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Transgressão e música

2013, Música em Contexto

Música em Contexto TRANSGRESSÃO E MÚSICA Hugo Ribeiro Universidade Federal de Sergipe Universidade de Brasília [email protected] Resumo: Este artigo faz uma revisão do termo transgressão em diversas áreas das ciências humanas e sociais com a inalidade de compreender seu signiicado para as artes e, principalmente, na música. Nesse contexto, são revisitadas desde as rupturas paradigmáticas da música renascentista até a chamada música contemporânea. Em seguida, ao englobar o estudo da transgressão na música popular, torna-se claro que, não sendo inseparável de seu contexto, a música associa-se a uma ininidade de elementos externos para agregar-lhe signiicados diversos. Dessa forma, a relação entre transgressão e música passa tanto pela necessária análise dos elementos musicais (inerentes), quanto os elementos extramusicais (delineado), identiicando a coerência ou a incoerência entre a ideologia subjacente e o produto musical resultante. Palavras-chave: música, etnomusicologia, contracultura, transgressão. Transgression and Music Abstract: This article reviews the term transgression in several areas of the humanities and social sciences in order to understand their signiicance to the arts and especially music. In this context, paradigmatic ruptures from Renaissance to contemporary music are revisited. Then, to encompass the study of transgression in popular music, it becomes clear that, being inseparable from its context, music can be associated to a multitude of foreign elements that aggregate diferent meanings to it. Thus, the relationship between transgression and music must take into account Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 – Recebido em: 25/10/2011 – Aprovado em: 15/11/2011 61 62 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 both the analysis of musical (inherent) and extra-musical elements (outlined), identifying the consistency or inconsistency between the underlying ideology and its resulting musical product. Keywords: music, ethnomusicology, counterculture, transgression. Introdução O ato da transgressão ou subversão (interpretado como sinônimo neste artigo) pode ser considerado um universal do comportamento social humano. Contudo, isso não signiica que todo ator social subverta as normas a todo o momento. É a dialética entre o aceitar e o subverter a norma que nos impulsiona em direção a uma identidade pessoal ao mesmo tempo em que permite que nos identiiquemos como grupo. É essa capacidade, ou melhor, essa necessidade de questionar e propor mudanças que talvez mais nos caracterize como seres humanos. Na introdução do livro “Contracultura através dos tempos”, Timothy Leary assim inicia seu texto: A contracultura loresce sempre e onde quer que alguns membros de uma sociedade escolham estilos de vida, expressões artísticas e formas de pensamento e comportamento que sinceramente incorporam o antigo axioma segundo o qual a única verdadeira constante é a própria mudança. (Gofman e Joy 2007, 9) O autor assume, dessa forma, que a mudança seja um universal da cultura, que a música é parte essencial e presente em todas as culturas humanas e que o surgimento de contraculturas no seio de sociedades já bem estabelecidas provavelmente indicaria mudanças musicais. Todavia, é preciso lembrar que existem diversos fatores que podem contribuir para inibi-la, tal como Bruno Nettl nos alerta: Somos tentados a perguntar por que a música muda ainal, mas se a mudança é uma norma da cultura e na música, nós deveríamos perguntar a questão oposta, ou seja, levando em consideração todas as Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 possibilidades mencionadas, se há culturas ou condições sociais nas quais a música não muda, ou nas quais a mudança é enormemente inibida. (Nettl 1983, 178) Muitos fatores devem ser levados em consideração quando discutimos a questão da mudança musical. Um dos principais está na clara distinção entre mudanças ocorridas em elementos musicais (na sintaxe sonora) ou elementos extramusicais – esse assunto será aprofundado posteriormente. Há, ainda, a diferenciação entre mudança no estilo musical (as regras de composição ou nas características abstratas da música) e no conteúdo (notas ou acordes diferentes, de acordo com as possibilidades estilísticas). O presente texto tem interesse na transgressão do estilo musical. Ou seja, que fatores socioculturais levam determinados grupos a mudar ou subverter padrões do que é aceito como música por grande parte da sociedade (ou especialistas/formadores de opinião). Para chegar a esse problema essencial, uma revisão bibliográica mais abrangente se fez necessária, de forma a organizar o suporte teórico que irá guiar as relexões pretendidas. Nesse sentido, é importante revisar os conceitos de hegemonia (Gramsci), habitus (Bourdieu) e fronteiras culturais (Barth). Em seguida, serão discutidos alguns exemplos de estudos sobre práticas culturais transgressoras, desde a visão sociológica do termo quanto estudos da psicologia, inalizando com exemplos e questionamentos sobre estudos que relacionam transgressão e música. 1. Conceitos Obviamente, se se pretende um estudo de práticas transgressoras, a primeira pergunta que se faz é: transgressor em relação ao quê? No presente estudo, a transgressão está relacionada ao questionamento dos comportamentos hegemônicos, a partir do entendimento de Gramsci desse conceito. Como disse Jones (2006, 41), hegemonia é um termo crítico mais sensível e dessa forma mais útil que o termo “dominação” Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 63 64 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 de Marx, o qual, segundo o autor, falha em reconhecer o papel ativo das pessoas subordinadas na disputa de poder. Uma das possíveis interpretações de hegemonia em Gramsci relaciona o processo educativo com uma agenda política de certa classe social, cuja autoridade, conquistada ou imposta, determina como se dará a interpretação do mundo, como explica Monasta: Ao adquirir a concepção própria de mundo, alguém pertence sempre a um grupo particular que é composto de todos aqueles elementos sociais que partilham do mesmo modo de pensar e de agir. Todos somos conformistas, de uma forma ou de outra, conformados ao homem de massa ou ao homem coletivo. O que é preciso saber é: de que natureza histórica é essa conformidade ou essa massa humana a que pertencemos? (Monasta 2010, 25) É o que Foucault identiica ao airmar que “todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modiicar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo” (2010, 44). Ruby (1998) deixa essa relação ideológica mais clara ao rever o posicionamento de Gramsci: Ao propor o conceito de hegemonia, Gramsci faz os intelectuais entrarem na dinâmica de classes da qual se acreditavam