Psicanálise Saúde Mental e Universidade PDF
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Sonia Alberti**
Professora Adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Resumo
Comemorando dez anos de funcionamento, o Programa de Ps-graduao aqui
analisado justifica e se pergunta, atravs das penas de sua primeira e de sua
atual coordenadora, como e at que ponto vem atingindo um dos objetivos
declarados em sua Deliberao e que o diferenciaria: associar, na medida do
possvel, as questes-objeto de pesquisa no campo da psicanlise com problemas
socialmente relevantes, fazendo com que a produo e o avano obtidos atravs
das atividades de pesquisa retornem ao corpo social concreto interessado nessas
questes. Verifica-o analisando as dissertaes produzidas, assim como parte de
sua produo.
Palavras-chave: Psicanlise na universidade, Psicanlise e sade mental,
Pesquisa em psicanlise, Poltica, tica.
Abstract
Commemorating its ten years, the Program for post-graduates which is here
analysed, justifies and questions through the writing of both its first and its
present directors, in what extent have we been attending to one of its objectives
for which it is said distinguished: as much as possible, to connect the research
object-questions in the field of psychoanalysis with relevant social problems, in
order to provide the concrete social body with the results and improvements
obtained through research activities. Said improvements are verified through
dissertations as well as other bibliographic productions.
Keywords: Psychoanalysis and university, Psychoanalysis and mental health,
Research in psychoanalysis, Politics, Ethics.
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ensino com base na ntima articulao entre teoria, pesquisa e prtica
clnica. No campo da psicanlise h uma indissocivel relao entre saber
terico e prtica clnica, esta ltima situando-se no como lugar de
aplicao de saber, mas fundamentalmente como lugar de produo desse
saber.
Ora, se a produo do saber se d na prtica clnica, ento
necessariamente toda pesquisa clnica. Como consequncia, a clnica
o lcus privilegiado da pesquisa em psicanlise. Com efeito, desde que foi
idealizado, a tnica que diferencia nosso Programa o peso que damos a
essa articulao tanto que nomeamos sua rea de
concentrao Pesquisa e Clnica em Psicanlise visando formao de
nossos ps-graduandos de forma a instrumentaliz-los para a vida
acadmica, e tambm oferecer sustentao de pesquisa para o trabalho
no campo da sade mental que, j dizamos em nosso projeto, est bem
alm do consultrio do psicanalista.
Nessa direo, seguimos a orientao freudiana formulada em um de seus
escritos tcnicos, Recomendaes aos mdicos que exercem a
psicanlise, onde Freud sustenta que a clnica o solo da pesquisa em
psicanlise, ao dizer que: A psicanlise faz em seu favor a reivindicao
de que em sua execuo tratamento e investigao coincidem (FREUD,
1913/1969, p. 152). A pesquisa de que se trata, contudo, particular, j
que a clnica sempre singular e diz respeito a cada caso. Isto impe
determinada orientao tica pesquisa que a afasta de todo e qualquer
tipo de experimentalismo. No so poucas as advertncias de Freud
quanto ao perigo de subordinarmos a clnica pesquisa, a partir de
propsitos cientficos que poderiam criar expectativas de controle da
experincia clnica.
A pesquisa em psicanlise difere, portanto, daquelas que derivam da
proposta nos anos 1950, de Kurt Lewin: a pesquisa ao. Metodologia
criada no campo da educao, mas que teve ampla aplicabilidade nos
anos 1980 e 1990 (THIOLLENT, 1992), foi definida por Dickens; Watkins
(1999), como uma espcie de guarda-chuva para abrigar vrias
atividades que pretendem promover mudana no grupo, seja nas
organizaes ou nos demais segmentos da sociedade. A partir da
definio de Lewin, vrias outras subsequentes enfatizaram aspectos
diferentes do processo de pesquisa ao, mas Argyris; Schon, (1991, p.
86) deixam claro que as intervenes so uma manipulao experimental
no sem terem como meta a resoluo do problema no incio postulado.
Tal perspectiva evidencia a impossibilidade da associao entre pesquisa
clnica em psicanlise e pesquisa ao, metodologia particular e aplicada
no contexto da pesquisa experimental. Para Lewin a pesquisa ao se
consistiu num ciclo de anlise, fato achado, concepo, planejamento,
execuo e mais fato-achado ou avaliao, de modo que, uma repetio
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deste crculo inteiro de atividades, acaba por promover realmente uma
espiral de tais crculos, sempre de forma experimental.
