Papers by Paulo César dos Reis
CIÊNCIAS E SABERES NO RIO DE JANEIRO SETECENTISTA: O CASO DA ACADEMIA CIENTÍFICA DO RIO DE JANEIRO (1771-1779), 2010
A pesquisa que se apresenta está balizada no estudo das relações dos intelectuais com as diferent... more A pesquisa que se apresenta está balizada no estudo das relações dos intelectuais com as diferentes expressões do saber, desde que se constituiu o Império português com a expansão ultramarina, até as adaptações e interações que aconteceram na América portuguesa por força da reforma ilustrada do Marquês de Pombal (1750-1777).
Sendo assim, convém esclarecer o que se está entendendo como intelectual e como se está aferindo seu papel na constituição de diferentes segmentos do saber. Em primeiro lugar, devemos ressaltar a importância do estudo pioneiro de Jacques LE GOFF na caracterização deste novo ator que marca a História urbana do final da Idade Média.
Declarando-se claramente influenciado por Antônio GRAMSCI,3 LE GOFF mostra que não se pode falar em intelectual sem falar da cidade e do saber laico (na medida em que é possível falar disto nesta época e, principalmente, da instituição criada pelo intelectual que é a Universidade).
Assim não existe intelectual sem cidade, sem engajamento associativo e nem mesmo sem a Universidade. O mesmo autor estudando a evolução das relações entre Universidade e saber intelectual mostra como há uma profunda modificação na autonomia da Universidade e na emergência do intelectual com a consolidação das monarquias no processo de constituição dos estados modernos europeus.
No caso português, os saberes eruditos tomam dois caminhos diferentes na transição do século XV para o XVI: por um lado o humanismo arraigado na Universidade e na cultura livresca e, por outro lado, o pragmatismo que se consolidou no que Luis Felipe BARRETO chamou de saberes do mar.
O périplo luso sobre o Atlântico abriu novos tempos, tempos de cisão cristã, onde a espada e a cruz cingiram-se nos ideais de descoberta de novos mundos, povos e produtos mercantis – tropicais. Tempos de tempestade e de tormenta, tempos de reflexão, de contestação e de libertação. Tempos filosóficos e teológicos humanistas e tridentinos, escolásticos e pragmáticos.
Wilson MARTINS5 trabalhou a ideia da formação da inteligência brasileira a partir do processo militante dos clérigos em propagar a fé através da ideologia tridentina, que soergueu pari passu a exploração colonial. O intelectual hegemonicamente clérigo, emergiu como esteio da Cultura Luso-Brasileira. As primeiras publicações literárias, os relatos da paisagem e da vida cotidiana, as instituições de ensino, o teatro, a poesia e a música foram os canais utilizados como meio de circulação de todo um ideal de conquista da terra e de seus homens, ideais filosóficos e culturais.
O “colonizar” ganhou uma coloração civilizatória explícita na emergência desta inteligência brasileira a partir da ação pedagógica na formação de uma intelectualidade nas regiões mais prósperas da América portuguesa. Serafim LEITE6 colocou que o elemento jesuítico foi o mais importante ator social na formação da Cultura e da intelectualidade Luso-Brasileiras, de Trento à reforma pombalina. LEITE relacionou o processo de emergência da Cultura Erudita na América portuguesa a partir da estruturação de uma rede ideológica de ensino jesuítica que açambarcou das primeiras letras ao ensino superior neste espaço de dominação lusitana.
Todavia, nossas preocupações fundamentais dirigem-se a outros tempos. Tempos de revoluções, de mudanças e transformações. Tempos de definição e edificação de uma nova “civilização” ou ideal civilizatório. Tempos de afirmação racionalista: o homem é o centro do mundo e, como tal, controlador do tempo e do espaço. Tempo da Natureza, flora e fauna. Tempo controlado, medido, adestrado, testado e contestado. Tempo material, palpável, pragmático e científico. São tempos newtonianos e rousseaunianos. Tempos de Linneu e Smith.
Nestes tempos de meditação e transformação, Portugal libertou-se do jugo castelhano (1580-1640) (re)conquistando o tempo perdido. Novos tempos e novas esperanças. Novos homens e novas crenças. O século XVII simbolizou a libertação portuguesa e sua retomada imperialista sobre suas conquistas, principalmente a americana. Frédéric MAURO7 legou uma transladação mercantil do eixo asiático para o atlântico nesta retomada lusitana de seus domínios. A América tornou-se a joia mais preciosa da coroa brigantina: açúcar e ouro.
