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Como Gostais seguido de Conto de Inverno
Como Gostais seguido de Conto de Inverno
Como Gostais seguido de Conto de Inverno
E-book324 páginas3 horas

Como Gostais seguido de Conto de Inverno

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Sobre este e-book

Estăo aqui reunidas duas peças de Shakespeare célebres pela alta dramaticidade e por suas mil peripécias. Em "Como gostais" é contada a história de Rosalinda, uma jovem que, em meio a uma disputa sucessória em um ducado na França, precisa fugir da vida na corte. Para chegar ao seu final feliz, ela terá de passar por mil provaçőes, inclusive se disfarçar de homem. Já em "Conto de inverno" Leontes, rei da Sicília, se convence de que Hermione, sua esposa, o trai com Políxenes, rei da Boęmia e amigo de infância do próprio Leontes. Nessa comovente peça, encontram-se algumas das cenas antológicas da obra madura do bardo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de ago. de 2009
ISBN9788525421791
Como Gostais seguido de Conto de Inverno
Autor

William Shakespeare

William Shakespeare was born in April 1564 in the town of Stratford-upon-Avon, on England’s Avon River. When he was eighteen, he married Anne Hathaway. The couple had three children—an older daughter Susanna and twins, Judith and Hamnet. Hamnet, Shakespeare’s only son, died in childhood. The bulk of Shakespeare’s working life was spent in the theater world of London, where he established himself professionally by the early 1590s. He enjoyed success not only as a playwright and poet, but also as an actor and shareholder in an acting company. Although some think that sometime between 1610 and 1613 Shakespeare retired from the theater and returned home to Stratford, where he died in 1616, others believe that he may have continued to work in London until close to his death.

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    Como Gostais seguido de Conto de Inverno - William Shakespeare

    William Shakespeare


    (1564-1616)

    William Shakespeare nasceu em Stratford-upon-Avon, Inglaterra, em 23 de abril de 1564, filho de John Shakespeare e Mary Arden. John Shakespeare era um rico comerciante, além de ter ocupado vários cargos da administração da cidade. Mary Arden era oriunda de uma família cultivada. Pouco se sabe da infância e da juventude de Shakespeare, mas imagina-se que tenha frequentado a escola primária King Edward VI, onde teria aprendido latim e literatura. Em dezembro de 1582, Shakespeare casou-se com Ann Hathaway, filha de um fazendeiro das redondezas. Tiveram três filhos.

    A partir de 1592, os dados biográficos são mais abundantes. Em março, estreou no Rose Theatre de Londres uma peça chamada Harry the Sixth, de muito sucesso, que foi provavelmente a primeira parte de Henrique VI. Em 1593, Shakespeare publicou seu poema Vênus e Adônis e, no ano seguinte, o poema O estupro de Lucrécia. Acredita-se que, nessa época, Shakespeare já era um dramaturgo (e um ator, já que os dramaturgos na sua maior parte também participavam da encenação de suas peças) de sucesso. Em 1594, após um período de poucas montagens em Londres, devido à peste, Shakespeare juntou-se à trupe de Lord Chamberlain. Os dois mais célebres dramaturgos do período, Christopher Marlowe (1564-1593) e Thomas Kyd (1558-1594), respectivamente autores de Tamburlaine, o judeu de Malta e Tragédia espanhola, morreram por esta época, e Shakespeare encontrava-se pela primeira vez sem rival.

    Os teatros de madeira elisabetanos eram construções simples, a céu aberto, com um palco que se projetava à frente, em volta do qual se punha a plateia, de pé. Ao fundo, havia duas portas, pelas quais atores entravam e saíam. Acima, uma sacada, que era usada quando tornava-se necessário mostrar uma cena que se passasse em uma ambientação secundária. Não havia cenário, o que abria toda uma gama de versáteis possibilidades, já que, sem cortina, a peça começava quando entrava o primeiro ator e terminava à saída do último, e simples objetos e peças de vestuário desempenhavam importantes funções para localizar a história. As ações se passavam muito rápido. Devido à proximidade com o público, trejeitos e expressões dos atores (todos homens) podiam ser facilmente apreciados. As companhias teatrais eram formadas por dez a quinze membros e funcionavam como cooperativas: todos recebiam participações nos lucros. Escrevia-se, portanto, tendo em mente cada integrante da companhia.

