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O Sutiã Semiótico

2005, Intercom

The advertising discourse has an impact on your interpretant that can overcome the simple barrier of an ad displayed on media. Some of that ads, especially television spots, transform their signs into universal symbologies, which now adhere to the concept of certain products or product categories. Observing the features of the main signs present in the discourse of the movie “first bra” by the lingerie company Valisère, we intend to validate the transformation of the bra object from the evident index of discovery of adult femininity.

O Sutiã Semiótico: análise do filme publicitário “Primeiro Sutiã” como signo associado à descoberta da feminilidade Trabalho apresentado ao NP 03 – Publicidade, Propaganda e Marketing, do V Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom. Rodrigo Duguay da Hora Pimenta Rodrigo Duguay da Hora Pimenta é graduado em Comunicação Social - Habilitação Publicidade e Propaganda (1998) e Mestre em Comunicação (2005) pela Universidade Federal de Pernambuco. É publicitário, consultor de planejamento em comunicação e professor na graduação da Universidade Católica de Pernambuco e da Universidade Salgado de Oliveira - Campus Recife - atuando na área de Comunicação, com ênfase em Publicidade e Propaganda. Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP Universidade Salgado de Oliveira – Universo (Campus Recife) Resumo A mensagem publicitária gera um impacto em seu interpretante que pode ultrapassar a simples barreira da linha de vida de exibição de uma peça na mídia. Tanto que algumas peças, em especial filmes veiculados em televisão, trazem ao mundo contemporâneo a capacidade de transformar seus signos em simbologias universais, que passam a aderir ao conceito de determinados produtos, ou de classes de produtos. Nesta perspectiva, observando as características dos principais signos presentes na narrativa do filme “primeiro sutiã” da empresa de lingerie Valisère, pretendemos validar a transformação do objeto sutiã de índice evidente de descoberta da feminilidade adulta na adolescente a um símbolo legitimador desta descoberta, numa cultura contemporânea ocidental. Palavras-chave Semiótica; Publicidade; Televisão; Sutiã; Feminilidade Introdução Apesar do nível mundial de excelência da publicidade brasileira, poucos filmes publicitários do país têm mérito global para ser objetos de análise acadêmica mais profunda, particularmente passando pelo aval crítico da temporalidade em que foram exibidos. Este fato é mais recorrente na mídia impressa, onde o país tem-se mostrado grande vencedor nos festivais internacionais do setor. O filme da agência W/Brasil para a empresa de Lingeries Valisère, apesar ter sido veiculado na década de 1980, foi um dos dois filmes brasileiro listados entre os 100 melhores de todos os tempos, selecionados pela jornalista americana Bernice Kanner (1999), especialista em propaganda e marketing, através de análise junto aos premiados do festival mundial de publicidade de Cannes. O Outro filme brasileiro selecionado pela jornalista também é também da W/Brasil, desta vez para a folha de São Paulo, intitulado “Hitler”. Ambos foram vencedores do Leão de Ouro, prêmio máximo da publicidade em Cannes (KANNER, Bernice. The 100 Best TV Commercials and why they worked. New York: Times Books, 1999). Ao lado da validação diante de júris do setor e do público especializado, a repercussão da peça até hoje é presente em um público que experimentou a peça como publicidade em si. Além de tornar-se um marco no segmento de lingerie, a peça deixou suas marcas na história da propaganda brasileira como um referencial de linguagem universal publicitária, numa época onde a comunicação mercadológica das marcas ainda se preparava para uma homogeneização de sua linguagem no ocidente. Vencedora do prêmio máximo de Cannes em 1987. A peça também passou pela prova do mercado, sendo um sucesso de resultados junto ao heterogêneo público da TV aberta, encontrando um caminho universal de significado junto a diversidade de tipos que compõe esta gama de telespectadores. A