A liberdade trouxe consigo novos problemas e novas incertezas. São tempos de contestação e de profunda reflexão. Tempos inquietos em que o homem europeu experimentou novos e inovadores conhecimentos. As Ciências Naturais ganharam mais espaço na economia, na política, na sociedade e na Cultura.
A América portuguesa experimentou, destes tempos novos, o gosto pela autonomia econômica ao hegemonizar o trato mercantil dos viventes no Atlântico sul. Lisboa, a capital negreira, foi suplantada diante do poderio do Rio de Janeiro, a “elite” mercantil fluminense dominou o trato das almas na praça africana de Luanda e posteriormente o ouro das Gerais. O poder econômico e financista da América portuguesa se deslocaram, a partir da segunda metade do seiscentos, do Norte açucareiro para o centro-sul minerador.
O século XVIII Luso-Brasileiro foi inaugurado com o longo reinado de D. João V, o Magnânimo (1709-1750). O novo monarca ilustrado promoveu uma modernização conservadora do Império português ao dar sequência às políticas de D. Pedro II, o Pacificador (1683-1706). São os tempos das luzes e dos iluminados. Tempos do Conhecimento como agente libertador e modernizador dos estados europeus. Tempos das universidades reformadas e das academias ilustradas. Tempos dos saberes pragmáticos: matemáticos, biológicos, químicos e físicos. As ciências buscam explicar as ações e reações da Natureza, o mundo afastou-se da transcendência cristã, abraçando a imanência dos saberes acadêmico-científicos.
Nestes tempos de luzes, na segunda metade do setecentos, o Império português assiste ao aclarar de novos homens e inovadoras perspectivas de ação político-econômica e sociocultural. Com a morte de D. João V assumiu o seu lugar D. José I, o Reformador (1750-1777). O novo monarca ampliou e radicalizou o processo ilustrado destes tempos, com uma “elite” intelectual cosmopolita comandada por Sebastião José de Carvalho e Melo, figura de proa neste processo modernizador do Império português. São tempos de luzes e de crises, tempos de abertura e fechamento. Tempos de retomada e (re)centralização.
Nestes tempos iluminados, a América portuguesa ganhou mais importância política e notoriedade acadêmica. Ganhou certa autonomia intelectual. Ganhou bacharéisilustrados e academias literárias e científicas. Só não ganhou uma universidade porque as luzes não atingiram por completo a corporação intelectual lisboeta, detentora do monopólio do ensino superior lusitano. Porém, cabe lembrar, são luzes conservadoras, mitigadas, controladas pelo Estado que clama por mudanças necessárias para sua sobrevivência no mundo moderno europeu.
Nestes tempos de luzes, os espaços de produção e circulação dos saberes eruditos foram cerceados pelo poder ideologizador do Estado Monárquico. Foram consentidos e controlados para produzir um saber útil aos desígnios do Poder Régio. As ciências se transformaram em arma ideológica para o combate à mentalidade de exploração depredatória recorrente nas terras do Império português.
Só havia uma forma de superação deste “atraso” econômico e intelectual do Império, o fomento de espaços de produção e circulação dos saberes eruditos ligados às Ciências experimentais, isto é, as academias e sociedades científicas. As academias e seus intelectuais tinham assim um papel primordial na reformulação dos saberes eruditos ao reforçarem o seu ideal de aplicação prática e utilitária.
A Cidade do Rio de Janeiro do século XIX é, por excelência, o grande paradigma de cidade no Brasi... more A Cidade do Rio de Janeiro do século XIX é, por excelência, o grande paradigma de cidade no Brasil. A partir da Cidade Rio, o poder imperial da família Bragança emanou com toda força, havia a vontade de construir um país moderno e civilizado. Este foi o grande impulsionador do projeto conservador do Estado iniciado em 1808, com a chegada da Família Real Portuguesa, entrepassando o Império do Brasil e a Primeira República e findando apenas no golpe civil e militar de 1930, no que nomeio de O longo século XIX brasileiro.
