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Rito e arquitetura

2000

que, pela clareza de suas observações, orientou a consecução desta pesquisa com paciência e inteligência. À Universidade de São Paulo pelo acolhimento desta pesquisa e pela possibilidade de desenvolvê-la junto a amigos e professores.

CELSO LOMONTE MINOZZI Rito e Arquitetura São Paulo 2009 CELSO LOMONTE MINOZZI Rito e Arquitetura Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração: História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Luiz Américo de Souza Munari São Paulo 2009 AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. E-MAIL: [email protected] M666r Minozzi, Celso Lomonte Rito de arquitetura / Celso Lomonte Minozzi . --São Paulo, 2009. 201 p. : il. Tese (Doutorado - Área de Concentração: História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo) - FAUUSP. Orientador: Luiz Américo de Souza Munari 1.Semiologia – Arquitetura 2.Teoria da arquitetura 3. Arquitetura contemporânea 4.Arquitetura - Fluxo I.Título CDU 003:72 À BERENICE, minha esposa À AMANDA, ANDREA, MARINA e FILIPE, meus filhos A IDO e MARIA, meus pais AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Luiz Américo de Souza Munari que, pela clareza de suas observações, orientou a consecução desta pesquisa com paciência e inteligência. À Universidade de São Paulo pelo acolhimento desta pesquisa e pela possibilidade de desenvolvê-la junto a amigos e professores. À Universidade Presbiteriana Mackenzie e ao Centro Universitário Belas Artes de São Paulo pelo ambiente de trabalho e reflexão que motivaram o percurso desta pesquisa. Aos meus amigos de todos os dias que souberam compreender o esforço desta empreitada. Aos meus filhos e à minha família pela compreensão de meu isolamento. À minha esposa, Berenice Carpigiani, pelo apoio constante, pelas revisões intermináveis, e pela sua presença em minha vida, sem o que seria impossível realizar esta pesquisa. RESUMO Esta pesquisa focaliza a relação entre rito e arquitetura considerando o rito como o fluxo semiológico e está embasada em estudos de semiologia e semiótica aplicadas à arquitetura e às teorias da linguagem. O conceito de rito semiológico está desenvolvido a partir das transformações dos elementos significantes tanto em aspectos diacrônicos quanto em aspectos sincrônicos, determinando as noções de fluxo e mutação. A arquitetura é compreendida como uma relação entre duas formas: a forma de expressão e a de conteúdo, conceitos retirados dos estudos de linguagem. Associa-se a este fato ser também entendida como um produto cultural, pertencente a um determinado diagrama histórico, principalmente o contemporâneo e sua alterações diagramáticas. As bases teóricas partem das leituras de Michel Foucault, Gilles Deleuze, Ferdinand de Saussure e Louis Trolle Hjelmslev e das comparações possíveis com textos sobre arquitetura e projetos. Os fundamentos da história da arquitetura são trabalhados no decorrer do texto conforme os autores, pela cronologia das idéias e não das publicações. A pesquisa procura demonstrar uma arquitetura em movimento através do conceito de rito, sua pertinência na história da arquitetura como uma forma de linguagem. Averigua, também, a pertinência deste conceito quanto a quatro categorias estabelecidas como base para a arquitetura, sendo estas: significação, poética, materialidade e técnica, e por elas, se verifica a relação entre rito e arquitetura. Palavras chaves: semiologia, rito semiológico, teoria da arquitetura, fluxo, arquitetura contemporânea. ABSTRACT This research focuses the relationship between rite and architecture considering the rite as a semiological flow and it is based on semiology studies and semiotics applied to the architecture and the theories of the language. The concept of semiological rite is developed starting from the transformations of the significant elements as much in diachronic aspects as in synchronous aspects, determining the flow and mutation notions. The architecture is understood as a relationship among two forms: the expression and content, extracted concepts of the language studies. It associates to this fact to also be understood as a cultural product, belonging to a certain historical diagram, mainly the contemporary and its diagrammatic alterations. The theoretical bases leave from Michel Foucault, Gilles Deleuze, Ferdinand de Saussure and Louis Trolle Hjelmslev readings and from the possible comparisons with texts on architecture and projects. The foundations of the history of the architecture are worked on elapsing of the text according to the authors, from the chronology of the ideas and not from the publications one. This research search to demonstrate an architecture in movement through the rite concept, its pertinence in the history of the architecture as a language form. It discovers, also, the pertinence of this concept as four established categories as a base for the architecture, being these: significance, poetic, materiality and technique, and for them, the relationship is verified between rite and architecture. Key words: semiology, semiological rite, theory of the architecture, flow, contemporary architecture. SUMÁRIO Prólogo 7 Introdução 16 Capítulo 1. Teorias e reflexões 41 Capítulo 2. Significação 97 Capítulo 3. Poética 126 Capítulo 4. Materialidade 143 Capítulo 5. Técnica 165 Conclusão 188 Referência bibliográfica 192 Bibliografia 195 7 PRÓLOGO As teorias da linguagem exerceram, no século XX, uma forte influência sobre diversos campos da ciência e das artes e consequentemente, também sobre o campo da arquitetura em textos teóricos como “A arquitetura da cidade” de Aldo Rossi, ou “A imagem da cidade” de Kevin Lynch, e em projetos que foram, pouco a pouco, desenvolvendo os conceitos de linguagem os apropriando para a arquitetura e o urbanismo a exemplo dos trabalhos megaestruturais de Yona Friedman, projetos residenciais e institucionais como os de Robert Venturi e os exercícios projetuais de Peter Eisenman, apresentados na exposição ‘Os cinco arquitetos’ no MOMA em New York, em 1967. A inserção da linguagem no pensamento estruturalista permitiu experimentações e gerou aprofundamentos quanto à arquitetura como uma das formas de linguagem não verbal, ao mesmo tempo em que permitiu também, indagações sobre as razões do pensamento da estrutura e suas definições como métodos projetuais e projetos de edifícios ou de áreas urbanas. A clareza conseguida com o exercício estrutural foi semelhante ao desencanto das regras racionais e funcionais: nem tudo poderia estar determinado pelos caminhos da estrutura. Sua consequência foi o avanço dos estudos de linguagem e a inserção, na arquitetura, por meio de filósofos, linguistas e arquitetos de novas questões sobre este campo: um papel mais abrangente e fluídico das linguagens, a desmontagem da precisão estruturalista, o surgimento de experimentos formais inusitados. A centralidade do ser humano, e mesmo do arquiteto, recebeu novos questionamentos e consequentes respostas. 8 Textos críticos e teóricos abordam frequentemente estas questões ao desenvolver temáticas que visam entender como as condições do mundo contemporâneo, sua noção de tempo, sua condição de realidade e sua noção de espaço, inferem um pensamento arquitetônico. O pensamento espacial, através da topologia, é um dos pontos chaves da contemporaneidade pela possibilidade de dispor diagramas de produção numa sociedade: influência do pensamento topológico de Foucault. A topologia, e suas relações com o espaço arquitetônico e as teorias da linguagem já havia sido abordada na Dissertação de Mestrado “Semiótica e arquitetura: uma teoria sobre a construção do signo arquitetônico”, indicando um caminho que relacionava novos arranjos de noção de tempo e espaço num diagrama do nosso tempo, ou num diagrama das arquiteturas e dos estados simbólicos. Neste sentido, esta pesquisa justifica-se, pela importância da possibilidade de desenvolver investigações e leituras de textos relativos às teorias da arte e da arquitetura ao longo da história, à produção de artistas e teóricos tais como Homero, Platão, Aristóteles, Semper, Vitruvio, Riegl. Em recentes discussões sobre a Polis e a noção de mimesis, realizados na Universidade de São Paulo, levantou-se a questão como a estrutura social da Polis revela o surgimento do Belo, uma herança grega, e como o Belo surgiu com o próprio advento da Polis, quando ocorreu a estruturação da sociedade micênica: o anax, o basileu, o aedo, os trabalhadores, possibilitando que se revelassem as condições das imagens do real e do divino. Portanto, cidade, política e beleza são irmãs por terem surgido como conceitos de uma mesma realidade. 9 A beleza se revela pelo poder da razão e se coloca como condição e possibilidade do mundo, demonstrando-se por meio da harmonia. Ao longo das discussões, foi debatida a consolidação da beleza no universo da Polis, afirmando a relação entre beleza, política e razão. O mundo ordenado foi compreendido como a expressão da beleza, esta que “rapta os olhos” e motiva o homem à perturbação. Leituras e debates sobre o “Hípias Maior” de Platão e sobre a “Poética” de Aristóteles, ampliaram a concepção da ligação entre arte e arquitetura e a significação artística. A arquitetura, entendida como obra das artes aplicadas, é composta por um conjunto de técnicas variadas e, permeando a técnica e a matéria, descortinam-se a cultura, a ideologia e a política. Sendo o território – da arquitetura e da cidade – considerado como expressão semântica e emancipadora, que se utiliza do uso de uma linguagem definidora da condição de pertença ao grupo que o usa, torna-se possível levantar a hipótese de que a forma de atuação sobre o espectro da arquitetura mudou de forma radical, talvez em função da perda de relações mecânicas, corpóreas e materiais na construção do ser social que ocorreram em função de um novo arranjo social. Os espaços na cidade são considerados produtos por meio da atuação dos grupos sociais no ambiente urbano, desde as casa até barracas de ambulantes. Interferem nesta leitura alguns conceitos como os de “campos abstratos”, “espaços como comunicação”, “linguagem” e “arte”. A importância desta investigação também está na discussão do conceito das manifestações no espaço urbano como formas de arte, justamente pela condicional estética que estas carregam. A significação da compreensão do indivíduo e sua relação de pertença social podem ser 10 verificadas na possibilidade de se falar uma linguagem de grupo quer seja oral, corporal ou que se expressa, também, através de produtos culturais. A experiência urbana é irredutível e é uma experiência de subjetivação que envolve uma sensação de compreensão e pertença, que nasce da percepção destes sistemas abstratos, portanto, da percepção dos conjuntos linguísticos que podem remover histórias e memórias individuais. A vida urbana é entendida como um produto individual e coletivo compartilhado por associações vitais dos grupos sociais. Entende-se que a expressão dos grupos diversos, mesmo tendo apenas o corpo como sistema significante, permite abrir questões sutis quanto à materialidade da cidade, ou quanto à sua superfície como campo de significação. O tema central desta pesquisa é a relação entre rito e arquitetura no que tange à condição específica de rito semiológico. Esta relação determina as características do limite do objeto, já que se desdobra em vertentes diferentes que são verificadas através do entendimento da arquitetura como produto cultural, e que podem condicionar inferências nas esferas do arquiteto como autor da obra, que é possuidora de uma poética, e da percepção da obra como ação coletiva de leitura da arquitetura. Estas esferas são entendidas como campos paradigmáticos nos quais as noções de sujeito e objeto são determinantes para as categorias de leitura. Há dois campos gerais de conhecimento que se interseccionam no âmbito do tema central: a arquitetura como um campo extenso e complexo, e a semiologia, abrigando o conceito de rito, com extensões mais claras para os estudos de linguagem como base do entendimento arquitetônico e antropológico. 11 Há também dois campos específicos de conhecimento gerados a partir da relação das esferas do autor da obra e da percepção da obra, e direcionados para o tema da tese, que procuram condicionar as extensões do tema através do conceito de rito, um sob os modos de produção e significação da linguagem e outro sob os modos de produção e significação da arquitetura. Portanto, as três esferas paradigmáticas: do autor, da obra e do coletivo estão relacionadas com os dois eixos sintagmáticos: da extensão linguística do rito e da extensão arquitetônica do rito. Por estas razões, torna-se necessário compreender dois eixos de extensão do rito. O Primeiro: EIXO DE EXTENSÃO LINGUÍSTICA DO RITO. O rito é compreendido a partir do conceito de mito, descrito e analisado por Roland Barthes em seu livro “Mitologias” (2007). Em Barthes (2007), o rito é definido como um elemento inerente ao mito e este possui como elementos de linguagem: significante, significado e significação, portanto, é considerado como um modo de significação constituído por um significante e seu aspecto formal, e um significado e seu aspecto formal: “[...] no mito existem dois sistemas semiológicos, um deles deslocado em relação ao outro: um sistema linguístico, a língua (ou os modos de representação que lhe são assimilados), a que chamarei linguagem objeto, porque é a linguagem de que o mito se serve para construir o seu próprio sistema; e o próprio mito, a que chamarei metalinguagem, porque é uma segunda língua, na qual se fala da primeira.” (BARTHES. 1993.p.137.) Dessa maneira, o mito, enquanto significado, se apóia num significante, e consequentemente o seu rito pode ser compreendido como a concatenação formal que suporta o mito enquanto metalinguagem. O significante do mito, o rito, é um sistema linguístico particular, referendado na língua ‘real’. 12 A extensão deste conceito é ampla já que condiciona o entendimento do rito como uma concatenação de processos linguísticos e passíveis de serem substanciados fazendo com que o projeto de arquitetura, que também se dá num processo de concatenação linguística, seja ele próprio, o rito, como parte de uma relação teórico-prática: o projeto enquanto prática, integra a dimensão crítica e teórica no seu desenvolvimento, no fazer. Outra extensão deste conceito é a compreensão do rito enquanto técnica produtora de uma poética do objeto, extensão essa que abriga as significações do rito poético dentro da influência das culturas como usinas fabricadoras de coisas e significações. O segundo é o EIXO DE EXTENSÃO ARQUITETONICA DO RITO, uma vez que o sentido do rito como campo específico na arquitetura está vinculado inicialmente à observação da variação deste conceito na produção arquitetônica: o primeiro se refere ao arquiteto enquanto autor e a expressão, ou não, de sua intencionalidade na obra. É marcante a diferença entre concepções sobre a arquitetura que investigam os modos de produção do objeto arquitetônico e qual seu grau de representatividade ou de identidade, quer do arquiteto quer da coletividade. Ao se estudar, por exemplo, o trabalho de Lúcio Costa, na sua intenção de integrar uma historicidade brasileira à época colonial, e o resultado projetual, é possível perceber a busca de uma representatividade que expecta uma consciência coletiva no contato com esta arquitetura. É exemplar o museu realizado na Missão de São Miguel, no Rio Grande do Sul, no qual há uma interpenetração do barroco como historicidade e do moderno como contemporaneidade. Neste exemplo, verifica-se uma metodologia que agrega valores à forma e por eles lhe dá significado. 13 A intenção do arquiteto busca em si uma ritualização que a expresse e tenha, no contato com uma linguagem, a possibilidade de realização da obra. Se essa intenção se expressa na obra ou se ela fica recolhida no método é justamente um dos debates atuais e o rito é observado na esfera do autor nas formas de sua condição psíquica, técnica ou comportamental, o tempo de organização interna antes de aplicar a metodologia. Este estado do autor infere o uso da metodologia e a escolhe como instrumento de uma poética que constrói o objeto, o qual, por sua vez, possui seu próprio rito pela constituição de suas partes, pela organização de sua leitura, pela possibilidade de seu entendimento como discurso complexo: social, estético, ético, técnico. O conceito de rito na esfera da obra permite uma leitura das metodologias de projeto, da maneira de vivenciação da obra, da relação da obra com o contexto, da composição da obra enquanto objeto de leitura. As metodologias de projeto são ritos sintéticos de decisão construtiva da arquitetura, assimilam formas e significados históricos, futuristas, idéias e realidades. Permitem equacionar valores funcionais, culturais e políticos da obra a serem percebidos ou lidos por quem vivenciará a experiência da obra. Esta, por sua vez, traz em si certa possibilidade de ser lida, em função da justaposição dos espaços, da condicional da circulação ou do discurso enquanto resultado de uma poética. A esfera do coletivo talvez seja a esfera mais distante, pois esta só pode ser avaliada experimentalmente através de pesquisas e entrevistas, que não é instrumento eleito nesta pesquisa. Não obstante, é possível verificar a presença do coletivo tanto nas teorias que geram 14 metodologias, quanto nas filosofias ou conjuntos críticos que indicam uma autonomia do leitor em relação à obra de arquitetura. A história nos fornece exemplos claros desde o pensamento moderno até a contemporaneidade, tanto no sentido de idealização do homem social no modernismo, quanto na substancialidade histórica e cultural nas visões pós-modernas. O indivíduo que vivencia o espaço é dirigido a perceber relações que estão dispostas na obra e que indicam, enquanto discurso, componentes estéticas que condicionam uma sensação de consciência social ou histórica por meio do contato com a arquitetura. A arquitetura contemporânea, principalmente em função da influência da desconstrução e do pragmatismo, não exibe a presença do indivíduo na obra como um elemento reconhecível, porém, estabelece uma relação cognoscitiva com o seu leitor de maneira a produzir uma condição de leitura e liberdade. O percebido e entendido da arquitetura é um fenômeno cujo significado é estabelecido pelo sujeito perceptor como detentor do código de leitura. Peter Eisenman, no texto “O Fim do Clássico, O Fim do Começo, O Fim do Fim” (1983), ao propor uma arquitetura não-clássica, propõe também um leitor consciente de sua identidade de leitor, partindo do princípio de que é ele quem imprime significado a uma obra não representativa e não significativa, constituída de elementos significantes sem significação indicada. Esta pesquisa, de caráter interdisciplinar que reúne em si estes diferentes eixos teóricos, possibilita a concatenação de conhecimentos e um recorte por abordagem, mas não um limite definido. Seu tema se esclarece de dentro para fora e não ao contrário, e o conteúdo dos conhecimentos utilizados tais como: história, teoria da arquitetura, antropologia, e semiologia, será definido no desenvolvimento dos capítulos os quais, pela sua abordagem categorial, terão 15 recortes específicos. Portanto, o tema central: rito e arquitetura: informa e justifica o desenvolvimento da pesquisa. 16 INTRODUÇÃO Os conteúdos pesquisados e desenvolvidos não estão ligados por outra causalidade que não seja o tema e o próprio exercício da leitura ao longo deste trabalho. Disto resulta a escrita como um conjunto de conteúdos justapostos, estratificados no decorrer do texto, entremeados pelo processamento das idéias, pelos estados de subjetividade e pela aproximação como meio de definir causalidades, mas não linearidades. Os conteúdos não são lineares, pois estão dispostos em épocas e disciplinas diferentes, mas são aproximados pela presença do tema. A escrita se desenvolveu como um conjunto de fluxos que buscam nas multiplicidades dos assuntos uma invariância. O texto é um estado de solidariedade de assuntos admitidos historicamente pelo surgimento de sua importância na pesquisa e não pelas datas de sua publicação original. No desenvolvimento da pesquisa, os assuntos justapostos em estratos aparecem, em alguns momentos, em emergência dos textos lidos, retirados do seu percurso literário de origem. Esta emergência se verifica no conjunto de excertos colocados em sequência, revelando, à escrita e à leitura um ‘estado puro’ da pesquisa, das informações. 1. Objetivos: Verificar a relação rito-arquitetura por meio de suas evoluções ao longo da história e pelas mudanças conceituais sofridas no conceito de rito semiológico. O campo de intersecção no qual se desenvolve esta relação é a arquitetura na história, sempre vista pela atualidade, 17 buscando seus ritos na conveniência da história e tomando como base os eixos da extensão linguística do rito e da extensão arquitetônica do rito, sendo este conceito o ponto de indagação na arquitetura. As esferas do autor, da obra e do coletivo, especificam esta temática. Há uma arquitetura sem qualquer sentido de rito? O rito só pode ser observado em uma das esferas ou pode haver mais de um sentido de rito na mesma concepção de arquitetura? O rito enquanto manifestação cultural pode também ser entendido como rito semiológico? O rito na arquitetura é apenas um suporte do significado ou possui um aspecto qualitativo próprio? Verificar-se-á estas indagações que permeiam o problema central desta relação e se elas podem ser alteradas no tempo da arquitetura indicam porque a arquitetura na sua história é um dos problemas fundamentais desta tese, sendo o outro problema fundamental o conceito de rito semiológico aplicado, portanto, linguístico. Os objetivos específicos estão relacionados às esferas particulares desenvolvidas como objeto desta tese, quais sejam: a. Verificar, na ESFERA DO AUTOR, se as teorias e a intenção do arquiteto enquanto agente crítico e produtor formam os pontos de observação e verificação desta esfera. Existem questões fundamentais que sobressaem nesta esfera como, por exemplo, as relações de identidade entre sujeito e objeto e como as teorias processam tal relação. Há teorias, como descreve Kate Nesbitt (2006, p.16), de caráter descritivo, prescritivas, proscritivas, afirmativas ou críticas, que determinam uma forma de compreensão do papel do arquiteto enquanto produtor de obras. Qual a relevância do papel do arquiteto pode ser medida por pensamentos como o de Christopher Alexander que distribui o papel de conceptor do espaço 18 entre o arquiteto e a sociedade para a qual trabalha? Ou ainda uma teoria identitária como a de Aldo Rossi e sua concepção de arquitetura representativa, qual o papel do arquiteto e quais são suas estratégias mentais? Há uma condicional psicológica do autor? Ela se pronuncia na obra? As teorias, ou abordagens teóricas como as históricas, determinam ou indicam esse papel do arquiteto. Qual seu rito particular? b. Verificar, na ESFERA DA OBRA, aqui se encontram os problemas dos métodos e das composições ou arranjos formais, problemas de concepção como as geometrias transcendentais de Peter Eisenman nos projetos de suas casas genéricas, os problemas metodológicos do modernismo nas suas visões ideais de mundo ou as quebras de significado de uma arquitetura pós-estrutural. As metodologias, os projetos e as obras pertencem a esta esfera. Principais perguntas: Qual a relevância do rito como metodologia? Toda metodologia pode ser compreendida como rito? Os hábitos metodológicos são qualitativos? E sua relação com as teorias? A arquitetura como produto semântico revela estruturas significantes? O Museu Guggenheim de Frank O. Gehry, em Bilbao, como obra aparente exibe apenas uma possibilidade significante? c. Verificar, na ESFERA DO COLETIVO: tanto as preocupações dos arquitetos e seus pensamentos e teorias sobre como a sociedade está integrada, ou submetida, ou livre para relacionar-se e interpretar as obras de arquitetura. Arquitetos entendem que a população deve ser agente ativa no processo de crítica e projeto. Ainda é possível avançar sobre questões mais abertas como as linguagens corporais e seus libelos libertários como o Situacionismo. Pergunta-se: Qual a participação da sociedade como 19 produtora de arquitetura? É possível ainda estabelecer a arquitetura como meio de comunicação de massa? A virtualidade é o ingresso total do leitor do espaço como concebedor do seu entendimento? A arquitetura é uma condição ética, ou seu produto? A arquitetura só se realiza como fenômeno? 2. Hipóteses Definiu-se como Hipótese que em relação ao tema central e aos seus eixos de extensão às esferas do autor, da obra e do coletivo, rito e arquitetura se referem a um quadro teórico formado pela arquitetura e pela semiologia. A relação entre estes dois conhecimentos expressa uma condição contemporânea que faz resultar a arquitetura como uma forma de linguagem. 2.1. POR SER A ARQUITETURA UMA FORMA DE LINGUAGEM HÁ UMA EXTENSÃO DA RELAÇÃO ENTRE RITO E ARQUITETURA. É considerado o eixo de extensão arquitetônica do rito como uma construção dos tempos da arquitetura, agregando desde aspectos históricos a interpretações contemporâneas e entendimentos dos objetos mentais e construídos. Sob esse aspecto, o campo da arquitetura fornece o primeiro dos fundamentos que compõem o quadro de hipóteses: o fundamento histórico. O eixo de extensão linguística do rito apresenta as variações das leituras do rito semiológico, aspectos ideológicos e a base da compreensão da arquitetura como linguagem. O campo da linguagem fornece, portanto, o segundo fundamento do quadro de hipóteses: o fundamento linguístico. 20 Os fundamentos estão embasados em princípios de realidade, na arquitetura e na linguagem, na possibilidade de sua relação e de sua interpretação e crítica. O fundamento histórico reinterpreta o eixo arquitetônico do rito pertencente ao objeto e se estende na tese como elemento permanente por considerar o tempo atual como leitura dos fenômenos arquitetônicos. O fundamento linguístico reinterpreta o eixo linguístico do rito e é uma condicional dialética ao conceito permanente da arquitetura no fundamento histórico. Os dois fundamentos interagem, assim, por tensão dialética entre as existências da arquitetura e as suas formas de leitura. O conjunto do quadro de hipóteses foi desenvolvido ao longo do processo de pesquisa da tese. Pelo próprio método adotado na pesquisa e a partir da hipótese primeira, descrita acima, e do desenvolvimento das leituras houve um desdobramento de hipóteses mais particulares. Os dois fundamentos das hipóteses provocam a sua indagação e averiguação em estados categóricos da própria tese. Foram tomadas como categorias aspectos sintéticos da dialética arquitetura-linguagem conforme variações referentes ao tema. Portanto, é perceptível que a arquitetura não pode ser vista por aspectos isolados, mas por conjuntos significantes, e que, pelo recorte do objeto da tese foi necessário desenvolver categorias do objeto que demonstrassem tanto a complexidade da arquitetura quanto as esferas do autor, da obra e do coletivo, como desenvolvimentos das extensões do tema central. 21 A partir de contato entre as esferas e a complexidade, as categorias da produção arquitetônica foram: SIGNIFICAÇÃO, POÉTICA, MATERIALIDADE e TÉCNICA. Por estas categorias, pretende-se gerar áreas de concentração temática as quais abrangem dos aspectos abstratos ao concreto e que abordam ao mesmo tempo as esferas do autor, da obra e do coletivo. A categoria SIGNIFICAÇÃO envolve as características da tradição e do simbolismo, assim como envolve uma fenomenologia do lugar e a cognição ambiental. A categoria POÉTICA envolve a produção do objeto arquitetônico, a intencionalidade, as metodologias e as geometrias aplicadas. A categoria MATERIALIDADE envolve a forma e sua aparência, a matéria enquanto extensão da forma, as possibilidades de percepção e relação material com o ambiente. Estas categorias, portanto, são áreas de concentração de interesse conceitual que integram o tema central e seus eixos de extensão, sua transformação nos fundamentos hipotéticos histórico e linguístico. A categoria TÉCNICA envolve as questões da construção tecnológica, mas também da técnica como estrutura significante, rito e projeto. As hipóteses segundas partem de quanto o rito é inerente a estas categorias, sendo: 22 2.2. O RITO É INERENTE À SIGNIFICAÇÃO 2.3. O RITO É INERENTE À POÉTICA 2.4. O RITO É INERENTE À MATERIALIDADE 2.5. O RITO É INERENTE À TÉCNICA 3. Método De acordo com KRAUSS (1996), a condição da produção e interpretação da arte utiliza uma frase expressiva de Roland Barthes que produz uma analogia entre o universo da linguagem e um barco da mitologia grega: Argos. Segundo a autora, Barthes explica que quando os seus viajantes, os Argonautas, receberam Argos dos Deuses, receberam também a tarefa de entregá-lo do mesmo jeito como os haviam recebido, apesar de saberem que se deterioraria com o tempo. Por esta razão, Os Argonautas, ao longo da sua viagem foram substituindo as peças e partes do barco, de tal forma que ao fim de sua jornada tinham um barco completamente novo, sem que tivesse havido alteração quanto à sua forma e quanto ao seu nome. Barthes entendia esta fábula como um objeto estrutural recombinado por diversas substituições e nominações, de tal maneira que demonstrava que o nome não estava diretamente e definitivamente associado a qualquer sentido estável destas partes. O seu nome era a sua causa e tinha apenas a forma como identidade, sem qualquer noção de sentido permanente. O método utilizado nesta pesquisa procurou estabelecer uma revisão sobre o conceito de rito e sua relação com a arquitetura nos seus modos processuais e nos textos e tempos dos livros 23 que, conforme as suas próprias contingências renovam ou revigoram o sentido de conceito de rito. Como estruturas metodológicas, estão a leitura e o desenvolvimento do conceito. A partir destas características, a pesquisa é considerada qualitativa pela sua condição de reavaliação do conceito. Como já foi descrito, o caráter qualitativo desta pesquisa situa-se na verificação do rito enquanto conceito semiológico a partir do exposto por Roland Barthes. Esta verificação demonstra tanto a manutenção deste conceito quanto a sua variação pelo desenvolvimento da arquitetura como linguagem. A característica qualitativa caracteriza o trabalho científico que se afirma em quatro pontos: Pessoalidade, Autonomia, Criatividade e Rigor. Conforme descrito por Severino (2002): o trabalho qualitativo é pessoal pelo fato de estar assentado na experiência de vida do pesquisador. Há um fundamento histórico desta tese nos estudos de semiologia, acrescentando-se ainda a base dada pela Dissertação de Mestrado que envolve a arquitetura e a semiologia. Este autor escreve que “o caráter pessoal do trabalho do pesquisador tem uma dimensão social, o que confere o seu sentido político” (2002, p.146), e esta dimensão social está circunstanciada no envolvimento do pesquisador com o tema, conferindo ao tema uma reflexão e compreensão do mundo. É conveniente lembrar que há uma sequência das questões levantadas por Barthes sobre o mito/rito, que inferem temas de grande atualidade como o conceito de fragmentos por Bernard Tschumi, exposto em textos de 1980 e 1981, publicados na antologia coordenada por Kate Nesbitt, “Uma Nova Agenda Para a Arquitetura” (2006), e recém traduzidos. Tais temas, junto aos conceitos de Desconstrução, revelam uma relevância de estudo pelas condicionais de linguagem em arquitetura. 24 A autonomia no processo de desenvolvimento de uma dada pesquisa se revela pelo próprio envolvimento do pesquisador no desenvolvimento dialético dos conceitos, dialética revelada pelo diálogo entre as conquistas do pesquisador e as conquistas realizadas por outros pesquisadores. Esta autonomia se apóia em alguns ensaios produzidos e apresentados em congressos - “Conceitos de Campos Interagentes em Metodologia de Projeto” (MINOZZI, 2003). Tais ensaios debatem o estatuto do projeto de arquitetura e consequentemente seu próprio estatuto quanto ao entendimento que ambos estão inseridos numa realidade mutante. Os pontos de criatividade e rigor do trabalho científico estão numa relação dialética para determinar tanto a busca de sua originalidade quanto a sua relevância para a construção do conhecimento científico. O rito enquanto tema desta tese não é compreendido como uma novidade dentro do sistema teórico e reflexivo da arquitetura, mas busca-se sua reinterpretação, sua tradição particular do universo da linguagem e da cultura e sua atualização no universo da arquitetura. A criatividade, para Severino (2002), deve estar em tensão pelo problema e por sua vivencia: “Embora não se possa falar de criatividade sem um rigoroso domínio do instrumental científico [...] é bem verdade também que não basta conhecer técnicas e métodos” (p.148). A experiência no estudo do tema permite a profundidade da pesquisa, ao verificar a dimensão que o problema propõe. O rigor científico, junto à visão criativa, equilibra o trabalho nos seus fundamentos de produção científica e na sua necessidade social. 25 Por meio do método indutivo, que se justifica, enquanto escolha, pois parte inicialmente da proposição de hipóteses. Uma vez que a hipótese no método indutivo é dada por aproximação das partes relacionadas e da consequente relação, ou inferência, conforme explica Rey (1993, p.16) o “método indutivo é um processo criador de novo conhecimento científico”. A escolha por esta modalidade de pesquisa se justifica também pela inexistência de procedimentos da lógica formal que explique sua razão, ao mesmo tempo em que a demonstração de verdade da hipótese se vê comprometida. A utilização de tal método se deve à construção da hipótese que partiu de condições históricas de conhecimento sobre estudos do mito e da linguagem e principalmente sua relação com a arquitetura dos anos 60 e sua sequência. Os estudos de semiologia, e nestes os estudos sobre mito em Roland Barthes, formaram uma base que permitiu identificar os processos técnicos da arquitetura a partir das noções de rito, pelo lado da semiologia, e de hábitos de ação, pelo lado da semiótica. A hipótese está fundamentada numa crença, como o termo é utilizado por Peirce, produzida pela inferência relacional entre o debate linguístico do rito e da natureza linguística da arquitetura. Tal debate permitiu antever a possibilidade de um aprofundamento crítico que produzisse o alargamento deste conceito. O método indutivo permite a utilização deste aprofundamento, ou seja, a partir de uma hipótese aparentemente simples, pode-se chegar a hipóteses mais complexas. 26 Nesta tese se verifica, por exemplo, que a hipótese inicial se baseia na relação arquitetura e linguagem para fundamentar a arquitetura como construção mitológica. No desenvolvimento da pesquisa, outras dimensões do problema foram aparecendo, como a relação possível entre rito e hábito de ação, conceito do pensamento pragmático, e consequente aproximação, pelo conceito de metáfora dos conceitos linguísticos do pensamento pragmático e do pensamento deconstrutivista. Outro aprofundamento da hipótese é a associação do conceito de rito com o conceito de técnica, na leitura de Gillo Dorfles, e sua aproximação com a filosofia de Heidegger. Por fim, as leituras sobre linguagem permitiram aprofundar o conceito de Grau Zero, pelo conceito de diferença, a da sua aproximação com o processo de produção, invenção ou criação, em arquitetura. 3.1 ABODAGEM INTERPRETATIVA A pesquisa qualitativa tem origem na antropologia, a exemplo do trabalho de Bronislaw Malinowsky, pela necessidade de interpretação de dados menos quantificáveis que sucessão de fatos, tendo a pesquisa etnográfica como uma das bases da pesquisa qualitativa. Caracteriza-se na identificação e interpretação dos produtos culturais, seus significados e suas inferências em processos sociais. O início da pesquisa qualitativa está ligado à concepção positivista e seus métodos de objetivação dos fenômenos. Junto ao pensamento gerado pela sociologia da Escola de 27 Chicago mantém princípios de neutralidade científica e objetividade suficientes para a construção de uma epistemologia positivista. A influência do estruturalismo marca uma passagem caracterizada por maiores possibilidades relacionais proporcionadas pelo pensamento sistêmico e as entranhas das culturas nos modos de linguagem. Este cenário conceitual permitiu a reavaliação das significações culturais e o sentido próprio da ciência como uma forma de colonialismo, como um instrumento explicativo do mundo, porém, fundamentado em conceitos e processos ideologicamente determinados. As teorias interpretativas, ligadas às pesquisas qualitativas, ganharam espaço junto aos pesquisadores, tomando lugar das primeiras teorias que buscavam conclusões descritivas e acumulativas, positivistas. Ao contrário disto, as teorias interpretativas buscaram construir um texto no qual o pesquisador está integrado ao sistema analisado, ressignificando os produtos culturais dentro dos seus processos. Entender os significados dos produtos culturais, a arquitetura e seus processos e métodos, deve ser um modo em aberto por meio de novas formas de conhecimento ou de entendimento. A epistemologia com valores e métodos fixos e acumulativos não são suficientes para compreender uma sociedade em mutação constante. Assim uma abordagem interpretativa, para a pesquisa qualitativa, deve entender o sistema a ser interpretado, a relação sujeito-objeto, e a dinâmica deste sistema. 28 Nesta tese, o conceito de rito está estabelecido numa dualidade que o compõe, mas não necessariamente o integraliza. O histórico do conceito possui um sentido permanente, mas não imanente, já que há um processamento deste conceito. O conceito de rito está historicamente embasado nos costumes e hábitos associados ao mito enquanto significação mística ou não. Esta relação inerente ao rito e a significação é permanente, por ser histórica, já que é possível associá-la ao rito enquanto encenação do divino ou associa-la a uma metodologia de projeto, racionalizante ou não, ou podemos associá-la à descoberta de um espaço arquitetônico pelo andar. O fundamento histórico do rito permite compreendê-lo sempre como agenciamento físico, ou uma forma de expressão do ser humano para o mundo, uma área de contato entre o mundo subjetivo e o mundo objetivo. O processamento do conceito de rito está embasado justamente no conceito de mito enquanto fala definido por Barthes (2007) no livro “Mitologias”, o que fornece um fundamento linguístico ao mito e consequentemente ao rito enquanto suporte. A variação deste suporte é verificada desde o conceito lançado por Barthes (2007) até o mesmo conceito reutilizado por Paul-Alan Johnson (1994) no seu livro “The Theory of Architecture”, no qual estabelece uma extensão para este conceito ao associar a teoria/prática arquitetônica a uma fala. A fala como ritual semiótico é um processo dual e sistêmico de produção e interpretação que só pode ser interpretada dentro dos seus próprios processos de significação, dentro dos seus próprios paradigmas de reconhecimento de valores. A teoria/prática arquitetônica é um modo 29 linguístico sem ser um modelo de representação, já que não define os valores apriori, mas somente através de seus processos. Um outro fundamento, o linguístico, se estabelece nesta polarização do conceito de rito, um suporte de linguagem que determina um agenciamento formal sem determina seus significados. Pertinente a este conceito do fundamento linguístico, encontra-se o sentido de rito enquanto hábito, ou costume. No que isto implica as visões antropológicas de rito, implica também as visões semióticas, as quais entendem que a ciência se produz sem apriorismos, sem uma teoria que valore por antemão os processos, e que ganhe sentido e valor na construção de uma concepção dirigida pelo que Peirce (1997) denominou de hábitos de ação. Tais hábitos de ação permitem revelar modos de entendimento que vão de processos comuns como andar na rua e compreender a cidade, até processos incomuns como produzir uma tese sobre arquitetura. O que valora é o processo. O fundamento linguístico, portanto, fornece uma condição de não-permanência e dialética, de tal maneira a permitir a descontinuidade dentro do processo da tese. Os fundamentos histórico e linguístico do rito não são entendidos como eixos de significação, mas como proposições de argumentação dos sistemas. Antevê-se aqui a possibilidade de integrar sentidos que provêm de conhecimentos diferentes como o situacionismo, a arquitetura e a semiótica, ou a psicologia, o urbanismo e as metodologias de projetos. 