiza sobre os di-
ferentes caminhos que a política econômica do novo governo deverá trilhar, a inicia-
tiva do presidente eleito indica que ele deverá levar em conta os conselhos de pensa-
dores econômicos de forte conteúdo neo-keynesiano e desenvolvimentista, como o
Prêmio Nobel Paul Krugman.
Em seus artigos semanais no New York Times, Krugman tem insistido na tese
de que Obama não deve, nessa hora, preocupar-se com o déficit fiscal, mas colocar
os re­­cur­­­sos que forem necessários para reativar a demanda, redirecionando a econo­
­mia pa­­­­­­­ra a rota de crescimento, de modo a reduzir ao máximo o custo econômico e
social da cri­­­se.
Krugman sugere que Obama combine medidas tanto na área econômica e tri-
butária, como também institucionalize um sistema universal de atendimento à saúde.
Numa avaliação histórica das medidas anti-recessivas, Krugman demonstra que elas
só não funcionaram quando foram tímidas. Com relação ao governo Roosevelt, por
exemplo, afirma que suas iniciativas dos primeiros anos caracterizaram-se pela cau-
tela, tentando evitar maior pressão sobre o déficit público, e os resultados foram frus-
trantes. O que salvou a economia e o New Deal, “foi o enorme programa de ação pú-
blica conhecido como Segunda Guerra Mundial, que finalmente proporcionou os
estímulos fiscais adequados para as necessidades da economia”.
96
Um voluntário na campanha de Obama

Dessa reflexão, Krugman retira uma importante lição política: medidas econômi­­cas
erradas podem rapidamente minar um governo. Se o novo governo não proporcionar
uma recuperação da economia nos primeiros anos, a euforia democrata de agora te-
rá vida curta. “Meu conselho para a equipe de Obama é calcular quanto eles acham
que a economia necessita de ajuda, e sobre esse montante acrescentar mais 50%. É
muito melhor, numa economia deprimida, errar pelo lado do estímulo excessivo do
que pelo lado do estímulo insuficiente”.

Pobreza e sem-teto nos Estados Unidos


Susie Ementon, gestora de serviços estudantis da Universidade de Stanford, envia email
para me convidar a participar da Semana Nacional de Conscientização Sobre a Fome
a os Sem-Teto. Isso parece ser notícia de um país do Terceiro Mundo, mas não é. É uma
notícia da Califórnia, uma das regiões mais prósperas dos Estados Unidos. Veja a pro-
gramação, distribuída ao longo dessa semana:

•P
 overTea (semelhança com poverty=pobreza): conversa com professores de Stan-
ford sobre pobreza nos Estados Unidos;

• Nenhum lugar como o Lar: um olhar sobre a luta por moradia nos Estados Unidos;

• Denúncias sobre Fome e Desigualdades nos Estados Unidos;

• S erviços e Privilégios: uma discussão sobre a ética dos serviços comunitários e a di-
nâmica escondida dos privilégios;

• S entindo-se sem casa: um olhar pessoal sobre a pobreza.

Na verdade, essa agenda reflete uma situação concreta de aumento da pobreza, da


falta de moradia e das desigualdades nos Estados Unidos nas últimas décadas de
avanço da globalização. Situação que se agrava numa velocidade impressionante nos
últimos anos, e que tenderá a aprofundar-se ainda mais com a crise econômica atual.
Sem dúvida, um dos motivos centrais da eleição de Barack Obama, que assumiu com-
promissos fortes em campanha de que vai mudar essa situação. O seu enfrentamento
deverá ser um dos maio­­­res desafios do governo democrata que assume no próximo
dia 20 de janeiro de 2009.

97
Cezar Busatto

Inglaterra aplica política tributária de Obama


A percepção que temos, de que a eleição de Obama promoverá importantes mudanças,
não só nos Estados Unidos, como em todo o mundo, começa a confirmar-se. A Inglater-
ra do primeiro-ministro Gordon Brown, por exemplo, lançou um conjunto de medidas
para enfrentar a recessão no país, prevendo a redução de impostos para grande parte
da população e o seu aumento para os mais ricos. O imposto ao consumidor baixará de
17,5% para 15% e deverá beneficiar 22 milhões de pessoas, incentivando o consumo no
Natal e reativando a economia, cujo crescimento será de não mais do que 0,75% nesse
ano. Para financiar a perda de receita, o governo britânico aumentará o imposto de ren-
da de 40% para 45% para pessoas que ganham mais de 220 mil dólares por ano. Uma
política tributária redistributiva, com as mesmas características, foi proposta por Oba-
ma e aprovada pelos eleitores norte-americanos.

As crises gêmeas – econômica e política


A origem imediata da crise que se alastra a partir dos Estados Unidos está no mer­
­­
cado de financiamento habitacional, em que cerca de 10 mil famílias, diariamente, têm
suas casas confiscadas pelas instituições financeiras, por falta de pagamento dos finan­
­­ciamentos tomados. Mas a verdade é que os Estados Unidos já viviam uma dupla crise
econômica e política, num nível de gravidade sem precedentes, nas últimas décadas.
Em seu livro mais recente – The new paradigm for financial markets (O novo pa­
­­radigma para os mercados financeiros) – o mega-investidor George Soros demonstra
que os erros que o Governo Bush cometeu na guerra contra o terror, com suas con­­­­
seqüências nefastas para os Estados Unidos e para o mundo, têm a mesma origem
dos erros que comete em lidar com a crise financeira.
Soros atribui tanto a crise política como a econômica à atitude oficial vigente
de desrespeito com a verdade e com a realidade concreta, autorizando a manipu-
lação da verdade e a criação de novas realidades como poder legítimo do império.
O ideólogo dessa concepção imperial é Karl Rove, um dos principais estrategistas
do Governo Bush. Rove, escreve Soros, “não apenas reconhece que a verdade pode
ser manipulada; ele promoveu a manipulação da verdade como um enfoque supe-
rior”. Isso ocorreu quando Bush declarou guerra contra o terror e manipulou infor-
mações para justificar a invasão do Iraque. E a atual crise financeira pode ser dire-
tamente atribuída à falsa interpretação de que os mercados financeiros deixados
98
Um voluntário na campanha de Obama

em liberdade tendem ao equilíbrio, tornando desnecessário regulamentar seu fun-


cionamento pela ação governamental.
É esclarecedora também a análise sobre as causas da crise, que o Prêmio Nobel
de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, fez em entrevista ao jornal Washington Post. Ele
destacou três pontos:
a) Fundamentos frágeis
Os mercados financeiros foram responsáveis por 30% dos lucros das empresas
nos últimos anos. O argumento de que eles mereciam esse retorno porque estavam
ajudando a administrar o risco da economia e fazer alocação eficiente de recursos
provou não ser correto. Eles administraram pessimamente e isso agora se volta con-
tra eles e o resto da economia está sofrendo porque a redução do crédito vai desace-
lerar o crescimento. Nenhuma economia moderna pode funcionar bem sem um sis-
tema financeiro vibrante. Mesmo que não estivéssemos vendo esta crise financeira,
mas somente o mercado habitacional e as dívidas nacionais e dos estados, já teríamos
um sério problema.
Nós estamos afundando. Se olharmos a desigualdade, que é a maior desde a Gran­
­­­de Depressão, há um sério problema. Se olharmos os salários estagnados, há um pro-
blema sério. A maior parte do crescimento econômico dos últimos cinco anos sus-
tentou-se na bolha habitacional, que agora estourou. E os frutos desse crescimento não
foram compartilhados amplamente. Em resumo, os fundamentos não são fortes.
b) Redesenho do sistema de regulamentação
Nós precisamos não só de mais regulação, mas de um redesenho do sistema de
regulação. Alan Greenspan, durante sua gestão como presidente do FED, na qual essa
bolha hipotecária e financeira cresceu, tinha muitos instrumentos para controlá-la,
mas fracassou. Ele foi escolhido por Ronald Reagan, afinal de contas, por suas atitu-
des anti-regulamentação.
Nosso país tem sofrido pelas conseqüências de escolher como chefe da regulamen­
­­tação da economia alguém que não acreditava em regulamentação. Assim, para corri­
­gir o problema, nós necessitamos líderes políticos e executivos públicos que acreditem
na regulamentação. O mundo não desapareceria se nós expandíssemos o sistema hi-
potecário em 10% ao invés de 25% ao ano como ocorreu. Acima de tudo, nós preci-
samos uma comissão de segurança de produtos financeiros, exatamente como nós
temos para os bens e serviços de consumo. Os financistas inventaram produtos vol-
tados não exatamente para administrar risco, mas para criar risco. Se você está com-
prando um produto, você quer saber o risco, pura e simplesmente. Esse é o ponto.
99
Cezar Busatto