Raras vezes a creação de uma cidade é resultado de causas fortuitas. Quer tenha sido rapida, quer... more Raras vezes a creação de uma cidade é resultado de causas fortuitas. Quer tenha sido rapida, quer lentamente desenvolvido, o grande centro de população é quasi sempre consequencia de circumstancias locaes favoraveis ao commercio, á industria, ou a uma e outra conjuntamente...' Luiz Raphael Vieira Souto Inicio este ensaio com uma indagação: Que cidade queremos para os próximos anos, tendo em vista o seu processo de constituição física, social, política, econômica e cultural. As questões que hoje movem os urbanistas, sociólogos, geógrafos, economistas e historiadores estão contidas no tipo de cidade que temos e nos meios para superação dos problemas que são recorrentes, como violência, mobilidade, educação, saúde, moradia, esgotamento sanitário, lazer, cultura etc. Diante destas questões faz-se necessário uma reflexão acerca do processo histórico de construção da Cidade Rio, entendê-la sob o ponto de vista de sua totalidade é essencial para o debate que se coloca hoje sobre a Cidade que queremos.
Aos meus pais que mesmo distantes, foram os primeiros a acreditarem que eu poderia chegar ao dout... more Aos meus pais que mesmo distantes, foram os primeiros a acreditarem que eu poderia chegar ao doutorado.
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Não há muitas dúvidas de que o peso de ter sido a capital do Brasil por quase duzentos anos deixo... more Não há muitas dúvidas de que o peso de ter sido a capital do Brasil por quase duzentos anos deixou sua marca no Rio de Janeiro. Cidade onde todos pensam a questão nacional e internacional, como atestam os títulos de seus principais jornais - O Globo e Jornal do Brasil são exemplos -, durante muito tempo o Rio deixou de olhar para si mesmo. O Rio que queremos: propostas para uma cidade inclusiva é uma contribuição para a reversão do problema. Trata-se de um debate coletivo construído por 31 autores, entre sociólogos, economistas, cientistas políticos, juristas e historiadores que voltaram seus olhos para temas profundos da cidade. Entre eles um fio comum que costura a discussão do início ao fim: o direito à cidade. Não se trata apenas de um livro acadêmico, como poderia fazer imaginar a formação de seus autores. Os textos apresentados são de fácil acesso para todo o público e profundamente marcados pelo compromisso com a construção de uma cidade mais justa e igualitária. Não fosse assim, não haveria sentido em tamanho esforço coletivo.
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Sendo assim, convém esclarecer o que se está entendendo como intelectual e como se está aferindo seu papel na constituição de diferentes segmentos do saber. Em primeiro lugar, devemos ressaltar a importância do estudo pioneiro de Jacques LE GOFF na caracterização deste novo ator que marca a História urbana do final da Idade Média.
Declarando-se claramente influenciado por Antônio GRAMSCI,3 LE GOFF mostra que não se pode falar em intelectual sem falar da cidade e do saber laico (na medida em que é possível falar disto nesta época e, principalmente, da instituição criada pelo intelectual que é a Universidade).
Assim não existe intelectual sem cidade, sem engajamento associativo e nem mesmo sem a Universidade. O mesmo autor estudando a evolução das relações entre Universidade e saber intelectual mostra como há uma profunda modificação na autonomia da Universidade e na emergência do intelectual com a consolidação das monarquias no processo de constituição dos estados modernos europeus.
No caso português, os saberes eruditos tomam dois caminhos diferentes na transição do século XV para o XVI: por um lado o humanismo arraigado na Universidade e na cultura livresca e, por outro lado, o pragmatismo que se consolidou no que Luis Felipe BARRETO chamou de saberes do mar.
O périplo luso sobre o Atlântico abriu novos tempos, tempos de cisão cristã, onde a espada e a cruz cingiram-se nos ideais de descoberta de novos mundos, povos e produtos mercantis – tropicais. Tempos de tempestade e de tormenta, tempos de reflexão, de contestação e de libertação. Tempos filosóficos e teológicos humanistas e tridentinos, escolásticos e pragmáticos.