maneira como a peça foi construída surpreende não apenas pela obviedade e simplicidade do tema, mas, especialmente, por trazer uma abordagem criativa completamente diferente do habitualmente usado para roupas íntimas femininas: a da figura feminina protagonizando um papel consciente da descoberta de sua feminilidade. Esta proposta deixa para trás o papel vulgar de “objeto de desejo”, que explora simplesmente a sensualidade da mulher. A peça deixa de ter o tom pejorativo da clássica imagem dos muitos sutiãs queimados na década de 60 pelas feministas e passa a ter, numa visão do universo feminino, posição central nos ritos de passagem da adolescência da segunda metade do século XX. Com uma narrativa prioritariamente visual, um enredo que se completa em um período muito curto de tempo, uma grande quantidade de interdiscursos atrelados a trama principal e um apelo global, é de relevante importância entender as interações entre os signos do filme, que elevou o primeiro sutiã, na memória de consumo, a um objeto que simboliza a descoberta da feminilidade e referência no discurso da publicidade ocidental. A Peça Publicitária como signo Apesar do estudo das linguagens e dos signos ser bastante antigo, remontando ao velho mundo grego, é no século XX, com a multiplicação das possibilidades destes signos e com a expansão da semiótica moderna que as investigações da sua natureza e significação ganham um corpo mais abrangente. Dentre as várias correntes, escolhemos para aplicar neste artigo a semiótica desenvolvida por Charles S. Peirce, dono de um trabalho de fundamental importância para o entendimento do signo, especialmente pela amplitude de sua teoria e aplicabilidade. Ao contrário de uma ciência especial, a semiótica peirceana é uma das peças de uma ampla arquitetura filosófica concebida como ciência. Segundo Buczynska-Garewicks (Santaella, 2002, XII-XIII) “todos os aspectos do universo sígnicos podem ser analisados sob a ótica da obra de Peirce”, apesar de ser grande crítica do uso desta semiótica para estudos empíricos. Ela é quem acrescenta que a teoria dos signos "é capaz de explicar e interpretar todo o domínio da cognição humana", nos alertando a necessidade de usá-la buscando uma apreensão mais completa de seu sentido profundo e multidimensional. É em Santaella que encontramos uma justificativa para utilizar esta corrente na análise dos signos empíricos, apesar da Semiótica de Peirce ser antes de tudo "uma teoria filosófica que se quer científica" (Santaella, 2002 XV): o ritmo que os signos vêm crescendo no mundo. Este crescimento, evidenciando pela imprensa e fotografia, passando pela revolução digital com a hipermídia, torna esta expansão do reino dos signos - e conseguinte da mente humana - muito clara e necessária de ser compreendida, pois só assim que poderemos dialogar com os signos plenamente. Ela nos adverte, no entanto, para os cuidados metodológicos desta tarefa: "As dificuldades com o método afetam muito mais intensamente os que pretendem trabalhar com a semiótica de extração peirceana do que aqueles que seguem outras correntes da semiótica, especialmente as derivadas do estruturalismo" (Santaella, 2002, p. XIII-XV). Para analisar a peça publicitária sob esta abordagem é fundamental observar a natureza triádica do signo em Peirce. Este pode ser analisado partindo por sua existência como signo e seu poder de significar (significação), pelo ponto de vista do objeto com o qual o signo se relaciona (objetivação) e pelo ponto de vista do seu interpretante, ou seja, dos efeitos que é capaz de gerar em seus receptores (interpretação). Sintetizando, utilizando-se desta linha de pensamento é possível ter uma relação completa com a mensagem: textual, imagética, sonora, suas inter-relações, os processos de referência e o papel dos receptores e suas reações com o signo escolhido. Seguindo estes princípios ainda encontramos em Santaella o caminho metodológico mais claro para analisar a peça publicitária: “Na face da referência, a análise semiótica nos permite compreender aquilo que as mensagens indicam, aquilo a que se referem ou se aplicam. Também nesta face encontramos