Na clnica psicanaltica, ao contrrio, no h nada experimental. O que a
norteia no o controle da experincia, mas uma tica, definida na sua
particularidade como a tica da psicanlise. Isso no desmerece nem uma
nem outra, mas marca a diferena. De um lado, a psicanlise implica a
singularidade do caso a caso e esta diz respeito ao sujeito l onde ele
emerge, no campo do inconsciente, exemplificando a transferncia a cada
vez que acontece; da no haver psicanlise fora do contexto
transferencial a ponto de no se poder falar nada desse campo clnico sem
que o resgate dos dados se d na transferncia. De outro lado, ela implica
a poltica da psicanlise, definida por Lacan em 1958 como a da falta-a-
ser, base de orientao da direo do tratamento, identificada no lugar
em que atua aquele que sustenta essa clnica o psicanalista. Tal poltica
converge com a observao de Freud no escrito citado acima, quando diz
que o psicanalista deve conduzir o tratamento sem pressuposies e
sem qualquer intuito em vista, permitindo-se ser tomado de surpresa
por qualquer reviravolta neles (Idem, p.153). Nessa perspectiva, como
abertura ao imprevisvel da clnica, a prtica (ou a prxis, a um s tempo
clnica e terica) do psicanalista se exerce necessariamente, por razes de
estrutura, na dimenso da pesquisa, queira o psicanalista reconhec-lo ou
no. A pesquisa , portanto, uma dimenso essencial da prxis analtica,
em funo de sua articulao intrnseca, e no circunstancial, com o
inconsciente. Mas ela , por definio tambm, imprevisvel, o que impede
quaisquer pressupostos que norteariam uma ida ao campo conforme a
pesquisa-ao... Eis o desafio que se colocou para esse Programa e ao
qual vimos tentando responder desde sua fundao.
Oferecer sustentao de pesquisa para o trabalho clnico da psicanlise no
campo da sade mental num curso de ps-graduao stricto sensu a
proposta que ora apresentamos para preparar o balano de seus primeiros
dez anos de funcionamento. Razo de estarmos ambas apresentando esse
trabalho: a primeira coordenadora do Programa e a coordenadora atual.
O projeto
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cientfica, integrada por outros Programas, de forma a manter aberto o
debate intra e interdisciplinar necessrio ao avano do conhecimento e
tendo na Universidade um lugar que desempenha relevante funo nesse
debate; tomar como tema-objeto de pesquisa questes relevantes do
campo da Psicanlise, questes que venham exigindo ateno por parte
dos pesquisadores deste campo de modo a possibilitar a produo de
saber necessria ao seu avano e s suas possveis solues; o Programa
visar procurar associar, na medida do possvel, as questes-objeto de
pesquisa em nosso campo com problemas socialmente relevantes,
fazendo com que a produo e o avano obtidos atravs das atividades de
pesquisa retornem ao corpo social concreto interessado nessas questes.
Desse modo, o conhecimento produzido poder vir a ser utilizado por
aqueles a quem cabe a elaborao e a implementao de iniciativas de
intervenes concretas no campo considerado1.
esse ltimo ponto das finalidades do Programa, em articulao com
todos os outros acima enunciados, que buscaremos verificar a fim de
avaliar a eficcia dessa proposta e, caso encontrada, estudar seus
desenvolvimentos nos ltimos dez anos.
Por mais estranho que isso possa soar para muitos, a relao da
psicanlise com a universidade praticamente original: em 1900, Freud
publica a Interpretao dos sonhos, obra princeps da psicanlise; dois
anos depois nomeado, pelo Imperador Francisco Jos, da ustria,
Professorextraordinarius, na Universidade. No entanto, devido
importncia que foi adquirindo a histria do movimento psicanaltico
com suas associaes e sociedades , cada vez mais tambm em nvel
internacional, pouco se escreveu sobre a relao da psicanlise com a
universidade.
