sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

TENHO SAUDADES



Tenho saudades do mar. De ti. E de mim também.

Mergulho nas ondas azuis da noite e
chamo-te baixinho. Não sei se me ouves.
Vem... Vem comigo [nada me detém].
Do estuário de braços abertos, amplo e livre,
iremos ao encontro das águas do esquecimento
onde se dissolvem as poeiras do tempo.

Tenho saudades de mim. De ti.
Do meu corpo com perfume a jasmim.
Das manhãs com sabor a fruta fresca.
Dos entardeceres com cor de creme queimado.
Tenho saudades das noites vestidas
com lençóis de algas pingando ternura.
Dos silêncios cúmplices da nossa intimidade
a fermentar o sal da eternidade.

Tenho saudades do mar. De ti. E de mim.
Maripa

Imagem: Irina Todorova

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

DEIXEM-ME




Deixem-me ser a alegria da magnólia no estertor do inverno. Assim rosada, virada aos céus, livre de folhas que só depois virão. Depois de mim, do meu esplendor, da branca solidão, depois do amor guardado na raiz, do suor da festa dos rapazes, do riso da festa das raparigas, da partida demorada dos velhos, da partida súbita dos novos, dos livros duas vezes lidos, do grito dos pobres na aresta da fome. Deixem-me estar, plantada à beira vida, solene e intensa, perfumada e limpa, sem outro anseio que o regresso das canções em bando, da gravidez aveludada das mulheres, da generosidade dos insectos em novas primaveras. Deixem-me. Eu sou assim...


Licínia Quitério

Imagem: Daisy Wilson

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

NATAL




Acontecia. No vento. Na chuva . Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.


Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.


Manuel Alegre

Imagem: Google

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

TOMA - É PARA TI



Toma - é para ti
esta primeira rosa

Tem o nome tranquilo
das coisas que ninguém chama

Dorme de olhos leves e é talvez
o vulto mais puro da ternura

Morre, depois, de ser tão plena
e cai, no último instante, para dentro
de todos os dias que a guardaram.


Vitor Matos e Sá

Imagem: Abraham Darby 

terça-feira, 13 de dezembro de 2011




Pintei borboletas nas portas de casa. Desenhei uns ramos de violetas no chão barrento. Bordei beija-flores nas colchas rosadas. E desejei mais uma vez ser: metamorfose ao longo de toda a vida, delicadeza das rosas nos espinhos do cotidiano, liberdade de cada pequenino pássaro nas repreensões dos futuros caminhos.


Amanda Costa

Imagem: Evan Collier'Art

sábado, 10 de dezembro de 2011

O AZUL QUE ME FOGE



Da janela do quarto das lembranças
absorvo o perfume a limonete,
mesmo ali, ao fundo do jardim.
 
É um perfume em jeito de gente
a passear ao colo da brisa, passos miúdos, incertos,
ternuras molhadas ao canto dos olhos,
espalhando sombras e plantando miosótis
nos canteiros do jardim dos segredos.

Permaneço no interior de mim, com esperança,
de guardar das sombras a leveza e o silêncio
e dos miosótis o azul que me foge.
 

Maripa

Imagem: Google 

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011



 
Como posso perder a fé na justiça da vida quando os sonhos dos que dormem num colchão de penas não são mais belos do que os sonhos dos que dormem no chão?
 
 
Khalil Gibran
Imagem: dreamstime.com

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

MADRUGADA




Cola os ouvidos ao silêncio, quando os pássaros
voltearem na casa abandonada.
Só então conhecerás o rumor dos passos
que precedem a madrugada.

Toda a vida é um quadro em que os tons claros
dão por vezes lugar aos mais escuros.
Mas não é raro
florescerem manhãs por trás de velhos muros.

Deixa portanto à solta o coração
e acolhe a luz que espreita além da escuridão.


Torquato da Luz

Imagem: Tahyane

terça-feira, 29 de novembro de 2011

E PEÇO AO VENTO



E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flores de giesta nos olhos novos,
casa de madeira no planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas maravilhosas.
Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.



Herberto Helder [excerto do poema " Amor em visita"]

Imagem: google

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

ONTEM...


[Conhecemo-nos junto ao mar... em Agosto de 1949]


Ontem...
Prometemos amar-nos
até que a vida nos separe.

O amor foi-se cumprindo.
A vida foi rolando ao sabor das marés
alegrando-nos,
doendo-nos,
transformando-nos no que somos hoje.

