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Semiótica

Sempre que algo deu errado, continuei em frente e lutei. Por isso, sou grato ao inventor das Leis de Murphy, que apesar de terem dificultado minha vida, me tornaram mais forte e capaz de suportar as dificuldades. Agradeço à liga dos focas paladinos, amigos que sobreviveram junto comigo. Em especial, meus votos de agradecimento vão para minha família, Hélio (pai), Neusa (mãe), Guilherme e Vivianne, a quem dedico minha devoção. Não poderia esquecer também da minha querida Dadinha, minha mãe-madrinha. Tenho de citar também minha namorada Karla, que sempre me atura e ajuda, principalmente quando as Leis de Murphy desabam sobre minha cabeça. Meus eternos agradecimentos ao professor Sebastião Guilherme e a professora Magda Lúcio. Professores que acreditaram no meu trabalho sem achar que era loucura. O primeiro me orientou por pouco tempo, mas o suficiente para colaborar significativamente. A segunda, por acreditar no tema e me ensinar a melhor maneira de concluir o trabalho sem desesperos. Houve um tempo em que tudo o que era preciso para ser jornalista era uma dedicação à verdade, a abundância de energia e algum talento para escrever. Philip Meyer RESUMO Este trabalho sugere uma engrenagem de funcionamento do pensamento investigativo baseado na semiótica. C. S. Pierce desenvolveu o estudo dos signos como uma lógica que pode ser aplicada relativamente a tudo. A partir desse pressuposto, essa monografia se apropria das três tríades peirceanas: interpretante, signo, objeto; ícone, índice, símbolo; e indução, dedução, abdução. Essa apropriação permite montar uma lógica investigativa que é ilustrada pela trama do detetive ficcional Sherlock Holmes. Foi escolhida a figura de um detetive porque um dos pressupostos da pesquisa é de que o trabalho do jornalista, enquanto apuração, é semelhante ao do detetive. No decorrer das páginas são intercaladas teorias sígnicas com trechos das histórias de Holmes. A primeira tríade, interpretante, signo, objeto -sugere uma forma de observação dos elementos de um fenômeno, um modo de observar e coletar dados. A segunda tríade: ícone, índice, símbolo -sugere uma observação mais detalhada. A terceira tríade: indução, dedução, abdução -indica uma forma de analisar os dados depois que eles passam pela coleta. As três teorias juntas formam um único sistema de observação ou uma lógica investigativa. Mas, que só pode ser colocada como pensamento investigativo quando essa engrenagem é usada por um detetive, um jornalista ou por alguém que empreenda uma apuração. Palavras-chave: investigação, Pierce, Sherlock Holmes, jornalismo de precisão, semiótica

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UniCEUB FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – FASA CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM JORNALISMO DISCIPLINA: MONOGRAFIA PROFESSORA ORIENTADORA: Magda de Lima Lúcio Semiótica: A lógica de Sherlock Holmes Victor Martins Alves RA: 20364289 Brasília, Maio de 2008 Victor Martins Alves Semiótica: a lógica de Sherlock Holmes Trabalho apresentado à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, como requisito parcial para a obtenção ao grau de Bacharel em Comunicação com habilitação em Jornalismo no Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Prof. Orientador – Drª Magda de Lima Lúcio Brasília, Maio de 2008 Victor Martins Alves Semiótica: a lógica de Sherlock Holmes Trabalho apresentado à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, como requisito parcial para a obtenção ao grau de Bacharel em Comunicação com habilitação em Jornalismo no Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Banca Examinadora _____________________________________ Prof. Drª Magda de Lima Lúcio Orientadora __________________________________ Prof. Dr. Paulo Paniago Examinador __________________________________ Prof. Drª Cláudia Busato Examinadora Brasília, maio de 2008 Dedicatória A quem realmente importa: Hélio, Neusa, Guilherme, Vivianne, Dadinha (minha segunda mãe) e Karlinha. Pessoas fundamentais na minha vida. Agradecimentos Sempre que algo deu errado, continuei em frente e lutei. Por isso, sou grato ao inventor das Leis de Murphy, que apesar de terem dificultado minha vida, me tornaram mais forte e capaz de suportar as dificuldades. Agradeço à liga dos focas paladinos, amigos que sobreviveram junto comigo. Em especial, meus votos de agradecimento vão para minha família, Hélio (pai), Neusa (mãe), Guilherme e Vivianne, a quem dedico minha devoção. Não poderia esquecer também da minha querida Dadinha, minha mãe-madrinha. Tenho de citar também minha namorada Karla, que sempre me atura e ajuda, principalmente quando as Leis de Murphy desabam sobre minha cabeça. Meus eternos agradecimentos ao professor Sebastião Guilherme e a professora Magda Lúcio. Professores que acreditaram no meu trabalho sem achar que era loucura. O primeiro me orientou por pouco tempo, mas o suficiente para colaborar significativamente. A segunda, por acreditar no tema e me ensinar a melhor maneira de concluir o trabalho sem desesperos. Houve um tempo em que tudo o que era preciso para ser jornalista era uma dedicação à verdade, a abundância de energia e algum talento para escrever. Philip Meyer RESUMO Este trabalho sugere uma engrenagem de funcionamento do pensamento investigativo baseado na semiótica. C. S. Pierce desenvolveu o estudo dos signos como uma lógica que pode ser aplicada relativamente a tudo. A partir desse pressuposto, essa monografia se apropria das três tríades peirceanas: interpretante, signo, objeto; ícone, índice, símbolo; e indução, dedução, abdução. Essa apropriação permite montar uma lógica investigativa que é ilustrada pela trama do detetive ficcional Sherlock Holmes. Foi escolhida a figura de um detetive porque um dos pressupostos da pesquisa é de que o trabalho do jornalista, enquanto apuração, é semelhante ao do detetive. No decorrer das páginas são intercaladas teorias sígnicas com trechos das histórias de Holmes. A primeira tríade, interpretante, signo, objeto – sugere uma forma de observação dos elementos de um fenômeno, um modo de observar e coletar dados. A segunda tríade: ícone, índice, símbolo – sugere uma observação mais detalhada. A terceira tríade: indução, dedução, abdução – indica uma forma de analisar os dados depois que eles passam pela coleta. As três teorias juntas formam