terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O partido setembrista, Lisboa 1836

A victoria alcançada pelo governo na belemzada constituiu definitivamente o "partido setembrista". A origem do nome é bem sabida.

Columbano Passos Manuel, Almeida Garrett, Alexandre Herculano e José Estevão, por Columbano, 1921.
Sala dos Passos perdidos do Parlamento.
Imagem: Wikipédia

O partido liberal, ou para melhor, o partido radical portuguez, conhecido durante a emigração por saldanhista, subindo ao poder com a revolução de setembro, ficou dahi em diante sendo conhecido por "partido setembrista" e os seus membros por setembristas.

Os seus inimigos davam-Ihes o nome de "mijados", por ser esta a alcunha do pae dos Passos. Antes da revolução de setembro os contrarios davam-lhes o nome de "irracionaes".

O partido conservador, conhecido também por "amigos de D. Pedro", tomou depois da revolução de setembro o nome de partido cartista. 

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A denominação de cartista, escreve Alexandre Herculano, que esse partido [refere-se aos que não acompanhando o governo eram contrários à nova ordem de cousas] adoptou, não correspondia rigorosamente ás causas da sua existência, nem aos seus intuitos ou á sua índole. Mas representava até certo ponto isso tudo, ao mesmo tempo que era conciso e facilmente comprehensivel para o vulgo.

Alexandre Herculano.
Imagem: Falling into Infinity

O cartista não reputava todas as instituições, todos os preceitos da Carta como a mais alta manifestação da sabedoria humana. N'esta parte os liberaes eram em geral eccecticos.

Tanto o partido da revolução como o anti-revolucionario nenhum tinha em si unidade completa de princípios: nem entre um e outro havia senão antinomias parciaes quanto ás doutrinas de direito politico."

No primeiro, que tomava por base das ulteriores reformas uma consliluição democrática, exagerada até o despotismo das turbas, havia individuos para quem, como o tempo mostrou, as theorias da democracia ainda mais moderada eram altamente odiosas, ao passo que outros forcejavam por chegar, se não á republica, pelo menos a instituições repubhcanas. 

No partido cartista dava-se o mesmo phenomeno. Todas as modificações do governo representativo tinham ahi fautores; tinham-nos, talvez, até as doutrinas do absolutismo illustrado. 

A meu ver a distincção profunda e precisa entre o cartismo e o setembrismo consistia em negar o primeiro o principio da revolução, dentro das instituições representativas livre e solemnemente adoptadas ou acceites pelo paiz, e em affirmal-o o segundo. Tudo o mais em ambos os campos era fluctuante e vago [Opúsculos, tomo I, pag. 17].

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Aos cartistas chamavam "chamorros" os "setembristas", como antes, emquanto elles tiveram o poder, davam-lhes o nome de "devoristas". O nome de chamorros já o tinham durante a emigração; era assim que os saldanhistas appellidavam os palmellistas.

Pedro de Sousa Holstein, 1° Duque de Palmela, por Domingos Sequeira.
Imagem: Wikipédia

Tal epitheto não era novo. O sr. visconde de Seabra, n'uma nota á traduccão das Sattyras e epistolas de Quinto Horácio Flaco, baseado no testemunho de Duarte Nunes, diz que os castelhanos davam o epitheto de chamorros aos portuguezes que seguiam o partido do mestre de Aviz. 

Em 1826, escreve o mesmo escriptor, tendo-se os portuguezes dividido em partidários da liberdade e do absolutismo, fez-se reviver a palavra chamorro como um titulo de desprezo para aquelles.

O Raio (n.° 26, de 23 de julho de 1836), jornal que se publicou em Lisboa em 1835-1836, e do que era um dos redactores Rodrigo da Fonseca Magalhães, diz que chamorros eram chamados os portuguezes que se bandearam com Castella quando teve logar a revolução de 1640, por não usarem barba nem cabellos crescidos, imitando assim os hespanhoes, quando é certo que os nossos usavam uma e outra cousa.

Depois da contra-revolução o ministerio ficou reduzido a três ministros, de onde veiu o nome que se lhe deu de triumvirato [v. A revolução de 9 de Setembro de 1836: a lógica dos acontecimentos].

D'estes triumviros faz o sr. Francisco Gomes de Amorim este retrato:

Costumados á vida da emigração, estes illustres liberaes conservaram no seu regresso a Portugal a simplicidade dos costumes a que os obrigara a necessidade. Passos não tivera, como milliares de outros, privações de dinheiro; mas singelo e chão do seu natural, como não conservaria os hábitos adquiridos no exilio? Vieira de Castro mostrou-se sempre ainda mais modesto, por profissão e por Índole. Sá da Bandeira parecia spartano.

E esses homens, apesar dos trabalhos, perigos e misérias do longo e forçado peregrinar, tinham fé, crenças ardentes, e tamanha força de vida, que muitas vezes no calor das discussões se serviam de imagens excessivamente pittorescas, para exprimir as suas idéas innovadoras. 

Passos Manuel exclamou um dia em cortes: 

"Eu gosto tanto das leis novas como de moças novas!" [Garrett, Memorias biographicas. tomo II, pag. 261].

O ministério continuou a dictadura que havia assumido no dia seguinte áquelle em que primeiro subira ao poder, dictadura fecunchssima e brilhante, e que é um dos apanágios da gloria de Manuel Passos como estadista.

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A revolução de setembro, escreve o sr. D. António da Costa, como todas as revoluções que vingam, encarnou-se u'um homem que possuía as condições para ser uma revolução viva.

Dizer 'revolução de setembro' é dizer Passos Manuel. 


Estamos ainda vendo aquelle caracter franco, aquelle espirito voador, aquella intelligencia que pretendia abarcar tudo, aquella voz sonora precipitando-se em pérolas de eloquência, aquelle gesto incisivo, aquelle filho da liberdade que não reconhecia por soberano senão o espirito da communidade, e que seria capaz de lhe sacrificar, não diremos a própria vida, que elle tinha em nada, mas a vida de sua filha, pela qual não trocara o mundo. 

Parecia-se com o seu apostolo a revolução de setembro. Era crente, franca e precipitada. Teve as virtudes e os defeitos das instituições populares. Poz a venda nos olhos creando nos interesses que destrnia inimigos cpie a venderiam de- pois, mas acoíiipanliava-a um inslincto do bem, que a encaminhava por entre as trevas da própria illusão.

Como a revolução de 1820, ganhou na intensidade das reformas o que não pôde ganhar na curta vida que lhe deixaram, mas na historia ha de ficar brilhante a sua pagina pelas reformas importantes com que brindou a nação.

Restringindo-nos ao movimento dos espíritos, foi da revolução de setembro que saiu a reforma da universidade [decreto de 5 de dezembro, approvando o novo plano de estudos elaborados pelo vice-reitor dr. José Alexandre de Campos],

a organisação das escolas medico-cirurgicas [decreto de 29 de dezembro de 1836],

a escola polytechnica de Lisboa [decreto de 11 de janeiro de 1837, a escola polytechnica veiu substituir a antiga academia real de marinha, foi installada no edifício do antigo collegio dos nobres, cujas rendas ficaram constituindo dotação sua]

Escola Polytechnica de Lisboa (ex Collegio dos Nobres, antigo noviçado dos Jesuitas no sítio da Cotovia).
Imagem: Hemeroteca Digital

tendente a preparar para as carreiras militares, marítimas e de engenheria civil, a academia polytechnica do Porto [decreto de 13 de janeiro, que substituiu por esta a antiga academia de marinha e commercio] com intentos industriaes,

a escola do exercito [foi creada por decreto de 12 de janeiro em substituição da academia de fortificação e desenho militar. Por este mesmo decreto foi reformado também o collegio militar]

os dois conservatórios de artes e officios [decretos de 18 de novembro de 1836 e de 5 de janeiro de 1837] 

a reorganisação da bibliotheca de Lisboa [decreto de 7 de dezembro de 1836].

Academia de Bellas Artes de Lisboa e Biblioteca Pública, J. Novaes Jr., c 1900.
Imagem: Internet Archive

Na instrucção especial, o conservatório da arte dramática [decreto de 10 de novembro de 1835]. 

Por portaria de 28 de setembro foi Garrett incumbido de propor um plano para a fundação e organisação de um theatro nacional. 

Em virtude d'ella, Garrett, em 12 de novembro, apresentava o projecto para a creação da inspecção geral dos theatros e espectáculos nacionaes, feitura do theatro de D. Maria ria II e creação do conservatório geral da arle dramática. 

No relatório que acompanhou o projecto ha esta honrosissima referencia a Manuel Passos: 

"O desejo, por mim, de coadjuvar com o meu pouco, o ministro mais sinceramente patriota que vossa magestade ainda se dignou chamar a seus conselhos, e o primeiro que de coração e puro zelo se tem dado a melhorar radicalmente a sorte da nossa desgraçada terra."


Theatro D Maria II, Nogueira da Silva (desenho), Coelho Junior João Pedrozo (gravura), 1863.
Imagem: Archivo Pittoresco, Hemeroteca Digital

restauração do theatro portuguez [decreto de 25 de outubro de 1836]  

e as academias de bellas artes de Lisboa e Porto [decreto de 17 de dezembro de 1836].