c) Fim do fundamentalismo de mercado


A agenda da globalização tem sido estreitamente associada com os fundamen-
talistas de mercado, a ideologia do mercado livre e da liberalização financeira. Nessa
crise, nós temos visto as instituições nas economias mais orientadas ao mercado que-
brando e correndo para a ajuda do governo. Todos no mundo dirão agora que isso é
o fim do fundamentalismo de mercado. Nesse sentido, a queda de Wall Street é para
o fundamentalismo o que a queda do Muro de Berlim foi para o comunismo – ela
revela ao mundo que essa forma de organização econômica tornou-se insustentável.
No final, todos dirão que o modelo não funciona.
Esse momento é um marco de que a defesa da liberalização financeira dos mer-
cados é uma fraude. A hipocrisia entre a maneira como o Tesouro norte-americano,
o FMI e o Banco Mundial lidaram com a crise asiática de 1997 e a maneira como es-
sa está sendo enfrentada, está intensificando essa reação intelectual. Os asiáticos ago-
ra dizem: “esperem um minuto, vocês disseram para imitar vocês nos Estados Unidos.
Vocês são o modelo. Tivéssemos seguido seu exemplo, nós estaríamos na mesma ba-
gunça. Vocês podem sustentá-la. Nós não”.

A dinâmica da quebra de Wall Street


A demanda por seguro-desemprego saltou para 493 mil nesse ano, o maior nível desde
o período que se seguiu ao ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, devido ao im-
pacto da desaceleração da economia, amplificado pelas vítimas dos furacões Ike e Gus-
tav. Mesmo eliminando os efeitos dos furacões, segundo os especialistas, os números re-
fletem um sinal de recessão. Já a venda de casas novas caiu em agosto para o seu menor
nível desde 1991, 460 mil unidades por ano, enquanto o preço médio de venda de casas
novas caiu para níveis nunca antes registrados, de 221.900 dólares por unidade. O mes-
mo está ocorrendo com o mercado de casas usadas.
O crescimento do desemprego, a redução do poder de compra dos salários e a conse-
qüente incapacidade das famílias de pagar seus financiamentos, provocaram o surto
de hipotecas não-pagas e de confisco de casas, num ritmo médio que chegou a 10 mil
casas por dia. Seguiu-se a deterioração do mercado habitacional, com a queda tanto
nas quantidades vendidas como nos preços praticados, causando perdas de bilhões de
dólares às empresas financeiras. A falta de regulação e controle preventivos por parte
do governo permitiu que esse círculo vicioso crescesse, a ponto de se transformar nu-
ma severa crise nos mercados financeiros do país, que acabou levando à quebra de
Wall Street.

100
Um voluntário na campanha de Obama

Socorro aos bancos e desamparo aos cidadãos


O Governo Bush propôs ao Congresso o que se constituiu no maior plano fi-
nanceiro de ajuda da história dos Estados Unidos, dando ao Tesouro plenos pode-
res para comprar cerca de 700 bilhões de dólares em ativos podres da dívida hipo-
tecária das instituições bancárias. O valor, em dinheiro dos contribuintes, equivale
a tudo o que os Estados Unidos já gastaram na guerra do Iraque e é maior do que os
gastos totais do Pentágono nos últimos 12 meses. Se for considerado o gasto anual
do governo no principal programa social de ajuda a 900 mil crianças de famílias
pobres, que é de 7 bilhões de dólares, o valor proposto financiaria o programa por
100 anos.
Chamou a atenção e despertou dúvidas a simplicidade da proposta, apresentada
em menos de 3 páginas. Questionou-se igualmente o fato de que, enquanto o governo
foi incapaz de obter os recursos necessários para pagar pela assistência à saúde e ou-
tras necessidades básicas, revelou-se preparado para enfrentar imediatamente a tur-
bulência financeira de Wall Street.
Na medida em que a discussão sobre a proposta de 700 bilhões de dólares de
socorro ao sistema financeiro se aprofundou, começaram a ser feitas perguntas crí-
ticas: porque então não é feito um plano de proteção para os mais de 600 mil traba-
lhadores que foram desempregados somente nesse ano? Porque não é feito um pla-
no de proteção para as centenas de milhares de famílias que perderam suas casas
por não ter condições de pagá-las nos últimos anos? Porque os contribuintes têm
que pagar uma conta de quase um trilhão de dólares pelos abusos do mercado fi-
nanceiro especulativo e pela aplicação de uma filosofia econômica equivocada de
liberalização de mercado por parte do governo? Que tipo de capitalismo realmente
está sendo construído no país referência da democracia para o mundo? Um capita-
lismo que privatiza lucros e socializa prejuízos? A quem realmente estamos benefi-
ciando? Afinal, quais os valores fundamentais de nossa sociedade? Ou seja, porque
a esmagadora maioria da sociedade não foi considerada pela decisão governamental
de salvar os bancos?
O atropelo com que o plano de salvamento dos bancos foi acionado desconside-
rou a prática democrática, que exige que as decisões governamentais levem em con-
ta os interesses do conjunto da sociedade. Criou-se um fato consumado que levou o
Congresso a buscar alternativas para legitimar o plano perante a opinião pública e a
população dos Estados Unidos.
101
Cezar Busatto