isentos, sem jamais cair, entretanto, num aintiintelectualismo vão. Os intelectuais tradicionais são considerados “empregados” das classes dirigentes, pois são formados em complexos de instituições, de práticas e de aparelhos (escolas, universidades, museus, bibliotecas) nos quais se estabelece um consenso sobre o conjunto da sociedade. Esse consenso passa por normas sociais experimentadas. Mas, além dessas, a função intelectual tem um sentido ‘orgânico’, porque os intelectuais estão organicamente ligados à sua classe e desempenham nela o papel de organizadores políticos. No que a hegemonia deine um processo de imposição incluído nas lutas de classes. (Ruby 1998, 127--128) Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Música em Contexto Outro conceito bastante útil para nossa discussão é o habitus, revisitado por Pierre Bourdieu, para quem seria “um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações” (Bourdieu 1983, 65). Seria, portanto, a interiorização das formas de pensar o mundo, a partir das quais o grupo social no qual se está inserido produz suas práticas sociais, assim como a formação de um conjunto de esquemas práticos de percepção, apreciação e avaliação dessas práticas (Criado 2004). Sob esse ponto de vista, ninguém é totalmente livre, pois o próprio querer e o impulso de fazer algo é, de alguma forma, inluenciado pela familiaridade e pelo costume que temos com determinadas práticas culturais. Ao mesmo tempo, ninguém está determinado a fazer algo sempre da mesma maneira, pois o habitus não é um determinante, mas um conjunto de probabilidades que podem combinar-se de diversas formas, gerando uma coleção de práticas distintas, mas reguladas por um limite social. As noções de habitus e hegemonia nos ajudam a compreender por que as pessoas tendem a reproduzir comportamentos e agir de acordo com normas tácitas ou bem deinidas. Esse é tanto um processo de identiicação e aceitação social quanto de legitimação. É o que Bourdieu identiica ao reconhecer que existe um campo determinado dos possíveis legítimos,1 em um dado momento temporal, que é permitido a alguém, “do que ele pode permitir-se razoavelmente, sem passar por pretensioso ou insensato” (Bourdieu 1996, 294). Ou, como bem colocou Foucault (2010, 9), “sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer 1 “A relação subjetiva que um escritor (etc.) mantém, em cada momento, com o espaço dos possíveis, depende muito fortemente dos possíveis que lhe são estatutariamente conferidos nesse momento, e também de seu habitus, que se constituiu originariamente em uma posição que implica, ela própria, certo direito aos possíveis. Todas as formas de consagração social e de destinação estatutária, as conferidas por uma origem social elevada, por um signiicativo sucesso escolar ou, para os escritores, pelo reconhecimento dos pares, tem por efeito aumentar o direito aos possíveis mais raros e, através dessa segurança, a capacidade subjetiva de os realizar praticamente.” (Bourdieu 1996, 294) Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 65 66 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 um, enim, não pode falar de qualquer coisa.” Há, em ambas as percepções, um elemento de coerção social que inibe determinados atos ou discursos, criando tabus e disseminando práticas de exclusão. É como o discurso do louco, excluído socialmente, mas, por vezes, revestido de verdade mascarada e cuja transgressão é somente aceita por ser considerada patológica e tida como exceção (Foucault 2010). Todavia, apesar desse impulso pela coletividade, certa necessidade de diferenciação por meio da formação e imposição de uma identidade própria, fomenta a elasticidade desse campo de possíveis legítimos ou mesmo sua negação. Isto é mais fácil de ser visualizado e identiicado no confronto entre práticas semelhantes que procuram se irmar enquanto representações legítimas de certo grupo social, evidenciando uma ideologia implícita. Barth (1969), por exemplo, defendia a tese de que as fronteiras étnicas são formadas, principalmente no encontro e relacionamento entre grupos diferentes, pois tais fronteiras são sempre dinâmicas e renegociadas a cada nova situação. Por isso, é possível identiicar fronteiras identitárias mesmo em sociedades que permitam uma mobilidade interna. Durante a interação entre diferentes grupos, um grupo mantém sua identidade ao eleger critérios e símbolos de pertencimento e exclusão, o que permite a persistência das diferenças culturais em ambientes mistos. De acordo com Barth (Ibid., 14--16), as dicotomias étnicas poderiam ser vistas analiticamente como sendo de duas ordens: 1) símbolos públicos, visíveis, isto é, fatores diacríticos que as pessoas procuram ou exibem para marcar seu pertencimento; e 2) orientações básicas de valores, como os padrões compartilhados de moralidade e excelência pelos quais uma performance é julgada. Em suma, Barth está propondo a identiicação não só dos produtos culturais, como da ideologia que as rege. Logo, o estudo da transgressão na música pode ser entendido pela dialética do “pertencer, mas ser diferente”. Esse paradoxo está presente de forma bastante acentuada nas cenas musicais. Há, cada vez Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Música em Contexto mais, um número crescente de expressões musicais que surgem dentro de cenas, como um relexo dessa necessidade de identiicar-se com certos grupos, ao mesmo tempo em que se diferencia do vizinho. A música torna-se, ao mesmo tempo, um símbolo de congregação e separação cultural tal como bem expôs Stokes, pois “ela provê os meios pelos quais as pessoas reconhecem identidades e lugares, e as fronteiras que as separam” (Stokes 1994, 5). 2. Estudos sobre práticas culturais transgressoras Diversas áreas têm se dedicado ao estudo da transgressão, tais como as ciências humanas (sociologia, antropologia, psicologia, educação, ilosoia, história, geograia); as ciências sociais aplicadas (arquitetura e urbanismo, direito, serviço social); a área de letras e linguística e, por im, as artes. De acordo com Bicchieri (2006), muito da literatura sobre normas sociais enfatizam a questão da conformidade deliberada, em geral com base em um processo consciente de balancear custos e benefícios em uma decisão entre conformar ou transgredir. Contudo, segundo a autora, a experiência pessoal nos informa que “concordância é frequentemente automática e não relexiva”. Já a transgressão, é sempre um ato relexivo, intencional. Logo, transgressão pode ser entendida como atos discursivos que cruzam fronteira ou violam limites, um ato profundamente relexivo de negação e airmação (Jenks 2003). Contudo, como Foust (2010, 3--4) bem coloca, o ato transgressivo não se limita a violar regras explícitas ou não verbalizadas que mantêm uma determinada ordem social. A ameaça à ordem social vai além de exceder expectativas que governam o que seja “normal”, pois, como a transgressão excede o senso de normalidade, ela ameaça o imperativo comunal pela conformidade. Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 67 Música em Contexto 68 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 E, apesar de sua etimologia ser inócua (cruzar limite), Cliford nos alerta que há muito esse termo está carregado com uma conotação negativa, essencialmente moral (1987, 224). Ou seja, a relação entre a transgressão e o que é transgredido é sempre mediado por alguma forma de julgamento. Assim, a transgressão ilumina e de certa forma cria o limite que ela transgride, pois, ao tempo em que atos transgressivos tendem, de certo modo, a negar fronteiras, eles as enfatizam, ao deixar claro as linhas que separam, e logo deinem o que a sociedade entende por normal ou anormal, saudável ou doente, o privado e o público, como já demonstrou Foucault em seus textos. Em seu livro sobre a crítica social, Bottomore (1970) contextualiza o período contemporâneo associando a moderna crítica social com os movimentos de protesto, e é, atualmente, difícil de identiicar uma linha divisória (p. 16). Um exemplo claro dessa relação está no movimento punk, cuja ideologia anarquista tem uma profunda raiz na crítica social. Ao abordar os atos transgressivos como modos de resistência, Foust (2010) nos informa que, ao operar por meio da transgressão, movimentos e atos anarquistas têm inspirado a crítica social, particularmente àqueles que têm a hegemonia como uma forma natural de orquestrar a mudança social. Tal visão de mudança social a partir do posicionamento hegemônico tende a contestar a eicácia da transgressão ao fazer emergir questões tais como: “Deveriam os manifestantes trabalhar por mudança a partir de dentro ou de fora do sistema? Ou “É melhor defender a reforma ou a revolução?” (Foust 2010, 5). Alguns textos tendem a enfatizar a transgressão, ou potencial de mudança social, como uma característica das culturas juvenis (Catani e Gilioli 2008) ou típico da adolescência.2 Como diz Buzzi (1993, 2 Catani e Gilioli (2008, 16) escrevem que “ainda é recente a percepção das diversas manifestações das culturas juvenis como produtos próprios do jovem e não como meros ‘desvios’ das normas sociais. Isso implica considerar que os jovens são capazes de produzir uma cultura autônoma, que não apenas imita o mundo adulto e suas instituições tradicionais (escola, Estado, família, empresas, Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Música em Contexto 167), “a população juvenil sempre se caracterizou por uma propensão transgressiva maior em relação às normas morais e legais da sociedade”. Esse imperativo pode ser melhor caracterizado nas recentes cenas juvenis urbanas, cujas inluências são moldadas pela rápida difusão midiática (Rocha 2008) e possibilidade de contato com grupos semelhantes em outras regiões da cidade, estado, país ou mesmo do planeta, como identiicou Hobsbawn ao abordar a revolução cultural surgida no pós-guerra (Segunda Guerra). Para o autor, uma das novidades dessa “nova cultura jovem nas sociedades urbanas foi seu espantoso internacionalismo” (Hobsbawn 1994, 320), tendo como marcas principais o blue jeans e o rock. Difundiam-se através da distribuição mundial de imagens; através dos contatos internacionais do turismo juvenil, que distribuía pequenos mas crescente e inluentes luxos de rapazes e moças de jeans por todo o globo; através da rede mundial de universidades, cuja capacidade de rápida comunicação internacional se tornou óbvia na década de 1960 [...] Passou a existir uma cultura jovem global. (Hobsbawn 1994, 321) Essa característica urbana dos atos transgressivos juvenis pode se entendido, em parte, pela capacidade de diluir-se no anonimato quando se envolvem em grupos com ideologia semelhante. Tal característica, apesar de ser possível e inclusive plausível de acontecer em ambientes predominantemente rurais, ainda não foi suicientemente documentado. Textos que abordam a juventude rural tendem a focar, principalmente, a problemática relacionada ao interesse migratório desses para áreas urbanas e questões sobre agricultura familiar (Carneiro e Castro 2007). De acordo com Catani e Gilioli (2008, 49), “a juventude é pouco signiicativa como etapa de vida em regiões rurais”, em razão da necessidade de um rápido amadurecimento, de uma rápida passagem da infância para as responsabilidades da fase adulta. sindicatos etc.), mas articula estas últimas de acordo com parâmetros próprios, conigurando novas formas de cultura.” Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 69 70 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Essa visão da juventude enquanto grupo ativo de mudanças sociais em diversos períodos e episódios da segunda metade do Século XX é também abordada no livro de Brandão e Duarte (2004), no qual os autores discutem desde as lutas por direito civis, ao questionamento dos padrões conservadores do pós-guerra. Entre os diversos movimentos juvenis, podemos destacar o surgimento do rock’n’roll, das canções folk e de protesto, da geração beat, os hippies etc. Todavia, seria muito simplista relacionar movimentos transgressores somente à fase juvenil, pois muitos dos jovens que deram início a determinado movimento dito transgressor continuaram nele por toda a vida. Entretanto, há também casos nos quais pessoas mais velhas, iniciam novos movimentos questionadores. O que podemos concordar é que, comumente, é na juventude que se dá início ao engajamento por uma ideologia transgressora, inluenciada por um convívio social que pode, ou não, estender-se por outras fases da vida. O interesse tardio pela crítica, em geral, ocorre de forma mais individual, com maior suporte teórico e capacidade argumentativa. 2.1 A transgressão na psicologia A literatura da área de psicologia tende a relacionar atos transgressivos (não conformidade) com atos desviantes, ou no caso da juventude, com a delinquência. Neste último caso, desvios de comportamento que podem ter potenciais consequências criminais, tais como o uso de drogas, agressividade, assaltos e prostituição. Em diversos textos da área, a agressividade também está muito relacionada com a adolescência. Singer (1975a, 4) faz uma revisão sobre os estudos até então que abordaram o tema e concorda que “a noção mais comumente aceita de agressão diz que esta é um impulso humano fundamental.” Todavia, Singer e os demais colaboradores procuraram outras respostas para os atos humanos agressivos, uma vez que não há evidências para conirmar tal teoria de impulso de agressão. Para o autor, Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Música em Contexto o fato de que a maior violência pessoal (oposta à violência militar socialmente aceita) ocorra no seio da família sugere que o comportamento agressivo está mais estreitamente ligado a consequências emocionais