Ruínas do Convento de S. Francisco (futura Academia de Bellas Artes de Lisboa e Biblioteca Pública),
James Holland, 1837.
Imagem: Peppiatt Fine Art

Na instrucção secundaria deveu-se-lhe a instituição dos lyceus, creação Indispensável no momento de se extinguir o ensino ministrado pelas ordens religiosas. O plano dos lyceus estreava também a instruccão profissional pelas applicações industriaes, artísticas e commerciaes.

Deveu-se-lhe, finalmente, a reforma da instruccão primaria.

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A reforma da instruccão primaria de 1836 estabeleceu estas bases, escreve o mesmo o sr. D. António da Costa, liberdade de ensino, nas capitaes dos districtos uma escola do sexo feminino e uma de ensino mutuo que servisse também de normal, a jubilacão, o processo judiciário para a demissão, um jury nos assumptos do ensino, as commissões locaes inspectoras, e o subsidio ao professor de 20$000 réis pela camará municipal.

A liberdade do ensino e a frequência obrigatória eram já preceitos conhecidos.

A creação de uma escola feminina por districto, em relação ao passado, representava uma conquista, mas em verdade não passava de mesquinhez. As escolas de ensino mutuo apenas com um professor nada tinham de normaes. 

A jubilação e aposentação eram inferiores ás decretadas anteriormente. A organisação das escolas, ficando sob o regimen do estado, desprezava o principio da deseentralisação.

Os 20$000 réis da camará municipal deixavam o professorado quasi na mesma miséria. Comparada, pois, com a reforma de 1835, a reforma de 1836 ficava-lhe inferior. Morta, porém, como estava a de 1835, a de 1836 representava um progresso, e apesar de incompleta nos pontos fundamentaes, lançava traços de reconhecido alcance. 

Se porventura não era uma lei essencialmente pratica no estado centralisador da nação, era de certo, no conjuncto dos princípios que estatuía, uma lei benemérita e liberal. 

cf. Historia da instruccão popular em Portugal, pag. 166 e 167]. 

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Tudo isto se decretou quasi prodigiosamente em poucos mezes. Quando um reformador realisa tantas e tão boas obras no ramo importantíssimo da instrucção nacional, tem direito á gratidão do povo, e condemna ao mesmo tempo aquelles que desperdiçam annos, impedindo que outros emprehendam os mellioramentos indispensáveis.

Por portaria de 5 de outubro mandou-se formar uma bibliotheca especial junto do real archivo da Torre do Tombo, composta das chronicas e mais livros da historia, impressos no reino, bem como das obras referentes a diplomacia e paleographia;

por idêntico documento de 7 de outubro foi mandado pòr em execução o decreto e circular de 23 de agosto acerca da prompta arrecadação das livrarias e objectos de arte pertencentes aos extinctos conventos e creação de bibliothecas e gabinetes de pintura e raridades em todas as capitães do districto.

Pelo decreto de 31 de dezembro foi approvado o novo "código administrativo portuguez" elaborado por José da Silva Passos em conformidade da portaria de 11 de outubro [...]

O novo código conservava a divisão do reino em districtos; subdividindose os districtos em concelhos e estes em freguezias. Em cada districto haveria um magistrado com o titulo de administrador geral; em cada concelho um administrador do concelho; e em cada freguezia um regedor de parochia. Junto a cada magistrado, segundo a ordem da sua herarchia, haveria um corpo de cidadãos eleitos pelos povos. Junto ao administrador geral, a junta geral administrativa do districto. Junto ao administrador do concelho, a camará municipal [...]

Os regedores de parochia eram electivos e por eleição directa. As camarás municipaes enviariam aos administradores do concelho respectivos tantas propostas em lista tríplice quantas fossem as parochias que n'elles houvesse, extrahidas das actas das eleições. 

Sobre essa proposta eram nomeados os regedores e seus substitutos pelos administradores do concelho. Porém, nas freguezias que excedessem a quinhentos fogos, os regedores e substitutos precisavam de ser confirmados pelo administrador geral do districto. 

Entre outras disposições liberaes d'este código havia a que creava o registo civil para os nascimentos, casamentos e óbitos. 

Passos Manuel tratou também de providenciar com relação ao modo de facihtar aos devedores á fazenda o pagamento dos seus débitos, sem prejuízo do thesouro, e a respeito da exportação dos vinhos do Douro, da reducção das tenças e de pensões, da extincção do papel-moeda, etc. 

Alguns dos relatórios que precedem estes decretos são verdadeiras obras primas. 

Ha a juntar aos decretos dictatoriaes a que nos temos referido, mais dois, que não chegaram a ser publicados, mas que obtiveram a sancção da rainha, e que em nada eram desairosos para o gabinete.

As Festas da Liberdade no Porto — Veteranos da Liberdade que tomaram parte no préstito in O Occidente, 1883.
Imagem: Hemeroteca Digital

Têem a data de 12 de janeiro de 1837; um creava um asylo rural militar, destinado exclusivamente para recolher, alimentar e educar oitenta alumnos, filhos de praças de pret do exercito;

e o outro mandava admittir com preferencia no real asylo de Runa os membros da ordem da Torre Espada que se houvessem impossibilitado de serviço, e bem assim que fossem preferidos para admissão no collegio militar os filhos dos officiaes da mesma ordem.

Cabe do mesmo modo a este governo a gloria dos primeiros passos para a total extincção da escravatura nas colónias portuguezas de Africa ao sul do Equador, prohibindo a importação e exportação de escravos por decreto de 10 de dezembro.

Foi esta uma das medidas de mais rasgada iniciativa emprehendidas pelo ministério Passos.

Efígie de Manoel da Silva Passos na nota de 50 Escudos de 1920.
Imagem: World Banknotes & Coins Pictures

Como commentario áquelle decreto escreveu annos depois Sá da Bandeira: 

"Para se poder bem avaliar o alcance d'este decreto, é preciso saber que das colónias de Angola e de Moçambique se exportavam em cada anno muitos milhares de negros para o Brazil, para as Antilhas e para outros mais togares, e que o imposto sobre esta exportação constituía o principal rendimento d'estas duas colónias.

Lisboa, Praça de D. Luiz e monumento ao Marquez de Sá da Bandeira, c. 1900.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Este trafico era protegido por grandes interesses. Especuladores de todas as nacionalidades n'elle tomavam parte, uns comprando os escravos em Africa, outros transportando-os através do Atlântico, outros vendendo-os na America, e outros, finalmente, vendendo as fazendas com que se effectuavam as compras, e estas fazendas eram principalmente de origem ingleza. (1)


(1) Marques Gomes, Luctas caseiras: Portugal de 1834 a 1851, Lisboa, Imprensa Nacional, 1894

Leitura relacionada:
José de Arriaga, História da Revolução de Setembro, Tomo I,  Typ. da Companhia Nacional Ed.
José de Arriaga, História da Revolução de Setembro, Tomo II,  Typ. da Companhia Nacional Ed.
José de Arriaga, História da Revolução de Setembro, Ttomo III,  Typ. da Companhia Nacional Ed.
Marques Gomes, A verdade histórica e a História da Revolução de Setembro por José de Arriaga
Bulhão Pato, Memórias Vol. I, Scenas de infância e homens de lettras, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1894

Leitura adicional:
José de Arriaga, História da Revolução Portugueza de 1820, 2° volume, 1886
José de Arriaga, História da Revolução Portugueza de 1820, 4° volume, 1886

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Manoel da Silva Passos, Lisboa 1836

A derrota julgou-se certa, e para lhe attenuar a aspereza occorreu a idéa de uma conciliação. Para isto é que se chamou a Belém Manuel Passos.

Manuel da Silva Passos (1801-1862) 01.jpg
Imagem: issuu

Este, logo que chegou ao paço de Belém, foi recebido pela rainha, que se achava rodeada por muitos pares do reino, conselho d"estado, generaes, corpo diplomático, príncipe D. Fernando, infanta D. Izabel Maria e a imperatriz duqueza de Bragança.

Beijando respeitosamente a mão de sua magestade, disse que vinha da parte dos súbditos d'ella receber suas ordens. Então pela rainha fallaram lord Howard de Walden [Charles Ellis], mr. [Jean-Sylvain] Van de Weyer [v. Léopold I et le Portugal. Une mission de Van de Weyer en 1836], o conde de Villa Real, o conde de Lavradio e o duque de Palmella.

Nem um só dos ministros nomeados usou da palavra. Aquelles nas suas exposições sustentaram que a rainha não queria que a Carta fosse derogada, mas que estava disposta a consentir em que a mesma se reformasse.

Lord Howard, esse foi mais longe, pois chegou a ameaçar com o poder de Inglaterra.

Charles Augustus Ellis 6th Baron Howard de Walden.
Imagem: The Things That Catch My Eye

Manuel Passos, dirigindo-se a sua magestade, disse que fora nomeado ministro para promover a reforma da constituição de 1822 e não da Carta de 1826;

que esta constituição tinha servido para á sombra d'ella se fazerem os maiores desbarates na fazenda publica, e que o paiz não podia realisar as garantias que offerecia; que aos ministros anteriores a 10 de setembro é que sua magestade tinha confiado a guarda da Carta e não a elle;

que dessem esses ministros a sua magestade conta do modo como a tinham defendido; que se a Carta fora abolida por uma facção, eram elles responsáveis por terem cedido diante de uma minoria; se o fora pela nação, não era esta obrigada a ter as constituições que os ministros quizessem, mas as que lhe convinham;

que descansasse sua magestade, que a nova constituição havia de satisfazer a todos; que sua magestade havia de ter todas as prerogativas que tinha a rainha de Inglaterra; que haveria duas camaras, o veto absoluto e o direito de dissolução.

