A.:
Ando à muito tempo para te escrever este e-mail.
Sonhei contigo há uns dias atrás, de forma tão intensa que te disse no sonho muitas coisas que tento agora transpor para a escrita, diria papel, mas dada a virtualidade do e-mail não sei bem como defini-lo.
Perdi a coragem de te dizer fosse o que fosse quando fui atingida por esse sentimento avassalador de perda. Não sei bem o que isso é, como tu. Não vou tentar dizer-te que entendo o que sentes, que sei aquilo porque estás a passar, que sou solidária com a tua dor. Podia dizer-te que ao perder a minha avó, senti algo parecido. Mas não é a mesma coisa. Nada se compara certamente, a perdermos alguém que era um pilar na nossa vida. E nós ainda somos tão novas para isto...
Assim, sem saber o que te dizer, refugiei-me no meu egoísmo. Pensei só nos meus problemas e fui-me desculpando constantemente por não ter dito nada.
Acabamos sempre por estar centrados em nós e esquecemos ou tentamos esquecer que sem os outros somos pouco. Deve ser exactamente isso que sentes agora.
Não escrevo este e-mail com o intuito de te animar. Pode parecer ridículo dito deste modo, mas eu sei que nada nos anima nestas alturas. Apenas nos reconforta sabermos que alguém pensa em nós com carinho.
Não te vou dizer que vai passar, que o tempo cura tudo, que este é o ciclo natural da vida. Tu já sabes tudo isso como nós.
Vou-te dizer o oposto.
Vou-te dizer que dói, dói muito. Que estás perdida na vida. Que te falta um pilar básico. Que quando chegas a casa, olhas paras as coisas e falta sempre ali alguém. Que as fotografias que vês quase todos os dias te fazem chorar, porque ele já não está. Que não tens vontade de almoçar ou jantar como dantes porque há uma presença que está ausente. Que te sentes a afundar. Que por mais coisas que te digam nada adianta. Que te revolta ter sido a ti e não a outra pessoa qualquer. Que as palavras dos outros são vazias de sentimentos porque eles quando chegam a casa têm tudo como dantes e és tu que tens de te adaptar a essa ausência. Que queres que te deixem sofrer sozinha, chorar sozinha. Mas que ao mesmo tempo precisas de um ombro amigo, uma substituição paternal desse conforto. Vou-te dizer que estás no fundo. Que te sentes no limite das tuas forças para aguentar isso. Que cada dia de manhã, logo depois do acordar a dor vem e atingi-te sempre como se fosse a primeira vez. E que enquanto esperas que o tempo cure isso, desesperas porque todas as manhãs é sempre igual. Todas as manhãs são iguais e em nenhuma a dor está mais pequena e tu te sentes melhor.
Mas tu também sabes isso...
Mas vou-te dizer mais.
Vou-te dizer que há esperança. Que é exactamente quando achas que não aguentas mais que descobres forças para continuar em frente. Que é quando te sentes a afundar que alguém aparece e te dá a mão. Que todos nós que gostamos de ti, queremos ter a oportunidade de te dar a mão para te ajudar a caminhar. Que pedir ajuda é ser muito mais forte do que nos escondermos para não parecermos fracos. Que vais descobrir que tens forças onde nem sabes que existem e isso vai-te fazer um bocadinho feliz. E essa felicidade é legítima, não é egoísmo como podes pensar ou os outros te podem fazer sentir, é a prova de que vales como pessoa, de que és capaz. Que depois da tempestade vem a bonança. Que vais chegar a um ponto do teu caminho onde só sentes paz, não há dor. E é exactamente aí que tens de perceber que não te podes abandonar a ti própria. Que ninguém de nós te abandonou, de uma forma ou de outra estamos todos e todas aqui. E é por ti e só por ti que tens de tentar por um pé à frente do outro e reaprender a andar. Que essa sensação de abandono passa quando perceberes que não estás só nesse sofrimento, nunca estiveste. Estás apenas mais isolada, nada mais. É precisamente quando bateres no fundo que tens de dar o impulso para começares a subir. E que cá no cimo, como habitualmente estamos nós, à tua espera, a guardar-te o lugar que sempre te pertenceu.
E eu estou aqui ao teu lado, à espera que apareças.
Ana