A MÚSICA E A CENSURA
''A Música popular brasileira durante as décadas de 60 e 70, foi
riquíssima, embora parte dela desobedecesse o status dirigido na época,
por uma ditadura militar e sua censura.''
O presente trabalho, pretende ser uma contribuição a uma área de
representações artísticas, fazendo um registro da trajetória da produção
musical na época de ditadura, período que repercute a censura das músicas
que eram produzidas na época, pois os militares achavam que iam contra
os valores e a moral pelo fato de ser subversivas.
A grande repercussão que o regime militar exerceu sobre os diversos
seguimentos da sociedade brasileira na década de 60, é o fator primordial
dessa pesquisa. A coragem de muitos artistas brasileiros, dentre eles,
destaca-se: CHICO BUARQUE, que apesar da censura na época, ele
tentou conscientizar a grande massa popular por meio de suas composições
metafóricas onde as letras permitiam, que seus ouvintes adquirissem uma
opinião crítica a cerca do regime político, e em muitos casos a tornarem
oposição contra o mesmo. Tais acontecimentos motivaram-me a buscar
conhecimentos sobre este período e sua influencia na MPB.
A década de 60, é marcada por efervescência no campo político social do
país. Uma vontade de participar ativamente da política interna é
desapontada em diversas camadas da sociedade. “Tudo isso, expressa a
grande inquietação social em parte explicada pela situação critica da
economia do país é que na esfera polícia, se refletia em episódios tensos”.
(BOLLE, 1980, p. 93).
Dois momentos marcantes dessa época, a renuncia de Jânio Quadros e
1961 e a posse de seu
Vice Presidente João Goulart, com idéias de reformas sociais e econômicas
que deram origem ao golpe de 1964. O governo de Goulart, é marcado
pelo o agravamento da crise política, bem como, pelos conflitos sociais e
políticos do país.
Após os primeiros anos, o governo militar torna-se mais rígido, apesar da
censura imposta pelo presidente e no governo de Costa e Silva, que a
ditadura se consolida, e é outorgado o AI-5.
A censura é instaurada no teatro, na televisão, no cinema, na música e até
nas universidades. Isso elimina quase totalmente a possibilidade de
germinar uma cultura crítica. “podemos dizer, que o AI-5, foi um golpe
dentro do golpe, um golpe de misericórdia na caricatura de democracia.
Caímos, aí sim, na clandestinidade” (GABEIRA, 1984, p.119).
Em dezembro de 1964, estreou, um Shoping Center de Copacabana, o
Show “Opinião”, misturando samba, baião e jazz, com críticas políticas e
sociais. Nara Leão, cantora iniciante, em 1964, foi transformada
posteriormente em musa símbolo da esquerda, graça a interpretação de
“Carcará “, durante o espetáculo o show foi visto por mais de cem mil
pessoas, passando por diversas partes do país e em todas elas, toda a vez
que era cantada carcará, como o pássaro ruim que “pega, mata e come”, e
instantaneamente identificada com o regime militar e sua atuação:
Carcará, pega mata e come
Carcará, não vai morrer de fome
Carcará, mais coragem do que hôme,
Carcará, pega mata e come
Carcará, lá no sertão
É um bicho que avôa que nem avião
É um pássaro malvado
Tem um bico volteado que nem gavião
Carcará, quando vê roça queimada
Sai voando e cantando, Carcará
Vai fazer sua caçada
Carcará, come inté cobra queimada
Más quando chega o tempo da ivernada
No sertão não tem mais roça queimada
Carcará, mesmo assim não passa fome
Os burrego, que nascem na baixada
Carcará, pega mata e come
Carcará, não vai morrer de fome
Carcará, mais coragem do que hôme
Cacará, pega mata e come
Carcará, é malvado e valentão
É a águia lá do meu sertão
Os burrêgo novinho não podem andá
Ele pega no umbigo inté matá
Carcará...
Curiosamente, a ave Carcará, tornou-se em 1999, o símbolo do Serviço de
Inteligência Civil do Brasil, órgão publicado e criado por Fernando
Henrique Cardoso, que substituiu o extinto SNI. O show Opinião,
encerrava-se com música do mesmo nome, de autoria de Zé Kéti, que tinha
seu refrão cantado pela tribo identificada com Carcará. A música composta
e 1962, antes do regime militar tinha como intuído criticar um projeto de
remoção dos moradores da favela, criado pelo prefeito do Rio de Janeiro,
Carlos Lacerda, em 1964, cantada por Nara Leão, Opinião tornou-se o
hino de resistência da juventude que acompanha as apresentações,
esquecendo-se dos versos nos quais era clara a idéia original de Zé Kéti,
protestando contra a remoção dos moradores do morro, ainda hoje, poucas
pessoas se lembram desses versos, recordando-se apenas do refrão:
“Podem me prender/ podem até deixar-me sem comer/ que eu não mudo
de opinião.
Cada vez mais preocupado em abafar qualquer tipo de oposição contra o
governo e o regime, o General Castelo Branco, deu o primeiro passo para
conter os processos de contaminação pública (GASPARI, 2002. p. 231).
Em seu governo, a Polícia Federal apreendeu dezessete mil volumes de
trinta e cinco obras acusadas de difundir doutrinas ou idéias de que fossem
contra o Estado e a ordem da sociedade. Era necessário conter os veículos
de comunicação de massa, para que idéias “absurdas” sobre o Governo
Vigente não influenciassem os cidadãos brasileiros, evitando revoluções e
intrigas. Assim começou a violência simbólica exercida pelo governo, com
a cumplicidade dos que sofriam e, também, dos que a exerciam,
inconscientes, muitas vezes, de exercê-la ou sofrê-la.
