terça-feira, 4 de março de 2025

Distância

 




Desconfio que se o meu filho tossisse do outro lado do mundo, eu acordaria aqui.





sábado, 1 de março de 2025

Ponto

 




É porque é tão simples dar vida, só que não queremos acreditar.

Diz o rapaz, enquanto com um traço de 2 ou 3 milímetros dá expressão a um rosto.

Enquanto criamos formas geométricas, rostos, corpos e paisagens, eu permaneço fascinada em como basta um ponto para dar vida a uma folha em branco.




sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Blogues

 


Há pessoas que trazem a delicadeza e a poesia nas pontas dos dedos, que quando escrevem, não interessa o quê, alimentam a criatividade no outro. São nutridoras, sem o saberem, fazem-nos crescer por dentro. Trazem-nos vontade de escrever, também, e despertam a sensibilidade em nós, a emoção. 

Há outras pessoas que são ácidas, que quando se lê, deixam-nos um amargo na boca, uma vontade de recolher, passar um incenso e tomar uma água das pedras.

Para depois voltarmos.




quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Mictlantecuhtli

 




foi quando lhe prometi que o iria buscar ao submundo do submundo, quando Mictlantecuhtli o levasse, que resolvi desempoeirar os velhos manuais que ensinam como defender-me de confrontos e ataques de vampiros que sugam o nosso ânimo e vitalidade. 

quem sabe... alguma coisa servirá para me proteger naqueles pântanos brumosos onde o irei procurar.

dos médiuns, escritores, alegados druidas, feiticeiros e bruxas, até religiosos li e ouvi, ficaram-me a ressoar no peito as palavras daquele barbudo barrigudo - são as nossas emoções e pensamentos combinados que fortalecem a nossa protecção. se tiveres pensamentos e emoções elevados e se não vacilares, não há alma penada que te ataque.

com aqueles palavras na lembrança, reuni numa arca velha de pau rosa todos os meus melhores pensamentos e as emoções mais elevadas. juntei também aquele fim de tarde na praia, todas as vezes que os filhos adormeceram no meu peito, a confiança do homem antigo, a firmeza dos meus passos vacilantes a cada recomeço e o calor morno da mão do meu pai na minha.

não vá o diabo tecê-las. tenho o meu escudo alinhavado.









domingo, 16 de fevereiro de 2025

simples

 




o rapaz que já não é rapaz quase perde a paciência comigo

tudo o que vês são figuras geométricas. é simples, não compliques. porque é que as pessoas não aceitam que as coisas possam ser simples?...

desabafa, enquanto decompõe a jarra em círculos e cilindros.

aceita que é simples, e depois arredonda as arestas, dá-lhe os pormenores, solta a mão, deixa o traço fluir. porque é que só vês o ruído? depois sai-te tudo mal...








sábado, 1 de fevereiro de 2025

amores

 




saio do horto com uma grade cheia de amores-perfeitos, dos pequeninos, daqueles que não houve no ano passado porque o inverno não trouxe frio suficiente. pois, que os amores-perfeitos pedem frio, muito frio, diria que para se enrolarem nos cobertores e aconchegarem nas lareiras acesas, em abraços onde nem a eternidade cabe.

mas, em vez de me fornecer de pencas, alhos francês, couves rábano, morangueiros, sei lá... trouxe meio mundo de amores-perfeitos. agora, aguardo mail dos inspectores comunitários a reclamar da variedade de culturas... direi, são amores, senhores, são amores...



 

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

O sonho

 



O animal aproximava-se de mim lentamente. Os meus olhos fixavam os cornos pontiagudos e aguçados. Poderiam perfurar-me facilmente e eu sentia medo. Quando me alcançou, a vaca dourada pousou a cabeça nos meus ombros e eu sentia o seu pêlo macio e morno. Afinal estava segura e protegida. 





segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

vento

 




quando invertemos a direcção na nossa caminhada, somos surpreendidos por um vento que sopra no nosso rosto e no nosso cabelo.

que maravilha.... digo eu ao rapaz, abrindo os meus braços

que os silfos e as sílfides limpem o nossos campo energético e encaminhem para a luz tudo o que não nos pertence, que nos livrem do que nos bloqueia e que impede o nosso caminho.

não me estranhando, o rapaz olha-me de lado, mas sorrindo, como quem agradece aquelas bênçãos

e que venha a chuva, e que as ondinas nos lavem e apaziguem as nossas emoções  

pois... diz o rapaz... já chove... sentindo as pingas frias deste tempo invernoso

e que venha a trovoada, já agora... e que transmute tudo isto... continuo, rodopiando a minha mão à volta dele, como quem limpa, como quem varre.

é de noite e o cansaço esvoaça.





sábado, 18 de janeiro de 2025

fogo

 





observo as chamas que se enrolam à volta do pedaço de lenha, enquanto questiono sobre o que está além, sobre o que fica quando tudo acaba, sobre tudo o que sinto que existe, mas não vejo com os olhos de ver.

conheces por acaso o que já é? conheces a alma do fogo, o propósito do arder? porque ambicionas saber o que está além, se ainda desconheces sobre o que se manifesta? sussurram as labaredas naquele ronco manso do fogo enquanto arde.





terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Retrogradação

 



Depois da conversa ao almoço com os mais novos sobre o chatgpt, resolvi aliviar a minha resistência a esses modernismos, e encetar uma conversa com o dito. Num segundo alinhavou um manual que me demora semanas a elaborar consultando livros, sublinhando, resumindo, e ainda, apresentou uma proposta de promoção do evento muito mais apelativa do que eu faria. Agradeci. Retribuiu o agradecimento e desejou muito sucesso na minha empreitada.

Fiquei pasmada... o facilitismo pode tornar-se viciante. Desliguei o dito e voltei para os meus sublinhados, os meus apontamentos. 

Assumo a minha retrogradação.