de frustração de esperanças, imagens e tensões cotidianas entre pessoas que têm relações importantes e complexas. (Singer 1975a, 5) Ao aceitar o fato de que impulsos agressivos são aprendidos, sendo uns socialmente aceitos (e.g., Boxe), outros tidos como tabu (homem que bate em mulher), haveria uma tendência ao controle da agressão, seja por restrição midiática (violência nos ilmes) ou meios educativos por inibição da agressão pelo medo do castigo, sentimento de culpa, empatia e aceitação da diferença. É interessante notar que sempre houve muita especulação sobre a relação entre a violência em ilmes (e mais recentemente em jogos de vídeo) e o estímulo à agressão (Singer 1975b). No Brasil, parece haver ainda uma carência de estudos empíricos sobre o assunto. Um desses estudos procurou mostrar o “efeito que assistir a um ilme com cenas de violência tem sobre o comportamento agressivo de crianças, medido por meio dos enredos de estórias redigidas por essas crianças logo após o ilme” (Batista, Fukahori e Haydu 2004, 96). Apesar de veriicar “um aumento signiicativo no grau de agressividade expresso nas redações, tanto no caso dos meninos quanto no das meninas”, as autoras concordam que os dados ainda são insuicientes para vir a ser utilizada como modelo explicativo, invocando o necessário estudo do contexto cultural de grupo ao lembrar que o que “é considerado como sendo violência ou agressão para um determinado grupo social não o é, necessariamente, para outro grupo” (Ibid., 69). Singer (1975b, 68) também questiona a validação dos experimentos por ele analisados ao ressaltar que “um exame cuidadoso da literatura formalmente cientíica não apresenta dados que permitam uma ligação entre a crescente violência nos Estados Unidos e a apresentação de violência em icção ou noticiário de TV ou Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 71 Música em Contexto 72 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 ilmes de escola.” Para o autor, a ocorrência de três grandes guerras no período de 25 anos e a frustração de esperanças sociais (crise econômica) “parecem fatores muito mais decisivos” (Ibid., 69). O autor ainda faz uma crítica à forma como tais experimentos foram utilizados e aos efeitos negativos de uma relação causa–efeito simplista, tais como atos de censura. Sob essa perspectiva, é importante a análise de César (1999, 1), ao rever que, Na Europa do século XIX e no Brasil das primeiras décadas do século XX, a implantação das reformas higienistas nos centros urbanos foi responsável pelo aparecimento de personagens que se encontravam à margem da ordem burguesa. Entre essas iguras marginais estavam a família disfuncional, a jovem prostituta e o delinqüente juvenil. Para resolver o “problema” da delinquência juvenil, os reformistas do início do século teriam desenvolvido diversos aparatos segregacionistas, entre os quais os asilos de menores ou as escolas de aprendizes de marinheiro. Assim sendo, “formou-se uma teoria a respeito da delinquência juvenil que, delineada pelas práticas reguladoras da sociedade, produziu tanto a igura da criança e do jovem estigmatizados, como também o seu contra-modelo idealizado” (César 1999, 2). Logo, criou-se o estigma do jovem ideal e do jovem delinquente, e dessa forma, todos os adolescentes sob essa segunda classiicação estariam em posição de risco, sujeitos a intervenção social. Entra em jogo, então, o controle social para evitar o insucesso: No início dos anos cinquenta, o psicólogo norte-americano Frederic Werthan publicou o livro Seduction of the Innocence,3 no qual apontava o caráter nefasto da cultura de massas na determinação do fenômeno da delinqüência juvenil, criticando o descaso do governo americano para com as evidências dessas inluências negati3 Frederic Werthan. Seduction of the Innocence. New York: Kennikat Press, 1953. Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Música em Contexto vas. Para Werthan, os comics (histórias em quadrinhos) teriam uma forte inluência sobre o comportamento criminoso, pois, segundo ele, praticamente todos os adolescentes que, acusados de crimes, passavam por tratamento no hospital psiquiátrico onde clinicava, possuíam em seu histórico o intenso consumo deste tipo de literatura, com suas histórias recheadas de sexo e horror. (César 1999, 4) De acordo com a visão do impulso agressivo freudiano, Pfromm Netto (1976, 115) airma que “a educação busca, pois, não a eliminação das manifestações de agressividade, mas a orientação da mesma para canais construtivos, louváveis ou socialmente aceitos como justiicáveis”, pois o sentimento agressivo, se não controlado pelo indivíduo pode levar tanto a atos de agressão social quanto à autoagressão. Interessante notar a relexão que o musicólogo Tagg (2004) faz a respeito da falta dessas formas legítimas de expressar os sentimentos reprimidos, geralmente fundados em problemas de ordem social (econômica ou ideológica). Dessa forma, “a invalidação de indivíduos que expressam dor e angústia tornou-se comum para a sociedade em que [nós vivemos]”. Tais consequências vão desde a automutilação ao uso de drogas e antidepressivos. Para o autor, tal comportamento seria, então, um relexo de uma sociedade regida pelo contínuo estímulo ao consumo e à relação entre felicidade e sucesso inanceiro. Assim, muitas pessoas especialmente as mais jovens, irão se sentir naturalmente desvalorizadas, acreditando que é sua falta se não forem bem-sucedidas, se não tiverem um emprego, e se izeram seu caminho à frente das pessoas e icarem na linha de frente. Sem um canal legítimo para a angústia que este sistema causa, sua insatisfação e dor é desvalorizada e reprimida para que a dor auto-inlingida torne-se a única saída. Como Miller (1994) and Favazza (1986-1996) explicam, a auto-punição tem diversas funções: É uma expressão da dor emocional e fornece alívio. Quando se constroem sentimentos intensos, estas pessoas são tomadas por ele e incapazes de escapar. Ao causar dor, reduzem a um nível suportável a estimulação emocional e psicológica. Os auto-mutiladores também têm um ódio enorme guardado Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 73 74 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 dentro de si. Com medo de expressá-lo, eles se ferem como forma de liberar estes sentimentos. [...] O verdadeiro horror é que a expressão de angústia causada pela cultura e sociedade na qual os jovens crescem parece agora ter muito poucas formas legítimas de expressão pública, e que a negociação deste conlito torna-se consequentemente impossível, ao ponto de aqueles que expressam esta angústia são clinicamente categorizados como cronicamente depressivos e que necessitam de tratamento médico. (Tagg 2004) As artes, em geral, têm um papel fundamental para a expressão de sentimentos agressivos ou reprimidos, seja de forma passiva e relexiva (apreciador-fruidor) ou