Hoje
- no tempo que ainda nos cabe -
e sempre
em cada amanhecer
em cada anoitecer
um abraço feito de ternura
um abraço feito de orgulho
voa de cada um de nós
ao encontro de cada um de vós.

Ontem - hoje - sempre
de mãos dadas damos graças e louvor
pela vossa existência e incondicional amor.


[Para os nossos filhos, com amor]

                                                                          
[20.11.54 - 20.11.11  - nos 57 anos de estar juntos]
Maripa

Imagem: Google

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

ASAS





Houve um momento em que o aperto foi tão extremo e aflitivo que eu imaginei não conseguir suportar. Eu nem sabia que, exatamente naquele ponto, a natureza tecia asas para mim, em silêncio, mas foi lá que senti que eu era feita também para voar. O aperto, entendi somente depois, era uma espécie de morte, um prenúncio da transformação, uma ponte que me levaria a outro modo de ser.


Ana Jácomo

Imagem: Google

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

HOJE EU QUERO UM AMOR



Hoje eu quero um amor. Quero amor de criança. Amor sem cobrança, amor sem lembrança, amor sem passado, amor de presente. Hoje eu quero um amor sem segredo, quero amor sem medo, quero amor sem dor. Quero amor sem pressa, amor sem promessa. Hoje eu quero o amor que transborda do peito, que escorre dos olhos, que pinga na boca. Quero amor de confiança. Quero amor sem confusão. Hoje eu quero amor em paz. Quero amor por inteiro e não cara metade. Quero amor de liberdade. Amor de realidade. Amor do dia a dia, amor de todo o dia. Hoje eu quero amor que fala, amor que cala, que ouve, discute. Quero amor que diz sim. Quero amor que diz não. Hoje eu quero amor de verdade. Amor que vem da alma e não só do coração.


Claudia

do blog Escrivinhadeira

Imagem: Mila Gablasova 

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

AS POUCAS PALAVRAS



Foi um dia, e outro dia, e outro ainda.
Só isso: o céu azul, a sombra lisa,
o livro aberto.
E algumas palavras. Poucas,
ditas como por acaso.

Eram contudo palavras de amor.
Não propriamente ditas,
antes adivinhadas. Ou pressentidas.
Como folhas verdes de passagem.
Um verde, digamos, brilhante,
de laranjeiras.

Foi como se de repente chovesse:
as folhas, quero dizer, as palavras
brilharam. Não que fossem ditas,
mas eram de amor, embora só adivinhadas.
Por isso brilhavam. Como folhas
molhadas.

Eugénio de Andrade

Imagem: Wieslaw Syposz

domingo, 13 de novembro de 2011

E O LONGE É UM LUGAR ESTRANHO



Tempestade dentro,
coração prestes a galgar o peito,
sonhos arrumados perto do inatingível.

Cansada de mim,
da concha donde me foi sugada tanta energia,
_ lágrimas furtivas entranhadas na pele _
ajoelho no tempo. 

Sobra-me o desejo.
O desejo de mergulhar no sono, de mergulhar no mar
 onde voam felizes borboletas  e onde o azul
me permanece tatuado na memória.
O desejo de partir para longe.

E o longe é um lugar estranho.


Maripa

Imagem: Google

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

ATÉ AMANHÃ



Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.


Eugénio de Andrade

Imagem: Google

terça-feira, 8 de novembro de 2011

NA TERRA DOS SONHOS


[...]

Na terra dos sonhos podes ser quem tu és, agarras-te à hora em que o tempo não passou e juntos inscrevemos no espaço um novo alfabeto. Já passaram mil anos sobre o nosso encontro, mas o tempo não sabe nada, o tempo não tem razão, porque não há passos divergentes para quem se quer encontrar e enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar. E mesmo que me tenhas ensinado a partir nalguma noite triste, eu ensinei-te a chegar e pus-te a salvo para além da loucura e ensinei-te a não esquecer que o meu amor existe.

[...]

Margarida Rebelo Pinto

Imagem: magnolia pearl

sábado, 5 de novembro de 2011

ALGUÉM ME DISSE



Alguém me disse, um dia, que as aves
marinhas vão morrer (ou repousar)
no solitário coração dos barcos afundados.
Que sugestão de luz lhes indica
o inevitável caminho das águas mais azuis?