um único sistema de observação ou uma lógica investigativa. Mas, que só pode ser colocada como pensamento investigativo quando essa engrenagem é usada por um detetive, um jornalista ou por alguém que empreenda uma apuração. Palavras-chave: investigação, Pierce, Sherlock Holmes, jornalismo de precisão, semiótica ABSTRACT This work suggests a spiral of operating the investigative thinking based on semiotics. C. S. Pierce developed the semiotics as a logic that can be applied for everything. From this assumption, this monograph is appropriate of the three triads of Peirce: translator, sign, object; icon, index, symbol, and induction, deduction, abduction. This appropriation allows mount a logical investigative which is illustrated by the weft of the fictional detective Sherlock Holmes. It was chosen the figure of a detective because one of the assumptions of work is that the work of the journalist, while determination, is similar to the detective. During the theories signics pages are interspersed with excerpts of stories of Holmes. The first triad, translator, sign, object - suggests a way of observation element of a phenomenon, a way to observe and collect data. The second triad: icon, index, symbol - suggests a more detailed observation. The third triad: induction, deduction, abduction - indicates a way of analyzing the data after they go through the collection. The three theories together form a single observation system or a logical investigative. But that can only be placed as investigative thought when that gear is used by a detective, a journalist or someone to undertake an investigation. Sumário Introdução ......................................................................................................................13 O signo está em tudo .....................................................................................................14 1 – O estado da arte: contrato com os peritos................................................................16 1.1 - O que é semiótica ..................................................................................................17 2 - Relações triádicas: o pensamento investigativo........................................................20 2.1 - Primeira tríade: signo, objeto, interpretante ...........................................................21 3- Segunda tríade: índice, ícone e símbolo ....................................................................25 4 - O método sherlockpeirciano: indução, dedução e abdução......................................32 8 Conclusões e Recomendações...................................................................................38 Referências bibliográficas ..............................................................................................40 Apêndice A: Jornalismo de precisão ..............................................................................42 Apêndice B: a obra influência a vida de Pierce ..............................................................47 13 Introdução O interesse pelo tema das técnicas de investigação surgiu em 2006, ao participar do curso Capacitação para Cobertura das Eleições, promovido pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Nesse curso, tive oportunidade de entrar em contato com técnicas de apuração que não conhecia. Tive ainda palestras e oficinas com jornalistas como Fernando Rodrigues e Evandro Espinelli, ambos integrantes e fundadores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). O principal que levo deste curso é que existem outras formas de apuração com questionamentos que vão além das perguntas do lide: O que? Quem? Quando? Como? Onde? Por que? Um ano depois, o gosto pelo tema era ainda maior e participei do II Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado em São Paulo (2007). Foi o fator decisivo para motivar esta monografia. A busca pelo que pode existir além do lead sugere o jornalismo investigativo como tema do trabalho. Em um recorte mais profundo, será abordada a lógica do pensamento investigativo. Na tentativa de encontrar o modo de operar de tal lógica, a semiótica será usada como suporte teórico. Charles Sanders Peirce (2000) a concebeu como uma lógica que poderia ser aplicada, relativamente, a todo tipo de ciência. Para tentar descobrir em que medida a Semiótica pode ser aplicada ao jornalismo, serão analisadas algumas hipóteses: a primeira – o jornalista é um detetive. Essas duas figuras devem girar em torno de algumas teorias semióticas na tentativa de confirmar uma outra hipótese: o método investigativo, no jornalismo, pode ser pensado por meio da semiótica e das relações sígnicas. Com essas questões, o trabalho propõe uma comparação entre um detetive da ficção e o jornalista para explicar o pensamento investigativo e os métodos usados por um repórter. O detetive ficcional referido anteriormente é o personagem criado por Sir Arthur Conan Doyle, Sherlock Holmes, e tem o objetivo inicial de identificar a lógica de um detetive que faz leitura dos signos para desvendar mistérios. Em um segundo plano, usar um personagem de ficção pode proporcionar leveza ao material produzido: uma tentativa de tornar a leitura mais agradável e atraente. Pretende-se analisar nesta monografia as obras ficcionais de Doyle, Um estudo 14 em vermelho e O signo de quatro, para identificar a lógica de investigação do personagem central, Sherlock Holmes, a fim de buscar em que medida pode-se utilizála como suporte jornalístico. Compreender a partir do instrumental teórico semiótico, de C.S. Peirce, a possibilidade de utilização desses elementos sherlockianos no método investigativo do jornalista. O signo está em tudo Uma das premissas desta monografia é uma proposição feita por Peirce que diz ser possível pensar somente através de signos. Teoria a qual afirma que tudo que se produz na consciência, uma ação ou experiência, uma qualidade de impressão ou qualquer representação mental, são signos (2000-2003). Partindo-se desse pressuposto, de que tudo é signo, pretende-se ler os fenômenos que ocorrem na apuração de uma pauta através da identificação destes signos. A proposta é realizar uma semiótica prática, a exemplo do que faz o personagem da ficção Sherlock Holmes para desvendar mistérios. Neste estudo, Holmes será comparado ao jornalista na relação que há entre o método de investigação do detetive e do repórter. Essa analogia é o