    Em 1594, Shakespeare já havia escrito as três partes de Henrique VI, Ricardo III, Tito Andrônico, Dois cavalheiros de Verona, Trabalhos de amor perdidos, A comédia dos erros e A megera domada. Em 1596, morreu o único filho homem de Shakespeare, Hamnet. Logo em seguida, ele escreveu a primeira das suas peças mais famosas, Romeu e Julieta, à qual seguiram-se Sonho de uma noite de verão, Ricardo II e O mercador de Veneza. Henrique IV, na qual aparece Falstaff, seu mais famoso personagem cômico, foi escrita entre 1597-1598. No Natal de 1598, a companhia construiu uma nova casa de espetáculos na margem sul do Tâmisa. Os custos foram divididos pelos diretores da companhia, entre os quais Shakespeare, que provavelmente já tinha alguma fortuna. Nascia o Globe Theatre. Também é de 1598 o reconhecimento de Shakespeare como o mais importante dramaturgo de língua inglesa: suas peças, além de atraírem milhares de espectadores para os teatros de madeira, eram impressas e vendidas sob a forma de livro – às vezes até mesmo pirateados. Seguiram-se Henrique V, Como gostais, Júlio César – a primeira das suas tragédias da maturidade –, Troilo e Créssida, As alegres matronas de Windsor, Hamlet e Noite de Reis. Shakespeare escreveu a maior parte dos papéis principais de suas tragédias para Richard Burbage, sócio e ator, que primeiro se destacou com Ricardo III.

    Em março de 1603, morreu a rainha Elisabeth. A companhia havia encenado diversas peças para ela, mas seu sucessor, o rei James, contratou-a em caráter permanente, e ela tornou-se conhecida como King’s Men – Homens do Rei. Eles encenaram diversas vezes na corte e prosperaram financeiramente. Seguiram-se Bem está o que bem acaba e Medida por medida – suas comédias mais sombrias –, Otelo, Macbeth, Rei Lear, Antônio e Cleópatra e Coriolano. A partir de 1601, Shakespeare escreveu menos. Em 1608, a King’s Men comprou uma segunda casa de espetáculos, um teatro privado em Blackfriars. Nesses teatros privados, as peças eram encenadas em ambientes fechados, o ingresso custava mais do que nas casas públicas de espetáculos, e o público, consequentemente, era mais seleto. Parece ter sido nessa época que Shakespeare aposentou-se dos palcos: seu nome não aparece nas listas de atores a partir de 1607. Voltou a viver em Stratford, onde era considerado um dos mais ilustres cidadãos. Escreveu então quatro tragicomédias, subgênero que começava a ganhar espaço: Péricles, Cimbelino, Conto de inverno e A tempestade, sendo que esta última foi encenada na corte em 1611. Shakespeare morreu em Stratford em 23 de abril de 1616. Foi enterrado na parte da igreja reservada ao clero. Escreveu ao todo 38 peças, 154 sonetos e uma variedade de outros poemas. Suas peças destacam-se pela grandeza poética da linguagem, pela profundidade filosófica e pela complexa caracterização dos personagens. É considerado unanimemente um dos mais importantes autores de todos os tempos.

    COMO GOSTAIS

    APRESENTAÇÃO

    Beatriz Viégas-Faria

    Como gostais ou Como queira foi escrita por Shakespeare aparentemente para o recém-inaugurado Globe Theatre, em Londres (www.shakespeares-globe.org). Em 1599, ouvem-se pela primeira vez as palavras que ficariam famosas até hoje: O mundo inteiro é um palco, e todos os homens e mulheres, apenas atores. Eles saem de cena e entram em cena, e cada homem a seu tempo representa muitos papéis (Jaques, Ato 2, Cena VII). Essa fala, além de fazer referência ao ser humano na infância, na adolescência, na idade madura e na velhice, faz referência ao ofício dos atores que, ao longo de sua vida nos palcos, representam diferentes papéis.

    Observe-se que, à época de Shakespeare, era vetado às mulheres atuar, e os papéis femininos ficavam a cargo de rapazes. Como em outras peças (O mercador de Veneza e Noite de Reis, por exemplo), temos em Como gostais o estratagema da mudança de gênero – personagens mulheres que se vestem de homem – como parte vital do enredo. O texto/espetáculo oferece ao leitor/espectador um truque a mais: Rosalinda, a protagonista, apresenta-se como o jovem Ganimedes, e este, por sua vez, convida Orlando (por quem Rosalinda está apaixonada) a imaginar que ele, Ganimedes, é Rosalinda (por quem Orlando está apaixonado). Nesta trama singular dentro da dramaturgia shakespeariana, tem-se a princípio um rapaz (o ator) representando uma donzela (Rosalinda) que em um dado momento passa a representar um rapaz fictício (Ganimedes) que em um dado momento representa a donzela (Rosalinda) que é verdadeiramente a personagem (representada por um ator).