30 Tais fundamentos fornecem, assim, as bases para a construção das categorias de estudo dos sistemas. Esta tese não infere que a arquitetura é um sistema único que estabelece relações de contato com outros sistemas, como um pensamento holístico, ou que sintetiza em suas ações arquétipos de outros conhecimentos, um pouco de química ou um pouco de psicologia. Infere sim que a própria arquitetura é um sistema complexo, aberto e dinâmico e que suas partes se relacionam com outras partes de outros conhecimentos. Ao mesmo tempo em que esta tese infere a arquitetura como um sistema complexo, entende que a própria tese é um conjunto de informações que forma um conjunto complexo. 3.2 UM TODO E SUAS PARTES O exercício do método indutivo, reavaliando a hipótese ao longo do processo é utilizado de maneira a propiciar a aproximação de informações diferentes conforme uma progressividade contraditória da hipótese. Os capítulos estruturam assuntos referentes ao rito e sua interpretação para a arquitetura gerando categorias referentes aos assuntos. O processo de investigação é compreendido como um sistema hegemônico e irredutível às suas partes, as quais, por sua vez, são partes suficientes de seu entendimento. Tal possibilidade se verifica pelo que já foi explicado a respeito dos fundamentos histórico e linguístico. Este conceito de sistema é embasado em Edgard Morin e sua explicação sobre a 31 relação entre o todo e as partes de um sistema no seu livro “O Método”, parte um. Como explica Morin (1977): “Não podemos atribuir ao sistema uma identidade substancial, clara e simples. O sistema começa por apresentar-se como unitas multiplex, isto é, como paradoxo: considerado sob o ângulo do todo, é uno e homogêneo, considerado sob o ângulo dos constituintes, é diverso e heterogêneo.” (p. 102). Procurou-se nesta pesquisa que o seu desenvolvimento não fosse, necessariamente linear, mas que possuísse uma interagência entre as partes como se entende que se procede na compreensão da arquitetura. Sem pretender criar uma representação do universo da arquitetura no conjunto da tese, este método pretendeu apenas seguir uma intencionalidade do pensar e do escrever que, ao ser desvendado fosse produzindo conhecimento numa expressão particular. “A idéia de unidade complexa vai ganhar densidade se pressentimos que não podemos reduzir nem o todo às partes nem as partes ao todo, nem o uno o múltiplo nem o múltiplo ao uno, mas que temos de tentar conceber em conjunto, de modo simultaneamente complementar e antagônico, as noções de todo e de partes, de uno e de diverso.” (MORIN:1977, p.103) O caráter interpretativo no método desta tese não está direcionado a buscar uma síntese definitiva sobre as questões do rito e da arquitetura, mas de interpretar partes deste sistema e encontrar, nestas partes, evidencias de um sistema aberto e inconcluso, proposto por diversas revoluções internas que inferem significados conforme as suas próprias instâncias culturais. O conjunto de informações pertinentes a esta tese é buscado essencialmente em material publicado seja livro, periódico, artigo, internet, de maneira que se possa classificá-lo como pesquisa bibliográfica, ou seja uma pesquisa voltada para relações entre conceitos já desenvolvidos e expostos nas diversas formas de publicação, portanto este é um trabalho que se configura como PESQUISA BIBLIOGRÁFICA. 32 Se o universo do material pesquisado define esta tese como pesquisa bibliográfica, a intencionalidade do desenvolvimento das relações entre este material a classifica como explicativa. Embora tais considerações possam exacerbar as características classificatórias de uma pesquisa que é entendida como um sistema aberto, tal compreensão permite direcionar foco das relações e do seu entendimento. De acordo com Gil (1996), existem três tipos de pesquisa conforme os seus objetivos. O primeiro tipo é de caráter exploratório e tem como finalidade um levantamento das condições do objeto de pesquisa, seja um levantamento bibliográfico ou levantamento com pessoas, com questionários ou entrevistas. Quase toda pesquisa, inclusive esta, começa com uma revisão de bibliografia de caráter exploratório, mas que não deve ser confundida com uma pesquisa toda ela exploratória. O segundo tipo de pesquisa é de caráter descritivo. Busca, através da descrição dos fenômenos científicos estudados, o aprofundamento do objeto estudado como uma pesquisa em arquitetura que forneça como resultado um catálogo tipológico. O terceiro tipo, e pretendido nesta tese, é a pesquisa explicativa que, é definida por Gil (1996, p.46), aquela que “têm como preocupação central identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos”. Este tipo de pesquisa tem como finalidade explicar o porquê dos fenômenos científicos. Ao entendermos a relação rito e arquitetura, e suas variações, como fenômenos a serem estudados nesta tese, a razão ou os porquês destes fenômenos está no resultado das confrontações das 33 informações a partir do desenvolvimento dos fundamentos histórico e linguístico. Cabe ressaltar que a classificação desta tese como explicativa não determina completamente sua intencionalidade que é explicar em partes e não no todo. Desta maneira, o conjunto de informações retiradas da pesquisa bibliográfica deve seguir mais um ritmo de busca que uma metodologia estrita. 3.3 As fontes e as leituras Ainda conforme Gil (1996, p.48), uma pesquisa bibliográfica deve seguir um delineamento quanto às fontes de busca e modos de leitura. O procedimento e os instrumentos são relacionados às formas de leitura, pois, ao mesmo tempo em que as fontes são as mais abertas possíveis ao tema, os modos de leitura seguem uma forma de hierarquia seja esta a leitura exploratória, a leitura seletiva, a leitura analítica e a leitura interpretativa. Para esta tese, a leitura exploratória (que tem por objetivo rastrear assuntos e livros que sejam pertinentes ou necessários à pesquisa), iniciou com a busca em livros, artigos e sites para verificar a situação atual dos estudos do rito e sua relação com a arquitetura. Mesmo que não houvesse completa pertinência com o tema, o material levantado foi importante para determinar o caminho conceitual. Como esta pesquisa intentou um desenvolvimento descontínuo entre as partes, fez-se necessário que uma leitura exploratória fosse a base de todas as partes. O fundamento histórico forneceu uma condição de permanência e o fundamento linguístico forneceu a 34 condição de não-permanência, a cada parte da pesquisa é possível iniciar uma leitura exploratória. A leitura seletiva seguiu-se à exploratória para definir os alinhamentos conceituais, e consequentemente a pertinência do material levantado. Este tipo de leitura teve como função definir as primeiras relações entre os assuntos estudados no material levantado. Ainda segundo Gil (1996, p.68): “a leitura seletiva é mais profunda que a exploratória; todavia, não é definitiva”. Nesta fase da leitura, o material foi selecionado pela sua pertinência sem ser descartado, já que pode ser utilizado numa fase posterior da pesquisa. Um exemplo disto é o livro “Elementos de Semiologia” de Roland Barthes (1997), que por tratar justamente dos fundamentos do conhecimento semiológico tornou-se importante informação, porém, não diretamente ligada ao desenvolvimento da relação rito e arquitetura. Sua presença informativa, no entanto, foi fundamental como referência em vários momentos da pesquisa. Após feita a seleção dos textos, realizou-se a análise e foram sistematizados idéias e conceitos. É importante ressaltar nesta fase a importância da penetração crítica para revelar as intenções do autor e a construção dos textos desde sua temática; a identificação de idéias chaves à síntese dos conceitos dos textos. Tal identificação permitiu alinhar os conceitos: seja pela complementaridade das idéias seja pela sua suplementaridade ou diferença. Um exemplo pode ser visto por meio da relação entre os livros “Mitologias” de Roland Barthes (2007), “Novos Mitos Novos Ritos” de Gillo Dorfles (1965), e “Mil Platôs” de Gilles Deleuze e Feliz Guattari (1995). 35 Descobriu-se uma sequência entre os livros de Barthes e Dorfles não apenas pela pertinência dos títulos, mas pela conceitualização do conceito de mito. A relação entre mito e rito para Barthes é ampliada no conceito de mito e técnica para Dorfles. Entre as idéias principais destes dois livros foi possível reconhecer um efeito de complementaridade e aprofundamento. Entre qualquer um destes dois livros e o livro de Consiglieri percebeu-se outro efeito, o de suplementaridade dos conceitos. Consiglieri abrindo leituras semiológicas de Ogden-Richards a Hjelmeslev e Chomsky, o que torna clara a importância da relação deste estudo com o tema a ser investigado, ainda que não possuísse um efeito direto na relação entre rito e arquitetura. A leitura interpretativa é o ultimo tipo e consequentemente a última fase de leitura dos textos escolhidos, conforme Gil (1996, p.70): “naturalmente a mais complexa” já que objetiva relacionar os significados dos textos e sua relação com o tema da tese. Destas leituras e do resultado inferido pela relação entre os textos, foram sendo retirados os fundamentos histórico e linguístico necessários para o suporte de raciocínio desenvolvido. Conforme Gil (1996, p.70) “nesta última (leitura), por mais elaborada que seja o pesquisador fixa-se nos dados, na leitura interpretativa vai além deles, através de sua ligação com outros conhecimentos já obtidos”. Além do estabelecimento dos dois fundamentos da tese, nesta fase da leitura foram delineadas as categorias que nortearam cada parte da investigação. Os quatro grupos categoriais estão focados nos fundamentos histórico e linguístico, e estão relacionados com o tema rito e arquitetura. 36 Pelo fundamento linguístico são retirados os grupos SIGNIFICAÇÃO e TÉCNICA e pelo fundamento histórico são retirados os grupos POÉTICA e MATERIALIDADE. Embora os grupos categoriais tenham sido alinhados dois a dois pelos fundamentos, eles não foram considerados estanques, fechados em si, ao contrário, foram considerados como grupos categoriais por permitirem relações entre eles e por permitirem que outras categorias derivem destes grupos. Entende-se que estes grupos se desdobram em novas categorias tais como: Identidade, Historicidade, Mito, Rito, Signo, Semiose, Linguagem, Construção, Desconstrução, Materialidade, Imaterialidade, Fragmentação, Ideologia, Design. São exatamente estes grupos categoriais que formam os capítulos da pesquisa nos quais foram desenvolvidas as categorias particulares e as variações do tema. Estas categorias resultaram do estudo da arquitetura como sistema complexo e foram consideradas variáveis conforme o conjunto de textos analisados, conferindo o caráter descontínuo da tese. 4. Estrutura dos capítulos Capítulo 1: SIGNIFICAÇÃO A proposição deste capítulo está em que a arquitetura é uma linguagem e como tal exibe a possibilidade de comunicar, significar. Desta proposição entendem-se alternativas para a significação da arquitetura, seja por meio de seu conteúdo ideológico, histórico ou técnico, ou mesmo por meio da ausência de um conteúdo significativo, como é possível observar na obras de arquitetura contemporâneas. 37 O capítulo mostra que é possível entender a arquitetura como: a expressão de uma intenção subjetiva ou uma ação sobre o mundo objetivo; como um discurso semelhante a uma sentença, uma constituição de elementos paradigmáticos para expressar um sentido, a exemplo do Robert Venturi chamou de “arquitetura pato”; como a expressão unificada de vivências individuais como uma arquitetura tradicional assim como a expressão de um conceito como as obras de Oscar Niemeyer. Define também o conceito de significação como o resultado de um entendimento poderá ser trabalhado nesta pesquisa pelas seguintes abordagens: a significação na tradição antropológica a exemplo dos trabalhos de Gillo Dorfles e o entendimento dos mitos e suas ritualizações ou de Massimo Canevacci e o sentido da cidade na leitura da antropologia urbana; a significação na tradição linguística apoiada nas leituras semiológicas e semióticas como os trabalhos de Barthes, Peirce, Bonta, Shusterman. Variam a compreensão do sentido do signo da escola semiológica francesa à escola semiótica americana, focalizando aspectos como os significados dos espaços arquitetônicos e das artes; a fenomenologia do lugar apoiada nas leituras de Aldo Rossi e o conceito de significação histórica do lugar urbano ou a significação de base existencial como a de Christian-Norberg Schulz e a mídia e a virtualidade observando o sentido da arquitetura como meio de comunicação de massa como descrito por Renato de Fusco e o sentido de virtualidade da arquitetura como nos conceitos embasados nos estudos sociológicos de Bauman e a modernidade líquida. 38 Capítulo 2: POÉTICA “À atividade artística é indispensável uma poética, explícita ou implícita, já que o artista, já que o artista pode passar sem um conceito de arte, mas não sem um ideal, expresso ou inexpresso, de arte. Embora em linha de princípio todas as poéticas sejam equivalentes, uma poética é eficaz somente se adere à espiritualidade do artista e traduz seu gosto em termos normativos e operativos, o que explica como uma poética está ligada ao seu tempo [...]” (PAREYSON: 1997, p.18). A poética é um contato revelador do “eu” do arquiteto, o que transparece uma condição de quem produz ou intenciona algo. Neste sentido, a poética é uma escolha individual dentro de uma técnica de fabricação do objeto, o pensar/fazer como intensidade de sujeito sobre o mundo objetivo. Neste capítulo são abordados temas como: intencionalidade estética como o termo utilizado por Rossi: a cidade é uma obra de arte coletiva que nasce do inconsciente social e através de uma poética que realiza o objeto para a própria sociedade; o historicismo como base de uma poética por ele substancializada como a arquitetura italiana, ou a cultura japonesa transparecendo na arquitetura contemporânea, o historicismo como momento de crítica à sua atualidade ou como base metafísica para a compreensão da sociedade por meio de sua representação física, a cidade; ideologia e sua representação, ou a ausência de representação como forma de controle ou de informação dominadora. A arquitetura contemporânea, a partir de escritos como o “Fim do Clássico” de Peter Eisenman (2006), procura justamente retirar arquétipos comunicativos da formas para retirar a informação ideológica e consequentemente dominadora; ou a arquitetura moderna como informadora de uma ideologia reformadora da sociedade; textualidade: a partir do conceito da arquitetura como forma de linguagem, principalmente depois da arquitetura pós-moderna, a obra enquanto texto passa a ser algo comunicativo, significativo, podendo ser copiado ou compreendido. Uma hermenêutica aplicada à arquitetura é uma possibilidade desta leitura, assim como os trabalhos dentro dos conceitos de intertextualidade, contextualidade e intratextualidade. 39 Capítulo 3: MATERIALIDADE Neste capítulo foram abordados temas relativos à matéria da arquitetura, algo que se define como possibilidade, uma possibilidade para algo, para viver, para entrar, sentir ou emocionar. A matéria admite uma mudança sem que se altere, sem que mude sua substância. A matéria é constante, mas nela se pode exercer a intencionalidade da forma como a expressão da mudança. A cidade é produzida na matéria, mas nos tempos da cidade se verificam as mudanças da sociedade, como escreveu Aldo Rossi (1998) em “A arquitetura da cidade” e na matéria se verifica também a superfície da arquitetura, sua aparência, a forma na matéria. Alguns temas foram abordados neste capítulo: medida e as extensões da matéria em relação ao pensamento, a antropomorfia do espaço arquitetônico ou a medida independente ou autônoma da arquitetura: escala e a expressão da arquitetura em si, a arquitetura tem uma escala que é definida pela sua própria presença como edifício, como expressão, não a expressão de seu programa, mas a expressão da sua realização na cidade; Geometria e os exercícios de geometrias transcendentais nas primeiras casas de Eisenman e materialidade e imaterialidade do espaço arquitetônico, desde o pensamento econômico no modernismo, à transitoriedade da arquitetura contemporânea. 40 Capítulo 4: TÉCNICA Neste capítulo serão vistos temas relacionados à técnica como ação sobre o mundo objetivo, transportadora de uma carga ideológica e base de uma poética do objeto. Há sempre uma técnica que insere a poética de uma narrativa do objeto, uma técnica que insere os produtos no mundo humano, cultural. Como escreveu Frampton (in NESBITT. 2002, p. 556): “A essência (da arquitetura) está na manifestação poética da estrutura, um ato de fazer revelar, que é a tectônica. O leve e o pesado, opostos cosmologicamente, evocam céu e terra, solidez e desmaterialização. A tectônica é a estilística, interna à disciplina e mítica”. Alguns temas podem ser abordados neste capítulo: Metodologia: toda arquitetura está assente num modo de fazer que estabelece os procedimentos técnicos e os hábitos de ação, a construção do objeto no cenário técnico do método. Há problemas a serem levantados desde os exercícios de meta-linguagem, meta-projeto, as técnicas autenticas, inseridas no seu tempo e com seus campos intencionais e as técnicas alienantes, sem a sua intencionalidade, perdendo seu caráter de autenticidade; Manufatura/indústria e as maneiras de produção do objeto, apoiadas na repetição ou na sua negação, nas suas relações culturais e históricas. As mudanças do mundo técnico da manufatura aos sistemas abstratos que conformam a nossa atualidade. 41 CAPÍTULO 1. TEORIAS E REFLEXÕES A questão a ser mencionada no desenvolvimento deste texto é a dificuldade que se apresenta sobre o limite, ou os limites, que circunscrevem a pesquisa sobre o rito e sua relação com a arquitetura dada a extensão deste conceito e suas variações. A possibilidade de seu alinhamento com as performances arquitetônicas inicia pelo sentido do projeto arquitetônico, entendido como o resultado de um processo, sempre confirmado e sempre alterado, e se estendem na medida em que o objeto arquitetônico é vivenciado pelo sensível, pela absorção rítmica do espaço de um corpo que se move dentro deste. Dentro deste conjunto de possibilidades em movimento, é que se deve circunscrever a natureza desta relação pelo estabelecimento de uma condição do foco e do real. O foco desta pesquisa é essencialmente discutir a fluidez dos elementos linguísticos que suportam a mensagem arquitetônica, dando-lhe um significado claro enquanto mensagem, ou deixando o significado aberto para ser impressa pelo sujeito que dele se apropria pela experimentação, portanto, a esta fluidez fixou-se o conceito de rito, um rito semiológico, pela condição que este conceito tem de agregar tanto aspectos quantitativos quanto qualitativos em função das variações das performances em arquitetura. O conceito de rito está fortemente relacionado aos aspectos antropológicos que revelam processos da vida coletiva, sejam religiosos ou não, mas que são unificados pela sua condição de uma encenação da vida baseada em modelos arquetípicos - das religiões, das histórias ou 42 dos esportes - ou baseada apenas em novos modos de vida tais como comportamentos resultantes e impostos pela industrialização e da massificação da sociedade ou, em fenômenos mais recentes, em função da nova condição de uma sociedade de excessos ou de consumo. A fluidez de um rito enquanto real encenação dos valores sociais ou enquanto encadeamento de processos simbólicos vive no acaso das infinitas combinações dos Significantes “que só por acaso estão unidos de um dado modo, mas que poderiam ser combinados de maneiras diferentes, realizando, como se diz hoje, uma infinita deriva deles.” (ECO: 1991, p.224,). Essa deriva não é entendida como um processo simples de significação constante, mas como uma trama de fluxos semióticos que promovem, a cada possibilidade de interpretação, produtos significantes complexos envolvidos em tramas também ideológicas, um mito. Por outro lado, o conceito de mito desenvolvido por Roland Barthes no livro “Mitologias” (2007) é início e base para as indagações e relações entre rito e arquitetura, pois que, além da sempre possível atualização deste conceito, há na sua formalização semiológica as bases de uma crítica sócio-cultural que convergem para questões desenvolvidas na arquitetura contemporânea, mais pelas proposições conceituais destas arquiteturas que pela maneira de alcunhar-lhas. Não se trata, assim, de analisar processos e objetos de uma “arquitetura da desconstrução”, mas de aprofundar uma análise de linguagem que se estabelece desde os anos 60, principalmente, no cenário ocidental. Estão incluídos, neste cenário, regiões e países que têm, na sua forma de produção econômica e de distribuição social, caracteres análogos aos do mundo ocidental e capitalista, mesmo que estas regiões e países se situem no oriente. 43 É possível estabelecer analogias entre arquiteturas produzidas por países orientais e arquiteturas produzidas por países ocidentais, que demonstram aspectos aparentemente atuais como, por exemplo, os traduzidos nos trabalhos de Toyo Ito, Jean Nouvel, Rem Koolhaas, ou Aldo Rossi. Há aspectos que reúnem a produção da arquitetura mesmo quando há disparidades tão fortes como os percebidos entre os trabalhos de Aldo Rossi e sua busca de uma identidade histórica e o seu contrário no trabalho de Rem Koolhaas. Os principais movimentos arquitetônicos internacionais após os anos 60 desenvolveram conceitos embasados na produção da arquitetura como uma forma de linguagem, que misturavam os novos modos de produção industrial - como a arquitetura de Frank O. Ghery ou a busca de estruturas linguísticas significantes - como os trabalhos de Peter Eisenman ou Bernard Tschumi. Justamente neste último arquiteto se percebem influências do pensamento de Roland Barthes. O texto de Tschumi: “O Prazer da Arquitetura” (in NESBITT: 2006, p.575) está relacionado com um livro de Barthes chamado “O Prazer do Texto”, (1973) nos quais se verifica que a leitura, seja de textos ou da arquitetura, não se faz linearmente, mas de uma forma fragmentada, o que ressalta a importância de tais relações para o entendimento da arquitetura como uma forma de linguagem, que, além de não linear, possui características de produção de mensagens bastante específicas, efêmeras e múltiplas. A análise da arquitetura contemporânea indica que existem outros instrumentos de leitura e produção, e é diante de uma arquitetura que se configura como linguagem que o texto de 44 Barthes aparece como indicador de uma busca, além de se firmar como ponto de início de um caminho sobre a compreensão do rito como um pensamento sobre o significante, pois é este conceito o ponto central para o desenvolvimento do conceito de rito. Modos ou métodos de projeto, comportamentos individuais ou coletivos, a história passada por meio de textos ou obras, as próprias obras, podem ser compreendidas como formas do significante frente às formas do significado, se tomado como ponto de partida a semiologia proposta por Ferdinand de Saussure. A abertura fornecida por este conceito permite tanto desenvolver aspectos que são traduzidos pela linguagem – como, por exemplo, a mensagem de uma arquitetura religiosa – ou mesmo conceitos que inicialmente não parecem ligados à linguagem como dados antropológicos e sociais. A arquitetura é uma linguagem suficiente em si, os seus elementos de linguagem possuem uma relação suficiente, semelhante à relação de entendimento de seus resultados pelas palavras. Mesmo que as palavras não encerrem, e nem se encerrem nos meandros dos estados simbólicos da arquitetura, há um entendimento da natureza dos espaços quando expressos em palavras, assim como quando expressos por desenhos; tranças de linguagens e significações, de tempos passados e presentes como se dá na transposição dos significados na história das construções pelos projetos de cunho historicista. Linguagens roubadas que compõem e estruturam mensagens que agregam, e, muitas vezes, escondem artifícios ideológicos no seu interior, como se percebe na estrutura do mito. 45 O conceito de rito centrado no significante que se procura desenvolver, inicia da leitura de Barthes sobre os componentes do mito enquanto construção ideológica, assim como da análise de forma e conteúdo no mito. Como explica Barthes, o mito é uma fala, uma apropriação de coisas, objetos ou linguagens por meio de uma outra linguagem. Os fatos esportivos sendo recontados como histórias heróicas, o homem sendo recontado na arquitetura. A fala mítica é uma cartola de mágico, onde só aparece o coelho, não a cartola, pois a cartola que pretende ser o esconderijo da surpresa mágica não é fato aparente na estrutura mítica. E, é justamente isto que a faz dominadora. Por essas razões, a fala mítica não se revela em si, exige uma análise crítica que descole a trança de linguagens e coisas. Na primeira parte do “Mitologias” (2007), Barthes apresenta e analisa uma série de mitos franceses, provindos de uma sociedade de massa, da primeira metade do século XX. Resultado de uma sociedade marcada pelo capital e pela industrialização, a mitologia do século XX é um jogo de forças de poder, um misto dos Anagramas de Saussure com os Diagramas de Foucault, pois uma mensagem senha é passada pelos mitos ao mesmo tempo em que agenciam funções sociais: arquiteturas sob o regime do presenteísmo e da moda. O coelho que se mostra sem dizer que está dentro da cartola para que não se sinta a pressão que ela faz. Mitos que Barthes analisa entre outros: um guia de viagens (o Guide Bleu), brinquedos, marcianos, astrologia, strip-tease e plástico. 46 Strip-tease e plástico são temas a atualizar: a sedução e o pecado, a cópia e o original. Os dois temas convergem para o mesmo ponto: uma anestesia de valores através de uma mensagem liberal, uma pretensão na quebra de valores, mas, ao invés disto, os valores originais não estão sendo observados, apenas o seu pálido reflexo pela fala mítica. Há uma força social no strip-tease que pretende naturalizar, falsamente, o corpo da mulher diante de um tabu que é um dado histórico. Pois, o limite imposto pelo tabu não é algo permanente, sequer igual nas sociedades. O corpo nu e o desejo que provoca são condições de uma época para uma sociedade. O desejo, próprio dos corpos e das suas relações, se vê domado ante a possibilidade de tomar, em fantasia, pelo olhar, o corpo que se desnuda. De acordo com Barthes (2007, p.148): “o strip-tease parisiense baseia-se numa contradição: dessexualiza a mulher no próprio instante que a desnuda.” A distância dada pelo exotismo das roupas, dos gestos e dos acessórios fornece a segurança necessária à imobilização do desejo. Tautologia aos pedaços, a pseudorevelação do corpo nu como o corpo mesmo sem objetivação do desejo é a construção mítica que transforma o corpo, os gestos, o strip-tease como objeto de consumo e não de desejo. “Ao contrário do que diz o preconceito costumeiro, a dança que acompanha o strip-tease, do começo o fim, não é de modo algum um fator erótico. Muito pelo contrário: a ondulação ligeiramente ritmada exorciza o medo da imobilidade; não só dá ao expectador a garantia da Arte (as danças do musichall são sempre artísticas), mas sobretudo constitui a última clausura, a mais eficaz; a dança, feita de gestos rituais [...] esconde a nudez, submerge o espetáculo sob uma cobertura ‘adocicada’ de gestos inúteis[...]” (BARTHES: 2007, p.150) A tautologia é uma das formas retóricas da produção mítica: as coisas são como as coisas são, o pragmatismo da linguagem é dimensionado pela naturalidade de coisas e fatos. Falsa naturalidade proposta pelo mito, o desejo expresso pelo corpo-objeto está envolvido na co- 47 participação da ilusão do strip-tease: o fingimento do corpo que se despe com a ilusão que este corpo é desejado por quem o vê. A mensagem de controle do desejo, presente no rito do strip-tease envolve as forças naturais da libido. Um conjunto de forças que pseudo-naturaliza o desejo. O corpo nu é o corpo nu desde que sua revelação, e o incomodo das quebras de tabu que isto provoca, esteja controlada por uma revelação fetichista, o desejo está contido no seu próprio simulacro. É uma técnica de castração travestida de libertação que investe uma ação de forças sobre o corpo. O significado resultante deste jogo expõe a forma de controle, como explica Baudrillard (1996) no livro “A troca simbólica e a morte”: “Neste esquema fundamental análogo ao do signo lingüístico, a castração é significada (passa ao estado de signo), e, portanto desprezada. O nu e o nãonu funcionam numa oposição estrutural e contribuem para a designação do feitiço.” (BAUDRILLARD: 1996, p.170). O corpo nu perde sua condição de deposição das máscaras e expressão de uma liberdade. A dança erótica, ao mimetizar o ato sexual ritualizado, provoca um suficiente distanciamento ideológico. O corpo nu e o sexo, metáfora de um estado de liberdade, encontram-se transformado em signo inibidor. A sexualidade transformada em signo, e não em qualquer tipo de signo, permanece ligada às instruções ideológicas que são passadas neste signo-mensagem. Embora Barthes defina a sua visão de mito para a sociedade de massa ocidental, Baudrillard a atualiza pela leitura de uma realidade de produção industrial, no seu sentido mais amplo de objetos, cultura e comportamentos. Uma sociedade que se enfrenta como uma excessiva produtora de efemeridades, valores flutuantes. 48 A lógica da hiperprodução e do excesso inibem o bom-senso e argumentam com liberdade total, falsamente total, porque não é a liberdade de agir que é tolhida, mas a quase obrigação da liberdade de desejar, envolvida na ilusão do prazer liberal. O resultado é tédio e perda de compreensão analítica. O desejo diante deste mítico strip-tease é tão real e intenso quanto o erotismo de um filme de Demi Moore: cultura de massa e informação de bom comportamento. Comportamento fingido não pela teatralidade, mas pela conivência entre mensagem e espectador, pela docilidade com a qual o desejo se deixa dominar. Desejo de plástico, diante de um corpo de plástico para uma sociedade plástica em função de sua volatilidade. Plástico: dois fatores são importantes neste mito analisado por Barthes, a transformação infinita e similar dos objetos de plástico e a sua quase não existência como substância, numa existência difusa. A possibilidade de transformação do plástico, escreve Barthes (2007), é infinita conforme seu nome indica sempre uma matéria do que não se consolida por poder ser qualquer objeto, utilitário ou não, “um balde ou uma jóia”. Uma substância que se altera da matéria prima, artificial e industrialmente produzida, ao objeto com a finalidade do comum, do prosaico, do objeto doméstico. Se hoje existem plásticos extremamente sofisticados e sem a imagem “turva e flocosa” da época de Barthes, a matéria do possível abre um campo de significação diante do presenteísmo – alcunha de Lipovetsky – do mundo contemporâneo e do universo da moda 49 como fator de sua significação. Moda e plástico convergem e mostram uma sociedade que perdeu seus referenciais de passado e futuro e vive, na forma de consumo, a vida do presente como extensão domesticada do desejo. Barthes (2007) também associa a moda do plástico com a imitação, com o símile, “um costume historicamente burguês” a reprodução de objetos e materiais mais raros ou nobres. A indústria da moda conseguiu reverter o papel do plástico, como a “primeira matéria mágica a admitir o prosaísmo”, mas a sua proliferação de formas, velocidade de troca e perda de valor relativo reforçam a associação do plástico a esta indústria. Plasticidade de formas e conceitos na trança de linguagens que compõem o universo mítico formam o novo diagrama de forças, nova conjuntura social, política, individual. Sedução e plasticidade abrem os termos do nosso tempo e a arquitetura não consegue se esquivar, tanto pelas questões conceituais, como o erotismo e a sedução da arquitetura na leitura de Bernard Tschumi quanto à moda e o consumo na leitura dos shoppings e outros elementos urbanos na leitura feita por Ignási de Solá-Morales. Mesmo quando se trata de tecnologias aplicadas ao projeto e à construção, ou quando se trata das matérias pelas quais se constroem ambientes da vida urbana, a arquitetura se traduz no universo das linguagens e dos seus fluxos, a pragmática da linguagem – o seu uso e atualização – se faz pelos fluxos linguísticos e suas conexões. Pelos fluxos significantes ou pelos fluxos dos significantes é que são construídos os elementos de linguagem urbana e arquitetônica que constituem os seus mitos relativos. Shoppings ou hospitais ou museus, explica Solá-Morales (2002), embasado em Baudrillard, 50 são produtos de uma sociedade voltada ao consumo: produtos míticos de uma sociedade encerrada no tempo não da sua existência, mas da sua experiência. Tudo pode ser mito, pois tudo, ou qualquer produto cultural humano pode ser absorvido pela ideologia da sociedade de massa e do consumo. Como se constitui um mito? Um mito é algo, pessoa, objetos, histórias, que possa ser recontado por meio de um sistema linguístico. Ao considerar que a língua, falada ou escrita, é um código ao qual todos os outros códigos se reportam: “cada objeto do mundo pode passar de uma existência fechada, muda, a um estado oral, aberto à apropriação da sociedade, pois nenhuma lei, natural ou não, pode impedir-nos de falar das coisas”.(BARTHES: 2007, p.200) O mito é uma fala, não uma língua, o que significa que é um processo e não um sistema. A fala é um modo de uso e atualização da língua, um processo por meio do qual expressões e conceitos são compensados por pessoas e grupos de tal maneira que passam a constituir e dar significado às suas relações, vidas, coisas, sentimentos. A língua é o sistema de valores, através do qual a natureza multiforme da matéria (substância) se encontra relacionada por valores de equivalência e, institucionalizada pela sociedade e seu uso, fornece a Norma - termo utilizado por Hjelmslev (1978) – que será o arranjo interno do seu conjunto de formas e funções. Barthes (2007) entenderá a Norma como a ideologia que fornece as condições do jogo linguístico e da sua interpretação, ideologia burguesa que se envolve na fala mítica. A Norma, fundamento abstrato à língua, indica o conjunto de forças existente no jogo da linguagem e a fala demonstra a concretização das possibilidades linguísticas. 51 O que Barthes percebe, a partir da análise saussuriana da linguagem, é que pelo uso de uma fala mítica se produz uma dominação ideológica, uma supremacia dos valores de um grupo social sobre outros, um jogo hierárquico dos poderes de uma sociedade, embora tal análise não seja suficiente para os estudos da linguagem atuais, a formalização do jogo de linguagem permite o desenvolvimento deste estudo. O mito enquanto fala está composto por duas mensagens distintas, uma envolvendo a outra, uma trança de linguagens produzindo uma significação enevoada. Barthes segue o caminho de Saussure, e seu Curso de Linguística Geral (s/d), e de Hjelmslev, e seus Ensaios Linguísticos (A estratificação da linguagem e Prolegomenos a uma teoria da linguagem). A mensagem, o signo, se forma pela relação de dois elementos: o significante como suporte material e o significado como conteúdo da mensagem. A relação, a significação, se faz pela aproximação, não pela identidade, dos dois termos iniciais. Considerada a língua como um sistema semiológico, ou uma semiótica, o mito passa a ser entendido como um sistema semiológico segundo, uma semiótica conotativa, uma fala envolvente tendo, para Barthes, a Norma burguesa como fundamento para este encobrimento da mensagem inicial. A Norma se verifica no desejo controlado diante da exposição do corpo nu no strip-tease, ou na reprodução do símile plástico e no presenteísmo da moda, um controle de corpos e pensamentos, portanto, montar o jogo da Norma burguesa é montar o jogo da linguagem e do mito como semiótica conotativa. 52 O mito, por sua vez, também é um signo e também se compõe de significante, significado. O corpo nu é a mensagem inicial, expressão e conteúdo, a que pode provocar o sentido original da libido, o surgimento da ação desejante. O ritual, as roupas, a sensualidade fingida da striper, o exotismo das personagens figuradas, são elementos que moldam os limites do comportamento e dos sentimentos, inibem os estados afetivos iniciais e que dão vez a um distanciamento do objeto fetiche, devidamente domesticado dentro da superficialidade de uma sociedade massificada. O corpo nu é tão simples quanto o corpo nu, falsa tautologia básica que encena a domesticação do desejo. As mensagens se enlaçam e a inicial, do desejo, se encontra enevoada pelo objetivo massificante deste ritual cenário. Tomemos como exemplo o plástico utilizado para imitar o material nobre ou dar a sensação da percepção de um mundo up-to-date. O objeto de matéria nobre é entendido como a mensagem inicial, o fato denotado, função primeira do signo. O objeto em plástico, símile do primeiro, cópia vulgar, é entendido como o fato conotado, a mensagem industrial do objeto feito na sua escala, no seu tempo, no tempo de uma matéria que qualquer forma pode vir a ter é a percepção enganosa de um presente contínuo, eterno, imutável: a perfeição de plástico. Explica Barthes: “Pode-se constatar, assim, que no mito existem dois sistemas semiológicos, um deles deslocados em relação ao outro: um sistema linguístico, a língua (ou os modos de representação que lhe são comparados), que chamarei de linguagem-objeto, porque é a linguagem de que o mito se serve para construir o seu próprio sistema...” (BARTHES: 2007. p. 206). 