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arquitectura & construção

As casas de madeira são robustas e resistentes às intempéries, ao contrário da ideia corrente. Nada têm a ver com barracões ou casas prefabricadas, amovíveis ao primeiro ensejo. Optar por elas é muito mais do que investir numa habitação esteticamente diferente. É outro tipo de vida, saudável e natural, conscientemente ponderado.

arquitectura & construção Número 9 - Abril 2000 As casas de madeira são robustas e resistentes às intempéries, ao contrário da ideia corrente. Nada têm a ver com barracões ou casas prefabricadas, amovíveis ao primeiro ensejo. Optar por elas é muito mais do que investir numa habitação esteticamente diferente. É outro tipo de vida, saudável e natural, conscientemente ponderado. A imagem das edificações em madeira começou por ter amarrada uma carga sociológica negativa. Pelo menos no nosso País: só tinha uma casa de madeira quem não podia aceder a uma casa a sério. Uma gradual mudança de mentalidades acabou por inverter esta perspectiva. A madeira passou de material pobre a material nobre, e hoje, como matéria predominante numa habitação, e um sinal distintivo. Além dos factores sociais que têm condicionado o crescimento do seu uso na concepção de edifícios, acrescem outros esteriótipos que, de certa maneira, criaram uma espécie de reserva psicológica em relação às casas de madeira. A segurança e a eficácia deste tipo de construçao ainda levanta muitas suspeitas a maioria das pessoas. Todavia, basta pensar no exemplo de países como a Finlândia, o Canadá, o Japão, a Austrália, os EUA, ou até a vizinha Espanha, para chegar pelo menos a uma dúvida: alguma coisa estas habitações devem ter para tanto atrair estas populações. Convém, antes de mais. frisar que a oferta disponível no mercado nacional se baseia em dois sistemas construtivos: um tem como ponto de partida conjuntos de módulos ou painéis, sendo o sistema que mais se assemelha à expressão de prefabricado; o outro baseia-se na construção em troncos sobrepostos e, ao contrário das construções prefabricadas, é constituído por elementos maciços. Desmistificar. Para compreender melhor o que é uma casa de madeira deve fazer-se tábua rasa dos paradigmas relacionados com a pretabricação ou, no oposto, com a construção convencional, em alvenaria. A construção prefabricada utiliza paredes já construídas que depois são unidas no local, considerando-se um material leve. Ao invés, os troncos de madeira maciça - em cedro do Japão, pinho do Oregon, pinho da Finlândia ou cedro vermelho do Canadá, só para mencionar a oferta no mercado português - são sólidos e robustos, montados um Obviamente cada modelo e sistema de construção tem as suas próprias exigencias pelo que procuraremos de uma forma profunda, ainda que sucinta, dar conta das realidades existentes. Multifacetadas. Nas casas em troncos de madeira não existem limitações a geometría arquitectada, à textura das paredes, ao tipo de acabamentos, à dimensão e ao estilo. Podem construir-se grandes catedrais, como a de Kiisa (datada de l.764. ex-URSS), fascinantes complexos hoteleiros semelhantes ao Hotel Montebello (1930, Canada) ou a réplica de uma típica casa ribatejana, alentejana ou madeirense... Sobrepoemse também inquestionáveis vantagens ao nível do conforto e bem-estar. Uma casa de madeira e muito mais sã, acolhedora e biótica do que outra construída em betao e materiais sintéticos, frios e impessoais. Os produtos utilizados no seu interior (como u óleo de linhaça) são cem por cento naturais, contribuindo para a saúde dos que nela habitam. Sendo um material orgânico e natural, absorve e expulsa a humidade, regularizando o meio ambiente interior. Em consequência, estas casas contribuem para a prevenção de doenças reumáticas e das vias respiratórias porque estabilizam a humidade, filtram e purificam o ar. Sendo cálida e relaxante, a madeira também ajuda a evitar as chamadas doenças da civilização, como o stress, a depressão ou a agressividade. E se a todas estas qualidades subsistirem hesitações quanto a sua segurança, um estudo do Building Inlormation Institute, uma instituição estatal finlandesa, disponibilizado pela Finlusa (empresa que detém a representação de uma marca de construçoes em troncos de pinho nórdico) pode ser tranquilizador: "A resistência ao fogo é elevada devido ao baixo teor de resina da madeira utilizada. As experiências demostram que se o tronco tiver 17 centímetros de diâmetro, o fogo demora cerca de uma hora a atravessá-lo; já nos tijolos com 11 centímetros, este periodo é reduzido para 30 minutos", assegura António Faustino, gerente da Finlusa. De resto, frisa, Hermínio Simões, o empreendedor de outra empresa, a Lacecal: "Na grande maioria das vezes, os principais agentes da deflagração e propagação de incêndios