Obama envia carta sobre a crise e o plano


Reproduzo a carta que recebi do então candidato democrata à presidência, no
momento em que o Governo Bush e o Congresso discutiam um plano de saída para
a crise financeira. É útil conhecê-la porque expõe os princípios gerais de sua posição
sobre a crise, sua posição sobre o plano de socorro às instituições financeiras e as
prioridades de seu plano de recuperação econômica e social do país.
Cezar,
A era do lucro fácil e da irresponsabilidade em Wall Street e em Washington criou uma
crise financeira tão profunda como nenhuma outra que nós enfrentamos desde a Gran-
de Depressão. O Congresso e o presidente estão debatendo um socorro para nossas ins-
tituições financeiras que custará 700 bilhões de dólares de dinheiro dos contribuintes.
Nós não podemos subestimar nossa responsabilidade em dar esse passo tão enorme.
Seja qual for a forma que nosso plano de recuperação tomar, ele deve ser guiado
por princípios essenciais como honestidade, equilíbrio e responsabilidade de uns para
com os outros. Por favor, assine para mostrar seu apoio a um plano de recuperação eco-
nômica baseado no seguinte:
• Não a pára-quedas dourados: dólares dos contribuintes não devem ser usados para
premiar os executivos irresponsáveis de Wall Street que promoveram esse desastre;
• “Main Street” (Rua Principal), não somente Wall Street – qualquer plano de socorro
tem que incluir uma estratégia de devolução para os contribuintes que estão pagando
a conta e ajuda a inocentes proprietários de casas que estão enfrentando confisco;
• Supervisão Bipartidária – a assombrosa quantia de dinheiro dos contribuintes envolvida
impõe um conselho bipartidário que assegure a sua supervisão e prestação de contas.
Mostre seu apoio e estimule seus amigos e familiares a juntar-se a você: http://my.
barackobama.com/ourplan. As políticas econômicas fracassadas e a mesma cultura corrup­
­ta que nos conduziu a essa bagunça não nos ajudarão a sair dela. Nós precisamos traba-
lhar imediatamente na reforma do governo falido – da política falida – que são as causas
que permitiram que essa crise ocorresse. E nós temos que entender que o plano de recu-
peração é apenas o começo. Nós temos um plano que garantirá nossa prosperidade a lon-
go-prazo – incluindo redução de impostos para 95% das famílias, um plano de incentivos
econômicos que criará milhões de novos empregos e nos conduzirá para a independência
energética, e assistência à saúde viável para todos os americanos. Não será fácil. O tipo de
mudança que nós buscamos nunca é. Mas se nós trabalharmos juntos e nos apoiarmos
nesses princípios, nós podemos superar essa crise e emergir como uma nação mais forte.
Obrigado, Barack
102
Um voluntário na campanha de Obama

Falta de informações e de transparência


Acompanhei a primeira audiência pública da Comissão de Bancos do Senado
norte-americano, com a presença do Secretário do Tesouro, Henry Paulson, e do pre-
sidente do Banco Central, Ben Bernanke. Uma sessão histórica. Testemunhei o ceti-
cismo com que a maior parte dos senadores, tanto democratas como republicanos,
analisaram o socorro bancário de 700 bilhões de dólares do governo.
A primeira pergunta feita atingiu um tema crucial: porque o Congresso não re-
cebeu anteriormente nenhuma informação sobre a gravidade da crise dos mercados
financeiros, que permitisse ações de caráter preventivo? Porque o Congresso ficou
sabendo uma semana antes da necessidade de 700 bilhões de dólares para enfrentar
a crise? Ficou escancarada a completa falta de informações e, portanto, de transpa-
rência, nas relações do mercado financeiro, autoridades da área econômica e o Con-
gresso. A boa prática democrática, que pressupõe boa informação e transparência,
efetivamente não estava ocorrendo com relação à economia, que é a base do funcio-
namento da sociedade, nos Estados Unidos e em todos os outros países.

Improvisação e insegurança das autoridades


As manifestações das autoridades econômicas do governo na Comissão de Ban-
cos do Senado transpareceram a improvisação com que foi elaborado o plano de so­
­cor­­­ro e a insegurança com que estavam sendo dados os primeiros passos para viabili­
­­zar sua implantação. Ao mesmo tempo, ficou evidente a sua ansiedade para que ocor­
­res­­­se uma autorização urgente do Congresso, de modo a que pudessem começar a agir.
Para boa parte das questões dos senadores, a resposta foi: “nunca lidamos com
isso antes”; “experimentação, teremos que trabalhar nisso juntos”. Bernanke admitiu:
“Não podemos engessar a legislação com muitas restrições, porque precisamos de
flexibilidade para lidar com um problema novo”. Afirmações de Paulson: “um dos
problemas é o excesso de complexidade de muitas dessas operações, que esconde o
tamanho de sua iliquidez”; “é uma vergonha para essas instituições financeiras e pa-
ra os Estados Unidos. Tem muita culpa a ser apurada. Estamos todos frustrados”;
“compartilho a revolta dos senhores senadores”.
Chegou a causar constrangimento a declaração de Paulson de que ficou “choca-
do com a constatação de que todo o atual sistema de regulação do mercado financei-
ro está inadequado, porque foi feito para uma realidade do passado e não para a que
temos hoje”. Um senador questionou: “como, se durante 7 anos o senhor foi o princi-
pal executivo do Goldman Sachs?”
103
Cezar Busatto

Sem garantias de sucesso


Vários senadores insistiram na pergunta: qual a garantia de que o plano vai dar
certo? Nenhuma das autoridades da área econômica deu uma resposta firme. Repe-
tiram que a única certeza que tinham era de que a alternativa ao plano de socorro
seria muito pior, pelas repercussões em termos de agravamento do desemprego e da
perda de salários que a quebra do sistema financeiro provocaria na economia como
um todo, tanto nos Estados Unidos como nos demais países do mundo.
A reação dos senadores foi dura: “Se vocês não estão dando nenhuma garantia
de que o plano vai funcionar, como podemos apoiá-lo? Vocês não estarão aqui em
janeiro de 2009 e seremos nós que teremos de explicar aos nossos eleitores o seu
eventual fracasso. O que nós faremos se daqui há alguns meses for necessário ainda
mais dinheiro?”
Ben Bernanke foi claro: “Nós não sabemos o que vai acontecer nos próximos
meses”. Chegou a ser feita a proposta de envolver os Bancos Centrais dos demais pa-
íses do mundo no co-financiamento do socorro ao sistema bancário.

“Estamos salvando os grandes”


Na medida em que se aprofundavam os debates sobre o plano de socorro de 700
bilhões de dólares proposto pelo governo Bush, com a participação de economistas,
especialistas, executivos da área financeira e, inclusive, opiniões e sentimentos de pes-
soas comuns, começaram a surgir dúvidas crescentes sobre a eficácia e sobre a neces-
sidade de ser aportado tal volume de recursos públicos para salvar instituições finan-
ceiras quebradas.
A pergunta recorrente entre as pessoas comuns, como Gene Thomas, um ven-
dedor de salsichas, era: “porque os contribuintes têm que pagar essa conta?”. Ou, en-
tão, “nós estamos salvando os grandes, e isso me deixa preocupado sobre meus três
netos, porque serão eles os que pagarão por tudo isso”.

Reação da sociedade leva o Congresso a rejeitar o plano


O Congresso rejeitou a primeira tentativa do Governo Bush de socorrer o sis-
tema financeiro com 700 bilhões de dólares. Não foi, evidentemente, um aconteci-
mento trivial da vida democrática de uma nação. Tratava-se de uma iniciativa deci-
siva para evitar uma depressão na economia de magnitude ainda maior do que a
Gran­­­­de Depressão, segundo praticamente todos os especialistas. Ou seja, se os merca­
­dos financeiros não forem estabilizados, seguir-se-á uma quebradeira de instituições
104
Um voluntário na campanha de Obama