53 O mito enquanto signo possui um significante e um significado, sendo que o seu significante é composto por uma mensagem inicial, um sistema semiológico primeiro, que, é abordado e envolvido por uma outra mensagem que o inibe sem o fazer desaparecer: o domestica. A Norma disposta na forma de controle do comportamento e dos sentimentos sociais numa sociedade – burguesa – tem as funções de apascentar o desejo do corpo e de iludir a compreensão dos objetos, com a finalidade de manter o domínio sobre a roda da vida cotidiana. É apresentada como metafísica do controle social, de tal maneira a reproduzir os seus modelos sociais utilizando uma matéria prima alheia. A natureza e sua similaridade aparecem como redentoras para a Norma burguesa. Naturalizar o que lhe convém, ou o que lhe ameaça, é a ordem do mito, embora uma falsa natureza. Nada do que é oferecido ao mito como material de base é natural, pois ele pertence ao conjunto dos fatos e da história, a novos diagramas de força. As ações, os objetos, as pessoas, as ações sobre as pessoas, pertencem a uma conjuntura única que distribui sua força conforme o cenário dos grupos interagentes. Ainda lembrando Foucault (1998), cada época tem seu próprio diagrama. O material de base do mito é histórico e não natural. A história é um artifício de reconhecimento de cada sociedade em sua época, recontar o passado ao ponto de reconhecer o presente. Todo produto cultural é histórico mesmo que este produto seja um olhar significativo para a natureza. Não é este olhar significativo que Barthes encontra na postura mítica, mas tomar a natureza como relação neutra dos processos na sua origem e na sua finalidade: as coisas acontecem porque são naturalmente assim, mesmo que 54 estas coisas naturais sejam os produtos de uma sociedade de massa e industrial. Produção e distribuição se acertam dentro do mesmo diagrama. A finalidade do mito é ‘naturalizar’ o diferente e transformá-lo de acordo com a Norma e, nesta passagem, retirar o conteúdo político de toda ação ou mensagem. O mito não destrói a mensagem existente no sistema semiológico primeiro, semiótica denotativa, mas a mantém sob os auspícios de claras e sob a condição de verdade, eternidade. As coisas são como são. “Passando da história à natureza, o mito faz uma economia: abole a complexidade dos atos humanos, confere-lhes a simplicidade das essências, suprime toda e qualquer dialética, qualquer elevação para lá do visível imediato, organiza um mundo sem contradições, porque sem profundeza, um mundo plano que se ostente na sua evidencia, e cria uma afortunada clareza: as coisas, sozinhas, parecem significar por elas próprias.” (BARTHES: 2007, p. 235). O mito é uma mensagem dupla, uma relação entre significante e significado na qual o significante é uma mensagem inteira. A importância do estudo sobre o significante reside no fato dele ser uma semiótica conotativa e alterar o valor relativo da mensagem. Uma arquitetura pode ser uma semiótica conotativa quando possui uma alteração no valor relativo do objeto construído em relação ao seu mundo e ao seu tempo. As linguagens, a língua enquanto linguagem de referência universal, ou a arquitetura, enquanto mistura e tessitura de linguagens, não são elementos de identidade seja entre si ou na relação com o seu tempo, mas certamente são correspondentes a este mesmo tempo que fornece a elas as possibilidades técnicas, materiais, lúdicas. 55 O mito é uma mensagem roubada tal qual um estilo roubado da história por uma arquitetura de consumo, tal qual a imagem de Taj Mahal em Las Vegas, tal qual um hospital com referências de um shopping center. A arquitetura como semiótica conotativa – mito – não evidencia os estados da vida, não é um regime de identidade existencial da nossa sociedade, mas pode ser entendida como clamores de uma época, parte do sistema de significação, ou da sua ausência. Quais as fronteiras das semióticas conotativas? A arquitetura moderna foi uma continuação do pensamento iluminista e das poéticas românticas. Tal abraçamento ideológico a configura como o quê? Mito ou metalinguagem? A ideologia política do modernismo não apenas envolve a arquitetura, mas lhe propõe a funcionalidade histórica da produção do ser social político. Se a utopia moderna é a busca do ser político, a arquitetura é também uma linguagem subserviente a outra. A arquitetura é meio político e não finalidade. A Norma burguesa é também a Norma de uma linguagem de apropriação do Outro, na qual Barthes vê a ideologia de um grupo social apoderar-se dos recursos das ideologias de outros grupos, e fornecer as regras de um jogo de linguagem que indica os caminhos a serem seguidos pelas diversas ações sociais. O predomínio de um sistema ideológico sobre outro abre uma hierarquia funcional, ou nas atribuições dos sentidos de palavras e coisas, fato que pode ser contestado pelo entendimento do conjunto de forças que atuam numa sociedade. 56 A arquitetura kitsch é a relutância do jogo ideológico moderno – a contrapartida das casas brancas e puras - ou é o próprio jogo jogado dentro do cenário real dos mercados? A heterogeneidade do mundo contemporâneo exige uma uniformidade de suas características como resposta aos fenômenos da globalização ou simplesmente pela perda dos valores de referência do ser e da sua relação com o mundo. O kitsch, as “neo-arquiteturas” motivadas pelo exercício imobiliário, podem ser respostas a esta busca de homogeneização. A mitificação da arquitetura reside, às vezes, na encruzilhada das identidades: a preservação patrimonial e a perda do processo do tempo. Gillo Dorfles, no livro “Novos Mitos Novos Ritos”, abre esta discussão dentro das configurações da arquitetura e da perda deste referencial técnico no tempo: “Mas, ao cuidar-se da restauração, do isolamento e do remoçar desses ilustres documentos do passado, deve ter-se uma consciência clara do que está a fazer, ou seja, que esses cuidadosos e carinhosos restauros são, na realidade, um trabalho de mumificação, de museificação, e por isso mesmo também de feiticização”. (DORFLES: 1965, p.81). O aprisionamento linguístico que a Norma burguesa exerce sobre objetos e linguagens é a construção de um casulo dentro do qual se perde a noção da história através de um processo de naturalização como forma de apropriação. O mito é fala e fala é processo, mas a fala mítica é intencionada na produção da pseudonaturalização de fatos e coisas, inocentando causalidades na perda da história como percepção referencial do entendimento do indivíduo no seu mundo. Mesmo que confrontemos a política social do pensamento moderno com o então cambaleante mundo burguês, o conceito do Zeitgeist também exerce um aprisionamento ideológico na metafísica do espírito social. Os ritos produtivos modernos não eliminaram, em si, a Idéia como forma de controle ou de explicação. 57 Barthes entendeu que havia mitos na esquerda e na direita, sendo o mito uma fala despolitizada. Explica assim: “Se o mito é uma fala despolitizada, existe pelo menos uma fala que se opõe ao mito: a que permanece política... Se eu for um lenhador e nomear a arvore que derrubo, qualquer que seja a minha frase, falarei a árvore, e não sobre ela. Isto quer dizer que a minha árvore é operatória, ligada ao seu objeto de modo transitivo: entre a árvore e mim, não há nada além do meu trabalho, isto é, um ato político, uma linguagem política.” (BARTHES: 2007 p.237). Tal fala denotada, produto de uma interpretação primeira, está isenta dos processos de naturalização do processo mítico, pois que se reconhece que o homem-lenhador produz uma ação modificadora, artificial e simbólica, que altera o mundo – árvore – ao seu redor. Para Barthes, esta consciência do ser no mundo por meio da fala política é uma ação revolucionária e consequentemente isenta dos processos mitificadores. Não é diferente na construção da ideologia da arquitetura moderna como resultado do caos social e urbano do século XIX. O espírito de uma nova civilização se encontrava na arquitetura como atividade política e como meio de socialização do homem. Metafísica do tempo histórico e dos produtos culturais, o espírito do tempo demonstrava a filiação numa concepção hegeliana dos fatos históricos e políticos, uma transformação das estruturas sociais, as mais amplas ao ponto de compreender a ruptura dos processos históricos e a fundação de um novo período baseado num processo animista coletivo. Pensar e produzir o novo tempo eram viver um novo espírito e revelá-lo pelos seus índices: a industrialização, a mecanização, a socialização, a máquina. Revelar o espírito social por intermédio dos produtos de sua cultura e pelas intenções do design e do devir social. Os novos 58 produtos, as novas arquiteturas de paredes brancas e tetos planos, eram os arautos desta transformação a acontecer pela ação, principalmente, pela mudança urbana responsabilizada nas mãos dos arquitetos. O desenho da arquitetura moderna revelava este novo tempo enquanto a arquitetura baseada no desenho clássico indicava a permanência de valores de uma sociedade que já estava se transformando. Não são diferentes modos e finalidades do pensamento mítico de Barthes e dos arquitetos modernos, há aspectos que são transformadores, revolucionários sob o ponto de vista político: do lugar do ser no mundo e do entendimento da sua história. Modos e finalidades, que não revelavam tais aspectos, carregavam, em si, apenas os resquícios de uma forma de poder passado e ultrapassado. O confronto entre a esquerda e a direita nos processos mitificadores em Barthes contém o mesmo sentido do confronto entre a arquitetura moderna com a arquitetura burguesa, a arquitetura da “arte decorativa”, chamada pelos modernos e por Le Corbusier que expõe o dissenso entre as diferenças da época pré-industrial e do novo espírito que se avizinhava da “estética que exala das criações da indústria moderna” (BARTHES: 1977, p. 59), fazer arquitetura para “homens quaisquer”, fazer a arquitetura para o lenhador, de maneira direta. Escreveu, Le Corbusier, sobre o embate entre a arquitetura moderna e a arquitetura das Belas Artes, motivado pelo preterimento de seu projeto para o Palácio das Nações: “Foi assim que, fieis ao dever arquitetural, apresentáramos em Genebra um palácio moderno. Ah, mas que escândalo! Escândalo na Academia que mobilizou todas as suas tropas. Suas tropas enviaram para Genebra algo como dez quilômetros de plantas, pálidos reflexos de atitudes históricas. A opinião se manifesta: decididamente o mundo não está tão avançado como acreditávamos; a ‘boa sociedade’ espera um palácio e para ela o verdadeiro palácio existe nas imagens registradas durante uma viagem de núpcias aos 59 países dos príncipes, dos cardeais, dos doges ou dos reis.” (LE CORBUSIEUR: 1977, p.XXVII). Mas se a “arquitetura não tem nada a ver com os estilos” é porque se encontra vinculada ao espírito da sua época, um novo espírito industrial movido por novos materiais e tecnologias e por uma nova forma de pensar o homem através deste princípio de padronização buscando um estado de perfeição: assim diz Le Corbusier (1977): “O padrão é uma necessidade de ordem trazida para o trabalho humano [...] Todos os homens têm o mesmo organismo, mesmas funções [...] Todos os homens têm a mesma necessidade”. A arquitetura moderna se realizou em torno de um objeto e de uma intenção, o objeto revelado nos corpos modernos e a intenção internalizada no programa de transformação e perfeição, numa primeira leitura: significante e significado. Corpos motivados pela intenção são homens transformados pela visão política de igualdade padrão, são arquiteturas realizadas por uma técnica de homogeneização. A idéia de perfeição disposta sobre os corpos realiza uma disciplina organizadora do trabalho, do lazer, da produção, ao mesmo tempo em que esconde a forma de controle que tal intenção encerra: não é homem lenhador sem a influência do capital que se procura, mas é o homem transformado, cujo trabalho está sistematizado nas fileiras de uma nova sociedade. Técnica de produção: “Em todo homem moderno, há uma mecânica. O sentimento da mecânica existe motivado pela atividade cotidiana. Esse sentimento é, em relação à mecânica, de respeito, de gratidão e estima. A mecânica traz consigo o fator de economia que seleciona. Há no sentimento mecânico, sentimento moral.” (LE CORBUSIER: 1977, p.85). 60 De acordo com Corbusier (1977), a liberdade proposta para uma vida feliz e construída com sentido de “harmonia”, traz consigo a sistematização desta mesma vida e desta mesma liberdade, pois na sabedoria do manejo do cálculo, ainda segundo o autor citado: “estamos num estado de espírito puro e, neste estado de espírito, o gosto segue caminhos seguros”. O Modulor enquanto especulo do corpo e antropomorfização da arquitetura revela, também, o modo da relação com a qual os corpos interagem, uma vez que o espaço construído contém o sinal da convenção de comportamento que indica a o caminho certo e moral da mecânica social. Exercício sobre corpos como ritual significante e intenção social e política como instrução de significado. Não se revela o mito? A linguagem política é a linguagem que demonstra a produção como se ela fosse realizada antes da ação do capital como agente modificador do valor do produto, ou o valor dado não pela produção, mas apenas pela especulação do capital. Enquanto linguagem Barthes define a revolução como um produto de purificação, de catarse, próprio para construir o ‘mundo’ através da sua fala carregada de intenção política, histórica, antinatural. O pensamento moderno na arquitetura não possui um viés revolucionário por estar centrado nas utopias socialistas do século XIX, como as de Robert Owen e de Charles Fourier. Estas, intencionalmente positivas na sua luta por um estado ideal, buscavam a transformação da sociedade muito mais pela eliminação dos conflitos do que pelo seu enfrentamento. No entanto, a sua visão social marcou fortemente o urbanismo e a arquitetura modernos. O programa social, tido como enunciado político, vê-se ligado às formas das construções. A solidariedade de formas indica a relação dos elementos sígnicos. Mesmo não carregado das 61 visões revolucionárias, o urbanismo e a arquitetura modernos podem ser situados dentro desta esfera da “esquerda” mencionada por Barthes. Porém, até onde poderemos encontrar na construção do ser humano ideal do socialismo utópico o homem-lenhador de pensamentoação, o construtor do mundo denotativo e político? O mito da esquerda há, mas não na mesma intensidade do mito na direita, pois conforme define Barthes (2007, p.239): “o mito na esquerda é inessencial [...] os objetos de que se apodera são escassos [...] nunca atinge o imenso campo das relações humanas [...]” Por fim, a esquerda está associada à imagem do proletário, do lenhador, na qual os modos simples de ver e produzir a vida cotidiana indicam uma ingenuidade diante da possibilidade de construir fábulas míticas porque, conforme Barthes, na obra citada acima: “a fala do oprimido é real [...] impotente para mentir”. Esta fala não possui a força da sedução naturalizadora do mito burguês. No seu próprio reduto, a direita, o mito encontra mecanismos de relato para o seu estabelecimento, seu fundamento factual, sua história e sua geografia. A metamorfose mítica é fluida no passar do tempo e na região social na qual se manifesta, o mito é uma fala e a fala é fluida pela constante ressignificação de seus elementos significantes movida pela comunicação entre pessoas, entre grupos. A significação e o valor são alterados na propagação linguística. Pelos mais diferentes meios de comunicação, o pensamento moderno se propagou atingindo países com história e condições diferentes de Inglaterra, Alemanha, Holanda. O efeito desta interpretação se evidencia na arquitetura moderna americana, na brasileira. 62 Comunicação e tradição – o intercurso e o espírito de campanário – segundo Saussure, equilibram as forças de propagação da língua. O intercurso determina o poder das trocas, as relações comerciais, a comunicações entre pessoas, a possibilidade de viajantes se encontrarem, os costumes serem intercambiados diante do valor de comportamentos e mercadorias. O espírito de campanário, ao contrário, é dado pela força da tradição, das formas as mais internas de uma língua e de um povo e tem um caráter de manutenção e alteração interna do valor linguístico. O intercurso, segundo Saussure (s/d) define no “Curso de Linguística Geral”, o intercurso: “numa palavra, é um princípio unificador, que contraria a ação dissolvente do espírito de campanário” (p.238), permitindo, portanto, por meio do sistema de trocas a coesão e a extensão da linguística sempre através da fala, e de sua forma de uso e experimentação. Tal ação se define em regiões geográficas da mesma forma com que, por exemplo, a arquitetura moderna se propaga por países europeus. Barthes observa este aspecto geográfico dos sistemas linguísticos no mito, ou seja, é uma produção localizada e não universal. A sociedade de massa é um dos fatores que facilitam a propagação de suas formas de linguagem e, no efeito domesticador de sua mensagem que se utiliza de mensagens cuja significação e valor estão alterados pelo sistema de produção e, hoje se encontram ainda mais alterados pela exacerbação produtiva ou pelo fim da produção. Barthes associa o valor do trabalho operário, a árvore artifício do lenhador, pela analogia que Saussure propõe, para compreender o valor das palavras e entender o valor relativo das moedas. 63 A economia política é condição da equivalência dos valores entre trabalho e salário, entre significante e significado. Mesmo sendo fatores arbitrários e distintos, há um fator de equivalência que os equilibra para produzir frases de sentido. Nessa linha de pensamento, a compreensão da relação entre esquerda e direita não se configura mais como quando “Mitologias” foi escrito. A visão ingênua e pura do trabalho como fator significante do valor humano está destruída pela alteração do diagrama da sociedade pós-moderna, da perda dos limites plausíveis da produção cultural-industrial, e da alteração do sentido do valor de equivalência: “Ora, passamos da lei mercantil do valor à lei estrutural do valor, o que coincide com a volatilização da forma social denominada produção. Estaremos então ainda num modo capitalista? Talvez nos encontremos num modo hipercapitalista ou numa ordem muito diferente... já não estamos nem no capital nem na revolução...” (BAUDRILLARD: 1996, p. 26). Analisar o mito na direita é a principal tarefa para Barthes (2007). Encontrar a promessa do Eterno na dominação mítica, a roda do mundo que faz girar sempre a presença do Mesmo, com medo ou ignorante da ausência, da mutação das funções do sistema, medo da alteração dos diagramas de poder. A geografia e extensão dos mitos – porque são geograficamente localizáveis – não impede a sua ação, a de pretender a sua Idéia de Ordem, de purificação do Outro transformando-o no Mesmo, fazendo com que a sua expressão perca força, mas não seja eliminada. O mito possui uma retórica composta por figuras de linguagem. Barthes (2007, p.242) define esta retórica como: “transparentes, isto é, não perturbam a plasticidade do significante”, portanto, através desta retórica é que se produza a naturalização do Outro: do corpo nu, da crueza do plástico, da expressão do oprimido, o coelho que se esconde na cartola que não se vê é a mágica ao inverso, não é a prestidigitação do fato, mas a 64 digitalização da mensagem que inverte o sentido: a mágica não é vista, por isso é um fator de dominação. Na constituição da retórica mítica, observam-se algumas figuras sendo que três são importantes na análise e na sua atualização: a omissão da história, a identificação e a tautologia. A elaboração linguística do mito – o envolvimento de uma semiótica pelo significante do mito – subentende uma ordenação ideológica na mensagem que altera, enevoa o sentido de consciência histórica, entendida a história enquanto noção de tempo e lugar e das atribuições sociais que definem a responsabilidade do indivíduo no mundo. Olhar para o corpo nu de uma striper e ter a ilusão do extravasamento de desejo e comportamento – ao mesmo tempo em que é dominado por um código de mansidão – é perder a noção da experiência do corpo ou, e talvez principalmente, perder a noção dos códigos que estabelecem as relações sociais. Ilusão semelhante à de um edifício construído com elementos estilísticos clássicos que levam a descrever um padrão de nobreza e significado de classe social, enquanto tais edifícios, nos seus registros mais internos, como a distribuição de aposentos, possuem o mesmo código de uma classe média. Produção e consumo se enlaçam numa forma de produção e distribuição de bens e valores. O reconhecer histórico se naturaliza na eternidade da produção mítica, uma eternidade realizada pelo abstrato da Ordem burguesa e reforçada pelas duas outras figuras. A falsa naturalidade da informação difusa do mito provoca a sensação do eterno ao perder o sentido do tempo e do lugar. 65 Alterar o sentido de referência e enfraquecer a presença do outro naturalizam o fato ao mesmo tempo em que o trazem para a ideologia burguesa, produzem uma identificação e uma neutralização dos contrastes, a identidade é uma tautologia de dominação. A identidade é uma tautologia (A=A) e, consequentemente, sempre reforça uma forma de poder, no espelhamento de comportamentos, repetição das indumentárias, na idéia do grupo, do exército ou da religião, a expressão refletida é um poder que se exerce através dela. A tautologia promove uma identidade entre o mundo artificial histórico e o mundo mítico naturalizado, assim como promove, também, uma identidade entre indivíduos de uma mesma sociedade que se consolida pelo regime de leis. Ao debater o caso Dominici (um velho pastor que havia assassinado outro homem), Barthes (2007) expõe a construção da identidade no uso da fala jurídica que alicerça a personificação do acusado dentro da linguagem técnica oferecida: “A mesma coisa para a psicologia do velho Dominici. Era verdadeiramente a dele? Não dá para saber. Mas podemos estar certos de que era a psicologia do presidente da corte e do procurador geral.” (BARTHES: 2007, p.51-52). O uso da fala jurídica indica, ao mesmo tempo, a falsa equivalência entre juiz e acusado, o diálogo entre o homem letrado e o “velho pastor de cabras sem instrução”. A identificação entre os dois apenas revela um poder instalado, os homens são assim, esta é a natureza humana a qual a literatura técnica e as leis dão conta, linguagem universal que a todos os corpos abarca “O pequeno-burguês é um homem incapaz de imaginar o Outro. Se o outro se apresenta perante o seu olhar, o pequeno-burguês tapa os olhos, ignorando-o e negando-o, ou então o transforma em si mesmo”. (BARTHES: 2007, p.243). 66 A alteração da ação sobre os corpos produz a sensação de alívio para quem condena na identidade do alívio da pena para quem é condenado. Na elaboração da pena, se encontra a possibilidade de vida e morte ou da sua recusa: mescla de Foucault e Baudrillard. O escravo perde o direito à vida diante do poder do seu senhor, mas principalmente perde o direito à sua morte, o senhor é aquele que o detém. A morte como condição expiatória da perda da luta numa guerra de aprisionamentos é o ultimo instante de honra e direito do perdedor. A escravização controla vida e morte pela supressão deste direito. Assim explica Baudrillard (1996, p.77): “Poupando-o à morte, o senhor poupa o escravo à circulação dos bens simbólicos: é a violência que lhe faz e que vota o outro à força de trabalho”. O controle do tempo e do espaço e o controle das atividades diárias são dispositivos sociais das utopias, da mecânica da vida e da penalidade invisível imposta aos indivíduos e a mudança do controle sobre os corpos, na alteração da pena, não exclui o controle do tempo e do espaço, não exclui o controle da supressão do direito da morte diante da promessa da Harmonia eterna exposta na metafísica das leis, visível nos pensamentos de Corbusier e Fourier. Foucault explora este conteúdo no livro “Vigiar e Punir” (2008), iniciando sua escrita com o sentenciamento de Damiens (a 2 de março de 1757) a ser atado por tenazes a cavalos que o esquartejariam e de ter partes do seu corpo queimadas com enxofre e chumbo derretido. Prescrever a condenação dolorosa é transformar o juiz em carrasco e este – por identidade – no momento da aflição do condenado, rebaixa a natureza de quem condena ao mesmo nível de quem é condenado. A transformação da pena sobre os corpos é a aplicação da marca invisível da justiça pela anestesia à dor: 67 “O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. Se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará a distancia, propriamente, segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais elevado.” (FOUCAULT: 2008, p.14). Um “bem” mais elevado é a alma. Distante da atuação direta sobre os corpos, suplícios e mutilações, distante da corporificação do juiz-carrasco e de estados de brutalidade, as penalidades, a partir do século XVIII passam a agir não mais sobre os corpos, mas sobre as almas. Golpe do destino ou novo diagrama histórico, o fato que corresponde a tal ação é a visão da futura correção de almas. As novas leis, como enunciados, formalizaram as ações: a delinquência. As arquiteturas, como visibilidades, formalizaram os edifícios: a prisão. Uma nova estrutura disciplinar se ajusta a um novo diagrama de forças sociais. O poder central está representado, é sensível, mas é invisível, porque se encontra, a partir de então, em qualquer indivíduo daquela sociedade. Elevar o julgamento para as almas é desprezar o objeto corpo, localizável e destrutível, e ter controle sobre os estados metafísicos, sobre os futuros, sobre os devires. A abstração iluminista abriu as portas das sociedades disciplinares até hoje, transformando cada indivíduo como expressão do poder instalado, não mais necessitando de quem o controle, mas sendo o seu próprio controle. Domesticar os corpos torná-los dóceis ao ponto de admitirem sacrifícios e suplícios na troca de ter um corpo forte e dócil, apto para as mais difíceis tarefas práticas e inertes diante dos abusos que se possam cometer contra ele. O corpo disciplinado está inclinado à sua utilização econômica. Investimento político do exercício do 68 poder só admite sua função social quando admite sua força de produção e sua capacidade de sujeição: corpo produtivo e corpo submisso. Foucault admite um saber sobre o corpo e seu conjunto de forças, uma tecnologia política do corpo: “Temos em suma que admitir que esse poder se exerce mais que se possui, que não é o ‘privilégio’ adquirido ou conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições estratégicas – efeito manifestado e às vezes reconduzido pela posição dos que são dominados. Esse poder, por outro lado, não se aplica pura e simplesmente como uma obrigação ou uma proibição, aos que ‘não têm’; ele os investe, passa por eles e através deles; apóia-se neles, do mesmo modo que eles, em sua luta contra esse poder, apóiam-se por sua vez nos pontos em que ele os alcança.”. (FOUCAULT: 2008, p.26). Não é estranho admitir a claridade da razão iluminista nas utopias de fornecimento ideológico ao modernismo e das centralidades sociais de Owen, Fourier e Bentham, e da mecânica metafísica de Corbusier. Sobre o saber do corpo foram construídos campos de conhecimento psicológico ou social e conceitos tais quais subjetividade, personalidade e consciência, construtos de exercício de forças sociais, leis, disposições médicas e arquiteturas. A alma, elemento de eternidade é a peça chave de um humanismo de igualdade transitória. A igualdade dos diferentes se desfaz no exercício da linguagem e na ação de transformar o Outro no Mesmo. “O homem de que nos falam e que nos convidam a liberar já em si mesmo o efeito de uma sujeição bem mais profunda que ele... A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma, a prisão do corpo.” (FOUCAULT: 2008, p.29). Caso Dominici: a literatura psicológica evidenciou, o que Barthes contesta, a veracidade do drama pela reconstituição científico-novelesca dos alfarrábios de comportamento, ao mesmo tempo em que o juiz, o presidente da corte, conversa na ‘mesma língua’ com o pastor, e nesta 69 conversa de mesma língua que se fez a falsa identidade entre as partes, edificada tal identidade pela construção de uma linguagem de um só, privando o outro de sua própria, justificando, pela linguagem ‘universal’ a identidade entre os diferentes, a tautologia de submissão. Mas, a tautologia não é possível no universo flutuante dos significantes e dos significados em função da natureza discrepante de ambos, o signo é o resultado da “solidariedade” de termos distintos em forma e substância. O significante, produto da matéria fônica, expressa a sua forma e substância. O significado, produto dos corpos, fornece o conteúdo a esta solidariedade sígnica, através de sua forma e substância. Não há identidade ou similaridade entre os elementos que compõem a mensagem, a fala, a língua. Os estratos da língua fornecem a base dos elementos significantes: conteúdo e expressão, forma e substância: o mito é só forma, não possui substância. A identidade é a apropriação do diferente, fazendo tornar-se igual mesmo quando se “respeita” a singularidade do outro. O benefício de um valor maior, a Natureza ou a Lei, que se esparge sobre os diferentes formando um manto de igualdade, é somente o poder instalado que busca a homogeneidade utópica, signo de perfeição. A própria intenção da perfeição pertinente às estéticas idealistas estabelece, em regimes utópicos ou não, um sistema de controle social motivado por uma informação fantasmática. Seja por Deus ou pela Razão, a informação que gera identidades no todo de um corpo social heterogêneo não respeita, pelo mínimo, os fatores originais desta heterogeneidade. A arquitetura contemporânea, considerada da década de 60 até hoje, compreendeu esta heterogeneidade por meios amplos ou restritos. 70 Trabalhos no campo dos métodos projetuais como os de Kevin Lynch, coletando informações em campo sobre particularidades dos locais de projeto, ou os de Christopher Alexander, com processos de participação efetiva da população nas decisões de design, demonstram uma capacidade de entendimento sobre as características heterogêneas das matérias sociais. Evidenciam, sobretudo, a desmontagem parcial de métodos e objetivos da arquitetura moderna e sua idealização do padrão humano. No entanto, mesmo nos dois exemplos citados fatores geram produtos de homogeneização e identidade. No método de Lynch, dois pontos podem ser ponderados como sistemas unificadores: a base gestáltica do design e a mão demiúrgica do arquiteto como fator de decisão do objeto final. O desenho, moldado pela mão do arquiteto, está regido por regras transcendentais de percepção e entendimento como a organização da cidade e as imagens que esta provoca nos seus habitantes conforme Lynch (1982): “Parece haver uma imagem pública de qualquer cidade que é a sobreposição de imagens de muitos indivíduos”. Tais imagens, produtos fenomênicos da participação do indivíduo na realidade material da cidade, são sintetizadas na classificação dos elementos constitutivos da imagem urbana: vias, limites, bairros, cruzamentos ou nós, pontos marcantes ou marcos referenciais. Tal sistema classificatório instala, no método de projeto e na decisão do arquiteto, um sistema significativo que orienta o design e, posteriormente, a legibilidade urbana. Calcado num hábito pragmático da construção do simbólico, percebe-se no jogo linguístico do design, as mesmas relações expostas por Saussure: o intercurso e o espírito do campanário, a contextualidade e a tradição. A trança de elementos significantes dentro do processo evidencia 71 a construção do objeto urbano – arquitetônico semantizado sem evidenciar a natureza das ideologias que as compõem. A “boa forma da cidade” indica uma busca de equilíbrio harmônico na junção do diverso, ruas e etnias, histórias e técnicas, devem ser equilibradas para resultarem num conjunto integrado de design. Pensamento próprio da gestalt: os elementos constitutivos do design urbano definem o conjunto-figura que será distribuído na cidade-campo através de regras de ajuste significativo destes elementos: continuidade, similaridade, fechamento, sequência, pregnancia. Ao tratar de projetos em grandes áreas, ou áreas metropolitanas, Lynch (1982) observa, em “A imagem da cidade”, a possibilidade de estabelecer o design a partir do conceito de uma cidade estruturada por uma “hierarquia estática” (p. 125) – bairros dentro de bairros – sistematizando o desenho no conceito de árvore – hierarquizado- ou a partir do conceito de cidades lineares, fazendo com que caminhos principais se cruzem oferecendo uma leitura possível ao individuo. O uso da regra gestáltica se revela: “Contudo, considerando o nosso modo de experiência presente numa área urbana grande, somos levados a pensar numa outra forma de organização. A organização da sequência ou do modelo temporal. Esta noção é conhecida no campo da música, do drama, da literatura ou da dança. Por isso, é relativamente fácil de compreender e estudar a forma de uma sequência de elementos ao longo de uma linha, tal como a sucessão de elementos com que um viajante pode deparar, quando se desloca numa auto-estrada urbana. Com alguma atenção e material adequado, esta experiência poderia ser feita de modo significante e bem delineado.” (LYNCH: 1982, p. 126-127). A sequência, modo de organização gestáltica, prepara a mensagem urbana para sua cognição ambiental, de tal modo que o indivíduo, ao andar pela cidade, experimente-a no conjunto estruturado de seus fenômenos. O sentido de organização, equilíbrio e harmonia, subjazem no design ambiental. 72 Das vantagens, verificam-se a quebra do modelo ideológico moderno quanto à idealização de cidade e pessoa; entendimento aproximado, e não lógico e científico, do ambiente urbano; presença antropológica mais efetiva que o modelo utópico sociológico do modernismo; compreensão que a cidade se estabelece como uma linguagem. Das desvantagens, verifica-se a gestalt como regra apriori de desenho, com consequências ideológicas internas nas proposições formais e método classificatório e com estrutura hierarquizada dos elementos de projeto urbano. No caso de Christopher Alexander, o design da arquitetura deveria ser atingido pela participação da população, ou grupo, que viria utilizar tal edifício. No relato sobre o trabalho na Universidade de Oregon, Alexander demonstra a flexibilização de um passado moldado nos modelos matemáticos – é dele e de Geoffrey Broadbent um dos primeiros modelos matemáticos para a arquitetura em ambiente computacional – apresentando um método participativo de alunos e professores na confecção de edifícios para a universidade. Enfim, quem sabe mais sobre o lugar do piano na sala de música? Com esta inventiva, Alexander sintetiza o que antes esteve aproximado, o design e o programa. No livro “Notas sobre a síntese da forma”, exemplos são dados sobre como estruturar e sintetizar dados sociais a partir de processos lógicos, matemáticos, e, desses dados, constituir um programa que dê equivalência entre programa e forma. Neste tipo de formulação não é difícil encontrar entre o programa, como conjunto complexo de dados, e a forma, como fator equivalente aparente, a relação semiológica de significado e significante. Solidariedade entre partes não redutíveis uma à outra, a relação forma – 73 programa expressa conveniência com as primeiras equivalências sígnicas: a forma enquanto significante, o programa enquanto significado. O programa, antes referente a um determinado grupo social e suas especificidades de comportamentos e ações espaciais, se encontra, nesta formulação, transformado no próprio grupo. O programa, que antes trazia definições de orientação para o projeto, fica impresso na própria ação do grupo interessado, programa vivente, arquiteto espectador. O projeto como objeto decisório da relação arquiteto-grupo se define por uma ação menos interveniente por parte do arquiteto, mas com os mesmos elementos anteriores, as mesmas informações ideológicas, mas numa mescla informacional mais aberta, ou menos clara. O que permite que a ação de um grupo social se encontre melhor representada dentro do resultado projetivo também permite que conteúdos sociais não sejam devidamente apresentados. A dialética binária da lógica classificatória dos sistemas padronizados encontra um paralelo na micro-utopia da decisão livre e compartilhada. O arquiteto tem papel de mentor e analista. No sistema matemático de Alexander e no sistema gestáltico de Lynch, embora se encontrem avanços significativos na presença do indivíduo diante da disciplina arquitetônica, há a manutenção de resquícios de uma ideologia moderna, utópica e ideal, na busca de resultados que entendam a universalidade das gentes através da universalidade do design. Tautologia de boa intenção, os métodos e conceitos das gerações de arquitetos modernos podem ser vistos como o juiz diante do velho pastor, a linguagem reformadora e 74 uniformizadora abre a identidade do universal pela alteração de meios, mas de mesma ideologia. O modo pelo qual Barthes enxerga os processos míticos da sociedade são justamente informações que são passadas na manutenção de outras. O mito não elimina a linguagem roubada assim como os métodos de projeto não eliminam o desejo-participação, mas a Norma se encontra relatada nas bases lógicas, psicológicas, programáticas, produzindo uma ilusão quanto à força da participação de indivíduos ou grupos. Analisar o conceito mítico, e a maneira pela qual ele se processa, revela a existência de mensagens deturpadas pela constituição política híbrida na forma de sua expressão. Expressão e conteúdo são conceitos similares de significante e significado, às vezes tratados como sinônimos, como nos conceito da antropologia estrutural de Claude Lévy-Strauss. O mito como forma de arte coletiva, ou como resposta produtiva e criativa de uma sociedade diante das condições de seu tempo, pode ser abordada nesta leitura, mas não é o objetivo crítico do texto de Barthes. O condicionamento e o domínio ideológico são condicionais nesta leitura, o que faz com que dados metafísicos existentes nos processos produtivos sociais denotem uma forma de orientação causal ou dominação ideológica. Tal condição é estudada por Peter Eisenman no texto “O fim do clássico” de 1984. Eisenman (2006) propõe que a arquitetura, do Renascimento até o século XX, compreendendo a arquitetura moderna e o pós-modernismo, esteve sob a influência de três aspectos ficcionais – simulações – que fizeram com que a arquitetura perdesse sua autenticidade. Estes aspectos ficcionais são: a representação, com a manutenção da idéia de significado; a razão, gerando 75 uma intenção de verdade; e a história, que pela metafísica da transformação no tempo manteria a idéia de eternidade. Na abordagem da amplitude histórica de cinco séculos, estas três simulações podem ser observadas na arquitetura renascentista na “imitação” da arquitetura antiga romana, no historicismo do fim do século XIX e começo do XX, resultado da quebra da hegemonia do pensamento neoclássico, e do cientificismo do século XIX e da arquitetura modernista no século XX. Cinco séculos de um pensamento que “pretendeu ser um paradigma do clássico, ou seja, daquilo que é intemporal, significativo e verdadeiro”. Eisenman considera que a arquitetura é autorreferente, ou seja, não tem a necessidade de alicerçar a sua significação, o seu resultado de entendimento enquanto signo, em qualquer outro sistema significativo. A arquitetura não precisa de referência na ciência ou na filosofia, nas técnicas ou formas do passado, porque é a metáfora do seu próprio tempo, da sua própria existência: é a sua própria ficção. Ao exibir a referência de um sistema significativo externo, a arquitetura “clássica” usa do suporte de uma ficção que não lhe pertence, a simulação do eterno pela condicional histórica é uma simulação da simulação, uma ficção que retira a autenticidade da arquitetura pelo uso fingido, roubado, de seu próprio telos. A eternidade fingida na qualidade da forma retirada dos exemplos históricos envolve ideologicamente a realidade processual da arquitetura no manto dos arquétipos e dos modelos. O conjunto das relações entre os elementos de composição da mensagem arquitetônica é semelhante aos desenvolvidos por Barthes (2007). 76 Um edifício renascentista que tem o seu design baseado no design de um outro edifício antigo, buscando conviver com sua qualidade particular demonstra uma mensagem que deveria encontrar seu próprio telos ser encoberta, e desviada de sua autenticidade, pelo uso de uma outra mensagem. Fruto de uma época, a dupla mensagem é uma semiótica conotativa, a exemplo do nu no strip-tease ou da falsa nobreza do plástico. O feitiço se volta contra o feiticeiro. A crítica transformadora social do modernismo se vê na encruzilhada das ideologias e das razões dos tempos e seu papel transformador é a imagem da manutenção dos domínios de grupos sociais sobre outros através da ação das idéias e dos comportamentos: dos hábitos. É possível encontrar hábitos de ação nos modos e métodos de projeto, nas relações entre pessoas, no conjunto dos sistemas sociais, os sistemas de trocas simbólicas, no comportamento enquanto ação sobre o mundo concreto, sistemas construtivos. Os hábitos poderão estar sujeitos a uma forma de engajamento ou de domínio e, enquanto possibilidade da existência humana, designar ou dominar o seu devir. A associação de uma tipologia de edificação que carrega uma carga histórica – consequentemente ideológica – a um design novo, como todos os modos de projetação de base historicista – só pode ser feita numa realização sobre a matéria, a forma. As associações formais são resultadas de um hábito, por uso da memória ou não, que constroem a presença síginica. 