três aspectos: o primeiro aspecto deriva do poder meramente sugestivo tanto sensorial como metafórico das mensagens. O segundo aspecto deriva do poder denotativo das mensagens, sua capacidade para indicar algo que está fora delas. O terceiro aspecto deriva da capacidade das mensagens para representar idéias abstratas e convencionais, culturalmente compartilhadas” (SANTAELLA, 2002, p. 60). Uma vez que queremos analisar o sutiã sob a ótica do seu público alvo, é importante considerar estes aspectos para entender o filme publicitário como signo, que deve ser analisado, em particular, sob a perspectiva de seu interpretante. A Construção Narrativa do “Primeiro Sutiã” Um filme publicitário, construído para se adequar aos intervalos comerciais das emissoras, tem a missão específica como mensagem de aderir seus conceitos a um determinado produto ou serviço, levando necessariamente à compra ou de forma mais simples, a uma atitude de consumo em relação a uma idéia. Uma vez que as grades de intervalo das emissoras são compostas de múltiplos 15 segundos em tempo, uma abordagem narrativa completa costuma ter, em média, 30 segundos de duração. Com tal limitação de tempo, aliada a necessidade de trazer resultados concretos à evolução de vendas de uma marca, seria difícil gerar uma peça que tivesse em si um conceito universal de feminilidade. No entanto, para reposicionar a marca Valisére, o filme “Primeiro Sutiã”, que tem como meta atender a um público onde a sensualidade não pode ser o foco do trabalho, foi possível construir uma fábula que tem em sua narrativa uma percepção muito clara de início, desenvolvimento e conclusão num espaço menor que um minuto. Continuando a observar a peça publicitária como objeto de estudo sob uma ótica peirceana, podemos observar que, Segundo Santaella “Uma peça publicitária para o reposicionamento de um produto no mercado é um signo do produto, que vem a ser o objeto deste signo, isto é, da peça publicitária. Não apenas o produto em si é o objeto do signo, mas o produto reposicionado, tal como a peça o representa. O impacto ou não que a publicidade desperta no seu público é o interpretante da publicidade” (SANTAELLA, 2002, p. 9-10). Com esta visão a narrativa se constrói exatamente na associação direta da frase “O primeiro Valisére a gente nunca esquece”, tornando a marca sinônimo de um produto através de uma seqüência de acontecimentos signos que despertam no espectador um impacto de foco emocional direto. A Fábula construída na narração, em si, é simples. No entanto, os elementos áudio visuais complexos que precisam ser narrados com mais detalhes para a análise que faremos a seguir, especialmente pela quantidade de diálogos existentes entre os signos. A Narrativa começa com sons diáfanos de meninas e de atividades humanas fundindo-se com um tema clássico. A imagem que aparece é um plano cortado de mãos e antebraços que se sucedem para cima e para baixo. A seguir, um plano mais aberto mostra cerca de oito meninas aparentando ter entre doze e treze anos, lado a lado, executando estes movimentos. Ao fundo uma menina sardenta vira-se e olha para as demais. Aqui, o som da trilha clássica sufoca os sons de exercícios. Neste ponto o filme abre, com um corte, um segundo momento narrativo, que nos leva a um quarto que parece de menina: A colcha, uma boneca sobre a cama. Florida a cama apresenta-se inicialmente como o ponto central do cenário. Uma mão deixa repousar sobre a cama um embrulho de presente: uma caixa vermelha, um pouco maior que um livro comum, envolvida por um laço na horizontal branco. Um novo corte nos traz em plano americano a mesma menina dirigindo-se até a frente um armário e fazendo menção de abri-lo. O plano geral que se sucede mostra-nos um vestiário onde meninas tiram as camisas e trocam-se nos fazendo lembrar o fim de uma aula de educação física. No fundo, a menina observa a tudo coadjuvante. Em primeiro plano uma figura feminina adolescente, sem camisa, trajando apenas sutiã, que se sucede a outras da mesma forma. A menina se esconde atrás da porta de um armário. Sua face escondida nos faz pensar em timidez ou vergonha. Na porta vê-se