pressuposto para toda indicação, sugestão ou afirmação que realizada por esta monografia. Quando Sherlock observa a cena de um crime, ele lê os signos inseridos no acontecimento. A partir dessa leitura, criam-se hipóteses e ocorrem testes sistemáticos. Sherlock Holmes pode ser considerado o objeto de uma representação de um detetive que faz uso do pensamento semiótico para desvendar mistérios. Como será visto detalhadamente no primeiro capítulo, Holmes utiliza a tríade objeto, signo, interpretante na resolução de mistérios. O segundo capítulo dá continuidade ao primeiro e aborda a tríade índice, ícone, símbolo como parte da lógica investigativa – sugestão que só pode ser feita porque a semiótica está colocada em paralelo com os métodos sherlockianos. O detetive ficcional também faz uso da tríade investigativa elaborada por Peirce: indução, dedução e abdução. Elementos citados constantemente por Holmes no decorrer das tramas. Apesar de não nomear a abdução, o detetive a exerce com freqüência ao criar hipóteses e ao testá-las. Para essa tríade, será destinado todo o 15 terceiro capítulo. Cada parte desta monografia segue o seguinte formato: inicialmente será abordada a teoria semiótica, com bases principalmente na teoria peirceana, com apoio teórico das publicações de Santaella. Essa primeira explicação teórica deverá indicar alguma forma de pensamento ou lógica investigativa. A partir desse ponto, recorre-se a trechos das histórias de Sherlock Holmes para que a hipótese seja analisada. 16 1 – O estado da arte: contrato com os peritos Como é que os mais argutos detetives resolvem os seus casos? Que processos de pensamento guiam as suas incríveis soluções? Como conseguem levantar pelas pontas do visível as pistas do invisível no mundo? No horizonte destas três perguntas projeta-se um repertório de questões que se estendem em sua lógica, desde o inquérito policial até a indignação epistemológica. Não é pois de se admirar que, para dar conta de seu desafio, Umberto Eco e Thomas A. Sebeok, os juízes desta instrução interdisciplinar, tenham contratado os serviços de uma equipe invulgar de peritos. São eles o trio: Charles Sanders Peirce, o “pai” da semiótica moderna, Sherlock Holmes, a figuração mítica da inteligência detetivesca, e o seu predecessor no gênero, 1 não menos agudo no raciocínio, Dupin, de Edgar Allan Poe. Sem a pretensão do brilhantismo de Eco e Sebeok, esta pesquisa também pretende identificar que pensamentos guiam as incríveis soluções dos mais argutos detetives e ainda poder aplicar esse saber no jornalismo. Dos peritos contratados na publicação o Signo de três, prestarão serviço a esta monografia apenas dois: Charles Sanders Peirce e Sherlock Holmes. Eco e Sebeok também serão de grande utilidade ao trabalho como interlocutores da relação entre os dois peritos citados anteriormente. Outra publicação que serviu como base teórica para esta monografia é o livro Reportagem: a arte da investigação, de Cecília Guirado, que envolve semiótica e jornalismo investigativo. A obra auxiliou na argumentação teórica inicial desta monografia e sustentou as principais hipóteses do projeto: o jornalista é um detetive? Em que medida a semiótica pode ser aplicada ao jornalismo? Mas a melhor justificativa para essas premissas seria uma analogia entre o trabalho do detetive e do jornalista, ao pressupor que ambos vêem certos fenômenos de maneira semelhante e atuam, em certos casos, utilizando técnicas iguais para alcançar determinados resultados: ambos são investigadores. Mas, de todas as publicações, quem justifica melhor esse tipo de abordagem é a publicação o Signo de três e o próprio Peirce. O filósofo quando diz que a semiótica, enquanto lógica, pode ser aplicada a todo tipo de ciência. A publicação quando faz analogia das teorias de Peirce aos trabalhos do detetive Sherlock Holmes. 1 J. Guinsburg. In apresentação do livro ECO, Umberto e SEBEOK, Thomas A. (orgs.) O signo de três. Perspectiva – SP, 1991 17 Se a semiótica pode ser aplicada ao trabalho de um detetive e esse profissional atua em alguns aspectos de forma semelhante ao jornalista, o estudo dos signos também pode ser aplicada à apuração jornalística. A diferença entre os dois profissionais seria basicamente os fins. O jornalista investiga para publicar uma reportagem e o detetive para resolver um caso, mas, ambos trabalham com charadas e a busca por respostas. Dentro da lógica semiótica, o signo será o mediador na relação entre objeto e interpretante, como propõe Peirce (2000) e Santaella (2000). A partir da relação entre esses três elementos, é possível chegar a uma determinada lógica, a ser abordada oportunamente, que poderá ser aplicada ao pensamento investigativo. A segunda tríade: ícone, índice e símbolo - pode ser aplicada como forma de observar os fenômenos e signos. A teoria do ícone pode ser aplicada a cena de um crime, que pode ser observada como uma imagem com diversos signos a serem interpretados. O índice como um recorte mais profundo do ícone que dará várias indicações de objetos ou resultados. E o símbolo, semelhante ao índice, também será um recorte do ícone, com vários significados simbólicos em busca do resultado. Os detalhes dessa teoria não cabem ser destrinchados apenas nessa revisão bibliográfica, nas páginas seguintes serão explicadas de maneira conveniente. Pesquisas e estudos realizados por Eco e Sebeok (1983), Santaella (2000, 2003) e outros tantos deixados por Peirce (2000), indicam as imensas possibilidades da semiótica. Todas elas já descritas nas relações lógicas das publicações citadas anteriormente. O único elemento novo colocado próximo a essas possibilidades é o jornalismo investigativo, cujas teorias são poucas no Brasil. Nos Estados Unidos há um maior número de bibliografias sobre o tema. Duas delas serão utilizadas neste trabalho: o livro editado pela instituição Investigative Reporters and Editors, The Investigative reporter’s handbook – a guide to documents, databases and techniques. E The New Precision Journalism, de Philip Meyer. 