    Classificada de romântica, Como gostais é a nona comédia escrita por Shakespeare, de um total de dezoito. O dramaturgo começou e terminou sua carreira escrevendo comédias; em seu tempo, foi mais conhecido pelo cômico que pelo trágico, um fato que se inverteu com o passar dos séculos e, modernamente, com as constantes encenações de suas grandes tragédias (Hamlet, Romeu e Julieta, Otelo, Macbeth, Ricardo III) não só em língua inglesa, mas também via traduções e adaptações em praticamente todas as culturas. Contudo, desde o fim do século XX, tem-se visto cada vez mais os diretores de teatro e de cinema investindo em produzir as comédias shakespearianas.

    É importante notar que, se nas tragédias Shakespeare insere passagens marcadas pelo cômico, nas comédias temos momentos graves. Em Como gostais, Orlando e Rosalinda, que formam o casal romântico protagonista da peça, precisam abandonar, cada um, seus lugares de origem quando sofrem ameaças de morte.

    Shakespeare contava com um público heterogêneo – entre seus espectadores, membros da ralé ou da realeza. O autor construiu textos que abraçavam elementos para todos os gostos: movimentação e gritaria, poesia de primeira, diálogos românticos e apaixonados, lutas de soco ou de espada, generais vencedores de grandes batalhas, heroínas corajosas e desafiadoras, sangue e morte.

    O leitor desta tradução brasileira de As You Like It poderá apreciar em Shakespeare uma estratégia habilmente construída para fascinar sua audiência (tanto o público do teatro elizabetano quanto o público do teatro contemporâneo): a fala final da peça, o epílogo que se dirige à plateia, é de Rosalinda. Para nosso encanto, a personagem inicia sua fala dizendo: Não é costume ver uma dama fazendo o epílogo – para mais adiante dizer: Se eu fosse uma mulher [...] – lembrando que Rosalinda era interpretada sempre por um ator-rapaz (imberbe, de voz fina). Esse epílogo ilustra o potencial que a arte tem de confundir ao contradizer-se (apenas aparentemente) quando constrói textos nos quais são elementos-chave as trocas de identidade (neste caso, as mudanças de gênero).

    Como em outros textos shakespearianos, o bobo da corte de Como gostais é personagem que tem licença para falar a verdade impunemente – pois tudo que ele diz pode ser interpretado (e, consequentemente, desconsiderado) como piada. Na Cena II do Ato 1, Touchstone, o bobo da peça, tem meia dúzia de falas nas quais se apresentam a graça e a rapidez de seu malabarismo verbal; por exemplo: É uma pena que aos bobos da corte não seja permitido falar de modo sábio aquilo que os sábios fazem de modo bobo. Além das falas de Touchstone, temos em Como gostais vários outros exemplos desta que é uma das principais características dos textos dramatúrgicos de Shakespeare, o jogo de palavras: É a gentileza, mais do que a força, que nos forçará a ser gentis com você (Duque Sênior, 2, VII).

    Com referência a como a peça é estruturada, vale salientar que nenhuma das outras peças de Shakespeare traz tantas canções em seu texto. Além disso, as personagens seguidamente estão narrando as ações, ou seja, a plateia acompanha o desenrolar do enredo não só assistindo à representação, mas também ouvindo os relatos das personagens.

    As canções, as narrativas dentro das falas e a vida campestre estereotipada como satisfatoriamente boa marcam as representações teatrais de uma pastoral – obra literária em forma de poema que idealiza (na construção fantasiosa de um autor urbano) a vida rural, especialmente a dos pastores, como sendo uma vida de rusticidade simples, tranquila, idílica. Os personagens saídos da corte e exilados numa floresta estão prontos a admirar a mudança das estações – o inverno é visto como menos gelado e inóspito que o clima de artimanhas da corte; os cortesãos contentam-se em ouvir nas árvores o som de línguas estrangeiras, em ler os córregos como se estes fossem livros, em caçar a carne que vão comer em suas refeições. Paradoxalmente, temos na trama um duque banido de seu ducado que se instala numa floresta cercado de serviçais e de lordes (estes últimos se auto-exilaram, num gesto de leal solidariedade).

