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A MÚSICA E A CENSURA

O presente trabalho, pretende ser uma contribuição a uma área de representações artísticas, fazendo um registro da trajetória da produção musical na época de ditadura, período que repercute a censura das músicas que eram produzidas na época, pois os militares achavam que iam contra os valores e a moral pelo fato de ser subversivas. A grande repercussão que o regime militar exerceu sobre os diversos seguimentos da sociedade brasileira na década de 60, é o fator primordial dessa pesquisa. A coragem de muitos artistas brasileiros, dentre eles, destaca-se: CHICO BUARQUE, que apesar da censura na época, ele tentou conscientizar a grande massa popular por meio de suas composições metafóricas onde as letras permitiam, que seus ouvintes adquirissem uma opinião crítica a cerca do regime político, e em muitos casos a tornarem oposição contra o mesmo. Tais acontecimentos motivaram-me a buscar conhecimentos sobre este período e sua influencia na MPB. A década de 60, é marcada por efervescência no campo político social do país. Uma vontade de participar ativamente da política interna é desapontada em diversas camadas da sociedade. "Tudo isso, expressa a grande inquietação social em parte explicada pela situação critica da economia do país é que na esfera polícia, se refletia em episódios tensos". (BOLLE, 1980, p. 93). Dois momentos marcantes dessa época, a renuncia de Jânio Quadros e 1961 e a posse de seu Vice Presidente João Goulart, com idéias de reformas sociais e econômicas que deram origem ao golpe de 1964. O governo de Goulart, é marcado pelo o agravamento da crise política, bem como, pelos conflitos sociais e políticos do país. Após os primeiros anos, o governo militar torna-se mais rígido, apesar da censura imposta pelo presidente e no governo de Costa e Silva, que a ditadura se consolida, e é outorgado o AI-5. A censura é instaurada no teatro, na televisão, no cinema, na música e até nas universidades. Isso elimina quase totalmente a possibilidade de germinar uma cultura crítica. "podemos dizer, que o AI-5, foi um golpe dentro do golpe, um golpe de misericórdia na caricatura de democracia. Caímos, aí sim, na clandestinidade" (GABEIRA, 1984, p.119). Em dezembro de 1964, estreou, um Shoping Center de Copacabana, o Show "Opinião", misturando samba, baião e jazz, com críticas políticas e sociais. Nara Leão, cantora iniciante, em 1964, foi transformada posteriormente em musa símbolo da esquerda, graça a interpretação de "Carcará ", durante o espetáculo o show foi visto por mais de cem mil pessoas, passando por diversas partes do país e em todas elas, toda a vez que era cantada carcará, como o pássaro ruim que "pega, mata e come", e instantaneamente identificada com o regime militar e sua atuação: Carcará, pega mata e come Carcará, não vai morrer de fome Carcará, mais coragem do que hôme, Carcará, pega mata e come Carcará, lá no sertão É um bicho que avôa que nem avião É um pássaro malvado Tem um bico volteado que nem gavião Carcará, quando vê roça queimada Sai voando e cantando, Carcará Vai fazer sua caçada Carcará, come inté cobra queimada Más quando chega o tempo da ivernada No sertão não tem mais roça queimada Carcará, mesmo assim não passa fome Os burrego, que nascem na baixada Carcará, pega mata e come Carcará, não vai morrer de fome Carcará, mais coragem do que hôme Cacará, pega mata e come Carcará, é malvado e valentão É a águia lá do meu sertão Os burrêgo novinho não podem andá Ele pega no umbigo inté matá Carcará... Curiosamente, a ave Carcará, tornou-se em 1999, o símbolo do Serviço de

A MÚSICA E A CENSURA ''A Música popular brasileira durante as décadas de 60 e 70, foi riquíssima, embora parte dela desobedecesse o status dirigido na época, por uma ditadura militar e sua censura.'' O presente trabalho, pretende ser uma contribuição a uma área de representações artísticas, fazendo um registro da trajetória da produção musical na época de ditadura, período que repercute a censura das músicas que eram produzidas na época, pois os militares achavam que iam contra os valores e a moral pelo fato de ser subversivas. A grande repercussão que o regime militar exerceu sobre os diversos seguimentos da sociedade brasileira na década de 60, é o fator primordial dessa pesquisa. A coragem de muitos artistas brasileiros, dentre eles, destaca-se: CHICO BUARQUE, que apesar da censura na época, ele tentou conscientizar a grande massa popular por meio de suas composições metafóricas onde as letras permitiam, que seus ouvintes adquirissem uma opinião crítica a cerca do regime político, e em muitos casos a tornarem oposição contra o mesmo. Tais acontecimentos motivaram-me a buscar conhecimentos sobre este período e sua influencia na MPB. A década de 60, é marcada por efervescência no campo político social do país. Uma vontade de participar ativamente da política interna é desapontada em diversas camadas da sociedade. “Tudo isso, expressa a grande inquietação social em parte explicada pela situação critica da economia do país é que na esfera polícia, se refletia em episódios tensos”. (BOLLE, 1980, p. 93). Dois momentos marcantes dessa época, a renuncia de Jânio Quadros e 1961 e a posse de seu Vice Presidente João Goulart, com idéias de reformas sociais e econômicas que deram origem ao golpe de 1964. O governo de Goulart, é marcado pelo o agravamento da crise política, bem como, pelos conflitos sociais e políticos do país. Após os primeiros anos, o governo militar torna-se mais rígido, apesar da censura imposta pelo presidente e no governo de Costa e Silva, que a ditadura se consolida, e é outorgado o AI-5. A censura é instaurada no teatro, na televisão, no cinema, na música e até nas universidades. Isso elimina quase totalmente a possibilidade de germinar uma cultura crítica. “podemos dizer, que o AI-5, foi um golpe dentro do golpe, um golpe de misericórdia na caricatura de democracia. Caímos, aí sim, na clandestinidade” (GABEIRA, 1984, p.119). Em dezembro de 1964, estreou, um Shoping Center de Copacabana, o Show “Opinião”, misturando samba, baião e jazz, com críticas