Voltando-se para mr. Van de Veyer, disse:

"Se fizermos uma constituição como a da Bélgica vós não a podeis achar má."

Sylvain van de Weyer, segundo Wappers, década de 1830.
Imagem: Wikimedia

E respondendo a lord Howard disse:

"Que não eram os inglezes que podiam dar lições de lealdade aos portuguezes, que sempre tinham amado os seus reis; Portugal era uma nação independente, que não devia sujeição a nenhum povo da terra, e que elle não estava disposto a consentir no governo do seu paiz a menor influencia estranha;

Penico John Bull, Rafael Bordalo Pinheiro, 1897.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

que a nação portugueza, pelo principio da soberania nacional, elevára ao throno a casa de Aviz e a de Bragança, que por este principio os portuguezes podiam fundar uma republica, como a Hollanda ou a Suissa, e mudar de dynastia.

Mas que elles não queriam senão reformar as suas instituições politicas, como os francezes fizeram em 1830, e os inglezes com o bill dos catholicos e reforma do parlamento; que os inglezes e francezes tinham fundado a republica, mudado de dynastia e justiçado os seus reis, e que não eram por isso estas nações as que estavam mais habilitadas a dar-lhes lições de fidelidade monarchica;

La révolution de 1830, François d'Orléans, prince de Joinville.
Imagem: Sotheby's

que elle era muito admirador da Inglaterra, que a estimava como a pátria de Canning, de Fox, de Bentham, como a terra do jury, da imprensa livre e dos parlamentos; que tinha meditado e estudado as suas instituições, fazia todos os esforços para introduzir as melhores no seu paiz, mas que as leis de Inglaterra haviam de ser importadas em navios commerciantes, para terem despacho nas alfandegas de Portugal;

porque se fossem trazidas em navios de guerra, e pelos seus publicistas de farda vermelha, não lhes serviriam senão para fazer cartuchos, e que assim as tornariam a enviar; que não receiava uma esquadra, porque não podia arremessar sobre Lisboa mais bombas e balas rasas, do que elle já vira em cima do Porto; 

que a Inglaterra devia considerar qual foi o desgraçado resultado da sua expedição de sir John Norris e de sir Francis Drake [Account of operations during Sir John Norris and Sir Francis Drake's Portugal expedition], e que na guerra da península nunca pude pôr em campo mais do que trinta mil homens, e que com trinta mil homens não se submette Portugal;

que elle esperava que sua magestade tivesse assas dignidade para rejeitar os offerecimentos da Inglaterra, porque os não necessitava, bastando-lhe o amor do seu povo; que elle esperava que emquanto a nação poríugueza seguisse os seus conselhos, nem Portugal seria uma prefeitura de Inglaterra, nem sua magestade um alto commissario das ilhas Jonias [v. O Panorama n° 72, 15 de setembro de 1838]".

Declarando a firme resolução de bater os inglezes se desembarcassem, Passos Manuel voltou-se para a rainha e disse: "Vossa magestade pôde vir para o campo de Ourique, onde será recebida com as maiores demonstrações do nosso amor e lealdade". 

E voltando-se para os generaes presentes: — Senhores, a Inglaterra ameaça-nos. Não temo as suas ameaças. 

Mas não quero que nenhum portuguez se deshonre. Srs. generaes, o vosso logar é no campo de Ourique, á frente dos portuguezes que pelejam pela independência da pátria. Ahi sereis recebidos como amigos, como camaradas e como porttuguezes. Estou certo que nenhum de vós ha de faltar á sua pátria.

*
*     *

As palavras de Passos Manuel irritaram sobremaneira o príncipe D. Fernando, que approximando-se de Manuel Passos, disse-lhe: "Monsieur le roi Passos! comment vont vos sujets a Lishonne?" 

D. Fernando.
Imagem: Museu de Lisboa

Passos Manuel respondeu serenamente: "Não tenho subditos. Em Lisboa só ha súbditos fieis a sua magestade a rainha".

Acudiu o príncipe: "Mas que lhe não obedecem".

"Porque sua magestade manda o que não pôde, ou o que não deve...", replicou Passos Manuel.

Manuel da Silva Passos (1801-1862).
Imagem: issuu

A discussão ia-se azedando mais e mais, quando uma das pessoas presentes se dirigiu a Manuel Passos e fez-lhe ver a necessidade de acabar com a triste situação em cjue se achava a rainha. Ao que elle respondeu: "O meu sangue e a minlia vida, pertencem a sua magestade. Salval-a, honral-a e restituil-a ao amor do seu povo é o meu maior empenho. 

Estou prompto para fazer a bem de sua magestade tudo quanto possa. Evitar a effusão de sangue portuguez foi sempre o meu mais vivo desejo. Mas eu espero que os cavalheiros que se acham aqui sejam recebidos pelos meus amigos como irmãos, e que nenhuma recordação das nossas dissensões possa existir."

Logo em seguida a rainha nomeou para tratarem com elle e Sousa Saraiva o duque de Palmella, marquez de Saldanha e conselheiro Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato.

Diz-se que este por essa occasião dissera á rainha, que, depois do que tão imprudentemente tinha feito, devia abdicar, e que a não succeder assim, para poder continuar a reinar não havia outro recurso senão o entregar-se á generosidade de Manuel Passos. 

Reunidos todos, Manuel Passos disse que a base do projectado accordo se devia cifrar n'isto:

"Haverá uma perfeita reconciliação entre os súbditos de sua magestade a rainha; todos lhe foram igualmente fieis e addictos á liberdade. O véu do esquecimento será lançado sobre as nossas dissensões constitucionaes.

Nas luctas civis ninguém peccou. Todos somos súbditos fieis da rainha; todos liberaes. As cortes constituintes reformarão não só a constituição de 1822, mas também a Carta de 1826."

Não se podendo chegar logo a accordo, os representantes da rainha entregaram a Manuel Passos a seguinte proposta, que elle recebeu para apresentar no campo de Ourique aos commandantes das forças ali reunidas:

"1.ª Que se convocarão immediatamente cortes geraes com representantes munidos de poderes especiaes para fazerem na Carta de 1820, e na constituição de 1826 as alterações que julgarem necessárias para assegurar a liberdade legal da nação portugueza, as prerogativas da corôa de sua magestade a senhora D. Maria II, e que sejam conformes com os princípios adoptados nas demais monarchias constitucionaes da Europa.

Lisboa, Praça do Rossio no dia 1 de outubro de 1820. Entrada solene da Junta Provisória do Porto.
Imagem: Histórias com História

2.ª Que a camara de pares, tal qual se achou constituída antes do dia 10 de setembro passado, votará sobre as mesmas alterações, salvo na parte qne possa dizer respeito á organisação da mesma camará.

3.ª O respeito e amor â rainha são sentimentos vigentes no peito de todos os poríuguezes constitucionaes, quaesquer que tenham sido até o presente as dissidências de opinião sobre a organisação politica; e elles se consideram como igualmente unidos para o futuro nos desejos de manter a paz e de assegurar a liberdade nacional sobre as bases de uma monarchia representativa.

4.ª Ficam dependendo de approvação posterior estes artigos combinados pelos commissarios. 

Paço de Belém, em 4 de novembro de 1836.

(Assignados) Duque de Palmella, Marquez de Saldcuiha, Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato."

Na volta para Lisboa Manuel Passos correu grave risco de ser assassinado, pelo menos disse-se isto então com muita insistência. 

A demora em Belém poz em sobresalto os revoltosos do campo de Ourique, onde os boatos mais encontrados principiaram a ser espalhados.

Paço Real de Belém.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

A anarchia generalisava-se, e para que se não repetissem, e agora em mais larga escala, as scenas de Alcântara, o marquez de Ficalho e Anselmo José Braamcamp, aquelle camarista da rainha e este um dos mais considerados e respeitáveis cavalheiros de Lisboa e. membro da regência do reino em 1821, foram procurar o visconde de Sá da Bandeira, e pediram-lhe para que se não recusasse por mais tempo pòr-se á testa do movimento popular, assumindo quanto antes o commando da guarda nacional, a fim de impedir o desenvolvimento da anarchia que ameaçava a capital. 

O visconde de Sá accedeu ao pedido, e na própria carruagem de Anselmo Braamcamp se dirigiu para o campo de Ourique.

Logo á sua chegada o visconde de Sá salvou a vida ao commissario em chefe do exercito Luiz José Ribeiro, que corria o grave risco de ser assassinado pela populaça armada que ali estacionava. 

A junta governativa instou novamente com o visconde de Sá paia que acccitasse o commando da guarda nacional, ao que elle respondeu que o faria, mas sob a condição dos batalhões nacionaes cumprirem fielmente as suas ordens, e que logo que as deixassem de cumprir immediatamentc aliandonaria o commando.

Estas condições foram acceitas com entluisiasmo por todos os batalhões da guarda, que vendo-se com um chefe tão experimentado como bravo, de novo principiaram a gritar:

A Belém! a Belém! 

A agitação era extrema. "Resistir á vontade geral era n'este momento querer o impossível", disse annos depois o próprio visconde de Sá. 