Graça Pires

Imagem: Google

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

PERSEVERANÇA





Jogo a minha rede no mar da vida e às vezes, quando a recolho, descubro que ela retorna vazia. Não há como não me entristecer e não há como desistir. Deixo a lágrima correr, vinda das ondas que me renovam, por dentro, em silêncio: dor que não verte, envenena. O coração marejado, arrumo, como posso, os meus sentimentos. Passo a limpo os meus sonhos. Ajeito, da melhor forma que sei, a força que me move. Guardo a minha rede e deixo o dia dormir.

Com toda a tristeza pelas redes que voltam vazias, sou corajosa o bastante para não me acostumar com essa ideia. Se gente  não fosse feita para ser feliz, Deus não teria caprichado tanto nos detalhes. Perseverança não é somente acreditar nas própria rede. Perseverança é não deixar de crer na capacidade de renovação das águas.

Hoje, o dia pode não ter sido bom, mas amanhã será outro mar. E eu estarei lá na beira da praia de novo.

Ana Jácomo

Imagem: Google

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

AS FLORES




Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
De uma manhã futura.

Sophia de Mello Breyner

Imagem Iness Rychlik

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

QUASE DE NADA MÍSTICO



Não, não deve ser nada este pulsar
de dentro: só um lento desejo
de dançar. E não deve ter grande
significado este vapor dourado,

e invisível a olhares alheios:
só um pólen a meio, como de abelha
à espera de voar. E não é concerteza
relevante este brilhante aqui:

poeira de diamante que encontrei
pelo verso e por acaso, poema
muito breve e muito raso,
que (aproveitando) trago para ti.



Ana Luísa Amaral

Imagem: Google

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A MENINA E O ARCO-ÍRIS


Todo o dia, a menina corria o quintal, procurando um arco-íris. Corria olhando para o alto, tropeçava e caía. Toda vez que se machucava, vinha chorando uma cor. Um dia, chorou o anil até esvaziá-lo dos olhos. Depois chorou laranja, chorou vermelho e azul. Chorou verde. Violeta. Amarelo e até transparente! Chorou todas as cores que tinha, todas as cores de dentro. Então, abriu os olhos e nem o arco-íris ela viu. Não viu flores e borboletas. Não viu árvores e passarinhos. Pensando que era  ainda noite,
deitou-se na cama e dormiu. Pensando que era tudo escuro, nem levantar-se ela quis! Ficou dormindo cinzenta, por dias e noites sem fim...
Foi quando um sonho, tão colorido, derramou-se dentro dela! Tingiu o travesseiro e a fronha, o lençol e o pijaminha. Tingiu a meia e o quarto. Tingiu as casas e os ninhos! A menina abriu a janela e viu que hoje não tinha arco-íris. Mas tinha o desenho das nuvens. Tinha as flores e um passarinho!


Rita Apoena

Imagem: Ruth Morehead

segunda-feira, 17 de outubro de 2011




[...]

Quando a gente percebe, já é noite e o céu, se está disposto a falar, diz estrelas. Quando a gente percebe, as pétalas já descansam o seu sorriso no colo do chão. Quando a gente percebe, o canto da onda já enterneceu a areia. Muitas dádivas que nos encontram, que nos encantam, têm seu tempo de viço, sua hora de recado, e seu momento de transformação em outro jeito de lindeza.

[...]

Ana Jácomo

Imagem: Enrique Ochotorena

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O GOMO DE LARANJA


Que nuvens são aquelas que fazem sombra no mar?
Inquietam-me de tão quietas...
Serão nuvens do oriente saturadas de maus presságios
ou nuvens grávidas de dias salgados e amargos
 de dias marinados com lágrimas sem tempero
[um pé de tomilho, um raminho de erva-doce, que fosse] ?

 Sombra que me desassossega o mar,
me entristece o olhar das gaivotas
e
me anoitece.

Olho o negro azul do céu... o gomo de laranja
duma lua crescente, luminosa, aparece,
passeia a sua beleza
 a sombra quase esquece.
 
Maripa

Imagem: Google

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

CORAGEM



É preciso arranjar outros
motivos
outras flores e astros

Outras abertas

Entre a chuva cansada de um Outono
que não sabe já
qual é a terra certa

É preciso pensar outras imagens
outras fissuras, sítios
e cidades

Pôr fim ao lamento deste vento
tentar tirar ao anjo
a túnica e o sabre

É preciso inventar outras paisagens
outros montes e águas
outras margens

Abrir e expor o coração
e finalmente deixar
correr as lágrimas


Maria Teresa Horta

Imagem: Elena Kalis

terça-feira, 4 de outubro de 2011

AS AVES



Afluem às margens, jogam
como se a água lhes pertencesse,
pousam no meio dos arbustos
como se tivessem todo o tempo! No

entanto, sabem que as nuvens
vão encher o céu; e que o norte
irá enviar o vento frio que as
há-de arrastar para o sul, deixando
atrás de si o silêncio
nos campos. Mas pouco lhes importa
isso, quando se juntam, e
cantam a efemeridade do
instante.