políticas e sociais. Nara Leão, cantora iniciante, em 1964, foi transformada posteriormente em musa símbolo da esquerda, graça a interpretação de “Carcará “, durante o espetáculo o show foi visto por mais de cem mil pessoas, passando por diversas partes do país e em todas elas, toda a vez que era cantada carcará, como o pássaro ruim que “pega, mata e come”, e instantaneamente identificada com o regime militar e sua atuação: Carcará, pega mata e come Carcará, não vai morrer de fome Carcará, mais coragem do que hôme, Carcará, pega mata e come Carcará, lá no sertão É um bicho que avôa que nem avião É um pássaro malvado Tem um bico volteado que nem gavião Carcará, quando vê roça queimada Sai voando e cantando, Carcará Vai fazer sua caçada Carcará, come inté cobra queimada Más quando chega o tempo da ivernada No sertão não tem mais roça queimada Carcará, mesmo assim não passa fome Os burrego, que nascem na baixada Carcará, pega mata e come Carcará, não vai morrer de fome Carcará, mais coragem do que hôme Cacará, pega mata e come Carcará, é malvado e valentão É a águia lá do meu sertão Os burrêgo novinho não podem andá Ele pega no umbigo inté matá Carcará... Curiosamente, a ave Carcará, tornou-se em 1999, o símbolo do Serviço de Inteligência Civil do Brasil, órgão publicado e criado por Fernando Henrique Cardoso, que substituiu o extinto SNI. O show Opinião, encerrava-se com música do mesmo nome, de autoria de Zé Kéti, que tinha seu refrão cantado pela tribo identificada com Carcará. A música composta e 1962, antes do regime militar tinha como intuído criticar um projeto de remoção dos moradores da favela, criado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, em 1964, cantada por Nara Leão, Opinião tornou-se o hino de resistência da juventude que acompanha as apresentações, esquecendo-se dos versos nos quais era clara a idéia original de Zé Kéti, protestando contra a remoção dos moradores do morro, ainda hoje, poucas pessoas se lembram desses versos, recordando-se apenas do refrão: “Podem me prender/ podem até deixar-me sem comer/ que eu não mudo de opinião. Cada vez mais preocupado em abafar qualquer tipo de oposição contra o governo e o regime, o General Castelo Branco, deu o primeiro passo para conter os processos de contaminação pública (GASPARI, 2002. p. 231). Em seu governo, a Polícia Federal apreendeu dezessete mil volumes de trinta e cinco obras acusadas de difundir doutrinas ou idéias de que fossem contra o Estado e a ordem da sociedade. Era necessário conter os veículos de comunicação de massa, para que idéias “absurdas” sobre o Governo Vigente não influenciassem os cidadãos brasileiros, evitando revoluções e intrigas. Assim começou a violência simbólica exercida pelo governo, com a cumplicidade dos que sofriam e, também, dos que a exerciam, inconscientes, muitas vezes, de exercê-la ou sofrê-la. O mundo da imagem e do som foi dominado principalmente pelas palavras de forma direta ou indireta, seja em mensagens subliminares ou em panfletagens escancaradas, e as fantasias, medos ou, simplesmente, representações falsas. Mas até onde as palavras podem criar essas “falsas representações”? Como podemos distinguir uma informação verdadeira de uma falsa? Essa era a grande questão no período dos governos militares. De um lado, uma juventude preocupada com seus direitos, com a democracia, com a defesa do ser humano e procurando por um governo que ano vetasse nenhum tipo de arte e informação. De outro, o poder militar contra os ditos “comunistas”, numa verdadeira caça às bruxas, calando a voz daqueles que gostariam apenas de ter sua liberdade de expressão recuperada. O poder da palavra pode ser percebido em vários fatores presentes durante a ditadura militar. Seu apogeu, entretanto, foram os Atos Institucionais que regeram o país, encerrando direitos e estabelecendo novos deveres aos cidadãos brasileiros. Com Castelo Branco, o AI-1 concedeu ao governo militar o poder de alterar a Constituição, cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos por dez anos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse atentado contra a segurança do país, o regime democrático e a probidade da administração pública. Foi o primeiro dos muitos atos institucionais que mudariam a política e os costumes da sociedade brasileira. BOURDIEU, Pierre,1997.p. 26. Investindo nas imposições estabelecidas pelas leis, com o poder da censura e com o controle das produções artísticas, o governo levantava sua própria bandeira, demonstrando ao povo brasileiro os benefícios que a Ditadura Militar traria ao país. Entre eles, as alianças estabelecidas com outros países, investimentos e estabilidade na economia. A “realidade perfeita”, apresentada pelos militares, começava a ser desmascarada através de manifestações artísticas que o governo tentava, em vão, conter. Uma das pioneiras aconteceu em 1966, na realização do 2º Festival de MPB, com a canção “Disparada”. De Geraldo Vandré. Participante do festival tendo sido a música defendida por Jair Rodrigues. A letra compara a maneira de se lidar com o gado ao modo como é tratado o povo, as diferenças entre as classes sociais e a maneira como as classes economicamente mais baixas eram tratadas no “Brasil perfeito”, estampado pelo governo: Boiadeiro muito tempo, laço firme, braço forte Muito gado, muita gente pela vida segurei Seguia como num sonho e boiadeiro era um rei Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando As visões se clareando, até que um dia acordei Então não pude seguir, valente, lugar tenente E o dono de gado e gente, porque gado a gente marca Tange, ferra, engorda e mata Mas com gente é diferente Se você não concordar não posso me desculpar Não canto pra enganar, vou pegar minha viola Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar Musicada por Téo de Barros, o ritmo típico sertanejo conquistou a simpatia do público do festival, principalmente dos espectadores mais politizados, recebendo o prêmio pelo primeiro lugar, junto com “A banda” de Chico Buarque. Vandré, algum tempo depois, foi exilado e, reza a lenda, que “sofreu uma lavagem cerebral do governo” durante