I Encontro de Museus Universitarios - 1992 - 1

DO 0699378W
I EN ONTRO NACIONAL DE
MU EU UNIVERSIT ARIOS
oord nadoras: REGINA MARc IA M OURA TAVARES

EDNA L u isA DE Mao T AVEIRA
Local : MUSEU A NTROPOL601 DA UNIVERSIDADE F EDERAL DE 0 lAs _ UFO

Periodo: _6 A 0 DE JULI-IO DE 1992
Ciencias em Museus(1992). 4. 11 - 13
coo, 069.900 IS
A~ao Cultural dos Museus
R EGINA MARCIA MOURA TAVARES
Se partirrnos da otica de Celso Furtado, que ve 0 desenvolvimento das sociedades como lim
processo cria/ivo de invenr;:iio da his/aria pelos homens, como a ascensiio desses mesmos homens,
enquanto individuos, coletividades, na escala de realizayiio de suas proprias potencialidades, teremos
dificuldade em evidenciar 0 grau de desenvolvimento em que se encontram, hoje, as nayoes latino-
americanas, pelo simples fato de que circunstiincias historico-sociais impediram-nas de ensejar uma
proposta mais livre de criayao cultural.
A historia evolutiva de cada povo se consubstancia em sua existencia criativa em face dos
desafios permanentes que the impoe a adaptayao ao habitat e ao meio social.
As sociedades dependentes nunca podem alyar grandes veos na area da criatividade conseqiiente l
porque adquiriram 0 habito de intemalizar valores criados fora delas mesmas, transformam-se sob a
pressao de fatores exogenos "que reproduzem mimeticamente padroes de comportamento surgidos
em outros contextos culturais e muitas vezes sem correspondencia com suas bases materiais,,2.
A America Latina nao foge a essa regra. Dai insistirmos no fato de nao so nao podermos
aquilatar 0 grau de desenvolvimento dos paises latino-americanos mas de que, simplesmente, ele niio
existe conforme 0 entendemos; de que precisa ser inventado 0 seu modelo, pOI' nos mesmos, sem
xenofobia, sem a vi sao distorcida de urn mundo em permanente comunicayao mas com criatividade,
com a noyao clara de que a relayao entre a arte e a cultura latino-americanas precisa ser revista, 0 vies
historico evidenciado, a nova trajetoria descoberta.
Se pensarmos no artista enquanto aquele ser que contempla a realidade que 0 cerca, recria-a
dentro de si e oferece sua criayao a sociedade como altemativa possivel de existencia em forma de
sons, de cores, de palavras, de formas, de tecnicas, compreenderemos, de imediato, que esse Homem
especial esta em todos os hom ens e que podemos, ou nao, oferecer condiyoes para que tal genio se
manifeste dentro de uma sociedade.
Se atentarmos para a atitude desassombrada como as colenias e, agora, aos dependentes se
vern impondo secularmente val ores esteticos, morais, tecnologicos alienigenas e constatarmos a ma-
neira, exclusivamente retorica, com que os mesmos vern reagindo a avalanche cultural. inclusive pelo
modo de ensino alienante e alienador que vimos praticando desde os colegios jesuiticos, concluire-
mos que num contexto dessa natureza resta pouca altemativa ao Homem Criador; ou seja, a reaJidade
apreendida, percebida e internalizada nao e nunca a real e, portanto, 0 produto de sua eriatividade
dificilmente leva a soluyiiO dos desfios que the sao propostos no fazer historieo. (Considera-se aqui 0
fato de 0 homem paliicipar de uma teia de relayoes sirnbolicas e sua leitura da realidade estar sempre
mediada pOI' essa malha interpretativa.)
Constata-se portanto, dessa forma, urn fa lseamento na relayao entre a arte e a eultura; ou seja.
a primeira nao pode ofere eel' condiyoes basicas ao desenvolvimento da segunda. pelo simples fato de
ser estranha a realidade cireundante e, portanto, espUria no eontexto cultural emergente.
ISSN 0103·2909 0 1995 Copyright by CNPq. Impresso no Brasil.