Em 1999, em Paris, em sua fala de abertura dos Estados Gerais da
Psicanlise, Elisabeth Roudinesco, uma das mais importantes historiadoras
da psicanlise da atualidade, surpreendeu com a observao: no Brasil
que hoje melhor se verifica o desenvolvimento da psicanlise na
Universidade, em particular, nos Institutos de Psicologia (informao
verbal). Para ter alado tal reconhecimento internacional, certamente a
determinao histrica do lugar da universidade no Brasil deve ter
contribudo de alguma maneira, mas contriburam tambm a formao e o
investimento dos psicanalistas brasileiros que esto hoje nas
universidades. Em primeiro lugar, sua formao psicanaltica, que Freud
identificava, antes de mais nada, com a anlise pessoal de cada um e que
permite a transmisso do que propriamente a causa freudiana; em
segundo lugar, sua articulao com a poltica da psicanlise (cf. ALBERTI,
2008), conceito bastante complexo que visa a observao da
singularidade de cada sujeito, e que encontra lugar privilegiado,
justamente, na articulao com os avanos das polticas de sade mental
de forma geral, e, em terceiro lugar, o interesse acadmico sustentado
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por uma poltica dos rgos de fomento pesquisa (CAPES, CNPq e
Fundaes estaduais) que permitiu o investimento bastante democrtico,
nos ltimos vinte anos, em mestrados e doutorados tanto no Brasil quanto
no exterior.
Foi durante os movimentos de 1968 que Lacan criou, com a ajuda de
alguns amigos entre os quais Lvi-Strauss e Michel Foucault , o
primeiro Departamento de Psicanlise na Universidade com a "misso de
ensino superior e pesquisa", visando transmitir tanto os saberes que
emanam da experincia psicanaltica quanto os que lhe so conexos, j
que o saber freudiano no redutvel a um corpo de doutrina fechado e
definitivamente constitudo. Oficialmente recebida na universidade como
uma das respostas aos movimentos de 1968, a psicanlise selava novos
tempos e foi nessa mesma orientao que iniciamos nosso trabalho, o que
j se demonstra na publicao de nosso primeiro livro2. Aposta tambm
inovadora no sentido de explorar este binmio: clnica e pesquisa em
psicanlise.
Quisemos, em razo de nossas prticas anteriores que, como toda prtica,
se vinculam com a tica e a poltica, articular a esse campo da pesquisa,
aquele da sade mental. Trabalhvamos em hospitais, postos de sade,
instituies jurdicas, participvamos de projetos de criao de CAPS ou os
supervisionvamos, assim como do movimento da luta anti-manicomial
que ganhava cada vez mais espao, e supnhamos a possibilidade de
instrumentalizar clinicamente o trabalho institucional sem abrir mo do
que orienta, de forma mais radical, a relao de cada clnico com a causa
freudiana. Poder orientar projetos norteados por isso era, e ainda , um
grande desafio.
preciso levar em conta o fato de que a psicanlise pensa o sujeito, em
sua raiz mesma, como social, como tendo sua constituio articulada ao
plano social (ELIA, 2004, p.38), e que o faz de modo positivo, ou seja,
de modo a manter a positividade de sua concepo de sujeito do
inconsciente, sem o que deixaria de ser psicanlise e se diluiria em meio
polifonia da orquestra das concepes culturalistas de uma construo
social do sujeito, que o destitui precisamente de sua positividade como
sujeito do inconsciente (idem, p.22). s levando isso em conta que, por
consequncia lgica, estamos verdadeiramente sustentados nos
fundamentos da teoria psicanaltica e, ao mesmo tempo, demonstrando a
importncia da psicanlise como instrumento de interveno no campo
assistencial. Como observa por exemplo Sueli Minatti (2004) quando
relata seu trabalho numa instituio que acolhe pessoas com doenas
graves, preferencialmente crianas: no trabalho na instituio est a
psicanlise, representada, nesse contexto, pela psicanalista presente na
instituio e, sobretudo, pela teoria psicanaltica, que possibilita um
movimento dialtico entre o fato e o relato do fato (Idem:22). Como
psicanalista representando a psicanlise na instituio e,
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sobretudo, pela teoria psicanaltica, deve-se ento, nesse campo, fazer
valer o que h de mais genuno no cidado: sua prpria subjetividade,
determinada como pelas leis da linguagem, pelo inconsciente, pela
diviso subjetiva.
A nfase
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trabalho de ambulatrios em diversas instituies, desde as religiosas, as
jurdicas (escolas para menores em conflito com a lei, manicmios
judicirios, assistncia a juzes em questes familiares e de adoo),
escolas, postos de sade; o discurso psicanaltico e o psiquitrico em
unidades de atendimento psiquitricas, em residncias teraputicas; o que
pode a psicanlise na clnica das deficincias? (deficincias fsicas,
debilidade mental); a psicanlise na assistncia ao idoso em instituies.
