O documento discute como a cultura pode abrir furos no futuro, resistindo à repetição de catástrofes. A utopia é vista como uma função essencial da cultura, questionando imagens instituídas e abrindo espaço para novos conceitos. No entanto, na era da cultura do dinheiro e do consumo, torna-se difícil manter a dimensão do ideal compartilhado.
O documento discute como a cultura pode abrir furos no futuro, resistindo à repetição de catástrofes. A utopia é vista como uma função essencial da cultura, questionando imagens instituídas e abrindo espaço para novos conceitos. No entanto, na era da cultura do dinheiro e do consumo, torna-se difícil manter a dimensão do ideal compartilhado.
O documento discute como a cultura pode abrir furos no futuro, resistindo à repetição de catástrofes. A utopia é vista como uma função essencial da cultura, questionando imagens instituídas e abrindo espaço para novos conceitos. No entanto, na era da cultura do dinheiro e do consumo, torna-se difícil manter a dimensão do ideal compartilhado.
O documento discute como a cultura pode abrir furos no futuro, resistindo à repetição de catástrofes. A utopia é vista como uma função essencial da cultura, questionando imagens instituídas e abrindo espaço para novos conceitos. No entanto, na era da cultura do dinheiro e do consumo, torna-se difícil manter a dimensão do ideal compartilhado.
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Furos no futuro: Utopia e cultura
Edson Luiz Andr de Sousa
O fenmeno completamente diferente para aquele que o olha de costas. Walter Benjamin 1 Como algum poderia encontrar as palavras para descrever um pesadelo !ac" #ondon $ %or ve&es' o futuro se apresenta como uma nvoa o(scura co(rindo os sonhos com a fuligem do funcionamento da m)quina social e as compuls*es repetitivas da hist+ria. ,nco(re assim' uma das categorias mais essenciais da vida- a esperan.a. /iante deste cen)rio' das aglomera.*es das coisas havidas o(struindo totalmente as categorias do futuro 0 ' nosso desafio sa(er como a(rir furos neste vu do amanh1. Os dois acordes iniciais do te2to nos e2igem um despertar. Benjamin su(linha que a posi.1o do espectador constitutiva do campo do olhar' o que significa di&er que o territ+rio que constitu3mos depende da posi.1o em que nos colocamos para desenh)4lo e' evidentemente' dos instrumentos conceituais' hist+ricos' su(jetivos' culturais' pol3ticos que temos 5 m1o para o es(o.o desta geografia. 6 por esta ra&1o que 7ilton 8antos em seu cl)ssico livro A natureza do espao categ+rico ao di&er que s+ podemos pensar o espa.o como um conjunto indissoci)vel de sistemas de o(jetos e de sistemas de a.*es 9 . :ssim' muitas ve&es espa.os distintos se apresentam como ilusoriamente homog;neos. 6 dif3cil reconhecer isto' sa(emos' pois s1o muitas as estratgias de camuflar a diferen.a so( o vu das (oas inten.*es e so( o manto dos conceitos fero&es que devoram com apetite as impure&as que marcam as diferen.as. <unca demais prestar aten.1o ao alerta l=cido de #e&ama #ima' ao mostrar o quanto o poder das imagens costura semelhan.as produ&indo o que ele nomeia como voracidade das formas > . 7uitas destas formas funcionam em nossos tempos como circuitos pulsionais ativados pela pressa da produ.1o' pela necessidade de ampliar o 1 espectro de consumidores' pela sede de poder que inunda nossos esp3ritos confusos com promessas' culpas e d3vidas. ,stas duas =ltimas se multiplicam quando n1o conseguimos responder 5s imagens ideais que nos s1o propostas pela m)quina do funcionamento social. Como podemos tocar a dor?espa.o do outro quando algumas imagens pertur(am meu sono <este ponto n1o podemos esquecer o gesto da senhora @erdurin que sofria de en2aquecas porque n1o tinha mais seus croissants' efeitos para ela desastrosos da %rimeira Arande Auerra. Conseguiu ent1o uma receita e ao sa(orear o primeiro depois de tanta a(stin;ncia a(re o jornal e se depara com a noticia do naufr)gio de um navio (ritBnico afundado por um su(marino alem1o. %roust leva sua personagem ao e2tremo nos alfinetando com uma refle21o so(re fronteiras- ,nquanto mergulhava o croissant dentro do caf com leite e dava petelecos em seu jornal para que pudesse ficar (em a(erto sem que tivesse necessidade de retirar a outra m1o do p1o&inho molhado' di&ia- Cue horror' isto ultrapassa em horror as mais pavorosas tragdias. 