colados fotos de ídolos de rock, imagens adolescentes. A luz é diáfana e a fotografia tem no sépia o seu tom predominante. A menina tira a camisa e pode se ver apenas suas costas nuas. Por fim ela nos olha sobre seu ombro em direção ao que o espectador sabe ser o vestiário. É possível notar a busca do filme em fazer o interpretante identificar-se com a menina e suas angústias. Nesta primeira etapa da história se faz muito clara a preparação dada pela narrativa para o ápice da história que estava por vir: o encontro entre os dois protagonistas do filme. Dois - a menina e o sutiã – irão ser os parceiros como personagens da trama de forma muita clara. Dessa relação nascerá toda a beleza, identidade e lógica. A menina, como símbolo da passagem da criança à mulher. O sutiã, como instrumento legitimador desta transformação. Cenas das primeiras seqüências do filme: início da fábula A nova seqüência é iniciada com outro corte. O som agora é de uma porta se abrindo, a trilha começa a ficar muda. O que vemos é o mesmo quarto de antes sendo que agora, é possível vê-lo num ângulo mais amplo. Sobre a cama o embrulho, sem nenhum alarde junto à boneca. A cena, escura, torna-se clara com a chegada da menina. Ela joga a mochila e deixa-se quedar sobre a cama. Lança os dois sapatos um para cada lado do quarto e agarra-se com a boneca, em gestos impacientes. Seus olhos se voltam ao ambiente, baixos, deixando transparecer um aborrecimento e param num ponto, expressivos, num tom de descoberta. Ela olha interrogativa, larga a boneca e se levanta em direção ao pacote. Ainda sentada sobre a cama a personagem desfaz o laço cuidadosamente. Agora temos a trilha começando num volume baixo, crescendo um pouco, o que pontua a descoberta. Como uma outra personagem o som é um coadjuvante neutro que pontua as relações da menina com o ambiente ao seu redor. Em seguida a menina levanta um sutiã branco do pacote. Ela olha o objeto com espanto, admiração. A boca se abre, os olhos se esgotam de demonstrar a surpresa quase no limiar do pastiche. Ela junta as duas alças e começa a examinar melhor a peça de roupa, agora elevado a condição de personagem da narrativa. Ela gira a peça de roupa. É possível observar a face alva e os lábios num batom rosa ainda moça se dissolvendo numa luz ainda tênue. Ela pára, olha para os lados com uma expressividade de criança e de travessura, num salto, como quem teve uma idéia. Em um plano aberto podemos ver o espelho e a menina pondo-se à sua frente e tirando a camisa. No canto inferior esquerdo a boneca largada e um abajur bege fazem um contraste com a menina desperta pelo sutiã. Ela joga a camisa no chão deixando transparecer a nudez de seu seio apenas num relance. Novamente a imagem se dissolve, agora de volta ao rosto e ombros da menina. Ela veste o sutiã e se vê com olhos ainda de surpresa. Pega nos cabelos e se vira. Faz poses girando. O plano abre ainda mais, a meio corpo. Ela continua admirando o sutiã, agora em seu corpo. Sutiã sem rendas, liso, simples, branco. A menina continua a olhar-se agora com ar vitorioso. Ela olha menos ansiosa, mas ainda pensativa, como se estivesse diante de uma nova pessoa. Antes de desaparecer, a menina conclui a cena girando os cabelos e encerrando a seqüência. Menina e sutiã: encontro entre protagonistas Com a narrativa chegando ao clímax o som agora é de rua movimentada, buzinas. O plano mostra uma multidão incógnita de costas, andando na rua em um ambiente de metrópole, atropelando-se. A luz é forte e contrastante. No lado esquerdo aparece nossa menina com uma camisa branca, deixando transparecer o sutiã. Os dois – a menina e o sutiã entrevisto pela malha fina da camiseta branca – são protagonistas. Ela agora não usa mais roupa de colegial, mas uma camiseta e um jeans, e segura uma prancheta e não uma mochila na mão. Ela olha em frente e não há mais insegurança em seu olhar. Um rapaz que está de costas no vídeo, aparentando uns 16 ou 17 anos se vira em sua direção e ri, flertando. A menina se protege com a prancheta, colocando-a sobre o peito. Ela olha para o lado sem virar o rosto para trás. O olhar é decidido e de desagrado. O