de forma ativa (artista-produtor). Ainda assim, nem tudo é socialmente aceito. Como diz Scarpa (2007), “o ‘prazer’ em olhar atos violentos é, no entanto, também regulamentado e limitado. Enquanto que o prazer em assistir uma luta de boxe é socialmente aceitável, o prazer que alguém pode eventualmente ter em assistir ilmagens de tortura ou de guerra seria rapidamente condenado.” Outras formas artísticas (além dos ilmes e quadrinhos já citados) também são geralmente condenadas como subversivas, desviantes. Entre eles, podemos destacar certos estilos musicais, que dão vazão a letras que abordam assuntos politicamente incorretos ou moralmente inadequadas, e é inclusive, em alguns casos, criminalmente processados pelo ato de apologia. Exemplos são muitos, tais como o rap e o funk carioca, por exemplo, ao abordarem assuntos como fetichização das mulheres, defesa a atos criminosos e ao dinheiro fácil. O raggae, por fazer apologia à maconha; o punk, com a crítica social. Logo, um dos grandes desaios dos textos que abordam a questão da transgressão seria, justamente, ir além de sua conotação negativa e identiicar como os indivíduos ou grupos sociais utilizam a transgressão como airmação da diferença e de sua individualidade. E é nesse ponto que textos de áreas relacionadas à antropologia, sociologia e ilosoia diferem de textos da área médica, de psicologia ou do direito. Há uma tendência, nesses últimos, a enfatizar o questionamento sobre os limites e Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Música em Contexto as consequências de tais atos, mediados por algum tipo de julgamento moral. Entretanto, texts humanistas tendem a identiicar o que levou as pessoas a praticarem tais atos ou assumir tal intenção, procurando desvelar como esse grupo percebe e exerce a noção de coletividade e diferença. 2.2 A transgressão nas artes Isso nos remete a uma problemática mais próxima ao nosso interesse principal, que indaga como as obras de arte podem reletir ideologias e/ou sentimentos transgressores. A questão pode ser aprofundada ao se identiicar como a transgressão pode estar presente no objeto de estudo, ou seja, ser inerente à obra, ou estar de forma externa à obra, isto é, somente associada a ela.4 Seria, portanto, a diferença entre uma peça do “teatro do absurdo” e uma peça de teatro nos moldes tradicionais, mas que aborde temas “proibidos” ou “politicamente incorretos”, tais como incesto, estupro, nazismo, racismo ou descriminação. Podemos, dessa forma, nos remeter ao im do Século XVIII, com a literatura do Marquês de Sade, escritor libertino, famoso por sua prosa erótica e questionadora da moral da época.5 Cerca de um século depois, também na França, surge uma forma de teatro denominado de Grand Guignol,6 caracterizado por peças teatrais feitas para chocar e causar repulsa. Como nos informa Scarpa (2007, 17), “lá o público podia assistir peças com cenas de desmembramentos, gargantas cortadas, mutilações, em produções com pouco ou nenhum enredo”. Esse teria sido provavelmente o precursor dos chamados ilmes exploitation: Os exploitations de má reputação e, considerados por muitos de 4 5 6 Em música, seria o que alguns chamam de elementos musicais e extramusicais ou signiicado inerente e delineado (Green 1988). Esse pode ser visto como um exemplo de transgressão associada ao objeto, pois o autor tratava os temas tabu por meio de uma escrita tradicional. Diferentemente da poesia concreta, por exemplo, que pode tratar de temas banais, mas com uma estrutura que subverteu o tradicional discurso e estrutura poética, libertando-se do sentido único para um caráter variado e polissêmico. http://www.grandguignol.com/ Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 75 Música em Contexto 76 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 mau gosto, eram aqueles que abordavam temas proibidos pela censura e pelos mecanismos auto-reguladores da indústria tais como: higiene sexual, nudismo, prostituição, strip-tease, uso de drogas, atrocidades, exotismo pseudo-etnográico ou qualquer outro assunto considerado de mau gosto. (Scarpa 2007, 20) Essa indústria de ilmes exploitation, com toda uma série de subdivisões temáticas, viria a se consolidar a partir da década de 1950 e deu origem a diversas produções que se tornaram referência, tais como Mondo Cane (1962); Holocausto Canibal (1979); Faces da Morte (1979) e Guinea Pig 1: Devil’s Experiment (1985). Havia, também, os ilmes snuf, que “são ilmes que demonstram alguma pessoa sendo assassinada de fato, realizado com o im de ser vendido enquanto forma de entretenimento. Segundo esta deinição, a existência de ilmes snuf nunca foi comprovada” (Scarpa 2007, 95). Interessante notar que tais temáticas já foram incorporadas pelo cinema hollywoodiano em ilmes como Eight Millimeter7 (1999), Hannibal8 (2001) e a milionária série Jogos Mortais9 (2004-2010). Filmes semelhantes têm sido produzidos nas mais diversas culturas, desde a Indonésia (Imanjaya 2009) até o Brasil, cujo principal expoente é o ator e cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão, com dezenas de ilmes produzidos e estrelados. Nota-se, desta forma, que muitos desses movimentos de rompimento estético acabam sendo absorvidos pelas mídias em geral, inluenciando a cultura hegemônica, da qual acabam por se tornar parte ou, pelo menos, aceitáveis. Um exemplo claro disso é a atual disseminação do uso de cortes de cabelo no estilo moicano, que foi utilizado pelos punks no início dos anos 1980, como um simbolismo 7 8 9 A existência dessa cultura de ilmes snuf tornou-se mais conhecida após o ilme Eight Millimeter (1999), estrelado pelo ator Nicholas Cage, cujo enredo fala sobre um investigador particular que é contratado para veriicar a veracidade de um ilme snuf. Basta lembrar da famosa cena em que o protagonista, estrelado por Anthony Hopkins, abre a cabeça de uma vítima, corta um pedaço do cérebro, frita e depois dá para a própria vítima comer. Uma série de sete ilmes, cujos enredos são uma desculpa para uma série de automutilações feitas pelos atores para tentarem sobreviver em um jogo sádico. Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Música em Contexto da luta contra o sistema.10 Porém, atualmente, esse corte de cabelo foi amplamente incorporado pela cultura fashion que o popularizou, sendo utilizado desde jogadores de futebol a crianças de classe média em idade escolar. Portanto, uma vez que um símbolo de questionamento ou de transgressão se torna um padrão aceitável, novos símbolos surgem para assumir o lugar de cultura underground. Como, por exemplo, o kitsch. Entendida genericamente como arte de mau gosto, o kitsch assume o papel de transgressor da arte. O kistch é a imitação da arte, a falsa aparência, a cópia. Não a antítese da arte, nem a idéia oposta, nem o signo contrário. Geralmente, usa-se o kitsch para designar determinadas obras que não atendem a uma hierarquia de padrões e valores éticos, técnicos e estéticos, que lhes dão o estatuto de obra de arte, mas que são a sua negação. O kitsch, portanto, é a não-arte. (Cardoso 2008, 5) Camp seria algo semelhante ao kitsch. De acordo com Sontag (1987, 302), camp seria um tipo de sensibilidade, mas não um modo natural de sensibilidade, “es más, la esencia de lo camp es el amor a lo no natural: al artiicio y la exageración. Y lo camp es esotérico: tiene algo de código privado, de símbolo de identidad incluso, entre pequeños círculos urbanos.” É a sensação sintetizada pela máxima “é tão ruim que é bom”. Nesse caminho, segue a análise de Castellano (2010) ao aplicar a ideia de camp estudar a cibercultura trash. Segundo a autora, Aplicado ao estudo de bens culturais, o conceito camp contribui para a compreensão do porquê de alguns artefatos considerados “péssimos”, “bregas”, “horrorosos”, “toscos”, “nojentos” pelo público em geral serem alçados a elementos de culto por uma minoria devota. (Castellano 2010, 284--285) 10 É dito que esse corte de cabelo está intimamente relacionado com um determinado grupo indígena norte-americano chamado moicano que, durante as lutas com os “brancos”, preferia morrer a se deixar dominar por eles. Daí a relação ideológica desse uso de cabelo pelos punks. Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 77 78 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Outro meio artístico muito utilizado para a crítica social e questionamento moral são os desenhos em quadrinhos, que já provocou calorosos debates e, inclusive, “the establishment of the Comics Code Authority (a self-censoring institution of the comics industry)” (Williams 1994, 129). Vale relembrar a citação sobre o psicólogo norte-americano Frederic Werthan que, “pretendeu mostrar em seu livro a similaridade entre os crimes cometidos pelos adolescentes e aqueles descritos nas revistas em quadrinhos, visto que, para ele, os adolescentes delinquentes transportariam a situação da narração ictícia para a esfera do real” (César 1999, 4). Um dos nomes mais famosos no underground dos quadrinhos brasileiros é Francisco A. Marcatti, conhecido pelos desenhos escatológicos e seu personagem Frauzio. É dele a famosa capa do disco Brasil do grupo Ratos de Porão. 3. A transgressão na música Em acordo com Veiga (2000), acredito que a música, sendo uma linguagem “predominantemente não-referencial (com exceções notáveis), isto é, não portadoras de sentido em si mesmas mas nas associações com o contexto, as músicas do mundo podem ter um nível de abstração comparável ao das matemáticas, portanto com capacidade de combinarem-se com a totalidade das disciplinas do saber humano. Assim, não é de se espantar que diversas correntes ideológicas utilizem-se da música como canal legítimo para propagar suas premissas. Seja a música de protesto (com forte teor político em suas letras) ou a música de entretenimento de massa (muitas delas com mensagens sexuais subliminares ou explícitas, assim como danças consideradas vulgares), diversos gêneros musicais irão sofrer preconceito ou, até mesmo, censura como forma de evitar a disseminação de ideias, e comportamentos transgressores. Da mesma forma que muitos grupos sociais vão Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Música em Contexto questionar que ilmes agressivos irão afetar e incentivar comportamentos agressivos (geralmente em jovens e adolescentes), músicas com conteúdo subversivo também são condenadas por supostamente desvirtuar o comportamento social. Contudo, percebe-se que a música, como objeto de estudo, está muito menos propensa a ter elementos transgressores do que simplesmente associar-se a eles. Isto é, somente em poucos casos podemos realmente falar em transgressão musical, algo inerente aos elementos musicais. Em geral, a transgressão se associa à música na forma de letras, imagens ou comportamentos. Falar em uma transgressão musical requer que exista uma intenção de evitar, ou ir além do habitus musical, ou seja, daquele repertório de possibilidades de combinações sonoras que é considerado não somente música, mas uma música legitimizada, seja por associação a uma determinada noção de alta cultura, ou por uma ampla aceitação e consumo social. Ao longo da história da música de concerto ocidental, diversos compositores podem ser considerados como transgressores das práticas de sua época, ao romperem com os padrões tradicionais e as expectativas que os cercavam (Grout 1980). Na maioria das vezes, não havia uma ruptura radical, mas um alargamento das possibilidades de determinado elemento musical, por meio da inserção de novas combinações. É o caso de compositores como Carlo Gesualdo, ao explorar a dissonância de uma forma até então não tentada, ou Beethoven, ao modiicar o ponto de acentuação do scherzo. Um compositor que merece destaque é Debussy. Suas composições inovam em diversas áreas, do aspecto harmônico ao formal. Um exemplo é o uso do paralelismo na condução de vozes, um procedimento até então tido como tabu para os compositores “sérios” (Griiths 1987). Percebemos que, em arte, a transgressão está quase sempre presente nos movimentos de vanguarda, como ideários de ruptura com padrões vigentes. E não é por acaso que, em geral, são tais artistas cujos Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 79 80 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 nomes permanecem escritos na história. Contudo, a transgressão nas artes tem um custo muito alto para o artista que, ao romper com padrões estéticos tradicionais, acaba por inserir sua obra de arte em um espaço além daquele “campo determinado dos possíveis legítimos” do qual Foucault escreve, criando pouca relação com os padrões de expectativas ou, como nos informa Cardoso Filho (2010), foge ao campo de experiências e ao horizonte de expectativas.11 Essa atitude pode causar uma estranheza tão grande que alguns (poucos) podem considerá-lo um gênio, mas muitos geralmente irão afastar-se e receber tal obra de arte com muitas críticas e reservas. Não seria difícil fazer uma lista com dezenas de nomes de artistas que viveram uma vida de miséria, algumas vezes considerados loucos, mas cuja posteridade revelou ser um artista único, genial. Charles Ives (Albright 1999) foi um exemplo incomum. Viveu em um contexto e em uma época em que suas composições não se “encaixavam”. E o mais curioso é que ele não se vinculava a nenhuma corrente estética de vanguarda. Por outro lado, Schoenberg considerava-se um herdeiro da tradição de compositores austrogermânica, e acreditava que sua teoria de composição baseada nos doze sons (música serial dodecafônica), nada mais seria do que o caminho natural do desfalecimento do sistema musical tonal (Neighbour, Griiths e Perle 1990). Todavia, sabemos hoje que o “horizonte de expectativas” não acompanhou as rápidas