7as a morte de todos aqueles afogados devia lhe parecer redu&ida a um milsimo' pois' com a (oca cheia' fa&endo aquelas refle2*es desoladas' a e2press1o que so(renadava em seu rosto' causada provavelmente pelo sa(or do croissant' t1o precioso contra a en2aqueca' era mais a de uma doce satisfa.1o D . : senhora @erdurin est) em muitos lugares e fundamental a reconhecermos tam(m dentro de n+s mesmos. :ssim' quem sa(e' podemos entender um pouco mais so(re nossa indiferen.a' nossa neglig;ncia' nossa dificuldade de entender a dor do outro. :s estratgias defensivas turvam nossa vis1o e' por ve&es' nada melhor do que ir dormir e sonhar com outros mundos para esquecer' ou ent1o fechar os olhos e cantar uma can.1o qualquer e nos distrair com outras imagens. ,sta vari)vel psicol+gica' por ve&es negligenciada na esfera do pensamento' n1o pode ser esquecida' pois do seu reconhecimento que podemos tam(m construir &onas de resist;ncia. :postamos' claro' no pequeno ru3do que fica' no resto depois da cat)strofe' na inquieta.1o da alma que n1o se contenta com o croissant. %recisamos do compromisso tico de testemunhar aquilo que somos capa&es de ver. %or isto que 8igmund Ereud tem toda ra&1o ao lem(rar que quando o caminhante canta na $ escurid1o' recusa seu estado de ang=stia' mas n1o por isso pode ver mais claramente F . : ang=stia' neste ponto' pode nos ajudar a ver' so(retudo porque introdu& a dimens1o da d=vida' do n1o sei' es(uraca as imagens potentes do que claro e esta(elecido. : ang=stia funciona' portanto' como motor de novas imagens nos o(rigando a um tra(alho de entendimento daquilo que vemos e que n1o ca(e mais em nossas categorias conceituais. %recisamos ver e assim resistir 5 cegueira que tenta diluir algumas fronteiras. <a verdade' a dilui.1o de fronteira pode ser uma forma de conquista hegemnica drenando para o espa.o do outro a e2ata medida de seus meridianos e paralelos. : hist+ria nos mostra a cat)strofe destas estratgias de domina.1o e que vai dos planos dos reis conquistadores ao dogma de algumas religi*es que nunca toleraram o /eus do vi&inho. O esfor.o de entendimento deste cen)rio o que indica !ac" #ondon com o segundo acorde inicial deste te2to. Cue palavra e2pressa' portanto' este pesadelo :qui perce(emos o compromisso maior com a narra.1o' com o esfor.o de transmiss1o' descri.1o do que vemos' do que sentimos' do que sonhamos. : pergunta de #ondon j) nos coloca de antem1o diante de um desencontro entre pesadelo e palavra. G) algo que e2cede no pesadelo Huma dimens1o traum)ticaI e que a palavra em seu esfor.o her+ico tenta recuperar. Contudo' esta insufici;ncia n1o deve ser tomada como desqualifica.1o da nomea.1o da cena' pelo contr)rio' o em falta da palavra que nos o(riga a continuar (uscando sempre um contorno mais preciso do pesadelo. : cultura' neste ponto' deveria vir justamente para acionar as fissuras destas (rechas discursivas. :li)s' neste ponto preciso que vamos poder situar a fun.1o das utopias como uma espcie de furo no plano dos conceitos e imagens institu3das' a(rindo portanto a possi(ilidade de novos conceitos e novas imagens. : utopia instaura um outro tipo de contato acionando uma compreens1o que vem plena de esperan.a' de inven.1o' recusando a repeti.1o das cat)strofes' a que assistimos passivos e resignados. : utopia aqui pensada como marca maior da fun.1o da cultura' ou seja' aquela que ainda sa(e cultivar o solo e que' mesmo que possa planejar o plantio' n1o sa(e e2atamente qual ser) o contorno e a dimens1o da colheita. 8e op*e portanto aos que preferem n1o ver' j) que' como di& 7)rio %ei2oto' a vista das coisas profunda demais para t1o pequeno contato J . Ea&er contato a fun.1o fundamental da cultura' ou seja' esta(elecer e organi&ar para um determinado coletivo uma heran.a compartilhada e um patrimnio de hist+ria' de s3m(olos mas so(retudo de ideais. %erder a dimens1o do ideal compartilhado' dentro desta 0 perspectiva' seria perder um dos tra.os mais fundamentais de uma cultura. %ortanto' a utopia es(uraca o opacidade dura das prescri.*es morais' dos programas partid)rios' dos manuais do (om consumidor e so(retudo interroga o ufanismo raivoso e sedutor do tecnicismo delirante que regula finalmente Hou quer regularI as formas do viver. Contra a (urocrati&a.1o do amanh1 K ' institu3da para todos' por ve&es lutamos com pequenas espadas onde criamos pequenos manuais de conduta H(urocracias menores disfar.adas de li(erdadeI' acreditando que esta pequena cria.1o possa nos salvar do a(ismo maior. <os vemos diante da cena pattica do sujeito que pensa reagir 5 coa.1o violenta da imagem imposta goela a(ai2o simplesmente comprando o produto do concorrente' j) que n1o tolera ficar sem nada. :ssim' sua pressa em consumir Hmesmo a culturaI lhe dei2a e2austo' su(traindo4lhe a chance de indagar so(re a l+gica e o ritmo do funcionamento desta m)quina. Walter Benjamin neste ponto vision)rio' de certa forma' quando aponta a deriva que a infla.1o da informa.1o produ& no tempo e condi.1o da narra.1o. <omeia este movimento como empo(recimento radical da e2peri;ncia' j) que as hist+rias que nos representam escapam como os gr1os de areia na m1o quando a mar da cultura do dinheiro nos restringe o hori&onte. ,sta onda foi muito (em analisada por Eredric !ameson em seu ensaio A cultura do dinheiro' onde podemos encontrar a pulsa.1o de imagens na rede de eroti&a.1o do consumo.