1.1 - O que é semiótica O nome semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Semiótica é o estudo dos signos, não os contidos nas 12 casas do zodíaco, mas como uma linguagem verbal e não-verbal. É algo que produza algum sentido, como explica 18 Santaella (2003). “Todo e qualquer fato cultural, toda e qualquer atividade ou prática social constituem-se como práticas significantes, isto é, produção de linguagem e sentido” (p. 12, 2003) A semiótica estuda todo e qualquer fenômeno que produza uma significação e um sentido. Peirce começou a formulação das teorias semióticas a partir de Fenômeno que, por conceito, “não se restringia a algo que podemos sentir, perceber, inferir, lembrar, ou localizar na ordem espaço-temporal... Fenômeno é qualquer coisa que apareça a mente” (SANTAELLA, 2000. p. 7) Com essa definição, Peirce buscou identificar os diferentes tipos de elementos detectáveis nos fenômenos. Todos os elementos encontrados foram colocados em categorias. Depois, o filósofo traçou os modos de combinação entre esses elementos. Todos os fenômenos acabaram classificados em três categorias: Primeiridade: aliada às idéias de acaso, indeterminação, frescor, originalidade, espontaneidade potencialidade, quantidade, presentidade, inediaticidade, mônoda e etc. Secundidade: às idéias de força bruta, ação-reação, conflito, aqui e agora, esforço e resistência, díada e etc. Terceiridade: ligada às idéias de generalidade, continuidade, crescimento, representação, mediação, tríada, etc. (SANTAELLA, 2000 – p. 8) Na terceira categoria será encontrado o conceito de signo como processo relacional a três termos ou mediação, que segundo Santaella, conduz à ação dialética do signo. O signo é o mediador da relação entre objeto e interpretante. Um signo só pode funcionar como tal porque representa, de uma certa forma e numa certa medida, seu objeto. O objeto do signo não é necessariamente aquilo que concebemos como “coisa” individual e palpável. Ele pode ser desde mera possibilidade a um conjunto ou coleção de coisas, um evento ou uma ocorrência até uma abstração ou um universal... A objetividade do interpretante é, por natureza, coletiva, não se restringindo aos humanos e fantasias de um intérprete particular. (SANTAELLA, 2000 – P.9) As relações sígnicas são muito mais do que algo palpável: são partes de um sistema lógico que pode ser pensado de forma abstrata. Apenas como uma equação ou uma lógica, onde um signo incide sobre o objeto e sobre o interpretante para gerar um outro signo, intitulado signo X. Independentemente de existir um algo físico, a relação 19 semiótica pode ocorrer na teoria usando como elementos apenas os nomes objeto, signo, interpretante: objeto signo interpretante = signo X Relativamente, a definição mais adequada à semiótica é a de que ela é uma teoria lógica dos signos. Posto que o próprio Peirce foi um lógico e como uma lógica ele concebeu essa teoria. As tentativas de definir neste referencial teórico o que é semiótica, signo, objeto, interpretante, fenômeno são superficiais se comparados às milhares de páginas escritas por várias pessoas espalhadas pelo mundo e pelo próprio Peirce. As palavras transcorridas até esssa página são um mero vislumbre do que vem a ser semiótica e das possibilidades que ela propõe. 20 2 - Relações triádicas: o pensamento investigativo Para explicar o pensamento investigativo é preciso reconstituir um dos casos do detetive Sherlock Holmes. Especificamente, será usada a novela Um estudo em vermelho. Tal reconstituição não é tarefa simples, como afirma BONFANTINI e PRONI (1991). A dificuldade se deve, em primeiro lugar a “estratégia do texto. Conan Doyle não contempla o leitor com os mesmos dados que o detetive possui. Estes são revelados apenas no final e como se fossem apenas trivialidades quando, na verdade são determinantes para a resolução do caso” (p.131). A segunda dificuldade da reconstituição é o fato de Holmes não deixar o leitor perceber quando, durante a história, elaborou as conclusões e também quais os propósitos de algumas ações que realiza (1991). Para explicar melhor o caso, segue abaixo uma carta enviada a Holmes por um detetive da Scotland Yard que precisa de ajuda na solução do crime de Um estudo em vermelho: Caro Sr. Sherlock Holmes, Houve uma grave ocorrência esta noite, em Lauriston Gardens, 3, perto de Brixton Road. Nosso policial de ronda viu uma luz nessa casa por volta das duas da manhã e, como a residência não estivesse habitada, suspeitou que houvesse algo errado. Encontrou a porta aberta e, na sala da frente, vazia de qualquer móvel, encontrou o corpo de um cavalheiro bem vestido, cujos cartões de visita no bolso traziam o nome de “Enoch j. Drebber, Cleveland, Ohio, U.S.A.”. Não houve roubo nem qualquer evidência sobre a maneira como o homem morreu. Há marcas de sangue na sala, mas o corpo não apresenta ferimentos. Não sabemos o que ele fazia numa casa desocupada. A história toda é um enigma. Se puder ir até a casa antes das doze horas, poderá me encontrar lá. Deixei tudo como estava, até ter notícias suas. Se não puder vir, mandarei maiores detalhes e serei muito grato se tiver a bondade de manifestar sua opinião. Atenciosamente, 2 Tobias Gregson Com a carta na mão, o detetive e o companheiro de aventuras Dr. John Watson foram ao local da ocorrência. A partir do crime, as etapas da investigação seguem 2 DOYLE, Sir Arthur Conan, 1859- 1930. Um estudo em vermelho; tradução Lígia Cademartori. – 6ª Ed. – São Paulo: FTD, 1994 – p. 33, 34. 21 divididas em uma primeira tríade: signo, objeto, interpretante. Na segunda tríade: ícone, índice e símbolo. 2.1 - Primeira tríade: signo, objeto, interpretante Conforme Santaella explica, o esforço de Peirce na semiótica era o de criar signos tão gerais que pudessem servir de base para qualquer ciência aplicada. De tal forma que a semiótica peirciana é concebida como lógica para que possa ser aplicada, relativamente, a tudo (2000). O signo a que essa pesquisa faz referência faz parte dos estudos desenvolvidos pelo filósofo e cientista, Charles Sanders Peirce. De forma simplificada e parafraseando uma citação de Peirce feita por Lúcia Santaella, “um signo intenta representar, em parte pelo menos, um objeto” (2003, p.58). O signo é algo que representa um outro algo, é uma representação de um objeto. Dizer que ele é essa representação implica em afetar uma mente, o que leva a um interpretante. A tradução ou a interpretação do signo é o objeto. O desenho da clave de sol em uma partitura, por exemplo, seria a representação ou o signo, um músico seria o interpretante. Quando ele mantém uma relação de pensamentos acerca deste signo é desenvolvido um significado, uma tradução que é o objeto. Essa é uma exemplificação na qual a lógica peirciana ou a dialética do signo poderia