Uma marcha inmiediata sobre Belém tinha graves riscos, pois alem da grande exaltação em que se encontrava a guarda nacional havia a temer os desvarios da populaça, que necessariamente a havia de seguir, e que nenhuma auctoridade seria capaz de conter, muito principalmente depois do assassínio de Agostinho José Freire.

Para evitar aquelles perigos era necessário demorar a marcha da guarda nacional o mais que fosse possível. Para isso dividiu as forças em três columnas, uma das quaes fez logo marchar para a ponte de Alcântara, caminho de Belém, onde ficaria sob as armas até elle ordenar outro qualquer movimento, devendo as outras duas irem tomar posições nas vizinhanças d'aquelle ponto. 

Aos respectivos commandantes ordenou que dessem licença ás praças para irem a suas casas tomarem algum alimento, lembrança acertada que tornando muito demorada aquella marcha, fez passar o resto do dia sem maior novidade.

Era já noite quando a guarda nacional chegou á ponte de Alcântara. O visconde de Sá estabeleceu aqui o seu quartel general? Em Belém o desanimo era enorme; parte da tropa de linha que ali se achava principiava a manifestar-se pelas que em Lisboa sustentavam o ministério setembrista.

Não havendo portanto confiança na força, como se podia confiar na victoria da contra-revolução, seriamente ameaçada pela reacção da capital? 

Ou receiosa de qualquer enxovalho, ou porque quizesse intimidar os setembristas em armas, a rainha pediu auxilio immediato ao commandaiite da esquadra ingleza, que logo fez desembarcar na praia da Junqueira uns seiscentos ou setecentos soldados do seu commando.

Henri L'Évêque, Vista da Cidade de Lisboa tomada da Junqueira.
Imagem: ComJeitoeArte

Isto deu-se ás duas horas da madrugada do dia 5. N'este meio tempo chegava a Lisboa Manuel Passos com as propostas da commissão de Belém.

A junta revolucionaria reuniu-se immediatamente para deliberar, e ouvidos os commandantes de alguns corpos da guarda municipal e outras pessoas affectas ao setembrismo, assentou-se enviar a Belém o seguinte documento:

"1.° Reunir-se-hão quanto antes as cortes geraes, convocadas pelo decreto de 8 de outubro, mas os representantes virão munidos de poderes especiaes para fazerem na constituição de 1822, e na Carta de 1826, as alterarôes que julgarem necessárias para assegurar a liberdade legal da nação portugueza, as prerogativas da coroa de sua magestade fidelissima a senhora D. Maria II, e que sejam conformes com os principios adoptáveis nas demais monarchias constitucionaes da Europa.

S.M.I. o Senhor D. Pedro restituindo sua Augusta Filha a Senhora
D. Maria Segunda e a Carta Constitucional aos Portugueses,
Nicolas-Eustache Maurin,1832.
Imagem: Wikipédia

As modificações admissíveis e adoptáveis na Carta de 1820 nunca podiam rejeitar-se, e até não contrariam o juramento ultimamente prestado. Por isso voluntariamente n'ellas convém os abaixo assignados.

2.° Os actos governativos desde 10 de setembro, com especialidade os decretos de execução permanente, serão garantidos. 

3.° Pede-se a sua magestade fidelíssima se digne nomear um ministério de inteira confiança da nação. 

4.° O desejo geral de todos os poríuguezes é assegurar as liberdades publicas e conservar as prerogativas da coroa e a dignidade do throno. 

Preenchidos estes dignos fins, nenhum sacrilicio lhes será custoso, e prestarão ao governo todo o apoio que possa depender dos cidadãos. 

A harmonia entre todos os portuguezes, a ordem publica e a segurança individual são os objectos dos mais ardentes desejos de todos os cidadãos que o mais puro interesse nacional conserva reunidos. 

José Victorino Barreto Feio, L. R. Sousa Saraiva, Julio Gomes da Silva Sanches, António Bernardo da Costa Cabral, José Alexandre de Campos, Vísconde de Sá da Bandeira, Anselmo José Braamcamp, Visconde do Reguengo, Antonio Dias de Oliveira, Barão de Faro, António Cabral de Sá Nogueira, Conde da Taipa, João Gualberto de Pina Cabral, Jeronymo Ferreira Duarte, Guilherme José Martins, João Baptista de Almeida Garrett."

Almeida Garrett (1843?).
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Assignada a resposta foi levada ao visconde de Sá, que havia estabelecido o seu quartel general do lado de lá da ponte de Alcantara, para que a enviasse a Belém. Um facto extraordinário, porém, obstou a que aquelle documento fosse levado ao seu destino. Foi impedida a passagem ao official que o levava, pelas forças estrangeiras que por ordem da rainha poucas horas antes tinham desembarcado. 

Recebida esta noticia n'aquelle quartel general, reuniu-se ah logo ajunta revolucionaria, que, de accordo com o visconde de Sá, deliberou não tratar cousa alguma emquanto as tropas estrangeiras se conservassem em terra, e que d'isto se informasse o marechal Saldanha. 

A este dirigiu o mesmo visconde de Sá por um parlamentario, das seis para as sete horas da manhã, o seguinte officio:

I11.'"° e ex.'"° sr.

— A resposta ollicial sobre as bases em que devemos concordar para conciliação foi, durante a noite, por mim enviada a v. ex.ª, mas as forças estrangeiras que occupam essa parte do território portuguez, a não quizeram receber;

agora torno-a a enviar a v. ex.ª por nm parlamentario. O desembanjue, porém, d'estas tropas, e a attitude de guerra em que se acham, tem alterado inteiramente o estado da questão, a qual não é já entre portnguezes e portnguezes, mas entre portnguezes apoiados em força estrangeira.

Porque a commissão nomeada para sustentar as instituições juradas pela soberana e pela nação, entende que sua magestade a rainha se não acha plenamente livre para deliberar, nem aconselhada por seus conselheiros naturaes.

Assentou, pois, a commissão, e me incumbe de o commimicar a v. ex.ª, que como preliminar a toda a negociação, convém que a força estrangeira deixe sua magestade em plena liberdade, reembarcando-se. 

Deus guarde a v. ex.ª

Quartel em Alcântara, 5 de novembro de 1836.

(Assignado) Visconde de Sá da Bandeira."

A attitude enérgica de Sá da Bandeira acabou de convencer os homens de Belém de que era impossível por então levar por diante o projecto de restauração da Carta. 

Ao amanhecer do dia 5 o tenente coronel Vellez Barreiros (depois visconde de Nossa Senhora da Luz), foi pelo marechal Saldanha mandado ao quartel general do visconde de Sá, a fim de se ultimar a encetada negociação.

O visconde, de accordo com a junta, respondeu ao parlamentario que nada podia tratar emquanto uma só bayoneta estrangeira pisasse o solo portuguez, o que logo foi levado ao conhecimento do marechal Saldanha pelo mesmo coronel.

As forças inglezas embarcaram então, e pelas dez horas voltava Barreiros com esta noticia e com o pedido para o visconde de Sá se ir encontrar no palácio do conde da Ribeira á Junqueira com Saldanha, que já o esperava. 

Vista de Lisboa tirada de huma altura da Junqueira, caminho de Belem, Charles Legrand, c. 1845.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

O visconde de Sá partiu immediatamente. Saldanha declarou que não acceitava as condições que lhe haviam sido enviadas sem grandes modificações. A isto respondeu o visconde de Sá que era impossível acceder, e que a guarda nacional ia continuar a sua marcha para Belém. 

Foi este o golpe de misericórdia. Saldanha disse que todos se entregavam á discrição ao visconde de Sá, e que pela sua parte a rainha o nomeara a elle visconde de Sá presidente do conselho de ministros, e que acceitaria para fazerem parte do novo gabinete as pessoas que elle indicasse. Depois perguntou se ficavam satisfeitos com a resolução da rainha, ao que os membros da junta responderam affirmativamente, partindo em seguida para Alcântara.

O visconde de Sá foi para Belém com o marechal. Recebido logo pelo principe D. Fernando, foi pouco depois á presença da rainha, que lhe repetiu o que o marechal lhe tinha dito já, isto é, que o nomeava presidente de ministros, e que escolhesse elle as pessoas que julgasse deverem compor o novo gabinete. 

O visconde indicou os nomes dos seus ex-collegas Manuel Passos e António Manuel Lopes Vieira de Castro. Sua magestade approvou sem repugnância a escolha, e disse ao visconde que fosse fallar com os membros do corpo diplomático, que se achava reunido no paço.

Conversou-se largamente sobre os acontecimentos que acabavam de dar-se, fazendo o visconde ver a alguns dos embaixadores que eram inteiramente infundados os seus receios com respeito á segurança de sua magestade a rainha e do principe D. Fernando.

Retrato de D. Fernando II (no Palácio de Adjuda), 1836.
Imagem: Parques de Sintra

A conferencia ia-se prolongando e os decretos sem estarem lavrados, o que augmentou a desconfiança que existia já no espirito das forças reunidas em Alcântara. Uma pequena parte da guarda nacional poz-se então em marcha com destino a Belém.

O pânico produzido no paço por esta noticia foi incrivel, pois julgou-se que as forças todas avançavam para ali.

Saldanha pediu ao visconde de Sá que fosse ao encontro da força e impedisse a continuação da sua marcha. O visconde partiu immediatamente, e apesar de ser grande a agitação que lavrava nas fileiras, conseguiu tranquillisar a impaciência da guarda nacional, affirmando sob sua palavra que os decretos nomeando o novo ministério iam ser publicados sem demora. 