financeiras e bancos, nos Estados Unidos e nas principais praças financeiras, afe-
tando o sistema produtivo e comercial da economia mundial e provocando desem-
prego em grande escala. Ademais, os termos dessa iniciativa de importância trans-
cendental foram negociados exaustivamente pelo próprio presidente Bush e auto-
ridades econômicas do governo, com os líderes dos partidos Democrata e Republi-
cano, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, tendo inclusive participa-
do dessas negociações os dois candidatos à presidência, Barack Obama e John Mc-
Cain. Como se isso não bastasse, a grande imprensa, unanimemente, defendeu a
aprovação do plano de socorro negociado, a tal ponto que a expectativa de sua apro-
vação era generalizada.
Como, então, o plano foi rejeitado pela maioria dos parlamentares, contrariando
todas as expectativas? Para encontrar resposta a essa pergunta, é preciso sair do cir-
cuito tradicional da política, representado pelas autoridades governamentais, as casas
legislativas e a grande mídia, e examinar o que está acontecendo nas novas formas de
comunicação e expressão, como são os blogs, as cartas e sessões de comentários dos
jornais, os sites na internet, as pesquisas on-line, os programas de rádio e televisão
com manifestações por telefone ao vivo dos ouvintes e telespectadores. Nesses novos
meios sem filtros, conforma-se uma verdadeira rede de pessoas que manifestam li-
vremente seus sentimentos, suas verdades, suas idéias e posições políticas. Através
deles, está sendo forjada uma nova democracia direta, com peso e influência crescen-
te na definição dos rumos do país.
Pois bem, milhões de mensagens foram postadas, registradas, veiculadas e mi-
lhares delas enviadas para os parlamentares nesses últimos dias, mostrando a incon-
formidade da esmagadora maioria das pessoas com o socorro de quase um trilhão
de dólares às grandes instituições financeiras. As mesmas que se beneficiaram du-
rante décadas com lucros fabulosos através da especulação financeira desenfreada e
sem controles, que são as causadoras da crise e que agora querem ser socorridas com
dinheiro dos contribuintes para cobrir seus prejuízos.
As pessoas expressaram sua raiva de ter que pagar essa conta, denunciaram a fal­
­­ta de alternativas, a não ser colocar esse fardo nas costas dos contribuintes. “Porque,
quando as peças do dominó caem, elas sempre caem sobre nós?” Talvez esteja nessa
nova rede de expressão da vontade popular a explicação da rejeição do plano de so­­
cor­­­ro pela maioria dos Congressistas, surpreendente se olhada só pela ótica dos gran­
­­des atores da política institucional. Foi flagrado seu descolamento, tanto de suas bases
parlamentares imediatas, como principalmente do sentimento e da manifestação das
105
Cezar Busatto

ruas. Revelou-se, portanto, nesse episódio, a conjugação de uma dupla crise, de lideran­
­­ça e de governança da própria crise – reflexo de uma crise mais profunda do modelo
democrático que vigora nos Estados Unidos e em muitas outras nações do mundo.

Acordo garante a maior intervenção governamental


na história dos EUA
Trabalho conjunto de lideranças democratas e republicanas do Congresso, jun-
to com as autoridades econômicas do governo, alcançou um acordo em torno de mo-
dificações para viabilizar a aprovação do plano de socorro de 700 bilhões de dólares,
a maior intervenção governamental na economia da história dos Estados Unidos. O
Projeto Final, que acabou aprovado na Câmara e do Senado norte-americanos, é um
documento de 110 páginas. As principais modificações introduzidas na proposta ori-
ginal do governo foram as seguintes:
• liberação imediata de 350 bilhões de dólares; a segunda parcela do mesmo valor
será disponibilizada logo que necessário, a menos que o Congresso se oponha;
• a compra de créditos podres será realizada através de leilões invertidos, ou seja,
pelo menor preço de oferta por parte das empresas financeiras apoiadas;
• foram introduzidas maiores restrições ao pagamento de compensações para os
executivos das empresas financeiras que serão apoiadas;
• o governo usará seu novo papel de proprietário de créditos podres para tomar
iniciativas visando reduzir o confisco de casas, projetado para dois milhões em
2009;
• o governo terá participação acionária nas empresas financeiras apoiadas,
possibilitando aos contribuintes lucrar caso o plano de socorro funcione e as
empresas se recuperem no futuro;
• o governo ficará autorizado a adquirir créditos podres em mãos de planos de
pensão, governos locais e pequenos bancos, que atendem famílias pobres e de
classe média;
• haverá rigorosa supervisão do plano por um Comitê Bipartidário do Congresso e
pelo Escritório de Prestação de Contas do Governo, e a definição de regras para
evitar conflito de interesses com relação às empresas e assessores que forem
contratados pelo Tesouro para auxiliar na execução do plano;
• ficará nas mãos do próximo presidente a iniciativa de definir como será paga
qualquer perda que os contribuintes venham a ter, após os créditos terem sido
comprados e revendidos.
106
Um voluntário na campanha de Obama

Porque o plano foi aprovado


Várias mudanças ocorreram desde a rejeição do plano de socorro na Câmara,
em 29 de setembro, até sua aprovação no Senado, em 1º de outubro. Em primeiro lu-
gar, o contexto geral, pois a queda vertiginosa da Bolsa de Nova Iorque no mesmo dia
da rejeição do plano assustou poupadores, investidores, incluindo famílias que apli-
cam suas pequenas economias no mercado de capitais. Com o choque na bolsa, uma
grande maioria de pessoas, empresas, governos locais e estaduais, mudaram sua per-
cepção da crise e suas prováveis conseqüências. Ninguém quer pagar para ver o que
acontecerá se nada for feito. Em segundo lugar, foram introduzidas algumas modifi-
cações importantes para proteger a classe média, como o aumento do limite de 100
para 250 mil dólares nos depósitos e aplicações garantidas pelo governo federal por
um ano, e a concessão de vários incentivos fiscais para pessoas, pequenos negócios e
para investimentos em novas fontes de energia. O valor desses cortes de impostos de-
verá alcançar 110 bilhões de dólares.
Essas modificações procuraram dar uma cara mais popular (Main Street) e
me­­­nos para os banqueiros (Wall Street) ao plano de socorro. Elas tiveram que ser
cuidadosas, entretanto, para evitar a perda de apoio ao plano dos parlamentares
democratas mais conservadores em termos fiscais. Ao mesmo tempo, foi comple-
tamente alterada a comunicação do plano, mostrando que não é para enfrentar a
crise de Wall Street, senão a crise dos Estados Unidos. Nesse sentido, os dois can-
didatos a presidente tiveram um papel importante, com um maior envolvimento e
um discurso mais afinado de apoio ao plano. Inclusive, ambos, Obama e McCain,
deslocaram-se para Washington e foram pessoalmente ao Senado norte-americano,
votaram a favor do plano e pediram a seus colegas apoio para aprovar o plano. Com
a aprovação no Senado, a pressão sobre a Câmara foi mais forte e facilitou a apro-
vação da proposta.

Super-salários nas empresas financeiras


As mesmas empresas financeiras que estão sendo socorridas com dinheiro público dos
contribuintes norte-americanos pagam super salários para seus executivos. Em depoi-
mento hoje na Comissão de Investigação da Câmara dos Deputados sobre a quebra das
empresas de Wall Street, o executivo da Lehman Brothers, Richard Fuld, admitiu que
dos anos 2000 até hoje recebeu 250 milhões de dólares a titulo de compensações pela
sua atividade. A informação dos deputados é de que, na verdade, Fuld teria recebido o
dobro disso, sem contar participações acionárias na empresa.

107
Cezar Busatto

Plano de socorro não consegue deter a crise


A Bolsa de Nova Iorque despencou quase mil pontos em apenas dois dias, depois
que o Congresso aprovou o plano de socorro às empresas financeiras de Wall Street.
A imprensa revelou uma nova informação que provocou pânico em milhões de nor-
te-americanos: os fundos de pensão tiveram perdas de 2 trilhões de dólares nos últi-
mos dois anos.
Evidências de todos os lados revelaram que a crise é mais complexa do que as
autoridades americanas imaginavam: a crise é mundial, não apenas norte-americana;
os governos têm demonstrado incapacidade de enfrentar a situação; inexistem me-
canismos de coordenação econômica que possibilitem ações articuladas e consisten-
tes; a crise de crédito nas economias nacionais agrava-se, mesmo depois da aprovação
do plano de socorro; alastra-se o pânico entre as pessoas, porque temem que seus
bancos poderão fechar, e perderam a confiança no sistema financeiro e nas grandes
instituições governamentais.
Diante disso, o Federal Reserve começou a emprestar em grande escala, estima-
se valores da ordem de 900 bilhões de dólares, para poder preservar as linhas de cré-
dito de curto-prazo e, com isso, manter a economia privada funcionando. Com esses
recursos, emprestados a taxas de juros subsidiadas de 2% ao ano, que poderão inclu-
sive ser reduzidas para 1% ano brevemente, são atendidas as necessidades de crédito
diárias das empresas para a compra de suprimentos e o pagamento de salários.
Essa iniciativa do Federal Reserve impôs-se porque, se as empresas deixarem de
ter acesso a crédito de curto prazo, começam a reduzir sua atividade e a economia
pode mergulhar numa recessão mais profunda e até numa depressão, reprisando o
que acorreu nos anos 30 do século passado. O Federal Reserve está sendo forçado a
tornar-se um financiador direto da economia privada, papel que até há pouco era de-
sempenhado pelos bancos de investimentos, todos agora quebrados ou em transfor-
mação em bancos comerciais.