ser aplicada. O exemplo anterior indica a primeira tríade: signo, objeto, interpretante. A relação triádica entre esses três elementos vai sugerir ao menos um sistema lógico de investigação ou observação de fenômenos que pode ser aplicado ao jornalista e ao detetive. Ainda dentro dos conceitos sugeridos por Peirce é importante explicar a noção de fenômeno. ...sua noção de fenômeno não se restringia a algo que podemos sentir, perceber, inferir, lembrar, ou localizar na ordem espaço-temporal que o senso comum nos faz identificar como sendo o “mundo real”. Fenômeno é qualquer coisa que aparece à mente, seja ela meramente sonhada, imaginada, concebida, vislumbrada, alucinada... Um devaneio, um cheiro, uma idéia geral e abstrata da ciência... Enfim, qualquer coisa. (SANTAELLA, 2000 – p. 7) Mas, para este trabalho, fenômeno será comparado à pauta e às idéias do que pode vir a ser uma pauta. Para um jornalista um acidente de carro, a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) ou um jogo da Seleção Brasileira de Futebol são todos 22 fenômenos, pautas que se transformaram em matéria ou reportagem. Para Sherlock Holmes, fenômeno é o crime. Com a aparição do fenômeno ou da pauta, dar-se-á início a aplicação da lógica investigativa e, nesta primeira parte do capítulo, da tríade objeto, signo, interpretante. No primeiro caso investigado por Sherlok Holmes, relatado no livro Um estudo em vermelho, um homem é assassinado em uma casa vazia que estava para ser alugada. Ao chegar no local, Sherlok não vai direto à cena do crime, como explica o Dr. John Watson. Eu havia imaginado que, tão logo chegasse, Sherlock Holmes correria em direção à casa no afã de mergulhar no estudo do mistério. Nada poderia estar mais longe de sua intenção do que isso. Com um ar displicente que, naquelas circunstâncias, parecia bem próximo à afetação, pôs-se a caminhar de um lado para outro na calçada, olhando vagamente o chão, o céu, as outras casas e o gradeado sobre o muro. Terminada essa observação, percorreu lentamente a senda do jardim, ou melhor, o gramado que o margeava, com os olhos cravados no chão. (DOYLE, 1994 – 47- 48) Para Holmes, é um erro teorizar antes de ter todos os indícios; esta ação prejudicaria o raciocínio. Então, antes de ver o corpo e criar conjecturas, o detetive vai a busca de signos que possam estar na rua, em frente à casa e nos locais em volta dela. Holmes tem o conhecimento de que teria chovido na noite anterior após uma semana sem chuvas. Neste primeiro momento, Sherlock identifica marcas (signos) de uma carruagem e de ferraduras de cavalo que teriam parado em frente à residência na noite do crime. Com as pegadas dos cavalos, ele pode concluir que a carruagem teria ficado a espera do cocheiro por algum tempo. Outro ponto notado nas marcas deixadas pela carruagem é que as rodas eram finas, características de carros de aluguel. O objeto desse signo, segundo o detetive, será a carruagem que trouxe assassino e vítima. Depois, ele encontra pegadas (mais signos) na lama que existe em torno do local. Algumas das pegadas são signos que representam os policiais (objeto) que passaram pelo local, outras representam dois investigadores que também tentavam desvendar o mistério (objeto) e mais duas pegadas diferentes que não pertenciam a ninguém que tenha passado por lá depois do assassinato. Sherlok identifica as pegadas (signos) que seriam do assassino e da vítima (objeto principal). Um dos homens usava botas de bico quadrado e o outro um sapato de bico fino, provavelmente elegante. As pegadas ainda demonstraram que bico quadrado poderia ser alto e jovem, 23 visto que ele pulou uma possa d’água enquanto o bico fino a teria contornado. Nesta primeira parte da investigação, o detetive foi o interpretante. As várias pegadas e marcas, os signos. Os resultados a que Holmes chegou os objetos. A lógica funcionou da seguinte maneira: vários signos afetaram a mente de um interpretante que gerou a representação dos objetos. A primeira tríade foi aplicada, mas esta etapa ainda continua para o detetive porque o signo quando interpretado gera um objeto que se torna outro signo a ser traduzido. Agora, Sherlock Holmes tem de interpretar os primeiros resultados que encontrou. A primeira coisa que observei, quando lá cheguei, foi que as rodas de um carro haviam feito dois sulcos perto do meio-fio. Não chovera por uma semana antes da noite passada, portanto, se as rodas deixaram marcas tão profundas, isso só poderia ter acontecido durante a noite... Uma vez que carro esteve lá depois que começou a chover, e nenhum carro parou por ali durante a manhã, conforme afirmou Gregson, conclui-se que as marcas foram feitas durante a noite... são do carro que trouxe os dois indivíduos para a casa. (DOYLE, 1994 – p. 36 e 37) O detetive interpretante deixou que o signo “marca da carruagem” afetasse sua mente de forma que ele pudesse traduzir aquele signo. O que o interpretante leu foi: os dois sulcos no chão representam uma carruagem; as quatro marcas de ferradura no chão representam um cavalo que puxava o carro. Até este ponto, uma tradução lógica e maquinal. Mas, com estas informações, o detetive pode ligar a afirmação de Gregson que não houvera outra carruagem no local desde a noite anterior às leituras das marcas citadas anteriormente. Holmes talvez tenha pensado: “Se não houve outra carruagem, quem teria parado ali noite passada?”. O objeto carruagem se tornou o signo carruagem, que precisa de uma tradução mais complexa para encontrar o novo objeto. Para interpretar este signo, Sherlock tem a dedução como ferramenta, conceito a ser abordado oportunamente neste trabalho. Traduzido os signos da carruagem, o detetive passa para outras representações. Com a direção das pegadas da vítima e do assassino, ele pôde constatar que os dois indivíduos chegaram ao local do crime amigavelmente. Não havia sinais de luta ou de que alguém tivesse sido arrastado. O detetive também notou pela distância entre as pegadas que um dos homens era bem mais alto que o outro. O que essa referência à história de Holmes quer demonstrar é que o signo e o 24 interpretante podem estar ligados diretamente à resolução de problemas, que nesta situação é o nosso objeto. Este caso mostra ainda que "...o signo não é uma coisa monolítica, mas um complexo de relações..."