O mundo da imagem e do som foi dominado principalmente pelas palavras
de forma direta ou indireta, seja em mensagens subliminares ou em
panfletagens escancaradas, e as fantasias, medos ou, simplesmente,
representações falsas.
Mas até onde as palavras podem criar essas “falsas representações”? Como
podemos distinguir uma informação verdadeira de uma falsa? Essa era a
grande questão no período dos governos militares. De um lado, uma
juventude preocupada com seus direitos, com a democracia, com a defesa
do ser humano e procurando por um governo que ano vetasse nenhum tipo
de arte e informação. De outro, o poder militar contra os ditos
“comunistas”, numa verdadeira caça às bruxas, calando a voz daqueles que
gostariam apenas de ter sua liberdade de expressão recuperada.
O poder da palavra pode ser percebido em vários fatores presentes durante
a ditadura militar. Seu apogeu, entretanto, foram os Atos Institucionais que
regeram o país, encerrando direitos e estabelecendo novos deveres aos
cidadãos brasileiros. Com Castelo Branco, o AI-1 concedeu ao governo
militar o poder de alterar a Constituição, cassar mandatos legislativos,
suspender direitos políticos por dez anos e demitir, colocar em
disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que
tivesse atentado contra a segurança do país, o regime democrático e a
probidade da administração pública. Foi o primeiro dos muitos atos
institucionais que mudariam a política e os costumes da sociedade
brasileira. BOURDIEU, Pierre,1997.p. 26.
Investindo nas imposições estabelecidas pelas leis, com o poder da censura
e com o controle das produções artísticas, o governo levantava sua própria
bandeira, demonstrando ao povo brasileiro os benefícios que a Ditadura
Militar traria ao país. Entre eles, as alianças estabelecidas com outros
países, investimentos e estabilidade na economia.
A “realidade perfeita”, apresentada pelos militares, começava a ser
desmascarada através de manifestações artísticas que o governo tentava,
em vão, conter. Uma das pioneiras aconteceu em 1966, na realização do 2º
Festival de MPB, com a canção “Disparada”. De Geraldo Vandré.
Participante do festival tendo sido a música defendida por Jair Rodrigues.
A letra compara a maneira de se lidar com o gado ao modo como é tratado
o povo, as diferenças entre as classes sociais e a maneira como as classes
economicamente mais baixas eram tratadas no “Brasil perfeito”,
estampado pelo governo:
Boiadeiro muito tempo, laço firme, braço forte
Muito gado, muita gente pela vida segurei
Seguia como num sonho e boiadeiro era um rei
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando, até que um dia acordei
Então não pude seguir, valente, lugar tenente
E o dono de gado e gente, porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente
Se você não concordar não posso me desculpar
Não canto pra enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar
Musicada por Téo de Barros, o ritmo típico sertanejo conquistou a
simpatia do público do festival, principalmente dos espectadores mais
politizados, recebendo o prêmio pelo primeiro lugar, junto com “A banda”
de Chico Buarque.
Vandré, algum tempo depois, foi exilado e, reza a lenda, que “sofreu uma
lavagem cerebral do governo” durante as “conversas” no DOPS.
Em 1967, Costa e Silva tomou posso, eleito pelo congresso nacional.
Iniciando a mais dura fase do regime militar, a qual Emilio G. Médici, seu
sucessor, daria continuidade. Conhecido por defender os interesses da
Extrema Direita da Forças Armadas, Costa e Silva, aumentou a
perseguição ao contrários ao governo e seu desempenho. Antes de tornarse Presidente, reprimiu várias manifestações estudantis, participou da
conspiração contra Jango, tornando-se ministro da Guerra do governo de
Castello. Com o novo governo militar, surgiram, com maior firmeza, os
grupos de extrema direita, como o CCC (Comando de Caça aos
Comunistas), ao mesmo tempo em que crescia o interesse político e social,
principalmente da juventude brasileira. Artistas já consagrados nos
festivais realizados anteriormente, passaram a tornar mais explicita a
vontade de lutar contra um governo opressor.
Um dos maiores representantes dessa geração, Chico Buarque, tinha
acabado de compor um peça intitulada “Roda Viva”, pronta em 25 dias. O
tema da peça, “Roda Viva”, conquistou o terceiro lugar no III Festival da
MPB, da TV Record. Em janeiro de 1968, dirigida por José Celso
Martinez, estreou a peça que contava a história de um artista triturado pela
mídia, que via sua carreira afundar (surgiram boatos de que a personagem
principal, o artista Ben Silver, teria sido criado tendo como inspiração
Roberto
Carlos, que na época, via sua carreira decair com a aparição de novos
nomes como Paulo Sérgio, apesar de Chico Buarque afirmar que a
personagem era realmente fictícia). Encenada às vésperas do AI-5 – Ato
que retirou a condição de Estado de Direito, ao excluir de apreciação
judicial a aplicação das normas que o instituíram, suspendeu as liberdades
individuais e deu poderes excepcionais ao presidente – acabou gerando
uma intensa reação de grupos de direita ligados ao regime, que culminou
com a agressão aos atores e determinou o final das encenações, sendo os
participantes da peça postos num ônibus de volta para São Paulo, com a
recomendação de não retornarem. (SEVERIANO – Vol. 2 p. 115).