Os Estados Unidos e o mundo


depois da quebra de Wall Street
Ainda é cedo para olhar para o futuro, uma vez que a trajetória da crise está em
pleno desenvolvimento. Não sabemos se o plano de socorro será, afinal, suficiente
para estabilizar os mercados financeiros; não sabemos como o capital especulativo
108
Um voluntário na campanha de Obama

continuará sua busca de auto-valorização; não sabemos a magnitude do impacto da


crise financeira sobre os circuitos reais, produtivos e comerciais, da economia norte-
americana e mundial; e não sabemos as respostas para tantas outras questões.
Parece claro, entretanto, que as bases do surto especulativo exacerbado, que pre-
valeceu na economia dos Estados Unidos nas últimas décadas, implodiram. Desapa-
receu a confiança nos mercados financeiros. Com base nela, se erigiu uma enorme
bolha especulativa, muito lucrativa para os investidores e as instituições financeiras,
através da realização de operações financeiras sofisticadas, muito além das garantias
monetárias e reais existentes. Foi assim que surgiu a engenharia financeira dos credit
default swaps contratos de proteção de créditos não pagos (veja retranca Bolha espe-
culativa de 62 trilhões de dólares), e outros tantos derivativos e colaterais, que somen-
te poucos especialistas conhecem inteiramente.

O fim da ideologia neo-liberal


Foi igualmente desmantelada a ideologia da auto-regulamentação dos merca-
dos, princípio basilar do neo-liberalismo, que manteve nas últimas décadas os mer-
cados livres para exacerbar suas práticas especulativas, na suposição de que seu fun-
cionamento tenderia ao equilíbrio, e de que qualquer regulamentação governamental
seria prejudicial. Wall Street, como símbolo dessa época de ouro do capital especula-
tivo, acabou. Outras praças financeiras, entre elas Shangai, Taiwan e Dubai, já se apre-
sentam para ocupar o lugar de Wall Street.
Esses centros financeiros tenderão a fortalecer-se, consolidando uma tendência
à multipolarização dos mercados financeiros, que vem a reforçar a tendência à mul-
tipolarização do poder político mundial.
Mas seja qual for a nova configuração geográfica, econômica e política desse
mundo multipolarizado, não há dúvida de que o crédito fácil e o financiamento abun-
dante, viabilizados através da exacerbação especulativa, deixarão de ser um mecanis-
mo central de expansão da economia norte-americana, como ocorreu principalmen-
te nas últimas três décadas.
Como outros movimentos de mudança, o que se denominou neo-liberalismo
acaba de esfacelar-se porque se tornou uma ideologia dogmática, não mais uma respos­
­­ta pragmática aos excessos do estado do bem-estar social. Os oito anos do Governo
Bush foram a expressão concreta desse dogmatismo. Quando a realidade econômica
já indicava a necessidade de regulamentação para evitar os excessos do mercado fi-
nanceiro especulativo, tanto em nível nacional como mundial, e quando a experiência
109
Cezar Busatto

exitosa do Governo Clinton sinalizava para a continuidade de uma política fiscal res-
ponsável, o novo governo voltou a cortar impostos, financiar uma onda consumista
e, ainda por cima, pagar por uma guerra caríssima e administrar um déficit fiscal
crescente, tudo ao mesmo tempo. O resultado, como se constatou, foi o crescimento
explosivo dos déficits comercial e fiscal. A queda do dólar indica que nós chegamos
ao ponto em que essa política é insustentável.
O fracasso da política de desregulamentação estava claro, na verdade, muito an-
tes do colapso de Wall Street. Na Califórnia, os preços da energia elétrica dispararam
nos anos 2000 e 2001 como resultado da desregulamentação do mercado de energia
no Estado, e companhias inescrupulosas como a Enron manipulando em seu favor.
A própria Enron e outras companhias quebraram em 2004 porque padrões contábeis
não foram adequadamente exigidos.
A desigualdade nos Estados Unidos cresceu na última década porque os ganhos
do crescimento econômico beneficiaram desproporcionalmente os americanos mais
ricos e letrados, enquanto os salários dos trabalhadores estagnaram. Finalmente, a
desastrada ocupação do Iraque e a resposta ao furacão Katrina expuseram de cima a
baixo a fraqueza do setor público, resultado de décadas de insuficiência de recursos
e do desprestigiamento dos servidores públicos desde os anos Reagan.

Estatização e concentração financeira


No centro do capitalismo mundial, testemunhei a estatização de importantes
segmentos do mercado financeiro, ao lado de sua concentração ainda maior em
poucos mega-bancos, na tentativa de evitar que a crise atingisse fortemente o sis-
tema de crédito e, por extensão, toda a economia. As operações de salvamento do
Tesouro dos Estados Unidos reproduzem a velha prática da socialização de preju-
ízos, quando os lucros são privados, porque quem realmente pagará essa conta são
os milhões de cidadãos contribuintes, embora o governo ironicamente alegue que
atuou em sua defesa.
Pressionado pelos gastos bilionários no Iraque e pelo socorro ao sistema de cré-
dito, o déficit fiscal do governo deverá ultrapassar os 400 bilhões de dólares neste ano,
mais do que o dobro do ano passado. Segundo Paul Davidson, editor do Jornal de
Economia Pós-Keynesiana, “a solução do Fed (o banco central norte-americano) re-
presenta o resultado de um sistema político que desde a era Reagan não só tem sido
relutante para regulamentar as instituições financeiras, mas tem também efetivamen-
te estimulado a liberdade de mercado que terminará resultando desastrosa”.
110
Um voluntário na campanha de Obama

Surgirão novas modalidades de especulação?


Na última década, o mercado habitacional foi a base dessas transações finan-
ceiras de alto risco, que se traduziam em operações colaterais, derivativas e outras
tantas manobras que permitiam multiplicar os financiamentos sem garantias reais.
Hoje, o Goldman Sachs tem ativos financeiros de 22 dólares para cada dólar
de capital próprio. O Morgan Stanley tem 30 dólares de ativos para cada dólar de
capital.
Ao transformar-se em bancos comerciais, terão que transitar para uma nova
posição, semelhante a do Bank of America, que tem menos de 11 dólares para cada
dólar de capital. Com menos dinheiro para emprestar com relação ao seu capital
próprio, tornar-se-ão instituições financeiras mais sólidas, mas isso também signi-
ficará uma limitação em seus lucros.
Até um ano atrás, os bancos de investimento, gigantes das finanças mundiais,
consideravam a regulamentação dos mercados financeiros uma proposta a ser evi-
tada a qualquer custo.
Os bancos comerciais, no entanto, sempre estiveram sujeitos a restrições em
termos de quanto dinheiro eles podem emprestar e em quais tipos de negócios
eles podem envolver-se. A pergunta que não quer calar: com tanta disponibilida-
de de liquidez mundial, os mercados não acabarão desenvolvendo novas formas
de especulação?