as “conversas” no DOPS. Em 1967, Costa e Silva tomou posso, eleito pelo congresso nacional. Iniciando a mais dura fase do regime militar, a qual Emilio G. Médici, seu sucessor, daria continuidade. Conhecido por defender os interesses da Extrema Direita da Forças Armadas, Costa e Silva, aumentou a perseguição ao contrários ao governo e seu desempenho. Antes de tornarse Presidente, reprimiu várias manifestações estudantis, participou da conspiração contra Jango, tornando-se ministro da Guerra do governo de Castello. Com o novo governo militar, surgiram, com maior firmeza, os grupos de extrema direita, como o CCC (Comando de Caça aos Comunistas), ao mesmo tempo em que crescia o interesse político e social, principalmente da juventude brasileira. Artistas já consagrados nos festivais realizados anteriormente, passaram a tornar mais explicita a vontade de lutar contra um governo opressor. Um dos maiores representantes dessa geração, Chico Buarque, tinha acabado de compor um peça intitulada “Roda Viva”, pronta em 25 dias. O tema da peça, “Roda Viva”, conquistou o terceiro lugar no III Festival da MPB, da TV Record. Em janeiro de 1968, dirigida por José Celso Martinez, estreou a peça que contava a história de um artista triturado pela mídia, que via sua carreira afundar (surgiram boatos de que a personagem principal, o artista Ben Silver, teria sido criado tendo como inspiração Roberto Carlos, que na época, via sua carreira decair com a aparição de novos nomes como Paulo Sérgio, apesar de Chico Buarque afirmar que a personagem era realmente fictícia). Encenada às vésperas do AI-5 – Ato que retirou a condição de Estado de Direito, ao excluir de apreciação judicial a aplicação das normas que o instituíram, suspendeu as liberdades individuais e deu poderes excepcionais ao presidente – acabou gerando uma intensa reação de grupos de direita ligados ao regime, que culminou com a agressão aos atores e determinou o final das encenações, sendo os participantes da peça postos num ônibus de volta para São Paulo, com a recomendação de não retornarem. (SEVERIANO – Vol. 2 p. 115). Com “Roda Viva”, Chico Buarque ficou marcado pela ação dos censores que viam, cada vez mais, em suas músicas, mensagens nas entrelinhas que defendiam a democracia, os direitos do cidadão e a liberdade (ou a falta dela) O ano de 1969, começou conturbado. A polêmica de “Roda Viva” foi apenas a ponta do iceberg. O movimento estudantil, principal forma de protesto contra o governo desde 67, começou a aumentar suas manifestações de protesto e passeatas, não só demonstrando o descontentamento com o governo, mas, também, lutando para melhorias na Educação Pública e contra a tendência às privatizações apresentada pelo governo militar, graças à subordinação do governo brasileiro aos interesses norte-americanos. Em cada manifestação, aumentava o número de feridos e a intensidade da violência da Forças Armadas contra os estudantes. Em março de 68, o restaurante “Calabouço” foi invadido por militares, deixando vários feridos e o estudante Edson Luiz, de 17 anos, morto. O fato comoveu o país que parou, em 26 de junho, para apoiar a passeata dos cem mil pelas ruas do Rio de Janeiro. Entre os participantes estavam artistas, jornalistas, padres e, principalmente, mães de estudantes. Mais uma vez, foram registrados casos de morte e vários feridos, enquanto a cavalaria investia maciçamente contra os manifestantes. Durante todo o ano de 68, o aumento dos protestos e a revolta contra o governo foram constantes. Entre 67 e 68, não apenas o clima tenso presente no Brasil intensificou-se; o país foi testemunha de mudanças políticas e comportamentais. Em 67, no festival da Tv Record, surgiu um cantor baiano, natural de Santo Amaro da Purificação, que fez uma revolução na música popular brasileira. Caetano Veloso cantou “Alegria Alegria”, acompanhado dos Beat Boys e deixou embasbacados os presentes na platéia. Era uma mistura de poesia concreta a do Pop Art, de Andy Warhol, com os principais do movimento antropológico da década de 20, uma mescla de ritmos, a incorporação da cultura mundial dos Beatles, de Hendrix e Janis Joplin, do movimento hippie e anti-Nixon. A cultura mundial passou a influenciar a cultura brasileira, atravessando as barreiras da censura, produzindo novas experimentações, nova musica brasileira. O uso da metalinguagem tornou-se marca principal dentro do movimento tropicalista. Muito criticado pelos movimentos paralelos, principalmente os extremamente ligados à oposição ao regime, o Tropicalismo não se constituiu de uma vanguarda política mas, sim, estética. Grande parte de seu componentes acreditava eu não era necessária uma crítica direta ao governo ou ao regime, mas que a mudança das formas musicais e o subentendido presente nas letras, já provocariam mudanças drásticas na sociedade. Em 68, foi lançado o elepê “Tropicália ou Panis et circenses”. Na capa e no encarte, um resumo do que seria a idéia principal da obra e de sua musicalidade: O retrato misto de família convencional, valores de status, marcos de cultura norte-americana, viajante nordestino, cultura afro, misticismo oriental e choque de alguém que toma algo num pinico, talvez influencia do ‘Dadaismo’ europeu. [...] Enquanto as esquerdas engajadas e nacionalistas queriam ouvir um discurso que denunciasse as injustiças sociais, vestido de ritmo e instrumentos bem brasileiros, eles misturavam folclore com heróis de gibis, Pixinguinha com Mamas&Papas, Cristianismo ocidental com ritos africanos, batuques e tambores com distorções de guitarras. (BARROS,1985, p.59-84 O disco em seu todo explora, além de novos recursos sonoros, a possibilidade de denúncias dos problemas existentes na sociedade daquela época: o sertão pobre e esquecido, pessoas marginalizadas, tratadas como a escória de sua pátria. A denúncia contra a burguesia alienada, grande defensora do governo militar, fez-se presente, no disco, em “Panis et circenses”, gravada pelo grupo Mutantes de Gilberto Gil e Caetano Veloso: Eu quis cantar Minha canção iluminada de som Soltei os panos sobre os mastros no ar Soltei os tigres e os leões nos quintais Mas