Moinho:

 
A liberdade sempre foi o meu valor mais fundamental. Apesar de mulher, trago-a impressa na pele como se fosse um segundo nome ou uma tatuagem que se faz para assinalar alguma coisa marcante.

A grande vantagem de passar as férias grandes de Verão numa aldeia no Norte do país, era precisamente poder usufruir dela, mesmo sendo mulher, e disfrutar desse sentimento em pleno. Lembro-me de sair de manhã cedo para ver o sol nascer no monte, de andar de bicicleta pela aldeia fora até chegar ao Hotel chique cá da vila, de namorar debaixo do carvalho ou dos pinheiros, de não ter horas para chegar a casa exceptuando as horas de almoço e jantar. Lembro-me de vaguear à vontade por todo o lado e em qualquer altura, sem pressas, nem relógio ou calendário. 

E no final de cada verão, já sabia que havia sempre o ritual de ir com a minha avó ao moleiro entregar o milho, produto de um ano de cultivo, para ser moído em farinha que dava para um ano inteiro de pão.

O moinho onde íamos todos os Outonos já não existe e a ribeira que fazia o moinho girar está quase seca. Mas a estrada que fiz invocou o mesmo sentimento de liberdade que tinha há 20 anos atrás.

A miúda adolescente que vagueava pelos caminhos da aldeia envelheceu 20 anos no corpo mas nem um dia a mais no espírito! E a necessidade de liberdade continua igual. 

Verbo da Semana:

Matchar. 

Loivos:


Reza a história que a aldeia de Oura se fez graças à família Azeredo Antas, uma família de médicos e generais com ligações à política desde o tempo da Monarquia mas grande defensora da República.
Nas minhas breves pesquisas feitas ontem na internet descobri que houve muitos casamentos feitos entre primos e viúvos, não sei se por conveniência ou amor, mas cujo desfecho foi sem dúvida manter a fortuna e o legado dentro do mesmo núcleo.

Conta a minha mãe que nesta família havia uma mulher chamada Rita que terá sido a pessoa responsável por ter feito passar a Linha do Corgo em Oura. Diz ela que essa Rita terá movido mundos e fundos e terá falado com os altos representantes da República e dos Caminhos de Ferro da altura para que houvesse um desvio imenso da linha até à aldeia fazendo com que a programada estação grande em Loivos não tenha passado de um mero apeadeiro longe da aldeia e que pouca utilidade lhe valeu.

A Oura coube outro, o único em toda a linha da CP totalmente construído em madeira e que ainda hoje subsiste já em mau estado. 

Não sei quantos membros da família terão andado naquele comboio, não sei quantos ainda existem para contar a história e não sei se haverá muita gente da minha geração ainda a ter memórias desta linha, mas sei que as bases para escrever um romance estão já impressas em mim.

Veremos se o tempo o dita ou não. 

Vénus:


A primeira vez em que viajei a trabalho para fora do país tinha 26 anos e fui a Berlim a meio de um Inverno que me congelou os pés, o nariz e o cabelo que escapava pelo gorro cor-de-rosa. 

Lembro-me do Tiergarten coberto de neve e de olhar para aqueles prédios claramente comunistas e ser fácil imaginar uma Berlim dividida pelo Muro. Voltei a Berlim várias vezes nos anos seguintes - deve ser provavelmente a cidade para onde mais viajei - e o Tiergarten só aumentou na mística que o envolve. As cores e o cheiro que o caracterizam são únicas, independentemente da estação do ano. O silêncio ali é sempre um denominador comum, independentemente do mês em que o visitemos. Berlim é uma cidade magnífica.

A minha primeira fotografia de pés no chão foi tirada ali, há mais de uma década. Havia qualquer coisa no chão que mo meio da neve me captou a atenção e acabou por me obrigar ao registo fotográfico. Não me lembro ao certo o que era, mas sei que passei a fotografar pés no chão em cidades como Praga, Budapeste, Havana, Nova Iorque, Rabil, Istambul ou Tel Aviv. Em cada sítio onde viajo sozinha há uma fotografia dos meus pés no chão. 

Hoje encontrei Vénus no meu caminho e achei que era uma mensagem do Universo. É preciso confiar que os astros, os Deuses ou apenas nós próprios estamos no caminho certo da Vida. 


Vintage:


Na infância guardo a memória das minhas avós. Numa a casa com estantes cheias de livros que a minha comprou muito antes de eu nascer e que eu devorei nas tardes de verão onde não havia nada para fazer e o lazer ainda não tinha substituído o ócio. Os clássicos portugueses que li várias vezes - foi assim que acabei a ler Os Maias quatro vezes - nas tardes de calor em que sair de casa era loucura.

Na outra, os milhares de gavetas e arcas cheias de tecidos que passavam na máquina de costura. Os vestidos antigos que ainda não me serviam, feitos de sarja dura e rugosa. As rendas que os enfeitavam naa golas e bolsos.

Na memória trago estas coisas que me alimentaram o imaginário. Que me deixaram sonhar e moldaram a mulher em que me tornei. Não é por isso de espantar que viva para os livros e a escrita e tirar um curso de costura esteja nos meus planos próximos. 

Cerca de 30 anos depois bebo café na mesma chávena que usava para beber leite quentinho que todas as manhãs ia buscar à vacaria com a minha avó e ela fervia para garantir a pasteurização ao qual juntava açúcar para disfarçar o sabor intenso e eu beber melhor.

Estou na mesma casa onde passava os verões da minha infância a construir memórias felizes no imaginário do meu filho. 

Instantes:


Comprei a casa onde agora vivo no ido ano de 2009 num mês de Outubro quente. Lembro-me de ter tido a ideia de comprar uma casa e do espanto que senti porque os meus pais apoiaram em vez de me demoverem do intento. Lembro-me de me sentir muito adulta a fazer a escritura com a notária e não fazer a mínima ideia do que era o IMI, da sensação importante ao assinar um cheque de mais dinheiro do que aquele que tinha, da felicidade de ter a chave na mão e me ter tornado proprietária de 4 paredes e um tecto que me iriam albergar em todas as circunstâncias.

A casa onde agora vivo é uma versão 2.0 daquela que comprei. Fui coleccionando objetos bonitos que a foram decorando e trouxe comigo muitas coisas sentimentais que comprei para fazer o meu ninho quando vivia em Lisboa.

Neste momento a minha casa é um emaranhado de vidas, tal como eu própria. Nela coabitam pacificamente almofadas fashion que sempre me lembram da Madonna e dinossauros da criança que se espalham por todo o lado. A minha casa é um reflexo da minha vida. E o que se avista nesse espelho é suficiente para me fazer feliz. 

2025 so far...

Uma crise de sinusite aguda que me pôs a antibiótico e corticoides. Uma decisão de mudança profissional mais alinhada com quem quero ser. Um...