Com “Roda Viva”, Chico Buarque ficou marcado pela ação dos censores
que viam, cada vez mais, em suas músicas, mensagens nas entrelinhas que
defendiam a democracia, os direitos do cidadão e a liberdade (ou a falta
dela)
O ano de 1969, começou conturbado. A polêmica de “Roda Viva” foi
apenas a ponta do iceberg. O movimento estudantil, principal forma de
protesto contra o governo desde 67, começou a aumentar suas
manifestações de protesto e passeatas, não só demonstrando o
descontentamento com o governo, mas, também, lutando para melhorias
na Educação Pública e contra a tendência às privatizações apresentada pelo
governo militar, graças à subordinação do governo brasileiro aos interesses
norte-americanos.
Em cada manifestação, aumentava o número de feridos e a intensidade da
violência da Forças Armadas contra os estudantes. Em março de 68, o
restaurante “Calabouço” foi invadido por militares, deixando vários
feridos e o estudante Edson Luiz, de 17 anos, morto.
O fato comoveu o país que parou, em 26 de junho, para apoiar a passeata
dos cem mil pelas ruas do Rio de Janeiro. Entre os participantes estavam
artistas, jornalistas, padres e, principalmente, mães de estudantes. Mais
uma vez, foram registrados casos de morte e vários feridos, enquanto a
cavalaria investia maciçamente contra os manifestantes. Durante todo o
ano de 68, o aumento dos protestos e a revolta contra o governo foram
constantes.
Entre 67 e 68, não apenas o clima tenso presente no Brasil intensificou-se;
o país foi testemunha de mudanças políticas e comportamentais. Em 67, no
festival da Tv Record, surgiu um cantor baiano, natural de Santo Amaro da
Purificação, que fez uma revolução na música popular brasileira. Caetano
Veloso cantou “Alegria Alegria”, acompanhado dos Beat Boys e deixou
embasbacados os presentes na platéia. Era uma mistura de poesia concreta
a do Pop Art, de Andy Warhol, com os principais do movimento
antropológico da década de 20, uma mescla de ritmos, a incorporação da
cultura mundial dos Beatles, de Hendrix e Janis Joplin, do movimento
hippie e anti-Nixon.
A cultura mundial passou a influenciar a cultura brasileira, atravessando as
barreiras da censura, produzindo novas experimentações, nova musica
brasileira. O uso da metalinguagem tornou-se marca principal dentro do
movimento tropicalista. Muito criticado pelos movimentos paralelos,
principalmente os extremamente ligados à oposição ao regime, o
Tropicalismo não se constituiu de uma vanguarda política mas, sim,
estética. Grande parte de seu componentes acreditava eu não era necessária
uma crítica direta ao governo ou ao regime, mas que a mudança das
formas musicais e o subentendido presente nas letras, já provocariam
mudanças drásticas na sociedade.
Em 68, foi lançado o elepê “Tropicália ou Panis et circenses”. Na capa e
no encarte, um resumo do que seria a idéia principal da obra e de sua
musicalidade:
O retrato misto de família convencional, valores de status, marcos de
cultura norte-americana, viajante nordestino, cultura afro, misticismo
oriental e choque de alguém que toma algo num pinico, talvez influencia
do ‘Dadaismo’ europeu. [...] Enquanto as esquerdas engajadas e
nacionalistas queriam ouvir um discurso que denunciasse as injustiças
sociais, vestido de ritmo e instrumentos bem brasileiros, eles misturavam
folclore com heróis de gibis, Pixinguinha com Mamas&Papas,
Cristianismo ocidental com ritos africanos, batuques e tambores com
distorções de guitarras. (BARROS,1985, p.59-84
O disco em seu todo explora, além de novos recursos sonoros, a
possibilidade de denúncias dos problemas existentes na sociedade daquela
época: o sertão pobre e esquecido, pessoas marginalizadas, tratadas como a
escória de sua pátria. A denúncia contra a burguesia alienada, grande
defensora do governo militar, fez-se presente, no disco, em “Panis et
circenses”, gravada pelo grupo Mutantes de Gilberto Gil e Caetano Veloso:
Eu quis cantar
Minha canção iluminada de som
Soltei os panos sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Mandei fazer
De puro aço luminoso um punhal
Para matar o meu amor e matei
Às cinco horas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Tratada com grande deboche, a burguesia assumiu sua postura
despreocupada, nascendo para morrer, sem se prender à verdadeira
situação brasileira. Personagens marginalizados também eram descritas em
Lindonéia, preseguida pela polícia, suburbana, que vivia entre sonhos, mas
foi ferida pela realidade pobre e anônima:
Na frente do espelho
Sem que ninguém a visse
Miss
Linda, feia
Lindonéia desaparecida
Despedaçados
Atropelados
Cachorros mortos nas ruas
Policias vigiando
O sol batendo nas frutas
Sangrando
Oh, meu amor
A solidão vai me matar de dor
Lindonéia, cor parda
Fruta na feira
Lindonéia solteira
Lindonéia, domingo
Segunda-feira
Lindonéia desaparecida
Na igreja, no andor
Lindonéia desaparecida
Na preguiça, no progresso
Lindonéia desaparecida
Nas paradas de sucesso
Ah, meu amor
A solidão vai me matar de dor
No avesso do espelho
Mas desaparecida
Ela aparece na fotografia
Do outro lado da vida
Despedaçados, atropelados
Cachorros mortos nas ruas
Policiais vigiando
O sol batendo nas frutas
A música apresenta contraposições, antíteses, anáforas que marcam seu
ritmo com a insistência na idéia de apresentar uma realidade distorcida,
como se o sentido do “real” vivido por essa geração, fosse turvo, inexato.