O que virá a partir de agora?


As perguntas centrais que precisam ser respondidas são as seguintes: de onde
virão as fontes de dinamismo da economia norte-americana depois dessa crise? Qual
será o futuro da política norte-americana a partir de agora? É claro que uma e outra
pergunta estão intimamente relacionadas. E a resposta a ambas tem muito a ver com
o resultado das eleições.
A vitória de Barack Obama autoriza visualizar um cenário em que prevaleçam
as forças da inovação e o capitalismo norte-americano lidere um surto de investi-
mentos produtivos em grande escala em novas fontes de energia – solar, eólica, bio-
massa, nuclear – e em novas tecnologias correlacionadas, como é o caso dos carros
elétricos, novos meios de transporte coletivo, novos padrões construtivos e tantas
outras, que abrirão caminho para uma economia menos dependente do petróleo e
mais adequada a uma época em que a humanidade precisa reduzir a tendência ao
aquecimento global.
111
Cezar Busatto

Bolha especulativa de 62 trilhões de dólares


O Wall Street Journal fez uma revelação, em meu entender, estarrecedora. Os chama-
dos credit default swaps (contratos de proteção de créditos não-pagos), um mercado
desregulamentado desde o ano 2000, cresceu a ponto de atingir o astronômico valor
de 62 trilhões de dólares. Para ter-se uma idéia do que esse valor representa, ele equi-
vale praticamente ao valor de todo o Produto Interno Bruto Anual Mundial, que é ho-
je da ordem de 65 trilhões de dólares. Ou então, a mais de quatro vezes o PIB anual
dos Estados Unidos, que é da ordem de 15 trilhões de dólares. Diante da atual crise de
confiança nos mercados financeiros, pela primeira vez os especuladores começam a
avaliar que esses contratos que têm em mãos poderão não ter mais valor algum. Ou
pior, esses contratos poderão representar um débito massivo, de tal magnitude que nin-
guém teria fundos para bancar.
Credit Default Swaps são contratos negociados entre instituições financeiras privadas,
que agem como seguros, e protegem investidores contra o não-pagamento de títulos e
empréstimos. Compradores de swaps fazem pagamentos regulares aos vendedores, os
quais, por sua vez, concordam em fazer grandes reposições em dinheiro caso não-paga-
mentos venham a ocorrer.
O Departamento de Seguros do estado de Nova Iorque modificou posição anterior e edi-
tou orientação declarando que alguns contratos de credit default swaps são “considera-
dos uma forma de seguro e, portanto, sujeitos a regulação estatal”. As regras deverão
entrar em vigência em janeiro de 2009, e cobririam swaps comprados por investidores
que também são proprietários dos títulos e empréstimos aos quais os swaps estão vin-
culados. As regras envolvem os compradores e vendedores do estado de Nova Iorque,
mas eles representam uma grande fatia do mercado. E essa iniciativa de Nova Iorque
poderá inspirar regras semelhantes em outros estados”.
“Na medida em que no ano 2000, o Departamento de Seguros do estado de Nova Iorque
definiu que esses contratos não eram uma forma de seguro, as agências reguladoras efe-
tivamente ignoraram esse mercado, que cresceu até atingir hoje contratos no valor de
62 trilhões de dólares, e tem sido criticado recentemente por estar contribuindo para
uma massiva volatilidade dos mercados de crédito e de ações. Porque são derivativos
vinculados a títulos, os compradores de “swaps” podem lucrar se a proteção que eles com-
praram aumenta de valor. Isso tem feito muitas pessoas começarem a ver na compra de
credit default swaps o mesmo que fazer rápidas apostas contra empresas. Muitos comer-
ciantes de derivativos e analistas ficaram desnorteados com a mudança nas regras da
agência reguladora de Nova Iorque.”

112
Um voluntário na campanha de Obama

A liderança dos Estados Unidos em questão


O polêmico Francis Fukuyama fez uma análise importante da crise na revista
Newsweek. Para ele, a marca norte-americana está sendo testada, num momento em
que outros modelos, como a China ou a Rússia, parecem tornar-se mais e mais atrati­­­vos.
A partir do Governo Roosevelt e sua política de New Deal, o intervencionismo estatal,
o peso crescente do governo e sua liderança na dinâmica de crescimento da economia
dominaram o cenário nos Estados Unidos e no mundo. Essa filosofia durou até o Go-
verno Reagan, quando passou a predominar uma nova visão de capitalismo, baseada
no corte de impostos, desregulamentação dos mercados e redução progressiva da
presença do Estado na economia. A atual crise marca o fim da era Reagan, interna-
cionalmente conhecida como “Consenso de Washington”, que levou os países em de-
senvolvimento a abrir suas economias para o fluxo de capitais e mercadorias, com o
apoio técnico e financeiro do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial.
O analista internacional Fareed Zakaria, da revista Newsweek, na mesma linha
que Fukuyama, analisa que “a história do capitalismo é cheia de crises de crédito,
pânico, der­­­­retimentos financeiros, e recessões. Portanto, a atual crise não significa
o fim do capi­­­ta­­­lismo, mas ela pode significar o fim de um tipo de domínio global
dos Estados Unidos”.
Durante décadas, os Estados Unidos atraíram massivas somas de capital – 80%
das poupanças excedentes no mundo – que permitiram ao país viver acima de seus
meios. Essa era está terminando. A partir de agora, os Estados Unidos terão que lutar
para atrair capital e investimentos como qualquer outro país. “Nós temos o sistema
de assistência à saúde mais caro e ineficiente do mundo industrializado, o uso de
energia que produz mais desperdício, a mais baixa taxa de poupança, a infra-estru-
tura mais sucateada, um código tributário complexo e corrupto”, afirma Zakaria. “E
chegamos até aqui apesar desses problemas porque todo o sistema tem sido dinâmi-
co e o mundo via os Estados Unidos como o lugar para colocar suas poupanças e sua
fé. Mas essa carona de graça está chegando ao fim. É hora de os Estados Unidos co-
meçarem a levar o problema a sério.”
Segundo Zakaria, o resultado real da atual crise financeira será a deslegiti-
mação do poder dos Estados Unidos. As pessoas ao redor do mundo viam a eco-
nomia norte-americana como a mais moderna, sofisticada e produtiva em todo o
mundo. Agora elas perguntam-se, era tudo isso um castelo de cartas? As pessoas
ouviam as autoridades dos Estados Unidos com respeito e até admiração. Hoje elas
113
Cezar Busatto

se perguntam se essas autoridades sabem o que estão fazendo. Essa perda de cre-
dibilidade terá duras conseqüências.
Globalmente, os Estados Unidos não mais desfrutarão a posição hegemônica
que ocuparam até agora. A capacidade norte-americana de moldar a economia mun-
dial através de acordos de comércio com o apoio do FMI e Banco Mundial estará re-
duzida, da mesma forma que os seus recursos financeiros. Em muitas partes do mun-
do, as idéias norte-americanas, o assessoramento e mesmo a ajuda será menos bem-
vinda do que foi até agora.