77 Um projeto de arquitetura processado num conjunto de procedimentos que às vezes são padronizados junto a escolas e movimentos, ou procedimentos particularizados definidos no decorrer de uma vida profissional, pode ser entendido embasado em hábitos, numa série de ações significantes que geram as determinações sobre a matéria gráfica ou construtiva. O projeto, compreendido como mensagem, é constituído por relações entre significantes, os desenhos, por exemplo, e significados, o entendimento sobre a existência da construção. Entende-se o conceito de hábito na sua forma ampla, da possibilidade de fornecer condição de ação sobre o mundo e da possibilidade de repetição desta ação; o hábito como possibilidade do pensar, do viver, se emocionar. O hábito se agrega ao conceito de rito como sentido de repetição e condição da experiência. Crença, hábito, ação e experiência se encontram ligados neste pensamento. Foram desenvolvidos por Charles Sanders Peirce no seu texto, publicado em 1878, chamado “Como tornar as idéias claras” (1993), e são pontos estruturais do pensamento pragmático e da Semiótica. O termo Semiótica nomeando a teoria dos signos de Peirce não deve ser confundido com o termo semiótica, utilizado por Barthes, fundamentado em Hjelmslev como: “um sistema de significação que comporta um plano de expressão e um plano de conteúdo”. (1977, p.95) Embora a Semiótica de Peirce e a Semiologia de Saussure tenham raízes científicas deferentes os conceitos de crença e hábito são definidos por uma condição de movimento e mudança que em muito se aproximam de dois conceitos semiológicos que são cruciais no entendimento da arquitetura contemporânea e auxiliam a compreensão do conceito de rito: ausência e presença. 78 A Semiologia define que a língua está sempre em processo através da fala e que cada palavra proferida atua num ambiente fluídico de pensamento; na relação dos significantes, ou plano de expressão, com os significados, ou plano do conteúdo; como explica Saussure: “O papel característico da língua frente ao pensamento não é criar um meio fônico material para a expressão das idéias, mas servir de intermediário entre o pensamento e o som, em condições tais que uma união conduza necessariamente a delimitações recíprocas de unidades. O pensamento, caótico por natureza, é forçado a precisar-se ao se decompor. Não há, pois, nem materialização de pensamento, nem espiritualização de sons; trata-se, antes, do fato de certo modo misterioso, de o ‘pensamento-som’ implicar divisões e de a língua elaborar suas unidades constituindo-se entre duas massas amorfas. Imaginemos o ar em contato com uma capa de água: se muda a pressão atmosférica, a superfície da água se decompõe numa serie de divisões, vale dizer, de vagas; são estas ondulações que darão uma idéia da união e, por assim dizer, do acoplamento de pensamento com a matéria fônica.” (SAUSSURE: s/d, p.131) O pensamento se torna preciso e se decompõe, cada palavra dita é uma precisão das massas amorfas, que se decompõe imediatamente diante da efemeridade da expressão. A fluidez da linguagem se produz nesta alternância de precisão, ou um arranjo particular dos planos de expressão e de conteúdo, e de decomposição deste mesmo arranjo. A mesma palavra dita duas vezes não é a mesma palavra, porque o sentido da segunda está carregado de condições diferentes da primeira. Duas expressões que se ligam pela memória do significante e das possibilidades de significado. Precisão e decomposição, como presença e ausência. Tal movimento do pensamento, que caracteriza esta passagem, é verificável no conjunto conceitual crença-hábito-ação de Peirce. Nesta semelhança, reside a importância do conceito de hábito e sua possibilidade de aplicação no conceito de rito semiológico, já que permite ampliar tal conceito para condições de natureza antropológica pela condição contextual da cultura; metodológica pela exigência do entendimento de projeto; interpretativa pela maneira como um indivíduo possa se relacionar e compreender uma arquitetura. 79 Eisenman, no texto “O Fim do Clássico” (2006), escreve que a sua arquitetura “começa a envolver ativamente a idéia de um leitor consciente de sua própria identidade como leitor em da presença de um usuário ou de um observador”. (p. 246) Peirce (1993) discute na sua confrontação ao pensamento cartesiano, que o conhecimento parte de uma forma de crença, não de dúvida. A crença não é entendida como forma de aceitação tola da realidade, mas é uma produção do pensamento no qual se assenta a possibilidade de um hábito, uma regra de ação: “A essência da crença é a criação de um hábito e diferentes crenças se distinguem pelos diferentes tipos de ação a que dão lugar” (p.56). Mas o movimento produzido no conjunto conceitual crença-hábito-ação se alicerça no mesmo estado de “precisão e decomposição” de Saussure. Na explicação do que é uma crença, Peirce demonstra que inicialmente: “é algo que estamos cientes... aplaca a irritação da dúvida e envolve o surgimento, em nossa natureza, de uma regra de ação... o surgimento de um hábito. Na medida em que aplaca a irritação da dúvida, que é o motivo de pensar, o pensamento diminui a sua tensão e, ao atingir a crença repousa por um momento”. (PEIRCE: 1993, p.56) A crença, assim, define um hábito numa alternância de dúvida e reflexão, repouso e movimento, mesmo o pensamento sendo, “essencialmente, ação”. O movimento fluídico da linguagem se assemelha ao movimento ação-repouso do pensamento, fornecendo componentes de linguagem na construção de significados abrangendo hábitos, em amplo sentido. 80 O contexto e a memória são condições possibilitadoras para o movimento do pensamento e da fala, pois se não houver a possibilidade de repetição não há a construção do hábito ou da fala. Mesmo que palavras e pensamentos se alterem a cada movimento pela sua nova conjuntura, é pela possibilidade da repetição, consequentemente do uso da memória, que se produzem as relações sígnicas mais amplas e diversas. Tanto o hábito quanto a fala são atualizações dos pensamentos-palavras ulteriores ao momento da sua experiência, da sua ação, da produção, ou da leitura. O hábito, e a memória, não pertencem aos edifícios, mas aos indivíduos. Podem estar sugeridos dentro dos edifícios, mas também podem ser modificados com novas formas de comportamento em épocas diferentes. Os edifícios são formas que possibilitam interpretações conforme a possibilidade de quem os vê. A idéia de Eisenman de “um leitor consciente de sua própria identidade” revela o conceito da arquitetura como uma escrita, resultada de um ato – de projetar: “O que estamos propondo é a idéia da arquitetura como ‘escrita’ em oposição à arquitetura como imagem. O que está sendo ‘escrito’ não é o objeto em si - sua massa e volume – mas o ato de dar forma.” (EISENMAN: 2006, p. 246) A arquitetura é uma escritura definida pela relação de planos de conteúdo e de expressão que se relacionam num estado fluídico de significação e que é o resultado, na produção e na interpretação, de hábitos de ação. Este ato, como a capacidade do arquiteto expressar seu traço por meio de um projeto ou de uma arquitetura revela o entendimento que o arquiteto tem do seu tempo, da sua história. Compreender um leitor consciente de sua leitura é também compreender a arquitetura como 81 processo, como fala, como atualização, retirando de suas entranhas o fardo da verdade, da eternidade, do significativo. Mas o entendimento que uma sociedade possui de sua época pode ser um engano ou é apenas resultado do conjunto de forças que atuam no seu período histórico? Ao tratar da ficção da História, Eisenman focaliza certeiramente o conceito do Espírito do Tempo, o Zeitgeist, como uma máscara do classicismo diante de sua ‘realidade’ de efeitos transformadores das cidades e das sociedades: “Caberia perguntar por que os modernos não se reconheceram nessa continuidade. Uma resposta possível é que a ideologia do Zeigeist confinouos ao seu próprio presente histórico com a promessa de libertá-los de seu passado. A ideologia os fez cair na armadilha da ilusão de eternidade de seu próprio tempo.” (EISENMAN: 2006, p.240) A arquitetura deveria estar relacionada com o seu tempo de tal maneira a expressar com exatidão as condições espirituais da época que deveriam existir em todos os produtos culturais de uma sociedade. A sociedade moderna deveria estar expressa na arte, nos comportamentos, nas arquiteturas, nos hábitos. A Idéia imanente no Espírito do Tempo conferia às realizações sociais a crença de um Estado social perfeito baseado no pensamento mecânico: a casa como máquina de morar numa cidade ideal, harmoniosa, para um ser humano ideal; sendo os arquitetos os guias portadores da responsabilidade de mudança de uma sociedade burguesa para uma sociedade industrial e socialista. A dialética do real encontrava sua referencia significativa no Zeigeist e a arquitetura encontrava sua referencia neste estado de perfeição. 82 A sociedade burguesa encontrava o fim da experiência da sua finalidade histórica, o sentido de ruptura e fim da História, enquanto a sociedade moderna buscava encontrar a sua nas fábricas e na mecânica. Ruptura do telos social encontrado, no seu tempo, como expressão de sua própria eternidade. Romper com a história passada, princípio de renovação, deveria exibir modos e objetos relacionados com a nova finalidade, rompimento entre “o valor contingente do Zeitgeist e o valor eterno do clássico” (EISENMAN: 2006, p.239). O autor também expõe o engano moderno: “Ironicamente, ao invocar o espírito da época em vez de abolir a história, a arquitetura moderna não fez mais que continuar agindo ‘como parteira da forma historicamente significativa’. Desse ponto de vista, a arquitetura moderna não foi uma ruptura com a história, mas simplesmente um momento no mesmo continuum, um novo episodio na evolução do Zeigeist.” (EISENMAN: 2006, p.239) Desenhos novos – as paredes brancas e a arquitetura funcional – e métodos novos foram concebidos na consecução da ficção moderna. Ritos modernos para fabricar objetos modernos são cadeias sígnicas nas quais o desenvolvimento se estabelece por intermédio das formas significantes, reconhecendo uma nova condição de época. Demonstra tal ordem dos fatos a intenção moderna de fabricar os seus produtos industriais como o resultado de instruções tecnológicas nas metodologias projetuais, quebrando a regra acadêmica da imitação de edifícios modelos já construídos que levavam, em si, as qualidades apriori de uma regra de composição. O pensamento moderno, concebido como essência de uma nova época tecnológica, substituiu o sentido das imitações projetuais pela liberdade projetual com base no pensamento mecânico como forma distributiva do bem industrial como equivalência da distribuição equânime de um bem social. 83 No texto “Tipologia e metodologia de projeto”, Alan Coulquhoun (2006) discorre sobre as alternâncias do pensamento projetual entre o tecnológico, como o citado acima, e o determinista, cunhado pelas raízes acadêmicas e pelo pensamento evolucionista. Diante da necessidade de uma continuidade das condições existenciais do ser humano, dos modelos biológicos, da aproximação com a natureza e da imitação dos modelos, a fabricação tecnológica da arquitetura deveria ser feita baseada em condições que exaltassem os novos tempos. Dois excertos citados por Coulquhoun (2006) são claramente significativos quanto a isto. O primeiro, de Le Corbusier demonstra a condição da qualidade de um edifício residir na sua possibilidade do projeto enquanto desígnio, ação para o devir. O edifício como acontecimento plástico se estabelece fora do estado de imitação: “Meu intelecto recusa a adoção dos módulos de Vignola em matéria de construções. Eu penso que há uma harmonia entre os objetos com os quais estamos lidando. A capela de Ronchamp talvez mostre que a arquitetura não é uma questão de colunas, mas uma questão de acontecimentos plásticos. Os acontecimentos plásticos não se regem por fórmulas acadêmicas ou escolásticas; elas são livres e inumeráveis.” (LE CORBUSIER: 2006, p.278) O trabalho sobre a matéria, a possibilidade plástica, é produto das condições da época e de suas técnicas, como o concreto armado. A forma moderna sobre a matéria do concreto é realizada por uma técnica que evidencia o possível presente, o motivo que determina que aquela forma não poderia ter sido feita antes, o novo. O acontecimento plástico é um processo de hábito que resulta numa forma, o hábito que rege uma ação nova sobre a matéria mesma do mundo. A tentativa de o moderno ser um Outro que se destaca da força diagramática do Mesmo da sociedade burguesa, da arquitetura acadêmica. 84 O segundo, de László Moholy-Nagy se associa à condição da liberdade e da inventividade, mas permite a inserção da possibilidade de “qualquer pessoa” poder atingir tal estado de concepção desde que perceba a mecânica e uma tecnologia de associação: “O ensino se dirige à imaginação, à fantasia e à inventividade, condições básicas para um contexto industrial em permanente mudança, para uma tecnologia em permanente fluxo... O último passo nesta técnica é a ênfase na integração por meio de uma busca consciente de relações... A mecânica da intuição do gênio nos fornece a chave desse processo. Qualquer pessoa pode chegar perto da aptidão singular do gênio, se compreender sua característica essencial: o clarão breve e intenso do ato de associar elementos que não combinam entre si de maneira óbvia... Se usássemos a mesma metodologia em todos os campos de conhecimento teríamos a chave de explicação de nossa era – ver tudo em relação.” (MOHOLY- NAGY: 2006, p. 278, 279) O pensamento moderno entendeu eliminar a estética na consecução dos seus objetos ao eliminar as imitações icônicas e apostar a essência da nova era nas tecnologias de projeto. A possibilidade que alguns edifícios tenham se tornado ícones para gerações de arquiteto – a Ville Savoye de Le Corbusier, o edifício Seagram, de Mies van der Rohe – não elimina a crença inicial que o pensamento funcional produziria as novas máquinas sociais. A ficção moderna do Zeigeist, como expressa por Eisenman (2006), foi percebida por uma dobra do tempo e por novos dispositivos intelectuais. A mudança dos modos projetuais, de uma imitação artística dos modelos acadêmicos para uma fabricação tecnológica dos objetos, evidenciava a crença que tal conhecimento essencial do seu mundo estava voltado para o seu promissor futuro. Condição da eternidade do espírito de uma época expressa na dialética do cotidiano. Os aspectos contingentes do mundo e dos dias, os materiais e operários disponíveis, as culturas nas quais objetos modernos seriam aplicados, seriam configuradas no seu movimento 85 por uma presença metafísica. A aposta do futuro estava calcada numa metafísica do tempo e na crença do idealismo dos homens. A matéria do mesmo velho mundo reconfigurada por um novo regime de forças, expressa pelas mesmas palavras comutadas nos seus planos de expressão e conteúdo, reflete a fluidez das linguagens, dos modos, dos hábitos. Entretanto, não há identidade possível entre as linguagens, as diversas expressões sociais, e uma metafísica do tempo. A associação entre os elementos que constituem expressão e conteúdo não é identitária, são formas distintas que se associam por arbitrariedade, por convenção. As formas de expressão de um tempo são o resultado de um movimento fluídico e incessante, de aparecimento e desaparecimento, tendo os códigos e a memória como elementos nos dispositivos de significação. Na sua relação com as formas de conteúdo, as formas de expressão são cognições do mundo formado a partir de um diagrama de forças próprio do seu tempo, da sua história: assim a ficção de uma razão essencial do movimento moderno. A Razão matemática como condição substancial às formas projetuais são claramente expressas na hierárquica visão do projeto de Cristopher Alexander (1967), atributo que a expressa como portadora de um sentido da sua época. Se a Idéia de um tempo, vigente nas formas espirituais, deve estar retratada nos produtos culturais da sociedade moderna, deveria haver métodos projetuais que conferissem transparência, condição impossível, às fases processuais do projeto ligadas racionalmente e expressando a hierarquia de síntese deste processo. 86 O conhecimento de um processo racional, matemático, consequentemente lógico e hierárquico, permitiria ao arquiteto ter uma “consciência” de seu fazer com novos dispositivos ligados ao seu tempo, como, a respeito do uso de uma técnica racional frente à tradição artística da intuição projetual, escreve Alexander em “Note sulla sintesi della forma”: “[...] desejo declarar com muita franqueza a minha firme convicção a cerca desta inocência perdida, por que há muitos projetistas, ao que me cabe, não estão dispostos em aceitar tal perda... Hoje estamos em um outro dilema. Desta vez a perda da inocência é mais intelectual que mecânica” (ALEXANDER: 1966, p.18) Alexander intenta, com isto, definir a mudança de padrões sociais, mudança de novas de produção e um novo objetivo para a arquiteto e uma nova responsabilidade para os arquitetos. A perda da inocência mecânica é referente à força das máquinas e da industrialização no século XIX alterando a forma de produção de objetos feitas por técnicas de artesanato ou “artísticas”, a perda da inocência intelectual é a alteração de métodos intuitivos para métodos racionais de projeto. O projeto feito com a clareza da razão transpareceria as causas das decisões arquitetônicas de tal forma a permitir um processo crítico mais efetivo diante das definições funcionais da forma arquitetônica. O projeto como processo claro é a possibilidade de verificar como o ambiente, o contexto que condiciona a arquitetura, e a sociedade, incide num processo racional que confere qualidade à forma a partir da representação lógica dos sistemas que prefiguram a forma arquitetônica. Nova qualidade, para uma nova forma, para um novo tempo: “Devemos enfrentar a nova situação e reconhecer que estamos à véspera de uma era na qual o homem estará a ponto de agigantar a sua faculdade intelectual e inventiva, assim como no século XIX ele aumentou s sua faculdade física com o uso da máquina. Agora, como então, a nossa inocência é perdida. E agora, naturalmente, a inocência, uma vez perdida, 87 não pode ser recuperada. A perda exige empenho, não renuncia.” (ALEXANDER: 1967, p.20) Uma nova era na qual, com novos métodos e na linearidade das idéias sociais modernas, se configurava uma arquitetura como linguagem. Os objetivos das idéias se contorcem dada a fluidez das coisas e dos fatos. A proposição metodológica de Alexander se encontra na linha de desenvolvimento das idéias modernas, da construção de um novo mundo qual o pensamento de Corbusier. No entanto, expressa uma variação na construção da forma arquitetônica. Corbusier entende que a arquitetura é um “jogo de volumes sob a luz”; superfície, volume e planta são definidos e alimentados por um traçado regulador, uma intenção formal que determinaria os aspectos particulares, funcionais, em cada objeto. Mas isto não é suficiente para Alexander: a forma deve resultar de um processo, porque todo projeto é um processo, que consiste num procedimento lógico, representativo das condições da sua época, transparente. Ao mesmo tempo em que Alexander (1967) aprofunda a transparência conceitual pelo envolvimento do processo lógico de design, “perdendo a inocência” (1967, p.20), a arquitetura começa a ser reconhecida com seus atributos linguísticos, revelando a sua constituição enquanto mensagem. O “dilema” (p.18) da época se avizinhava não pelo advento da lógica e da clareza de projeto, produtos do cientificismo do século XIX, mas, e principalmente, pela análise linguística do projeto, a abertura de um problema que seria crucial no século XX, ao mesmo tempo em que a razão, essência e força deste pensamento, encontrariam o seu ocaso. 88 A compreensão da relação da semiologia e da arquitetura é verificável no livro de Alexander (1967) na discussão sobre o método projetual. A partir de uma visão sistêmica que interagência sistemas e subsistemas dentro do método, o processo projetual é mostrado como modos de classificação de elementos externos – luz, clima, comportamento – traduzidos pelo método como categorias representativas das diversidades dentro de uma hierarquia lógica, em árvore. A permuta dos valores reais de cada sistema é definida pela transmutação dos valores em sinais matemáticos, o que define que, ao “falar” de algo, a linguagem projetual deixa de ser mera representação para ser uma interpretação dos sistemas interagentes. Explica Alexander (1967): “Qualquer conceito pode ser definido e entendido por dois modos complementares... Definimos um conceito por denotação quando especificamos todos os elementos da classe à qual se refere. E definimos um conceito por conotação quando buscamos iluminar o significado analiticamente, e nele indicamos a propriedade e os atributos recorrendo a términos de outros conceitos de mesmo nível.” (ALEXANDER: 1967, p.71) A definição da classificação por denotação é a representação de classes de atributos projetuais, como “acústica”, “segurança” e “economia” (p.70), através da sua própria nomenclatura e da sua inserção de condicionantes projetuais, sem uma tradução que iguale efeitos dentro do mesmo sistema. O tipo de relação entre a economia e a acústica e a segurança se faz mais pelo conhecimento que o projetista adquire ao longo de sua vida profissional, identificando os elementos constituintes do projeto e menos por um método projetual que os integre e os esclareça: “Assim como estão as coisas, o procedimento da projetação autoconsciente não fornece nenhuma correspondência estrutural entre o problema e os meios concebidos para resolve-lo.” (Alexander. 1967, p.73) A intuição e o conhecimento prático produzem, para Alexander, um “controle sempre maior sobre o processo de projetação” (1967, p.79), mas como tal procedimento impede a clareza do 89 processo, diante do fato que as simbologias que representam as condições para o projeto são falhas e “tornam sempre muito difícil que a estrutura real, causal, do problema se exprima no processo” (p.79). A esfera da linguagem se encontra definida em Alexander: o projeto arquitetônico é uma linguagem representativa que necessita de uma clareza, uma razão matemática. Mas, indica que a representação das classes dos objetos reunidos no processo de design, relacionando “significados [...] disponíveis na língua que falamos” (ALEXANDER: 1967, p.72), não é suficiente. A expressão denotativa não é suficiente para o trabalho em arquitetura porque “na prática, os conceitos não são inventados e definidos por denotação, são gerados por conotação” (ALEXANDER: 1967, p. 72), pois a comutação de seus valores dentro de um mesmo sistema de projeto, classificatório, seletivo e ordenado hierarquicamente, deve ser regida por princípios matemáticos. A razão de uma utopia fourierista, a Harmonia coletiva, a Harmonia radiante do idealismo corbusiano e a metafísica contábil do pensamento de Alexander demonstram a trança de linguagens que evidencia uma mensagem conotativa na arquitetura. A arquitetura é um signo, ou conjunto de signos, que não é produzida na sua função primeira, na expressão direta da classe de objetos à qual se refere. Mas a arquitetura é um produto linguístico complexo que reúne sistemas representativos dos mais diversos. É real a afirmação que “segurança, economia e acústica” são problemas reais de naturezas distintas trabalhadas por representação tanto dentro do projeto quanto no próprio objeto final. A luz da arquitetura corbusiana, a parede vitral de Romchamp, não é a mesma luz física, mas a escultura metafísica da luz, a expressão de um tempo que se revela na matéria natural do 90 mundo. Técnica e ideologia são inferidas na percepção desta luz. Da mesma maneira o conceito de economia de meios numa Unidade de Habitação como a de Marselha produziu um objeto distinto do Pavilhão de Barcelona de Mies. O objeto final não pode ser identificado com as suas representações, a intenção que ele representa da ação humana sobre o mundo é única no sentido formal, a forma significativa e sua substancia. O efeito da circulação sobre quem por ela se orienta, ou a sensação da luz refletida na matéria formada, são expressões que podem ser calculadas, previstas, mas não antecipadas. Assim como técnica e ideologia são inferidas num processo matemático de projeto, abstraindo o real para uma aproximação dos fatores dentro de um mesmo sistema de representação: gráficos, diagramas e representações icônicas. A demonstração de Barthes sobre a estrutura do mito é, essencialmente, a demonstração de uma fala – processo – conotativa, a qual possibilita que ideologias permutem significações dos sistemas envolvidos e refaçam o seu significado à “luz” desta ideologia. Desmembrar as partes e revelar finalidades é produzir uma análise que evidencia o conjunto de forças significantes no objeto-processo, o objeto arquitetônico como possibilitador de processos cognitivos, significativos. Uma expressão formada da matéria do mundo que se reincorpora de significado a cada olhar novo que a envolve, a cada história individual, microdiagramas do tempo, que a ressignifica. Não é uma condição necessária usar a nomenclatura “mito” para definir a arquitetura, mas é necessário compreendê-la como esta trança síginica, uma mensagem conotativa que pode, 91 conforme o seu arranjo revelar ou encobrir, e quase sempre encobrir, as mensagens contidas dentro do seu polissêmico produto. A arquitetura não é, necessariamente, uma expressão sintética, pois que os sistemas envolvidos somente estarão sintetizados na forma por abstração e força ideológica de coesão. Tal força de coesão aparece na arquitetura moderna na sua busca à síntese ideal, mas, como retrata Robert Venturi, no livro “Complejidad y contradicción en la arquitectura” (1978), os arquitetos modernos, pela ideologia, mas não na sua prática, pretenderam objetos sintéticos que expressassem uma nova condição social, desvinculando seu processo histórico com uma sociedade ultrapassada: “Em seu intento de romper com a tradição e começar tudo de novo idealizaram o primitivo e elementar à custa do variado e sofisticado. Ao participar de um movimento revolucionário, aclamaram a novidade das funções modernas, ignorando suas implicações. Em seu papel de reformadores, advogaram puritanamente a separação e exclusão dos elementos, no lugar da inclusão de requisitos diferentes e suas justaposições.” (VENTURI: 1978, p.27) A exclusão dos elementos de arquitetura, assim como dos vivenciais, foi a marcha reguladora do traçado simplificador do modernismo ao intencionar as formas puras como ícones basais das variações tipológicas. A “seletividade de conteúdos e linguagens” (VENTURI: 1978, p.29) marcam a força desta arquitetura e a sua limitação diante de uma relação linear de significação e, consequentemente, pouco expressiva da riqueza arquitetônica. Compreender a contradição dos elementos, como indica Venturi (1978), permite uma leitura ambígua, cambiante e de maior amplitude da forma arquitetônica. Compreender a polissemia da forma arquitetônica permite uma leitura aberta a permutas internas dos sistemas que a compõem. A arquitetura não é uma linguagem de meras justaposições, mas é, sim, uma mensagem estratificada nas suas formas significantes. 92 O tipo de conectividade dos elementos componentes da forma relaciona sistemas que não sintetizam. A forma só pode ser significativa se houver um leitor que a interprete, mesmo que livremente e a pragmática da arquitetura como linguagem só se configura nesta ação interpretante e atualizadora. O fenômeno arquitetônico, base do entendimento da forma, é uma ação efêmera diante da matéria sólida do ambiente construído. Mas, é justamente a efemeridade da percepção e da significação do signo arquitetônico que altera o seu valor de uso, de história e emoção. Não é contradição dos elementos, mas é a estratificação das semióticas que compõem a arquitetura que indica o cenário no qual resulta a possibilidade de permuta entre os valores dos signos destas semióticas permitindo, nesta permuta, a deriva significante enquanto desvio ou enquanto tensão. Pois que há uma semiótica conotativa, a trança das semióticas na arquitetura, a diferença entre o domínio ideológico e a multiplicidade significativa é a exata diferença entre o desvio semântico e a tensão exibida nos seus elementos materiais. É assim que uma classificação hierarquizante, em árvore, como a de Alexander desvia, pelo arranjo ideológico do cálculo matemático, a possibilidade de uma leitura aberta dos sistemas, ou das semióticas que se relacionam – e dependente do arranjo pelo qual se relacionam – na esfera da forma arquitetônica. Tendo por base o conceito de mito de Barthes (Mitologias. 2007), o conceito de rito parte do significante do mito em movimento, agregando, sem gerar identidades, forças sociais produtivas e modos de distribuição dos produtos sociais por meio de hábitos. 93 A deriva semiótica e a percepção da articulação dos significantes. O signo arquitetônico como concepto é o resultado da deriva significante, como processos de expressão, resultando na significação do ambiente construído. Os dados relativos ao ambiente, enquanto percepção, permitem constituir equivalências significantes como as imagens da história individual ou da história coletiva, as quais fornecem de repetição e produção de hábitos: a ocupação política das ruas, as lutas territoriais da cidade, os aposentos de uma habitação. O termo rito possui um significado atrelado a encenações e comportamentos originariamente em cerimônias de caráter sacro, místico, nas quais o rito permite a vivência mítica, a experiência das forças divinatórias, da percepção do mundo através de um estado de consciência alterado por esta vivência, mas que dela retira um significado que explica as condições das coisas da natureza e das coisas do homem. É possível estender este conceito a situações não religiosas, cotidianas, mas que são sujeitas às mesmas condições de encenação e significação. O ritmo de vida de uma sociedade industrial deixa bastante claro e evidencia que mesmo em situações cotidianas e aparentemente comuns, há uma encenação proposta para a significação da vida social. O rito semiológico não se abstém desta prática ou se alija do rito cerimonial como modo de significação, mas atrela os fatores antropológicos e culturais a uma possibilidade de expressão, ou a diversas possibilidades de expressão, de tal maneira que, ao mesmo tempo em que o rito semiológico se confunde com os ritos cerimoniais, é distinto pelo foco linguístico, semântico e pela análise ideológica, pois o que se pretende é analisar, nas cerimônias da contemporaneidade, traços ideológicos e composições de forças coletivas. 94 Tais cerimoniais são comportamentais, ou teóricas, como expressa Cauquelin (2005, p.11): “um dos sentidos de ‘teoria’ está ligado à etimologia theoria, procissão ou cortejo ritual em honra a um deus, que convoca toda sorte de participantes para uma festa votiva”. O foco linguístico do conceito de rito é um acompanhamento teórico, um cortejo abstrato das formas de pensar a arquitetura sob o ponto de vista de suas matérias e expressões. Acompanhar o significante é historiá-lo, definir sua apropriação pelas significações e métodos da arquitetura e aprofundar o seu entendimento como elemento analítico de uma atualidade. Um dos fatores da arquitetura contemporânea, principalmente dos anos 80 até hoje, é buscar uma forma final que procure não conduzir, ou não revelar, significados indicados pelo arquiteto, mas que permita a quem a veja, ou a perceba, produzir seu próprio significado. São traços de uma arquitetura produzida principalmente sobre o significante, sobre as suas bases materiais ou sobre os registros de ação projetual. Na arquitetura e sua matéria em movimento, na fluidez dos signos e das possibilidades de significado e nos seus registros culturais é que se verifica o rito semiológico, o cerimonial das ideologias e das formas. Acompanhar o significante não é produzir uma arqueologia do signo e de sua estrutura, mas é decifrar a sua presença hoje no meio de uma cultura ocidental e global, na qual há uma nova distribuição de bens, ou dons, ao modo de Baudrillard, uma nova forma de controle de pessoas e comportamentos pela modificação das sociedades disciplinares e pela reconstrução de seus ambientes. 95 Este cortejo acompanhamento é sim o caminho de um pensamento sobre as linguagens, que passa por Saussure, Hjelmslev, Foucault, Deleuze, Baudrillard e Bauman, e também pelas arquiteturas de Eisenman, Tschumi, Rossi, Morales, Koolhaas. Conduz pela linha da história o desenvolvimento dos ritos que são produtos de uma cultura e que independem de uma ciência semiológica, mesmo quando interpretados por ela, e ritos que são propostos dentro do universo das linguagens. A história e a linguagem fundamentam as leituras das arquiteturas. Identificam e produzem estratos teóricos que permitem refletir sobre as condições e as naturezas das coisas e das suas representações, portanto, não há como fechar um único entendimento sobre a arquitetura, apenas há a possibilidade de refazer os seus percursos produtivos, especulativos, teóricos. A história é descontínua, assim como os objetos produzidos nos tempos das sociedades e, por este viés, é vista dentro desta tese. O conceito de Zeitgeist, tão caro ao pensamento moderno, não mais fomenta as principais considerações sobre os fatos. Não há uma condição espiritual coletiva que imante de finalidade as coisas realizadas por uma civilização. O idealismo hegeliano, no qual a Idéia é condutora das ações coletivas, é contemplado na noção do homem e da sociedade ideais como proposições modernas, nas arquiteturas puras e funcionais, sendo justamente o pensamento funcional o grande artífice da eficiência das arquiteturas modernas. 96 Eficiência análoga às máquinas industriais tidas como modelos de pensamento: por exemplo, a casa é uma máquina de morar, diria Le Corbusier, a sociedade e a cidade são compreendidas e produzidas por relações mecânicas, necessárias, racionais. Não é possível mais historiar os fatos da contemporaneidade por intermédio de uma concepção finalista baseada nas atribuições de uma Idéia central que a tudo sugere que a tudo significa. A diversidade do mundo contemporâneo, e sua efemeridade, não o permitem. 97 CAPÍTULO 2. SIGNIFICAÇÃO O rito semiológico é um processo de desenvolvimento significativo. Surge da deriva da relação entre os elementos que compõem o signo, quais sejam: o significante – relativo aos aspectos materiais da fala (conforme denominado por Saussure de matéria fônica); e o significado, que é referente ao recorte das idéias e dos pensamentos. O rito semiológico pode ser compreendido como o acompanhamento do significante em processo. O signo é a junção destes dois aspectos e pode-se atribuir a este conceito uma possível relação de identidade entre diversos signos verbais e não-verbais, ao ponto de propor que, a mesma construção sígnica proposta por Saussure para a língua possa ser transportada para a arquitetura. Tal conceito exige algum cuidado e explicação devido à efemeridade da língua diante da permanência e concretude dos objetos, pois que as palavras nunca são as mesmas. Serão os objetos? Será a arquitetura? As paredes e seus desenhos serão sempre os mesmos significantes que simplesmente recebem um novo significado com o passar do tempo? São os mesmos significantes por não alterarem a sua composição material? O signo é o produto de relação dos termos significante e significado, tanto que não existe sem um deles, mas o signo não é o entendimento desta relação, o entendimento é denominado significação. A palavra ‘casa’, signo formado pela relação dos dois termos, é um signo porque admite a junção do conceito ‘casa’ com a sua expressão, fonética ou gráfica, mas como este conceito se estabelece numa frase será a significação deste signo. Assim um signo arquitetônico, a ‘casa’ Ville Savoye de Le Corbusier, admite uma significação na relação com 98 seu contexto ambiental, cultural e histórico. A réplica do Taj Mahal em Las Vegas, como é possível compreender, pode reproduzir a obra arquitetônica, mas não pode reproduzir a sua significação. Ferdinand de Saussure, no Curso de Linguística Geral (s/d) explica que o signo linguístico não une “uma coisa e uma palavra” (p.80), tal qual a palavra árvore estaria em relação de substituição do objeto ‘árvore’ - dentro de um sistema de representação de objetos, no entanto, une o “conceito árvore” a uma “imagem acústica” (p.80), o conceito tido como o significado e a imagem acústica como o significante. A significação é o resultado da relação dos dois lados da mesma moeda e ela é o que importa enquanto conhecimento no signo. Esta primeira condição do estudo da linguagem abre um problema para a análise linguística para a arquitetura normalmente relacionada com a Semiótica de Charles Sanders Peirce. No diagrama sígnico, por ele proposto, há um signo enquanto representação que se encontra em referencia a um objeto, o qual representa para um intérprete, por meio de um interpretante. A relação triádica signo-objeto-interpretante permitiria a compreensão da arquitetura como linguagem, sendo seus objetos um conjunto de representações formadas na matéria concreta do mundo. A partir desta relação, um edifício, enquanto signo, também reproduziria esta relação. Sua própria forma seria um signo representando um conceito – uma idéia, história ou função – que seria seu objeto. O conjunto tipológico, por exemplo, o modernismo, ou o estilo – o barroco – ao qual o signo em referencia, seria o seu interpretante, o código que forneceria sua possibilidade de interpretação realizada por uma pessoa, o intérprete. 99 Uma porta enquanto signo indicador da passagem estaria completa no seu uso, na sua interpretação, no resultado fenomênico do signo. Peirce, na classificação dos signos indicada no livro “Semiótica e Filosofia” (1993), explica a natureza do signo: “Um signo, ou representamem, é algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo melhor desenvolvido. Ao signo assim, denomino interpretante do primeiro signo, seu objeto. O signo representa alguma coisa, seu objeto.” (PEIRCE: 1993, p.94) A relação triádica proposta por Peirce estima uma intencionalidade ‘dessa pessoa’ ao entender que o signo representa algo – o objeto – por meio de algo – o interpretante – nela, a pessoa. O signo é uma representação inteira que encontra seu significado na relação com o seu objeto. O objeto árvore encontrará sua representação sígnica, a palavra árvore, dentro de um sistema que possibilite a sua compreensão, o interpretante, língua portuguesa. Todo representamem, o signo, estaria relacionado a um fundamento, que pode ser associado ao conceito que representa o objeto, o próprio objeto e o interpretante. Apóia-se numa grammatica pura que “tem por objetivo determinar o que deve ser verdadeiro [...] para que possa incorporar um significado” (PEIRCE: 1993, p.94), na lógica para definir “condições de verdade das representações” (PEIRCE: 1993, p.95) e numa “retórica pura, imitando à maneira de Kant” (PEIRCE: 1993, p.95) para determinar leis pelas quais os signos processam uma sequência semiótica. 