A.iio Cullural dos Museus
12
, • ' em pro fundi dade, essa relaylio se quisermos como'

Ha que se pensar com urgencla, , ,lntele
'al' ' tervenylio social nlio mutlladora capaz de cnar espayo Ctuais
e agentes culturals re lzar uma m , 0 dos ovos latino-americanos, s e fory
para que ocorra efetivamente 0 desenvolvunent p. '" as
, . d' "ha' uma mane ira amencana de ser oCldental , apesar d .
Oregono Recondo IZ que . as dife
. . h
yas naClOnalS, e se ouver uma m' tegrarlio
l'
politica contmental,
.
nesse momento
_.
de reequ'I'b
1 1 rio
fen.
r 'I d' I It devera ser 0 elemento aglutmador e de coesao esplritual ent de
.oryas a live mun la , a cu ura re nossos
povos. . b 'd
- 'e mals
Nao . acel't'ave I a manutenf'a-
l'
0 de pretensoes classlstas em utl as nos conceitos d
e erudit
e popular defonnando toda a reflexlio e 0 aproveitamento do produto final do ato criador pOr pan 0
uma pop~la"lio alienada de seu proprio modo particular de estar no mundo. Todo 0 des envoi vi", e de
l' . '- • I - ,,,ento
dos paises do Terceiro mundo estara comprometldo se urna revisao conceltua nao se fizer de man .
a corrigir 0 curso perversamente onentado . do processo cu Itura I . A rea l"d
I a d e d os palses
' .
latmo_,~ .
elra
canos, malgrado a influencia etnica de grupos europeus, e' aIgo fl agran t emente d'" I.erente daquel ..... len.
outros paises em outros continentes; e algo partlcu . Iar que se mo deI "
a no .azer COtl'd'lano das POpula. a de
yoes e, por isso mesmo, depende da aylio criadora de quem com ela se afirma e nela se justifica.
Embora se reconheya que a identidade nacional e sempre urn processo de construylio que
. . se
fundamenta numa interpretaylio, supoe-se ser possivel urn envo IvH~ento progres.slvo, e cada vez rnais
real, do povo na conduylio dessa mesma construylio. Ou, melhor dlzendo, acredlta-se poder expandir
os lirnites da intelectualidade responsavel pelo deslocamento das manifestayoes culturais de sua esfe.
ra particular e a articulaylio das mesmas com uma totalidade que as transcende.
Os museus criticos, a comunica~ao e a possihiJidade de um novo tempo