(SANTAELLA, 2003. p, 82). O jornalista, quando está em apuração, é um observador de um fenômeno, ele deve interpretar os signos que envolvem este fenômeno semelhante ao que fez Sherlock Holmes. Essa ótica cabe principalmente aos repórteres investigativos, que não é um perito policial, mas tem o dever de veicular informações fidedignas. O jornalista deve observar com a lente do intérprete. De acordo com a instituição norte-americana Investigative Reporters and Editors, o jornalista que não pensa todos os elementos que giram em torno da pauta, falha. O jornalista precisaria pensar como um detetive ou Sherlock Holmes em algumas situações, ou pelo menos ter um pensamento crítico. Alguns jornalistas não são investigadores: Eles seguem somente a agenda; eles falham na hora de perceber os bens e empresas dos integrantes da assembléia legislativa da cidade, os interesses dos grupos; e eles não checam contratos ou outros potenciais documentos relevantes que possam influenciar nas decisões da assembléia. Todo jornalista gostaria de ser um jornalista investigativo? Provavelmente não. Alguns repórteres e editores fazem uma boa produção de features sobre quantos gatos a mais existem que cachorros... O que leva à premissa desse livro: Todo jornalista pode ser um jornalista investigativo. Não é com mágica que se começa. Isso requer uma intensa curiosidade e ceticismo acompanhado de um pouco de cinismo. Confortando o aflito e afligindo o confortável. Expor todas essas coisas, não por causa de sorte, mas porque as chances favorecem as mentes preparadas. (IRE, 2002 – p. VII). Holmes se acha superior aos outros detetives porque teria a mente mais preparada para observar e analisar. Nas histórias criadas por Conan Doyle é inevitável falar de crimes, mas a comparação entre os trabalhos do jornalista e do detetive não cabe somente à editoria de polícia. A analogia é acerca do método utilizado por ambos os profissionais, a história de Holmes é só uma ilustração para a lógica semiótica. Se tudo é feito de signo como Peirce diz, nas pautas de política, esporte, cidades, Brasil e qualquer outra editoria de um jornal também haverá diversos signos a serem traduzidos. 25 3- Segunda tríade: índice, ícone e símbolo Com todo esse percurso de Um estudo em vermelho, Holmes traçou relações sígnicas com ele na figura de interpretante, as pegadas como signos e as primeiras hipóteses encontradas, o objeto. Para traçar essa lógica é preciso, porém, limitar ou apropriar para a ocasião, momentaneamente, os conceitos das tríades propostas por Pierce. Essa limitação torna possível que um método de apuração seja descrito de forma teórica. Como o detive e o jornalista atuam em busca de um resultado, causa ou objeto, essa lógica pode ser aplicada por eles. O signo afeta a mente de um interpretante que gera um outro signo, representação de um objeto. Ainda preso à engrenagem interpretante, signo, objeto, descrita anteriormente, Sherlock Holmes segue as pegadas até o interior da casa. A partir de agora, mais uma engrenagem se junta à anterior para a formação de uma nova tríade: Ícone: é a relação do signo consigo mesmo. O signo pode ser aspecto ou aparência, uma mera qualidade. Uma pintura, chamada abstrata, por exemplo, desconsiderando o fato de que é um quadro que está lá, o que já faria dela um existente singular e não uma pura qualidade, mas considerando-a apenas no seu caráter qualitativo (cores, luminosidade, volumes, texturas, formas...) só pode ser um ícone. Este signo é referente à imagem... Qualquer qualidade tem, por isso, condições de ser um substituto de qualquer coisa que a ele se assemelhe... Daí que os ícones sejam capazes de produzir em nossa mente as mais imponderáveis relações de comparação... diante de ícones costumamos dizer: “Parece uma escada...” “Não. Parece uma cachoeira...” e assim por diante sempre no nível do parecer Índice: é a relação do signo com seu objeto dinâmico... O índice, como seu próprio nome diz, é um signo que como tal funciona porque indica uma outra coisa com a qual ele está factualmente ligado. Há, entre ambos, uma conexão de fato. Assim, o girassol é um índice, Isto é, aponta para o lugar do sol no céu. A posição sol no céu, por seu turno, indica a hora do dia. Rastros, pegadas, resíduos, remanências são todos índices de alguma coisa que por lá passou deixando suas marcas... Mas só funciona como signo quando uma mente interpretadora estabelece a conexão em uma dessas direções. Nessa medida o índice é sempre dual: ligação de uma coisa com outra. Símbolo: é a relação do signo com seu interpretante... extrai seu poder de representação porque é portador de uma lei que, por convenção ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu objeto. Note-se, por isso mesmo, o símbolo não é uma coisa singular, mas um tipo geral. E aquilo que ele representa também não é um individual, mas um geral. Assim são as palavras... A palavra mulher, por exemplo... o objeto que ela designa não é esta mulher, aquela mulher, ou a mulher do meu vizinho, mas toda e qualquer mulher.(SANTAELLA, 2003. p,62 – 67) 26 A tríade ícone, índice, símbolo aplicada ao pensamento investigativo pode ser pensada como um sistema. Dentro da segunda tríade há o ícone, que contém o índice e o símbolo. Esse sistema não representa a totalidade dos conceitos criados por Pierce, é apenas uma adaptação de algumas teorias para que seja formulada uma sentença lógica. Não é possível generalizar essa tríade apenas nesse sistema, visto que um símbolo pode vir a ser um ícone ou um índice e o contrário também vale para o ícone e o índice. Ou seja, um sistema com esses signos pode ser pensado de diversas maneiras. Apenas está colocado dessa forma, na figura que segue, como uma sentença lógica a ser aplicada a um caso investigativo. SEGUNDA TRÍADE Figura 1, elaborada pelo autor A cena do crime passa a ser vista como uma fotografia, uma única imagem ou um ícone. Dentro dele, Sherlock encontra índices e símbolos a serem traduzidos. Ainda que o detetive tenha adentrado à segunda tríade, ele nunca abandonou a primeira e continua na representação de interpretante. A partir de agora, a lógica se aprofunda mais, o interpretante analisa um signo, que pode ser um ícone, um índice ou um símbolo. A partir dessa analise, um objeto é gerado, que pode ser um outro signo. A 27 lógica continua a mesma, um interpretante traduz um signo que representa um objeto ou gera na mente desse interpretante um objeto. A ação dialética do signo continua. Figura 2, elaborada pelo