100 O signo denota um objeto, ou objetos, podendo os signos ser compostos. Por exemplo, “a sentença ‘Caim matou Abel’, que é um signo, refere-se pelo menos tanto a Abel quanto a Caim” (PEIRCE: 1993, p. 96). O signo aparece por inteiro mesmo quando composto, o que indica que a arquitetura possa ser um signo constituído por fundamentos que representam um, ou mais objetos, definidos por um processo de pensamento lógico – dedutivo, indutivo ou retrodutivo – dentro de um sistema que “legisla” sobre as possíveis interpretações e implicações sígnicas. A integridade do signo em Peirce o constitui como representação, mas não adquire a configuração da dinâmica que Saussure propõe na relação significativa, e suas consequentes fluidez e mobilidade. A matéria e o pensamento, os corpos e as funções implicam-se no sutil contato do momento, definindo o signo como o resultado efêmero, embora positivo, diante de possibilidades inumeráveis. A produção sígnica em Peirce, se constrói diferentemente nos níveis de implicação, outras tricotomias denominadas por Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, que têm por finalidade recolher a idéia do conjunto de semelhanças dos objetos e, por determinação de classe, elevá-la ao ponto do entendimento das leis. A tricotomia em Primeiridade implica nas relações das qualidades e das possibilidades abertas definindo, por intermédio de comparação e analogia, a possibilidade de existência de um objeto. Em Secundidade, a existência se torna singular pela possibilidade de identificar qualidades e processos, às vezes estruturas, podendo denominar os objetos e determinar sua realidade. Em Terceiridade, as leis se revelam na condição da existência abstrata do objeto. 101 Tais tricotomias estruturam classes sígnicas que dirigem o conhecimento, notadamente o científico, como um conjunto de classificações dos fenômenos para um entendimento real, equivaleriam a uma fenomenologia do conhecimento científico. O signo, representamem, recebe outra denominação na sua presença nos níveis de classe, sendo ícone, índice e símbolo os signos em Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Nisto se estabelece uma nomenclatura que envolve a significação arquitetônica com a intenção de semantizar as formas da arquitetura. Numa explicação primeira, toda arquitetura seria um ícone por ser um objeto perceptível, índice pela sugestão de um segundo ou da sua singularização enquanto significado, e um símbolo quando significasse ou representasse uma idéia abstrata. Dois exemplos em “Semiótica da arte e da arquitetura” (1981), de Décio Pignatari: “Um exemplo simplificado: o ícone da suástica. Em primeiridade, uma configuração (Gestalt), variedade da cruz inscrita nos quadrantes de um quadrado. Em secundidade: ‘símbolo’ do nazismo. Em terceiridade: cruz, racionalidade de uma construção, nazismo, figura designada elo vocábulo suástica, cuja raiz vem do sânscrito svasti, que quer dizer ‘bem-estar’, ‘estar numa boa’, etc.” (PIGNATARI: 1981, p.91) O mesmo signo estabelece seus três modos de entendimento do ícone ao símbolo, dependendo da sua constituição (é mesmo a suástica nazista?) ou da retenção do código interpretante por conta de quem interpreta. Ao ler o Arco do Triunfo, Pignatari exercita um código de interpretação do objeto ‘Arco’ inserido num bloco que nos remete a uma muralha. Admitindo ser o ‘Arco do Triunfo’ uma ‘parte que representa o todo’, uma metonímia, expõe o caráter comunicativo da obra por 102 permitir uma representação que transpõe o caráter da passagem triunfal do arco na sua porta passagem. Explica assim: “Assim como na semiótica o paramorfismo (na lingüística, a paronomásia e a metáfora) caracteriza o eixo paradigmático, da similaridade ou de substituição, a metonímia caracteriza, na lingüística, o eixo sintagmático, da contigüidade ou combinatório, isto porque, num certo sentido, a metonímia nega o paradigma ou os elementos paradigmáticos, transnominando-os num signo de complexidade maior” (PIGNATARI: 1981, p.124) O mesmo exemplo desenvolvido por Pignatari é citado por Elvan Silva (1985, p.83) que discute a proposição da existência de um ‘Arco do Triunfo’ numa intenção “declaradamente comemorativa”, compreendendo a condição sígnica e comunicacional do ‘Arco’, e enquanto signo afirma que o “arco do triunfo é um elemento que pretende exercer o papel de símbolo” - ao transparecer a sua condição histórica, significativa. A semiótica aplicada à arquitetura, ao especular a natureza do signo arquitetônico, abre um paradoxo do uso da linguagem, pois na “tentativa de ‘deslinguistizar’ a semiótica” (PIGNATARI: 1981, p.124) envolve a arquitetura na mesma linguagem da qual propõe separar. O significante, nem sempre declarado, é entendido como a matéria formada no objeto arquitetônico, a matéria da qual é feito o ‘Arco’ e a forma pela qual se revela toda intencionalidade da significação. Quanto ao significado exacerba Pignatari (1981, p.127): “Quando o deus hegeliano habita a pedra, anima-a, dá-lhe uma alma, um conteúdo”. A pedra que dotada de uma forma carrega um conteúdo é a própria relação significativa de Saussure. A linguagem verbal que ‘explica’ a natureza dos signos arquitetônicos não os revela, apenas os envolve, na mesma medida que uma semiótica conotativa, ou uma metalinguagem. 103 Saussure (s/d) admite que a palavra símbolo normalmente é utilizada para designar um significante, visto que , ao contrário do princípio que significante e significado mantém uma relação de arbitrariedade, um símbolo “tem como característica não ser jamais completamente arbitrário” (p. 82). Como o “símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um objeto qualquer” (s/d, p.82) indica que há um vínculo não arbitrário entre significante e significado. Mas fica por aí. O signo em Peirce define um entendimento e não uma identidade, assim como em Saussure, o signo é uma convenção que interfere no sistema de representação e não o próprio objeto representado, resultando que em todo processo de semiose os signos estão desligados um em relação ao outro. A mutação do signo, inerente à sua atualização no processo da fala, como explica Saussure, pode ser associada à desvinculação da continuidade da cadeia semiótica em Peirce. A cadeia semiótica entendida no sistema crença-hábito-reflexão abre um acesso ao processo de significação como entendimento e vontade e estabelece uma condição de tempo, interrupção e memória, porque o “pensamento em ação tem por único motivo possível levar ao repouso do pensamento” (PEIRCE: 1993, p. 56). O exemplo da suástica em Pignatari auxilia nesta explicação. A passagem da leitura de uma figura em cruz, em Primeiridade, para uma forma em cruz que se relaciona com o nazismo em Secundidade, para uma figura em cruz, que se relaciona com o nazismo, vocábulo em sânscrito ‘bem-estar’, em Terceiridade demonstra não uma continuidade do processo sígnico, mas um ‘deslizamento’ do entendimento – o repouso da ação do pensamento, uma crença – 104 em Primeiridade para o pensamento em ação no processo sígnico em Secundidade, e assim em Terceiridade. A figura cruz em cada signo não é a mesma figura, mas a memória da figura do signo ulterior, desconectado no tempo pela alteração do diagrama triádico. A cada desconexão na reconfiguração do diagrama, a memória que é o elemento de ligação não continua entre os processos sígnicos, pois a dinâmica de significação se encontra alterada pelo interpretante, no mínimo. Relação semelhante encontra-se em Saussure quanto à transformação do signo no tempo. Duas forças que agem em conjunto, uma de manutenção e de tradição – o espírito de campanário, de grupo de freguesia – outra o intercurso – a troca, as relações horizontais entre as diferenças, atualização – e definem que “sejam quais forem os fatores de alteração, quer funcionem isoladamente ou combinados, levam sempre a um deslocamento da relação entre o significado e o significante.” (SAUSSURE: s/d, p. 89) A memória, estado fenomênico individual, pode ser estendida na compreensão do tempo, da história, da memória coletiva e da tradição. A percepção do continuum do tempo advém da acepção da memória no fluxo de um processo em mutação. Um signo realmente contínuo não admitiria sua ressignificação ou sua transformação no passar ininterrupto do tempo, ou não admitiria um entendimento por permanecer o pensamento eternamente em ação. O repouso do pensamento em ação pode ser comparado aos momentos de sublimação, nos quais o entendimento do momento, uma sensação ou uma emoção, é a sua interrupção, gerando uma representação deste momento, ou seja, um signo. 105 A ulterioridade do signo, na Semiótica, ou a sua mutação, na Semiologia, indicam claramente a memória como sentido de permanência e a contingência do presente como sua atualização: “a metonímia nega o paradigma ou os elementos paradigmáticos, transnominando-os num signo de complexidade maior” (PIGNATARI: 1981, p.124). A transnominação do ícone porta – local de passagem – para o índice ‘Arco’ – expressão de vitória – indica que do ícone ‘porta na muralha’ para o índice ‘Arco’ em um suporte ‘pedaço de muralha’ há uma manutenção dos aspectos formais (como a cruz na suástica), com alguns arranjos na forma – eliminação do resto da muralha – em um novo contexto ambiental e cultural. O processo de reflexão, ou entendimento de um signo, se estabelece numa ação de pensamento produzindo um hábito, enquanto possibilidade de repetição e memória, diante de um estado de compensação de manutenção e alteração da forma. Tal estado de manutenção e alteração é a mutação de um signo que mantém uma forma repetida, mesmo que com alguma alteração dessa forma. Explica Peirce na ‘Classificação dos Signos’ (1993) quanto ao sentido da ‘idéia’ de um pensamento, um signo: “O signo representa alguma coisa, seu objeto. Coloca-se no lugar desse objeto [...] com referencia a um tipo de idéia... a que nos referimos quando um homem se recorda do que havia pensado anteriormente, relembrando a mesma idéia [...] digamos por um décimo de segundo, na medida em que o pensamento se mantém conforme consigo mesmo durante esse tempo, ou seja, mantém um conteúdo similar, sendo a mesma idéia e não, a cada instante desse intervalo, uma idéia nova.” (PEIRCE: 1993, p.94) No capítulo sobre a ‘Mutabilidade’ do signo linguístico, Saussure (Curso de Lingüística Geral, s/d) também discute a alteração do signo no tempo concomitante à sua continuação, os efeitos conjuntos da mutabilidade e imutabilidade do signo: “Em ultima análise, os dois fatos são solidários: o signo está em condições de alterar-se porque se continua [...] Sejam quais forem os fatores de alteração, quer funcionem isoladamente ou combinados, levam sempre a um deslocamento da relação entre o significado e o significante”. (SAUSSURE; S/D, p. 89) 106 A mutação verifica-se numa nova regência de forças, por um novo diagrama do conjunto das forças significativas. Há diferença entre os diagramas um movimento diacrônico, uma interrupção ou alteração sistêmica no tempo. Este novo diagrama contém um novo contexto para as mesmas formas, a possibilidade de um novo interpretante, ou de um novo código, que na relação com a forma sígnica possibilita a alteração e atualização de novo significado. A compreensão do signo, ou seja, a sua significação, é o resultado de um hábito de uso, a fala, que atualiza os signos mutáveis, que admitem seu entendimento baseados na memória de seu uso. Alterando a relação entre as suas partes, admite-se um novo diagrama que possui a duração do momento da experiência que se tem ao usá-lo, que “se mantém conforme consigo mesmo” (PEIRCE: 1993, p.94), determinando um fluxo semiótico no conjunto das forças sincrônicas que compõem o diagrama. As forças sincrônicas da língua são estabelecidas pelo arranjo que se faz de seus elementos num determinado tempo tal como uma gíria que, num intervalo de tempo, significa uma ação ou pensamento, alterando ou decompondo na mudança de fatos sociais. Mesmos significantes são associados aos novos significados, reconstruindo uma condição de significação e valor. Enquanto possibilidade do pensamento, signos levam a signos relacionando massas amorfas de pensamento e massas amorfas de significado, os “reinos flutuantes” (BARTHES: 1977, p.58) de Saussure ou a associação sígnica de Peirce. 107 No texto sobre a ‘divisão dos signos’, em “Semiótica” (1977), Peirce debate a relação signo, objeto, interpretante como já visto. Ao apoiar o conceito de Signo numa grammatica pura indica que por ela “determina o que é verdadeiro [...] a fim de que possam incorporar um significado qualquer” (p.46). O Objeto está apoiado na lógica, condição essencial para produzir um elemento formal de tal maneira que para que “algo possa ser um signo, esse algo deve ‘representar’, como costumamos dizer, alguma outra coisa, chamada seu Objeto.” (p.47) Na proximidade – semelhança e não igualdade – dos dois pensamentos (Peirce e Saussure), além das noções de tempo e memória, é possível relacionar mais duas condições que serão importantes na aplicação dos elementos de significação, de base linguística, na arquitetura: a relação significante-significado com Signo-Objeto, e a percepção de fluxo sígnico pelos diagramas. O Signo é algo que incorpora um significado, pelo uso da gramática, assim como o Objeto recebe da lógica “condições de verdade das representações” (p.46). O objeto não é um objeto real, mas é uma ‘forma’ produzida pela lógica, ou seja, pela definição do que é essa forma na sua diferença do que não é, condicionada pelo papel da representação do signo – o que confere significado – e condicionando a representação às denominações do possível do objeto. Ivo Assad Ibri, no texto “Semiótica e Pragmatismo: Interfaces Teóricas” editado pela Revista Cognitio (2004), discorre sobre a relação Signo-Objeto quanto a “alteridade entre signo e objeto” enquanto “o ser do objeto é totalmente constituído pelo signo”: “É, na verdade, o ponto fulcral para a distinção entre realidade e criação do espírito: a primeira tem permanência e alteridade diante da mente; a segunda tem a evanescência da fantasia [...] Nessa distinção se funda a possibilidade, segundo o autor, do conceito de verdade, estruturado, como bem recomenda seu realismo, numa relação de correspondência, imperfeita que seja, entre representação e realidade ou entre signo e objeto.” (IBRI: 2004, p. 170) 108 O Objeto define, pela observação e arranjo do real, uma situação, uma possibilidade pela qual o Signo o expressa. É o resultado de uma relação fenomênica que relaciona uma situação de formalização do real e sua capacidade de exprimi-lo, representar. O signo expressa um objeto. A forma do objeto pode estar determinada logicamente ao ser racionalizada cientificamente – exemplo: saber a quantidade de feijões brancos dentro de um saco por um método indutivo – pelo arranjo de probabilidades de seus atributos, ou pode estar determinada pela observação ‘simples’ de um fato: “Dois homens estão na praia, olhando para o mar. Um deles diz ao outro ‘Aquele navio não transporta carga, apenas passageiros. Ora, se o outro não estiver vendo navio algum, a primeira informação que ele extrai da observação do outro tem por Objeto a porção do mar que ele está vendo [...] para a pessoa em questão , a frase tem por Objeto apenas aquele (navio) com o qual ela já está familiarizada. (PEIRCE: 1977, p. 48) O Objeto é uma abordagem do real, concreto ou abstrato, por meio de um conjunto de atributos reunidos, sensoriais e pensamentais, definindo um conteúdo que poderá, por “correspondência imperfeita” (IBRI: 2004, p.170) ser representado, exprimível, por um signo. Embora não seja possível alinhar os conceitos de base, os conceitos de realismo de Peirce não coadunam com a metafísica de Saussure, os aspectos de linguagem se tornam mais evidentemente próximos: um Signo que exprime um Objeto que racionaliza o real, e um Significante que expressa um Significado que obtém seu conteúdo da matéria do mundo. Os aspectos de linguagem se tornam elementos de conteúdo e de expressão numa relação de solidariedade, ou de correspondência imperfeita, que não admitem uma identidade com o mundo que representam, mas produzem uma linguagem que intermedia a possibilidade de seu entendimento. 109 Mas os signos, relação entre conteúdo e expressão, não são estanques, estão em movimento pelos seus estados de desenvolvimento, pelos níveis de suas formas de compreensão, uma Significação em Saussure e uma Explicação em Peirce. O ‘Arco’ ou a ‘suástica’ são signos: uma forma de expressão em relação a uma forma de conteúdo. São formas porque resultam de seleção e arranjo tanto em expressão quanto em conteúdo. Expressão e conteúdo são, ambos, forma e substância: a expressão, como condição do exprimível, formaliza ‘a massa fônica’, o conteúdo formaliza a matéria do mundo. Aparente paradoxo para a arquitetura, pois que é da própria matéria do mundo que se produz a forma arquitetônica. Um edifício é a expressão concreta de um conteúdo racional – nazismo ou vitória – ou poderá ser o próprio edifício um conteúdo, ou uma fala própria de funções e matérias que se formalizam na arquitetura? Conteúdo e expressão são duas faces da mesma moeda que juntas formam o signo, o seu entendimento é a significação. Um signo ‘significa’ para estabelecer seu valor diante de outras significações para efeito de equivalência entre coisas que são semelhantes e não semelhantes: “Para que haja signo (ou valor econômico) é preciso, portanto, poder permutar coisas dessemelhantes (um trabalho e um salário, um significante e um significado) e, por outro lado, comparar coisas similares entre si: podese trocar uma nota de Cr$ 5,00 por pão, sabão ou cinema, mas pode-se também comparar essa nota com notas de Cr$ 10,00, de Cr$ 50,00, etc.; do mesmo modo uma ‘palavra’ pode ser trocada por uma idéia (isto é, o dessemelhante), mas pode ser comparada com outras palavras (isto é, o similar) [...] (BARTHES:1977, p.57) O signo produz um entendimento, a significação, que permite produzir valores de equivalência nas mais diversas formas de linguagem. A permuta entre objetos através da 110 equivalência de seus valores torna possível compreender as formas de linguagem em interação, como a suástica, ícone nazista, incorpora um significado proveniente de uma ideologia. Mesmo sendo um ícone, a suástica exibe a junção da enunciação do pensamento nazista ao mesmo tempo em que o faz visível por meio de expressão. Uma forma de base geométrica quadrada fica aproximada da forma de enunciação do nazismo. Comportamentos, política, ideologias, arte e arquitetura se associam na deriva de significação de um conceito, de um pensamento. A Explicação procede em maneira semelhante na relação Signo-Objeto no mesmo sentido que resulta da ação do pensamento que os associa e torna possível um entendimento, uma explicação, um ‘repouso’ do pensamento. A explicação resulta num outro signo, noutra explicação e noutro signo, o que resulta num ‘caminho’ pelo qual um processo de entendimentos se encadeia como expõe: “Se um Signo é algo distinto de seu Objeto, deve haver, no pensamento ou na expressão, alguma explicação, argumento ou outro contexto que mostre como, segundo que sistema ou por qual razão o Signo representa o Objeto ou conjunto de Objetos que representa. Ora, o Signo e a Explicação em conjunto formam um outro Signo, e dado que a explicação será um Signo ela provavelmente exigirá uma explicação adicional que, em conjunto com o já ampliado Signo, formará um Signo ainda mais amplo, e procedendo da mesma forma deveremos, ou deveríamos chegar a um Signo de si mesmo contendo sua própria explicação e as de todas as suas partes significantes... (PEIRCE: 1977, p. 47) O Signo e a Explicação geram um fluxo evolutivo, pensamento caro a Peirce, pelo qual um pensamento produzido por uma sensação, signo de pura qualidade, pode chegar a um pensamento de razão ‘pura’ – à maneira de Kant – que determina um estado de produção do conhecimento cientifico. 111 O pensamento e o exprimível aproximam-se de maneira ‘imperfeita’ ou se solidarizam por possuírem especulações próprias e particulares num processo linguístico. A trança produzida por esse processo define as condições diagramáticas que produzem os entendimentos na duração do tempo, ou na sua alteração. É possível refletir sobre dois movimentos do tempo nas linguagens: o fluxo sincrônico e a força do hábito; a mutação diacrônica e o apoio da memória. Pois que a cada mudança se poderá verificar uma pequena alteração das condições sociais – compreendidas como as mais amplas: geográficas – ou a sua radical mudança. Cada diagrama determinará uma condição possível no tempo sincrônico, nas relações que são estabelecidas dentro de um mesmo registro de forças e, por estarem ‘no mesmo tempo’, regem os lugares dentro deste diagrama. O diagrama no tempo evidencia as funções que enunciam e agem sobre as expressões, tanto quanto as matérias que são formadas pelo conteúdo. O diagrama se encontra espacializado na matéria e organizado pelas funções. Escreve Deleuze sobre o diagrama no livro “Foucault”: “O diagrama, ou a máquina abstrata, é o mapa das relações de forças, mapa de densidade, de intensidade, que procede por ligações primárias nãolocalizáveis e que passa a cada instante por todos os pontos, ou melhor, em toda relação de um ponto a outro.” (DELEUZE: 1998. p.45) O diagrama exerce sua força sobre as possibilidades de formar as matérias, ou seja, definir o Objeto, dar forma a uma possibilidade da matéria, ou seja, dar forma ao conteúdo, fornecer a condição do significado. Exerce sua força também sobre as condições do exprimível, do significante, do signo. Define as funções pelas quais são regidas as expressões que determinam as ações. 112 As leis são os enunciados expressos que determinam os controles sobre os corpos. A prisão é o conteúdo de visibilidade que evidencia e dá existência aos corpos a serem controlados. O diagrama é mais que regime de signos, é um regime de forças, de tensões. Os diagramas em Peirce são evolutivos baseados no sentido de Natureza e sua relação com os signos formados, a Natureza se transforma em concomitância à evolução dos signos, ou das linguagens pelas quais se expressa o seu entendimento. Mas todo signo ‘repousa’ e admite continuidade baseado na memória. Os signos não são contínuos como produção do entendimento. Um signo não se forma na sua anterioridade, o que não há, mas na sua ulterioridade: memória da ‘idéia’ a ser ressignificada. Os efeitos de sincronia, como desenvolvimento horizontal num plano contínuo, e de diacronia, como desenvolvimento vertical pela mutação, são resultados da homologia sobre todos os pontos do diagrama, e da fluidez e instabilidade das suas regências de força. As linguagens são construções sobre um mundo e não sua identidade, a expressão (palavra ou desenho) ‘árvore’ não é nenhuma árvore real, mas sua representação; e o conteúdo como conceito atribuído à expressão é retirado de um código e não da essência especular da árvore real. Mas toda linguagem está relacionada a uma sociedade assim como o diagrama é inferido nas suas relações já que “todo diagrama é intersocial, e em devir” (DELEUZE: 1998, p.45), atuando em todo o conjunto social, em todos os seus espaços a partir de novos sentidos de realidade, um novo sentido de tempo – sua mutação – e, consequentemente, um novo sentido de história: 113 “Faz a história desfazendo as realidades e as significações anteriores, formando um número equivalente de pontos de emergência ou de criatividade [...] duplica a história com um devir. Toda sociedade tem o seu ou os seus diagramas” (DELEUZE: 1998, p.45) O diagrama interage aos sistemas sígnicos: ‘o barco de carga’ ou o ‘Arco’ ou a ‘suástica’: são processos de significação que abrem o entendimento do mundo, do ser humano. O símbolo da suástica é um ícone pela sua materialidade – incorpora o sentido da mensagem no próprio objeto – e define um estado social no qual se apóia. A suástica não é uma forma que expressa um conteúdo, mas uma forma de expressão e uma forma de conteúdo que se solidarizam pela regência de um novo diagrama. A geometria quadrada que num diagrama histórico significa ‘bem-estar’ passa a ter outra significação na sociedade nazista, mais, no diagrama mundial da primeira metade do século XX. O exprimível suástica se solidariza com um conteúdo de controle, de definição de Estado, de terror. A trança semiótica reproduz o fluxo de significações-explicações: a figura simples e austera que é envolvida por uma semiótica de controle e terror, uma semiótica conotativa que gera comportamentos, pensamentos, sentimentos. A arquitetura nazista exprime as mesmas condições da suástica: modulação, racionalidade, controle. A modulação exprime uma razão formal, limpa e monumental que possibilita a significação da força do Estado, aglutina emoções de grandiosidade e orgulho e esconde, inicialmente, não o futuro de um Estado controlador, mas o presente de uma expressão que se solidariza com o determinável, com a forma racional que dobra sobre si como definindo os lugares de seus vazios, da mesma maneira que uma arquitetura racionalista determina lugar e comportamento 114 de pessoas, da mesma maneira que as forças do Estado controlam os lugares e os comportamentos nas cidades: cidades formadas por guetos, do lado de dentro e do lado de fora. Porque as linguagens estão sempre apoiadas em estados da sociedade e em seus pensamentos, concretos ou abstratos, em ação: “É o conjunto dos hábitos lingüísticos que permitem uma pessoa compreender e fazer-se compreender. Mas essa definição deixa a língua fora de sua realidade social [...] é mister uma massa falante para que exista uma língua. Em nenhum momento, e contrariamente à aparência, a língua existe fora do fato social, visto ser um fenômeno semiológico.” (SAUSSURE; s/d, p.92) Uma suástica indica o caminho pelo qual um signo se desenvolve das impressões mais qualitativas até às simbólicas. Indica a solidariedade de suas formas na trança das semióticas de conotação e o fluxo de suas significações dentro do regime de forças do seu diagrama. Os diagramas sofrem uma mutação quando alteram radicalmente suas relações de força, visíveis na sua atuação nos corpos sociais e no controle do tempo, e determinam um fluxo pela passagem das significações signo a signo derivando, às vezes reforçando, o valor que as significações estabelecem. O valor de uma arquitetura se configura no seu contexto, na possibilidade de organizar um sistema de trocas de informação que qualificam o objeto e sua relação com os demais. Prédios ‘trocam’ informações com prédios e ruas definindo estilos ou historicidades ou ambiências. Prédios modernos se conectam e produzem uma mensagem que flui pelas suas formas, a de expressão e a de conteúdo, configurando um estado de leitura e compreensão na horizontalidade do diagrama, no seu tempo ‘mesmo’, na sua forma de atualização de leitura dos objetos. 115 Um centro urbano como o da cidade de São Paulo demonstra esta relação na sua condição de densidade, de intensidade, das variações de fluxos e mensagens, na continuidade física e na descontinuidade linguística de seus edifícios. Estilos e tipologias dão sentido de lugar à geografia do centro. Prédios ecléticos mais ao meio, prédios modernos mais às bordas. Centro e periferia permitem a visualização tanto da permanência do significado quanto da sua alteração, sem perder os valores como conceitos. Para uma cidade medieval, base da construção física e territorial da maior parte das cidades ocidentais, o significado de centro e periferia urbanos é claro e devidamente atrelado às instituições que representam, pelos castelos e pelas igrejas. Para uma cidade no século XIX, as construções das casas burguesas são realizadas em áreas periféricas das cidades, de maneira a aproximar as construções do campo e produzir uma condição estética própria de uma aproximação com o natural. Embora alterado o significado do lugar enquanto periferia ou centro, não há uma quebra no valor de conceito. O sentido de centro é social e cultural, e permanece mesmo na inversão das cidades pelo crescimento e pela industrialização. O centro da cidade perde seu valor de ambiente, mas não o sentido de lugar e de ambiente histórico. E a elite é o centro social, mantenedora e produtora dos valores culturais. Os regimes de força, e poder, se verificam na alteração das linguagens oferecidas para ler a cidade sob novas condições, novos arranjos. Os gritos dos ambulantes se misturam com os produtos expostos nas barracas de venda. O ritmo das vozes que anunciam os produtos se mescla aos arranjos paradigmáticos dos produtos: gritos que anunciam repetidamente com blusas ou discos que são dispostos em série não produtiva ou mercadológica, mas linguística. 116 Vozes que enunciam ações – compre, venda – e visibilidades que tornam existentes os seres os quais são ordenados segundo um novo sentido, a espontaneidade na relação dos diversos grupos no centro. Pois o diagrama se exerce por ligações “não localizáveis e que passa a todo instante por todos os pontos” (DELEUZE: 1998, p.45) de tal maneira que não é possível encontrar o seu centro, a sua fonte. As sociedades disciplinares, que racionalizaram o corpo como território abstrato do poder, expandem as relações de forças na relação entre quaisquer dois pontos de seu território. A cidade, enquanto novo campo de superprodução da indústria contemporânea, é o cenário no qual se exerce o diagrama contemporâneo. A mudança das relações de significação, a partir de sistemas semióticos cada vez mais elaborados e de sistemas técnicos de produção cada vez mais abstratos, desvinculou o sentido do espaço urbano, ou mesmo de espacializações menores, como duplo do corpo e construção de uma identidade a partir desta relação de representação, alterando e noção de território e da capacidade dessa espacialização representar uma condição clara e homogênea da nossa sociedade. A complexidade da nossa cultura se evidencia na complexidade e multiplicidade dos sistemas semiológicos que nos envolvem cotidianamente no sistema de trânsito, nas notícias econômicas ou no comportamento. A extensão desses sistemas semiológicos provém da intensidade da produção técnica que a nossa sociedade necessita para se reproduzir, para se manter vigente. Os campos semiológicos são cada vez mais abrangentes e pontuam as diferenças de identidade através de especificidades dos sistemas. O próprio movimento de globalização apregoa a inter-relação de culturas e, na realidade provoca um amontoado 117 cultural que controla valores e dificulta a construção e manutenção de identidade e enviesa leituras genuínas da realidade. A construção da identidade individual e coletiva se dá a partir da articulação entre três dimensões: a biológica (que envolve características genéticas e hereditárias da espécie), a social (que envolve os dados próprios de cada sujeito ou cultura) e a individual (que permite ao sujeito articular o biológico e o social de maneiras personalizadas). Quando estas dimensões perdem as fronteiras semiológicas, as identidades podem tornar-se frágeis e suscetíveis comprometendo a capacidade de simbolização uma vez que a fragmentação das informações promove a sensorialização dificultando o desenvolvimento de processos racionais. Representação e significação são ações mentais que se retroalimentam e, quando esta dinâmica é interceptada a referência social e o instrumental cultural que caracteriza cada território são atingidos na sua essência. Os valores nos quais se fundam ambientes sociais perdem o seu poder de conectividade direta (o lenhador e a árvore) e se verifica a ação de mensagens escondidas nas interagências de objetos, de pessoas. Os nossos produtos semiológicos perderam a relação de central-marginal, característico nos movimentos de vanguarda ou na produção de valores sociais. Produtos semiológicos podem ser entendidos como objetos industriais, sentimentos, visão de si – mesmo, cidades, arte. A integração dos sistemas os amplifica e permite uma intertextualidade nos seus produtos e uma mescla nos seus significados, quase todos voltados para uma mesma noção de prazer sensual e individual. 118 Iuri M. Lotman, em seu livro ‘A Semiosfera’, debate aspectos semióticos na construção da cultura como sistema informativo e da natureza de seus códigos ou sistemas semióticos. Define que a cultura se constrói sobre duas linguagens primárias, a língua natural e cotidiana, e a espacialização e suas formas de construção. A cultura é um campo poliglota, composto de diversas linguagens com identidades particulares que se comunicam entre si, ou se misturam, ou se transformam. A música, o gestual e a fala são expressões que constituem linguagens particulares que se misturam e geram a dança, o canto. Outras formas de linguagem, como a artes de guerra, geram linguagens diversas, como o esporte. As expressões artísticas são condicionais intensas desses modos de transformação linguística. As expressões espaciais são maneiras dessas expressões artísticas que a partir de uma linguagem específica e particular, a espacial, constrói linguagens complexas como a arquitetura. Sobre a constituição da espacialidade: “[...] todos os tipos de divisão do espaço formam construções homomórficas. A cidade (= área povoada) se opõe ao que se constrói além de seus muros (o bosque, a estepe, a aldeia, a Natureza, o lugar onde habitam seus inimigos), como o próprio, o fechado, o culto e seguro ao alheio, o aberto, o inculto. Desde este ponto de vista, a cidade é parte do universo dotada de cultura. Mas, em sua estrutura interna, ela copia todo o universo, tendo seu espaço próprio e seu espaço alheio”. (LOTMAN: 1996, p. 84) Para Lotman, a palavra é a possibilidade de duplicação do mundo no universo simbólico da linguagem verbal, enquanto o espaço é a duplicação do corpo e a possibilidade de suas variantes e representações de maneira a constituir base para as representações das artes plásticas: “Graças à divisão do espaço, o mundo se duplica no ritual, da mesma maneira que se duplica na palavra. Conseqüência disto são as representações rituais (as máscaras, as pinturas sobre os corpos, as danças, as imagens colocadas sobre as tumbas, os sarcófagos, etc.) – origens das artes plásticas. A representação do corpo só é possível depois de se começar a ter consciência do próprio corpo em tais ou quais situações como representação de si mesmo. Sem uma divisão primária do espaço em esferas que exijam condutas diferentes, as artes plásticas seriam impossíveis”. (LOTMAN: 1996, p. 85) 119 Os diversos tipos de espaços produzidos, dos simples aos complexos, permitirão, assim, evidenciar sua constituição como esfera do duplo humano, abrindo sua condição de linguagem e arte. A cidade contém as bases linguísticas de sua formação como duplicação das representações do corpo no espaço e admite a extensão da complexidade cultural pela própria complexidade de sua constituição como pela complexidade dos sistemas semióticos que estão junto a si, dentro da cidade, paralelos ao sistema linguístico espacial. O conjunto dos espaços urbano possui a mesma matriz da duplicação do corpo e constituem um objeto aparente que instiga quanto a condição de sua origem como representação, o quanto se vincula a essa matriz material corpórea e como se constitui enquanto sistema linguístico e determinante de sua própria representação. Pois se a um momento, temos ainda diversas formas de espacialização que correspondem à condição da representação do corpo e seu comportamento, a outro momento temos outras formas de espacialização, com a mesma base linguística, que se desconecta das relações corpóreas mais próximas pela intermediação de sistemas técnicos abstratos. O espaço como duplo do corpo nele expresso se faz pela ritualização dos espaços que permitem identificar suas particularidades e identidades pelo comportamento que encerram, sejam espaços cotidianos ou eventuais, de natureza vulgar ou religiosa. Estabelecem condições para a permanência de aspectos ritualísticos no espaço que carregam a memória social e cultural nos seus diversos sistemas semióticos, permitindo diferentes profundidades do ambiente simbólico por eles produzidos. Estruturas linguísticas simples como encima-embaixo, dentro-fora, são ainda existentes e, vários programas espaciais e são continuamente codificados pelos mesmos ou outros códigos 120 de representação. Como já visto acima, o próprio sentido de centralidade e marginalidade são modificados não apenas pela modificação de condicionais culturais, mas pela interagência de sistemas abstratos que alteram fundamentalmente o significado dessas situações espaciais e simbólicas. Como Lotman escreve, a cidade permite representar o eu social na sua relação com o outro externo, seja cultural ou físico, seja uma ameaça de guerra ou aculturação. Embora os valores do que é centro e margem podem ter se alterado ao longo de séculos, não havia se perdido o sentido desta relação espacial de um centro cultural, estruturador da identidade social e um direcionamento contrário quanto ao marginal. O centro reflete a idéia da lei e de uma metafísica da sociedade, determinante de seus valores mais caros que indicam o sentido de sua existência e a produção de sua identidade. A cidade, por meio de sua constituição espacial, possui, assim, a condição de representação desses valores sociais. Os hábitos são memórias repetitivas e mecânicas, possivelmente técnicas. Podem ser verificados nos comportamentos dos grupos sociais que habitam ou trabalham uma região como podem ser verificados na concretude das formas arquitetônicas, na polifonia urbana, na semelhança e dessemelhança dos volumes e intenções tipológicas. Edifícios de períodos e tipologias diferentes são aproximados na leitura de um momento. A história torna-se uma condição da leitura do real, do ideal, pelas formas que se envolvem e promovem uma significação, ou várias significações, dos diversos momentos da cidade. As relações diacrônicas e sincrônicas na cidade são refletidas por Aldo Rossi no livro “A arquitetura da cidade” (1995), ao comparar alguns elementos urbanos, como o edifício 121 monumento, com raízes linguísticas ao modo de Saussure: os edifícios que permanecem e estruturam o desenvolvimento da cidade frente às mudanças urbanas que se realizam nos tempos da cidade: “O significado dos elementos permanentes no estudo da cidade pode ser comparado com o que eles têm na língua. É particularmente evidente que o estudo da cidade apresenta analogias com o da lingüística, sobretudo pela complexidade dos processos de modificação e pelas permanências. Os pontos estabelecidos por Saussure para o desenvolvimento da ciência linguística poderiam ser transpostos como programa para o desenvolvimento da ciência urbana: descrição e história das cidades existentes, pesquisa das forças que agem de maneira permanente e universal em todos os fatos urbanos.” (ROSSI: 1995, p. 5) O espaço como duplicação do corpo encontra em Rossi uma de suas expressões. A articulação estruturada da cidade é percebida na hierarquia formada pelas lutas de classe e pelos valores de história dos lugares, como o estudo dos elementos primários e como elementos permanentes são condicionais estruturadoras diante do universal da cidade. A visão estruturalista não inibe, no entanto, a percepção do diagrama no conjunto de relações que envolvem os fatos urbanos, na “identificação das forças principais que agem sobre as cidades, entendidas como forças que estão em ação de modo permanente e universal” (ROSSI: 1995, p.5). A percepção de um regime de forças não é fato exclusivo da pesquisa de Rossi, mas, neste livro, se evidenciam os fatos urbanos retratando as forças políticas que existem numa sociedade. Mas o poder se revela no domínio dos corpos e suas matérias, como os edifícios, e no enunciado das funções, das leis, dos tratados e dos ideais de construção. Porque o diagrama é “uma máquina quase muda e cega, embora seja ela que faça ver e falar” (DELEUZE: 1998, p.44) por meio de leis que enunciam deveres e fazeres e por meio de 122 matérias formadas: o que torna o mundo visível. Os edifícios, na solidariedade com seus argumentos, são campos de visibilidades dentro do regime diagramático. A extensão dos diagramas é exposta por Deleuze em “Foucault”: “Se há muitas funções e mesmo matérias diagramáticas, é porque todo diagrama é uma multiplicidade espaço-tempo. Mas, também, porque há tantos diagramas quanto campos sociais na História.” (DELEUZE: 1998, p.44) Cada período histórico, cada estrato histórico, terá um diagrama pelo qual matérias e funções ganham formas que significam, produzem valor. Não há um espírito do tempo no diagrama, a metafísica de uma Idéia é substituída por uma “causa imanente não-unificadora” (DELEUZE: 1998, p.46), um princípio que se estende sobre todos os pontos do diagrama. O pensamento da cidade moderna