quarta-feira, 6 de abril de 2011

Cristina Correia... poesia dos nossos dias

Cristina Correia nasceu em 1965 na Guiné-Bissau. Licenciatura Animação Sócio-Cultural (Educação, Desporto e Cultura) - ESEV - IPV 2002. Possui Medalhas e Diplomas de “Honra ao Mérito Cultural” no âmbito literário e Cursos de Formação e Especialização na área de Bibliotecas Escolares/Professor Bibliotecário - FEUP 2004 Porto / FPCEUP 2005 Porto e Curso de Educação de Infância 1986. Colaboradora em Jornais Regionais. Exerce funções Técnico-Pedagógicas na DREN – Ministério da Educação - EAE Douro Sul.
Autora do livro Poesia “Cerne e o Verso” 2002 DEP. LEGAL: PT -- 150874/00 (http://catalogo.bnportugal.pt/) e Co-autora de vários livros de poesia, prosa poética. Figura no Dicionário dos Autores do Distrito de Leiria - Actualização ao séc. XX - 2004. Vice-presidente da Academia de Letras e Artes Lusófonas ACLAL http://www.aclal.org/

Obra da autora Cristina Correia a publicar: “À Procura de Uma Identidade Cultural - o trabalho e o lazer no contexto rural do espaço duriense”, um livro assinado pelos prefaciadores: «É muito animador poder apreciar trabalhos desta natureza, onde, através de uma reinterpretação das obras de autores durienses na sua relação com os espaços naturais e culturais que as inspiraram, se procura a matriz de uma identidade cultural. Esta procura da identidade, tendo o Douro (o Rio, a Região e o Homem) como emblema, é um desafio que a todos deve motivar. E mais ainda quando a grande aposta é levar as novas gerações a redescobrirem este reino mágico que inspirou trovadores e poetas - um papel que à autora, enquanto professora, cabe desempenhar, e que, neste trabalho académico, demonstra bem a vocação e a sensibilidade para o conseguir.» Alexandre Parafita - Escritor e Investigador. (Centro de Tradições Populares Portuguesas da Univ. Lisboa).

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4 Poemas, 4 Mulheres…
Mulher Mãe
Do meu mar imenso extravasa, fronteiras
que das lembranças do meu ser, tua visita é presença.
E do meu olhar das parcelas dispersas, até à eternidade,
sinto teu olhar intranquilo, aveludado...
Até sorver o pensamento do universo
comungamos palavras adormecidas e outras vozes...
Ressuscito poemas e nas vozes dos anjos,
ventanias de aromas povoam as casas de pedra da aldeia do mundo,
o âmbar e a cidreira repousam junto das nossas memórias,
almas unidas até além da morte...Mulher,
somos verbo, pujança e trilho.
E quando o céu povoa silêncios, recolhemos
e reunidas reinventamos as palavras
adormecidas nas vozes de estrelas,
guardiãs da nossa consciência, eternamente.
E lutamos.
Mulher Solidão
No burilar da minha solidão
viajo pelo mundo, sem tempo
minha asa pousa "no parapeito da janela do silêncio"
e cai
uma lágrima quente a doer, sem voz
ave ferida...
No burilar da minha solidão
arranco da terra sofrida
a solidão presente
e convivo
nos momentos-horizontes
odor de gaivota-mar.
No burilar da minha solidão
escrevo na água "memória do sempre"
sílabas de paz, fugindo de feridas,
pedindo a Deus
retalhos rendilhados de júbilo
repletos de luz.
No burilar da minha solidão
guardo um musgo,
anos que me restam de vida...
diluída em oração,
sou raiz a "visitar os meus sonhos"
somos nós, a viagem e o tempo.
Mulheres,
Comovidas e Mudas
Ainda sinto o rosto molhado,
por entre as rugas, a água teima em não secar,
e no meu peito rasgado de dor
a angústia de não ter "pátria",
fere-me a alma.
...E num canto de mim,
guardo um musgo,
não de trevas
mas de luz...
Sou benigna,
não sou ninguém!
Sou apenas, sonho, fé,
passos d'alma,
calcorreando
o desconhecido.
No meu incauto,
tenho a minha humanidade!
Levanto-a, como um círio,
a flamejar na noite escura,
e sinto pregos, e seiva,
e hinos em meu peito...
Ah!
Eu amo o Genuíno e o Labor,
Amo as gentes, as palavras, os sonhos...
O sentido das palavras, e das emoções,
Sou apenas, Mulher.
Mulher Coragem
Escuta.
Quero dizer-te
um pequeno segredo.
És a força da Natureza,
De todas as raças, em todos os cantos.
De onde tu vens, tão corajosa!
Meus olhos pousam em ti,
Na tua cândida ternura,
Na tua alma em luto.
Deixa que a vida me diga de ti,
O trabalho, a labuta, a faina…
as mãos gretadas, o perfume das rosas
no teu corpo abençoado.
Deixa que a vida me diga de ti,
o rosto da humanidade sofrida,
o fruto do amanhã, a esperança no infinito,
o presente, Sempre.