!) disse que as quest*es culturais tendem a se propagar para as econmicas e sociais. @amos considerar primeiramente a dimens1o econmica da glo(ali&a.1o' dimens1o esta que parece sempre estar se e2pandindo para todo o resto- controla as novas tecnologias' refor.a os interesses geopol3ticos' e' com a p+s4modernidade' finalmente' dissolve o cultural no econmico L e o econmico no cultural. : produ.1o das mercadorias agora um fenmeno cultural' no qual se compram os produtos tanto por sua imagem quanto por seu uso imediato. 8urgiu toda uma ind=stria para planejar a imagem das mercadorias e as estratgias de venda- a propaganda tornou4se uma media.1o fundamental entre a cultura e a economia 1M . 9 :qui podemos pensar nesta tens1o entre as imagens necessrias que d1o aos sujeitos um sentido de hist+ria' uma heran.a compartilhada' um territ+rio comum de esquecimentos e desejos' de sonhos compartilhados que produ&em coletivos potentes e imagens aleatrias' vindas de qualquer lugar e que se imp*em pela for.a er+tica e ret+rica da m)quina de convencimento' produ&indo novos coletivos com fronteiras curiosas entre os que t;m e os que n1o t;m acesso a tais privilgios. O preocupante' na verdade' n1o tanto a presen.a de tais imagens de consumo instantBneo mas a for.a de destrui.1o que aca(am produ&indo so(re as e2peri;ncias que nos singulari&am. :ssim' chegamos' na +tica de Walter Benjamin' a um novo tempo de po(re&a. Goje' ainda mais claro este cen)rio do que h) setenta anos' quando Benjamin escreveu este pequeno artigo. : apatia cr3tica' a resigna.1o generali&ada diante da for.a do mercado' e principalmente o descrdito na pot;ncia das utopias' categoria esquecida e desacreditada no de(ate de idias' j) que tornou4se um adjetivo =til para desqualificar uma a.1o' desenham um cen)rio de desola.1o. %ensar hoje esta economia de imagens' este imperativo do go&o instantBneo que sacrifica patrimnios culturais est) na ordem do dia. ,ste cen)rio vai desde prdios hist+ricos destru3dos para virarem estacionamentos rotativos' a desola.1o do de(ate pol3tico e de idias arquitetado por um mar"eting calculado. Necentemente' estive visitando o que so(rou da srie de casas?far+is que o grande artista e arquiteto (rasileiro Elavio de Carvalho construiu em 81o %aulo' esp3rito vision)rio que tanto marcou a cultura visual de nosso pa3s. /a srie de casas pouco so(rou- nenhum registro' nenhuma marca no te2to da cidade para que os que chegam possam ali encontrar hist+ria. Orago este e2emplo' entre de&enas que poderia mencionar' pois estas casas foram praticamente os =nicos projetos arquitetnicos efetivamente constru3dos dos in=meros que props. :li' na :lameda #orena' no cora.1o da cidade' algumas ru3nas das casas' redesenhadas por outros arquitetos de plant1o organi&ando os espa.os do comrcio e implodindo os espa.os da hist+ria. <a loja de tintas ningum sa(ia a hist+ria do prdio' no restaurante japon;s ainda podia4se ver os recortes retangulares na parede lateral como o ra(isco que resiste ao apagamento' e no caf high4life podia4se ao menos comer distra3do um croissant como a senhora @erdurin. : =nica placa que encontrei fa&ia palavras cru&adas no p)tio interno da casa' uma senhora de mais de JM anos' que me contou um pouco da hist+ria destas casas. ,ste o cen)rio?desafio que temos pela frente. Benjamin nos alerta so(re o que ele chama uma nova (ar()rie- > %ois qual o valor de todo o nosso patrimnio cultural' se a e2peri;ncia n1o mais o vincula a n+s : horr3vel mi2+rdia de estilos e concep.