Voltando logo a Belém, o visconde fez ver á rainha que se os decretos não fossem publicados immediatamente a guarda nacional marcharia sobre Belém. 

O decreto que nomeava o visconde de Sá presidente de ministros foi então assignado pela rainha e referendado pelo visconde do Banho.

É o único documento que figura no Diário do governo, assignado por um dos membros do gabinete de Belém. Os decretos da nomeação dos outros dois ministros foram referendados pelo visconde de Sá. 

Publicados os decretos, a excitação acalmou; e a rainha, a instancias do visconde de Sá e acompanhada por elle, voltou para as Necessidades por entre os batalhões da guarda nacional, que a saudaram respeitosamente, regressando em seguida a quartéis.

Palais de Necessidades, Celestine Brelaz (Lenoir), c. 1830.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

A crítica dos successos que acabámos de narrar, na parte que diz respeito á rainha, fal-a com toda a verdade o notavel estadista e distinctissimo escriptor o sr. António do Serpa [Alexandre Herculano e o seu tempo. Lisboa, 1881, pag. 171.] n'estas linhas: 

"Este golpe d'estado não foi um capricho da joven e corajosa princeza, que na curta idade de dezesete annos cingia a coroa de um reino devorado pelas facções, alastrado das ruínas de instituições seculares que tinham desabado, e onde obreiros inexpertos apenas começavam a edificar as construcções da nova sociedade politica. 

Este golpe d'estado era devido ás instigações que vinham do estrangeiro, a influencias que deviam ser insuspeitas e poderosas no animo varonil mas inexperiente da joven rainha. 

Estas instigações vinham dos estadistas de uma nação poderosa, como era a Inglaterra, e de um monarcha popular e prudente, que foi mais tarde o Nestor dos monarchas da Europa, o rei Leopoldo da Bélgica, e eram suggeridas provavelmente pelas informações terroristas dos enviados que a Inglaterra e a Bélgica tinham em Portugal [cf. Lèopold le roi des hehjes, par Théodore Juste. Bruxelles, 1838, vol. II, pag. 74. Lettre adressée au comte Goblet d'Alviella. par le marquis de Sá da Bandeira. Lisbonne, 1870, pag. 20 ]." 

Após a partida da rainha para as Necessidades, um grande numero de individuos que se achavam em Belém, e que se julgavam compromettidosna mallograda revolução, refugiaram-se a bordo dos navios de guerra inglezes, receiosos de ser perseguidos. 

Passados dias quasi todos voltaram tranquillamente a suas casas, pois foi-lhes communicado extra- officialmente que o governo não tomava medida alguma de repressão pelo motivo dos últimos acontecimentos.

A uma carta escripta em 6 de novembro por lord Howard, perguntando se o governo tencionava proceder contra os que haviam tomado parte na revolução, respondeu Sá da Bandeira que tal não havia e que o maior desejo do governo era a reconciliação dos partidos.

Apesar d'isto o sub-delegado do procurador régio José Calazans da Fonseca e Castro requereu no dia 18 de novembro querella contra o duque de Palmella, conde de Villa Real, José da Silva Carvalho, Joaquim António de Aguiar, Manuel Gonçalves de Miranda, padre Marcos, barão de Renduffe, Carlos Morato Roma, José Joaquim Gomes de Castro e Francisco Gomes da Silva, como chefes da rebellião operada em Belém no dia 4 e 5 de novembro.

O juiz indeferiu.

A propósito é bom lembrar esta passagem de um discurso de Manuel Passos:

"A constituição de 1822 tinha sido proclamada em 9 de setembro de 1836.

Passos Manuel, durante os trabalhos das Cortes de 1821 reunidas no Palácio das Necessidades, que aprovariam a primeira Constituição Portuguesa. Pintura de Veloso Salgado, que decora o interior da Sala das Sessões do Parlamento.
Imagem: Assembleia da República

O partido cartista insurreccionou-se depois em Belem. Foi vencido. Nem antes nem depois da revolta, nenhum homem d'este partido foi perseguido por mim. 

Não houve uma palavra insultuosa. E o partido vencedor abraçou cordialmente os vencidos, dando assim um singular exemplo de moderação...

Os meus sentimentos eram tão benévolos, que nem amnistia queria conceder: porque nunca considerei como crime similhante tentativa. Foi uma divergência de opinião entre os soldados da liberdade, entre os súbditos fieis da rainha.

Não me considerava nem melhor cidadão do que os meus adversários, nem mais leal ao throno do que elles; apesar de que n'estes dois sentimentos a ninguém quero conceder vantagem. 

Mas um delegado do procurador régio querelou perante o poder judicial de diversas personagens que tinham tomado parte na revolta de Belém. Recordo-me que no numero dos querelados estavam os nomes dos duques de Palmella e da Terceira, marquez de Saldanha e Trigoso. 

O governo julgou n'este caso da sua obrigação atalhar no começo esta funestíssima tendência, e propoz a sua magestade a concessão de uma amnistia amplíssima, a qual com effeito foi concedida por decreto de 18 de novembro do mesmo anno, por mim referendado. 

A camara vê com quanta honra e distincção tratei os meus adversários: e julgará se era possível ser mais delicado com os vencidos. A revolta de Belém, a que os jurisconsultos, na sua phrase dura, chamaram 'rebellião e crime de lesa-magestade de primeira cabeça', chamei eu 'passadas desintelligencias, nascidas somente da diversidade de opinião sobre a melhor organisação do systema representativo'. 

E quando se publicou este decreto, para obstar aos procedimentos judiciaes contra os vencidos, a camara sabe que não bavia um único cidadão preso, nem perseguido; porque no mesmo dia em que triumpbou a revolução passei ordem para que fossem soltos todos os que porventura estivessem presos. E não me recordo de que estivesse preso na capital um só individuo. 

[...]

No dia 4 de novembro, collocado na ponte de Alcântara, em frente dos batalhões que a queriam forçar, disse lhes:

'Não passareis para Belém senão por cima do meu cadáver.'

Ponte de Alcântara, desenho de Nogueira da Silva, 1862.
Imagem: Hemeroteca Digital

O meu sangue e dos meus amigos todos, havia de correr primeiro do que se tocasse n'um cabello dos nossos compatriotas qne estavam em Belém [Sessão da camará dos deputados, de 18 de outubro de 1844].

Com aquella protecção prestada pela esquadra ingleza aos vencidos de Belém, prende-se o seguinte facto que cumpre não esquecer, pois elle demonstra bem qual é a apregoada hospitalidade ingleza:

Em 27 de dezembro lord Howard dirigiu uma nota ao visconde de Sá da Bandeira, em que lhe commimicava que o governo britannico tinha recebido do almirante sir William [Hall] Gage [comandante da Lisbon Station a.k.a. Lisbon Station and Coast of Spain de 1837 a 1841] uma conta das despezas feitas a bordo dos navios do seu commando no Tejo com os indivíduos portuguezes que ali tinham sido obrigados a refugiar-se para escapar á ira popular, nos primeiros dias de novembro, despezas que subiam a 458 libras sterlinas e 14 shillings, as quaes tinham sido feitas para salvar a vida de tantas pessoas illustres, que o seu governo julgava que esta importância devia ser paga pelo governo portuguez, e que elle havia recebido instrucções de lord Palmerston para se dirigir ao visconde de Sá a fim de elle ordenar o seu pagamento. 

No Tejo, John Wilson Carmichael (1800-1868), 1842.
Imagem: Sotheby's

Ao ministro inglez respondeu o visconde de Sá que podia mandar quando quizesse ao ministério dos negócios estrangeiros receber a quantia pedida, acrescentando que se o almirante Gage tivesse feito apresentar a conta ás pessoas que haviam pedido hospitalidade a bordo dos seus navios, ellas teriam sem duvida pago as despezas que ali occasionaram. 

Em vista d'esta resposta, e calculando agora o passo errado que havia dado, lord Howard pediu em carta confidencial que dirigiu ao visconde de Sá, em 31 de dezembro, para retirar aquella nota, ao que este promptamente accedeu, livrando assim a Inglaterra de mais esta vergonha. 

A esta segunda carta respondeu o visconde de Sá pelo seguinte modo:

"Confidencial. — Lisboa, 2 de janeiro de 1837. 

— Meu caro lord Howard.

— Em consequência da vossa carta confidencial de 31 de dezembro, restituo-vos a vossa nota de 27.

Acho-me contente por haveres tomado a determinação de a retirar, porque provavelmente ella iria dar logar nas cortes ás observações sobre o direito de pedir o pagamento em questão, e ás recriminações nocivas ás pessoas que tomaram parte nos negócios de Belém, o que não podia deixar de causar no parlamento britannico um echo pouco harmonioso sem duvida para alguns personagens. 

HMS Donegal descendo o Tejo à passagem da igreja de Santa-Engracia, John Wilson Carmichael, 1837
Imagem: Christie's

A recusa de pagar o dinheiro pedido seria no estado actual das cousas um meio de popularidade n'este paiz; mas aquillo de que elle tem precisão é de tranquillidade, e por esta rasão completo esquecimento das discórdias civis.

Crede-me, etc.