O ttulo de uma dissertao resume bem a questo e a aposta: Misria
neurtica ou desejo indito, por onde escolhemos transitar? Construes
com uma populao de baixa renda, de Daniela Goulart Pestana,
defendida em julho de 2003, sob orientao da Professora Doris Rinaldi.
Texto no qual cada cidado, independente de sua posio scio-
econmica, pode ser tomado como sujeito, construir algo em seu
tratamento que o assegure desse lugar de sujeito, a partir da
possibilidade que a psicanlise oferece de que ele advenha de um desejo
indito, na contramo da posio queixosa de uma misria que, por mais
que seja muitas vezes social e econmica acaba por imiscuir-se na
neurose que cristaliza, por sua vez, a misria5.
Dos vrios projetos de pesquisas desenvolvidos pelos docentes que
abordam essas questes, diversos artigos vm sendo publicados em
revistas especializadas e dois dos livros organizados pelo Programa so
totalmente dedicados a elas: Psicanlise, Clnica e Instituio, Alto, S. e
Lima, M. M. (orgs), Rio de Janeiro, Rios Ambiciosos, 2005 e Psicanlise e
Sade Mental: uma aposta, Alberti, S. e Figueiredo, A. C. (orgs.), Rio de
Janeiro, Companhia de Freud, 2006. O primeiro resulta da reunio de uma
srie de artigos produzidos por nossos professores e alunos sobre a clnica
psicanaltica na instituio e o segundo o produto das elaboraes que
se seguiram ao evento Psicanlise e psicoterapia no campo da sade
mental, organizado por nosso Programa em parceria com o Programa de
Ps-graduao em Psicologia Clnica da PUC/Rio e com o IPUB/UFRJ6.
Na Apresentao' desse ltimo lemos que a proposta que deu origem ao
livro teve como objetivo principal
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sade mental e teoria da clnica em psicanlise. Privilegiaremos a insero
do dispositivo psicanaltico no campo da ateno psicossocial, campo esse
que se constituiu a partir da reforma psiquitrica brasileira.
A reforma psiquitrica brasileira reconfigurou o quadro da assistncia em
sade mental no Pas, ao colocar em questo os tradicionais dispositivos
de tratamento da loucura, construindo novos dispositivos de assistncia.
Ao problematizar a hegemonia do saber mdico nesse campo, ela abriu
espao para a construo de novas formas de abordar o sofrimento
psquico, propondo um trabalho multidisciplinar que reorienta a prtica
clnica nos servios pblicos de sade. A luta pela cidadania do louco
constitui-se como a sua principal bandeira, dando a este movimento um
carter poltico que marca as reformulaes no mbito das polticas
pblicas e das instituies, tendo seus efeitos sobre a clnica propriamente
dita. O campo da ateno psicossocial caracteriza-se por diferentes
orientaes; desde aquelas que, oriundas da psiquiatria democrtica
italiana, privilegiam a dimenso poltica, propondo uma supresso da
clnica em prol do cuidado, at aquelas que retomam a clnica, seja
incorporando os procedimentos de ateno psicossocial, passando a
design-la como clnica ampliada, clnica do cotidiano e clnica do sujeito,
onde se faz notar, nesta ltima, a presena do discurso psicanaltico
(RINALDI, 2005).
Certa tenso necessria entre clnica e poltica, percebida em nossas
pesquisas e j apontada por vrios estudiosos, percorre este campo.
Falamos de uma tenso necessria porque no pode ser de outro modo:
de um lado temos a poltica pblica de sade mental, que sustenta a
reforma no mbito das instituies, atravs do estabelecimento de uma
srie de normas gerais que definem objetivos, competncias e formas de
gesto, e, de outro, o trabalho efetivo que a equipe de cada servio
desenvolve com a populao assistida, que no pode desconsiderar a
singularidade de cada sujeito que busca tratamento em virtude de
sofrimento psquico grave. nessa esfera que a clnica encontra o seu
lugar. A tenso entre esses dois aspectos muitas vezes toma o caminho
da tentativa de eliminao de um dos plos, principalmente do plo da
clnica, a partir de uma crtica ao paradigma psiquitrico tradicionalmente
segregador e excludente, que leva de roldo outras orientaes clnicas.