Wilson MARTINS5 trabalhou a ideia da formação da inteligência brasileira a partir do processo militante dos clérigos em propagar a fé através da ideologia tridentina, que soergueu pari passu a exploração colonial. O intelectual hegemonicamente clérigo, emergiu como esteio da Cultura Luso-Brasileira. As primeiras publicações literárias, os relatos da paisagem e da vida cotidiana, as instituições de ensino, o teatro, a poesia e a música foram os canais utilizados como meio de circulação de todo um ideal de conquista da terra e de seus homens, ideais filosóficos e culturais.
O “colonizar” ganhou uma coloração civilizatória explícita na emergência desta inteligência brasileira a partir da ação pedagógica na formação de uma intelectualidade nas regiões mais prósperas da América portuguesa. Serafim LEITE6 colocou que o elemento jesuítico foi o mais importante ator social na formação da Cultura e da intelectualidade Luso-Brasileiras, de Trento à reforma pombalina. LEITE relacionou o processo de emergência da Cultura Erudita na América portuguesa a partir da estruturação de uma rede ideológica de ensino jesuítica que açambarcou das primeiras letras ao ensino superior neste espaço de dominação lusitana.
Todavia, nossas preocupações fundamentais dirigem-se a outros tempos. Tempos de revoluções, de mudanças e transformações. Tempos de definição e edificação de uma nova “civilização” ou ideal civilizatório. Tempos de afirmação racionalista: o homem é o centro do mundo e, como tal, controlador do tempo e do espaço. Tempo da Natureza, flora e fauna. Tempo controlado, medido, adestrado, testado e contestado. Tempo material, palpável, pragmático e científico. São tempos newtonianos e rousseaunianos. Tempos de Linneu e Smith.
Nestes tempos de meditação e transformação, Portugal libertou-se do jugo castelhano (1580-1640) (re)conquistando o tempo perdido. Novos tempos e novas esperanças. Novos homens e novas crenças. O século XVII simbolizou a libertação portuguesa e sua retomada imperialista sobre suas conquistas, principalmente a americana. Frédéric MAURO7 legou uma transladação mercantil do eixo asiático para o atlântico nesta retomada lusitana de seus domínios. A América tornou-se a joia mais preciosa da coroa brigantina: açúcar e ouro.
A liberdade trouxe consigo novos problemas e novas incertezas. São tempos de contestação e de profunda reflexão. Tempos inquietos em que o homem europeu experimentou novos e inovadores conhecimentos. As Ciências Naturais ganharam mais espaço na economia, na política, na sociedade e na Cultura.
A América portuguesa experimentou, destes tempos novos, o gosto pela autonomia econômica ao hegemonizar o trato mercantil dos viventes no Atlântico sul. Lisboa, a capital negreira, foi suplantada diante do poderio do Rio de Janeiro, a “elite” mercantil fluminense dominou o trato das almas na praça africana de Luanda e posteriormente o ouro das Gerais. O poder econômico e financista da América portuguesa se deslocaram, a partir da segunda metade do seiscentos, do Norte açucareiro para o centro-sul minerador.
O século XVIII Luso-Brasileiro foi inaugurado com o longo reinado de D. João V, o Magnânimo (1709-1750). O novo monarca ilustrado promoveu uma modernização conservadora do Império português ao dar sequência às políticas de D. Pedro II, o Pacificador (1683-1706). São os tempos das luzes e dos iluminados. Tempos do Conhecimento como agente libertador e modernizador dos estados europeus. Tempos das universidades reformadas e das academias ilustradas. Tempos dos saberes pragmáticos: matemáticos, biológicos, químicos e físicos. As ciências buscam explicar as ações e reações da Natureza, o mundo afastou-se da transcendência cristã, abraçando a imanência dos saberes acadêmico-científicos.
Nestes tempos de luzes, na segunda metade do setecentos, o Império português assiste ao aclarar de novos homens e inovadoras perspectivas de ação político-econômica e sociocultural. Com a morte de D. João V assumiu o seu lugar D. José I, o Reformador (1750-1777). O novo monarca ampliou e radicalizou o processo ilustrado destes tempos, com uma “elite” intelectual cosmopolita comandada por Sebastião José de Carvalho e Melo, figura de proa neste processo modernizador do Império português. São tempos de luzes e de crises, tempos de abertura e fechamento. Tempos de retomada e (re)centralização.