exerce estes princípios de focalizar a ação de cada indivíduo sobre todos os lugares onde este pode se encontrar. Isto se revela no seu próprio projeto, um desenho que organiza racionalmente da residência aos lugares públicos, todos com o sentido integrador do pensamento social. Françoise Choay, no livro “O Urbanismo” (1979), abre a extensão do desenho no pensamento moderno e a base geométrica que lhe confere a junção entre o belo e o verdadeiro. A geometria, o pensamento geométrico é um enunciado sobre as condições da natureza e do homem. A geometria é um enunciado que se solidariza com uma tipologia: funções formalizadoras e matérias formadas. Choay cita Le Corbusier de seu livro homônimo: “A geometria é a base [...] Toda a época contemporânea é, pois, de geometria, eminentemente; ela orienta seus sonhos para as satisfações com a 123 geometria. As artes e o pensamento moderno, depois de um século de análise, procuram para além do fato acidental e a geometria os conduz a uma ordem matemática.” (LE CORBUSIER, in Choay: 1979, p.23) A geometria utilizada pelo modernismo, o que conduz uma ordem matemática, é realizada de forma elementar por meio de cubos e paralelepípedos simples, tornando a ortogonalidade uma característica essencial. Não apenas os projetos de Le Corbusier apresentam tal característica. Uma geometria de simplificação transparece nos trabalhos de Mies Van der Rohe, Walter Gropius, Hannes Meyer. Os projetos de edifícios habitacionais abriram a forte tendência dos edifícios laminares. A indústria é fator causal na produção das tipologias e do uso da geometria, ponto de encontro e equilíbrio entre o belo e o verdadeiro. Na relação da calocagatia platônica afirmada, a verdade se encontra expressa na forma arquitetônica. Mas não é a mesma geometria simples dos trabalhos de Aldo Rossi? A geometria como ponto de encontro e equilíbrio não é a mesma busca dos trabalhos de Mario Botta? A sociologia moderna instrui a significação das tipologias enquanto a indústria instrui a significação da geometria. A tipologia dos edifícios corbusianos, como a Unidade de Habitação de Marselha, encontra a geometria de repetição da indústria e a plástica do concreto armado e a sociologia da idealização do homem. Ao aproximar o pensamento corbusiano ao de Fourier, Choay (1998) expõe a essencialidade de uma arquitetura que ‘tudo vê’: “Mas a célula ou alojamento familial, que o sistema de Fourier deixava deliberadamente indeterminado (a pessoa encontra onde se alojar segundo sua fortuna e seus gostos), torna-se, pelo contrário, em Le Corbusier, um apartamento-tipo, de funções classificadas num espaço mínimo, intransformável [...] A ordem material que acabamos de definir por sua 124 projeção no espaço contribui também para criar um clima mental particular.” (CHOAY: 1998, p.25) A cidade moderna exibia a mecânica causalidade da repartição, do módulo ideal e da produção industrial, através de classificação de áreas urbanas – setores organizados – e da classificação das áreas internas das habitações e, consequentemente, das pessoas e seus comportamentos. A sociedade disciplinar citada por Michel Foucault em “Vigiar e Punir” (2008) é claramente apresentada por Choay nestes parágrafos sobre o pensamento de Le Corbusier. O “apartamento-tipo de funções classificadas” (CHOAY: 1998, p.25) se assemelha ao concurso destas idéias na análise das sociedades clássicas e seus produtos de controle como os quartéis, as escolas e as prisões. Escreve Foucault em “Vigiar e Punir” (2008): “A regra das localizações funcionais vai pouco a pouco, nas instituições disciplinares, codificar um espaço que a arquitetura deixava geralmente livre e pronto para vários usos. Lugares determinados se definem para satisfazer não só a necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil. O processo aparece claramente nos hospitais militares e marítimos [...] O hospital marítimo deve então cuidar, mas por isso mesmo deve ser um filtro, um dispositivo que afixa e quadricula; tem que realizar uma apropriação sobre toda essa mobilidade e esse formigar humano, decompondo a confusão da ilegalidade e do mal [...] Donde a necessidade de dividir o espaço com rigor [...] Pouco a pouco um espaço administrativo e político se articula em espaço terapêutico; tende a individualizar os corpos, as doenças, os sintomas, as vidas e as mortes [...] Nasce da disciplina um espaço útil do ponto de vista médico.” (FOUCAULT: 2008, p.123, 124) Escreve Le Corbusier em “Por uma arquitetura” (1977): “Questão de moralidade. A mentira é intolerável [...] A arquitetura é uma das mais urgentes necessidades do homem, visto que a casa sempre foi o indispensável e primeiro instrumento que ele forjou [...] O instrumento é a expressão direta, imediata do progresso... O velho instrumento é jogado ao ferro velho [...] este gesto é uma manifestação de saúde, de saúde moral, também de moral [...]” (LE CORBUSIER: 1977, p.5) 125 A semelhança não é casual. Os distúrbios da industrialização no século XIX levaram a este entendimento de higienizar as cidades e as sociedades, as casas e os homens para realizar o intento de construir uma civilização com um novo ‘espírito’, melhor, um novo diagrama com novas relações de força e instruções de poder sobre onde alcançaria a ‘luz’ da razão e da moral: “as ‘Luzes’ que inventaram as liberdades inventaram também as disciplinas” (FOUCAULT: 2008, p.183). O Panoptismo de Jeremy Bentham, filósofo e jurista inglês (1748 – 1832), é a peça chave do pensamento disciplinar e objeto da crítica de Foucault em “Vigiar e Punir” (2008). Sinais dos tempos e sutil ironia: Leonardo Benévolo, no seu livro “História da arquitetura moderna” (1976) descreve sobre os socialistas utópicos no século XIX e, entre estes, Robert Owen com sua ‘aldeia de harmonia e cooperação’. Encerra um dos parágrafos – que trata da utilização de uma fábrica-modelo com maquinaria moderna e bons salários – assim: “Esses melhoramentos não impedem que ele tenha grandes lucros, permitindo-lhe enfrentar com sucesso os protestos dos sócios, os quais mais tarde, em 1813, são substituídos por outras pessoas com maior abertura mental, entre os quais conta-se o filósofo J. Bentham.” (BENEVOLO: 1976, p. 173) 126 CAPÍTULO 3. POÉTICA Michel Foucault proferiu, em 1967 no Círculo de Estudos Arquitetônicos (publicado em “Architecture, Mouvement, Continuité, nº5, de outubro de 1984), uma conferência a respeito do que chamou de heterotopias, ou outros espaços e iniciou esta conferência debruçado sobre uma das questões que Foucault considerou como um dos pontos centrais da nossa época: o espaço. O tempo histórico é um estrato temporal de tal maneira que, a exemplo dos estudos de linguagem e das condições de produção sígnica, é o resultado de uma mutação. O tempo, conceito de percepção interna, se encontra nas formas de distribuição dentro da horizontalidade do plano espacial, os lugares onde as coisas estão e, por elas, se multiplicam. As percepções fantasmáticas de Bachelard, como os diversos conceitos – o sótão e o porão no lugar do imaginário – que discutiu no livro “A poética do espaço”, não são desconsideradas, mas não pertencem a esta abordagem. O espaço é a condição do múltiplo, das inúmeras possibilidades de arranjo da matéria, dos corpos da natureza e dos homens. A exemplo de Bergson, o espaço não é uma representação do múltiplo, é uma multiplicidade, como explica Deleuze no seu livro “Le bergsonisme” ao discutir ‘a duração como dado imediato’: “O importante é que a decomposição do mixto (tempo e espaço) nos revela dois tipos de ‘multiplicidade’. Uma é representada pelo espaço (sobretudo se temos em conta todas as nuanças, pela mistura impura dos tempos homogêneos): é uma multiplicidade de exterioridade, de simultaneidade, de justaposição, de ordem, de diferenciação quantitativa, de diferença de grau, uma multiplicidade numérica, descontinua e atual. Outra se apresenta dentro 127 da duração pura; é uma multiplicidade interna, de sucessão, de fusão, de organização, de heterogeneidade, de discriminação qualitativa ou de diferença de natureza, uma multiplicidade virtual e continua, irredutível ao número.(DELEUZE: 2004 ,p.31) A multiplicidade do espaço da organização dos sons e dos signos é um arranjo na simultaneidade, na extensão da horizontalidade do diagrama que passa por todos os pontos no espaço, da sincronia dos valores dos signos no exercício das relações de força. Defronta-se à multiplicidade virtual do entendimento na sua duração configurando a consistência dos valores nesta simultaneidade. Essas multiplicidades se organizam na elaboração dos lugares e nas solidariedades das significações, pois que sempre haverá um tipo de relação de formas de conteúdo e formas de expressão. Os colégios e suas salas que organizam fileiras e alunos, assim como presídios que organizam celas e presos, objetos de solidariedade sígnica, foram tratados por Foucault em “Vigiar e Punir”. Estes espaços são as heterotopias, os contra-lugares, a contrapartida dos lugares ideais: as utopias. Estão separados os lugares de uso comum, de relaxamento, das utopias e das heterotopias. Os lugares de uso comum são os bares, os cafés, as casas e dentro delas salas e os quartos, que são formas de arranjo das multiplicidades fortemente associados ao cotidiano, à noção de um tempo que se realiza nas ações pequenas e diferentes entre si, ações que se multiplicam nas variações dos dias. Estão nestes lugares as ruas com seus afazeres de ir e vir, seu sistema 128 aberto de trocas e fluxos diversos: pessoas, anúncios, carros, dinheiro, comportamentos e idéias. É um sistema-mundo em rede, pois que não há diferença na topologia das relações entre estes lugares, ou entre as multiplicidades que habitam estes lugares. O espaço é múltiplo porque descontínuo, variado e fragmentado no conjunto dos seus corpos, e atual porque existe sem a noção de tempo. Pois, será na relação de tempo e espaço que se produzirão os tipos de lugares e suas diferenças: os lugares comuns, os lugares ideais e os lugares outros. O arranjo das multiplicidades do espaço, a sua realização na matéria por uma técnica, é feito pelos costumes dos povos e pela agregação de suas funções e valores: a acrópole ateniense é um arranjo dos mais complexos, pois ao articular as matérias do mármore às da terra, articula os valores das matérias formadas: os blocos de mármore pelos quais se constroem os templos – expressão humana – diante do solo pouco aplainado no qual se enraízam as expressões da natureza. A dicotomia homem-natureza é a condição de valor do homem grego na dicotomia solidária de Apolo e Dioniso. O múltiplo espacial ‘arrumado’ pela razão incorpora as noções de tempo no fluxo da expressão dos estilos na matéria e na memória dos tempos micênicos da cidadela fortaleza real. O sentido dos lugares que surgem desta complexidade deriva da técnica de formação e articulação de elementos singulares, heteróclitos, e da possibilidade de formalizar as funções políticas e religiosas. A subjetivação do homem grego é um resultado desta complexidade que organiza matérias e funções. Em “Foucault” (1998), explica Deleuze: “Talvez fosse mesmo preciso voltar aos gregos [...] A formação grega apresenta nova relações de poder, bem diferentes das velhas formações imperiais e que se atualizariam à luz grega como regime de visibilidade, no logos grego como regime de enunciados [...]A novidade dos gregos aparece posteriormente, aproveitando-se de um ‘descolamento’ duplo: quando ‘os exercícios que permitem governar-se a si 129 mesmo’ se descolam ao mesmo tempo do poder como relação de forças e do saber como forma estratificada como ‘código’ de virtude [...] É como se as relações do lado de fora se dobrassem...[...] ‘é um poder que se exerce sobre si mesmo dentro do poder que se exerce sobre os outros’[...] É a versão grega do rasgão e do forro: descolamento operando uma dobra, uma reflexão.” (DELEUZE: 1998, p.107) As pedras talhadas do templo grego se elevam ao vazio do pensamento na relação entre as matérias – os entrecolúnios – e na razão fundamental na técnica da construção pelo módulo; e descolam o racional do natural pelo estilobasto. Não bastante, a arquitetura grega apresenta a dobra-reflexão do ser individual diante do ser coletivo na simetria do poder exposto na ágora e na acrópole. A ágora-assembléia-falante é a expressão do indivíduo que reconhece como em domínio de si, assim como a acrópole é a expressão do coletivo que se reconhece como forma de poder. A subjetivação do homem grego está inscrita na sua arquitetura e no seu urbanismo, ou nas “heterotopias de crise, lugares privilegiados ou sagrados ou proibidos.” (FOUCAULT: 2009). São lugares nos quais a vida comum e cotidiana se desfaz e refaz no arranjo, político ou religioso, das multiplicidades das gentes ‘desorganizadas’ e das matérias ‘insignificantes’. Um novo arranjo solidário das formas de expressão e de conteúdo arregimenta significações particulares, singulares, pivôs da subjetivação das mentes e argumenta história e consciência social nos articuli materiais. As duas formas se configuram nas tranças das pedras e das palavras: as pedras talhadas são, em si, formas de conteúdo e formas de expressão já que são matérias formadas que se conectam a outras matérias formadas através de uma memória técnica: o estilo e os tipos. Ao mesmo tempo, se entrelaçam com os enunciados de dever político e social que são atualizados no tempo da sociedade grega e formalizam as funções que determinam os sentimentos, os 130 deveres políticos, a honra: matérias formadas e funções formalizadas enredam o sutil acontecimento da arquitetura. A arquitetura é uma semiótica conotativa que trança, entrelaça semióticas distintas que se não se identificam, mas se solidarizam, admitem um significado por aproximação das formas e não por leituras consequentes. Disto se constrói a sua poética. As linearidades proposicionais dos sistemas utópicos são apenas um estreitamento desta solidariedade formal e não a sua eliminação. Foucault (1967) distancia os lugares do cotidiano das utopias – os lugares irreais e críticos das sociedades – e das heterotopias – os lugares reais e sua ruptura temporal. O tempo configura os sentidos de lugares ao darem-lhes a possibilidade de serem algo a ser percebido em um momento, um acontecimento; e se associa ao lugar para fornecer sua condição de presente e de existência. A utopia é uma imagem de lugar e tempo ‘congelados’, construída na busca da Idéia e da perfeição a exemplo da arquitetura moderna e seu sentido de atemporalidade. Sua arquitetura ideal realizada na referencia de harmonia de um espírito do tempo tornou concreto, na possibilidade da matéria, a imagem de uma sociedade mecânica e socialmente adequada. A fluidez do tempo cessa na imagem imóvel da utopia assim como cessa as mudanças inerentes aos lugares, e é da relação do tempo com lugar que se verifica a diferença entre as utopias e as heterotopias. Foucault as contrapõem e define suas características, a partir de um texto de Borges, em “As palavras e as coisas”: 131 “As utopias consolam: é que, se elas não têm lugar real, desabrocham, contudo, num espaço maravilhoso e liso; abrem cidades com vastas avenidas, jardins bem plantados, regiões fáceis, ainda que o acesso a elas seja quimérico. As heterotopias inquietam, sem dúvida solapam secretamente a linguagem, porque impedem de nomear isto e aquilo, porque arruínam de antemão a ‘sintaxe’. E não somente aquela que constrói as frases – aquela menos manifesta, que autoriza ‘manter juntos’ (ao lado e em frente umas das outras) as palavras e as coisas.” (FOUCAULT: 2002, p. XIII) A linguagem solapada na heterotopia de Borges é a própria linguagem escrita, expressão de “uma certa enciclopédia chinesa” (FOUCAULT: 2002, p. IX) que classifica seres, mas indica um dos mistérios destes outros lugares: “No deslumbramento dessa taxinomia, o que de súbito atingimos, o que, graças ao apólogo, nos é indicado como o encanto exótico de um outro pensamento, é o limite do nosso: a impossibilidade patente de pensar isso.” (FOUCAULT: 2002, p.X) Das palavras e das coisas é possível alterar para as palavras e os lugares: as heterotopias são lugares de denominação estranha, de solidariedade aberta, às vezes mística, às vezes multiforme: os cemitérios, os jardins, as feiras e os mercados. As palavras dos lugares são as denominações, a incorporação de uma substancia pela possibilidade da expressão como a ação dos incorporais. Porque os tipos de lugares e de estes outros lugares, arranjos de solidariedades formais, podem ser explicados pela relação dos quatro incorporais estóicos: o tempo, o vazio, o lugar, o exprimível. O aprofundamento nos incorporais permite o entendimento da fluidez dos corpos e das linguagens, dos fluxos e das mutações. Os estudos de linguagem, como o feito por Saussure com a relação ao significante-significado, recebem uma herança provinda do pensamento 132 estóico sobre a expressão, diante da possibilidade dos corpos, integrados e desintegrados nos fluxos dos tempos, dos lugares e dos vazios, serem nomeados e abertos à sua representação, ao seu entendimento. De Rachel Gazzola, no livro “O ofício do filósofo estóico”: “O Pórtico pretendeu inovar na ontologia quando nomeou os quatro incorpóreos – o tempo, o lugar, o vazio, e o exprimível – como ‘quaseseres’, em contraste com os corpóreos (estes, sim, seres reais porque físicos). Tal inovação deixou ao Ocidente a abertura para a reflexão sobre significantes e significados, estes nada mais sendo que os exprimíveis (lékta) estóicos”. (GAZZOLA: 1999, p.13) De Michel Foucault ,em “As Palavras e as coisas”: “Desde o estoicismo, o sistema dos signos no mundo ocidental fora ternário, já que nele se reconhecia o significante, o significado e a ‘conjuntura’. A partir do século XVII, em contrapartida, a disposição dos signos tornar-se-á binária, pois que será definida, com Port-Royal, pela ligação de um significante com um significado.” (FOUCAULT: 2002, p.58) De Anne Cauquelin, do livro “Frequentar os incorporais”: “Mas qual é, então, esse corpo que cerca o lekton, o exprimível? Crisipo nos diz que é o som vocal, a voz, a palavra: todos os corpos, pois eles agem; a voz, o som, emitido pela boca, toca meus sentidos, penetra o ouvido [...] mas ‘difere da linguagem, porque a linguagem (logos) tem um sentido (semantikos), mas existem palavras desprovidas de sentido (asemos) como blituri, o que não é o caso da linguagem.” (CAUQUELIN: 2008, p.41) Análise possível: ver a herança em Peirce e Saussure: em Peirce há um signo que está em relação a um objeto, a forma ‘realidade’ que se revela na forma ‘signo’, sendo o signo o incorporador de uma Representação, em Saussure a relação exprimível e linguagem se destacam, o lekton não é a palavra, é o significado expresso por ela. A trança das formas recebe elementos de impulso vital como a in-temporalidade do tempo, a evanescência do vazio e o acontecimento do lugar. 133 Os corpos, a matéria do mundo, são movidos fluidicamente pelos incorporais físicos e pelo incorporal linguístico, pois exprimir o mundo é revelá-lo pela tradução das linguagens. Uma análise sugere as forças que movem as representações: o exprimível se desmembra na palavra e no sentido, nas formas de expressão e de conteúdo; o vazio que é além dos corpos – as coisas e as palavras inclusive – e que se torna lugar ao ser abarcado por um corpo; e o tempo e a sucessão de momentos. A implicação destas idéias está na leitura da cidade contemporânea, no comparecimento do pensamento filosófico na interpretação de uma realidade urbana cada vez mais marcante, como as megacidades. A analogia de um mundo caótico se associa ao caos estóico, o lugar onde não há uma ordem, uma organização, a megacidade é um corpo, matéria do mundo, sem organização e, consequentemente, sem forma única do dizível, a megacidade é Babel, um corpo sem órgãos. Carlos Garcia Vasquez, no livro “Ciudad Hojaldre” (2004) - ‘hojaldre’ é um doce de massa folhada, uma metáfora urbana – escreve no capítulo ‘A cidade dos corpos’ da referencia quanto ao pensamento de Gilles Deleuze e Felix Guattari e sua denominação de um ‘corpo sem órgãos’. Associa o conceito de um corpo sem órgãos, como as esponjas e os corais, há agrupamentos que se caracterizam “pela ausência de uma estrutura essencial, de uma hierarquia de órgãos com funcionamentos diferentes” (VASQUEZ: 2004, p.130). Assim é possível entender a massa construída e informe, caótica, na qual se percebe a horizontalidade de elementos dispostos em sincronia no tabuleiro do espaço da cidade: “A cidade contemporânea poderia assemelhar-se a um corpo sem órgãos que realizara suas funções, não mediante a coordenação de elementos especializados, como defendia a Carta de Atenas, mas sim graças a processos de inspiração, evaporação e transmissão de fluídos, processos que estão em permanente atividade e evolução.” (VÁSQUEZ: 2004, p.131) 134 A Carta de Atenas e suas funções urbanas estruturavam hierarquicamente o ambiente urbano ao modo analógico de um corpo humano, o centro de decisões como a cabeça da cidade, a circulação como evolução do pensamento matemático fazendo carros e pessoas passarem pelas vias como o sangue passa pelas artérias. O motor social é colocado em seguida nos centros de comércio e serviços. Corpos funcionais e formalizados – as residências corbusianas – participando de um corpo organizado na sua hierarquia antropomórfica. As cidades contemporâneas, as megacidades, não são assim organizadas, formam uma massa extensa de elementos fluídicos ao modo dos lugares comuns de Foucault, dos bares, cafés e cinemas onde as gentes se passam, cruzam, entretêm. No distanciamento das utopias e das heterotopias, os lugares comuns são os momentos fluídicos da vida cotidiana por onde circula um sistema de trocas – comercial, intelectual, sentimental – sem que aja um poder de retenção neste sistema de trocas, de dons e contradons. Este ambiente dos dias foi crescido vertiginosamente pelo moderno sistema de fabricação e possibilidade inumerável de produção. O mundo infindável dos objetos, das canetas multicoloridas, e dos novos carros que são os mesmos, se confunde com a massa de habitações de ‘estilo’, com as ruas de transitoriedade – sem a intencionalidade das passagens de Benjamin – e com os edifícios que desmontam as perspectivas e propiciam ao cenário urbano uma dramaticidade babélica, um fluxo interminável de formas que se associam a cada novo instante, a cada momento, como a cada momento o tempo envolve um corpo e lhe conta o sentido de acontecimento, de um lugar. 135 Este não é o lugar das memórias coletivas como desenvolve Aldo Rossi em “A arquitetura da cidade”, mas é o momento no qual um corpo penetra o vazio, o lugar é sua consequência, e o tempo a sua condição de experiência. Deste corpo sem órgãos: “Nenhuma totalidade é perceptível neste corpo sem órgãos, na há claras centralidades sequer estáveis superestruturas, mas isto não significa o caos. Como nos agrupamentos de organismos que acabamos de citar, também aqui existem estruturas débeis, parciais e instáveis que permitem um funcionamento complexo. A cidade dos corpos sem órgãos está articulada por uma frágil armação cujos nós são ‘pontos singulares’: aeroportos, centros comerciais, centro culturais, etc.” (VÁSQUEZ: 2004. p. 131) Os aeroportos e os centros culturais, estruturas débeis e instáveis, são condensações dos fluxos dispersos na cidade. A não centralidade das megacidades é uma intensidade que abarca a rede montada pela topologia disjunta das inúmeras construções que estão nesta rede inseridas. A cidade é um arranjo de fragmentos, e não mais elementos que se estruturam em conjunto. A rede à qual pertencem os pontos múltiplos – espaciais – é a condição do fluxo significante, o encontro de pequenas subjetivações que se ligam pela repetição de elementos de expressão como as geometrias dos edifícios. Dentro de um sistema de igualdades, a desigualdade produzirá um estado de subjetivação peculiar: “Deleuze e Guattari utilizam o exemplo da cristalografia para explicar seu proceder: quando um germe de cristal é introduzido em uma matéria amorfa e instável comunica sua estrutura a uma molécula vizinha e esta, por sua vez, a outra, e assim sucessivamente até que a substancia cristaliza em uma forma estável. Algo similar ocorre na cidade contemporânea: quando em um domínio aparece um ponto singular, o espaço que o rodeia cristaliza e se converte em destino de multitudes de fluxos que o conectam com outros pontos singulares da cidade. (VASQUEZ: 2004. p.131) A cidade de corpos alterna estabilidade e instabilidade pelo fluxo das noções de tempo e entendimento e de vazio e lugar, à semelhança da fluidez sígnica. 136 Os fluxos são pura intensidade no corpo sem órgãos, mas o que é um corpo sem órgãos? “Hjelmslev tinha conseguido elaborar uma grade com as noções de matéria, conteúdo e expressão, forma e substância. Esses eram os strata, dizia Hjelmslev [...] Chamava-se matéria o plano de consistência ou o Corpo sem Órgãos, quer dizer, o corpo não-formado, não-organizado, não estratificado [...]” (DELEUZE e GUATTARI: 2004, p.57) Um Corpo sem Órgãos é a própria matéria do mundo sem um estado de organização ou sem uma forma; e é sobre este conceito que Vásquez (2004) associa as multiplicidades da cidade contemporânea a um estado de corpos sem organização, enfim há corpos e modos de sua organização, de sua territorialização e desterritorialização: a agência dos incorporais. A relação que é feita com a cristalografia – um germe de cristal que migra gerando outros cristais – à fluidez dos signos que geram signos é o fluxo semântico que perpassa os corpos tal como quando os olhos de um viandante envolvem e significam as paisagens que desvelam a cidade nos interstícios de seus blocos, pois os olhos de quem vê quando anda não invadem os corpos, apenas os transformam, mudam a sua forma pela possibilidade de sua nova dizibilidade. O dizível, o exprimível, é a emergência do conteúdo pela solidariedade da expressão. É uma ação conjunta do tempo, do vazio e do lugar diante de sua condição de expressão. O vazio e o lugar são solidários, porque um lugar existe quando um corpo ocupa o vazio, como explica (CAUQUELIN: 2008, p.31) citando Diógenes: “Incorporais, o lugar e o vazio são uma mesma coisa, que é chamada ‘vazio’ quando nenhum corpo a ocupa, e ‘lugar’ quando é ocupada por algum corpo”. 137 O tempo, como o vazio, é entendido pela sua infinitude e não-direcionabilidade, sem antes, depois ou agora, mas admite sua dimensionalidade no contato com os corpos. Os incorporais estóicos vão, pouco a pouco, e não sequencialmente, dando condição aos arranjos dos corpos. A matéria, o corpo sem órgãos, é incorporada por condições naturais, físicas, que permitem que estes corpos se organizem e desorganizem, territorializem e desterritorializem. São arranjos descontínuos não porque altera a matéria do mundo, que é sempre a mesma, mas porque são alterados os arranjos a cada momento. Uma praça pode ser territorializada e desterritorializada conforme pessoas diferentes a invadam nos tempos dos dias e das semanas, fazendo com que as ‘matérias vazias’ da cidade se preencham de significado e vida. Da mesma forma, uma feira produz a mesma sensação de alteração, de presença e ausência, ao se deslocar e transmutar os lugares da cidade com a sua presença efêmera: um tipo de heterotopia porque “a heterotopia consegue sobrepor, num só espaço real, vários espaços, vários lugares, que por si só seriam incompatíveis” (FOUCAULT: 1967) Bernard Tschumi, no livro “Architecture and disjunction” permite avançar nesta relação dos corpos e suas mutações – pelas quais se produzem as disjunções – no tempo, no capítulo “Violência da arquitetura”, começando com dois princípios: “não há arquitetura sem ação, não há arquitetura sem eventos, não há arquitetura sem programa e, por extensão não há arquitetura sem violência” (TSCHUMI. 2001, p.121) A violência não é compreendida como uma força brutal destrutiva, destruindo uma integridade física ou emocional, mas é vista “como uma metáfora da intensidade das relações 138 entre indivíduos e os espaços circundantes” (TSCHUMI: 2001, p. 122), interação que torna a arquitetura um acontecimento a cada momento, a cada instante: “Ora, se o vazio incorporal vem a ser lugar a partir do momento em que ele recebe corpos, o tempo, ele também, e pela mesma operação, vem a ser temporal desde quando momentos lhe são fixados em sucessão.” (CAUQUELIN: 2008, p.93) Mas não se trata de uma sucessão contínua que pudesse ligar o passado e o futuro como ‘uma estrada sem fim’, mas é a sensação presente a cada momento, é a memória do tempo e da incorporação dos lugares que dão a sensação de continuidade, uma ilusão da apreensão do indivíduo na duração de cada momento. A força da arquitetura como evento é a convergência das ações do tempo e do lugar na solidariedade das formas e da interveniência dos corpos dos indivíduos e das arquiteturas. A experiência arquitetônica se dá na duração da percepção do espaço como evento e dos fluxos significantes pelos quais a intenção do espaço se esconde, ou se revela. Cada momento, na condição da duração da sua experiência, permite o entendimento do conteúdo da memória, mas “sobre a forma na qual ele se dá – o presente – até fazer desaparecer grande parte (ou, mais radicalmente, o todo) do conteúdo para preservar apenas o seu signo.” (CAUQUELIN: 2008, P.99) A significação que resulta da experiência, deste momento presente, que torna a arquitetura um evento, é o exprimível que se associa ao tempo, na duração da experiência, e ao fluxo vaziolugar. 139 A experiência no tempo se dá no encontro dos corpos dos indivíduos e das arquiteturas, a violência que dá interação e dá alteração dos sentidos dos corpos, a ação dos corpos é condição da arquitetura. Tschumi explora duas formas de violência, da significação resultante da inter-ação, a dos corpos violando os espaços e o seu contrário: “Adentrar a um edifício pode ser um ato delicado, mas isto viola o equilíbrio de uma geometria precisamente ordenada [...] Mas se corpos violam a pureza dos espaços arquitetônicos, alguém pode surpreender-se sobre o reverso: a violência infligida a grandes multidões por apertadas galerias de passagem, a simbólica ou física violência dos edifícios sobre os usuários [...] Arquitetura, então, é apenas um organismo comprometido no constante intercurso com o usuário [...] O lugar que o corpo de alguém habita está inscrito na sua imaginação, seu inconsciente, como um espaço de possível deleite [...] Cada espaço arquitetônico implica (e deseja) a intrusa presença de quem irá habitá-lo [...] (TSCHUMI: 2001, p. 123-124) O desconforto aberto por este conjunto de violências recíprocas é definido por assemelhação a alguém que vai a um show de rock, multidões apertadas e som alto, mas o som excessivo é exigido por um espaço excessivo. Desta violência em excesso, entende Tschumi, pode surgir o prazer da arquitetura. Um prazer que nasce da percepção da geometria do espaço e, muitas vezes, do seu rigor, ou do conjunto de espécies espaciais descontínuas ligadas por um espaço envolvente, imanente. O prazer de uma arquitetura de excessos e descontinuidades pode ser observado no projeto do Parque La Villette e no Studio National des Arts Contemporains Le Fresnoy. Em La Villette, Tschumi desintegra os conceitos de elementos urbanos de Kevin Lynch e faz com que a região, os caminhos, os nós e os marcos, sejam estratos justapostos, retirando desta interação a dinâmica da forma do parque, com passarelas coberturas que abrem ao caminhante a 140 possibilidade do exercício de seu desejo, da ‘violência’ do corpo ao alterar a rota do espaço e a violência do espaço ao impedir seu fechamento formal ao usuário. A descontinuidade das formas justapostas não produz uma integração, mas uma interação de partes com a cumplicidade dos indivíduos, que alteram a ‘rota determinada da passarela’ e a alteram ao transformá-la em caminho. Mas ao transformar a passarela, o conjunto todo mudou, houve uma permuta de valores espaciais que alteraram pela nova percepção que não se circunscreve pela ‘altura’ de posicionamento do corpo e consequente alteração de visão, mas o valor do corpo perceptivo também mudou, porque a transgressão alterou seu caráter ‘normal, e a perda do comedimento abre a sensação do excesso, cria uma imagem fluídica numa mente que perdeu o sentido de simetria e abriu-se às portas da percepção do espaço em excesso: de formas em estratos, de cores fortes e singulares, da transgressão da normalidade que encerra aprisionada a fluidez dos tempos e dos lugares e a denominação instável dos corpos. O indivíduo altera o espaço como leitor poeta, ‘transgredindo’ o rito original engendrado pelo arquiteto, caminhando numa poiesis do espaço descontínuo e abrindo, ao prazer da arquitetura, o rito-fluxo purificador dos hábitos e dos dias. Em Le Fresnoy, a instigante circulação abraça em pinça, com uma cobertura, um conjunto de casas que não foram demolidas. Entra-se pelo teto: diz a passarela metálica que indica esta possibilidade ao indivíduo leitor, as portas dos térreos das casas tiveram seu valor transmutado juntamente com as antigas janelas, são apenas aberturas por onde perpassa o desejo de quem anda. 141 A cobertura envelopa e desloca o conjunto de casas de sua região, são agora pedaços de textos colocados ao acaso, porque é esta a (im)possibilidade da leitura correta. O prazer de ler o espaço em fragmentos é o mesmo que Barthes demonstrou em seu livro “O prazer do texto”, ler apenas o que dá prazer, fazer com que um momento novo permita chegar a um estado de invenção, de criação poética. Cumplicidade de uma intenção poética das formas disjuntas com a intenção caminhante que poetiza ao acaso da escolha. Não é apenas ler nas entrelinhas, mas é ler no vazio disjunto, no diagrama da relação presença-ausência, é ler o não-escrito. A cada intenção se produz um novo espaço da efemeridade das imagens e das formas de exprimir e a cada indivíduo que entra, e a cada momento que dure uma experiência, um corpo se transforma porque se reconstrói nas suas formas. Le Fresnoy e La Villette são arquiteturas que possuem uma forma de conteúdo pelas matérias que abarcam e uma forma de expressão pelas funções que agregam, não as funções do fazer, mas a determinação de cada lugar no conjunto semântico de seu espaço. Talvez os vazios sejam a sua matéria-prima, não os tijolos dos prédios, mas os espaços que circundam estes tijolos, as aberturas que permitem que as casas módulos sejam ‘violentadas’, porque ao ser exprimido, mesmo que pela imaginação de quem anda e vê, o vazio se torna corpo na expressão da palavra-corpo-imagem. A poética de um espaço, de uma arquitetura, se delineia na relação de alguns fatores: a solidariedade entre as formas de expressão e de conteúdo, o tempo e seus sentidos de duração (fluxo) e memória (mutação), os corpos e a matéria do mundo. 142 A cobertura e a circulação de Le Fresnoy formam um novo arranjo da matéria da cidade, deste corpo sem organização, as casas ‘insignificantes’, permitindo dar forma a uma matéria não formada. 143 CAPÍTULO 4. MATERIALIDADE Os conceitos de forma de expressão e forma do conteúdo foram definidos por Louis Trolle Hjelmslev, em um texto de 1943, chamado “Prolegomenos a uma teoria da linguagem” no qual discute diversos aspectos da linguagem a partir da referência de Saussure: “Aderimos explicitamente ao passado em certos pontos a respeito dos quais sabemos que outros conseguiram resultados positivos antes de nós. Um único teórico merece ser citado como pioneiro indiscutível: o suíço Ferdinand de Saussure”. (HJELMSLEV: 1978, p. 182) O “Prolegomenos a uma teoria da linguagem” é termo para a leitura, como visto, de Deleuze e Guattari em “Mil Platôs” no capítulo “10.000 A.C. – A geologia da Moral (quem a Terra pensa que é?)”, do qual são retirados os conceitos de forma e substância tanto de expressão quanto de conteúdo. Não menos, Deleuze em “Foucault” (1998), indica, sem citar Hjelmslev, os mesmos conceitos: “Foucault ataca particularmente o Significante, ‘o discurso se anula em sua realidade em sua realidade colocando-se na ordem do significante’. Vimos como Foucault descobriu a forma da expressão numa concepção bastante original do enunciado [...] Mas uma operação análoga é necessária para a forma do conteúdo, pois assim como a expressão não é um significante, este também não é um significado. Não é também um estado de coisas, um referente.” (DELEUZE: 1998, p.60) A desmontagem desta linhagem se processa na desvinculação do signo, uma forma, representando um objeto, um conteúdo. A solidariedade entre o significante e o significado é uma condição de não-identidade entre os elementos do signo, mas é um contato sutil, no tempo e no espaço que os une e os desune a cada sentença, palavra ou pensamento. O significante passa a ser chamado de expressão, e o significado passa a ser chamado de conteúdo. 144 Das ações no tempo, resultam os fatos de diacronia e sincronia é da diacronia linguística que se entende o conceito base para a compreensão dos estratos, definidos por Hjelmslev em outro texto: “A estratificação da linguagem” (1954). São quatro os ‘strata’ de base de Hjelmslev (1954), pois que se baseia no fato que expressão e conteúdo não estão em relação identitária, mas solidária, portanto cada uma tem uma forma pela qual se produz a relação entre eles, mas também cada forma ‘formaliza’ substâncias, resultando os quatro ‘strata’: substância de expressão, forma de expressão e substância de conteúdo, forma de conteúdo. As formas podem ser entendidas como instrumentos de linguagem, não psicológicos, que produzem formas, ou arranjos, pelos quais se possa ‘ver’ e ‘falar’, entender pelas formas visíveis as substâncias do mundo e enunciar pelas formas dizíveis, sendo que as formas visíveis são solidárias às formas de enunciado: uma faz ver o que a outra diz: como a forma visível prisão (conteúdo) se solidariza com o enunciado da Lei que define o crime (expressão). A expressão não representa o conteúdo, mas é da junção das duas formas que se produz uma significação. Não há sentido no Panoptismo, como enunciado e expressão de um dispositivo de classificação e ordem se, por contrapartida, não houver um conteúdo real que se mostre a esta evidencia como o distúrbio das massas populacionais. À ‘desordem’ das populações corresponde um enunciado de ordenação. 