Em “Enquanto seu Lobo não vem”, outra música de Caetano Veloso, de
1968, a situação parece ser apresentada com um tom mais realista.
Tentando retratar a repressão vivida nas ruas, nas passeatas, e a influência
americana, ele utilizou, como metáfora, a história de “Chapeuzinho
Vermelho”, clássico da literatura infantil:
Vamos passear na floresta escondida, meu amor
Vamos passear na avenida
Vamos passear nas veredas, no alto meu amor
Há uma cordilheira sob o asfalto
(Os clarins da banda militar...)
A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas
(Os clarins da banda militar...)
Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar...)
Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar...)
Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil
Vamos passear escondidos
Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou
Vamos por debaixo das ruas
(Os clarins da banda militar...)
Debaixo das bombas, das bandeiras
(Os clarins da banda militar...)
Debaixo das botas
(Os clarins da banda militar...)
Debaixo das rosas, dos jardins
(Os clarins da banda militar...)
Debaixo da lama
(Os clarins da banda militar...)
Debaixo da cama
O ritmo bem marcado pelas anáforas, pelas repetições e pela narrativa
quase cinematográfica de quem está no meio da rua, vivenciando a agonia
e a sufocante situação de ver vigiado e repreendido, de quem vive para se
esconder, acaba envolvendo o ouvinte e transportando-o para os episódios
vividos em manifestações, como a Passeata dos Cem Mil.
Tropicália, música de Caetano Veloso que se deu o nome ao movimento, é
considerada uma síntese da proposta criada pelo grupo de artistas. Uma
colagem caótica, irônica e reflexiva. Joga com o antigo e o novo, passado e
futuro, caos e ordem.
Colocado entre o céu e o chão, quem observa o mundo de dentro, aponta
os contrastes sociais e de realidades diferentes. Assume conotação de
oposição no verso “aponta contra os chapadões meu nariz”, perífrase eu se
refere à Brasília, ou seja, o autor descreve sua oposição ao governo,
mantendo o nariz “contra os chapadões”. Os contrastes de bossa e palhoça
fazem alusão ao rural contra o urbano, o sertão e a industria, as
contradições dentro de um país que vive no meio da miséria, em plena era
“do milagre brasileiro”. Na repetição das terminações das palavras, ora
parece com tiros (ta-tá-tá,) ora com sorrisos (ia-ia-ia) ou simplesmente
com expressões débeis e sem sentido, como a própria realidade do país
(dá-dá-dá).
Dentro dos elementos lingüísticos aplicado em suas músicas, os
integrantes da Tropicália, driblaram a censura e a vigília do governo por
algum tempo, não o bastante para que não fossem punidos. Falar da
realidade do país, não era uma boa opção para quem gostava de ser
chamado de brasileiro. Não se fala mal do que é seu, principalmente do
seu país.
Em 1968, a canção Pra não Dizer Que Não Falei Das Flores, de Geraldo
Vandré, provocou fúria nos meios militares, que o prenderam, torturaram e
exilaram o autor. O que não impediu que a música se tornasse um hino
juvenil brasileiro.
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais,
Braços dados ou não,
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções,
Caminhando e cantando
E seguindo a canção...
Vem vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora,
Não espera acontecer...
Pelos campo há fome,
Em grande plantações
Pelas ruas marchando,
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão...
Vem vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora,
Não espera acontecer...
Há soldados armados,
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas não mão
Nos quartéis lhes ensinam
Antigas lições
De morrer pela pátria
E viver sem razão.
Geraldo fala de forma explícita do Governo, cita ainda a luta armada e a
imobilidade das pessoas que defendem a diplomacia, podemos notar ainda
uma crítica aos movimentos que pregam a “paz e amor”mostrando que de
nada adianta falar de flores, aqueles que atacam com arma. Sua canção é
um protesto escancarado e uma afronta direta ao governo e as torturas, a
que alguns eram submetidos pelos militares, fala da consciência política,
de um despertar para o que ocorre na sociedade e da censura sofrida.
O período da ditadura, parece que ampliou a criatividade dos compositores
brasileiros. Para fugir da censura, nada melhor do que uma música que
dissesse tudo, sem dizer nada, isto é, cheia de subterfúgios, com muita
rima e qualidade, é o que acontece por exemplo com a música Roda Viva.
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo que cresceu...
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num estante
Nas voltas do meu coração...
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira pra lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinha, roda pião
O tempo rodou num estante
Nas voltas do meu coração
A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...
A gente toma a iniciativa
Viola na rua cantar
Mas eis que chaga roda viva
E carrega a viola pra lá...
Roda mundo
Roda gigante
Roda moinho
Roda pião
O tempo rodou num estante
Nas voltas do meu coração
Chico Buarque, achou que seria mais difícil conseguir aprovar alguma
música sua pelos agentes da censura. Escreveu então “Acorda Amor” com
pseudônimo de Julinho Adelaide, para driblar a censura.