Sá da Bandeira." (1)


(1) Marques Gomes, Luctas caseiras: Portugal de 1834 a 1851, Lisboa, Imprensa Nacional, 1894

Leitura relacionada:
José de Arriaga, História da Revolução de Setembro, Tomo I,  Typ. da Companhia Nacional Ed.
José de Arriaga, História da Revolução de Setembro, Tomo II,  Typ. da Companhia Nacional Ed.
José de Arriaga, História da Revolução de Setembro, Ttomo III,  Typ. da Companhia Nacional Ed.
Marques Gomes, A verdade histórica e a História da Revolução de Setembro por José de Arriaga
Bulhão Pato, Memórias Vol. I, Scenas de infância e homens de lettras, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1894

Leitura adicional:
José de Arriaga, História da Revolução Portugueza de 1820, 2° volume, 1886
José de Arriaga, História da Revolução Portugueza de 1820, 4° volume, 1886

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

A Belemzada, Lisboa 1836

Na noite de 2 de novembro de 1836 os navios da esquadra ingleza fundeada no Tejo principiaram a fazer diversas manobras indicadoras de um próximo desembarque ou bombardeamento da capital. A isto correspondiam de terra differentes signaes com luzes, reveladores de um plano de antemão ajustado. 

Retrato de D. Maria II (detalhe), John Simpson, c. 1837.
Imagem: Wikipédia

A noticia divulgou-se rapidamente, mas não surprehendeu o governo, porque dias antes lord Howard [de Walden, embaixador britânico em Portugal] lhe havia dado conhecimento de que as tropas inglezas, que se achavam a bordo da esquadra, desembarcariam se a rainha se julgasse em risco. 

O visconde de Sá da Bandeira, que havia assegurado já a lord Howard que tal risco não existia, pois ninguém conspirava contra o throno, escreveu-lhe uma carta ás três horas da manhã do dia 3, repetindo-lhe isto mesmo e a pedir-lhe que impedisse o desembarque que parecia preparar-se.

General Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo (1795-1876)
Marquês de Sá da Bandeira.
Imagem: Academia Militar

Seis naus e três brigues de guerra inglezes, na força de oitocentas peças de artilheria de grosso calibre, se viam em linha desde o Terreiro do Paço até ao caes de Sodré, não faltando em mais três naus, uma fragata e um brigue de guerra francezes, que igualmente pareciam ameaçar a capital.

Dizia-se que esta altitude das duas esquadras era destinada a proteger as pessoas e o commercio dos súbditos das duas nações, que aliás ninguem ameaçara. Dias antes uma deputação composta dos ministros da França e do Brazil havia procurado Manuel Passos a fim de lhe pedir garantias para o corpo diplomático. 

A contra-revolução avizinhava-se; porém, os vencedores da véspera, como já ha muito a esperassem, declararam-se desde logo aptos para a combater.

Durante dois mezes, dizia Manuel Passos, os ministros soffreram as maiores contrariedades; e não só sustentámos a revolução, combatida por muitas forças contrarias, mas creámos todos os elementos de resistência, e sobre isso demos aos negócios públicos e particulares a maior attenção, tão breve despacho como talvez nunca até ali tiveram em Portugal.

Passos Manuel, Manuel da Silva Passos (1801-1862).
Imagem: Junta de Freguesia de Guifões

O resultado da nossa administração foi a resistência que universal e simultânea appareceu em todo o reino, a conspiração de Belem. O mez de novembro começou medonho. Os ministros passaram muitas noites quasi sem dormir, velando pela liberdade do paiz" [carta de Manuel Passos ao Nacional, dezembro de 1836]. 

O ministério reuniu logo, resolvendo que Manuel Passos fosse immediatamente ao paço expor á rainha as fataes consequências que podia ter o desembarque das tropas estrangeiras que parecia preparar-se, e que o governo estava resolvido a resignar o poder se sua magestade o julgasse necessário. 

Manuel Passos, recebido pela rainha, significou-lhe que se sua magestade passasse a bordo de um navio inglez, elle considerava que por tal facto sua magestade saía do território portuguez e tinha abdicado; que se consentisse que a esquadra ingleza ou as suas tropas desembarcassem sem licença das cortes, ella declarava a guerra ao seu paiz, o que seria de funestas consequências.

Victoria da Legitimidade (26 Jul 1833),
Maurício José do Carmo Sendim.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Mas que se sua magestade queria fazer com meios portuguezes a contra-revolução, elle deplorava essa resolução; que assegurava a sua magestade nada podia fazer, mas que depois de esmagar no campo os revoltosos, teria sempre por sua magestade a maior consideração, e então lhe daria a maior prova da sua lealdade, trazendo-a de novo em triumpho ao seu palácio; 

que elle esperava, apesar de tão grande falta, poder assegurar a sua magestade o amor do povo portuguez, que sabia extremar a joven e inexperiente rainha dos seus aulicos e maus conselheiros; finalmente que se demittia de ministro, mas não de portuguez, e que n'esta qualidade empregaria todos os meios para defender a revolução.

Depois de haver conferenciado com a rainha, Manuel Passos encontrou-se casualmente com o duque da Terceira, que se achava também no paço, e referindo-se aos acontecimentos que se estavam dando, disse-lhe:

— E os ministros porque não restabelecem a Carta? Ao que aquelle respondeu: 

— Porque não são traidores. Encarregaram-se de defender a revolução e ella será defendida. 

E acrescentou logo: 

— Estamos na véspera da guerra civil: amanhã v. ex.a vae commandar os exércitos da rainha e eu os da republica: se a espada de Bouças se medir com a espada da Asseiceira, nem por isso a minha amisade e consideração para com v. ex.a soffrerá a menor quebra.

Ao ministro da justiça Vieira de Castro fez a rainha idêntica proposta, que elle repelliu igualmente, dizendo-lhe: aque os ministros de setembro, nem por palavras, nem por factos, por nenhuma feição do seu rosto, tinham dado a sua magestade o direito de lhes fazer propostas ignominiosas, e de lhes propor um acto de vilania, deslealdade e traição.

oooOooo

Explicando este facto, que o próprio duque da Terceira confirmou, disse Manuel Passos na sessão da camará dos deputados de 18 de outubro de 1844: 

"Aqui a palavra republica não significa senão o desprezo que eu tinha por aquelles que queriam inculcar que o partido de setembro, tão fiel ao throno como os que o são mais, era republicano.

A republica é actualmente impossível na Europa, sel-o-ha por muito tempo. Se eu tivesse a triste convicção de que a republica convinha ao paiz, de que a monarchia ou a actual dynastia eram incompatíveis com a felicidade da nação, teria a franqueza de o dizer. Mas felizmente a nação é toda monarchica, e sua magestade o objecto de todas as sympathias e adorações de seus leaes súbditos".


oooOooo

A rainha mostrava-se receiosa e indecisa. Não acceitou nem denegou a demissão ao ministério, apesar d'esta lhe ter sido muito recommendada pelos auctores da contra-revolução. A attitude enérgica de Manuel Passos e de Vieira de Castro, que a principio desalentara a rainha, fez com que aquelles instassem com esta para que passasse para o paço de Belém, a fim de melhor realisar o golpe d'estado, pelo qual devia ser demittido o ministério e restaurada a Carta.

Correio das Damas, 1836.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

O paço de Belém era no caso presente um ponto muito mais estratégico do que o das Necessidades: aquelle ficava, por assim dizer, debaixo das baterias da esquadra ingleza. Isto mesmo havia sido lembrado pelo rei Leopoldo, que dias antes dizia ao conde de Goblet: "É preciso que a rainha, para operar, tenha um ponto de apoio, isto é, Belém, ou qualquer outro sitio debaixo das baterias da esquadra, pois é na esquadra que ella se deve apoiar". 

HMS Cornwallis, navio de linha de 74 bocas de foco que se encontrava no Tejo em 1836.
Imagem: Wikipedia

Lord Palmerston pensava do mesmo modo, e assim o communicou áquelle monarcha, dizendo-lhe que a rainha devia estar ao abrigo de qualquer perigo pessoal; que ella não podia residir senão em Belém, pois não se lhe podia enviar a esquadra ás Necessidades.

No dia 3 a rainha foi para o paço de Belem, annunciando previamente a sua partida ao presidente de conselho conde de Lumiares, dando como rasão o querer evitar insultos e para não ouvir cantigas injuriosas. Para Belem principiou logo a dirigir-se tudo que havia de mais importante no partido cartisía, e bem assim muitos partidários de menor calegoria, estando para todos patente a quinta e salas do paço. 

Vista geral dos jardins e palácio de Belém em1886.
Imagem: Hemeroteca Digital

Também para ali foram a imperatriz D. Amélia e a infanta D. Izabel Maria. Seriam dez horas da noite coiando o conde de Mafra, camarista de semana, chamava por ordem da rainha todo o ministério, e bem assim o administrador geral, commandante da primeira divisão militar, conde de Avillez, commandantes de todos os corpos de linha e outros funccionarios de elevada categoria.

Esta ordem prescrevia-lhes que se apresentassem immediatamente no paço, pois se tratava de assumptos importantes.

Para sua guarda requisitou a rainha igualmente, por intermedio do conde de Mafra, toda a tropa de linha disponivel. Foram-lhe mandados apenas cento e cincoenta homens escolhidos de infanteria 1, 2 e 10. O ministerio, quando recebeu o aviso para se apresentar no paço, achava-se reunido em casa de Sá da Bandeira, conjunctamente com muitos dos seus partidários. 