autor O que Holmes vê quando entra na casa? O detetive se depara com a cena do crime ou ícone do crime. Imaginemos que o tempo congelou para que fosse possível analisar as minúcias de tudo que está posto. A imagem que se apresenta ao interpretante fica conforme a descrição de John Watson ao entrar na casa. Um pequeno corredor, com o pavimento descoberto e empoeirado, levava à cozinha e às áreas de serviço. Tinha duas portas: uma à direita e outra à esquerda. Uma delas, era evidente, estivera fechada por várias semanas. A outra dava passagem à sala de jantar, dependência onde ocorrera o estranho caso. Holmes entrou e eu o segui... (DOYLE, 1994 – p. 38) Dr. Watson, que acompanha Holmes, descreve ainda a sala de jantar, local onde ocorrera crime. Ele só se esquece de mencionar que na poeira do chão da sala as pegadas continuam e mostram como teria se passado a movimentação antes do assassinato. A descrição do ícone prossegue: 28 A sala era ampla e quadrada e a total ausência de mobília dava a impressão de que era ainda maior. Um papel vulgar e muito vistoso forrava as paredes, mas, em vários lugares, estava manchado de mofo e, em algumas partes, rasgara-se em grandes tiras que, penduradas, deixavam ver o reboco amarelo. Frente à porta, havia uma pomposa lareira que acabava em uma platibanda de falso mármore branco. Em um canto havia um toco de vela vermelha. A única janela estava tão suja que apenas filtrava uma luz fosca e incerta, tingido tudo de uma tonalidade cinza, intensificada pela espessa camada de poeira que a tudo cobria. (DOYLE, 1994 – p. 38) No meio da sala estava a vítima, homem entre 40 e 44 anos e de estatura média. Tipo físico com ombros largos, cabelos pretos e crespos. Usava uma barba curta e cerrada. Elegantemente vestido, estava de fraque e colete de tecido grosso e de qualidade, calças claras e os colarinhos e punhos da camisa estavam bem limpos. Ao lado dele havia uma cartola bem-feita. “Suas mãos estavam crispadas e os braços, abertos. Suas pernas, porém, estavam contorcidas, sugerindo uma agonia sofrida”, narra Watson. “O rosto rígido guardava uma expressão de terror e, segundo me pareceu, também de um ódio que eu jamais vira em rosto humano”, emenda. Dentro desse ícone descrito, Sherlock então vai à procura dos índices e símbolos e encontra seis signos. Como já dito anteriormente, a vítima não apresentava sinas de lesões, mas, ao redor do morto, havia várias gotas de sangue (índice). Não havia sinais de luta, mas provavelmente o sangue seria do assassino. O detetive então dá início a uma revista nas roupas da vítima e encontra uma aliança (símbolo), que não pertencia ao homem, mas a uma mulher. Holmes também cheira a boca do morto e sente um odor acre (índice), a vítima teria sido envenenada ou levada a isso. Com uma lupa e uma fita métrica Sherlock se põe a examinar o local. Na poeira, observa as passadas das botas quadradas (índice) e concluí a altura do assino e que ele teria percorrido a sala por diversas vezes e em agitação crescente, devido ao fato das passadas se alargarem cada vez mais. O resto de cinzas (índice) no piso é identificada pelo detetive como de um charuto Trichinopoly. A um canto da sala, escrito em letras de sangue encontrava-se a palavra alemã rache (símbolo), que significa vingança. A palavra ainda faz observar que o assassino teria unhas grandes, visto que quando escreveu arranhou a parede. A palavra ainda serve para confirmar a altura do criminoso porque é mais como que naquela posição, as pessoas escrevam à altura dos olhos. 29 Com toda essa perícia, Sherlock já encontra pistas suficientes para dizer como o crime ocorreu e apontar um primeiro suspeito ainda sem nome: o cocheiro. O método de Holmes, então, está na observação dos pormenores, dos detalhes de cada elemento. Afirmação que é feita constantemente pelo personagem ao Dr. Watson. Sherlock afirma nas tramas que seu método é apenas ciência e procede nos casos como se fizesse uma perícia. Observando-o, era inevitável a comparação com um cão de caça puro-sangue bem treinado, correndo de um lado para outro atrás da presa e ganindo de ansiedade pelo momento em que iria farejá-la. Por vinte minutos ou mais, ele continuou em suas buscas, aferindo meticulosamente distâncias entre marcas invisíveis para mim e , uma vez ou outra, medido a parede com a fita métrica num procedimento que me era incompreensível. A certa altura, colheu do assoalho, com todo o cuidado, um montinho de pó acinzentado, guardando-o em um envelope. Por fim, examinou com a lente a palavra grafada na parede, analisando cada letra da forma mais detida. Feito isso, pareceu satisfeito, porque guardou a lente e a fita métrica no bolso. (DOYLE, 1994 – p. 44 e 45) Holmes é um perito criminalista e busca comprovar cientificamente as hipóteses que tem. Na reportagem, essa apuração minuciosa e detalhista é chamada de Jornalismo de Precisão. Vertente que busca respaldo na ciência para fazer avaliações mais consistentes. Tal método foge da superficialidade e do jornalismo declaratório para se apoiar em pesquisas, como explica Regiane Santos Barbosa em artigo publicado no Observatório da Imprensa em 2003. Para o especialista no tema, o jornalista e professor espanhol José Luis Dader, esse é um método que diminui a dependência de fontes amistosas e a subjetividade ou tendências ideológicas do próprio jornalista. Em matéria publicada no site da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), sobre Dader, a instituição oferece ainda um conceito para o tema: Jornalismo de Precisão é aquele, basicamente, em que as reportagens são fundamentadas em pesquisas feitas pelos próprios jornalistas e não cedidas por fontes. A idéia desse tipo de jornalismo é aplicar o método científico de investigação na apuração de notícias. Com isso, além de descobrir informações e novas realidades por pesquisas próprias, o jornalista pode conferir, complementar e, principalmente, questionar dados já prontos que 3 chegam às redações como verdades absolutas. 