sábado, 10 de abril de 2010

É MAIS FÁCIL PARTIR



É mais fácil partir quando o silêncio
transpõe a tua voz.
Mais simples celebrar a tão efémera
certeza de estares vivo.

A música do ar esvai-se nas sombras,
tu sabes que é assim,
que os dias correm céleres, não tentes
perseguir o seu rasto - repara
como em Abril as aves são felizes.

Sê como elas: não perguntes nada,
deixa que o sol responda à flor da tarde
e esquece-te do mundo.


Fernando Pinto do Amaral

Imagem: Alloxa

quinta-feira, 1 de abril de 2010

PÁSCOA FELIZ



Santa, feliz e doce PÁSCOA, com muito amor, paz e saúde.


... e o abraço amigo da Maripa.

quarta-feira, 24 de março de 2010

ABERTAS EM LEQUE




Abertas em leque as cores da primavera

semeiam palavras em folhas abertas em branco.



Abertas em leque corolas exangues
despem pudores abertos em madrugadas de canto.



Nas asas abertas das andorinhas nascem flores
quando o silêncio é liso e mais azul
e o sol no alto, aberto, uma bola de espanto.




Maripa


Imagem: Vera Sharan

quarta-feira, 17 de março de 2010

COUSAS DO MAR




Corpo de nuvem que, do mar saída,
volvida em chuva para o mar voltou,
quem te arrancou de mim? Quem te deu vida,
corpo que do meu corpo se arrancou?


Já foste, não sei quando despedida.
Quem para mim de novo te arrastou?
E quem te esparge em vozes diluída,
corpo de nuvem neste mar que sou?


Mas a carne que escorre de repente
da bátega dos sons é tão ardente
que de repente o próprio mar flutua,


sobre si mesmo volve e ao céu ascende
- pois só no céu, no céu é que se prende
o vulto de uma nívea nuvem nua!


David Mourão-Ferreira


Imagem: Pedro Ramalho

sábado, 13 de março de 2010

TALVEZ HOJE




Hoje vi o sol como se fôsse a primeira vez.
Deslumbrou-me a claridade, a alegria
sem mágoas nem águas nem pressa de me deixar.


Talvez... talvez hoje fôsse hora de pôr a alma
encharcada, a cheirar a mofo, a corar.
Hora de pôr aquele chapéu de aba larga
e brincos de cerejas maduras.
Hora de percorrer a alameda das tílias ainda sem flor,
adivinhar-lhes o perfume a aromar memórias abrigo
de outros tempos, de outros lugares.
Hora de com todos os vagares ver as sombras
se vestirem de primaveras e ternuras.


Talvez...talvez hoje o sol fique comigo.

Maripa


Imagem da internet

segunda-feira, 8 de março de 2010

MULHER


Mulher fome mulher pão
mulher fogo mulher gelo
mulher cabeça e coração.

Mulher guerra mulher paz
mulher mentira e verdade
mulher anjo e satanás.

Mulher sol mulher luar
mulher escrava e rainha
mulher terra mulher mar.

Mulher amor mulher abrigo mulher âncora
plena de graça e [de]lírios asas de mulher menina

Maripa


Imagem: Amy Sol

sábado, 6 de março de 2010

PRELUDE & NOSTALGIA - YANNI



"Não seria a música uma língua perdida, da qual perdemos o sentido e conservamos apenas a harmonia?"


Massimo Azeglio

segunda-feira, 1 de março de 2010

NATUREZA MORTA



O livro aberto, esquecido, sobre a mesa
olha as rosas esquecidas numa jarra.
Dói-lhe ver as pétalas a cair ao desamparo...
É raro estar atento, mas hoje vive o som
e a arritmia de notas soltas [meio confusas]
do piano desafinado ,mesmo ali, na sala ao lado.
E com a janela semi-aberta
consegue ver a lua bem desperta a transbordar
de fantasmas vestidos com lençóis de luar.

O pingar de um chapéu de chuva junto à porta
diz-lhe que a tela que desenhou
nada tem de natureza morta.