Discutia-se ali o que mais convinha fazer, vista a attitude ameaçadora das esquadras ingleza e franceza e da contra-revolução palaciana, que a rainha capitaneava, e que estava prestes a rebentar, se já mesmo não tivesse rebentado.

Aquella communicação veiu confirmar que a contra-revolução caminhava, e passando-se a deliberar sobre o que conlvinha fazer perante este caso novo, resolveu-se que apenas fosse ao paço o ministro da justiça, por ser este, segundo uns, a quem a rainha parecia dispensar mais alguma sympathia, e segundo Manuel Passos, porque n'esta conjunctura se podiam dispensar padres e escrivães.

Chegado que foi ao paço o ministro da justiça, a rainha disse-lhe que o motivo por que chamara os ministros exigia a presença de todo o ministério, e que por isso a elle só nada tinha a communicar. 

Vieira de Castro pela uma hora da noite voltou a Lisboa para informar d'isto os seus collegas e ao mesmo tempo fazer-lhes ver que a contra-revolução era certa, não havendo n'aquelle chamamento outro fim que não fosse o prender os ministros.

Parece que Manuel Passos opinara então que se marchasse desde logo sobre Belém, fazendo tocar os tambores e os sinos a rebate. Outros conselhos, porém, prevaleceram, e contra o voto d"elle decidiu-se que fossem ali os ministros, com excepção do visconde de Sá da Bandeira. 

HMS Brig Pantaloon off Belem Castle, Nicholas Matthew Condy.
Imagem: askART

Partiram, pois, para Belém o conde de Lumiares, Vieira de Castro e Passos, ficando em Lisboa Sá da Bandeira com o pretexto da necessidade de prover á segurança publica, em presença do estado de agitação em que tudo então se achava, mas na realidade para resistir até á ultima extremidade contra a reacção, como os seus collegas lhe recommendaram.

"O visconde com toda a rasão se decidiu a não sair de Lisboa, pois só assim se poderia manter á frente das guardas nacionaes em plena liberdade de acção, cousa de que em taes circumstaneias precisava, habilitando-se por este modo a tratar sobranceiramente com a corte em nome da constiluição proclamada, quando isto lhe conviesse. 

Membro influente de um gabinete setembrista, reconheceu, com rasão, que o seo logar próprio não podia ser em Belém, mas sim em Lisboa, entre os do seu partido, que tinha por obrigação moral de- fender. A rainha não devia contar com elle para a restauração de um regimen, que de accordo com ella teve de aban- donar, com a expressa condição de não ser traidor áquelle que fora obrigado a defender. 

N'este seu procedimento com rasão teve por inútil dirigirse ao paço, onde nada mais faria que receber de braços cruzados a sua demissão, e por meio della concorrer para o aniquilamento da causa, que pela própria soberana fora obri- gado a abraçar" [Vida do marquez de Sá da Bandeira, por Simão José da Luz Soriano. Lisboa, 1888, tomo II, pag. 73].

Torre de Belém, Robert Batty, c. 1830.
Imagem: Flickr Hive Mind

Chegados a Belém os ministros, a rainha ordenou ao da guerra, conde de Lumiares, que fizesse marchar para ali toda a força de linha existente em Lisboa, que na verdade era então bem diminuta.

Em seguida a rainha disse-lhes que se considerassem demittidos e fez apresentar a Manuel Passos os decretos da nomeação do novo ministério para referendar, o que elle fez innnediatamente.

Os ministros nomeados foram: marquez de Valença, presidência e estrangeiros; visconde do Banho, reino; visconde de Porto Covo, fazenda; Francisco de Paula de Oliveira, justiça; barão de Leiria, guerra; e José Xavier Bressane Leite, marinha [...]

*
*     *

Conjunctamente com os decretos de nomeação do novo ministério, a rainha assignou um outro concedendo uma ampla amnistia e uma proclamação explicando a mudança ministerial.

Estes documentos são os que seguem:

"Proclamação de sua magestade fidelissima a senhora D. Maria II da nação portugueza. 

Retrato de D. Maria II, John Simpson, c. 1837.
Imagem: Wikipédia

— Portuguezes! Um clamor sedicioso pôde congregar na noite de 9 de setembro uma porção de povo armado, que n'um fatal momento de allucinação ousou derribar a Carta fundamental da monarchia, outorgada por meu augusto pae e libertador da pátria, acceita e jurada pela nação, reconhecida pelas potencias europêas e resgatada com o sangue porluguez, á custa dos mais heróicos sacrifícios, que hão de sempre dourar as paginas da nossa historia! 

Reconhecida unanimemente a legitimidade e vantajosas utilidades de um código, que, firmado nos mais sólidos princípios liberaes, e em harmonia com a índole, costumes e hábitos do paiz e com as demais instituições politicas da Europa, a cuja communhão pertencemos e no qual se fundavam os mais seguros direitos do throno, não foi sem a maior reluctancia e até effusão de lagrimas que eu me prestei a acceitar outras instituições, cujo defeito se reconhecia quando se proclamava a necessidade de modificações que se julgavam indispensáveis. 

Julguei dever então preferir o bem publico a todos os mais interesses individuaes, evitando a effusão de sangue que servira a restaurar a Carta; e aguardei que a reflexão, succedendo á cegueira momentânea, faria em breve desmanchar a obra de poucos, perpetrada nas trevas da noite! 

Em breve o tempo mostrou não me haver enganado, começando desde logo a pronunciar-se com a maior clareza a opinião publica contra as instituições novamente proclamadas.

A imprensa periódica as tem victoriosamente combatido, e os empregados públicos mais distinctos pedindo, como á porfia, as demissões de seus empregos; cidadãos conspícuos repugnando com todas as suas forças adherir á nova ordem de cousas, os vigorosos protestos e mui explícitos manifestos dos dignos pares e deputados da nação, — mais que sobejamente caracterisam, de accordo com o desalento gerai e descrédito publico, em pouco tempo experimentado, a impropriedade das novas instituições, que se pretendiam impor á nação, plenamente discordante dos princípios que baseiam os governos das nações mais illustradas.

Sempre solícita pelo bem de meus fieis súbditos, foi, todavia, forçoso usar da prudência e resignação que demandam crises tão arriscadas. O momento apparece hoje, em que uma porção de tropa da guarnição da capital, junta a grande numero de cidadãos e guerreiros distinctos, comprehendendo os mais notáveis caracteres que figuraram na restauração do meu throno e da Carta, reclamam a reinstallação da nossa Carta fundamental, em que só acham remédio a males presentes e outros que nos ameaçam.

Por tão imperiosas circumstancias, não devo eu retardar um só instante a mais justa deferência, contando com a cooperação de todos os meus súbditos, cujo bem em todo o tempo tem sido o objecto dos meus desvelos. A paz, a união e a concórdia são hoje, mais que nunca, indispensáveis.

Portuguezes! uni-vos e abraçae-vos! Cidadãos soldados, recebei e sustentae a arca da nossa alliança, palladium de nossas liberdades! Esquecei-vos do passado, que eu também me saberei esquecer. Nunca eu aspirei, nem aspiro ao governo absoluto. A Carta é e será a nossa divisa. 

Rainha."

"Decreto de amnistia.

— Havendo eu por nullo e de nenhum effeito o decreto de 10 de setembro do corrente anno, que ordenava a promulgação da constituição de 1822; e ficando por isso em pleno vigor a Carta constitucional da monarchia; e querendo eu reunir todos os portuguezes conslitucionaes em volta do meu throno; e considerando que qualquer divergência de opinião que entre elles possa haver sobre o modo de melhor organisar o systema representativo, em nada tèem diminuído as provas de amor e lealdade que de todos elles tenho recebido, e ás quaes não posso deixar de mostrar-me sempre grata: hei por bem declarar, ouvido o conselho do estado, que nenhum cidadão será persegnido em consequência dos acontecimentos que tiveram logar desde o dia 9 de setembro ultimo, e que sobre esses acontecimentos se lance o véu do esquecimento. 

O presidente do conselho e ministros secretários d'estado o tenham assim entendido e façam executar. 

Paço de Belém, em 4 de novembro de 1836. 

Rainha."

*
*     *

Os ministros demittidos voltaram para Lisboa, resolvidos segundo parece, a acatarem a nova ordem de cousas como simples particulares. 

Aqui, porém, as cousas não estavam tão risonhas como em Belém se acreditava.

Uma grande parte da população da capital não recebia de braços cruzados a noticia de que a rainha havia demittido o ministério e restaurado a Carta; os soldados da guarda nacional em magotes percorriam as ruas em altitude aggressiva e dando vivas á constituição de 1822.

"... as cousas em Lisboa, diz Alves Martins, tinham mudado de aspecto; a revolução nos três mezes de vida havia creado muitos interesses, armado as massas e attrahido a si muitos cartistas, que, renegando a sua crença politica, haviam ajoelhado perante o idolo de setembro; 

e, senhora alem d'isso dos immensos recursos da capital, já não succumbia senão á força de armas, falhando assim todos os cálculos dos homens da corte, que se baseavam com especialidade na força moral, que dava á reacção o prestigio de tantos nomes respeitáveis que se haviam agglomerado em roda do throno" [O Nove de Outubro, pag. 20 e 21].

Durante toda a noite de 3 para 4 de novembro os tambores da guarda nacional tocavam a rebate, e pela madrugada todos os batalhões da mesma guarda foram postar-se no campo de Ourique, onde mais tarde se lhe foi reunir a tropa de linha que não tinha seguido para Belém. 