*es do mundo do sculo passado mostrou4nos com tanta clare&a aonde esses valores culturais podem nos condu&ir' quando a e2peri;ncia nos su(tra3da' hip+crita ou sorrateiramente' que hoje em dia uma prova de honrade& confessar nossa po(re&a. 8im' prefer3vel confessar que essa po(re&a de e2peri;ncia n1o mais privada' mas de toda a humanidade. 8urge assim uma nova (ar()rie 11 . <este ponto o pr+prio El)vio de Carvalho nos desenha um hori&onte de refle21o mostrando o quanto a cria.1o anda de m1os dadas com a utopia quando inscreve um movimento de contraflu2o diante do institu3do como senso comum. 6 cl)ssica sua e2peri;ncia de ter decidido caminhar no contraflu2o de uma prociss1o em 81o %aulo em 1K01 para entender e provocar o princ3pio de movimento da massa. ,sta e2peri;ncia' que quase terminou tragicamente' pois El)vio de Carvalho quase foi linchado pela massa de fiis enfurecida' funciona como paradigma da interroga.1o que se fa& necess)ria para que possamos entender minimamente para onde estamos indo e o que levamos nas m1os e no esp3rito 1$ . : utopia cumpre esta fun.1o de contraflu2o' de anteparo de nossas certe&as' es(uracando a e2cessiva naturali&a.1o com a qual vestimos os acontecimentos. : utopia' portanto' suspende os falsos destinos que vestimos como forma de anestesiar o que temos de mais precioso' nossa responsa(ilidade diante da vida e do amanh1. : utopia como um furo de imagem foi equivocadamente He ainda I lida como prescritiva' anunciando as formas ideais e finalmente o segredo da felicidade compartilhada. Arande equ3voco. Oodos os grandes utopistas nunca pretenderam o lugar de deuses. Os te2tos ut+picos nada mais s1o que fic.*es que (uscam simplesmente pela for.a da imagina.1o a(rir uma ferida cr3tica nas paisagens de nosso tempo. %retendiam' portanto' provocar suas pocas com pensamentos e assim a(rir novas fronteiras para a imagina.1o e a responsa(ilidade diante da hist+ria. Ohomas 7orus e sua Ptopia' Oommaso Campanella e sua Cidade do 8ol' Erancis Bacon e sua :tlBntida e tantos outros materiali&aram em te2to o que ,rnst Bloch nomeia como %rinc3pio ,speran.a 10 . ,speran.a cr3tica que para sonhar para frente precisa conhecer minimamente alguns princ3pios de funcionamento da m)quina social. D
: utopia' nesta perspectiva' tem muito mais uma dimens1o de su(tra.1o de um e2cesso de imagens e de sentido' e2atamente como na interpreta.1o psicanal3tica' suspendendo as certe&as do sujeito' do que prescrevendo novos c+digos de conduta e projetos de felicidade. Oomar a utopia como revela.1o da verdade uma espcie de recusa ao compromisso que cada um tem com sua imagina.1o. <este sentido' recusar o te2to ut+pico implica sucum(ir resignadamente aos te2tos que j) vivemos e assinamos em(ai2o muitas ve&es sem sa(er. :qui encontramos a cat)strofe anunciada por Walter Benjamin quando a vincula com a e2peri;ncia da repeti.1o- Cue as coisas continuem como antes' eis a cat)strofe 19 . 8a(emos o quanto a sede de poder fe& de algumas utopias um maquin)rio cruel' autorit)rio' dogm)tico. : utopia que nos interessa n1o aquela que sa(emos' mas justamente aquela que ainda n1o sa(emos e que precisamos inventar. <este ponto' voltamos novamente a !ameson' que enfati&a que o te2to ut+pico a(re uma espcie de negativo' de su(tra.1o' nos confrontando com alguns desertos de imagina.1o que cultivamos. <este deserto a utopia seria como colocar um pouco de )gua na m1o e assim produ&ir um oceano e depois uma margem como surpreendentemente anuncia o poeta argentino !uan Aelman- n1o ponha )gua em sua m1o porque vir) o oceano e a margem depois 1> 6 com esta margem que construiremos outras fronteiras para o pensamento' aquela que parte do pressuposto de que todo ato criativo um ato ut+pico 1D . %ara !ameson a utopia vale por aquilo que revela so(re o nosso em falta com a hist+ria. O te2to ut+pico' de alguma forma' poderia apontar para as espcies de fronteiras que n1o nos dei2am transitar. <1o se trata portanto de anunciar o sonho que falta' mas so(retudo indicar o fracasso do sonho que cultivamos Hpor ve&es' e2atamente' o sonho de consumoI.