as pessoas na sala de jantar São ocupadas em nascer e morrer Mandei fazer De puro aço luminoso um punhal Para matar o meu amor e matei Às cinco horas da sala de jantar São ocupadas em nascer e morrer Tratada com grande deboche, a burguesia assumiu sua postura despreocupada, nascendo para morrer, sem se prender à verdadeira situação brasileira. Personagens marginalizados também eram descritas em Lindonéia, preseguida pela polícia, suburbana, que vivia entre sonhos, mas foi ferida pela realidade pobre e anônima: Na frente do espelho Sem que ninguém a visse Miss Linda, feia Lindonéia desaparecida Despedaçados Atropelados Cachorros mortos nas ruas Policias vigiando O sol batendo nas frutas Sangrando Oh, meu amor A solidão vai me matar de dor Lindonéia, cor parda Fruta na feira Lindonéia solteira Lindonéia, domingo Segunda-feira Lindonéia desaparecida Na igreja, no andor Lindonéia desaparecida Na preguiça, no progresso Lindonéia desaparecida Nas paradas de sucesso Ah, meu amor A solidão vai me matar de dor No avesso do espelho Mas desaparecida Ela aparece na fotografia Do outro lado da vida Despedaçados, atropelados Cachorros mortos nas ruas Policiais vigiando O sol batendo nas frutas A música apresenta contraposições, antíteses, anáforas que marcam seu ritmo com a insistência na idéia de apresentar uma realidade distorcida, como se o sentido do “real” vivido por essa geração, fosse turvo, inexato. Em “Enquanto seu Lobo não vem”, outra música de Caetano Veloso, de 1968, a situação parece ser apresentada com um tom mais realista. Tentando retratar a repressão vivida nas ruas, nas passeatas, e a influência americana, ele utilizou, como metáfora, a história de “Chapeuzinho Vermelho”, clássico da literatura infantil: Vamos passear na floresta escondida, meu amor Vamos passear na avenida Vamos passear nas veredas, no alto meu amor Há uma cordilheira sob o asfalto (Os clarins da banda militar...) A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas (Os clarins da banda militar...) Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas (Os clarins da banda militar...) Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas (Os clarins da banda militar...) Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil Vamos passear escondidos Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou Vamos por debaixo das ruas (Os clarins da banda militar...) Debaixo das bombas, das bandeiras (Os clarins da banda militar...) Debaixo das botas (Os clarins da banda militar...) Debaixo das rosas, dos jardins (Os clarins da banda militar...) Debaixo da lama (Os clarins da banda militar...) Debaixo da cama O ritmo bem marcado pelas anáforas, pelas repetições e pela narrativa quase cinematográfica de quem está no meio da rua, vivenciando a agonia e a sufocante situação de ver vigiado e repreendido, de quem vive para se esconder, acaba envolvendo o ouvinte e transportando-o para os episódios vividos em manifestações, como a Passeata dos Cem Mil. Tropicália, música de Caetano Veloso que se deu o nome ao movimento, é considerada uma síntese da proposta criada pelo grupo de artistas. Uma colagem caótica, irônica e reflexiva. Joga com o antigo e o novo, passado e futuro, caos e ordem. Colocado entre o céu e o chão, quem observa o mundo de dentro, aponta os contrastes sociais e de realidades diferentes. Assume conotação de oposição no verso “aponta contra os chapadões meu nariz”, perífrase eu se refere à Brasília, ou seja, o autor descreve sua oposição ao governo, mantendo o nariz “contra os chapadões”. Os contrastes de bossa e palhoça fazem alusão ao rural contra o urbano, o sertão e a industria, as contradições dentro de um país que vive no meio da miséria, em plena era “do milagre brasileiro”. Na repetição das terminações das palavras, ora parece com tiros (ta-tá-tá,) ora com sorrisos (ia-ia-ia) ou simplesmente com expressões débeis e sem sentido, como a própria realidade do país (dá-dá-dá). Dentro dos elementos lingüísticos aplicado em suas músicas, os integrantes da Tropicália, driblaram a censura e a vigília do governo por algum tempo, não o bastante para que não fossem punidos. Falar da realidade do país, não era uma boa opção para quem gostava de ser chamado de brasileiro. Não se fala mal do que é seu, principalmente do seu país. Em 1968, a canção Pra não Dizer Que Não Falei Das Flores, de Geraldo Vandré, provocou fúria nos meios militares, que o prenderam, torturaram e exilaram o autor. O que não impediu que a música se tornasse um hino juvenil brasileiro. Caminhando e cantando E seguindo a canção Somos todos iguais, Braços dados ou não, Nas escolas, nas ruas Campos, construções, Caminhando e cantando E seguindo a canção... Vem vamos embora Que esperar não é saber Quem sabe faz a hora, Não espera acontecer... Pelos campo há fome, Em grande plantações Pelas ruas marchando, Indecisos cordões Ainda fazem da flor Seu mais forte refrão E acreditam nas flores Vencendo o canhão... Vem vamos embora Que esperar não é saber Quem sabe faz a hora, Não espera acontecer... Há soldados armados, Amados ou não Quase todos perdidos De armas não mão Nos quartéis lhes ensinam Antigas lições De morrer pela pátria E viver sem razão. Geraldo fala de forma explícita do Governo, cita ainda a luta armada e a imobilidade das pessoas que defendem a diplomacia, podemos notar ainda uma crítica aos movimentos que pregam a “paz e amor”mostrando que de nada adianta falar de flores, aqueles que atacam com arma. Sua canção é um protesto escancarado e uma afronta direta ao governo e as torturas, a que alguns eram submetidos pelos militares, fala da consciência política, de um despertar para o que ocorre na sociedade e da censura sofrida. O período da ditadura, parece que ampliou a criatividade dos compositores brasileiros. Para fugir da censura, nada melhor do que uma música que dissesse tudo, sem dizer nada, isto é, cheia de subterfúgios, com muita rima e qualidade, é o que acontece por exemplo com a música Roda Viva. Tem dias que a gente se sente Como quem partiu ou morreu A gente estancou de repente Ou foi o mundo que cresceu... A gente quer ter voz ativa No nosso destino