145 A matéria do mundo, nos arranjos de suas inúmeras possibilidades, fornece as substâncias que o pensamento abarca: as formas do visível são formalizações das matérias do mundo, não os próprios objetos, mas estados de visibilidade: “As visibilidades não se confundem com os elementos visuais ou mais geralmente sensíveis, qualidades, coisas, objetos, compostos de objetos [...] As visibilidades não são formas de objetos, nem mesmo formas que se revelariam ao contato com a luz e com a coisa, mas formas de luminosidade. (DELEUZE: 1998, p. 61) “Chamava-se conteúdo as matérias formadas que deviam, por conseguinte, ser consideradas sob dois pontos de vista: do ponto de vista da substância, enquanto suas matérias eram ‘escolhidas’, e do ponto de vista da forma, enquanto eram escolhidas numa certa ordem (substância e forma do conteúdo)” (DELEUZE e GUATTARI: 2004, p.58) “Cada uma dessas línguas estabelece suas fronteiras na “massa amorfa do pensamento” ao enfatizar valores diferentes numa ordem diferente, coloca o centro de gravidade diferentemente e dá aos centros de gravidade, um destaque diferente. É como os grãos de areia que provém de uma mesma mão e que formam desenhos diferentes, ou ainda como a nuvem no céu que, aos olhos de Hamlet, muda de forma de minuto a minuto, Assim como os mesmos grãos de areia podem formar desenhos dessemelhantes e a mesma nuvem pode assumir constantemente formas novas, do mesmo modo é o sentido que se forma ou se estrutura diferentemente em diferentes línguas, São apenas as funções da língua, a função semiótica e aquelas que dela decorrem, que determinam sua forma. O sentido se torna, a cada vez, substância de uma nova forma e não tem outra existência possível além da de ser substância de uma forma qualquer. (HJELMSLEV: 1978, p. 200) A arquitetura reúne matérias físicas como o concreto, o vidro ou o aço, e matérias não físicas como o vazio e o tempo, que se tornam corpos ao admitirem uma forma de serem exprimidos. Um desejo, o do arquiteto, se pronuncia no arranjo destas possibilidades, na técnica de agrupamento das multiplicidades materiais: o desejo da geometria de um espaço, da simetria entre as partes, da educação do olhar e do espírito na arquitetura moderna ou da existência das gentes na arquitetura e na cidade como em Aldo Rossi para quem as construções ou áreas da cidade, que tenham relevância, fatos urbanos, possuem uma singularidade que “depende mais da forma que da matéria, ainda que esta tenha um papel importante; depende também de a forma ser a sua forma complicada e organizada no espaço e no tempo”. (ROSSI: 1998, p. 16) 146 A fenomenologia de Rossi (1998), como a percepção da ‘alma’ da cidade, não distancia a preocupação do que considera os grandes temas para a arquitetura: a individualidade, ou a capacidade de um fato urbano pronunciar-se como organização isolada; o lugar, ou a capacidade de um edifício ser visto como elemento de identidade cultural; o desenho e sua força de intencionalidade que transparece na forma e a memória, substrato dos tempos da cidade e produtora de sentimentos e comportamentos ligados a valores culturais. Volta-se à matéria como a possibilidade dos arranjos no mundo através de uma intenção, ou força criadora, e as noções de tempo e lugar, o tempo na memória e no reconhecimento da população, o lugar como projeção da existência única daquele objeto. No “A arquitetura da cidade”, não há proposições como multiplicidades ou diagramas ou sociedades disciplinares, talvez, mesmo, seja uma das últimas estações projetivas das sociedades disciplinares inauguradas no Iluminismo e vindas a nós pelas utopias e pelo modernismo. O racionalismo em Rossi (1998) ainda exerce uma forte carga sobre elementos de composição e simetria, mas não esconde a influência das teorias da linguagem, da arquitetura como coisa fabricada e da variação tecnológica na produção projetual. Os fatos urbanos, num espectro que abarca os edifícios às cidades, não são mais pensados feitos à razão industrial, com uma tecnologia de projeto similar à de Christopher Alexander, mas são manufaturas, artefatos, que fabricados no tempo pelo homem, incorpora valores desta passagem do tempo. Os tempos das cidades são sentenças fabricadas no tempo, que se limita e define os espaços da cidade como lugares, como signos de representação dos momentos ritualizados na configuração da forma. 147 Porque nem todos os ambientes da cidade podem ser considerados fatos urbanos, mas somente aqueles que possuem uma individualidade, aqueles ‘lugares’ que se destacam no meio do múltiplo da cidade. Sem precisar inferir a lógica identitária das permanências, é possível perceber a leitura das estruturas que possibilitam as formas dos edifícios ou dos bairros. No mapa de uma multiplicidade estruturas de linguagem inferem o caráter da cidade, pois que a cidade se faz entre ‘as obras de engenharia e de arquitetura’ e as construções da vida cotidiana: os modelos que são referências estilísticas e, normalmente, produto dos poderes de uma sociedade; e os tipos com suas invenções de momento, sua imagem de iconicidade imperfeita, sua finalidade de ser matéria de transformação da cidade. Os movimentos da cidade são vistos como similares aos da linguagem, e os tempos que se movem nas contradições da dialética possuem saltos transformadores: a alteração da cidade antiga para a cidade medieval, ou da cidade burguesa para a cidade moderna. Vida e política se inserem na existência das cidades assim como as cidades são o cenário da existência humana. A matéria organizada substancializa uma forma, um fenômeno, uma visibilidade, que se estabelece pelo traço dos arquitetos ou das populações e trança sua informação de solidariedade imperfeita aos enunciados políticos e sociais do seu tempo e da sua gente. As formas das arquiteturas correspondem às visibilidades do inextricável do nosso mundo e dos arranjos de força que cada estrato histórico exerce sobre os enunciados sociais e políticos 148 e sobre os conteúdos formados das matérias. As formas são dispositivos de linguagem pelos quais é possível associar matérias e funções. Tanto permite que as matérias do mundo sejam ‘escolhidas’ quanto permite que as funções sociais, os enunciados para Foucault – educar, punir, fazer trabalhar –, sejam formalizados ou finalizados, tenham uma finalidade dentro de um contexto de solidariedade de formas. Para Hjelmslev (1978), a toda forma corresponde uma substância, mesmo que os estudos da linguagem sejam estudos formais e não substanciais, pois é a forma que escolhe as matérias ou finaliza as funções. As utopias, ou os pensamentos ideais, correspondem, no universo da arquitetura, aos processos legais e às novas disposições médicas. As formas projetuais correspondem às formas da visibilidade. As formas tornam evidentes tanto as matérias quanto as funções: “Um regime de luz e um regime de linguagem não são a mesma forma, e não têm a mesma formação. Nós compreendemos melhor porque Foucault não parou de estudar estas duas formas [...] encontra em Vigiar e Punir sua forma positiva [...] a forma do visível, em contraste com a forma do enunciável. Por exemplo, no começo do século XIX, as massas e populações se tornam visíveis, vêm à luz, ao mesmo tempo que os enunciados médicos conquistam novos enunciáveis (lesões de tecidos, orgânicos e correlações anatomofisiológicas [...]” (DELEUZE: 1998, p. 42) O Panóptico de Bentham é uma visibilidade que torna evidentes os corpos disciplinados, e dóceis, de presos, escolares, soldados; mas torna evidentes também a matéria do mundo formada nos objetos. Não há linguagem que não possua uma forma de ‘ver’ (as visibilidades e a forma de conteúdo) e uma forma de ‘falar’ (os enunciados e a forma de expressão). Uma arquitetura se torna uma forma quando ‘escolhe matérias não-formadas’, sendo a matéria é uma massa plástica que se organiza por meio de uma técnica que a escolhe e define sua 149 função no arranjo que a forma produz deste conjunto de multiplicidades: o presídio, a casa moderna, o monumento pós-moderno. A matéria das arquiteturas, escolhida conforme seu tempo, é mais ampla que os corpos físicos do concreto e do vidro e da luz, e que os corpos dos homens e da sociedade, pois ao serem expressos se tornam corpos materiais a serem formados, os incorporais como o tempo, o vazio e o lugar e suas conseqüências. A trança semiótica das arquiteturas associa a sua matéria, uma multiplicidade de corpos, numa possibilidade de formas de conteúdo e de expressão. A formalização da matéria arquitetônica se produz em relação com as finalidades de seu tempo como a luz reveladora do sol na arquitetura de Le Corbusier, a luz fenomênica de Barragán, a luz metafísica de Louis Kahn. A luz é matéria tanto quanto o tijolo e o concreto que ele revela, e abre a possibilidade, no encontro–desencontro, da percepção da sombra e do vazio, da intermitência do tempo, e da presença do lugar. As arquiteturas terão estas matérias escolhidas como ‘os grãos de areia na mão e as nuvens de Hamlet’ conforme o diagrama de seu tempo, não como sua identidade, mas como solidariedade sígnica, Um dos princípios das heterotopias é a condição que ela possui de rearranjar o tempo, produzir um tempo outro, uma heterocronia, como uma igreja desvincula o tempo mítico do tempo vulgar, como um cinema desvincula o tempo cotidiano e nos leva ao tempo de sua arte. Há uma ruptura com o tempo tradicional, diz Foucault (1984), produzindo uma nova condição de leitura e percepção, do lugar e de si, e no estancamento do movimento fluídico e aberto do 150 ‘tempo das ruas’, dirigir ações e sentimentos: “podemos avançar que o tempo também é um incorporal e só assume corpo – isto é, só se torna corpo realmente – quando uma ação se dá nele” (CAUQUELIN: 2008, p. 93): e que ao contato com o vazio tornado corpo, no sentido de lugar, abre a condição da experiência no período de sua duração: como um cemitério. É isto que vemos no cemitério de San Cataldo, projetado por Aldo Rossi, em Modena e em 1971, ampliando um projeto já existente, o tempo é matéria da arquitetura tanto pelo apelo histórico das tipologias neoclássicas renovadas, quanto pelo apelo fenomenológico do encerramento do ossuário numa geometria pura. O projeto, premiado em 1971, relê o fechamento do cemitério num columbário contínuo por meio de uma forma retangular trabalhada com colunatas. No eixo central, encontra-se um cubo que articula vazios dispostos de forma extremamente regular que, junto à geometria do edifício, compõem um cenário de racionalidade delatora dos mistérios da morte e da sua impostação como afirmação positiva, presente. A geometria do cemitério de San Cataldo, culminando no ossuário, é uma organização dos caminhos, das matérias de construção, das noções de tempo e do respeito à história. Os módulos das colunatas do columbário, e os módulos em cheios e vazios das paredes do ossuário dão valor positivo às intermitências dos vazios. Suas sombras se materializam na dizibilidade racional. Assim os caminhos, e junto a estes os pensamentos e os sentimentos de que neles entra, indicam claramente o ingresso a um mundo interior. Espaço outro da relação vida e morte, um cemitério, como o de San Cataldo, é uma heterocronia porque produz uma reorganização das formas percebidas numa linearidade de aprofundamento pessoal e espacial. 151 O bloco marcantemente material encerra um vazio no seu interior, transformando-o, como ao tempo, numa positividade espacial, um vazio sólido e concreto porque carregado de dizibilidade, de significados. São conectadas as matérias resultando numa forma, numa condição do exprimível, em algo – a geometria de módulos e intercalações – que se relaciona com os seus enunciados; um cemitério judeu, introspecção, a relação metafísica com o corpo. Formas de enunciado e formas de visibilidade são claras nesta leitura, as matérias da arquitetura - como o vidro e o tempo, o concreto e o lugar – se conectam com as funções com as quais se solidarizam, e, na leitura de Deleuze e Guattari, se constroem e destroem, se territorializam e desterritorializam nos fluxos do diagrama instalado. Mas não são em todas as arquiteturas que esta solidariedade é clara. O lado de fora, a exterioridade e suas multiplicidades, é a diversidade de todos os sentidos e a explosão de matérias e enunciados dispostos ao acaso nas ruas, no espaço. O diagrama das cidades altera o arranjo destas multiplicidades nas casas, condomínios, museus, shoppings: a mesma areia na mão que gera formas diferentes com tempos diferentes e funções específicas. A cidade contemporânea – representante de uma sociedade ocidental – é uma mescla de corpos simples que se agregam a corpos complexos – indivíduos e sociedade, casas e bairros – articulando formas diversas em solidariedade com as funções do diagrama contemporâneo, ligadas à efemeridade e ao presenteísmo. O diagrama é o jogo de forças que atua numa época na extensão dos estratos existentes numa sociedade, é uma relação de forças. Segundo Deleuze (1998), é “a apresentação das relações 152 de força que caracterizam uma formação [...] este seria uma emissão, uma distribuição de singularidades.” (p.81) A sociedade ocidental se multiplicou pelo seu extremado poder de produção e industrialização de bens de consumo ao excesso, dando forma a uma sociedade de excessos que alterou o valor referencial dos produtos, que passou a ser condicionado pela possibilidade de satisfação momentânea, efêmera. A efemeridade dos universos de linguagem está associada à efemeridade dos valores voltados à satisfação do desejo, como explica Lipovetsky (2005): “O ciclo pós-moderno se deu sob o signo da descompressão cool do social [...] No momento em que triunfam a tecnologia e a genética, a globalização liberal e os direitos humanos, o rótulo pós-moderno já ganhou rugas, tendo esgotado sua capacidade de exprimir o mundo que se anuncia [...] Hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hiperterrorismo, hiperindividualismo, hipermercado, hipertexto – o que mais não é hiper?” (LIPOVETSKY: 2005, p. 52-53) O crescimento das cidades não é uma evolução quantitativa da produção industrial no tempo dos arquitetos modernos, mas é uma mudança radical da relação entre grupos sócias, do sistema de produção de bens e do seu sistema de distribuição. Mutação diagramática: não há mais uma elite que estabeleça significação e valor a produtos, gestos, pensamentos. Os ambientes estéticos em que se desenvolvem as formas de arte são diversos, não é mais possível determinar um ambiente erudito e um comum, pois que os grupos sociais ganharam força e autonomia. 153 A liberdade pretendida pelos modernos, baseada num sistema de produção industrial que expandiria um bem-estar comum sob a bandeira ética do pensamento social, encontra a liberdade do individualismo da hiperprodução. É uma revolução do cotidiano diante que enfrenta as grandes utopias modernas que dispõe Narciso diante da oposição nietzscheniana Apolo – Dioniso. A oposição razão-emoção se vê, agora, confrontada pelo desejo de si e da força do universo do inconsciente e, pela perda dos limites e das noções de valor, explosão do desejo infundado de si, pois que à imagem do ‘eu’ refletido na sociedade se superpõe a imagem de um poder pontual, descentralizado, singularizado. O controle centralizador das sociedades disciplinares – o panoptismo e as cidades modernas – se encontra reconfigurado no sujeito que controla a si mesmo porque não se percebe solitário dentro do seu pequeno mundo, iludido pela possibilidade de atender um desejo domesticado por imagens múltiplas de valor igual e de um poder disseminado em cada indivíduo, descentralizado, sem um rosto com o qual lutar: “No cerne do novo arranjo do regime do tempo social, temos: (1) a passagem do capitalismo de produção para uma economia de consumo e de comunicação de massa; e (2) a substituição de uma sociedade rigorísticodisciplinar por uma ‘sociedade-moda’ completamente reestruturada pelas técnicas do efêmero, da renovação e da sedução permanentes [...] O universo do consumo e da comunicação de massa aparece como um sonho jubiloso [...] a neofilia se apresenta como paixão cotidiana e geral [...] Foi o poder dos dispositivos subpolíticos do consumismo e da moda generalizada o que provocou a derrota do heroísmo idológico-político da modernidade [...] (LIPOVETSKY: 2005, p. 60 e 61) O pensamento de construir uma sociedade futura do modernismo e o pensamento tradicionalista e histórico do pós-modernismo foram transformados em objetos de consumo e 154 turismo: indústria digital e centros históricos restaurados: instaurados na construção narcísea do presente. O museu é um dos espaços outros, coletor e amontoador de história, de uma coleção de tempos que são vistos por olhares rápidos, narcíseos, digitais. Da coleção múltipla dos tempos que se atualizam no diagrama, o museu os seleciona e os classifica, para um olhar de etiquetas e iconicidades. Encerramento e organização de tempo e espaço: “Um museu, um estádio, um centro comercial, um teatro de ópera, um parque temático de entretenimento, um edifício histórico protegido para ser visitado ou um centro turístico, são contêineres.” (SOLÁ-MORALES: 2002, p.99) A trança semiótica passa a ter mensagens escondidas, a exemplo dos mitos de Barthes (2007), e a arquitetura torna visível dois níveis de enunciados, um que diz veja, compre, more; outro que diz como ser, agir, pensar, mas como escreve Deleuze (1998) em “Foucault”: “O segredo só existe para ser traído” (p.63) As multiplicidades de tempo e espaço existentes no espaço externo das ruas configuram fluxos sígnicos abertos de informação referentes a objetos, construções e pessoas, através de placas e painéis informativos, estilos arquitetônicos e regras de comportamento. Os fluxos abertos das ruas são organizados dentro dos contêineres, e por essa organização, se realizam processos de seleção, segregação e condicionamento. Os contêineres são “os cenários nos quais o ritual de consumo se produz, onde a distribuição de bens desejados encontra seus adoradores” (SOLÁ-MORALES: 2002, p.99), um ambiente de trocas – compra e venda – que são “nem sempre públicos, tampouco privados”. 155 Os fluxos múltiplos e organizados são ligações sígnicas em que as relações solidárias de expressão e conteúdo são tecidas com outras relações de expressão e conteúdo: as semióticas trançadas na cidade são também seus sistemas técnicos de produção e distribuição: uma placa é um produto industrial ao mesmo tempo em que distribui funções: parar, andar etc. Os fluxos são produzidos pela interconexão dos múltiplos pontos que existem dentro de um diagrama como a relação tipológica entre edifícios, a relação funcional das áreas de comércio, a constituição dos sistemas de infra-estrutura e dos sistemas de comunicação. São os grãos de areia que formam figuras por como a mão os despeja no chão, sempre os mesmos grãos de areia, os mesmos elementos de linguagem e as mesmas matérias do mundo, formadas pelo agrupamento de elementos heteróclitos, significadas e valoradas, dentro das forças de um diagrama: a megacidade: mas a solidariedade das formas não é clara nos contêineres. A crítica de Solá-Morales (2002) sobre estes elementos da contemporaneidade urbana analisa sua falta de transparência, uma opacidade própria dos tempos de uma sociedade estabelecida no presente, a transparência da arquitetura moderna – na qual o conceito era reconhecido na relação forma/função – perde a sua validade diante de uma sociedade que eliminou seus pensamentos essencialistas, moldada pela configuração de uma comunicação cada vez mais fragmentada e pelo presenteísmo do individualismo narcíseo. Está baseado em Baudrillard (1996) e em seu livro “A troca simbólica e a morte”, no qual é feita a crítica sobre os novos sistemas de produção e a perda dos valores referenciais: “Acabaram-se os referenciais de produção, de significação, de afinidade, de substância, de história, toda a equivalência a conteúdos ‘reais’ que ainda lastravam o signo com uma espécie de carga útil, de gravidade – a sua forma 156 de equivalente representativo. Prevalece o outro estádio do valor, o da relatividade total, da comutação geral, combinatória e da simulação. Simulação, porque todos os signos se trocam doravante entre si, sem se trocarem em absoluto pelo real [...]” (BAUDRILLARD: 1996, p. 20) Reflete-se sobre a noção de Saussure (s/d) a respeito da economia política do signo, na qual elabora os valores de equivalência do signo – uma moeda de R$ 1,00 tem um significante e um significado que dão a sua significação sígnica e um valor que permite sua comutação com coisas de outra natureza, qual uma maçã – e sua relação com os objetos, as substâncias de conteúdo, a possibilidade de o signo estar em referência a uma possibilidade do real. Para Baudrillard (1996), os signos perdem a sua referência com o real, a possibilidade de comutar salário por trabalho por bens que possuam equivalência pela comutabilidade dos seus valores, e passam a definir trocas sem fatores de equivalência: os produtos perdem sua condição de valor, todos são estabelecidos com valor único no sentido do atendimento a um estado de desejo presenteísta. O fluxo das linguagens e dos sistemas de trocas perde, neste modo, a sutil solidariedade das formas de conteúdo e de expressão, ou porque se distanciam, ou porque não se encontram, ou porque há informações que são passadas dentro das formas. As formas de expressão e de conteúdo se solidarizam para produzir significação e valor, fator de equivalência entre objetos heteróclitos, mas é possível que uma forma de expressão seja constituída por uma relação de expressão e conteúdo, como um mito, formando uma semiótica conotativa; e é possível que uma forma de conteúdo também seja constituída por uma relação de expressão e conteúdo, formando uma metasemiótica, ou uma metalinguagem: 157 “Na realidade, como toda articulação é dupla, não há uma articulação de conteúdo e uma articulação de expressão sem que a articulação de conteúdo seja dupla por sua própria conta e, ao mesmo tempo, constitua uma expressão relativa no conteúdo – e sem que a articulação de expressão seja dupla por sua vez e, ao mesmo tempo, constitua um conteúdo relativo na expressão. É por isso que entre o conteúdo e a expressão, entre a expressão e o conteúdo há estados intermediários, níveis, trocas, equilíbrios pelos quais passa um sistema estratificado.” (DELEUZE e GUATTARI: 2004, p.59) A estratificação das mensagens forma as tranças semióticas produzindo signos que possuam mais de uma interpretação, mais de uma função, dentro do seu regime de solidariedade. Um contêiner – um museu, um shopping – é uma semiótica conotativa, uma trança semiótica, possivelmente com mais de um estrato significativo dentro do seu sistema de mensagem: uma arquitetura com tecnologia contemporânea realizada com elementos copiados de arquiteturas clássicas produzindo uma informação de centro de compras que indica graus de segregação social e seletividade econômica e que estabelece uma condição de submissão de aspectos de seu desejo a um estado coletivo de domesticação de corpos e vontades. Não é possível definir esta configuração como uma regra, a cada mensagem os estratos se desmontam e se remontam em novos estados de solidariedade, pois se as agulhas de uma catedral são uma forma de conteúdo – uma visibilidade – diante de seus enunciados de religião no pensamento de Foucault, as mesmas agulhas serão uma dizibilidade de sua altura, uma expressão de suas proporções, um conjunto de enunciados da dizibilidade construtiva, arquitetônica, diante do conteúdo das matérias, das pedras. São as mesmas pedras e as mesmas figuras, porém com outro rito de solidariedade. A estratificação da mensagem é a condição de ser possível o conjunto informativo que existe num contêiner. Mas, não é uma informação livre para ser interpretada, é um condicionamento dos hábitos, das ações do pensamento, e do anuviamento da experiência. 158 A deriva significante é pertinente ao diagrama, pois as informações organizadas num objeto arquitetônico estão espalhadas em todo o conjunto. A leitura da perda do valor referencial não se encontra apenas no ‘templo do consumo’, mas disseminado em todo o conjunto informativo, político, social, pois que “a relação de poder é o conjunto das relações de força, que passa tanto pelas forças dominadas quanto pelas dominantes, ambas constituindo singularidades” (DELEUZE: 1998, p.37), e se um arranjo de forças como um shopping center ou um condomínio de alto luxo puder determinar ‘forças dominantes’, e se as ruas e ambientes periféricos da cidades – das bordas urbanas ou nas áreas centrais – puderem determinar ‘forças dominadas’, o fato é que ambas estarão sujeitas ao mesmo diagrama e submetidas ao mesmo estado social, submetidos ao mesmo arranjo político, e os contêineres não poderão ser compreendidos como centros de controle, mas apenas como organizações espaço-temporais, nos quais se exercem o mesmo tipo de submissão de uma situação social, sendo, hoje, uma busca sem finalidade da manutenção de uma satisfação no momento presente, uma ilusão de um paraíso de prazeres. Os fluxos semióticos seguem as disposições das forças do diagrama social, político, econômico; estabelecidos dentro dos estratos sociais através de suas formas de expressão, de suas formas de conteúdo, de seus signos. Uma deriva significante invade linguagens: os corpos se violentam e se alteram: semióticas comportamentais são alteradas por semióticas arquitetônicas que são alteradas por semióticas econômicas; produzindo, na relação dos fluxos há uma deriva de forças que some diante das mensagens opacas de semióticas ‘míticas’, conotações de uma ideologia que submete – além de uma sociedade central e disciplinar – corpos e enunciados, arquiteturas e pessoas. 159 Escreve Sola-Morales (2002) sobre o contêiner como shopping-center: “Se trata de um gasto não desinteressado. É basicamente um dom, um intercâmbio. Seguindo, assim, a Baudrillard, os objetos que intermedeiam este ritual de consumo são gratificantes porque estão inseridos em uma economia de permuta, da gratificação. O sacrifício que significa o trabalho é oferecido, através da mais abstrata e cada vez mais imaterial das mediações, do dinheiro, pela troca dos objetos do consumo” (SOLÁ-MORALES: 2002, p.99) Um sistema de dons e contradons, que Baudrillard (1996) descreve em “A troca simbólica e a morte” baseado em Mauss (2007) e seus estudos na Polinésia – “Ensaio sobre a dádiva”, em Année Sociologique de 1923/24 – sobre um sistema de trocas de presentes, síntese e representação de sistemas de lutas e de poder. Um ciclo que detém significações de passado e futuro na representação das trocas, pois que receber alguém em sua casa significa que já foi recebido antes, e que será recebido depois. As honras das trocas medem esforços e poder: a dádiva estabelece o alcance da contra-dádiva, formando um ciclo de presentes representativos dos lugares sociais de anfitriões e hóspedes: representação de um sistema de forças, um poder que se exerce no ciclo das representações. “De todos esses temas muito complexos e dessa multiplicidade de coisas sócias em movimento, queremos considerar aqui apenas um dos traços, profundo mas isolado: o caráter voluntário, por assim dizer, aparentemente livre e gratuito, e no entanto obrigatório e interessado, dessas prestações.Elas assumiram quase sempre a forma do regalo, do presente oferecido generosamente [...] essas prestações e contraprestações se estabelecem de uma forma sobretudo voluntária, por meio de regalos, presentes, embora elas sejam no fundo rigorosamente obrigatórias, sob pena de guerra privada ou pública. Propusemos chamar tudo isso o sistema das prestações totais [...] Mas nessas duas últimas tribos do noroeste americano e em toda essa região, aparece uma forma típica, por certo mas evoluída e relativamente rara dessas prestações totais. Propusemos chama-la potlatch [...] Potlatch quer dizer essencialmente ‘nutrir’[...] (MAUSS. 2007, p. 187-191) 160 Nutrir o sistema é também mantê-lo, fazer permanecer as trocas pelas quais as relações de forças não são imóveis ou apaziguadas, mas estão em ação dentro de um sistema de produção das máquinas culturais e localizadas corporalmente na sua distribuição. Distribui-se a dádiva nas logísticas dos lugares, na concentração de seus favores, na representação dos símbolos que determinam os lugares de concentração de forças. Nisto se apóia Solá-Morales (2002) para revelar os contêineres como ‘templos do consumo’, assumindo o conceito de consumo como árbitro de um novo diagrama. Os contêineres são semióticas conotativas que concentram um ‘sistema de prestações totais’, formas de poder que vige em sua intensidade por meio de suas visibilidades arquitetônicas e dos enunciados de troca, fabricar e comprar são instruções para a roda de um sistema que se mostra na aparência opaca de arquitetônicas cujas formas se encontram em tramas complexas, “uma separação física que nega a permeabilidade, a transitividade, a transparência.” (SOLÁMORALES: 2002, p.100) Como os shoppings são lugares de ofertas de compra, os museus são lugares de oferta de exposições permanentes ou temporárias, merchandising. Para uma sociedade de excessos, há uma arquitetura de excessos, neste caso de excesso de artificialidade e perda dos valores de referência das coisas pela contemplação inexata da vida em comum estimulada por um enunciado de consumo. Há uma resposta em Mauss (2007), no começo do “Ensaio sobre a dádiva” lêem-se estrofes do Havamál, do Eda escandinavo: 161 “Com armas e vestimentas os amigos devem se obsequiar; cada um o sabe por si mesmo Os que as dão mutuamente presentes são amigos por mais tempo se as coisas conseguem se encaminhar bem. Deve-se ser um amigo para seu amigo e retribuir presente por presente; deve-se ter riso por riso e fraude por mentira. Os homens generosos e valorosos têm a melhor vida; não sentem temor algum. Mas um poltrão tem medo de tudo; O avarento sempre teme os presentes. Mais vale não rezar (pedir) Do que sacrificar demais: Um presente dado espera sempre um presente de volta. Mais vale não levar oferenda Do que gastar demais com ela. (Havamál, In: MAUSS: 2007, p.185-187) Desenvolver os conceitos de Mauss (2007) ao excesso define, em Baudrillard (1996), pensar a desconfiguração de um sistema de trocas, no qual o ‘sistema de prestações totais’ perde a sua conexão com o real, com o histórico, com os conteúdos sígnicos; um tempo em que não é mais possível exercer o poder da contra-dádiva. A dádiva é fornecida constantemente pelo sistema de produção industrial, matéria formada que constitui objetos em todos os sentidos nos sistemas de comunicação, nas lojas, nas cidades. Pouco a pouco as multiplicidades dos conteúdos perdem seu estado de conexão com as multiplicidades de expressão, constituindo um discurso vazio: “A homologia introduzida por Saussure entre trabalho e significado, por um lado, salário e significante, por outro, é uma espécie de matriz donde se pode irradiar para toda a economia política. Hoje, verifica-se, mas de forma inversa: desconexão entre os significantes e os significados, desconexão entre o salário e o trabalho [...] Saussure tinha razão: a economia política é uma língua, e a mutação que afecta os signos da língua, quando perdem o seu estatuto referencial, afecta também as categorias da economia política.” (BAUDRILLARD: 1996, p. 43, 44) 162 Lógica que leva a uma arquitetura de discurso sem referência aos conteúdos de realidade: contêineres, arquiteturas opacas cenários do exercício da perda referencial de valor histórico, ou de uma condição de existência, através da conotação da mensagem. As cidades contemporâneas são também, abordadas por Koolhaas (2006) em texto de 1997, chamado “A cidade genérica”, no qual começa por uma analogia entre a falta de identidade das cidades contemporâneas – as megacidades – e a falta de identidade dos aeroportos contemporâneos: são todos iguais. Desenvolve o texto pela perda da força dos centros históricos diante do explosivo crescimento das cidades – está focalizado nas cidades asiáticas, mas as estende internacionalmente – e do isolamento das construções, edifícios construídos na pós-linguagem de conteúdos perdidos: “É um lugar de sensações tênues e distendidas, de contadíssimas emoções, discreto e misterioso como um grande espaço iluminado por uma lamparina à noite.” (KOOLHAAS: 2006, p. 15) Os conteúdos materiais e as formas do pensamento – formas de conteúdo - são desconectados, em sua solidariedade, de uma proposição enunciável. Toda arquitetura é conotativa, mas nem toda conotação está apresentada claramente nas tranças semióticas. Os conteúdos históricos, que organizam formas do pensamento, estão fundados em fatos que suscitam solidariedade, na condição social em que se apresentam, das dizibilidades das formas de expressão. A trança conotativa que se apresenta no cemitério de San Cataldo se esgarça na cidade contemporânea: a cidade busca apenas uma dizibilidade, um discurso em si: 163 “A cidade genérica sempre está fundada por gente que vai de um lado a outro, está colocada para seguir adiante. Isto explica a insubstancialidade de seus fundamentos [...] A escritura da cidade pode resultar indecifrável e defeituosa, mas isso não significa que não haja escritura; pode ser que nós tenhamos criado um novo analfabetismo, uma nova cegueira. (KOOLHAAS: 2006, p. 22 e 27) A clareza da mensagem de San Cataldo não elimina o fato de haver mais de uma forma que o constitua como arquitetura, assim como a cidade pensada por Rossi (1998), não elimina o entendimento que os fluxos semióticos se organizem nas áreas urbanas, ou que fortes alterações sociais evidenciem mutações diagramáticas no conjunto de suas forças, no arranjo das formas de seus corpos e na funcionalização de seus enunciados de observação dos tempos, das formas, da história. Na trança das semióticas do pensamento pós-moderno, uma informação é passada na deriva dos significantes, na reelaboração das formas de conteúdo e de expressão. As solidariedades formais se combinam a cada possibilidade, pois a forma arquitetônica é uma forma que torna o conteúdo dos corpos visíveis, mas é uma dizibilidade de sua própria linguagem, de sua geometria, de sua espacialização. Será lugar enquanto possibilidade de ser exprimível. No arranjo dos mistérios das sombras de San Cataldo e na positividade dos módulos e da luz, uma informação é passada que remete o cemitério a seus conteúdos históricos. A geometria por um lado, e os mistérios de vida e morte por outro, mostram, na poética de San Cataldo um tema das derivas de expressão, dos fluxos significantes, pois que sua geometria se apóia em outras, a ela ulteriores, pois que suas sombras se ligam a mistérios da religião também existentes em outras formas de espacialização, destas outras espacializações. 164 Uma palavra-tema, uma expressão-tema, que remete o fluxo semiótico a suas expressões ulteriores, um hipograma, como na leitura do texto “As palavras sob as palavras – os anagramas de Ferdinand de Saussure” feita por Baudrillard (1996). As formas de expressão e de conteúdo se relacionam por solidariedade para produzir uma significação que, por ela, permutam valor entre signos de diferentes modalidades associados a um código comum que defina seu equilíbrio, mesmo na sua dessemelhança. Na comutação sígnica ou na permuta de valores, entremeia-se o hipograma, a palavra que está sob as palavras, o exprimível sob o exprimível. Assim o valor de uma residência estabelece equivalências sígnicas como lar, como valor econômico, cultural, técnico, arquitetônico. A cada um destes valores se associará uma semiótica repleta de seres geométricos, comportamentais. As tipologias não são formas sintéticas, mas possibilidades de associações e equivalências sígnicas que permutam suas significações finais, seus valores. As arquiteturas que buscaram a história e a tradição, como as dos movimentos pós-modernos na Itália e nos Estados Unidos, são exemplares nestes modos de comutação e permuta, da passagem fluídica de tipologias históricas em arquiteturas novas para sociedades outras. A permuta significante depende que as relações de solidariedade formais indiquem valores que aproximem dessemelhantes: a lei econômica do valor. Diante do esgarçamento destas relações, dois conceitos que se desmancham na trama da hipermodernidade pela desconexão das formas: os anagramas da sociedade disciplinar e o potlatch moderno. 165 CAPÍTULO 5. TÉCNICA “É o rosto que dá a substância, é ele que faz interpretar, e que muda, que muda de traços, quando a interpretação fornece novamente significante à sua substância. Veja, ele mudou de rosto. O significante é sempre rostificado. A rostidade reina materialmente sobre todo este conjunto de significâncias e de interpretações [...] A máscara não esconde o rosto, ela o é. O sacerdote manipula o rosto de deus.” (DELEUZE e GUATTARI: 2004, p.66) “É dentro deste espírito que abordamos qualquer problema de lenda, porque cada um dos personagens é um símbolo do qual se pode variar [...] Se um nome é transposto, pode ocorrer que uma parte dos atos seja transposta, e reciprocamente ou que todo o drama mude por acidente.” (SAUSSURE: 1978, p.5) “O poeta deve, então, nesta primeira operação colocar diante de si, tendo em vista seus versos, o maior número de fragmentos fônicos que ele pode tirar do tema [...] Deve, então, compor seu trecho introduzindo em seus versos o maior número possível de fragmentos fônicos”. (SAUSSURE: 1978, p.9). “Quando o tomarmos mesmo no sentido mais difundido, ainda que mais especial, de sublinhar por meio da pintura os traços do rosto [...] pois trata-se ainda no ‘hipograma’ de sublinhar um nome, uma palavra, esforçando-se por repetir-lhe as sílabas, e dando-lhe assim, uma segunda maneira de ser, fictícia, acrescentada, por assim dizer, à forma original da palavra.” (SAUSSURE: 1978, p.14) “Platão explica-se com mais precisão. Para cada objeto existem três espécies de arte: de sua utilização, de sua fabricação, de sua imitação. Pertencem ao usuário, ao artesão, ao pintor. O pintor, como todos os outros imitadores, não sabe nada do objeto, salvo sua aparência exterior, da qual se servirá por ‘artifícios’ para dar ilusão da realidade. O artesão fabrica efetivamente o objeto, mas sem conhecer perfeitamente, como artesão, seu eidos, isto é, seu fim. Só o usuário possui esta competência.” (VERNANT: 2008, p. 347) O ser humano e o espaço arquitetônico se mesclam e se representam em sistemas estéticos que definem as relações entre: fenômeno e substância, aparência e essência, corpo e alma, Homem e arquitetura. A arquitetura clássica grega , com seu sistema de proporções, ordens e correções, expõe uma condição estética que remete a um valor do visível e do invisível, do aparente e do essencial; 166 deixando expressa nos números que definem as ordens, a visão de uma relação entre o Belo e o Bem, e uma relação entre Razão e Natureza. O Homem, representado na racionalidade do módulo e de suas proporções, está em simetria com a caixa simples que dramatiza com o ambiente natural. O natural e o ideal não são apenas regras estéticas, mas são também esferas da educação grega que definem o comportamento do homem grego clássico. Encontra-se uma forma de psicologia nesta esfera trágica que define a estranha unidade desta época, integrando mito, filosofia, trabalho e separa a técnica do objeto em função da diferença do valor final, sendo a diferença entre o modo pelo qual se faz o objeto e o objeto como resultante de expressão, portanto, a exprimibilidade do objeto, ou seja, sua possibilidade de ser expresso, pertence a uma conjuntura das linguagens, das tranças formais e das relações de solidariedade. A poética de um espaço arquitetônico se realiza na tensão entre as formas solidárias como, por exemplo, o contato da luz com as superfícies, das ideologias com as geometrias, ou das visibilidades com os enunciados. Desta maneira, a arquitetura deve ser lida na conjuntura das linguagens: o ‘rosto’ da arquitetura se dobra nas viradas conjunturais: assim, a pedra talhada será expressão ou conteúdo conforme o campo de leitura no qual será inserida. Será visibilidade no campo das histórias, será expressão na violação dos corpos. Na experiência da violação do corpo humano no da arquitetura e o seu reverso, a arquitetura revela a sua finalidade como objeto, uma finalidade condicionada e incorporada ao objeto, por meio da técnica. 167 Se a poética se implica na tensão das formas, a técnica é o conjunto dos modos de fabricação, que engloba desde os métodos matemáticos de Alexander até os diagramas de Eisenman. A técnica é a ação de uma máquina humana que se alicerça nas ações diagramáticas e define modos de produção sobre as matérias e os corpos. Surge como modos dos enunciados de uma situação no tempo, numa época, num estrato histórico, ou no arranjo de estratos de enunciação. Em duas destas condições, há uma reciprocidade: o arranjo de enunciados. Uma técnica, ou seja, um modo de procedimento, permite a aproximação e a relação de coisas singulares: a condição da matéria do concreto e do aço; a condição dos pensamentos-sentimentos de política e sociedade. Deleuze (1998), em ‘Foucault’, define um enunciado como: “a curva que une os pontos singulares” e desta curva resulta um modo de fabricar o arranjo de coisas singulares. Uma técnica está sempre imersa nas condições de seu tempo, estabelece contatos e trocas entre os indivíduos de uma sociedade, incorpora valores nos objetos-produtos e expande as condições do diagrama de forças nos fazeres sociais: o ‘canteiro e o desenho’, a arquitetura e as engenharias: estratos sociais se conectam por ligações transversais. Há um uso da técnica no método, e um uso do produto na experiência, por esta razão, a fala é técnica e produto ao mesmo tempo, e a arquitetura-processo proposta por Eisenman a procura como um objeto-experiência, um produto que estende a duração da experiência na possibilidade de ser reincorporado por novos enunciados, quais sejam: um novo tempo, uma nova pessoa, uma outra maneira de ser expresso. 