@ejamos o que di& so(re este ponto- : voca.1o da utopia o fracassoQ o seu valor epistemol+gico est) nas paredes que ela nos permite perce(er em torno das nossas mentes' nos limites F invis3veis que nos permite detectar' por mera indu.1o' a lama da poca presente que se gruda nos sapatos da Ptopia alada' imaginando que isso a pr+pria for.a da gravidade. Como nos ensinou #ouis 7arin em seu Utopiques, o te2to ut+pico realmente nos d) a v3vida li.1o daquilo que n1o podemos imaginar- s+ que n1o o fa& pela imagina.1o concreta' mas sim por meio dos (uracos no te2to' que s1o a nossa pr+pria incapacidade de ver alm da poca e suas conclus*es ideol+gicas 1F . Litoral e rasuras :t este ponto podemos perce(er dois movimentos poss3veis em rela.1o 5s fronteiras do pensamento. %or ve&es' apagar fronteiras a(re a possi(ilidade do trBnsito' do nomadismo' da imagina.1o. ,sta perspectiva revela tam(m o artificialismo de algumas fronteiras que demarcam linhas em espa.os muitas ve&es homog;neos e cont3nuos. ,sta uma discuss1o comple2a principalmente dentro do espectro das fronteiras dos estados nacionais e a qu3mica da hist+ria e cultura que nem sempre funcionam a partir de uma geografia pol3tica. Gomi Bha(ha analisa com rigor esta quest1o so(retudo no cap3tulo /issemina.1o- o tempo' a narrativa e as margens da n1o moderna 1J . !oga ali' de forma provocadora' com a idia de uma na.1o disseminada Hdisseminao)' ou seja' dilu3da em outras espcies de fronteiras. 8e o pensamento e uma hist+ria cultural compartilhada fa&em la.o social' n1o e2atamente o carim(o em meu passaporte que marca a diferen.a com meu vi&inho. <1o precisamos ir muito longe' (asta pensar em alguns povos sem na.*es institu3das e reconhecidas para que a quest1o adquira sua pot;ncia de pro(lema. %or outro lado' h) tam(m uma apagamento de fronteira que pertur(a quando o que apagado justamente o que constitui o coletivo. ,ste ponto j) foi mencionado anteriormente' quando lem(rado o tr)gico da destrui.1o dos s3m(olos e marcas discursivas que constituem a hist+ria de uma comunidade. :qui a fronteira a(erta tem a fun.1o de fa&er penetrar outras imagens ativadoras de movimento e' com a melhor das (oas inten.*es' implodir focos de resist;ncia cultural. Nefiro4me aqui' por e2emplo' a uma certa ind=stria cultural ativada como estratgia de poder' de universali&a.1o do gosto' de anestesiamento J da diferen.a j) que o mercado unificado facilita o preenchimento das planilhas de conta(ilidade do consumo. <1o se pode esquecer neste ponto a voracidade de um imperialismo cultural que reatuali&a sempre a discuss1o de princ3pios so(re as estratgias de compartilhamento de heran.as culturais. Claro que este compartilhamento se d) na maior parte das ve&es como uma rua de m1o =nica- h) os que produ&em e os que consomem' h) os que pensam e os que repetem' h) os que mandam e os que o(edecem' h) os que vendem e os que compram' h) os patr*es e os empregados' h) os que vivem e os que morrem. Como j) mencionado' aqui que a economia encontra sua intersec.1o de (ase com a cultura.