mandar Mas eis que chega a roda viva E carrega o destino pra lá... Roda mundo, roda gigante Roda moinho, roda pião O tempo rodou num estante Nas voltas do meu coração... A gente vai contra a corrente Até não poder resistir Na volta do barco é que sente O quanto deixou de cumprir Faz tempo que a gente cultiva A mais linda roseira que há Mas eis que chega a roda viva E carrega a roseira pra lá... Roda mundo, roda gigante Roda moinha, roda pião O tempo rodou num estante Nas voltas do meu coração A roda da saia mulata Não quer mais rodar não senhor Não posso fazer serenata A roda de samba acabou... A gente toma a iniciativa Viola na rua cantar Mas eis que chaga roda viva E carrega a viola pra lá... Roda mundo Roda gigante Roda moinho Roda pião O tempo rodou num estante Nas voltas do meu coração Chico Buarque, achou que seria mais difícil conseguir aprovar alguma música sua pelos agentes da censura. Escreveu então “Acorda Amor” com pseudônimo de Julinho Adelaide, para driblar a censura. Acorda amor Eu tive um pesadelo agora Sonhei que tinha gente lá fora Batendo no portão, que aflição Era a dura, numa muito escura viatura Minha nossa santa criatura Chame, chame, chame, chame, o ladrão Acorda amor Não é mais pesadelo nada Tem gente já no vão da escada Fazendo confusão, que aflição São os homens, e eu aqui parado de pijama Eu não gosto de passar vexame Chame, chame, chame, chame o ladrão Se eu demorar uns meses Convém às vezes você sofrer Mas depois de um ano eu não vindo Ponha a roupa de domingo e pode me esquecer Acorda amor Que é o bicho É bravo e não sossega Se você corre o bicho pega Se ficar não sei não Atenção, não demora Dias desses chega a sua hora Não discuta a toa, Não reclame Chame, chame, chame, chame o ladrão Acorda amor, é um retrato fiel dos fatos ocorridos no período que teve seu ápice entre 1968 (logo após a decretação do AI-5) em 1976, quando teoricamente, a tortura já não era mais praticada pelos militares, diversas pessoas assumiram durante o período após terem sido arrancada de suas casas a qualquer hora do dia ou da noite, e levados para DOPS E DOICODI’s espalhados pelo Brasil. A falta de confiança era tão grande que as pessoas tinham mais medo dos policiais (que seqüestravam, torturavam, matavam e muitas das vezes sumiam com os corpos) do que de ladrões. A ironia do compositor era tão grande, que quando os agentes da repressão chegavam à casa chamam-se os ladrões para que sejam socorridos. APESAR DE VOCÊ - Chico Buarque Hoje você é quem manda Falou, tá falado, Não tem discussão, não A minha gente hoje anda Falando de lado e olhando pro chão Viu? Você que inventou esse Estado, Inventou de inventar toda a escuridão Você que inventou o pecado Esqueceu-se de inventar o perdão Apesar de você Amanha há de ser outro dia Eu pergunto a você Onde vai se esconder Da enorme euforia? Como vai proibir Quando o galo insistir em cantar? Água nova brotando e a gente se amando sem parar Quando chegar o momento Esse meu sofrimento Vou cobrar com juros. Juro! Todo esse amor reprimido Esse grito contido Esse samba no escuro Você que inventou a tristeza Ora tenha a fineza de desinventar Você vai pagar e é dobrado Cada lágrima rolada Nesse meu penar Apresar de você Amanha há de ser Outro dia Ainda pago pra ver O jardim florescer Qual você não queria Você vai se amargar Vendo o dia raiar Sem me pedir licença E, eu vou morrer de rir E esse dia há de vir Antes do que você pensa Apesar de você Amanha há de ser outro dia Você vai ter que ver A manhã renascer E esbanjar poesia Como vai se explicar Vendo o céu clarear De repente Impunemente! Como vai abafar Nosso coro a cantar Na sua frente Apresar de você Apresar de você Amanhã há de ser outro dia Você vai se dar mal Etc. e tal , La. Laia, la, laia, la, laia Nessa letra, Chico Buarque faz o uso da descrição de vários fatos, utilizando-se de uma linguagem puramente metafórica, com uma série de técnicas argumentativas para despistar os sensores e alertar o povo da situação na qual vivia o nosso país. Na letra dessa musica existem diversos mecanismos argumentativos implícitos, mas que se tornam explícitos no momento em que o auditório toma consciência do conteúdo. Esta musica ocorreu no mesmo ano em que a seleção brasileira conquistou o tricampeonato mundial, as torturas e desaparecimentos de pessoas contrárias ao regime do General Médici eram constantes. Chico, fez a letra dirigida exatamente a Médici, e enviou ao censores, certo de que não passaria, passou e foi gravada. O compacto atingia a marca de cem mil, quando um jornal insinuou que a musica era uma homenagem ao presidente. A gravadora foi invadida e todas as cópias destruídas. Chico foi chamada ao interrogatório para prestar informações e esclarecer o que era o “você” mencionado na musica, e uma mulher muito mandona, muito autoritária respondeu, a canção só será regravada em 1978, num álbum que leva o nome do autor da musica (www.latinoamericano.gov.br) A letra intitulada “Apesar de Você” demonstra de forma clara a vontade do compositor expor sua indignação frente a essa “pessoa” que sabemos ser o regime militar, que naquele momento não permite, entre outras coisas que as coisas aconteçam na sua ordem natural como no trecho em que faz uma analogia para ilustrar essa idéia “como vai proibir quando um galo insistir em cantar” ou “como vai se amargar vendo o dia raiar, sem lhe pedir licença”. A analogia se faz presente para nascer, assim como as pessoas não deixaram de ter suas opiniões porque é lei se calar diante dos fatos. Em todas as estrofes da musica aparece o refrão: “apesar de você amanhã há de ser outro dia’, Apesar de tudo que a ditadura fez, torturando e matando quem se opusesse a ela, chegou o momento da democracia. E esse desejo pela democracia não aparece de forma explicita em meio a letra, porém esta inserida na musica, fazendo uso de figuras de linguagem; “Ainda pago pra ver o jardim florescer qual você não queria “, Você vai ter que ver o jardim florescer e esbanjar poesia”. Com relação aos valores, podemos destacar nesse trecho a referência a liberdade,”Hoje é você quem manda, falou ta falado “, para indicar que