Acorda amor
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição
Era a dura, numa muito escura viatura
Minha nossa santa criatura
Chame, chame, chame, chame, o ladrão
Acorda amor
Não é mais pesadelo nada
Tem gente já no vão da escada
Fazendo confusão, que aflição
São os homens, e eu aqui parado de pijama
Eu não gosto de passar vexame
Chame, chame, chame, chame o ladrão
Se eu demorar uns meses
Convém às vezes você sofrer
Mas depois de um ano eu não vindo
Ponha a roupa de domingo e pode me esquecer
Acorda amor
Que é o bicho
É bravo e não sossega
Se você corre o bicho pega
Se ficar não sei não
Atenção, não demora
Dias desses chega a sua hora
Não discuta a toa,
Não reclame
Chame, chame, chame, chame o ladrão
Acorda amor, é um retrato fiel dos fatos ocorridos no período que teve seu
ápice entre 1968 (logo após a decretação do AI-5) em 1976, quando
teoricamente, a tortura já não era mais praticada pelos militares, diversas
pessoas assumiram durante o período após terem sido arrancada de suas
casas a qualquer hora do dia ou da noite, e levados para DOPS E DOICODI’s espalhados pelo Brasil. A falta de confiança era tão grande que as
pessoas tinham mais medo dos policiais (que seqüestravam, torturavam,
matavam e muitas das vezes sumiam com os corpos) do que de ladrões. A
ironia do compositor era tão grande, que quando os agentes da repressão
chegavam à casa chamam-se os ladrões para que sejam socorridos.
APESAR DE VOCÊ - Chico Buarque
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado,
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão
Viu? Você que inventou esse Estado,
Inventou de inventar toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão
Apesar de você
Amanha há de ser outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando e a gente se amando sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Esse samba no escuro
Você que
inventou a tristeza
Ora tenha a fineza de desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apresar de você
Amanha há de ser
Outro dia
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem me pedir licença
E, eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanha há de ser outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente
Impunemente!
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apresar de você
Apresar de você
Amanhã há de ser outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal ,
La. Laia, la, laia, la, laia
Nessa letra, Chico Buarque faz o uso da descrição de vários fatos,
utilizando-se de uma linguagem puramente metafórica, com uma série de
técnicas argumentativas para despistar os sensores e alertar o povo da
situação na qual vivia o nosso país. Na letra dessa musica existem diversos
mecanismos argumentativos implícitos, mas que se tornam explícitos no
momento em que o auditório toma consciência do conteúdo. Esta musica
ocorreu no mesmo ano em que a seleção brasileira conquistou o
tricampeonato mundial, as torturas e desaparecimentos de pessoas
contrárias ao regime do General Médici eram constantes.
Chico, fez a letra dirigida exatamente a Médici, e enviou ao censores, certo
de que não passaria, passou e foi gravada. O compacto atingia a marca de
cem mil, quando um jornal insinuou que a musica era uma homenagem ao
presidente. A gravadora foi invadida e todas as cópias destruídas. Chico foi
chamada ao interrogatório para prestar informações e esclarecer o que era
o “você” mencionado na musica, e uma mulher muito mandona, muito
autoritária respondeu, a canção só será regravada em 1978, num álbum que
leva o nome do autor da musica (www.latinoamericano.gov.br)
A letra intitulada “Apesar de Você” demonstra de forma clara a vontade do
compositor expor sua indignação frente a essa “pessoa” que sabemos ser o
regime militar, que naquele momento não permite, entre outras coisas que
as coisas aconteçam na sua ordem natural como no trecho em que faz uma
analogia para ilustrar essa idéia “como vai proibir quando um galo insistir
em cantar” ou “como vai se amargar vendo o dia raiar, sem lhe pedir
licença”. A analogia se faz presente para nascer, assim como as pessoas
não deixaram de ter suas opiniões porque é lei se calar diante dos fatos.
Em todas as estrofes da musica aparece o refrão: “apesar de você amanhã
há de ser outro dia’, Apesar de tudo que a ditadura fez, torturando e
matando quem se opusesse a ela, chegou o momento da democracia. E
esse desejo pela democracia não aparece de forma explicita em meio a
letra, porém esta inserida na musica, fazendo uso de figuras de linguagem;
“Ainda pago pra ver o jardim florescer qual você não queria “, Você vai ter
que ver o jardim florescer e esbanjar poesia”.
Com relação aos valores, podemos destacar nesse trecho a referência a
liberdade,”Hoje é você quem manda, falou ta falado “, para indicar que o
que era dito pelos militares era lei e não havia possibilidade de contestação
por parte do povo, ou seja, os valores são invertidos, “a frase falou ta
falado” deve apresentar um valor inverso ao que colocado na música, o
povo deve perceber que não se deve calar diante das ordens da ditadura e
mudar o sentido de “Hoje você é quem manda, falou ta falado”.
A maioria das letras de Chico Buarque, revelam nas entrelinhas, um
caráter político, ligado a forte repressão e a censura, sofridas no período da
ditadura militar brasileira. Com já identificou Meneses (2000), a primeira
das canções da repressão, “apesar de você” mostra num contexto de hoje a
realidade repressiva, e um contexto de amanhã perspectiva de uma vida de
renascerá.
O Bêbado e a Equilibrista de João Bosco/Aldir Blanc – 1979
Interprete: Elis Regina
Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua, tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens, la no matar borrão do céu
Chupavam manchas torturadas,
Que sufoco!
Louco, o bêbado com chapéu coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil
Que sonha
Com volta do irmão Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete,
Chora, a nossa pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarices no solo do Brasil
Mas sei, que uma dor assim pungente,
Não há de ser inutilmente,
A esperança
Dança
Na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar
Asas, a esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar...
