Desconfio que se o meu filho tossisse do outro lado do mundo, eu acordaria aqui.
"escrevo para me ver livre de mim" clarice lispector
É porque é tão simples dar vida, só que não queremos acreditar.
Diz o rapaz, enquanto com um traço de 2 ou 3 milímetros dá expressão a um rosto.
Enquanto criamos formas geométricas, rostos, corpos e paisagens, eu permaneço fascinada em como basta um ponto para dar vida a uma folha em branco.
Há pessoas que trazem a delicadeza e a poesia nas pontas dos dedos, que quando escrevem, não interessa o quê, alimentam a criatividade no outro. São nutridoras, sem o saberem, fazem-nos crescer por dentro. Trazem-nos vontade de escrever, também, e despertam a sensibilidade em nós, a emoção.
Há outras pessoas que são ácidas, que quando se lê, deixam-nos um amargo na boca, uma vontade de recolher, passar um incenso e tomar uma água das pedras.
Para depois voltarmos.
o rapaz que já não é rapaz quase perde a paciência comigo
tudo o que vês são figuras geométricas. é simples, não compliques. porque é que as pessoas não aceitam que as coisas possam ser simples?...
desabafa, enquanto decompõe a jarra em círculos e cilindros.
aceita que é simples, e depois arredonda as arestas, dá-lhe os pormenores, solta a mão, deixa o traço fluir. porque é que só vês o ruído? depois sai-te tudo mal...
saio do horto com uma grade cheia de amores-perfeitos, dos pequeninos, daqueles que não houve no ano passado porque o inverno não trouxe frio suficiente. pois, que os amores-perfeitos pedem frio, muito frio, diria que para se enrolarem nos cobertores e aconchegarem nas lareiras acesas, em abraços onde nem a eternidade cabe.
mas, em vez de me fornecer de pencas, alhos francês, couves rábano, morangueiros, sei lá... trouxe meio mundo de amores-perfeitos. agora, aguardo mail dos inspectores comunitários a reclamar da variedade de culturas... direi, são amores, senhores, são amores...
O animal aproximava-se de mim lentamente. Os meus olhos fixavam os cornos pontiagudos e aguçados. Poderiam perfurar-me facilmente e eu sentia medo. Quando me alcançou, a vaca dourada pousou a cabeça nos meus ombros e eu sentia o seu pêlo macio e morno. Afinal estava segura e protegida.
quando invertemos a direcção na nossa caminhada, somos surpreendidos por um vento que sopra no nosso rosto e no nosso cabelo.
que maravilha.... digo eu ao rapaz, abrindo os meus braços
que os silfos e as sílfides limpem o nossos campo energético e encaminhem para a luz tudo o que não nos pertence, que nos livrem do que nos bloqueia e que impede o nosso caminho.
não me estranhando, o rapaz olha-me de lado, mas sorrindo, como quem agradece aquelas bênçãos
e que venha a chuva, e que as ondinas nos lavem e apaziguem as nossas emoções
pois... diz o rapaz... já chove... sentindo as pingas frias deste tempo invernoso
e que venha a trovoada, já agora... e que transmute tudo isto... continuo, rodopiando a minha mão à volta dele, como quem limpa, como quem varre.
é de noite e o cansaço esvoaça.
observo as chamas que se enrolam à volta do pedaço de lenha, enquanto questiono sobre o que está além, sobre o que fica quando tudo acaba, sobre tudo o que sinto que existe, mas não vejo com os olhos de ver.
conheces por acaso o que já é? conheces a alma do fogo, o propósito do arder? porque ambicionas saber o que está além, se ainda desconheces sobre o que se manifesta? sussurram as labaredas naquele ronco manso do fogo enquanto arde.
Depois da conversa ao almoço com os mais novos sobre o chatgpt, resolvi aliviar a minha resistência a esses modernismos, e encetar uma conversa com o dito. Num segundo alinhavou um manual que me demora semanas a elaborar consultando livros, sublinhando, resumindo, e ainda, apresentou uma proposta de promoção do evento muito mais apelativa do que eu faria. Agradeci. Retribuiu o agradecimento e desejou muito sucesso na minha empreitada.
Fiquei pasmada... o facilitismo pode tornar-se viciante. Desliguei o dito e voltei para os meus sublinhados, os meus apontamentos.
Assumo a minha retrogradação.