o que era dito pelos militares era lei e não havia possibilidade de contestação por parte do povo, ou seja, os valores são invertidos, “a frase falou ta falado” deve apresentar um valor inverso ao que colocado na música, o povo deve perceber que não se deve calar diante das ordens da ditadura e mudar o sentido de “Hoje você é quem manda, falou ta falado”. A maioria das letras de Chico Buarque, revelam nas entrelinhas, um caráter político, ligado a forte repressão e a censura, sofridas no período da ditadura militar brasileira. Com já identificou Meneses (2000), a primeira das canções da repressão, “apesar de você” mostra num contexto de hoje a realidade repressiva, e um contexto de amanhã perspectiva de uma vida de renascerá. O Bêbado e a Equilibrista de João Bosco/Aldir Blanc – 1979 Interprete: Elis Regina Caía a tarde feito um viaduto E um bêbado trajando luto Me lembrou Carlitos A lua, tal qual a dona do bordel Pedia a cada estrela fria Um brilho de aluguel E nuvens, la no matar borrão do céu Chupavam manchas torturadas, Que sufoco! Louco, o bêbado com chapéu coco Fazia irreverências mil Pra noite do Brasil Meu Brasil Que sonha Com volta do irmão Henfil Com tanta gente que partiu Num rabo de foguete, Chora, a nossa pátria mãe gentil Choram Marias e Clarices no solo do Brasil Mas sei, que uma dor assim pungente, Não há de ser inutilmente, A esperança Dança Na corda bamba de sombrinha E em cada passo dessa linha Pode se machucar Asas, a esperança equilibrista Sabe que o show de todo artista Tem que continuar... Composta em 1979, tornou-se um símbolo da luta pela anistia, pela volta dos exilados e pela abertura política do regime militar. Carlitos, personagem mais famoso de Charles Chaplin, representa a população oprimida, mas que ainda consegue manter o bom humor, denunciava as injustiças sociais de forma inteligente e engraçada. A equilibrista dançando na corda bamba, de sombrinha é a esperança de todo um povo. Henrique de Souza Filho, conhecido como Henfil, foi um cartunista, quadrinista, jornalista e escritor, seu irmão, Herbert José de Souza, conhecido como Betinho, foi um sociólogo e ativista dos direitos humanos brasileiro. Concebeu e dedicou-se ao Projeto Ação da Cidadania Contra a Miséria Pela Vida. Com o golpe militar, em 1964, mobilizou-se contra a ditadura sem nunca esquecer as causas sociais, mas, com o aumento da repressão, foi obrigado a se exilar no Chile em 1961. Em 1973, em parceria com Gilberto Gil, foi lançada a letra da música “Cálice”, essa canção tornou-se parte de um episódio marcante da ditadura, uma grande exposição de cantores e compositores foi proibida na hora da apresentação, mesmo depois de sua letra ter sido publicada em jornal. Para impedir que a palavra “Cálice” fosse pronunciada, cortaram todo o som dos microfones do Anhembi, um pós ou outro. Chico com raiva, começava a cantar num deles, o som era desligado; ele pegava outro, também fazia o mesmo, e outro, e outro. E assim, iconizou-se para que ninguém ouvisse “cale-se”, a censura levou aquelas três mil pessoas presentes ao show a verem o “cale-se” dramaticamente concretizado aos microfones calados. (MENESES, 2000, P. 91). A letra é clara: expõe a indignação dos compositores por não poderem se expressar, diante da censura propagada pelo ditador Médici. Porem, esse silêncio que deve ser praticado nem sempre é “ouvido” na cidade, pois: Mesmo calada a boca, resta o peito Silencio na cidade não se escuta (...) Mesmo calado o peito, resta a cuca Dos bêbados do centro da cidade O silêncio que “atordoa” os compositores faz com que eles desejam “lançar um grito desumano” para que sejam ouvidos: Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado Esse silencio todo me atordoa No refrão, encontramos uma intertextualidade, em que os versos são intertexto da passagem bíblica que narra o grito de Jesus Cristo antes da Paixão: “ Pai, afasta de mim esse cálice”. Em se tratando da sonoridade do poema, Meneses (2000) percebe o silêncio com algo figurado foneticamente. Segundo a autora, uma imagem acústica é formada, em que o sonoro intensifica o valor expressivo das palavras. “O que será”, em que todo o silêncio “cantado” anteriormente pelo compositor, explode através de verbos como sussurrar, falar, cantar e etc. De acordo com Meneses (2000), os versos induzem a um pensamento, a uma dúvida: o que será aquilo que provoca determinadas ações humanas? O que será que será Que andam suspirando pelas alcovas Que andam sussurrando em versos e trovas Que combinando no breu das tocas Que anda nas cabeças, Anda nas bocas Que andam acendendo velas nos becos Que estavam falando alto pelos botecos A música é composta por três estrofes de doze versos cada, sendo que o primeiro verso de cada estrofe é composto por sete silabas métricas; e o ultimo, por seis. De acordo com Meneses (2002), no decorrer da letra encontramos os sujeitos das ações da primeira estrofe: Que andam suspirando pelas alcovas Que vivem nas idéias desses amantes Que andam sussurrando em versos e trovas Que cantam os poetas mais delirantes Que andam combinando no breu das tocas Está no dia a dia das meretrizes Que andam nas cabeças, anda nas bocas Que esta na fantasia dos infelizes Que andam acendendo velas nos becos Que está na romaria dos mutilados Que estavam falando alto pelos botecos Que juram os profetas embriagados Que gritam nos mercados No plano dos bandidos, dos desvalidos A música “Construção” retrata bem o período ditatorial, vividos no ano de chumbo pelos brasileiros da época. O autoritarismo era constante, pois os compositores expressavam-se nas músicas como forma de protesto pelo fato acontecido. Assim, poderemos ver a letra da música “Construção”: Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse único E atravessou a rua com seu passo tímido Subiu a construção como fosse máquina Ergueu num patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosso sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse musica E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meu do passeio público Morreu na contramão atrapalhando do tráfego Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o