Os museus, tradicionalmente espayos dedicados a preservaylio da memoria social atraves do
artefato, tern contribuido, principalmente os de historia e de arte, para a perpetuaylio desse equivoco
que realiza 0 homem comum latino-americano na percepylio de seu entomo. Nos grandes museus
nacionais. os de "1· categoria", 0 que se mostra pennanentemente a urn grupo curiosa de crianyas ern
idade escolar, ou mesmo a adultos sequiosos de infonnayoes sobre sua gente, sua historia, slio cole-
yoes de objetos que, quase que eXclusivamente, garantem a preservaylio do ideario de uma burguesia
europeia, assumido nas Americas por quem se julgou importante e responsavel pela conduylio das
sociedades locais. Nao so os artefatos comunicam a historia oficial, mas a proposta museografica nlio
estimula a vislio critica do processo historico e artistico.
ecesslirio se faz trabalhar para uma nova proposta museal na America Latina capaz de resga-
tar 0 senti do da participaylio do homem local na conduylio de seu proprio destin~. Experiencias
interessantes estlio sendo feitas pelos museus de comunidade, os ecomuseus, os museus de rua e creio
que, a longo prazo, sensibilizarlio os grandes museus.
E por que coloco 0 trabalho dos museus como urn dos eixos de sustentaylio importantes para a
concretizaylio de uma nova ordem econ6mica e social na America Latina?
Simplesmente pelo fate de ver a riqueza comunicativa con tid a no artefato bi e tridimensional
das coleyoes museologicas, dentro do universo imagetico em que vivemos nessa virada de seculo.
Dependendo da maneira como utilizannos os produtos da criaylio humana num espayo de
comunicaylio, como 0 slio os museus, seremos capazes de comunicar mais facilmente as novas gera-
yoes emoyoes, pensamentos e opyoes que homens de outros momentos historicos tiveram e fizeraDl
diante ~os desafios existenciais, levando-as ao questionamento dos proprios resultados obtidos.
· compreen der que os preclOSOS
E preciso . acervos culturais que ai estlio podem e devem ser
reutilizados dentro de uma nova proposta de res gate de identidade latino-americana e, POf inc1usao•
brasileira.
R INA MAR IA M URA TAVAR 13
A arte, enquanto exerclcio da criatividade hwnana no fazer hist6rico de cada grupo social,
associ ada a estimular,:i!o ensorial do homem contemporllneo trazida pelas nova tecnologia de co-
municar,:i!o pode defiagral' uma nova consciencia de ser do homem das Americas, diferente do que Ihe
foi ideologicamente pa sado ate hoje.
Os modelos dos mu eus europeu e norte-americanos nito nos servem. 0 museu latino-ameri-
cano deve vir a fazer parte de atos dramaticos coletivos, on de seja sempre 0 ator que inicia a narrati-
va, que interage com a plateia e conduz 0 espectador a uma percepr,:i1o de si mesmo, de sua hist6ria, de
suas chances de sobrevivencia. Isto porque vivemos um momenta da evolur,:ilo humana na qual estamos
sempre diante de conjuntos globais multifacetados e excitantes e nossa percepr,:ilo da realidade de ha
muito se distanciou da Iinearidade; ou seja, percebemos as coisas e as conhecemos cad a vez melhor,
na medida em que estejam articuladas umas com as outt'as, todas igualmente importantes e destaca-
das no mesmo contexto.
o museu, local das musas criadoras do real, se ruticulado com outras areas da criatividade
humana do presente fabricara 0 futuro; se isolado, cain\ no ouvido das popular,:Cles.
Edgar Morin questiona 0 modelo da ciencia classica e fala num novo paradigm a que inclua a
ideia da desordem, se quisermos compreender melhor 0 Cosmos, a Vida e 0 Homem.
Por que nilo ousamos romper com 0 modelo vigente, e sem preconceitos ou modestia, busca-
mos-o muitas vezes ainda nilo pensado, sobretudo nos eternos escravos da modelagem alieni gena?
)lor que nilo tentarnos romper com a perversilo contida na relar,:ilo historicamente sedimentada entre a
arte e a cultura no continente latino-americano? Somente assim poderemos vir a ser agentes de nossa
pr6pria hist6ria.
E a empreitada nlio e tlio ardua assim! Basta comer,:arlt1os a ordenar diferentemente os artefa-
tos museol6gicos e olharmos 0 museu enquanto um espar,:o privilegiado de comunicar,:ilo no mundo
contemporiineo. Um novo tempo podera comeyar por af.
Nossa juventude esta cada vez mais bombardeada pel a industria cultural, nossa educar,:iio for-
mal esta "demode" por nlio conseguir ver com clareza as profundas mudanyas que os meios de comu-
nicaylio de massa acarretaram na estrutura das sociedades e na percepyilo que 0 Homo Sapiens tem de
seu entorno. Criemos espayos culturais alternativos, informais, on de a informayilo, a criayiio e 0
prazer possam estar associados, on de cada crianr,:a, jovem e adulto possa ser ao mesmo tempo 0
passiv~, 0 ativo da ar,:lio cultural, absorvendo, dinamizando e reinventando a cultura de seu tempo,
atraves do usa ou nilo s6 de sua mente, mas do envolvimento de seu corpo moreno, de seu prazer
incontido de estar vivo e com todos nessa terra do sol.
Notas
I _ Criatividade conseqOente - Aquela que tern como referencial a heran~a cultural da popula~l!o e edirigida aexpansAo das
potencialidades do individuos e da coletividade.
2 _ Celso Furtado - Cul/ura e Desenvolvimen/o em Epoca de Crise .

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ISSN 0103·2909 0 1995 Copyright by CNPq. Impresso no Brasil.

, • ' em pro fundi dade, essa relaylio se quisermos como'

Os museus criticos, a comunica~ao e a possihiJidade de um novo tempo

2 _ Celso Furtado - Cul/ura e Desenvolvimen/o em Epoca de Crise .

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