Composta em 1979, tornou-se um símbolo da luta pela anistia, pela volta
dos exilados e pela abertura política do regime militar. Carlitos,
personagem mais famoso de Charles Chaplin, representa a população
oprimida, mas que ainda consegue manter o bom humor, denunciava as
injustiças sociais de forma inteligente e engraçada. A equilibrista dançando
na corda bamba, de sombrinha é a esperança de todo um povo.
Henrique de Souza Filho, conhecido como Henfil, foi um cartunista,
quadrinista, jornalista e escritor, seu irmão, Herbert José de Souza,
conhecido como Betinho, foi um sociólogo e ativista dos direitos humanos
brasileiro. Concebeu e dedicou-se ao Projeto Ação da Cidadania Contra a
Miséria Pela Vida. Com o golpe militar, em 1964, mobilizou-se contra a
ditadura sem nunca esquecer as causas sociais, mas, com o aumento da
repressão, foi obrigado a se exilar no Chile em 1961. Em 1973, em
parceria com Gilberto Gil, foi lançada a letra da música “Cálice”, essa
canção tornou-se parte de um episódio marcante da ditadura, uma grande
exposição de cantores e compositores foi proibida na hora da apresentação,
mesmo depois de sua letra ter sido publicada em jornal.
Para impedir que a palavra “Cálice” fosse pronunciada, cortaram todo o
som dos microfones do Anhembi, um pós ou outro. Chico com raiva,
começava a cantar num deles, o som era desligado; ele pegava outro,
também fazia o mesmo, e outro, e outro. E assim, iconizou-se para que
ninguém ouvisse “cale-se”, a censura levou aquelas três mil pessoas
presentes ao show a verem o “cale-se” dramaticamente concretizado aos
microfones calados. (MENESES, 2000, P. 91).
A letra é clara: expõe a indignação dos compositores por não poderem se
expressar, diante da censura propagada pelo ditador Médici. Porem, esse
silêncio que deve ser praticado nem sempre é “ouvido” na cidade, pois:
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silencio na cidade não se escuta
(...)
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
O silêncio que “atordoa” os compositores faz com que eles desejam
“lançar um grito desumano” para que sejam ouvidos:
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silencio todo me atordoa
No refrão, encontramos uma intertextualidade, em que os versos são
intertexto da passagem bíblica que narra o grito de Jesus Cristo antes da
Paixão: “ Pai, afasta de mim esse cálice”.
Em se tratando da sonoridade do poema, Meneses (2000) percebe o
silêncio com algo figurado foneticamente. Segundo a autora, uma imagem
acústica é formada, em que o sonoro intensifica o valor expressivo das
palavras.
“O que será”, em que todo o silêncio “cantado” anteriormente pelo
compositor, explode através de verbos como sussurrar, falar, cantar e etc.
De acordo com Meneses (2000), os versos induzem a um pensamento, a
uma dúvida: o que será aquilo que provoca determinadas ações humanas?
O que será que será
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças,
Anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estavam falando alto pelos botecos
A música é composta por três estrofes de doze versos cada, sendo que o
primeiro verso de cada estrofe é composto por sete silabas métricas; e o
ultimo, por seis. De acordo com Meneses (2002), no decorrer da letra
encontramos os sujeitos das ações da primeira estrofe:
Que andam suspirando pelas alcovas
Que vivem nas idéias desses amantes
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que cantam os poetas mais delirantes
Que andam combinando no breu das tocas
Está no dia a dia das meretrizes
Que andam nas cabeças, anda nas bocas
Que esta na fantasia dos infelizes
Que andam acendendo velas nos becos
Que está na romaria dos mutilados
Que estavam falando
alto pelos botecos
Que juram os profetas embriagados
Que gritam nos mercados
No plano dos bandidos, dos desvalidos
A música “Construção” retrata bem o período ditatorial, vividos no ano de
chumbo pelos brasileiros da época. O autoritarismo era constante, pois os
compositores expressavam-se nas músicas como forma de protesto pelo
fato acontecido. Assim, poderemos ver a letra da música “Construção”:
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como fosse máquina
Ergueu num patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosso sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse musica
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meu do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando do tráfego
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com o seu
passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo um desejo lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfico
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse musica
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no como um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar com se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir...
Sinal Fechado de Chico Buarque e composição de Paulinho da viola
Olá! como vai?
Eu vou indo. E você tudo bem?
Tudo bem! eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro...
E você?
Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranqüilo...
Quem sabe?
Quanto tempo!
Pois é, quanto tempo!
Me perdoe a pressa – é a alma dos nossos negócios!
Qual, não tem de quê!
Eu também só ando a cem!
Quanto é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí!
Pra semana, prometo, talvez nos vejamos...
Quem sabe?
Quanto tempo! Pois é...
Quanto tempo!
Tanta coisa que eu tinha a dizer,
Mas eu sumi na poeira das ruas...
Eu também tenho algo a dizer,
Mas me foge à lembrança!
Por favor, telefone – eu preciso beber alguma coisa, rapidamente...
Pra semana...
O sinal...
Eu procuro você...
Vai abrir, vai abrir...
Eu prometo, não esqueço, não esqueço...
Por favor, não esqueça, não esqueça...
Adeus!
Adeus!
Adeus!
CHICO BUARQUE
Como já vimos, que o período da ditadura foi uma época difícil no Brasil,
a música foi muito prejudicada, pois conscientizava uma massa alienada.