pródigo E atravessou a rua com o seu passo bêbado Subiu a construção como se fosse sólido Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo um desejo lógico Seus olhos embotados de cimento e tráfico Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo Bebeu e soluçou como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo E tropeçou no céu como se ouvisse musica E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no como um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago Morreu na contramão atrapalhando o público Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar com se fosse um pássaro E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contramão atrapalhando o sábado Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir... Sinal Fechado de Chico Buarque e composição de Paulinho da viola Olá! como vai? Eu vou indo. E você tudo bem? Tudo bem! eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E você? Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranqüilo... Quem sabe? Quanto tempo! Pois é, quanto tempo! Me perdoe a pressa – é a alma dos nossos negócios! Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem! Quanto é que você telefona? Precisamos nos ver por aí! Pra semana, prometo, talvez nos vejamos... Quem sabe? Quanto tempo! Pois é... Quanto tempo! Tanta coisa que eu tinha a dizer, Mas eu sumi na poeira das ruas... Eu também tenho algo a dizer, Mas me foge à lembrança! Por favor, telefone – eu preciso beber alguma coisa, rapidamente... Pra semana... O sinal... Eu procuro você... Vai abrir, vai abrir... Eu prometo, não esqueço, não esqueço... Por favor, não esqueça, não esqueça... Adeus! Adeus! Adeus! CHICO BUARQUE Como já vimos, que o período da ditadura foi uma época difícil no Brasil, a música foi muito prejudicada, pois conscientizava uma massa alienada. Vale-se ressaltar a história e a vida de um compositor e intérprete que foi exilado, torturado pelas suas musicas de conscientização, Chico Buarque. As letras de suas músicas foi de fundamental importância para o crescimento intelectual e compreensão do que passava, através das metáforas e subterfúgios com rimas e criatividade. Haja visto, das riquezas deixadas nos discos que resgata esse brilhantismo. O filho do historiador e critico literário, Sergio Buarque de Hollanda e da pianista Maria Amélia Buarque de Hollanda, nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de junho de 1944. A família se mudou para São Paulo, em 1946, quando Francisco, foi nomeado Diretor do Museu Ipiranga. Desde criança, Chico ouvia os amigos da família, como Vinicius de Moraes, tocarem violão e cantarem. Aos nove anos, Chico compôs a primeira marchinha de carnaval, junto a paixão pelo futebol, nasceu em Chico, a paixão pela literatura. Os anos se passaram, a Bossa Nova, o Cinema Novo, o Teatro Oficina, o Show Opinião, o Teatro de Arena e os CPC’s –(Centro Populares de Cultura) entram em cena. Um ano após ingressar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, houve certo desinteresse pela política, mas esse distanciamento acabou em 1968, principalmente quando teve que deixar o país. Segundo Meneses (2000), 1968 foi o ano da crise pessoal de Chico. A características dos primeiros discos (1966, 1967 e 1968) foi uma mescla entre preocupação social e lirismo. Nos festivais de MPB, a música – de protesto – era a “(...) válvula de escape para o sentimento de insatisfação da juventude” (MENESES, 2000, p.25), e o compositor sempre esteve entre os primeiros lugares desses festivais. No entanto, pequena parte da população enxergou que as letras que não faziam criticas ao drama vivido na época, “rompiam” com ela. O gosto do público começou a mudar e isso também se refletiu na música de Chico. Segundo Meneses (2000), em 1970 foi lançado o disco que refletia essa má fase. Quando Chico retornou do seu alto – exílio na Itália, onde ficou por quinze meses, percebeu o que estava acontecendo no país, e o interesse pela política voltou. A crítica social foi aprofundada deixando o lirismo de lado. Durante o governo Médici, com toda a repressão e censura sofrida pela população, a alternativa encontrada por Chico, foi o processo da “linguagem fresta” (definição dada por Caetano Veloso), que era usada para driblar a censura. A raiva acumulada explodiu em seu quinto disco, “Construção”. Segundo Meneses (2000), o próprio compositor não se considera um cantor de protesto. Em entrevista à Revista 365, da editora ABZ, ele afirmou: “(...) sou um cantor do cotidiano. Um cantor de resmungo. E uma pessoa de protesto”. Porém, mesmo sem consciência, muitas de suas canções cumpriram o papel de canção de protesto. Meneses (2000), afirma que a canção de protesto exerce uma função catártica, provocando alívio através da liberação de emoção da sociedade: Assim, não se trata em Chico Buarque de um processo de deslocamento para driblar a censura – em que, por exemplo, ele falaria de “amor” reprimido quando quisesse se referir a uma práxi política reprimida. As duas metáforas são para serem entendidas também na sua liberdade afetiva, e não apenas no seu registro político (p. 79). Conhecendo um pouco da vida desse talentoso compositor. Em entrevista na Rádio Eldorado, no dia 27 de setembro de 1989, com o jornalista Geraldo Leite, Chico Buarque, respondeu algumas perguntas feitas pelo entrevistador: Pra começar, pedimos ao Chico para falar sobre a música popular e por que é tão expressiva no Brasil? Chico – Olha, eu, como estoudentro da música, nem me sinto muito à vontade de fazer uma comparação desse tipo. Fora daqui, na Europa, nos Estados Unidos, a música brasileira, a música popular brasileira tem consumo, ela goza de um conceito muito alto, eu não poderia comparar com outras, antes para não ficar indelicado. Mas se chegou a ter um casamento feliz, como aliás, eu tenho a impressão que só acontece nos Estados Unidos e em Cuba. O casamento, quer dizer a mestiçagem que gera a música brasileira, que é semelhante à mestiçagem que gera o jazz e toda a música caribenha. O casamento entre a música e letra, a formação européia dos nossos letristas, isso vem de muito tempo, a