são os materiais sintéticos que temos em casa, desde tapetes, a alcatifas e sofás, aos quais raramente associados esse factor de risco." A resistência aos abalos sísmicos e outra das mais-valias avançadas pelas empresas, as quais, como a Rusticasa - a pioneira na introdução deste sistema construtivo na Península Ibérica - chegam a avançar com uma garantia de 10 anos. A técnica de montagem parece ser um grande segredo: os troncos, entrelaçados entre si, funcionam como uma estrutura solidária e consistente, como se fosse um croché. As paredes interiores são montadas em simultâneo com as exteriores, tornando a construção solida face a abalos sísmicos e ventos ciclónicos. Acabamentos e preços. A generalidade dos fabricantes disponihiliza uma vasta panoplia de modelos, susceptíveis de serem adaptados aos mais diversos locais, da praia à montanha, do campo à cidade. O cliente pode escolher um modelo-tipo ou desenvolver o seu próprio projecto. Caso opte pela segunda solução, é conveniente a especificação das dimensões aproximadas, número de pisos e assoalhadas, ou de outros pormenores, como, por exemplo, se a cozinha é fechada ou incorporada na sala, os revestimentos desejados (tijoleira, mosaico, mármore). Condição desejável é possuir-se um terreno, se possível intra-estruturado, ou entregá-lo au cuidado da empresa, numa operação do tipo chave na mão. Tal como na construção convencional, os preços oscilam de acordo com as condicionamtes referidas, sendo que o custo por metro quadrado depende da densidade da madeira aplicada: quanto menor for a densidade por metro quadrado, menor é, naturalmente, o custo final. Independentemente da densidade, o factor económico não deve ser um argumento preponderante para quem deseja uma vivenda deste género. Segundo valores, meramente indicativos, fornecidos pelas empresas, uma casa Finlusa pode rondar entre 100/150 contos por metro quadrado, uma Rusticasa entre 90/190, e uma Lacecal entre 100/170. No domínio dos preços, o factor mais atractivo diz respeito à manutenção. Ela pode ser executada por qualquer pessoa não especializada, consistindo, no essencial, na lavagem das paredes, de cinco em cinco anos, à mangueira, apenas com água ou com um produto recomendado. Deve incidir-se nos alçados expostos a sul e poente, devido ao sol. Após a secagem aplica-se uma ou duas demãos de velatura. Uma alternativa menos dispendiosa às casas em toros é o recurso a contextos intermédios, disponibilizados, por exemplo, pela Casema. Estas casas são vendidas em kit, englobando todos os componentes em madeira. Estes vão desmontados para a obra e, aí, as equipas elevam a casa sobre fundações previamente preparadas. A Lacecal também trabalha com este tipo de kits. "As nossas casas não são prefabricadas, mas também não são feitas em troncos. Utilizamos pranchas encaixadas entre si através do sistema macho/fêmea", realça Nuno Rebocho, director-geral da empresa. Uma habitação Casema pode partir dos 76 contos o metro quadrado, à base de madeiras exóticas, oriundas do Brasil, tal como a Maçaranduba, a Tatajuba ou a Itaúba. A vantagem concorrencial, ao nível monetário, é obtida, na perspectiva deste responsável, pelo baixo custo com a màode-obra no Brasil relativamente aos países nórdicos. Em qualquer das empresas referidas, o tempo de montagem é extremamente rápido: dois a quatro meses. Ambiente e competitividade. Os receios de se estar a contribuir para a devastação da floresta parecem infundados. Oficialmente, as empresas são obrigadas a reflorestar, em quaidriplicado, a quantidade de arvores abatidas, permitindo que, depois da selecção dos pes, se perpetue a mesma quantidade de madeira extraída. As multinacionais da madeira são, aliás, as principais interessadas na manutençâo e crescimento da floresta a um ritmo sustentado. E até para Portugal, recorde-se. a exploração da fileira da madeira foi considerada, na sequência do denominado Relatório Porter, uma linha estratégica aconselhada ao desenvolvimento e aumento da cumpetilividade. A própria Associação dos Arquitectos Portugueses já se manifestou empenhada, na voz do anterior presidente da Secção Regional Norte, João Paulo Rapagão, em "unir esforços para utilizar a madeira, mais e melhor do que tem sido prática corrente". João Paulo Rapagão afirmou-se seguro, há quatro anos, num seminário sobre a Madeira como elemento construtivo, de que "a qualidade, o conforto dos edifícios e a estética dos sítios" iria melhorar com as casas de madeira. Isto porque, enaltecia o mesmo, "por mais que o mau gosto se esforce, será difícil com a madeira conseguir tão maus resultados como os atingidos com outros materiais". Falta homologação do sistema A origem de um preconceito Embora muitas casas de madeira tenham já sido erigidas de norte a sul do País, o sistema construtivo em causa ainda