168 As curvas-enunciados de Deleuze-Foucault (1998) são as duas formas em solidariedade, assim como a dizibilidade de ‘La Villette’ abre um campo da forma de expressão à espera de um conteúdo, ou de um novo evento. Encontra-se eco destas proposições em duas anotações de Tschumi (2001) sobre as relações entre as seqüências espaciais (como os aposentos dentro de uma residência) e as de eventos (como o conjunto de atividades organizadas no espaço): “Indiferença: seqüências de eventos e seqüências de espaços podem ser muito independentes um do outro [...] Reciprocidade: seqüências de espaços e seqüências de eventos podem tornar-se totalmente uma ampla condição da existencia de um para o outro – dizer ‘máquina de habitar’, cozinhas ideais da Werkbund, são recipientes de espaço-tempo onde cada ação, cada movimento é desenhado, programado.” (TSCHUMI: 2001, p. 160) O projeto de ‘La Villette” traduz as mesmas relações entre as sequências diagramáticas, mas pela indiferença, pelo desmonte de um programa pré-determinado que evidencia a participação de um sujeito leitor. Pelos atributos da técnica, condição do fazer, é que se instalam as relações de força de um tempo, ou das palavras sob as palavras - nos fraseamentos omitidos - ou das semióticas conotativas, porquê o “poeta deve [...] colocar diante de si [...] o maior números de fragmentos” (SAUSSURE. 1978, p. 9) para sublinhar os traços do rosto e a exprimibilidade do poema-objeto, produzindo, assim, a máscara ‘aparente’ que enreda as sequências de significações – o conjunto de eventos que acontecem no espaço – por meio de sua rostidade e da marcação dos traços que indiciam realidades e fantasmas. Desta maneira, delineia-se uma técnica que produz o rosto-máscara e estabelece sequências tendo o programa como base para a animação de um produto técnico. 169 A técnica que agencia os fragmentos significantes, ou seja, os elementos que constituem a realidade do espaço, recebe do programa a força dramática que envolve o objeto na sua potencialidade poética e permite ao sujeito-leitor a experimentação desta espacialidade na suas diversas dimensões. Na experiência do espaço se mostra a máscara-traço e se evidenciam os anagramas poéticos, os desmontes e as inversões dos sistemas técnicos; como, por exemplo, a desmontagem dos conceitos de Lynch - propostos e alterados em “La Villette”- , a ideologia socialista na cidade corbusiana, ou mesmo os arquétipos culturais em “San Cataldo”. O arquiteto poeta fabrica a máscara da sua arquitetura como “o sacerdote manipula o rosto de deus” (DELEUZE E GUATTARI. 2004, p.66). Os modos de produção técnica inserem nas articulações das formas, por meio hábito e da memória, as possibilidades significantes de cada corpo na sua ‘curva de singularidades’. O programa está para a poética assim como o método está para a técnica. Pois a poética se dirige aos aspectos íntimos do leitor e fantasmáticos dos lugares assim como a técnica se dirige aos ambientes produtivos externos e às relações entre grupos e pessoas: “O interior é também o imaginário, o sonho, a fantasia, a interpretação, ao passo que o exterior é o cálculo frio da matéria programada, as deduções sem surpresa. É desse modo que encaramos, na maior parte do tempo, os campos respectivos das máquinas e de nossa sensibilidade de todo humana.” (CAUQUELIN: 2008, p.191) Os ambientes técnicos envolvem a quem produz, o que se produz e para quem se produz, e desta articulação deriva a sua força cultural e relacional entre seres de todo tipo, desta 170 maneira, a perda dos valores referenciais de produção é também a perda dos valores referenciais dos lugares sociais dos seres sociais. As arquiteturas conceitos – ligadas ao desenvolvimento das artes conceituais e da filosofia da desconstrução – não se evadem deste atributo, já que na organização construtiva da matéria uma informação se revela. Se no campo das visibilidades uma arquitetura conceito não define claramente seus conteúdos – deixa-os para a historicidade de quem a vê -, invoca a exprimibilidade da produção do objeto, uma intensidade tecnológica e uma origem na história de seu tempo, se não na sua geografia. Uma arquitetura conceito talvez deseje o máximo da neutralidade técnica buscada pelos modernos, pois se encontra suspensa no mundo virtual da imaginação, embora carregue a presença das matérias formadas, a sofisticação das tecnologias empregadas e a instigação das sequências multiplicadas no espaço. O resultado poético da arquitetura-conceito não esconde a sua técnica, mas a deixa escondida na estupefação das imagens – uma arquitetura de aparências -, mas sendo, ainda, o resultado da relação entre as formas, entre as matérias e as funções. Diagramar a produção da arquitetura é definir um modo processual que resulta na finalidade do objeto construído, como é possível verificar nas casas de Corbusier, ou nas casas de Eisenman. Estas casas têm definidas em si as relações das forças de um tempo, os sistemas técnicos que o permeiam, o desenvolvimento do pensamento sobre as matérias. O diagrama como técnica é desenvolvido por Eisenman (2001) no livro “Diagram Diaries”, em texto de aproximação com os conceitos de Derrida (2009), encontrados no livro 171 “L’écriture et la différence” de 1967 ( www.jacquesderrida.com.ar). Eisenman (2001) escreve o texto “Diagrama: uma cena original da escrita”, enquanto Derrida (2009) escreve o texto “A cena da escrita”. De acordo com Eisenman (2001, p.27), o diagrama é “uma estenografia gráfica [...] historicamente conhecido de dois modos: como um artifício explanatório ou analítico e como um artifício generativo”. O diagrama é, portanto, um conjunto de traços que imediatizam as funções do projeto, constitui-se de traços que representam conjuntos de ações distintas que se fazem sentir sem estarem presentes, como um ‘aparelho’ de tijolo – e toda a técnica construtiva que o envolve – é representado por uma linha, um traço. Portanto, o diagrama é algo entre a representação do concreto e sua abstração, é a acomodação das forças pensamentais que organizam os conteúdos e das representações que dão finalidade ao objeto. Um cubo em arestas é um diagrama, assim como as tripartições dos volumes nas arquiteturas de Palladio também o são. Como os tempos alteram seus diagramas de força, a alteração de diagramas no tempo mostram novos estados funcionais, por meio de uma sobreposição de mapas: mapa das densidades materiais, mapa das intensidades espaciais, mapa dos fluxos de circulação e significado, mapa das interioridades e das intenções depositadas no diagrama, ou nos diagramas: “Neste contexto , outra idéia de diagrama pode ser proposta, a qual inicia das idéias de escrita, de Jacques Derrida, de escrita como uma abertura de pura presença” (EISENMAN. 2001, p. 31). 172 Eisenman (2001) associa o diagrama a uma escrita na qual os traços inscritos revelam a conjugação de fatores internos, como os psíquicos, e externos, como os estímulos do mundo admitidos pela sensorialidade e, da mesma forma, Derrida (2009) em “La scéne de l’écriture”, admite a analogia do diagrama com o “bloco mágico” estudado por Sigmundo Freud em 1925, no texto “Uma nota sobre o bloco mágico” (wunderblock). Neste texto, a escrita se revela como traços de impermanência. O bloco mágico é um brinquedo construído com uma placa de cêra e sobre ela, duas folhas, uma de cêra e, acima desta, uma de celulóide, de plástico. Ao inscrever traços quaisquer sobre a folha de celulóide estes ficam marcados como num papel. Ao puxar a folha de cima, a escrita se desfaz. É um brinquedo no qual: “Se, após termos escrito algo, destacarmos cuidadosamente a folha de celulóide da folha de papel de cera, veremos que a escrita aparece com igual nitidez tanto na folha de celulóide como na folha de cera. Porque então a necessidade da folha de celulóide sobre a de cera?[...] É como se a folha de celulóide fosse um invólucro protetor que preserva o papel de cera de influências danosas de fora. O celulóide seria um ‘escudo protetor contra os estímulos externos’ e a camada que de fato estaria recepcionando e abrigando os estímulos seria o papel de cera.” (FREUD: 2007, p.139) Os traços sobre o celulóide são uma aparência das inscrições, uma escrita que se institui em camadas diferentes (no aparato psicológico e no método diagramático) e em tempos diferentes. A analogia freudiana do bloco mágico com o aparelho psicológico quer indicar que uma camada de proteção (celulóide) tem uma função de impedir que os estímulos externos sejam insuportáveis ao sujeito, ao mesmo tempo em que mostra a existência de uma camada na qual todas as impressões ficam registradas (representada no bloco mágico pela última placa de cera), ou seja, o inconsciente. Estas impressões guardadas no inconsciente podem ser recuperadas por algum estímulo, mas normalmente estão imersas num amálgama de dados, 173 sem relação de tempo, sem estrutura de significado. A camada do meio ( folha de papel de cera relacionada ao sub-consciente) recebe e distribui as inscrições, é o lugar da escrita, uma “topografia de traços: “O conteúdo psíquico será representado por um texto de essencia irredutivelmente gráfica. A estrutura do aparato psíquico será representada por uma máquina de escrever.. qual aparato tem que ser criado para representar a escritura psíquica, e o que significa, quanto ao aparato e quanto ao psiquismo , a imitação projetada e liberada em uma máquina, de uma coisa tal como a escritura psíquica... Pois se não há nem máquina nem texto sem origem psíquica, não há, tampouco, algo psíquico sem texto.” (DERRIDA: 2009, p.297) O bloco mágico é uma máquina de escritura que representa os processos psíquicos de formação dos sentidos, da presença da memória alçada do amálgama de dados, da presença momentânea da escrita, da ausência nos seus momentos de mutação. O bloco mágico/aparato psíquico, é como uma máquina cujo sentido se configura na fala, na escrita, na conversão dos elementos recônditos e informados da memória e das possibilidades de serem ditas. Para Derrida(2009), não há consciência sem fala, não há reconhecimento de fatos e coisas sem a exprimibilidade das palavras, e as palavras são nada sem as referências de conteúdo psíquico. A forma de expressão converge na produção do sentido dos conteúdos de uma memória que se configura sempre no momento presente, na ação da fala, na continuidade dos hábitos, na técnicas de fazer e dizer. “O diagrama age como uma superfície que recebe inscrições da memória do que ainda não existe, isto é, de um potencial objeto arquitetônico. Isto fornece traços de função, fechamento, significado, e lugar de condições específicas.” (EISENMAN: 2001, p. 32) 174 O diagrama/bloco mágico, pode ser compreendido como a inscrição de um objeto em potencial que reúne condições das mais diversas sem que estas sejam apriori, compreendendo que a condição psíquica não se representa no objeto, apenas condiciona as ações do diagrama junto a outras forças que se representam no traço escrita do objeto. Algumas destas questões envolvem as dimensões particulares do projetista e as peculiaridades técnicas do método. Envolvem, também, a relação entre psicologia e arquitetura como campos de ação técnica – estratos técnicos – abordando a presença do arquiteto autor e o distanciamento de sua representação no resultado de um projeto. Ressalta-se que psicologia e arquitetura não devem ser confundidos como conhecimentos complementares, pois são campos distintos e com possibilidades de inter-relação em níveis diversos , com graduações diferentes. Cada um destes campos possui suas próprias peculiaridades. Devem ser compreendidos como construtos humanos que expõe uma expressão social , uma produção coletiva e uma abordagem individual, como formas de entender a presença do ser humano enquanto ser consciente, ou responsável, pela natureza da sua ação no mundo. A arquitetura se estabelece no estreito limite entre o permanente e o contingente, na forma de concebê-la como campos de possibilidades que se solidarizam por aspectos contingentes, de uma historicidade moldada pelas dimensões próprias do fato, sem precisar estabelecer analogias de ordem estrutural e ordenadoras. Ao mesmo tempo em que define uma compreensão das relações de ação individuais, no que tange à decisão particular de aspectos 175 metodológicos, e à decisão das relações coletivas, no que se entende a natureza dos ambientes construídos, edifícios e cidade. O contato entre psicologia e arquitetura se verifica a partir do momento em que a psicologia estruturou a consciência como um processo pensamental, respaldada na centralidade do indivíduo como agente, tanto pela compreensão pelas teorias do inconsciente, quanto pela compreensão das teorias do comportamento. Tais teorias influenciaram sistemas estéticos e metodologias de projeto, pois ajudam a estabelecer processos de reconhecimento do valor da arquitetura como arte ou como ciência. A dimensão estética de um espaço arquitetônico poderia estar relacionada a uma força psicológica transferida do autor para o espaço ou poderia estar relacionada a um controle dos processos pensamentais de decisão arquitetônica. As teorias do comportamento concentram a formação espacial tendo como base a ação humana, a estrutura social e os rituais enquanto as teorias do inconsciente se concentram na elaboração da arte como símbolo decorrente de uma sublimação, fixando a idéia de espaço como esse fator simbólico. A estética fenomenológica estabeleceu um paralelismo com esta noção ao compreender o processo simpático do objeto a partir de sua fabricação por um autor, individual ou coletivo. Ao reconhecer a validade da sublimação como base para a estrutura simbólica da obra de arte reconheceu, também, esta mesma obra como um objeto autônomo, interrompendo a possibilidade de uma leitura linear e causal entre a obra e seu autor. 176 No livro A Poética do Espaço, a obra de arte possui uma dimensão própria, é um estado de ‘sublimação pura’ , não possui uma relação necessária com a estrutura psíquica do artista como escreveu Bachelard (s/d): “Talvez a situação fenomenológica venha a ser precisada, no que se refere às indagações psicanalíticas, se pudermos isolar, a propósito das imagens poéticas, uma esfera de sublimação pura, de uma sublimação que não sublima nada, que é desprovida da carga das paixões, liberada do ímpeto dos desejos” (p. 13) A obra de arte, e consequentemente o espaço construído, admite uma realidade própria que se expõe na sua natureza formal. A força e constituição das formas de linguagem permitem a reconstrução de um universo próprio para a obra de arte que “desliga-a” da motivação proposta pelo autor. Como expõe Bachelard (s/d): “A sublimação pura tal qual a encaramos a um drama metodológico, porque o fenomenólogo não poderia desconhecer a realidade psicológica profunda dos processos de sublimação tão longamente estudados pela psicanálise. Mas trata-se de passar, fenomenologicamente, a imagens não-vividas, a imagens que a vida não prepara e o poeta cria. Trata-se de viver o invivido e de abrirse a uma abertura de linguagem.” (p. 14) A presença simpática da obra pela poética da obra é a base da relação de identidade pretendida pelo historicismo italiano. A cidade é uma obra de arte porque tem uma relação de identidade com a população que a constrói, que define a sua poética a partir de uma realidade complexa e dialética. Os escritos de Argan e Rossi dirigem o sentido da Arquitetura para esta relação existencial da cidade e de seus edifícios. A dimensão psicológica – lugares, imagens e compreensões – da cidade é proposta pela própria cidade como expressão autônoma, não permite, portanto, a leitura da dimensão psicológica de quem a produz. 177 A relação entre as imagens ideal e real da cidade inferem uma condição pensamental do leitor urbano propondo a cidade não apenas como percepto, mas principalmente como concepto. A razão é a medida da produção desta leitura que se nutre da memória coletiva e, justamente pela força da imagem urbana como ação coletivizada, distancia a imagem urbana de uma produção psicológica e a aproxima de uma obra de arte coletiva que transforma a história em desenvolvimento mítico. A abordagem mítica da história a qualifica como uma conotação dentro do sistemamensagem; a obra arquitetônica carrega algo mais que a imagem ingênua de uma tipologia conhecida, mas carrega, também, os valores sociais de um grupo que as construiu, uma ideologia de sociedade e de poder. Estudos sobre análise do espaço e metodologia de projeto, como os desenvolvidos por Ekambi-Schmidt, em “La percepción del hábitat” (1974) e por Edward Hall, em “A dimensão Oculta” (1977), inferem as questões do comportamento e desdobram os efeitos desta teoria psicológica. O comportamento não se constitui no projeto a partir de leitura ou análise do usuário, mas como uma informação dentro de um sistema de linguagem. Na análise proxêmica do espaço, Edward T. Hall (1977) propõe que se faça um estudo das formas de espacialização como linguagem, com base no fato que o ser humano tem uma forma de ocupação territorial conforme seus dados sociais, sua cultura. Fiel à visão comportamental, Hall (1977) compreende o espaço construído a partir de suas esferas sociais. O equivalente ao inconsciente – o fundo de cera no qual todas as impressões são guardadas no bloco mágico – é dado por um nível infracultural, que estabelece as formações territoriais como formações de base comportamental primitiva. 178 A produção das formas de espacialização, desde estruturas simples de reação (espaços pessoais) até estruturas complexas envolvendo níveis de simbolização do espaço como as arquiteturas, realiza numa única ação momentânea a junção entre uma esfera primordial – como o território – e uma esfera cultural – como espaços sociais coletivos – que determinam a complexidade das ações espaciais humanas e suas possibilidades de leitura. Os modelos antropológicos do espaço arquitetônico, como os de Hall (1977) e EkambySchmidt (1974), associam os estados psicológicos, pessoais e coletivos, à produção das arquiteturas. Neste sentido, os diagramas de Eisenman (2001) também supõem que a ação do projeto de arquitetura recebe informações pessoais do projetista como, por exemplo, suas convicções ou estados emocionais, no entanto, o uso de uma técnica projetual evidencia o descolamento do resultado projetual em relação aos estados psíquicos. Sua observação mais pertinente se configura na multiplicidade dos fatores que estabelecem a complexidade do espaço arquitetônico e nas relações entre os campos de saber e ciência, que se justapõem, gerando a trama de formas das arquiteturas em ritos de solidariedade. Junto aos estudos referidos acima, a Psicologia Topológica de Kurt Lewin, exposta no livro “Princípios de Psicologia Topológica” (s/d), está estruturada a partir de princípios gestálticos de tal forma que os processos psíquicos sejam relacionados; evidenciando aspectos conjunturais e uma estrutura de ação, tendo por base a questão comportamental como meio de acesso aos sistemas psíquicos e como meio relacional com o ambiente. Lewin define o 179 comportamento humano dentro de uma estrutura situacional que o envolve e oferece tendências de ação. Lewin, assim, define o comportamento: “Essa relação pode ficar mais clara mediante a seguinte formulação: Se representarmos o comportamento ou qualquer espécie de evento mental por C e a situação total, incluindo a pessoa, por S, então C pode ser tratado como uma função de S: C= f ( S ). Nesta equação a função f, ou melhor, a sua forma geral, representa aquilo a que vulgarmente se chama uma lei. Se substituirmos as variáveis dessa fórmula pelas constantes que são características no caso individual, obteremos uma aplicação à situação concreta.” (p. 27) O desenvolvimento destas funções permite elaborar o comportamento e sua consequente geração espacial como uma série de conjuntos relacionados a partir de uma ação ou momento. A expressão diagramática destes conjuntos visualiza tanto o comportamento individual quanto o em grupo e sua geração espacial levando em conta as forças momentâneas de ambiente ou as forças condicionais da história do indivíduo ou do grupo que, mesmo estruturadas numa única relação, não estabelecem uma síntese necessária, apenas uma leitura de conjunto. A utilização desta teoria permite acompanhar as formas de produção do espaço e sua complexidade através de uma abordagem que gerencia tanto informações provindas da psicologia, entendendo o comportamento como resultado de uma ação mental, assim como da arquitetura e qualificações espaciais como privado ou público e suas derivações, ou, se necessário, a integração com abordagens como as de Hall (1977) e Ekambi-Schmidt (1974). Independente das formas e bases teóricas, o edifício e a cidade definem as suas relações através de sistemas de sinais, ou linguagens, que podem ou não estar sintetizadas, seja por motivo de suas características próprias , seja por motivo de viés metodológico. 180 Assim, é possível estabelecer uma relação do edifício com a cidade pela estrutura do arranjo volumétrico no qual este edifício se insere. A dimensão psicológica da forma edifício-cidade pode ser constatada na estruturação de um ambiente e a estimulação sensorial que oferece na sua construção como ambiente, a qual não deve espelhar a condição do aparato psíquico de quem o projetou. A condição psicológica nos sistemas de decisão de projeto pertence ao arquiteto ou à equipe que desenha um projeto de Arquitetura, aborda o projeto pela metodologia de projeto e não é inferencial no projeto como objeto não representacional, e no edifício como ambiente construído. Três proposituras se estabelecem a partir disto: A primeira é que o projeto é um conjunto de ações descontínuas que possuem decisões de projeto próprias de sua dimensão, ao contrário da visão usual de partido, estudo preliminar e anteprojeto, que tomam o projeto como um sistema linear de decisão. A postura inicial de desenvolvimento linear do projeto se configura no encontro de uma idéia que deve estar subentendida em todas as expressões do projeto e consequentemente do ambiente construído. Está fundamentada numa estética que valora a idéia como organizadora da ação projetual e organizadora das ações de projeto, as condições de ambiente, história ou sociedade devem estar sintetizadas nesta idéia ou conceito. As fases de produção do ambiente são compreendidas não como uma idéia de que se desenvolve e valora o ambiente, mas como um conjunto de agenciamentos internos e externos 181 ao autor, ao objeto projetado e à própria arquitetura que trabalham por justaposição no processo do objeto. Um projeto pode ser determinado pelo conjunto de decisões de vários grupos envolvidos e interessados no ambiente a ser construído de tal forma que suas decisões sejam tão definidoras do espaço como o desenho em Arquitetura, já que as próprias formas de design do objeto não estão centradas no domínio técnico da representação, mas na possibilidade de gerenciar as formas como resultado e busca de uma condição de vida. Ao mesmo tempo, o ambiente construído pode ser o resultado de várias interferências disciplinares, interesses sociais, ecológicos, arquitetônicos, políticos. Estas interferências podem também determinar as ações de design do objeto. Não há como, nem porque sintetizar todas estas interferências e interesses numa idéia organizadora de um pretenso valor ideal do objeto, mas o projeto de arquitetura deve estar o suficientemente livre da necessidade da síntese para absorver, da melhor forma possível as forças de todos estes conjuntos de ação sobre o projeto. A segunda é que o ambiente construído possui uma condição de realidade que se demonstra na sua materialidade determinando um objeto como mensagem não representacional , ou seja, a arquitetura representa a si mesma e a seu próprio sistema de agenciamentos: o volume inserido na paisagem, suas condições infra-estruturais e atividades de uso. A possibilidade perceptiva que se estabelece pela realidade do objeto infere uma condicional psicológica exatamente como ambiente construído pela sua força de expressão e inserção na 182 cidade, seja como marco visual ou como ambiente de bem-estar. O objeto arquitetônico estabelece-se como condicional momentânea influente na sua relação com seu leitor. Assim, como proposto por Lewin, as forças determinantes do ambiente serão base de uma consolidação do comportamento junto às forças determinantes da condicional histórica do indivíduo. O ambiente fica compreendido como um conjunto de forças não sintéticas que permitem uma valoração para o sujeito leitor do espaço pela interação com seus próprios valores. A qualidade própria da arquitetura como ambiente dialoga com a determinante histórica do leitor pela possibilidade de sua percepção como materialidade. A terceira é que a arquitetura passa a ser vista como um conjunto de campos técnicos, como os acima relatados, com suas devidas profundidades, com sentidos e dimensões diferentes. O entendimento da arquitetura como um conjunto de campos técnicos permite uma ação descontínua tanto para o desenvolvimento do projeto arquitetônico, quanto para a legibilidade do espaço arquitetônico enquanto elemento de percepção do sujeito-leitor. Desta forma, um campo poderá ser compreendido como o binômio edifício-cidade ou edifício-sociedade, de tal maneira que seja possível estudar as variantes da utilização de um espaço público sem necessitar definir decisões particulares ao objeto. Legislação como modos de ocupação ou qualidades espaciais como ambiência poderão ser discutidos dentro de um âmbito próprio para a conjuntura de um determinado projeto. Os campos são compostos por elementos inteiros que interagem entre si. Se considerarmos a cidade como agente dentro de um campo decisório teremos uma estrutura definida para este agente. Dentro do mesmo campo, teremos o objeto com seus aspectos de formação, 183 atividades, volume. O desenvolvimento atual do projeto propõe o objeto como resposta sintética da relação objeto-cidade. O desenvolvimento proposto permite o estudo do objeto em si, e sua inserção urbana como um diálogo com a cidade, o projeto, assim, não é uma resposta sintética, mas uma trama de justaposições na tecitura da escritura urbana. Campos críticos permitem desenvolver fluxos sincrônicos que juntem problemas sociais a técnicas construtivas –como o atendimento ao desenvolvimento técnico de uma região ou a construção como indução econômica – e inserí-los, com suas profundidades críticas particulares, na sequência de um projeto que tenha este problema como conjuntura. A profundidade destes campos pode ser determinada pela integridade de cada elemento constitutivo e pela consequente, sua resultante complexidade. A inserção de aspectos psicológicos como agenciadores da produção e leitura do espaço estão presentes no mesmo grau de aproximação e abordagem que se fará do sujeito autor ou leitor do ambiente, dentro das especificidades de cada projeto. A contextualização , a partir desta metodologia, se verifica nas formas de uso da condicional histórica instalada nas instâncias psicológicas relativas ao projeto. Desta forma, a história pessoal e coletiva podem estar distribuídas no desenvolvimento do projeto. Relações de história, como a proposta pelo historicismo italiano ou as atuais relações de mercado nos modos de globalização, podem passar por processos críticos nas fases de produção do projeto. A abertura conceitual dos modos de produção permitem inserir noções de identidade e mercado, tomando-as como elementos constitutivos do projeto. 184 A crítica distribuída nos diversos campos projetuais permite conceber edifícios com acentuada característica histórica, pelo uso de arquétipos tipológicos, sem precisar reforçar ideologias moldadas pela acentuação histórica na produção do espaço. Da mesma forma, uma ideologia acrítica de mercado pode ser minimizada pela participação social nos modos de agenciamento de projetos que sejam de natureza pública como escolas ou edifícios públicos. O projeto como sistema de campos interagentes define uma abordagem metodológica na qual as partes do projeto não possuem um conteúdo apriori. É possível aproximar estas condições do desenvolvimento do projeto às condições do rito semiótico justamente pela ausência de um significado, e também pela presença de um sistema semiótico, um sistema que proporciona as passagens da construção dos significados, da seguinte maneira: Primeiro: o esboço como elaboração do sentido dos espaços e das formas está concebido na sua ação de fazer, na sua fabricação. Para a fabricação desta etapa do projeto, diversos modos de conhecimento são agregados para a sua consecução. Este esboço, como produto de uma etapa, guarda um histórico e um significado que se compreende no seu resultado, na extensão de sua duração e na força do hábito projetual. Segundo: na passagem desta etapa para a seguinte se encontra uma desvinculação da continuidade dos sentidos dos produtos e das expressões, pois um novo foco projetivo é necessário para o desenvolvimento do projeto enquanto processo. Ao contrário do entendimento de que as etapas são evolutivas, ou mesmo qual parte de uma continua na outra, 185 o que se propõe é que a alteração de foco seja a alteração do processo histórico do projeto, um processo de maneira que o próprio processo seja formado por etapas discretas. Esta discreção indica que, de uma etapa para a outra, o que irá se integrar é a representação da anterior, uma metáfora do produto alcançado, rapidamente reconfigurado num estágio diferente da fabricação do projeto. Desta maneira, novos sistemas técnicos interagem, recondicionando as características das etapas, permitindo que o resultado da etapa passada não fique diretamente relacionado com a etapa atual, mas se relacione indiretamente pela deriva semiótica, ou pela construção dos significados pelas estruturas significantes. O signicado de cada etapa, então, torna-se um significado em si; e o projeto, enquanto somatória deste conjunto, torna-se um resultado complexo, e não uma síntese. É possível desdobrar o entendimento do projeto ao focalizar as suas partes e revelar, à luz das críticas – técnica, conceitual, linguistica – um conjunto de ações que expressem a sua complexidade. A deriva semiótica atua na desconexão das etapas do processo, e esta deriva permite relacionar que os significados de cada uma das etapas sejam condicionados a novos sistemas e ritos reveladores de intenção. Tem-se então que o desenho, os modelos ou os cálculos são suportes linguísticos que homogenizam os estudos que compõem as estruturas ambientais, pois desenhar e redesenhar um projeto é um rito significante no qual se procura a trama de significações daquela arquitetura e não a manutenção dos significados anteriores. 186 O ambiente-cidade, campo condicional de inserção do volume arquitetônico, é entendido como um campo de matérias e possibilidades não determinante, mas fornecedora de condições ambientais e forças estruturais, na relação dos volumes e dos espaços não construídos e das funções urbanas. No ambiente-edifício, é possível definir qualidades como sua construtibilidade, intenção dos lugares e a relação dos espaços particulares do edifício com o espaço coletivo da cidade. Aqui se encontram os ambientes construídos como condicional psicológica pela sua trama formal. O objetivo não é compreender o resultado final como um sistema harmônico, mediano, mas sim, ao tomar o desenvolvimento processual como núcleo, fazer com que concordâncias ou discrepâncias ambientais consigam seu melhor resultado. A discrição dos elementos e conjuntos não deve compreender a anulação das linguagens, ao contrário, pois, que o projeto é o resultado das tramas das formas e representações das linguagens nos campos técnicos. O método faz com que surjam alterações no projeto ao longo do processo e em todo seu conjunto, evidenciando a direção dos dados e conjunto decisório. Esta alteração define a profundidade do projeto como um todo e a possibilidade de estabelecer um processo crítico constante pelo conjunto de significações obtidas no processo projetual. O principal resultado a ser estimado é a abertura do caráter metodológico, no tocante ao conceito de campos técnicos e interagentes, e a presença da condicional psicológica na arquitetura. A crítica existente, de que o projeto de arquitetura é um processo não-linear pode ser verificada pela possibilidade de completude de cada uma das fases do projeto desde que estejam compreendidas dentro de um programa. 187 A existência de um programa não caracteriza, neste caso, uma metalinguagem. Entende-se, sim, como um conjunto de ações que pode ser modificado conforme a abordagem pessoal do arquiteto e conforme a abordagem técnica escolhida. Desta forma, um mesmo projeto poderá ter diferentes abordagens de programa. Os procedimentos de pesquisa, desenvolvimento e decisão, são fixos num meta-programa (próprio de metalinguagem), e definem a abordagem como condição a priori. Uma condicional psicológica, na relação autor-projeto, não deve ser entendida como uma expressão emocional, mas como uma dimensão do pensamento, um conteúdo, referido ao processo técnico de projeto e a abordagem projetual, como uma possibilidade pessoal, deve eximir o projeto de uma influência extremada de ‘psicologismos’, naturais da falta de conhecimento técnico da produção do projeto. A condicional psicológica, na relação projeto-obra, pode ser inserida através de formas comportamentais ou sensoriais, seja na inserção do comportamento como elemento de um ritual no espaço, a sua violação, seja no entendimento da obra final como fenômeno, a sua significação. Os campos constitutivos da arquitetura indicam a extensa variação programática e sua natureza complexa e coletiva permitindo a aproximação de vetores de força que expressam a ação de cada elemento de campo. A qualidade do projeto é entendida como uma ação crítica constante e que pode determinar a qualidade específica de cada campo. 188 UMA CONCLUSÃO A arquitetura se produz por meio de um arranjo de multiplicidades, ou seja, aspectos singulares recolhidos de diversos campos técnicos. A história e as tecnologias, por exemplo, fornecem informações diversas que, conforme são arranjadas na leitura de uma arquitetura, produzirão significações e valores diferentes. O método, como diagrama interno da arquitetura, recebe e justapõe estas informações, de tal maneira a proporcionar pela justaposição, e não pela organização dos dados, os intervalos dos estratos técnicos e a diacronia das etapas. O entendimento do uso da técnica é a possibilidade que o arquiteto encontra em reconhecer os processos que atualizam as arquiteturas, como um novo desenho atualiza a história. Pois o uso correto de uma técnica condiciona o valor comunicacional de uma arquitetura diferenciando uma arquitetura que busca um valor referencial no seu próprio tempo de uma arquitetura que perde seus elementos significativos na cópia de elementos retirados de outros exemplos sem que possuam condição de fornecer maior tensão à significação do lugar. A técnica distribui os elementos das arquiteturas enquanto a poética os tenciona ao justapor elementos dentro de um mesmo lugar, assim como a serialidade de elementos singulares – como as ‘folies’ no Parque “La Villette” – geram uma tensão criativa ao serem opostas a outra maneira de distribuição – como as passarelas – fornecendo ao usuário-leitor uma significação aberta. 189 Todas as arquiteturas possuem um regime de tensões exercido sobre os corpos com as quais elas são formadas, como os corpos de expressão do conjunto de vazios numa galeria em pórticos ou como os corpos de conteúdo das matérias retiradas do mundo: o tijolo, o concreto, o aço, o vidro. A tensão sobre os corpos é a tensão sobre as matérias, as mesmas matérias que se formalizam no pensamento e fornecem condição de solidariedade à formalização da expressão. Eis a duplicidade das formas e sua dobra na arquitetura. A matéria formada é expressão – uma coluna de mármore – quando associada a um enunciado de sua função no edifício. A matéria formada é conteúdo – a mesma coluna de mármore – quando associada aos enunciados de seu tempo. Toda arquitetura, assim, é o resultado do encontro entre formas de expressão e de conteúdo que não se identificam, mas que, pela relação solidária entre as formas, se torna um signo, com significação e valor. Uma poética age sobre as relações solidárias estreitando os processos significativos – uma ideologia aplicada o edifício – ou abrindo-os e dirigindo-os para os aspectos da arte e das linguagens. Mais de uma forma pode estar associada a um edifício ou a um lugar, formando tranças de formas e alterando significações pela conotação das mensagens. 190 As matérias formadas são arranjadas por uma técnica que as singulariza enquanto objeto, e a poética abre os campos de valor e significação ao imprimir um programa ao desenvolvimento técnico. A linguagem se estabelece na trança das formas e no seu desenvolvimento nos fluxos e nas mutações, nas sincronias e nas diacronias. Os fluxos, resultado dos tempos sincrônicos, se verificam na deriva das tipologias num mesmo estrato histórico – como os edifícios de vidro no modernismo – e as mutações se verificam na alteração dos arranjos das formas de expressão, na diacronia dos sistemas, como a névoa de significação da arquitetura contemporânea. No exercício dos tempos nas arquiteturas se verificam seus ritos de significação, ritos semiológicos, que permitem aplicar valor tanto às etapas de um método de projeto, quanto a percepção dos eventos constitutivos do ambiente. A abertura das solidariedades formais das arquiteturas de nosso tempo evidencia uma reconfiguração das significações. A busca de eliminação das significações, ou da sua opacidade, reflete um arranjo das formas, no qual mais de uma mensagem é passada, sendo, às vezes, não percebida. A opacidade dos edifícios-contêineres reflete esta condição de mensagem enevoada, dobrada dentro de uma trança, como se não existisse; mas sendo, sim, o resultado de um conjunto de forças que se estabelece nos enunciados de nossa época como as relações de consumo, o sistema de troca de produtos sem valor referencial, e a dispersão dos núcleos de exercício do poder. 191 Sendo uma condição do diagrama das forças da contemporaneidade, esta dispersão indica um novo estágio das sociedades disciplinares, uma continuação exacerbada em novos ritos formais, em novos produtos culturais, em novas visibilidades. A percepção dos ritos é a possibilidade de desmonte das tranças formais e da sua análise e crítica, pois sendo um conjunto de linguagens, as arquiteturas carregam mensagens de produção, de poder, de distribuição, de ser. As arquiteturas carregam as mensagens do nosso tempo, mesmo que não se queira. Entende-las na sua intensidade é uma das funções do aprofundamento dos seus ritos. Abri-las na sua complexidade da deriva de suas mensagens e expô-las ao entendimento crítico é uma das funções deste trabalho. 192 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ALEXANDER, Cristopher. Note sulla sintesi della forma. Milano. Il Saggiatore. 1967. BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo/Rio de Janeiro. DIFEL. 1975. ________________. Elementos de semiologia. 5ª. Edição. São Paulo. Cultrix.1977. BAUDRILLARD, Jean. A troca simbólica e a morte. Lisboa. Edições 70. 1996. BENEVOLO, Leonardo. Perspectiva.1976. História da arquitetura moderna. São Paulo. CAUQUELIN, Anne. Teorias da arte. São Paulo. Martins, 2005. __________________. Freqüentar os incorporais. São Paulo. Martins. 2008 CHOAY, Françoise. O urbanismo. São Paulo. Perspectiva. 1979 COULQUHOUN, Alan. Tipologia e metodologia do projeto. In NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura. São Paulo. COSACNAIFY. 2006. DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo. Editora Brasiliense. 1998. __________________. Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia. 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