Nestes tempos iluminados, a América portuguesa ganhou mais importância política e notoriedade acadêmica. Ganhou certa autonomia intelectual. Ganhou bacharéisilustrados e academias literárias e científicas. Só não ganhou uma universidade porque as luzes não atingiram por completo a corporação intelectual lisboeta, detentora do monopólio do ensino superior lusitano. Porém, cabe lembrar, são luzes conservadoras, mitigadas, controladas pelo Estado que clama por mudanças necessárias para sua sobrevivência no mundo moderno europeu.
Nestes tempos de luzes, os espaços de produção e circulação dos saberes eruditos foram cerceados pelo poder ideologizador do Estado Monárquico. Foram consentidos e controlados para produzir um saber útil aos desígnios do Poder Régio. As ciências se transformaram em arma ideológica para o combate à mentalidade de exploração depredatória recorrente nas terras do Império português.
Só havia uma forma de superação deste “atraso” econômico e intelectual do Império, o fomento de espaços de produção e circulação dos saberes eruditos ligados às Ciências experimentais, isto é, as academias e sociedades científicas. As academias e seus intelectuais tinham assim um papel primordial na reformulação dos saberes eruditos ao reforçarem o seu ideal de aplicação prática e utilitária.
Books by Paulo César dos Reis
Sendo assim, convém esclarecer o que se está entendendo como intelectual e como se está aferindo seu papel na constituição de diferentes segmentos do saber. Em primeiro lugar, devemos ressaltar a importância do estudo pioneiro de Jacques LE GOFF na caracterização deste novo ator que marca a História urbana do final da Idade Média.
Declarando-se claramente influenciado por Antônio GRAMSCI,3 LE GOFF mostra que não se pode falar em intelectual sem falar da cidade e do saber laico (na medida em que é possível falar disto nesta época e, principalmente, da instituição criada pelo intelectual que é a Universidade).
Assim não existe intelectual sem cidade, sem engajamento associativo e nem mesmo sem a Universidade. O mesmo autor estudando a evolução das relações entre Universidade e saber intelectual mostra como há uma profunda modificação na autonomia da Universidade e na emergência do intelectual com a consolidação das monarquias no processo de constituição dos estados modernos europeus.
No caso português, os saberes eruditos tomam dois caminhos diferentes na transição do século XV para o XVI: por um lado o humanismo arraigado na Universidade e na cultura livresca e, por outro lado, o pragmatismo que se consolidou no que Luis Felipe BARRETO chamou de saberes do mar.
O périplo luso sobre o Atlântico abriu novos tempos, tempos de cisão cristã, onde a espada e a cruz cingiram-se nos ideais de descoberta de novos mundos, povos e produtos mercantis – tropicais. Tempos de tempestade e de tormenta, tempos de reflexão, de contestação e de libertação. Tempos filosóficos e teológicos humanistas e tridentinos, escolásticos e pragmáticos.
Wilson MARTINS5 trabalhou a ideia da formação da inteligência brasileira a partir do processo militante dos clérigos em propagar a fé através da ideologia tridentina, que soergueu pari passu a exploração colonial. O intelectual hegemonicamente clérigo, emergiu como esteio da Cultura Luso-Brasileira. As primeiras publicações literárias, os relatos da paisagem e da vida cotidiana, as instituições de ensino, o teatro, a poesia e a música foram os canais utilizados como meio de circulação de todo um ideal de conquista da terra e de seus homens, ideais filosóficos e culturais.
O “colonizar” ganhou uma coloração civilizatória explícita na emergência desta inteligência brasileira a partir da ação pedagógica na formação de uma intelectualidade nas regiões mais prósperas da América portuguesa. Serafim LEITE6 colocou que o elemento jesuítico foi o mais importante ator social na formação da Cultura e da intelectualidade Luso-Brasileiras, de Trento à reforma pombalina. LEITE relacionou o processo de emergência da Cultura Erudita na América portuguesa a partir da estruturação de uma rede ideológica de ensino jesuítica que açambarcou das primeiras letras ao ensino superior neste espaço de dominação lusitana.