mudanças que os compositores da música de concerto europeia impuseram aos seus ouvintes (Salzman 1970). O início do Século XX assistiu a algumas estreias musicais que até hoje ain- 11 Cardoso Filho utiliza as categorias de espaço de experiências e horizonte de expectativas a partir da interpretação do historiador alemão Reinhart Koselleck, em seu livro “Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos”, Rio de Janeiro, Contraponto, 2006. “Koselleck (2006) fala de um ‘espaço’ de experiências como categoria interpretativa por se tratar de um passado atual, no qual os acontecimentos são incorporados e lembrados, um passado acessível a todos, que guarda um componente alheio mesmo na subjetividade mais íntima. Há sentido falar desse passado atual como um ‘espaço’ porque nele estão diversos estratos de tempos anteriores simultaneamente presentes, sem referência a um antes ou um depois. O horizonte de expectativas também está ligado ao subjetivo e ao intersubjetivo, mas se trata de uma categoria que nos projeta para o futuro, para o ainda não experimentado, embora de algum modo previsto. O horizonte é sempre aquele por-vir” (Cardoso Filho 2010, 49). Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Música em Contexto da não são bem aceitas pelos ouvintes assíduos de salas de concerto, quem dirá o ouvinte comum: Elektra de Richard Strauss (1910), Pierrot Lunaire de Arnold Schoenberg (1912) e A Sagração da Primavera, de Igor Strawinsky (1913), entre outras. Pode-se atribuir diversos fatores a essa rápida transformação do sistema musical: do encurtamento das distâncias através da invenção de carros motorizados à invenção do fonógrafo. Porém, é certo que o público não teve tempo de acompanhar os novos acréscimos estéticos, e a tão sonhada emancipação da dissonância icou somente na cabeça dos compositores. Diversas outras correntes estéticas de vanguarda surgiram ao longo do Século XX, do minimalismo de Phillip Glass ao serialismo integral de Boulez, da aleatoriedade de John Cage à música eletroacústica de Stockhausen. Todas também podem ser classiicadas como estéticas musicais transgressoras, ainda nos dias atuais, em razão de sua pouca popularização e não relação com o sistema musical midiatizado, isto é, não hegemônica. E é justamente essa essência transgressora que faz com que diversos grupos de música popular utilizem seus recursos como forma de inovar ou soar diferente dos demais. No entanto, além do interesse que tais movimentos musicais nos causam (seja por sua transgressão inerente ou associada), é importante dar a devida atenção a determinadas cenas e contextos socioculturais que dão suporte e permitem que tais práticas loresçam. Entre esses momentos, podemos citar a Semana de 22 (Travassos 2003), um ponto culminante de uma época de efervescência artístico/contemporânea. Há, também, os movimentos de determinados grupos de compositores e seus locais de origem tais como o Música Viva, o Música Nova, e o Grupo de Compositores da Bahia. No caso desse último, é notável a estreita relação entre as composições de vanguarda e a cultura baiana por meio do uso de ritmos especíicos, timbres e citações melódicas diversas em uma constante mistura entre elementos musicais inovadores e outros socialmente já aceitos. Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 81 82 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 O momento de repressão militar no Brasil durante a década de 1970 também provocou diversos outros contextos que deram suporte às músicas transgressoras. Desde a poética de crítica velada de Chico Buarque, aos shows proibidos de Gilberto Gil (Costa 2003) à chamada “vanguarda paulista” de compositores como Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé (Fenerick 2007). Em 1983, surge em São Paulo o Restaurante Cultural Madame Satã, que se tornaria um dos principais pontos de encontro e produção de arte de vanguarda, com récitas de poesias, encenações teatrais e shows underground. Uma das atrações mais famosas e comentadas pela maioria dos ex-frequentadores e entrevistados foi a banda Jardim das Delícias, liderada pela transexual Cláudia Wonder. O show chamava-se “Vômito do Mito”. Nele, eram apresentadas as músicas da banda, mas o mais esperado era o inal apoteótico. Cláudia chegava ao limite da provocação ao inalizar a apresentação, toda nua, com uma máscara animalesca, se jogando numa banheira cheia de groselha, como se fosse sangue, e, de repente, emergia da banheira com o pênis, por vezes ereto, à mostra; para delírio do público. (Moraes 2006, 85) Em entrevista à Okky de Souza, publicada na revista Veja, de 15 de Dezembro de 1982, Arrigo Barnabé airmava: Eu sou ilho da Tropicália. Sem ela eu não existiria. Na época eu ouvia as músicas de Caetano e Gil e icava me perguntando: se eles faziam inovações na letra e no arranjo, porquê não faziam na música também? Porque não alteravam os compassos, por exemplo? E eu iquei achando que ousar na estrutura da música seria o próximo passo na evolução da música popular brasileira. Foi uma coisa pensada, premeditada mesmo. Nada de inspiração espontânea. (Souza 1982, 04; Fenerick 2007, 18) Evidenciam-se, nessas citações, dois exemplos claros: o primeiro, de transgressão associada (letras e comportamento); o segundo, de Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Música em Contexto transgressão inerente, cuja intenção é de transpor os limites do habitual. Menos comum é encontrar artistas que procuram unir elementos transgressores tanto nos elementos musicais quanto extramusicais. Scarpa nos remete a dois desses artistas japoneses: Outro grupo musical que utilizou cenas de violência gráica para seus vídeo-clipes foi o grupo artístico japonês noise Hijohkaidan. O seu vídeo “live and confused” contém ilmagens da banda em estúdio intercaladas com cenas de autópsia. Em um instante a cena corta bruscamente de uma ilmagem pornográica para uma mesa de autópsia onde uma menina semelhante a que acabamos de ver está sendo autopsiada. O artista noise japonês Masami Akita (mais conhecido como Merzbow) realizou um curta-metragem em 1990 intitulado Lost Paradise (como é conhecido pelo seu título em inglês, o nome original em japonês é jôbafuku onna harakiri) no qual vemos uma jovem japonesa cometer seppuku enquanto uma trilha sonora composta unicamente por composições do próprio Merzbow toca de fundo. (Scarpa 2010, 108) Há, ainda, casos controversos como grupos de Black Metal Cristão, que utilizam toda uma indumentária, trejeitos, maquiagem e sonoridade relacionada ao estilo de música Black Metal (geralmente de cunho satânico), mas com letras cristãs. Lembro, portanto, que, apesar de que toda pesquisa em música deve ter como foco central a música, não sendo inseparável de seu contexto, a música associa-se a uma ininidade de elementos externos para agregar-lhe signiicados diversos. Cabe então, ao etnólogo, mediante profunda análise cultural, desvendar como os elementos musicais e extramusicais associam-se para dar coerência à determinada ideologia. Mesmo que a coerência seja a própria incoerência. 