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(A propósito de Cristina Correia)

[...] A arte, a emoção, a afectividade não se medem: sentem-se. A interferência da lógica é limitada ou nula. (…) Vou agora percorrer os poemas que pretendo comentar, isto é, os caminhos onde Cristina Correia se demorou, tocada pela emoção que a inspirou, estremecendo sob a impressão sofrida, reflectindo na novidade que a visitou, meditando na escolha da palavra adequada, indo ao encontro do ritmo imediatamente conseguido ou oficinalmente obtido, na alegria da necessidade cumprida. Vou pousando os olhos nos versos transparentes ou velados, mas sempre sóbrios de dramatismo espectacular; e demorando o pensamento nas imagens sugestivas. Assim me demoro (…). Interrompo a caminhada e digo interrompo, porque espero repetir a leitura da poeta Cristina Correia. Cada poema um caminho, uma hora, um momento, o intimismo velado ou revelado. Sempre que for relido, os caminhos desdobrar-se-ão, alterar-se-ão, porque nunca se repetem iguais, nem para a autora nem para o leitor. Mas várias coisas permanecerão como denominadores comuns. A sinceridade pura da poesia, o poeta que fita o universo e se debruça dentro de si próprio, que sabe transformar a alma em tinta, a tinta em palavras ritmadas e, por fim, o ritmo em comunicação. Tudo isto é poesia, que, magicamente, fica a repercutir-se. [...] Armando Pinheiro (ARMANDO PINHEIRO nasceu no Porto, em 1922. Médico e reputado poeta. Publicou mais de uma centena de livros de poesia e organizou o volume Sonetos Portugueses. Licenciou-se em Medicina, pela Faculdade de Medicina do Porto, em Julho de 1945. Foi Interno na Estância Sanatorial do Caramulo desde 1945 até 1947. No regresso do Caramulo, foi Médico Auxiliar e depois Broncologista no Sanatório Rodrigues Semide, onde criou o Serviço de Broncologia. Chefiou o Serviço de Broncologia do Sanatório D. Manuel II, entre 1955 e 1970. Foi director do Serviço de Cuidados Intensivos do Hospital de Santo António. Nele trabalhou desde a sua criação (1962) até à sua aposentação (1984). Publicou muitas dezenas de trabalhos médicos, alguns em revistas estrangeiras (França, Espanha, Holanda). Proferiu lições na Faculdade de Medicina do Porto, no Hospital de S. João, no Porto e em Lisboa. Em Maio de 1998 foi condecorado com a Medalha de Mérito da Ordem dos Médicos. Em Novembro de 1999, foi condecorado com a Medalha de Ouro da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.)
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Terra de ninguém
Imagino que à passagem do tempo
somos uma estância em metamorfose,
percorremos o limite da utopia
a cada batimento da terra
e, só o silêncio nos é revelado.
Basta ler os lugares dos sonhos
e, de quem os habita.
Mas, na orla infinita do tempo incerto
da passagem da nossa existência humana
há ainda versos por ler
no enleio do fio dos dias.
Nada que agrida me é semelhante.
Nada que floresça me é indiferente.
Atravesso desertos
e, nos desencontros
descubro sinais visíveis, mil reflexos
de sustos e refúgios.
Inocularia na humanidade
alimento indispensável
para as almas da terra de ninguém,
onde a bondade ainda brilha.
Oiço, apenas, a memória que madruga
no envelhecimento da paz.
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Fosse eu sempre, uma metáfora apenas
...viajo contigo os caminhos, sempre que me pedires,
tão suavemente que só eu me escuto, inteiramente, a vontade do mundo inteiro…
…com a força do verso percorro os passos que me acompanham a alagar a alma…
…e, em cada percurso, sou aprendiz do tempo
…e, suporto a saudade do que não vivi…
…não sei quanto alento ainda tenho, sei que…
Fico só, inteiramente!
…e, contemplo as palavras mudas.
Pode ser que um dia, eu encontre um jardim que seja a quimera da minha árvore…
vou viajar, vou para um porto.
diz-me, poeta amigo
em que porto brotam os caminhos do pensamento-verdade, da luz, da liberdade...
…porque o meu ser sustido pela vida e pela morte arquiva as palavras
não somente dos poetas mas dos seres terrestres dos pássaros dos gatos
do mar dos rostos dos sofrimentos da guerra da esperança
do espelho do olhar das almas
diz-me, poeta amigo
o rio há-de trazer os recados de Deus
o mar segredará os mistérios de ser e ser-se
…porque o tempo em que vivo morre num porto de África junto ao Geba onde nasceu
…porque se o tempo albergar como um rio onde tudo flui as quimeras dos humanos
Ah… então não haveria tempo para tantos séculos de história nem espaço para os tomos de ciências ancestrais diz-me, poeta amigo o abraço de Deus é luz, flor lilaz, trepadeira selvagem, vales e montes, árvores de ninho, nossos filhos, o dom da ubiquidade, fontes de hiatos vazios...
…que do nada ao menos fique minha razão de viver meu filho ventre rasgado
para teu viver meu monumento de palavras
...porque do trabalho acordo-me ser aprisionado abre-se um lugar no silêncio do poente dos dias e aos
poetas só se pedem palavras e silêncios
...porque somos assim numa guerra assimétrica a doer a erradicar famílias
somos assim humanos de Deus
…que fique só um monumento de palavras sem dor sem mágoas.
…porque o meu ser sustido pela vida e pela morte arquiva sofrimentos da guerra da esperança do espelho do olhar das almas.
digo-te, poeta amigo
o abraço de Deus é um poeta amigo, também.
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Abraço
Na terra das palavras
havia poemas e sonhos,
na tua mão eu os colhi.
E na seiva do teu olhar
fui plantar folhas de seda
que colhi no alto mar
preciosas, só para ti…
Sete abraços enfeitaram
pedaços da terra do céu,
sete silêncios cantaram
os Anjos,
melodias, junto de mim
perto de ti…
Aqui jaz
o túmulo do âmago
e o silêncio dos guiados.
Viesse um vento...
eu poderia elevar a vela
num cântico além-mundo.
As mãos cansadas
cantam um poema livre,
a qualquer hora de solidão,
palavra fértil
num vazio derrotado...
Onde cabe o nada
abundam sementes
a anuir
sempre com alma
a embrulhar silêncios...
O cordão umbilical,
o cheiro a rosas,
sabor a lágrimas...
nostalgia.
O contentamento desmedido, o suspiro
e a saudade perpétua do nascer.
Convivo
com brandura
o momento.
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Momento
Éramos peregrinos,
cruzámos nossos olhos
dispersos em fragmentos
no rumor do porto rio...
enterraram-se no tempo como farpas.
Hoje,
que eu já não sei
senão eu,
só levo uma mágoa,
um lamento, neste berço de anciania.
A memória devolve
minha ânsia de serenar
esses rostos... indiferentes
descem do crepúsculo em brumas brandas.