rapaz continua andando de costas, dá voltas e continua olhando enquanto se afasta. Ela olha para frente, na direção da câmera, com um semblante sério. Por fim, Ela cede aos poucos a prancheta-escudo de seu peito e continua seguindo, abrindo lentamente um sorriso discreto, vitorioso, de quem esperava por isso. A marca Valisère aparece ao canto da cena. A conclusão se dá com o slogan “o primeiro Valisère a gente nunca esquece”. Na trilha escutam-se vozes masculinas, como em uma ária de ópera, coroando a cena. Os cabelos ao vento na luz forte do dia encobrindo o rosto até o corte final. Apesar do curto espaço de tempo do filme (sessenta segundos em sua versão completa, com versões de trinta segundos) é possível descobrir duas personagens que se destacam: a menina e o sutiã. Este como símbolo e foco da peça publicitária; aquela como coadjuvante de uma espécie de releitura de histórias como Cinderela e o Patinho Feio onde o ponto de transformação é a chegada do sutiã, numa clara referência a um rito de passagem à vida adulta. Nas cenas finais do filme, o sutiã deixa de ser apenas uma peça de roupa: torna-se parte fundamental do rito de passagem para a vida adulta. O Sutiã numa visão semiótica Concentrando-se no sutiã como foco dessa análise e levando em consideração que de numa ótica muito geral, a semiótica é a teoria de todos os signos, códigos, sinais e linguagens (Santaella, 2002, 59-60), através dela seria permitido compreender a totalidade sob perspectiva do produto como signo no filme “Primeiro Sutiã”, desde um nível emocional e sensorial até um nível simbólico em si. Tomando como base a conclusão de que, para Peirce todos os fenômenos se apresentam à mente em três elementos formais universais. Estes são denominados primeiridade, secundidade e terceiridade, podendo relacionar-se cada um desses aspectos ao signo do sutiã, tentando apreender os modos como este objeto sígnico é apreendido pela mente dentro da mensagem publicitária. Numa primeira instância (primeiridade), que recobre o nível do sensível e do qualitativo do signo (Teixeira Neto, 1996, 60-62), o sutiã pode ser visto em seus valores interpretativos em si. Neste aspecto pode ser considerado seu fundamento sinsigno icônico, uma vez que tendo semelhança com o objeto é um ícone (envolvendo um qualissigno), semelhança essa que aponta para o objeto em nível de primeiridade (ícone). Simples, com corte universal e modelagem neutra, o sutiã associa a si mesmo os elementos comuns ao que é - peça de roupa íntima feminina. Numa segunda instância, a da relação do signo com o seu objeto, parece claro que temos um sinsigno indicial remático, uma vez que a experiência vivida pela menina (descoberta, surpresa, emoção) é quem chama atenção para o objeto em si – o primeiro sutiã. É só através dela e de sua pluralidade de emoções vividas que podemos entender a relação do signo uma vez que a secundidade está ligada as idéias de dependência, dualidade, conflito e dúvida. É Santaella também que nos traz a luz essa relação de secundidade como sinsigno indicial (2002, 16) definido o objeto imediato é deste sinsigno como um designativo, pois dirige a retina mental do intérprete para o objeto dinâmico em questão. Na última instância, a da terceiridade, que trata do signo em relação ao seu interpretante, podemos tomá-lo por um sinsigno dicente, uma vez que o primeiro contato da menina com a peça torna objeto singular dentro de sua natureza (sinsigno) ao mesmo tempo que é signo de algo que o afeta diretamente, fazendo com que seja um índice. Esta mesma associação é feita com as espectadoras (alvo do anúncio) que relacionam o sutiã como um objeto que é índice da própria experiência vivida com cada uma delas ao tomar contato com cada um dos seus “primeiros sutiãs”. Esta classificação (sinsigno dicente ou sinsigno indicial dicente) que combina características do sinsigno icônico (onde o evento faz com que o signo signifique um objeto) com o sinsigno indicial remático (onde o evento chama a atenção para um objeto pelo qual sua presença é determinada), torna ainda mais evidente o alerta de Santaella (2002, p. 42). O destaque da autora é