Vale-se ressaltar a história e a vida de um compositor e intérprete que foi
exilado, torturado pelas suas musicas de conscientização, Chico Buarque.
As letras de suas músicas foi de fundamental importância para o
crescimento intelectual e compreensão do que passava, através das
metáforas e subterfúgios com rimas e criatividade. Haja visto, das riquezas
deixadas nos discos que resgata esse brilhantismo.
O filho do historiador e critico literário, Sergio Buarque de Hollanda e da
pianista Maria Amélia Buarque de Hollanda, nasceu no Rio de Janeiro, em
19 de junho de 1944. A família se mudou para São Paulo, em 1946,
quando Francisco, foi nomeado Diretor do Museu Ipiranga.
Desde criança, Chico ouvia os amigos da família, como Vinicius de
Moraes, tocarem violão e cantarem. Aos nove anos, Chico compôs a
primeira marchinha de carnaval, junto a paixão pelo futebol, nasceu em
Chico, a paixão pela literatura. Os anos se passaram, a Bossa Nova, o
Cinema Novo, o Teatro Oficina, o Show Opinião, o Teatro de Arena e os
CPC’s –(Centro Populares de Cultura) entram em cena. Um ano após
ingressar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo, houve certo desinteresse pela política, mas esse distanciamento
acabou em 1968, principalmente quando teve que deixar o país.
Segundo Meneses (2000), 1968 foi o ano da crise pessoal de Chico. A
características dos primeiros discos (1966, 1967 e 1968) foi uma mescla
entre preocupação social e lirismo. Nos festivais de MPB, a música – de
protesto – era a “(...) válvula de escape para o sentimento de insatisfação
da juventude” (MENESES, 2000, p.25), e o compositor sempre esteve
entre os primeiros lugares desses festivais.
No entanto, pequena parte da população enxergou que as letras que não
faziam criticas ao drama vivido na época, “rompiam” com ela. O gosto do
público começou a mudar e isso também se refletiu na música de Chico.
Segundo Meneses (2000), em 1970 foi lançado o disco que refletia essa
má fase.
Quando Chico retornou do seu alto – exílio na Itália, onde ficou por quinze
meses, percebeu o que estava acontecendo no país, e o interesse pela
política voltou. A crítica social foi aprofundada deixando o lirismo de lado.
Durante o governo Médici, com toda a repressão e censura sofrida pela
população, a alternativa encontrada por Chico, foi o processo da
“linguagem fresta” (definição dada por Caetano Veloso), que era usada
para driblar a censura. A raiva acumulada explodiu em seu quinto disco,
“Construção”.
Segundo Meneses (2000), o próprio compositor não se considera um
cantor de protesto. Em entrevista à Revista 365, da editora ABZ, ele
afirmou: “(...) sou um cantor do cotidiano. Um cantor de resmungo. E uma
pessoa de protesto”. Porém, mesmo sem consciência, muitas de suas
canções cumpriram o papel de canção de protesto.
Meneses (2000), afirma que a canção de protesto exerce uma função
catártica, provocando alívio através da liberação de emoção da sociedade:
Assim, não se trata em Chico Buarque de um processo de deslocamento
para driblar a censura – em que, por exemplo, ele falaria de “amor”
reprimido quando quisesse se referir a uma práxi política reprimida. As
duas metáforas são para serem entendidas também na sua liberdade
afetiva, e não apenas no seu registro político (p. 79).
Conhecendo um pouco da vida desse talentoso compositor. Em entrevista
na Rádio Eldorado, no dia 27 de setembro de 1989, com o jornalista
Geraldo Leite, Chico Buarque, respondeu algumas perguntas feitas pelo
entrevistador:
Pra começar, pedimos ao Chico para falar sobre a música popular e por
que é tão expressiva no Brasil?
Chico – Olha, eu, como estoudentro da música, nem me sinto muito à
vontade de fazer uma comparação desse tipo. Fora daqui, na Europa, nos
Estados Unidos, a música brasileira, a música popular brasileira tem
consumo, ela goza de um conceito muito alto, eu não poderia comparar
com outras, antes para não ficar indelicado.
Mas se chegou a ter um casamento feliz, como aliás, eu tenho a impressão
que só acontece nos Estados Unidos e em Cuba. O casamento, quer dizer a
mestiçagem que gera a música brasileira, que é semelhante à mestiçagem
que gera o jazz e toda a música caribenha. O casamento entre a música e
letra, a formação européia dos nossos letristas, isso vem de muito tempo, a
formação européia dos nossos melodistas, mas, basicamente o ritmo.
Acontece, como eu disse, aqui como lá nos Estados Unidos, como no
Caribe, você não se vê esse mesmo casamento, essa mesma harmonia em
música, onde há menos presença do negro. Nos países andinos, por
exemplo, tem a música popular, mas, ao nível internacional, ela não tem o
pique que tem a música brasileira.
Na música brasileira, esse elemento negro é fundamental, e a forma como
ele entra, como ele se casa com os outros elementos que compõe a música.
Eu vejo por aí. No Brasil, a música popular... se você quiser considera a
música como música pura, vai levar desvantagem em relação à música
mais elaborada, à música de vanguarda, à música erudita, porque recolhe
elementos dessa música e assimila esses elementos, e produz junto com a
letra, que também não é uma poesia, produz uma obra de arte única.
• Chico, fala da sua relação do o poeta Vinicius de Moraes.
Chico – Eu tinha um carinho pessoal por ele, mas isso não interferiu tanto.