    É importante ressaltar que a Floresta de Arden (Ardenas) funciona não só como o local onde se desenrola a maior parte da peça, mas também como uma oposição simbólica à corte. Por mais dura e cruel que possa ser a vida numa floresta, os perigos da corte com suas intrigas são ainda mais letais.

    Enquanto a vida na corte é tipificada como competitiva e cercada de inveja por todos os lados, a vida ao ar livre dos camponeses é idealizada no mais alto grau. O governante, livre dos compromissos públicos, estaria também livre para encontrar o bem em todas as coisas (2, I). O duque exilado e seus seguidores (contraventores das vontades do duque usurpador) chegam a se comparar a Robin Hood e seu bando.

    Para o duque exilado (2, VII), a floresta é um teatro, e ali as ações dos homens podem ser interpretadas em detalhes, como se fossem obras de arte (Bates, 2002, p. 119).

    Os estudiosos são unânimes em afirmar que Como gostais é, na verdade, a história de Rosalinda. Não por acaso, a principal fonte de Shakespeare para a peça foi um romance em prosa, de autoria de Thomas Lodge, de título Rosalynde. É interessante observar que o teatro elizabetano era duramente atacado por religiosos e moralistas: numa sociedade que se definia na separação rígida dos papéis masculino e feminino e na separação rígida entre as classes sociais (nobreza e plebe), é fácil imaginar o quão ofensivo podia ser, desse ponto de vista, uma prática teatral que usa atores travestidos de mulheres e personagens-mulheres travestidas de homens.

    Nesta peça, assim como em O mercador de Veneza, a personagem-mulher que se disfarça de homem assume não só o visual mas também o poder masculino de tomar a palavra, de falar com homens de igual para igual, de colocar-se numa posição de autoridade e liderança. No último ato, temos Rosalinda/Ganimedes comandando a todos, dizendo-lhes onde estar em que horário para que se celebrem casamentos e reencontros que, promete ela/ele, acontecerão como desejados por todos.

    Em Como gostais, o leitor/espectador é convidado a perceber Ganimedes como Rosalinda, alternada ou simultaneamente. Ao tempo de Shakespeare, a plateia estava ciente de que Rosalinda era representada (played)[1] por um ator/rapaz.

    O gênero da personagem, como nos ensina Shakespeare em várias de suas comédias, é uma construção performática. Como num jogo de espelhos, as possibilidades são infinitas. E, sempre que alguém assume o papel de um outro, seja este outro real ou fictício, aquele alguém vai precisar de um espelho – para provar o figurino: trocar de roupa e ensaiar novos gestos.

    Referências

    BATES, Catherine. Love and courtship. In: LEGGATT, A. (ed.). The Cambridge Companion to Shakespearean Comedy. Cambridge: CUP, 2002. p.102-122.

    DE GRAZIA, Margreta e WELLS, Stanley (eds.). The Cambridge Companion to Shakespeare. Cambridge: CUP, 2001.

    KOGUT, Vivien. Renascentista e moderno. In: EntreClássicos, v.2. William Shakespeare. São Paulo: Duetto, 2006. Entrelivros. p.14-23.

    LEGGATT, Alexander (ed.). The Cambridge Companion to Shakespeare Comedy. Cambridge: CUP, 2002.

    LOPES, Luiz Paulo da Moita e FABRÍCIO, Branca Falabella. Se eu fosse mulher...: performances de gênero e sexualidade em Como gostais. In: LOPES, DURÃO e ROCHA (orgs.). Performances: estudos de literatura em homenagem a Marlene Soares dos Santos. Rio de Janeiro: Contracapa, 2007. p.79-102.

    SHAKESPEARE, William. As You Like It. Edited by Agnes Latham. The Arden Shakespeare. London: Thomson Learning, 2005.

    SOARES DOS SANTOS, Marlene. Rindo com o Bardo. In: EntreClássicos, v.2. William Shakespeare. São Paulo: Duetto, 2006. EntreLivros. p.64-75.

    [1]. O verbo play, no inglês, significa também jogar e brincar. (N.T.)

    PERSONAGENS

    Duque Sênior

    – vive no exílio

    Duque Frederico

    – seu irmão, usurpador de seus domínios

    Le Beau

    – um cortesão a serviço de Frederico

    Charles

    – o lutador de luta romana na corte do Duque Frederico

    Touchstone

    (Pedra de Toque) – um bobo da corte do Duque

    Oliver

    Orlando

    filhos de Sir Rowland de Boys

    Jaques

    Dennis

    Adam

    Amiens

    – lorde a serviço do Duque banido

    Jaques

    – um cavalheiro da nobreza[1]

    Corino

    Sílvio

    William

    – um compatriota

    Sir Oliver Maltexto

    – vigário de uma paróquia do interior

    Rosalinda

    – filha do Duque Sênior

    Célia

    – filha do Duque Frederico

    Febe

    – uma pastora

    Audrey

    – uma pastora de cabras

    Lordes

    a serviço dos Duques,

    pajens

    e outros

    serviçais

    .