Todavia, nossas preocupações fundamentais dirigem-se a outros tempos. Tempos de revoluções, de mudanças e transformações. Tempos de definição e edificação de uma nova “civilização” ou ideal civilizatório. Tempos de afirmação racionalista: o homem é o centro do mundo e, como tal, controlador do tempo e do espaço. Tempo da Natureza, flora e fauna. Tempo controlado, medido, adestrado, testado e contestado. Tempo material, palpável, pragmático e científico. São tempos newtonianos e rousseaunianos. Tempos de Linneu e Smith.
Nestes tempos de meditação e transformação, Portugal libertou-se do jugo castelhano (1580-1640) (re)conquistando o tempo perdido. Novos tempos e novas esperanças. Novos homens e novas crenças. O século XVII simbolizou a libertação portuguesa e sua retomada imperialista sobre suas conquistas, principalmente a americana. Frédéric MAURO7 legou uma transladação mercantil do eixo asiático para o atlântico nesta retomada lusitana de seus domínios. A América tornou-se a joia mais preciosa da coroa brigantina: açúcar e ouro.
A liberdade trouxe consigo novos problemas e novas incertezas. São tempos de contestação e de profunda reflexão. Tempos inquietos em que o homem europeu experimentou novos e inovadores conhecimentos. As Ciências Naturais ganharam mais espaço na economia, na política, na sociedade e na Cultura.
A América portuguesa experimentou, destes tempos novos, o gosto pela autonomia econômica ao hegemonizar o trato mercantil dos viventes no Atlântico sul. Lisboa, a capital negreira, foi suplantada diante do poderio do Rio de Janeiro, a “elite” mercantil fluminense dominou o trato das almas na praça africana de Luanda e posteriormente o ouro das Gerais. O poder econômico e financista da América portuguesa se deslocaram, a partir da segunda metade do seiscentos, do Norte açucareiro para o centro-sul minerador.
O século XVIII Luso-Brasileiro foi inaugurado com o longo reinado de D. João V, o Magnânimo (1709-1750). O novo monarca ilustrado promoveu uma modernização conservadora do Império português ao dar sequência às políticas de D. Pedro II, o Pacificador (1683-1706). São os tempos das luzes e dos iluminados. Tempos do Conhecimento como agente libertador e modernizador dos estados europeus. Tempos das universidades reformadas e das academias ilustradas. Tempos dos saberes pragmáticos: matemáticos, biológicos, químicos e físicos. As ciências buscam explicar as ações e reações da Natureza, o mundo afastou-se da transcendência cristã, abraçando a imanência dos saberes acadêmico-científicos.
Nestes tempos de luzes, na segunda metade do setecentos, o Império português assiste ao aclarar de novos homens e inovadoras perspectivas de ação político-econômica e sociocultural. Com a morte de D. João V assumiu o seu lugar D. José I, o Reformador (1750-1777). O novo monarca ampliou e radicalizou o processo ilustrado destes tempos, com uma “elite” intelectual cosmopolita comandada por Sebastião José de Carvalho e Melo, figura de proa neste processo modernizador do Império português. São tempos de luzes e de crises, tempos de abertura e fechamento. Tempos de retomada e (re)centralização.
Nestes tempos iluminados, a América portuguesa ganhou mais importância política e notoriedade acadêmica. Ganhou certa autonomia intelectual. Ganhou bacharéisilustrados e academias literárias e científicas. Só não ganhou uma universidade porque as luzes não atingiram por completo a corporação intelectual lisboeta, detentora do monopólio do ensino superior lusitano. Porém, cabe lembrar, são luzes conservadoras, mitigadas, controladas pelo Estado que clama por mudanças necessárias para sua sobrevivência no mundo moderno europeu.
Nestes tempos de luzes, os espaços de produção e circulação dos saberes eruditos foram cerceados pelo poder ideologizador do Estado Monárquico. Foram consentidos e controlados para produzir um saber útil aos desígnios do Poder Régio. As ciências se transformaram em arma ideológica para o combate à mentalidade de exploração depredatória recorrente nas terras do Império português.
Só havia uma forma de superação deste “atraso” econômico e intelectual do Império, o fomento de espaços de produção e circulação dos saberes eruditos ligados às Ciências experimentais, isto é, as academias e sociedades científicas. As academias e seus intelectuais tinham assim um papel primordial na reformulação dos saberes eruditos ao reforçarem o seu ideal de aplicação prática e utilitária.