Quando o derradeiro pássaro perecer,
não pertenço mais à vida.
Oh! tempo da minha infância!
Manto bordado de Deus!
Deixa-me fitar-te,
somente sou, quando em verso...
E no regresso
tudo coube no olhar com que não vi...
A bonina da fé
portadora dos poetas, dos afagos.
Minha face em luto,
labirinto envelhecido
e, sem saber de mim
brota no intervalo do tempo
a lembrança de uma ruga.
Minha face em cinza,
morre sem renunciar um corte, um risco, uma névoa
e, por vezes, num segundo se aprisiona
o momento.

Quando o derradeiro sopro findar,
não pertenço mais à vida.
E tocará esse piano
neste descaminho benigno,
não conhecendo quem o escute.
Só de longe e recôndito,
o espírito em que habita
tacteará meu rosto
sobre o regaço morno
dum livro cálido
tocado pela emoção.
Sei que já nada é querido.
Venha a viagem quando Deus quiser.
Enquanto houver uns olhos que brilham,
outros olhos que os fitam,
pende meu seio outro céu.
No corpo já almeja outro mar,
minha memória, minha África,
Oh! tempo da minha infância!

Via Cristina Correia
http://cerneeoverso.blogspot.com/
http://dourosulacontece.blogspot.com/

Obrigado pela partilha e pela amizade.

3 comentários:

Paula Abreu Silva disse...

Adorei !!!
Obrigada pela partilha ... ;)

NOEMIA TRAVASSOS disse...

Minha Querida Amiga
Tive um duplo presente da nossa comum amiga Libânia Madureira.
O primeiro foi o teu livro "O Cerne e o Verso". O Segundo foi o despertat através da tua poesia para o espírito sensível e profundo que mora dentro de ti.
As tuas palavras têm tal força que me arrepiaram até a alma!
Isto minha querida... só me acontece quando deparo com algo excepcional e genuíno.
Doravante conquistaste uma admiradora incondicional, pelo que já estou a seguir o teu blog.
Conhecer seres como TU, renova-me a esperança nesta humanidade!
Bem hajas por existires e por fazeres oarte do meu círculo de amigos!

Libânia Madureira disse...

Mulher <> Poesia


Fonte, jorrando em catadupas, sem cessar
Momentos de raro fulgor
Intensos raios fascinantes
Semente a germinar
Elevação maior
Arco-íris constante
De um céu engalanado
No saber partilhado.

Doutas palavras dizem o que sente
Na poesia, no seu «Ser» de Mulher
O que só outra mulher sabe entender
Sentir tão profundamente
Esta sinfonia
Das palavras de jardins floridos
Mágicos fluidos
Da Mulher <> Poesia.

Libânia Madureira