Nuno Júdice

Imagem: Alloxa

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

APRENDAMOS O RITO



Põe na mesa a toalha adamascada,
Traz as rosas mais frescas do jardim,
Deita o vinho no copo, corta o pão,
Com a faca de prata e de marfim.

Alguém se veio  sentar à tua mesa,
Alguém a quem não vês, mas que pressentes.
Cruza as mãos no regaço, não perguntes:
Nas perguntas que fazes é que mentes.

Prova depois o vinho, come o pão,
Rasga a palma da mão no caule agudo,
Leva as rosas à fronte, cobre os olhos,
Cumpriste o ritual e sabes tudo.

José Saramago

Imagem: Google

sábado, 1 de outubro de 2011

DOCEMENTE



Docemente
disponho dos teus braços

dos peixes que navegam
docemente

Docemente
disponho em minha face

a faca dos teus olhos
docemente

Docemente
canso, disponho do cansaço

primeiro do teu afago
docemente

Docemente
afago, a tua boca apago

e vou negando a minha
docemente

Maria Teresa Horta

Imagem: Michael & Inessa Garmash

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

NA ILHA POR VEZES HABITADA


Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
 palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até
aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


José Saramago

Imagem: Google

domingo, 25 de setembro de 2011

AS FONTES



Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser,  vivo e total,
À agitação do mundo  do irreal,
E calma subirei até às fontes.

Irei até às fontes onde mora 
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.

Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.


Sophia de Mello Breyner

Imagem  Google

quinta-feira, 22 de setembro de 2011


O lugar onde eu mais aprecio estar é no vasto 

e arejado jardim

do



... trago de lá algumas mudas de sol que, mesmo quando

 eu não percebo, me ajudam a clarear os trechos 

de breu do caminho.


Ana Jácomo

Imagem de  Becky Kelly

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

PARA APRENDER A VOAR




Para aprender a voar nos bastava
o começo e o fim
de uma linguagem pessoal,
em que as mãos, impacientes,
despissem a paisagem
e, apenas por um instante, 
se tornassem asas.


Graça Pires

Imagem: Marta  Ferreira


sábado, 10 de setembro de 2011

SEM TI





E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.


Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.


Eugénio de Andrade

Imagem Google

terça-feira, 6 de setembro de 2011

SINCRONIA


Delicadamente, o vento soprava o fino tecido da cortina. Ela expandia, retraía, fluxo e refluxo das ondas da brisa carinhosa. Recostada na cama, olhar afrouxado, aquilo para mim se assemelhava à respiração serena de um instante que sorria.

Talvez outra vida, naquele mesmo momento, naquele mesmo quarto, não visse nada disso no tempo e do lugar de onde os meus olhos viam. É bem provável que eu só visse o vento, o sopro, as ondas, a respiração serena do instante sorridente, por causa do sorriso, dentro, que acontecia.


Ana Jácomo  [do blog "Cheiro de flor quando ri"]

Imagem: Google

sábado, 3 de setembro de 2011

EU SOU A CONCHA DAS PRAIAS



Eu sou a concha das praias
Que anda batida da onda
E, de vaga em outra vaga,
Não tem aonde se esconda.
Mas se um menino, da areia
A colher e a for guardar
No seio... Ali adormece
E é ali seu descansar.

Antero de Quental

Imagem: Google

quinta-feira, 1 de setembro de 2011






A vida é tecida como o linho: um fio de dor, um fio de ternura. Eu intrometo-lhe sempre um fio de sonho. Foi o que me perdeu.




Raul Brandão

Imagem: Google



terça-feira, 30 de agosto de 2011



....

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.


Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
como o florir das ondas ordenadas.




Sophia de Mello Breyner

Imagem  Google

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

UMA MULHER



Um resto de Agosto.
Uma mulher conhece
o caminho da fonte
porque o seu corpo
é um desvio do mar.
Talvez ela nos mostre
 um céu líquido
por detrás dos seus ombros.
Não só as mãos morrem 
fatigadas de desejo.
Há cascatas de pedra
nos olhos da memória.

Graça Pires

Imagem de Duy  Huynh