    [1]. Segundo Jonathan Bate e Eric Rasmussen (organizadores do volume Complete Works – William Shakespeare, editora MacMillan UK, 2007), Jaques é um cavalheiro da nobreza que vendeu suas terras para se tornar um viajante, um observador distanciado e irônico dos costumes e da moral. (N.T.)

    PRIMEIRO ATO

    Cena I

    Entram Orlando e Adam.

    Orlando

    – Pelo que eu me lembro, Adam, foi assim que me foi legada, em testamento, a insignificância de mil coroas, e, como tu dizes, ficou o meu irmão encarregado, com a bênção dele, de me dar uma boa educação. Nesse ponto é que começa a minha tristeza. Para o meu irmão Jaques ele paga a universidade, e os rumores contam maravilhas de seu progresso nos estudos. Quanto a mim, ele me mantém aqui no campo, sem maiores confortos; melhor dizendo, me deixa largado aqui em casa, sem atenção, sem cuidados. Tu lembras, por acaso, de algum cavalheiro de nobre berço como eu ter sido criado do mesmo jeito que se cria um boi no estábulo? Os cavalos dele são mais bem preparados, pois, além de serem lindos por causa da alimentação que recebem, passam por sessões de adestramento, e, para esse fim, cavaleiros são contratados a peso de ouro. Mas eu, o irmão dele, sob a tutela dele, não ganho mais que o necessário para crescer, e isso eu devo a ele tanto quanto os animais que ele tem nas estrumeiras. Além deste nada que ele me dá com tanta abundância, o pouco que a natureza me deu parece que é roubado de mim por este modo de vida ao qual ele me restringe. Ele me deixa comer com a criadagem que lida com a terra e com os bichos, me nega o lugar de irmão e, naquilo que ele pode, vai solapando o meu sangue nobre com uma educação campesina. É isso, Adam, o que me aflige; e o espírito de meu pai, que penso estar dentro de mim, começa a amotinar-se contra esta minha servidão. Não vou continuar aguentando tal coisa, embora eu ainda não saiba o que fazer para remediar a situação.

    Adam

    – Lá vem o meu amo, seu irmão.

    Entra Oliver.

    Orlando

    – Fica por perto, Adam, e tu vais ouvir como ele me maltrata.

    Oliver

    – Mas então, o que o senhor está fazendo aqui?

    Orlando

     – Nada. Nunca aprendi a fazer coisa nenhuma.

    Oliver

    – Então o que o senhor está desfazendo?

    Orlando

    – Ora essa! Com a ociosidade, estou ajudando o senhor a desfazer o que Deus fez: um pobre irmão seu, este desprezível ser.

    Oliver

    – Ora essa! Empregue melhor o seu tempo ou vá se enforcar.

    Orlando

    – Devo cuidar de seus porcos e comer palha de milho junto com eles? Que herança de filho pródigo gastei eu para estar agora em tal penúria?

    Oliver

    – O senhor sabe onde está?

    Orlando

    – Sei muito bem que estou aqui no seu pomar, senhor.

    Oliver

    – O senhor sabe diante de quem está?

    Orlando

    – Sim. Isso eu sei melhor do que sabe quem sou eu aquele que tenho diante de mim. Sei que você é o meu irmão mais velho; e, na condição de parente de sangue (tão nobre quanto o seu), é como você deveria me reconhecer. As convenções do mundo civilizado permitem que você seja superior a mim, pois é o primogênito; contudo, esta mesma tradição ratifica o meu sangue, mesmo que houvesse vinte irmãos entre nós. Tenho em mim muito de meu pai, tanto quanto você, embora eu deva confessar que o fato de você ter nascido antes de mim deixa-o mais perto do respeito devido ao pai.

    Oliver

    [batendo nele] – Moleque!

    Orlando

    [aplicando-lhe uma gravata] – Ora, ora, meu mano, você é muito verde nisto.

    Oliver

    – Vais querer botar as mãos em cima de mim, canalha?

    Orlando

    – Não sou canalha. Sou o filho mais novo de Sir Rowland de Boys; ele era meu

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