Maripa

Imagem: I. Anton

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

NÃO TENHAS MEDO DO AMOR





Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio o nome das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros; explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.




Maria do Rosário Pedreira


Imagem: Net

sábado, 20 de fevereiro de 2010

NOCTURNO




Desfolho os dias,
bem me quer, mal me quer,
o mar me quer...
Um ritual profano de mágoas sentadas,
olhos postos no longe e no perto,
gestos desenhando enseadas.

Desfolho os dias
que já foram rios correndo para o mar,
que já foram habitados por rosas e por lírios
de corolas a sorrir a céu aberto.

Desfolho os dias,
bem me quer, mal me quer...

O tic-tac do relógio,
o espalhar da cinza das horas
[mortas à espera da madrugada].

O mar me quer
muito, pouco ou nada?


Maripa

Imagem: Iryna Varabei


terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

SER GENTE



Por muito que anseies
pelo porto de abrigo,
sabes que é ao largo do mar,
no centro da tempestade,
que atinges o teu tamanho.
Para além do medo do que é incerto
e do medo de não seres capaz,
estão as vagas vencidas pelo teimar,
está a rota por onde cresces,
em direcção ao norte,
a caminho do sol,
ou de ser gente.


Vasco Pontes

Imagem: Marina Cano

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

PALAVRAS BORBOLETA





A névoa cobre os tectos da cidade...
Palavras cansadas espreguiçam-se,
languidamente,
e espreitam pela janela entreaberta
a nudez das folhas em branco
no jardim deserto e adormecido.

As palavras precisam ser regadas
pelo orvalho das manhãs
para serem renovadas e belas...

Sei que há palavras que dizem tudo,
ou quase tudo,
que cantam hinos ao sol e à lua,
aos rios e aos mares,
palavras macias como veludo
a fazer nascer borboletas nos dedos
de mãos que não desistem de tocar as estrelas.


Eu preciso tanto de palavras borboleta para navegar!


Maripa


Imagem: Heidi blosch



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

BRUMA



Perdidos meus olhos...

Incerto meu passo...
Vago o gesto, no espaço!...


Mesmo assim
o meu andar não se detem.


Além,
continuam a esperar por mim
os mundos que uma vez encontrados
ninguém mais descobriu...


Quem me viu?...


E eu vou só...
perdidos meus olhos
incerto meu passo,
vago o gesto no espaço...
mas VOU-ME!...


Isso me basta!

Alda Lara

Imagem: Aelin Quan

sábado, 30 de janeiro de 2010

OUVE


Ouve:
a máquina do tempo não pára
e o meu amanhecer é cada vez mais tarde...

Não ouves o canto do cisne
e o choro das pedrinhas da calçada?
Abre a janela e eu voo.
Tenho alma de pássaro, tenho frio, tenho penas,
tenho asas.

Vou seguir rumo ao país das andorinhas,
viver de feitiço e de magia nas tardias madrugadas.


Maripa

Imagem: Robert Bateman

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

CONSTRUÇÕES




Prendo-me a uma coisa simples. Pode
ser o teu rosto naquele vidro, que eu vi
e não mais esqueci.

Faço do tempo um parapeito. E
debruço-me nele, à tua espera, sentindo
na madeira o calor do teu peito.

Ergo na areia um castelo de enigmas. E
fecho-te na tua torre, a castelã que me ensinou
a entrar sem saber por onde sair.

(Mas para que hei-de sair
de onde quero ficar?)


Nuno Júdice


Imagem: Kim Nelson

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A TRICANA, A PITANGUINHA E EU


A Tricana, a Pitanguinha e eu... no dia em que nos conhecemos, aqui na minha cidade. Amei conhecê-la. Se já tinhamos afectuosos laços virtuais, nesse dia a realidade, ternamente, aumentou esses laços.


A Tricana de Coimbra, sentada, com o cântaro pousado e as chinelas soltas pelo chão, parece descansar um pouco antes de voltar às suas lides, de levar água para vender na estação dos combóios, nas casas dos senhores ricos...Graciosa, de porte altivo, mulher de trabalho desafiando a vida.
Tricana que seduzia... ou se deixava seduzir pelos estudantes.