Os ,stados Pnidos fi&eram um enorme esfor.o' desde o fim da 8egunda Auerra 7undial' para assegurar a domina.1o de seus filmes em mercados estrangeiros L isso foi conseguido' por via pol3tica' atravs da inclus1o de cl)usulas espec3ficas em tratados e pacotes de ajuda econmica 1K . O imprio da imagem funciona como foco e aglutinador de energia. :lgumas destas imagens implodem as utopias' pois n1o toleram serem contrariadas em sua hegemonia. Euncionam como ralos que a(sorvem a pot;ncia de muitos' os sonhos t3midos' o tempo de tra(alho' o suor sacrificial para manter o m3nimo e at mesmo o pra&er de viver. Rmagens4 monop+lio que se enrai&am no h=mus dos fantasmas $M ' nos fa&endo sentir desamparados sempre que surge alguma amea.a de perder tais imagens. ,m contraponto a esta l+gica' tam(m podemos encontrar imagens que nos despertam desta letargia e passividade ativando nossa imagina.1o' nossa capacidade de colocar (oas quest*es ao mundo e tentar compreender onde estamos. :qui a pequena imagem tam(m potente- o verso do poeta' a imagem do artista' o enredo do escritor' a refle21o do pensador' a palavra vulc1o pode acionar uma verdadeira revolta do pensamento. %ortanto' seria preciso talve& pensar as fronteiras a partir dos movimentos poss3veis no trBnsito entre estes territ+rios. /entro desta perspectiva' claro' a fronteira pensada em sua condi.1o de passagem. 6 curioso o ponto de partida de !acques #acan em rela.1o a este ponto quando di& que a fronteira' com certe&a' ao separar dois territ+rios' sim(oli&a que K eles s1o iguais para quem a transp*e' que h) entre eles um denominador comum $1 . 6 neste mesmo te2to Lituraterra que #acan indica uma diferen.a que pode nos ajudar em nossa refle21o. #acan prop*e o termo litoral para marcar a radicalidade de um encontro de heterog;neos' j) que se trata de duas superf3cies distintas- mar e terra. : fronteira' como j) vimos' muitas ve&es institui uma diferen.a em espa.os homog;neos. ,ncontrar' portanto' alguns litorais implica uma radicalidade de identifica.1o de limites fundamentais para sa(ermos qual o ponto de partida que permite um contato efetivo com o outro' com a alteridade' com o estrangeiro. O litoral nos esclarece so(re a (orda de nosso sa(er' de nossa hist+ria' de nossas fantasias e' ousaria di&er' de nossas utopias poss3veis. O litoral resguardaria' assim' uma singularidade que fa& margem' construindo novas imargens. <este ponto' em(ora n1o mencione em seu te2to' #acan se apro2ima de Benjamin' j) que estas praias s1o constru3das a partir da condi.1o de narrar' de transmiss1o' cuja forma e2trema e su(lime seria justamente a literatura. #iteratura' como lem(ra #acan' na condi.1o de acomoda.1o de restos $$ . <a condi.1o de narrar encontrar3amos o valor maior da transmiss1o e chance para cada um de fa&er contato efetivo com sua e2peri;ncia. <enhuma e2peri;ncia pode ser regulada por uma tcnica e coordenada por um funcionamento de automatismos' efici;ncias limpas. G) necessidade' claro' de uma tcnica rasurada pelas d=vidas e inquieta com o futuro. : deriva tecnicista do espirito ut+pico preocupante. 7ilton 8antos analisa com rigor este mapa e reage de forma l=cida a estes novos imperativos metodol+gicos e muitas ve&es "af"ianos. Chama aten.1o o quanto uma determinada tcnica pode ser uma m)quina de destrui.1o do diferente e de e2clus1o de tudo que estrangeiro. @ivemos todos num emaranhado de tcnicas' o que em outras palavras significa que estamos todos mergulhados no reino do artif3cio. <a medida em que as tcnicas hegemnicas' fundadas na ci;ncia e o(edientes aos imperativos do mercado' s1o hoje e2tremamente dotadas de intencionalidade' h) igualmente tend;ncia 5 hegemonia de uma produ.1o racional de coisas e necessidadesQ e desse modo uma produ.1o e2cludente de outras produ.*es' com a multiplica.1o de o(jetos tcnicos estritamente programados que a(rem espa.o para essa orgia de coisas e necessidades que imp*em rela.