formação européia dos nossos melodistas, mas, basicamente o ritmo. Acontece, como eu disse, aqui como lá nos Estados Unidos, como no Caribe, você não se vê esse mesmo casamento, essa mesma harmonia em música, onde há menos presença do negro. Nos países andinos, por exemplo, tem a música popular, mas, ao nível internacional, ela não tem o pique que tem a música brasileira. Na música brasileira, esse elemento negro é fundamental, e a forma como ele entra, como ele se casa com os outros elementos que compõe a música. Eu vejo por aí. No Brasil, a música popular... se você quiser considera a música como música pura, vai levar desvantagem em relação à música mais elaborada, à música de vanguarda, à música erudita, porque recolhe elementos dessa música e assimila esses elementos, e produz junto com a letra, que também não é uma poesia, produz uma obra de arte única. • Chico, fala da sua relação do o poeta Vinicius de Moraes. Chico – Eu tinha um carinho pessoal por ele, mas isso não interferiu tanto. Eu conheci Vinicius, quando eu era criança. Mas eu passei a ser fã de Vinicius, a partir da Bossa Nova, foi aí que me interessei... eu não lia muita poesia, acho que eu não conhecia o poeta Vinicius de Moraes, eu conhecia o boêmio e o compositor Vinicius de Moraes, amigo lá de casa, e a partir de Chega de Saudade, passei a conhecer. A Bossa Nova, foi que desencadeou a minha paixão pela musica popular e a paixão da minha geração inteira. É um ponto comum de referência de todos nós. É João Gilberto, é Tom Jobim e é Vinicius, virou uma página mesmo. Foi a partir daí que eu comecei a me interessar pelo violão e querer fazer música. • Chico, fala agora da dificuldade do trabalho após 64, e de suas esperanças. Chico – A partir de 64, a cultura brasileira, esteve cerceada. Houve dificuldades em dar continuidade aos projetos, os movimentos eram encarados com suspeitas, acho que está na hora de aparecer gente nova. Inclusive porque tem gente com muito talento, às vezes desperdiçado, querendo fazer coisas. Eu tenho esperança, é claro, não sou pessimista, tenho quase certeza de que mais cedo ou mais tarde essa página toda da Bossa Nova, vai ser uma página viradíssima. A Bossa Nova existe até hoje, volta e meia ela renasce porque ainda é uma música moderna, foi criada em 50 e poucos, eu fico torcendo pra Bossa Nova ser uma coisa do passado mesmo. Antecipamos a solução de um problema que era esdrúxulo: a ausência de relação diplomática entre Brasil e Cuba, são dois países muito ligados atavicamente, culturalmente. Os mesmos escravos que foram dar na Bahia, foram dar em Havana. Isso gera uma miscigenação muito parecida e gera uma simpatia imediata entre os dois povos. Havia motivos políticos até para eu me manifestar por isso, porque havia uma perseguição a tudo que dissesse respeito à Cuba. Mas, a minha aproximação foi mais até com os artistas do que outra coisa. Havia necessidade de se conhecer a cultura cubana, mesmo porque eles também tinham muito interesse pela cultura brasileira, e havia essa barreira intransponível. Eles conheciam tudo, via Paris, conheciam os discos de músicas brasileiras que eram editados em Paris, essas coletâneas misturando fulano e fulano. Chico, comenta a nova mulher dos anos 70, e sua produção para o teatro. Nos anos 70 a mulher deu um salto incrível em direção a sua própria liberdade.Quando Nara me pediu uma canção em 66,era da mulher submissa, não é a toa ,mais tarde começou a sair e vieram os movimentos feminista etc. Mas eu acho que essas canções são mais conseqüência do meu trabalho para o teatro, onde por algum motivo as mulheres sempre foram fortes.Deste a Joana que a Bibi Ferreira fazia no Gota d’água, até as personagens de Calabar. Calabar é a história de Calabar contada, na verdade, pela sua mulher, sua viúva, que é grande, personagem da peça. Na Ópera do Malandro a Teresinha é a personagem que dá a volta na história.As mulheres são muito fortes nesse meu trabalho pra teatro. E, eu compus para essas personagens femininas, então era natural que as canções refletissem essa força da mulher, independente. • Caso Calabar, 1973. Chico – O episódio foi bem significativo do período que a gente estava vivendo. Aconteceu o seguinte: havia uma censura prévia. (parece uma coisa tão distante: uma censura prévia). Você mandava o texto para ser examinado pela censura federal, esse texto era aprovado ou reprovado, ou aprovado com cortes. Ele foi aprovado com cortes, alguns palavrões aqui, uma coisa ali, que a gente não podia levar ao palco. O resto estava aprovado. Quer dizer: sinal verde para a montagem da peça, então nos reunimos com Ruy Guerra, que é meu parceiro na peça, e eu, mais o Fernando Torres, produzimos a peça. O espetáculo estava pronto, a estréia marcada, aí tinha a segunda censura, a censura ao espetáculo, que pra conferir se o que está na cena corresponde no papel, ou seja, vê se estão respeitando os cortes, se os palavrões foram realmente cortados, se não há um nu proibido, enfim essas coisas que não eram permitidos na época. A estréia é marcada, o ensaio geral para a censura é marcado e a censura não foi assistir ao espetáculo. Não foi, adiou, adiou... não foi, não foi, não foi... e aconteceu o quê? Chegou uma hora, que não havia como manter aquela produção em pé, então falimos, eles não proibiram, os obrigaram os produtores a jogar a toalha. A gente recorreu e meses mais tarde ele foi proibida pelo general Bandeira, que era o chefe do serviço de censura, ele era superior ao chefe que havia aprovado anteriormente, a peça foi proibida dessa forma esdrúxula e foi proibida a divulgação da proibição na impressa, e, a palavra Calabar, foi proibida na impressa. O resultado é que a gente não podia dizer que a peça havia sido proibida, ou falida, o disco que se chamava Chico Canta Calabar, teve o nome Calabar proibido, então, retiram as capas que estavam impressas e tinham um muro pixado com Calabar, e publicaram essas capas brancas mantendo Chico Canta, a capa era a mesma do livro, mas com álbum que abria e tinha fotos dentro, uma capa toda incrementada, muito bonita e foi isso, foi uma proibição branca.