Mexicanos-americanos atingidos pela crise


Mexicanos que vivem nos Estados Unidos enviaram 12% menos de dinheiro a suas fa-
mílias no mês de agosto, a maior queda desde que o Banco do México começou a acom-
panhar as remessas doze anos atrás. Após anos de crescimento, as remessas dos Estados
Unidos começaram a cair na mesma medida em que se desacelerou a economia e o dó-
lar começou a cair, reduzindo o valo real dos recursos remetidos. A queda do valor do
dólar provocou também a redução da emigração de brasileiros para os Estados Unidos
nos últimos anos. Essas tendências deverão continuar nos próximos anos, segundo aná-
lise do banco central mexicano. O valor das remessas para o México em agosto foi de
1,9 bilhões de dólares, contra 2,2 bilhões em agosto do ano passado. Nos últimos oito
meses desse ano, o valor global remetido foi de 15,5 bilhões de dólares, 4,4% menor do
que no mesmo período de 2007. As remessas são a segunda maior fonte de divisas in-
ternacionais, só perdendo para a exportação de petróleo. Quase a totalidade do dinhei-
ro vem dos Estados Unidos, que acolhe 98% dos cerca de onze milhões de mexicanos que
vivem no exterior. A economia mexicana tem conseguido até agora proteger-se da crise
econômica global, mas as autoridades econômicas locais acreditam que o país ainda
será atingido pela queda do fluxo de turistas e pela contínua volatilidade que deprecia
o preço do petróleo e de outras mercadorias de exportação.

Cooperação mundial para enfrentar a crise


Em meio ao pior desempenho na história de 121 anos da Bolsa de Valores de No-
va Iorque, o G-7, grupo dos maiores países industrializados, reuniu-se para definir me­
­­di­­­das coordenadas de estabilização dos mercados financeiros no mundo, com o respal­
­­do do FMI. Foram acordadas diretrizes gerais comuns, sem definições mais concretas.
114
Um voluntário na campanha de Obama

As iniciativas isoladas tomadas pelas autoridades econômicas de cada país pa-


ra conter a crise tiveram impacto muito pequeno. Isso deixou claro para essas auto-
ridades que a crise adquiriu dimensão mundial e que ações coordenadas e de amplo
alcance são a única forma efetiva de lidar com ela daqui para a frente. Interessante
observar que, nessa hora de crise, a palavra de ordem, tanto no sistema financeiro,
como entre as autoridades econômicas nacionais, passa a ser a cooperação, deslo-
cando para um segundo plano a competição, que se constitui na pedra angular da
economia capitalista.
A necessidade dessa cooperação mundial e coordenação de iniciativas entre go-
vernos nacionais revelam a nova configuração interconectada do mundo globalizado.

Europa lidera saídas


Os primeiros movimentos dos países da União Européia diante da crise finan-
ceira que eclodiu em Wall Street foram erráticos e desarticulados. Chegou-se a con-
siderar que a dificuldade de coordenação política dos governos europeus estava em
dissintonia com a forte integração econômica da União Européia. Mas em poucos
dias os países europeus reverteram essa primeira impressão, demonstraram grande
capacidade de cooperação, e acabaram liderando intelectual e materialmente as ini-
ciativas políticas para enfrentar a crise. Acabou prevalecendo, pela sua objetividade
e eficácia, a alternativa européia – elaborada pela Inglaterra do primeiro ministro
Gordon Brown – de injeção de capital nos bancos através da compra de ações prefe-
renciais, combinada com a garantia governamental dos empréstimos entre bancos.
Na verdade, uma nacionalização parcial do sistema financeiro. A alternativa nor-
te-americana de compra de créditos podres das instituições financeiras, através de
leilões invertidos, ou seja, pelo menor preço de oferta, defendida pelo Secretário do
Tesouro, Henry Paulson, e pelo presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, foi co-
locada em segundo plano. Contribuiu para isso a complexidade de sua operacionali-
zação e sua ineficácia para aplacar a crise dos mercados. Depois de rejeitar essa alter-
nativa, as autoridades norte-americanas não tiveram outra senão aderir a ela, pela
sua maior aceitação por investidores, correntistas e instituições financeiras. Acaba-
ram anunciando a compra de 250 bilhões de dólares de ações dos bancos norte-ame-
ricanos, somada à garantia das transações financeiras entre bancos. Os mercados re-
agiram positivamente e o figurino europeu anticrise impôs-se no mundo inteiro.
Foi também decisivo para estabilizar os mercados o volume de capital, da
ordem de 2,3 trilhões de dólares, que os governos da União Européia decidiram
115
Cezar Busatto

disponibilizar para estabilizar o sistema financeiro europeu. Uma quantia mais de


três vezes superior aos 700 bilhões de dólares disponibilizados pelos Estados Unidos.
A Europa surpreendeu o mundo, agiu com mais inteligência e mais determina-
ção diante da crise que se originou em Wall Street, e foi decisiva para reverter o qua-
dro de desestabilização dos mercados.

Bancos centrais se articulam contra a recessão


O Banco Central dos Estados Unidos, junto com os Bancos Centrais da Europa,
China, Canadá, Hong Kong, Kwait, Emirados Árabes Unidos, com o apoio do Banco
Central do Japão, seguiram iniciativa tomada pelo Banco Central da Austrália e con-
seguiram, finalmente, coordenar uma política conjunta de redução emergencial das
taxas de juros nos seus países. Nos Estados Unidos a redução foi de meio ponto per-
centual, de 2% para 1,5%. Essa iniciativa deixa claro que a gravidade da crise e a ame-
aça de uma recessão mundial passaram a ser percebidas pelas principais autoridades
econômicas nacionais. Deixa claro também uma tomada de consciência da interco-
nexão global dos mercados financeiros, que requer ações globais cooperativas e não
competitivas nessa hora.
Os bancos centrais transferem seu foco de atuação do controle isolado da infla-
ção em seus países, que predominou nas últimas décadas, para uma ação articulada
mundialmente de manutenção da atividade econômica, diante das ameaças de uma
recessão de grandes proporções, que poderia reeditar a Grande Depressão dos anos
30 do século passado.
O Banco Central dos Estados Unidos deixou claro em seu comunicado oficial
que a crise financeira, combinada com o crescimento do desemprego, salários estag-
nados e outros problemas econômicos relacionados, conformam uma combinação
perversa. Já o Relatório Anual do FMI prevê redução do crescimento global e risco de
recessão nos Estados Unidos. Diante disso, analistas prevêem que o Federal Reserve
terá que reduzir ainda mais a taxa de juros nos Estados Unidos proximamente.

Economia com face humana


Em Nova Iorque, aproveitei para visitar a sede das Nações Unidas e um ami-
go, Bernardo Kliksberg, que dirige o Programa das Nações Unidas Para o Desenvol­
­v imento (PNUD), nas regiões da América Latina e Espanha. Kliksberg é uma
116
Um voluntário na campanha de Obama

per­­­­sonalidade carismática e convincente. Seus argumentos por uma economia


com face humana, suas análises sobre as desigualdades na América Latina, sua
crítica do pensamento conservador, sua crença na força da sociedade civil, são
tão apaixonadas quanto consistentes. Tenho grande identificação com suas idéias,
e devo muito a ele o desenvolvimento do conceito de governança solidária local,
que acabou se tornando, não só um programa de governo da Prefeitura de Porto
Alegre, como também, em meu entender, a alma da gestão do prefeito José Fogaça,
que agora deverá ter continuidade. Kliksberg e eu compartilhamos a alegria da
eleição de Obama, que abre novas perspectivas para as relações internacionais e
o combate às desigualdades no mundo.
A eleição de Obama deverá contribuir para o fortalecimento das Nações Unidas,
como espaço multilateral de negociação e entendimento entre as nações. A ênfase de
Obama na diplomacia e no diálogo com todos os países, inclusive com aqueles com
quem os Estados Unidos têm conflitos sérios, como Irã, Afeganistão e Rússia, e sua
117
Cezar Busatto