*es e nos governam. Cria4se um 1M verdadeiro totalitarismo tendencial da racionalidade L isto ' desta racionalidade hegemnica' dominante L' produ&indo4se a partir do respectivo sistema certas coisas' servi.os' rela.*es e idias $0 . A burocratizao do amanh O amanh1 nos acossa. Oemos medo quando n1o sa(emos. %ortanto' o sa(er vem por ve&es legitimar a reclus1o que nos impomos diante do desconhecido. %ara nos defendermos n1o precisamos muito- (asta insistir na l+gica do ontem e assim confirmar que a continuidade dos princ3pios e dos funcionamentos legitima os ad)gios ontol+gicos de uma racionalidade insuflada pelas formas institu3das. Criar a(rir descontinuidades' interrup.*es neste flu2o do mesmo. <esta an)lise' a variante psicol+gica n1o pode aqui ser negligenciada' pois a passividade anda de m1os dadas com a triste&a que constata que tudo est) sempre t1o igual' e que h)' enfim' algum que pensa por n+s' que fa& por n+s' e o que pior ' que vive por n+s. <1o h)' portanto' revolta sem a alegria da inven.1o' sem o entusiasmo de compartilhar com o outro um sonho. : (urocrati&a.1o do amanh1 uma forma de controle do tempo. Oempo?cart1o ponto desenhando as rotinas que tanto preservamos e amamos. %or isto' a quei2a que dirigimos a estes flu2os s1o fragmentos de discurso amoroso. Controlar o tempo um dos instrumentos mais potentes da l+gica do poder. Oempo institu3do pela l+gica do mercado' do flu2o de valores de mercadorias' da velocidade das campanhas pu(licit)rias' defendendo so( o manto de uma teoria desenvolvimentista do progresso' a virtude da paci;ncia e da espera. ,ste cen)rio' como sa(emos' se mantm mesmo que poucos sejam os escolhidos e apare.am como a nata de um caldo aquecido pelo sacrif3cio de muitos. ,stes =ltimos' nos fa& crer esta l+gica de funcionamento' perderam a chance por pura incompet;ncia de viver deles pr+prios. ,sta uma condi.1o radical de cegueira que n1o nos permite' neste ponto' visuali&ar o litoral comentado antes. Cuando a cultura n1o consegue escrever minimamente 11 estes espa.os heterog;neos' de articula.1o cr3tica entre diferentes' perdemos a linha do hori&onte que nos indica uma dire.1o. Como lem(ra :lfonso 8astre- O pior inimigo da vida a homogeneidade. : cultura uma atividade que se op*e ao fato que nossa realidade se converte em uma sopa entr+pica. : entropia significa a desordem que a (ase da morte... O pensamento =nico e linguagem =nica s+ produ& rid3culos espantalhos $9 . : utopia ' portanto' uma espcie de freio no del3rio mimtico que padecemos. ,la vem opor a tend;ncia 5 repeti.1o. : utopia rompe com a pai21o da analogia ao propor um no lugar. : forma ut+pica' fundamentalmente' num primeiro momento coloca em cena um n1o ao presente. : utopia introdu& a categoria do poss3vel e por isso fa& fratura na hist+ria. <unca sa(emos at onde uma cultura que aposte no espirito ut+pico pode nos levar. O fundamental' na verdade' n1o antecipar este lugar' mas simplesmente compreender que sua fun.1o nos colocar em marcha e que possamos' como di&' ,rnst Bloch ultrapassar a o(scuridade do instante vivido. : consci;ncia ut+pica quer en2ergar (em longe' mas no fundo apenas para atravessar a escurid1o (em pr+2ima do instante que aca(ou de ser vivido' em que todo o devir est) 5 deriva e oculto de si mesmo $> . : utopia implode qualquer (urocracia pela sintonia que tem com o fa&er potico tanto na sua condi.1o de inven.1o de novas met)foras (em como He talve& seja este o ponto mais radicalI uma suspens1o de sentido que reativa a imagina.1o. %recisamos cada ve& mais de um pensamento potico que' uma ve& instaurado' produ&a efetivamente um fa&er pol3tico no sentido pleno da palavra. : produ.1o potica revigora a l3ngua' toca com coragem nos limites do di&3vel' contorna com determina.1o as fronteiras do informe' aceitando assim o desafio lan.ado por !ac" #ondon' de termos que narrar nosso pesadelo por mais dif3cil que seja. %rodu&' portanto' um pensar contra. :ssim (usca es(uracar o vu de cegueira que a racionali&a.1o e o tecnicismo contemporBneo nos imp*em. 1$ Gannah :rendt muito clara ao situar a (urocracia como uma das formas contemporBneas mais efica&es de domina.1o. Como ningum pode ser tomado como respons)vel' a (urocracia fica entregue ao dom3nio de <ingum. O dom3nio de <ingum claramente o mais tirBnico de todos' pois a3 n1o h) ningum a quem se possa questionar para que responda pelo que est) sendo feito. 