Eu conheci Vinicius, quando eu era criança. Mas eu passei a ser fã de
Vinicius, a partir da Bossa Nova, foi aí que me interessei... eu não lia
muita poesia, acho que eu não conhecia o poeta Vinicius de Moraes, eu
conhecia o boêmio e o compositor Vinicius de Moraes, amigo lá de casa, e
a partir de Chega de Saudade, passei a conhecer. A Bossa Nova, foi que
desencadeou a minha paixão pela musica popular e a paixão da minha
geração inteira. É um ponto comum de referência de todos nós. É João
Gilberto, é Tom Jobim e é Vinicius, virou uma página mesmo. Foi a partir
daí que eu comecei a me interessar pelo violão e querer fazer música.
• Chico, fala agora da dificuldade do trabalho após 64, e de suas
esperanças.
Chico – A partir de 64, a cultura brasileira, esteve cerceada. Houve
dificuldades em dar continuidade aos projetos, os movimentos eram
encarados com suspeitas, acho que está na hora de aparecer gente nova.
Inclusive porque tem gente com muito talento, às vezes desperdiçado,
querendo fazer coisas. Eu tenho esperança, é claro, não sou pessimista,
tenho quase certeza de que mais cedo ou mais tarde essa página toda da
Bossa Nova, vai ser uma página viradíssima. A Bossa Nova existe até hoje,
volta e meia ela renasce porque ainda é uma música moderna, foi criada
em 50 e poucos, eu fico torcendo pra Bossa Nova ser uma coisa do
passado mesmo.
Antecipamos a solução de um problema que era esdrúxulo: a ausência de
relação diplomática entre Brasil e Cuba, são dois países muito ligados
atavicamente, culturalmente. Os mesmos escravos que foram dar na Bahia,
foram dar em Havana. Isso gera uma miscigenação muito parecida e gera
uma simpatia imediata
entre os dois povos. Havia motivos políticos até para eu me manifestar por
isso, porque havia uma perseguição a tudo que dissesse respeito à Cuba.
Mas, a minha aproximação foi mais até com os artistas do que outra coisa.
Havia necessidade de se conhecer a cultura cubana, mesmo porque eles
também tinham muito interesse pela cultura brasileira, e havia essa barreira
intransponível. Eles conheciam tudo, via Paris, conheciam os discos de
músicas brasileiras que eram editados em Paris, essas coletâneas
misturando fulano e fulano.
Chico, comenta a nova mulher dos anos 70, e sua produção para o teatro.
Nos anos 70 a mulher deu um salto incrível em direção a sua própria
liberdade.Quando Nara me pediu uma canção em 66,era da mulher
submissa, não é a toa ,mais tarde começou a sair e vieram os movimentos
feminista etc. Mas eu acho que essas canções são mais conseqüência do
meu trabalho para o teatro, onde por algum motivo as mulheres sempre
foram fortes.Deste a Joana que a Bibi Ferreira fazia no Gota d’água, até as
personagens de Calabar. Calabar é a história de Calabar contada, na
verdade, pela sua mulher, sua viúva, que é grande, personagem da peça.
Na Ópera do Malandro a Teresinha é a personagem que dá a volta na
história.As mulheres são muito fortes nesse meu trabalho pra teatro. E, eu
compus para essas personagens femininas, então era natural que as
canções refletissem essa força da mulher, independente.
• Caso Calabar, 1973.
Chico – O episódio foi bem significativo do período que a gente estava
vivendo. Aconteceu o seguinte: havia uma censura prévia. (parece uma
coisa tão distante: uma censura prévia). Você mandava o texto para
ser examinado pela censura federal, esse texto era aprovado ou reprovado,
ou aprovado com cortes. Ele foi aprovado com cortes, alguns palavrões
aqui, uma coisa ali, que a gente não podia levar ao palco. O resto estava
aprovado. Quer dizer: sinal verde para a montagem da peça, então nos
reunimos com Ruy Guerra, que é meu parceiro na peça, e eu, mais o
Fernando Torres, produzimos a peça. O espetáculo estava pronto, a estréia
marcada, aí tinha a segunda censura, a censura ao espetáculo, que pra
conferir se o que está na cena corresponde no papel, ou seja, vê se estão
respeitando os cortes, se os palavrões foram realmente cortados, se não há
um nu proibido, enfim essas coisas que não eram permitidos na época.
A estréia é marcada, o ensaio geral para a censura é marcado e a censura
não foi assistir ao espetáculo. Não foi, adiou, adiou... não foi, não foi, não
foi... e aconteceu o quê? Chegou uma hora, que não havia como manter
aquela produção em pé, então falimos, eles não proibiram, os obrigaram os
produtores a jogar a toalha. A gente recorreu e meses mais tarde ele foi
proibida pelo general Bandeira, que era o chefe do serviço de censura, ele
era superior ao chefe que havia aprovado anteriormente, a peça foi
proibida dessa forma esdrúxula e foi proibida a divulgação da proibição na
impressa, e, a palavra Calabar, foi proibida na impressa.
O resultado é que a gente não podia dizer que a peça havia sido proibida,
ou falida, o disco que se chamava Chico Canta Calabar, teve o nome
Calabar proibido, então, retiram as capas que estavam impressas e tinham
um muro pixado com Calabar, e publicaram essas capas brancas mantendo
Chico Canta, a capa era a mesma do livro, mas com álbum que abria e
tinha fotos dentro, uma capa toda incrementada, muito bonita e foi isso, foi
uma proibição branca.