não está homologado. De acordo com informação emitida, em Março último, pela Associação Portuguesa de Certificação (APCER) "não existe nenhuma empresa certificada" neste âmbito. E, segundo o estabelecido no Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), "a aplicação de novos materiais ou processos de construção para os quais não existam especificações oficiais, nem suficiente prática de utilização, será condicionada ao prévio parecer do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) do Ministério das Obras Públicas". Uma das consequências da evolução das sociedades e da sua tecnologia foi a rápida transformação dos processos de construção dos edifícios. O défice habitacional sentido nos grandes centros urbanos conduziu ao desenvolvimento das técnicas de prefabricação e à mecanização do fabrico de casas. Tempos houve em que se defendia a ideia de que só seria possível solucionar a escassez habitacional se se conseguisse encontrar uma técnica de construção semelhante ao fabrico de automóveis. Na antiga URSS, no princípio do século, uma única oficina de prefabricação, a Liuberstsy, produzia 20 mil casas de três divisões por ano; na Suécia, a utilização de cofragens deslizantes permitia a construção de habitações executadas com uma única betonagem. Eram casas que formavam um bloco único, onde as janelas, as canalizações e os fios de electricidade eram incrustados, antecipando-se à própria moldagem. A generalidade das empresas, por sua vez, argumenta que o sistema "já tem todas as homologações possíveis e indispensáveis no seu país de origem" e que "o que é válido no resto da Europa também é válido em Portugal". Mas não é bem assim. Pedro Pontífice de Sousa, engenheiro civil e Investigador principal do LNEC, sublinhou, numa intervenção pública, em Santa Maria da Feira, subordinada à Homologação e suas implicações que á Em Portugal, entre as décadas de 20 e 30, houve uma homologação concedida a um produto fabricado no estrangeiro empenhada política de incentivo à criação de edifícios deverá ser sujeita "a um estudo de confirmação de homologação" prefabricados. Iludidas pela indústria que florescia na capital, em Portugal. inúmeras famílias afluíam a Lisboa na esperança de uma vida melhor. Não só encontraram trabalho mal pago como ainda O investigador ressalvou que este estudo será "bastante mais tiveram de se confrontar com a escassez de habitação, apenas simplificado do que no caso de uma homologação de raiz, já que contornada com o milagre dos bairros-de-lata. ele se limitará á verificação de que as regras de aplicação em obra, consignadas na homologação estrangeira, estão a ser seguidas em A pouco e pouco os prefabricados foram a solução adoptada Portugal". para resolver a falta de infra-estruturas habitacionais, escolares, sanitárias, de saúde ou desportivas. Nas décadas de Ainda de acordo com os esclarecimentos daquele engenheiro do 60 e 70, foi em pavilhões quase exclusivamente feitos em ripas LNEC, "quando os sistemas, cuja comercialização esteja numa fase de madeira que os chamados retornados do Ultramar incipiente ou cujo desenvolvimento industrial ainda não permita a começaram por ser albergados. O sistema escolar expandiu-se concessão de uma homologação, considera-se que o cumprimento a custa destas construções, os pescadores adoptaram-nas como do RGEU pode ter lugar caso esses sistemas sejam objecto de uma material de eleição, tal como os trabalhadores agrícolas para os apreciação preliminar por parte do LNEC". Contudo, uma currais, celeiros ou anexos. apreciação deste tipo pode demorar entre dois a quatro anos, É neste contexto que se inserem as empresas que utilizam os toros de madeira em Portugal, embora a Rusticasa esteja numa fase mais adiantada do processo de homologação. O principal prejudicado é, na maioria das vezes, o cliente.Devido às reservas em relação às casas de madeira e ao facto de o sistema construtivo ainda não estar homologado, grande parte das Câmaras Municipais tenta bloquear o processo de concessão de licença de construção. Herminio Simões, director da Lacecal, é elucidativo: "Como não há legislação aplicável à madeira, no que diz respeito a estruturas, quando um projecto entra numa Câmara os arquitectos e engenheiros vão verificar se, por exemplo, estas casas têm paredes com 25 cm de espessura, como diz o RGEU. Só que desconhecem que uma parede de 10 cm em madeira tem um isolamento superior a uma parede de 25 cm em tijolo. Até hoje, nunca me recusaram um projecto. Mas, normalmente, demora-se mais tempo nos corredores das autarquias, em esclarecimentos de toda a ordem, ao que a construir as casas." Desta forma, a obtenção de crédito também pode ser um obstáculo, uma vez que muitas entidades bancárias ainda estão reticentes sobre os apoios a conceder ao crédito para este género de casas.