6 este estado de coisas que torna imposs3veis a locali&a.1o da responsa(ilidade e a identifica.1o do inimigo' que est) entre as mais potentes causas da re(elde inquietude espraiada pelo mundo de hoje' da sua nature&a ca+tica' (em como da sua perigosa tend;ncia para escapar ao controle e agir desesperadamente $D . : confian.a e2agerada na tcnica' no sa(er fa&er' dei2ou o amanh1 de m1os cheias de regulamentos' de projetos de a.*es' de estatutos' de (ulas' de manuais de instru.*es. Com as m1os ocupadas com tantas prescri.*es' n1o foi poss3vel agarrar os vapores das novas idias. %ara ativarmos novas idias precisamos' portanto' de uma cultura da utopia. <este ponto talve& nos seja poss3vel encontrar o litoral mais fundamental de nossa humanidade j) que como lem(ra ,rnst Bloch no in3cio de sua trilogia so(re o %rincipio ,speran.a- : falta de esperan.a ' ela mesma' tanto em termos temporais quanto em conte=do' o mais intoler)vel' o a(solutamente insuport)vel para as necessidades humanas $F . 10 1
B,<!:7R<' Walter. Sarl Sraus in- SN:P8' Sarl. Cette grande poque' %etite Bi(liothTque Nivages' %aris' 1KKM' p. >M. $ #O</O<' !ac". ! pago' ,ditora /antes' Nio de !aneiro' $MMM' p.$$. 0 B#OCG' ,rnst. ! princ"pio esperana, #ditora Contraponto, $io de %aneiro, &''(, p. )* 9 8:<OO8' 7ilton. A natureza do espao' ,dusp' 81o %aulo' $MM$' p. $1. 5 #R7:' #e&ama. A dignidade da poesia' ,ditora Utica' 81o %aulo' 1KKD' p. 1$F D %NOP8O' 7arcel. +liade' Aallimard' %aris' Oomo RRR' pp. FF$40. F EN,P/' 8igmund. Rni(i.1o' 8intoma e :ng=stia' !,ras Completas' Oomo RRR' Bi(lioteca <ueva' 7adri' p. $J0K. J %,RVOOO' 7)rio. +oemas de permeio com o mar' :eroplano ,ditora' Nio de !aneiro' $MM$' p. D0. K @er 8OP8:' ,dson. : (urocrati&a.1o do amanh1. Nevista +orto Arte' %+s4Aradua.1o em :rtes @isuais PENA8' ,ditora da PENA8' %orto :legre' nW $9 Hno preloI. 1M !:7,8O<' Eredric. A cultura do dinheiro - ensaios so,re a glo,alizao' ,ditora @o&es' %etr+polis' $MM1. p. $$. 11 B,<!:7R<' Walter. ,2peri;ncia e %o(re&a in- !,ras #scolhidas. magia e tcnica, arte e pol"tica' ,ditora Brasiliense' 81o %aulo' 1KK9' p. 11>. 1$ /esenvolvi mais amplamente estas idias no te2to 7onocromos ps3quicos- alguns teoremas in- NR@,N:' Oania X 8:E:O#,' Wladimir. /o,re Arte e +sicanlise' ,ditora ,scuta' 81o %aulo' $MMD. 10 B#OCG' ,rnst. ! princ"pio esperana' ,ditora Contraponto' Nio de !aneiro' $MM>. 19 B,<!:7R<' Walter. +aris, capitale du 010 si2cle' Cerf' %aris' 1KJK' p. 9K1. 1> A,#7:<' !uan. : m1o in- 1sso' ,ditora da Pn(' Bras3lia' $MM9. 1D /esenvolvo amplamente esta refle21o no te2to %or uma cultura da Ptopia in- BO,OOCG,N' Claudia. Unicultura' ,ditora da PENA8' %orto :legre' $MM$. 1F !:7,8O<' Eredric. As sementes do tempo. ,ditora Utica' 81o %aulo' 1KFF 1J BG:BG:' Gomi. ! local da cultura. ,ditora da PE7A' Belo Gori&onte' 1KKJ. 1K !:7,8O<' Eredric. A cultura do dinheiro - ensaios so,re a glo,alizao' op. cit. p. $0. $M Nefer;ncia ao poema?te2to de Nen %asseron' %or uma poYan)lise' in- 8OP8:' ,dsonQ O,88#,N' ,lida- 8#:@POZS[' :(r1o. A in3eno da 3ida. arte e psicanlise' :rtes e Oficios' %orto :legre' $MM1' p. K. $1 #:C:<' !acques. Lituraterra. Outros ,scritos' !orge Zahar ,ditor' Nio de !aneiro' $MM0' p. 1J. $$ #:C:<' !acques' op. cit.' p. 1D. $0 8:<OO8' 7ilton. +or uma outra glo,alizao - do pensamento 4nico 5 consci6ncia uni3ersal' ,ditora Necord' Nio de !aneiro' $MMM' p. 1$J. $9 8:8ON,' :lfonso. Los 1ntelectuales 7 la utopia. ,ditorial /e(ate' 7adrid' $MM$' p. 90. $> B#OCG' ,rnst. +rinc"pio #sperana' op. cit.' p. 19D. $D :N,</O' Gannah. /o,re a 3iol6ncia. Nelume /umar)' Nio de !aneiro' 1KK9' p. 00. $F B#OCG' ,rnst. +rinc"pio #sperana' op. cit.' p. 1>.