Estátua de bronze da autoria de Alves André, inaugurada em Dezembro de 2008 no larguinho que fica mais ou menos a meio da rua de Quebra Costas, bem pertinho da Sé Velha e do Arco de Almedina.


Obrigada,Pitanguinha, por esse dia e pela tua amizade.

Imagem: Outubro de 2009

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

FRUTO MADURO



Enquanto as rosas dormem eu
fruto maduro, casca enrugada
de contornos imprecisos,
sonho com o mar,
com o equinócio da primavera
a atingir o silêncio do jardim
e a fazer germinar os dias lisos.

Esqueço poemas de inverno
com flores de neve a derreter.

Enquanto as rosas dormem
esqueço que ao envelhecer perdi o medo de mim.


Maripa


Imagem: C. Ellger

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

SETE LUAS






Há noites que são feitas dos meus braços
e um silêncio comum às violetas
e há sete luas que são sete traços
de sete noites que nunca foram feitas.
Há noites que levamos à cintura
como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada à bainha de um cometa.
Há noites que nos deixam para trás
enrolados no nosso desencanto
e cisnes brancos que só são iguais
à mais longínqua onda de seu canto.
Há noites que nos levam para onde
o fantasma de nós fica mais perto:
e é sempre a nossa voz que nos responde
e só o nosso nome estava certo.


Natália Correia

Imagem: Daniel Merriam

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

CHUVA






MARIZA canta " Chuva "


...porque gosto. E porque chove lá fora...

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

ERA O TEMPO ...




Era o tempo dos dedos ágeis,
das linhas brancas brancas e frágeis,
da luz acesa no tarde da noite,
do sono vagabundo, dono e senhor,do lume das horas.

Era o tempo de fantasias brancas raiadas de azul
a perseguir as manhãs.

Era o tempo de agulhas dançarinas
tecerem pontos cruzados,
em coreografias rendilhadas,
na inquietude do silêncio.

Era o tempo...


Maripa

Imagem: Airi Pung

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

DEIXO-ME LEVAR...



Deixo-me levar... Piso o chão sem o ver.
Quase levito. Quase nem me sinto.
Sinto o aroma dos que foram para longe
e deixaram a pairar no ar o perfume
de açucenas e amores-perfeitos
de murmúrios incessantes
de esvoaçares de asas
de saudades.

Percorro, instante a instante,
a suave lonjura da ternura
e colho dos frutos o sabor inocente
da luz prometida.
Ouço o rumor dos passos a ecoar
pelos espaços vazios.

Deixo-me levar...
Um débil silêncio enrola-se no meu desencanto
enquanto as flores que desfolho devagar
caem em fio no arrepio da ausência.


Maripa


Imagem: Helen Breznik

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

OS LIVROS



Os livros. A sua cálida,
terna, serena pele. Amorosa
companhia. Dispostos sempre
a partilhar o sol
das suas águas. Tão dóceis,
tão calados, tão leais.
Tão luminosos na sua
branca e vegetal e cerrada
melancolia. Amados
com nenhuns outros companheiros
da alma. Tão musicais
no fluvial e transbordante
ardor de cada dia.



Eugénio de Andrade

Imagem: Andre M. Barros



quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

VAMOS "CANTAR OS REIS"


Aqui vimos, aqui vimos,
aqui vimos, bem sabeis!
Vimos dar as Boas Festas
e também "Cantar os Reis".

Já os reis aqui chegaram
com vontade de cantar,
se nos dão vossa licença
vamos já principiar.

Ó da casa, nobre gente,
escutai e ouvireis
a enfiada de cantigas
que se cantam pelos Reis.

Quem diremos nós que viva
no pézinho de cereja?
Aos senhores que aqui moram
largos anos se deseja.


Uma das canções populares que ainda se cantam [ou cantavam] em Dia de Reis.

Imagem : Net