4. Por uma etnomusicologia da transgressão As questões apresentadas anteriormente apontam para a complexidade que permeia a área a ser estudada. Não é possível estudar a Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 83 84 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 relação entre transgressão e música sem uma abordagem interdisciplinar, que compreenda como os elementos musicais e extramusicais se relacionam com a ideologia de transgressão. Cito Anthony Seeger e suas quatro perguntas básicas para uma etnograia musical, duas de cunho musicológico e duas de cunho antropológico: 1) O que os membros deste grupo estão fazendo? 2) Por que o fazem desta maneira? 3) Quais os sistemas sonoros equivalentes ao que chamamos de música? 4) Quais as estruturas destes sistemas sonoros? Essas são questões essenciais que devem nortear qualquer pesquisa em etnomusicologia. É importante notar que o que se pretende deinir é uma abordagem etnomusicológica, e não o objeto de estudo da etnomusicologia, que atualmente não está limitado mais a nenhum único texto ou contexto. Ou seja, a etnomusicologia não se deine pelo objeto de estudo, como talvez já se pretendeu um dia, mas por sua abordagem. E nesse sentido, a abordagem etnomusicológica vai centrar na música pesquisada, utilizando-se das demais ciências sociais como suporte para responder o que acredito ser a grande contribuição dessa disciplina: entender o porquê as pessoas escolheram fazer/ouvir música daquela forma especíica, e como essa escolha se relaciona com sua vida cotidiana. Quando estudamos músicas transgressoras, geralmente com um alto grau de censura e/ou intolerância por parte de uma grande parte da sociedade, é importante icar claro até que ponto estamos falando sobre a música em si ou sobre elementos do contexto que se associaram à determinada prática musical. Cabe ao analista, inclusive, a necessária dissociação entre elementos musicais e extramusicais para melhor compreender qual a inluência de cada um desses fatores sobre o preconceito e a censura que é imposta sobre tais músicas. Recentemente uma letra inocente e infantil que versava sobre uma certa equestre e cantada sobre uma simples batida funk gerou uma polêmica discussão acadêmica. Todavia, o que estava causando Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 Música em Contexto tanta polêmica? A música em si? O contexto para qual ela foi criada (bailes funk)? A dança associada à música? Ou o personagem (Lacraia) criado pelo parceiro do referido cantor compositor? Com o intuito de compreender os diversos aspectos relacionados à multiplicidade de contextos nos quais a música associa-se à práticas transgressoras, uma pesquisa etnomusicológica deveria investigar quais as ideologias que organizam e dão sentido às práticas musicais subversivas e transgressoras, e como essa intenção se relete nos símbolos identitários musicais e extramusicais que caracterizam tais práticas. E, talvez mais importante do que identiicar tais símbolos subversivos, é procurar compreender o que leva um grupo de pessoas a gostar e se relacionar de forma afetiva com tais práticas musicais transgressoras (uma sensibilidade camp?). Pretende-se, então, investigar como música representa ou agrega atos e conceitos transgressores, através não só da análise do produto cultural, o ato musical em si, identiicando como ele se relaciona com seus pares não transgressores, por meio do compartilhamento (identiicação) de elementos diversos, ou da inserção de novos elementos (diferenciação). Ou seja, essa análise não deve se limitar somente ao ato musical (produto), devendo ir além, ao procurar desvendar quais as “orientações básicas de valores” (ideologia), que organizam tais práticas culturais. 5. Conclusão Como já exposto, é no ato da transgressão que se identiica os limites do que é considerado “normal”. E, ao identiicar os limites, começamos a compreender o porquê fazemos as coisas da forma que fazemos. Ao proceder dessa maneira, iluminamos aspectos do cotidiano que de outra forma não nos atentamos. Há diversas práticas musicais que, ao serem taxadas de mau gos- Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 85 86 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 to (kitsch), agressivas, barulhentas, subversivas ou transgressoras, são repudiadas ou “esquecidas” pela mídia ou mesmo pela academia. No entanto, apesar de muitos fazerem questão de ingir que tais práticas não existem, há uma subcultura que produz e consome esse gênero musical. Logo, compreender as escolhas culturais signiica não só estudar o lado hegemônico, como as contraculturas também. Vale reairmar que a noção de normalidade é relativa, e diferentes grupos socioculturais terão diferentes opiniões do que seja um desvio, ou uma transgressão, em relação à determinada prática cultural. E como escreve Becker (2008, 17), “isso devia nos alertar para a possibilidade de que a pessoa que faz o julgamento de desvio e o processo pelo qual se chega ao julgamento e à situação em que ele é feito possam todos estar intimamente envolvidos no fenômeno”. E o autor vai mais além, ao airmar que, pelo menos em fantasia, as pessoas são muito mais desviantes do que parecem. Em vez de perguntar porque desviantes querem fazer coisas reprovadas, seria melhor que perguntássemos por que as pessoas convencionais não se deixam levar pelos impulsos desviantes que têm. (Becker 2008, 37) Entretanto, se músicos e artistas têm a desculpa social para se permitir todo tipo de extravagâncias, o que dizer sobre o público que participa de tais eventos? O rótulo de outsider, apesar de ser almejado por uns, é sufocante para outros. Tais rótulos, em geral pejorativos, incapacitam e deslegitimam o discurso dessas pessoas, que se sentem rejeitadas e deslocadas pelo simples fato de gostarem de algo diferente dos demais. E, como já exposto anteriormente, sem um canal legítimo de livre expressão para a expor as angústias que esse sistema repressivo causa, criamos uma sociedade excludente e intolerante às diferenças. Dessa forma, um estudo abrangente da relação entre transgressão e música é de grande relevância ao lançar um olhar crítico sobre a realidade de nossas práticas musicais socialmente aceitáveis, trazendo Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília Ano V, v. 1, dezembro de 2011 Música em Contexto Hugo Ribeiro. Transgressão e música Música em contexto, Brasília, n. 1, 2011, p. 61-90 à tona todo um repertório que, se não conhecemos, preferimos deixar como está e, se conhecemos, preferimos varrer para debaixo do tapete; empoderando o discurso “proibido” e dando voz aos excluídos. 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