Ou ento uma reduo da clnica a procedimentos de reabilitao
psicossocial, normatizadores e pedaggicos. Contudo, as pesquisas que se
debruam sobre a prtica clnica com a psicose e com as neuroses graves
nas novas instituies de sade mental evidenciam de diversas formas
que no possvel sustentar uma poltica de incluso e reinsero social
de uma populao tradicionalmente excluda do lao social, se no
empreendermos um trabalho singular com cada sujeito, que leve em
considerao a sua forma particular de se enderear ao Outro.
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nessa dimenso que a teoria da clnica em psicanlise tem uma
contribuio importante a dar, ao precisar o conceito de sujeito a partir
dos ensinamentos freudianos, como correlativo do conceito de
inconsciente. Quando nos referimos clnica do sujeito para essa
dimenso que estamos chamando a ateno, o que nos leva a tomar a
sua fala no apenas no registro da doena ou da demanda de assistncia,
mas como ndice de sua condio subjetiva. Dar voz aos pacientes,
proposta poltica da reforma que visa subverter a tradicional ordem
mdica, onde o saber est no mdico e a ignorncia no doente, pode ser
tomada, assim, sob este outro vis da clnica do sujeito, fundada em uma
tica do desejo, que , sobretudo, uma tica da diferena (RINALDI,
1999). Sustentar a clnica na instituio nessa perspectiva tica que no
a da moral assistencialista que j sabe de antemo o que melhor para
o sujeito pode ser pensado tambm como uma proposta poltica, na
medida em que introduz um fator que no pode ser desconsiderado o
fator sujeito em um processo que pretende reconstruir as formas de
assistncia pblica sade mental, a partir de outros paradigmas.
Partimos da hiptese de que o trabalho no campo da sade mental
fundamentalmente um trabalho clnico e no h clnica psicanaltica que
no se fundamente na teoria da clnica. Suas bases j se encontram nos
textos tcnicos e nos casos clnicos de Freud e, ao longo dos ltimos cem
anos, a maior parte dos autores, das mais diferentes escolas
psicanalticas, contribuiu para o debate da teoria da clnica. No podemos
esquecer, alm disso, as recomendaes de Freud feitas em 1918 no
Congresso de Budapeste7, em que chama a ateno para a urgncia de
expanso da oferta da psicanlise para as camadas mais pobres da
populao, inicialmente atravs de instituies privadas, mas sobretudo
como um dever do Estado, atravs de instituies pblicas. Nesse sentido,
o trabalho clnico dos psicanalistas nesse campo tem tambm uma
dimenso poltica.
Vivemos atualmente um momento de mximo risco frente ao
recrudescimento impressionante da foracluso do sujeito! Diante do que
no temos outra sada seno fortalecer nossa prtica com atos que se
sustentem em nossa teoria, nossa formao de psicanalistas e nossa
consequente particularidade tica, ao contrrio do que se pensava antes,
de que preciso adapt-las ao discurso mdico para se fazer ouvir. A
formao permanente dos profissionais da sade mental
imprescindvel e atualmente ainda insuficiente na gerao de novas
posturas ticas, de um novo posicionamento e abertura diante daquele
que padece de grande sofrimento psquico como observam tambm
Furtado, J.P. e Campos, R.O. (2005, p.114) ao analisarem o campo em
que se inscreve atualmente a Reforma Psiquitrica no Brasil. A
contribuio da universidade, ao voltar suas atividades de pesquisa para
este campo, , nesse sentido, inestimvel.
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Conclumos que a finalidade do Programa de Ps-graduao em
Psicanlise do Instituto de Psicologia da UERJ expressa no incio deste
artigo como sendo a de oferecer sustentao de pesquisa para o trabalho
clnico da psicanlise no campo da sade mental, pelo que pudemos
verificar no levantamento que realizamos, est bem atendida tanto no que
tange s dissertaes produzidas (mais de 50%), quanto nos textos
publicados pelo corpo docente e discente que divulgam a preocupao do
Programa em articular psicanlise e sade mental, no s em peridicos
como tambm em livros por ns realizados. Ao mesmo tempo, se pode
verificar atravs da mesma percentagem, que o Programa no se
restringe a essas pesquisas, tendo aberto um leque bastante largo para
outras questes, tanto em dissertaes quanto em projetos de tese j
que h dois anos tambm contempla candidatos a doutorado. Tal
abertura, assim como seu peso em termos de produo, ou seja, em
quantidade de dissertaes defendidas, no deixou de nos surpreender!