visão de estreitamento das relações com os países aliados, permite antever respeito e
relevância ao papel da ONU nas situações de conflito. A política unilateral e atrope-
ladora das instituições de mediação internacional de conflitos, que predominou no
governo Bush, será descartada. O fim do bloqueio a Cuba deverá fazer parte dessa
nova estratégia.
O último livro de Kliksberg, Primero la gente, é uma co-autoria com o Prêmio
Nobel Amartia Sen, editado primeiramente na Espanha. Os autores identificam-se na
análise da economia mundial, que na época da globalização acentuou as desigualda-
des e o desrespeito à dignidade da pessoa humana. No seu estágio atual, a globaliza-
ção impulsionou a modernização tecnológica e a eficiência produtiva, ao mesmo tem-
po em que universalizou o modelo capitalista da economia de mercado, derrubando
todos os muros ideológicos que se lhe antepunham. Entretanto, esse mesmo proces-
so aguçou a face especulativa e concentradora de riqueza da economia capitalista,
mantendo uma terça parte da humanidade em situação de pobreza absoluta. A força
da sociedade civil e dos novos personagens da cena política, o voluntariado, as mu-
lheres, a juventude, as empresas socialmente responsáveis, a política e os governos
pautados pela ética, são vistos como os fatores propulsores das mudanças que a sus-
tentabilidade do planeta exige.

Redistribuir a renda para salvar o capitalismo


Uma mudança importante no pensamento econômico está começando a ocor-
rer nos governos dos países centrais, pressionados pelo aprofundamento da crise e
pela necessidade de dar novo impulso à economia, de modo a conter os números alar-
mantes do desemprego. A velha concepção, que vigorou nos últimos trinta anos em
que predominou o neoliberalismo, de que os ricos e as grandes empresas deveriam
pagar menos impostos para estimular a poupança e o investimento, parece ter caído
definitivamente por terra no centro do capitalismo mundial. O fato de que redistri-
buir parte da renda do topo da pirâmide, para estimular o consumo da esmagadora
maioria das pessoas, passou a fazer parte dos planos de reativação da economia nos
países centrais, é um sinal de que o aumento exacerbado da concentração da renda,
ocorrido nessas últimas décadas da globalização capitalista, tornou-se disfuncional
para a dinâmica da própria economia capitalista.

118
Este livro foi desenhado pela Coletiva Editora Ltda. com as tipologias Myriad Pro e Minion Pro condensada
e impresso pelas oficinas da Gráfica Editora Pallotti (RS/Brasil), em dezembro de 2008.

O papel do miolo é Chamois Fine Dunas 80 g/m2 e o da capa Supremo 250 g/m2.
Cezar Busatto,
economista, ex-deputado
e ex-secretário municipal
de Porto Alegre e do Estado
do Rio Grande do Sul,
com mais de quarenta anos
de militância política. Começou no
movimento estudantil nos anos 60
e no início dos anos 70 ingressou
na política partidária para reforçar
a sua luta democrática.

Nos últimos dez anos, se dedicou


a promover o paradigma da
responsabilidade social como
compromisso maior de todos, pessoas,
instituições, empresas e poder público
em todos os níveis. Desse aprendizado
originou-se o conceito de governança
solidária local, que traz no seu bojo
uma nova concepção de democracia,
de desenvolvimento, de governo,
uma nova cultura política.

Essas inovações políticas estão


sendo experimentadas desde 2005 em
Porto Alegre e orientaram o seu trabalho
como coordenador geral da Conferência
Mundial sobre o Desenvolvimento de
Cidades, que se realizou em fevereiro
de 2008 na capital dos gaúchos.

OUTROS TÍTULOS DO AUTOR


Anjos Anômimos - 1999
Democracia, Prosperidade, Responsabilidade Social - 2001
Responsabilidade Social, Revolução do Nosso Tempo - 2003

EM CO-AUTORIA
A Era dos Vagalumes - 2006
Jogo da Verdade, O Pacto Pelo Rio Grande - 2006
Olhares Sobre a Governança Solidária Local
de Porto Alegre - 2008
Cezar Busatto, Cezar, A convite da Universidade de Stanford,
economista, ex-deputado Cezar Busatto viajou do Brasil aos
Estou para dirigir-me ao Parque Grant para falar para todos lá reunidos,
e ex-secretário municipal Estados Unidos, em agosto de 2008,
mas queria escrever para ti primeiro. Nós recém fizemos história.
de Porto Alegre e do Estado para observar a eleição presidencial.
E não quero que esqueças como nós fizemos isso.
do Rio Grande do Sul, E assim tornou-se testemunha
com mais de quarenta anos Tu fizestes história a cada dia durante essa campanha – cada dia privilegiada de dois episódios
de militância política. Começou no que batestes em portas, fizestes uma doação, ou falastes com tua família, norte-americanos que estão
movimento estudantil nos anos 60 amigos e vizinhos sobre por que tu acreditas que é tempo de mudança. produzindo conseqüências em
e no início dos anos 70 ingressou dimensão planetária: a eclosão da crise
Quero falar para cada um de vocês que deu seu tempo, talento,
na política partidária para reforçar financeira e econômica, que ameaça
e paixão para essa campanha. Nós temos muito trabalho a fazer
a sua luta democrática. conduzir a economia mundial à
para recolocar nosso país nos trilhos, e brevemente voltarei
depressão, e o movimento social
Nos últimos dez anos, se dedicou a fazer contato a respeito do que virá em seguida.
que resultou na eleição do candidato
a promover o paradigma da
Mas quero ser muito claro sobre uma coisa... democrata Barack Obama para
responsabilidade social como
Tudo isso aconteceu por causa de ti. a Casa Branca.
compromisso maior de todos, pessoas,
instituições, empresas e poder público Obrigado. Mais do que observador,
em todos os níveis. Desse aprendizado Barack Busatto foi narrador e analista
originou-se o conceito de governança
daqueles acontecimentos em seu
solidária local, que traz no seu bojo
blog www.vidademocratica.com.
uma nova concepção de democracia,
E mais do que observador, narrador
de desenvolvimento, de governo, A revolução instituída pela campanha de Barack Obama, no âmbito do Marketing Político, foi fortemente baseada na
exploração de recursos tecnológicos numa escala sem precedentes em disputas eleitorais. Do uso daqueles recursos e analista, foi um dos milhões de
uma nova cultura política.
resultou, por exemplo, a distribuição, via internet, de cartas personalizadas para milhões de apoiadores, em vários
Um voluntário na campanha de cidadãos que se fizeram trabalhadores

OBAMA
Essas inovações políticas estão momentos da campanha. Uma das cartas assinadas pelo próprio Obama foi distribuída aos apoiadores imediatamente voluntários na campanha democrata,
depois de conhecido o resultado da eleição, com a vitória do candidato democrata. É o texto acima, em tradução livre.
sendo experimentadas desde 2005 em mobilizados pela confiança e pela
Porto Alegre e orientaram o seu trabalho esperança em Obama.
como coordenador geral da Conferência
Mundial sobre o Desenvolvimento de Toda a riqueza dessa experiência
Cidades, que se realizou em fevereiro de múltipla face, vivida em
de 2008 na capital dos gaúchos. oportunidade singular, é o que o
gaúcho Cezar Busatto, 56 anos,
expõe neste livro.
OUTROS TÍTULOS DO AUTOR
Anjos Anômimos - 1999
Democracia, Prosperidade, Responsabilidade Social - 2001
Responsabilidade Social, Revolução do Nosso Tempo - 2003 Cezar Busatto
EM CO-AUTORIA
A Era dos Vagalumes - 2006 ISBN 978-85-62275-00-5
Jogo da Verdade, O Pacto Pelo Rio Grande - 2006
Olhares Sobre a Governança Solidária Local
de Porto Alegre - 2008

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