Era ameaçadora a attitude do povo armado, e difficil calcular até onde o levaria a sua paixão, ferido como estava no seu amor pela revolução de setembro, que agora pretendiam trucidar. 

A Belém! a Belém! era o grito de alarme que saia a miúdo de milhares de lábios; apesar do estado mais ou menos anarchico em que se achava toda a força ali reunida, tomaram-se algumas disposições para a defeza em caso de ataque. 

Para Alcântara marchou logo Rodrigues França com o batalhão de artífices do arsenal e o 15.° da guarda nacional, commandado por Moraes Mantas. 

Um outro batalhão foi occupar o castello de S. Jorge, evitando-se assim que pelo telegrapho que ali havia fosse transmittida para as províncias qualquer noticia favorável aos revoltosos de Belem. 

Referindo-se a esta reunião da guarda nacional no campo de Ourique, escreve Soriano:

"Uma disciplina instinctiva presidia á desordem n'este grande ajuntamento, onde muitos se mostravam generaes, delineando planos que ninguém lhes pedia.

A atlitude marcial d'esta milícia cívica, as armas ensarilhadas, que por todo o seu acampamento se viam, o apparecimento de algumas das suas praças vindas do interior da cidade, com correias aos hombros, e de bayoneta pendente ao lado na bainha, a incerteza do desenlace d'esta assustadora crise, e finalmente o receio dos funestos resultados que podia ter tudo isto, eram cousas que infundiam nas physionomias dos cidadãos pacíficos, e nas de muitas das próprias praças dos respectivos batalhões, um aspecto sinistro, que enchia de cuidados pelo futuro todo o observador sensato, e que attento contemplava de sangue frio a marcha destes tão graves acontecimentos" [Vida do marquez de Sá da Bandeira. Lisboa, 1888, tomo II. pag. 77].

O general conde de Avillez tomou o commando de toda esta força, e principiando a pensar-se mais maduramente no plano a seguir para o aniquilamento do golpe destado que a rainha acabava de dar, organisou-se logo uma espécie de junta governativa, composta de José Victorino Barreto Feio, L. R. Sousa Saraiva, Júlio Gomes da Silva Sanches, José Alexandre de Campos e António Bernardo da Costa Cabral. 

Esta junta devia, na ausência de outra auctoridade superior, expedir as ordens necessárias para manter a tranquillidade publica e as instituições juradas.

Estes chamaram ao campo de Ourique os ministros demittidos. Manuel Passos compareceu logo [...]

Sobre este facto disse no jornal O Provinciano, de 30 de novembro de 1836, Manuel António de Vasconcellos:

Como se poderá conciliar o porte remisso e fraco de s. ex.a em apparecer no campo de Ourique, só lá, depois de muitas instigações e de afiançada segurança de que bavia lá mais do que sobeja força para apesar de primeira e segunda mensagem, recusou-se a vir. 

A junta queria confiar-Ihe o commando das forras populares [...]

A isto respondeu Manuel Passos:

"Depois de demittido declarei que, se quatro cidadãos se quizerem bater pela revolução, eu viria entregar o meu peito ás bayonetas contrarias e a minha cabeça ao cadafalso.

Todos viram a serenidade com que nessa manhã passei por entre a força postada em Belém e por entre a que para lá marchava.

Quem em tal conjuncção faz uma declaração tão publica e solemne, e quem obra assim, por certo não é homem que tenha medo, ainda que não seja Roldão.

Quando voltei de Belém fui para casa do sr. visconde de Sá.

O sr. R. T. (Rio Tinto) foi o primeiro que altamente, e com a maior decisão e coragem, se pronunciou pela resistência armada. 

Foi com elle que eu conferi no gabinete particular de s. ex.a e lhe assegurei que es- tava prompto a expor a minha cabeça em favor da revolução e dos meus amigos, acrescentando que por estar muito fatigado e inteiramente prostrado, queria passar pelo somno, mas que pouco tempo depois me fizessem chamar, devendo elle e os bons cidadãos contar sempre com a minha lealdade, com os meus esforços e com a minha vida.

Dormi uma ou duas horas. Foi com muita diííiculdade que os meus amigos poderam dispertar-me ; logo que me pude suster em pé, e tive sege, parti para o campo de Ourique.

Fui o primeiro ministro que ali me apresentei, apesar de ter passado uma noite cruel! — muitas noites!" [Carla de Manuel Passos ao Nacional, dezembro de 1836]

Referiu o Nacional, que, para acalmar os ânimos, foi proposto por Soares Caldeira e Júlio Gomes da Silva Sanches, que se enviasse uma mensagem á rainha, expondo-lhe o estado da questão e pedindo-lhe remédio tão prompto como ella o demandava. 

Esta idéa mereceu a approvação geral, encarregando-se Manuel Passos de redigir tal documento. 

Quando se estava com isto chegaram de Belém os coronéis Luna, Barreiros e José Maria de Sousa, que da parte da rainha vinham chamar Manuel Passos. 

Affirmou-se então que estes emissários não se dirigiram directamente aquelle estadista, que a missão de que foram encarregados era que da parte do povo fosse alguém a Belém para conferenciar com as pessoas que sua magestade para esse fim escolheria. 

Que então se offerecèra Manuel Passos, o que sendo acceite, partiu logo acompanhado do conselheiro do supremo tribunal de justiça Sousa Saraiva.

Quando Manuel Passos se dirigiu a Belém o sangue já havia corrido nas ruas da capital. Poucas horas antes fora assassinado com um tiro na ponte de Alcântara o antigo ministro do reino Agostinho José Freire. Diz-se que o assassino foi Manuel da Silva, soldado de um dos batalhões da guarda nacional.

Lisboa, porta da cidade junto à ponte de Alcântara.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Freire havia sido chamado a Belém pela rainha; com elle devia ir Joaquim António de Aguiar, que, mais cauteloso, julgou dever seguir outro caminho, pois em vez de ir na carruagem d'aquelle, embarcou em um bote. 

Reconhecido, salvou-se a custo, graças aos esforços dos remadores. Freire, desprezando os conselhos de Aguiar, partiu na sua carruagem, envergando a sua farda de ministro honorário, o que foi bastante para ser reconhecido.

Ao chegar á Pampulha um guarda nacional fez parar a carruagem, e abrindo-a reconheceu o ex-ministro; mandou então atirar sobre elle um tiro de espingarda, que partiu seguido de outro, bem escusado, porque não feriu mais que um cadáver. 

Ferveram os tiros sobre o cadáver. "Despojaram-no de tudo, deixando-o de rastos, semi-nu, contra um lado da rua, crivado de feridas, escorrendo em sangue, uma tigela de barro ao lado para receber esmolas dos transeuntes".

S. Sebastião ajudado pelas santas mulheres, Eugène Delacroix 1836.
Imagem: EPPH

A noticia da morte de Freire acabou de desalentar os revolucionários de Belém. Como vimos, tinha-se dirigido para ali, alem da corte e membros mais influentes do partido cartista, contingentes de differentes corpos de linha. Estes, mandados pelo ministro da guerra conde de Lumiares, a pedido da rainha. 

A esta força foram depois reunir-se as praças do corpo da antiga brigada de marinha e parte da guarda nacional de cavallaria, e bem assim muitas outras pessoas armadas, na sua mór parte empregados públicos, vinda de Lisboa em botes.

A principio todos se mostravam muito animados, pois julgava-se certo o triumpho, visto terem sido referendados sem opposição os decretos de nomeação dos novos ministros. Tudo fazia crer que dentro em poucas horas tudo entraria na sua marcha regular, e as cousas corriam apparentemente bem; mas se fosse preciso combater qualquer opposição séria, os elementos para isso escasseavam.

Toda a força reunida em Belém não ia alem de 1:200 homens, incluindo os paizanos.

O commando d'ella assumira-o o barão de S. Cosme, cuja incontestável bravura não podia supprir a falta de confiança que offerecia aquella força, nem tão pouco supprir a differença numérica que havia entre ella e a de Lisboa, pois esta era-lhe seguramente dez vezes superior. 

O 28 de Julho: a liberdade guiando o povo, Eugène Delacroix, 1830.
Imagem: Louvre

As noticias que vieram depois, de que em Lisboa o geral da população se mostrava indifferente à mudança politica que se estava operando e de que no campo de Ourique continuavam firmes na sua altitude hostil as forças da guarda municipal e tropa de linha que ali se haviam reunido, estando bem depressa á sua frente os homens mais importantes do setembrismo, trouxe bem depressa o desanimo aos mais animosos. (1)


(1) Marques Gomes, Luctas caseiras: Portugal de 1834 a 1851, Lisboa, Imprensa Nacional, 1894

Leitura relacionada:
José de Arriaga, História da Revolução de Setembro, Tomo I,  Typ. da Companhia Nacional Ed.
José de Arriaga, História da Revolução de Setembro, Tomo II,  Typ. da Companhia Nacional Ed.
José de Arriaga, História da Revolução de Setembro, Ttomo III,  Typ. da Companhia Nacional Ed. Marques Gomes, A verdade histórica e a História da Revolução de Setembro por José de Arriaga
Bulhão Pato, Memórias Vol. I, Scenas de infância e homens de lettras, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1894

Leitura adicional:
José de Arriaga, História da Revolução Portugueza de 1820, 2° volume, 1886
José de Arriaga, História da Revolução Portugueza de 1820, 4° volume, 1886