Os temas os mais diversos, todos de alguma forma articulados com a
clnica psicanaltica, a teoria da clnica ou, at mesmo, em alguns casos,
mais puramente tericos, merecem igualmente a ateno nesse momento
em que estamos comemorando nossos primeiros dez anos de
funcionamento. Por que houve quase cinquenta por cento de dissertaes
defendidas que no abordam explicitamente aquela finalidade de se
procurar associar, na medida do possvel, as questes-objeto de pesquisa
em nosso campo com problemas socialmente relevantes, fazendo com que
a produo e o avano obtidos atravs das atividades de pesquisa
retornem ao corpo social concreto interessado nessas questes, como se
l na Proposta do Programa? A resposta a essa questo est articulada s
outras finalidades do Programa igualmente aqui explicitadas, pois
certamente essas outras dissertaes dizem respeito a se tomar como
tema-objeto de pesquisa questes relevantes do campo da Psicanlise,
questes que venham exigindo ateno por parte dos pesquisadores deste
campo de modo a possibilitar a produo de saber necessria ao seu
avano e s suas possveis solues (cf. Proposta do Programa), ou seja,
testemunha que nosso Programa efetivamente se inscreve na histrica
relevncia que a universidade tem para a psicanlise desde seus
primrdios, dando abertura para o tratamento das mais diversas questes
na interlocuo entre psicanlise e universidade, em particular a das
conexes da psicanlise com a cincia e com a cultura e a arte, pilares
que Freud (1927/2009, p. 169-172) e Lacan (1953/1998, pp. 288-290) j
haviam constitudo como grandes eixos de interlocuo da psicanlise na
universidade. Podemos dizer, ento, que isso lastreia o prprio trabalho
que fazemos de pesquisar os problemas socialmente relevantes a partir
das contribuies que a psicanlise a eles pode trazer porque a psicanlise
com a qual trabalhamos suficientemente consistente para abordar
quaisquer temas, at mesmo aqueles que dizem respeito sua teoria. Ao
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mesmo tempo, o fato de sustentarmos pesquisas que dizem respeito
psicanlise mas que no so necessariamente voltadas para os problemas
socialmente relevantes e cujas temticas vo desde as contribuies da
matemtica psicanlise at a feminilidade, para citar somente duas ,
identifica excees que acabam por confirmar a regra: o tema mais
desenvolvido nas pesquisas do Programa articula psicanlise e problemas
socialmente relevantes.
Referncias Bibliogrficas
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Notas
*
Pesquisadora do CNPq; Psicanalista Membro de Interseco Psicanaltica do Brasil. a
atual Coordenadora do Programa de Ps-graduao em Psicanlise da UERJ.
**
Pesquisadora do CNPq; Psicanalista Membro da Escola de Psicanlise dos Fruns do
Campo Lacaniano. Foi a primeira Coordenadora do Programa de Ps-graduao em
Psicanlise da UERJ
1
Deliberao do Programa de Ps-graduao em Psicanlise do IP/UERJ.
2
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544
ISSN: 1808-4281
ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 9, N.2, P. 533-545, 2 SEMESTRE DE 2009
http://www.revispsi.uerj.br/v9n2/artigos/pdf/v9n2a18.pdf
5
Cf., por exemplo, A Estria do Severino e a Histria da Severina, de ANTONIO DA
COSTA CIAMPA, publicado pela Civilizao Brasileira (1990).
6
II Simpsio do Programa de Psicanlise do Instituto de Psicologia da UERJ - Simpsio
Nacional de Psicanlise e Psicoterapia no campo da Sade Mental (UERJ/IPUB/PUC-RJ),
de 31 de agosto a 3 de setembro de 2005.
7
A conferncia pronunciada por Freud nesse Congresso foi publicada em 1919 com o
ttulo Linhas de progresso na terapia psicanaltica.
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ISSN: 1808-4281
ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 9, N.2, P. 533-545, 2 SEMESTRE DE 2009
http://www.revispsi.uerj.br/v9n2/artigos/pdf/v9n2a18.pdf