para a impossibilidade de analisar o signo sob um só prisma: “Nenhum signo pertence exclusivamente a um tipo apenas. Iconicidade, indexicalidade e simbolicidade são aspectos presentes em todo e qualquer processo sígnico. O que há nos processos sígnicos, na realidade, é a preponderância de um desses aspectos sobre os outros”. Apesar da possibilidade de interpretações sob a ótica da semiótica peirceana, podemos ver o interpretante dinâmico - o efeito que o signo efetivamente produz em um intérprete – presente de forma clara na personagem feita sinsigno. Saindo do aspecto da personagem sutiã, e indo para uma visão geral do que a peça de roupa intima – sutiã - passa a significar na totalidade do filme, podemos destacar o aspecto de Legisigno Simbólico (seu aspecto de convenção associado ao seu aspecto de símbolo), uma vez que por aparecer nas outras meninas do filme e ser na narrativa motivo de angústia e ao mesmo tempo salvador da menina da sua condição de criação. Ele é, portanto, a convenção legitimadora ao mesmo tempo em que se refere ao objeto denotado em si (agora não mais o sutiã, mas a descoberta da feminilidade) em virtude da associação de idéias. Daí a necessidade de analisar também o sutiã não mais como personagem, mas o sutiã em si como objeto geral do vídeo. Apesar de ser índice da feminilidade se o olharmos como sujeito na trama, na mensagem publicitária em seu contexto mais amplo, tomando a marca numa nova posição (antes visto exclusivamente como objeto de apelo sensual), ele passa a ser convenção e símbolo desta feminilidade. Uma maneira de se observar a força da peça é a metonímia marca-produto que se estabeleceu pelo filme, onde Valisère virou sinônimo de sutiã e a frase “O primeiro...” tornou-se símbolo de experimentação e passagem. Sutiã: símbolo convencionado como legitimador da passagem de menina à mulher Considerações Finais Como personagem o sutiã se apresenta sendo um sinsigno - objeto existente tomado como signo – tanto sob a ótica do próprio signo, quanto do objeto, quanto do interpretante. Assim exposto, o sutiã-personagem do filme é signo de secundidade por excelência. Esta relação, que remonta a experiência universal com a peça, é construída por um contexto narrativo focado no emocional e com elementos que só reforçam o caráter de secundidade da peça íntima. No entanto o objetivo da campanha, o que se espera chegar em seu interpretante final, é a de torná-lo não mais personagem, mas uma abstração total de sutiã, um sutiã-convenção. Um sutiã que deixa de ser índice de feminilidade, mas símbolo real da experiência de crescimento. Daí a força da narrativa de forma global uma vez que a peça visa tornar o sinsigno um legisigno para a sociedade dentro de uma natureza geral. Continuando nesta questão é muito clara a força do filme publicitário – e da fábula nele presente – como legitimadora desta feminilidade. Num mundo contemporâneo onde os signos revelam cada vez mais o poder que tem em si de ser co-artífices das normas sociais, vemos que a peça extrapola os objetivos mais primários da divulgação e consolidação da marca que patrocina sua existência. O signo agora passa a ser seu principal eco através dos tempos, até mesmo para públicos que não tiveram acesso ao vídeo original. Hoje podemos observar com clareza que o que era senso comum – a menina que usa sutiã está atravessando uma transição – passa a ser nova norma: o sutiã é o instrumento de passagem de uma fase a outra, é o caminho. Nesta perspectiva fica claro que a campanha não apenas alcançou seu objetivo como gerou uma legitimidade ao conceito de forma que inspirou diversas campanhas posteriores e, cerca de 20 anos após o seu lançamento, continuou legitimando seus conceitos formais de legisigno, em especial na esfera da comunicação mercadológica. Olhando para a semiótica conseguimos validar, por uma esfera que não simplesmente a do resultado de mercado, de onde vem essa força – da capacidade triádica do signo e da sua eterna (re)construção, onde os signos da publicidade reconstroem o signo marca. Referências bibliográficas MORAIS, Fernando. 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