3 BACCARIN, Mariana. Imaginação é mais importante que uso de softwares, diz professor José Luis Dader. Publicado no site da Abraji: http://www.abraji.org.br/?id=90&id_noticia=551. Acessado em 14 de maio de 2008 às 22h. 30 A referência entre especialistas e estudiosos sobre esse tipo de jornalismo é a publicação The New Precision Journalism, de Philip Meyer e disponibilizada eletronicamente no site do autor. Além do que já foi mencionado anteriormente, esse método se caracteriza por coleta e cruzamento de dados, calculo e análise de estatísticas, uso de banco de dados e experimentos comprobatórios. Semelhante ao que faz Sherlock ao calcular a altura de um homem pelo tamanho dos passos e a utilização freqüente de um “banco de dados” sobre crime, apesar das informações estarem armazenadas unicamente na cabeça do personagem. Em um seminário realizado por José Luis Dader em 2007, ele apresentou casos em que o Jornalismo de Precisão foi aplicado. Um deles seria uma espécie de lenda urbana espanhola que dizia que os taxistas tiram proveito de turistas. Conforme matéria publicada no site da Abraji sobre o seminário, a maneira convencional de fazer tal reportagem consistiria em relatos pessoais de turistas ou denúncias. O outro lado também seria respeitado com um espaço adequado à Associação que representa os taxistas. Ainda segundo a matéria, essa possibilidade de tratar o tema “não passaria de opinião”. Para fazer de forma mais precisa, Dader então realiza o que ele chama de método de estudo experimental. Na matéria em questão, dois jornalistas experimentaram esse método de estudo. As regras eram: não opinar sobre caminhos e um deles só falaria inglês. Durante a manhã do experimento, os dois partiram sempre do mesmo ponto e foram ao mesmo destino, que variaram entre hotéis, aeroportos, museus e praças. No jornal, um gráfico com o tempo e o custo de cada viagem, comparando-as. O jornalista que falou espanhol preencheu uma coluna e o outro, que se fez passar por turista, outra. No final, o resultado: o “turista" pagou cerca de 7,7 euros a mais e demorou 35 minutos extras para completar o percurso. Após o gráfico, ele mostrou textos com as impressões dos dois jornalistas. “Os dados são o coração da reportagem”, disse Dader. Segundo ele, o cruzamento de dados é uma das peças chave desse tipo de jornalismo. “As notícias muitas vezes estão nas bases de dados, não na rua”, 4 afirmou. O exemplo citado por Dader ilustra como pode ser feito o Jornalismo de Precisão. A lógica do pensamento investigativo, mostrado nas tríades é uma indicação de como observar os fenômenos e coletar dados. O Jornalismo de Precisão é uma sugestão de aplicação pratica desse pensamento. Ainda nesta monografia, no 4 idem 31 Apêndice A, aborda-se mais alguns detalhes desse modelo de jornalismo em uma visão geral do tema. 32 4 - O método sherlockpeirciano: indução, dedução e abdução No ensaio Algumas conseqüências de quatro incapacidades (2000), desenvolvido por Peirce em 1868, o filósofo mostra a impossibilidade de que um ser humano desempenhe qualquer ação mental sem recorrer aos três tipos obrigados e obrigantes de argumento: indução, dedução e abdução (1991). Tal afirmação de Peirce é baseada em quatro negativas, que podem também servir de justificativas para a afirmação de que as chances favorecem as mentes preparadas. 1. 2. 3. 4. Não temos poder algum de Introspecção, mas, sim, todo conhecimento do mundo interno deriva-se, por raciocínio hipotético, de nosso conhecimento dos fatos externos. Não temos poder algum de Intuição, mas, sim, toda cognição é determinada logicamente por cognições anteriores. Não temos poder algum de pensar sem signos. Não temos concepção alguma do absolutamente incognoscível. (PEIRCE, 2000 – p. 260) Com essas negativas, o filósofo rejeita qualquer premissa que diga que as coisas são como devem ser ou como Deus as fez, sem explicações lógicas. Essas negativas são ainda premissas que dizem que relativamente tudo pode ser explicado. “Supor que o fato seja absolutamente inexplicável é não o explicar e, por conseguinte, esta suposição nunca é permitida” (2000, p.260). Para Peirce não existe conhecimento baseado na autoconsciência, não existe intuição. Toda ação mental parte de uma hipótese e uma cognição sempre leva a outra em um fluxo contínuo (SANTAELLA, 2003). Baseado nessas afirmações, Peirce diz que todo raciocínio válido é dedutivo, indutivo ou hipotético – ou então combina duas ou mais dessas características (2000). Como explicam BONFANTINI e PRONI (1991), se para Peirce o cruzamento dos três estágios de inferências é uma constante comum para o enfrentamento dos problemas práticos do dia-a-dia, quanto para investigações de procedimentos especializados, ou mesmo para a pesquisa cientifica, não seria estranho se os processos de detecção da polícia, dos detetives e dos jornalistas revelassem a presença de indução, dedução e abdução. 33 Assim como Peirce, Sherlock não acredita em sexto sentido ou intuição. Ele acredita na perspicácia da mente. Um repórter, da mesma forma, não pode fazer afirmações baseadas no senso intuitivo. É preciso de provas ou de que as hipóteses sejam confirmadas por documentos ou fontes dotadas de credibilidade. Dentro das proposições peircianas, toda pessoa faz uso da chamada argumentação5 ao desenvolver uma ação mental. Tanto o jornalista quanto o detetive fazem uso do argumento aliado à tríade que começa a ser descrita neste capitulo para chegar aos objetivos almejados. Quando Holmes observa que a terra em frente à casa na Lauriston Gardens está molhada, ele pode ter pensado: ‘Se durante a madrugada choveu, logo, pela manhã a terra ainda pode estar úmida’. Acerca das marcas da carruagem: ‘Se a terra está úmida e as marcas da carruagem não desapareceram com a chuva, as marcas foram feitas durante ou logo após o fim da chuva. Logo, a carruagem esteve aqui durante a madrugada’. Todo esse complexo de pensamentos seria o argumento de Sherlock. Para que esse silogismo seja efetivo e se aproxime da verdade, ele faz uso da tríade indução, dedução e abdução, para testar essas possibilidades. O silogismo ou o argumento se divide em três elementos; regra, caso e resultado. A regra se apresenta: todos os feijões daquela horta são brancos. O caso: os feijões do pote são daquela horta. O resultado: todos os feijões deste pote são brancos. Esse silogismo representa o conceito de dedução. A sugestão de observar uma regra e aplicá-la a um caso para se obter um resultado é um exercício constante na vida cotidiana. A indução também pode ser formada a partir de um silogismo. O caso: choveu esta manhã. Resultado: A chuva molhou a rua. Regra: a água molha a tudo. O interpretante destes signos é induzido a acreditar que a chuva molhou a rua porque realmente choveu e a regra diz que a água deixa tudo molhado. Dos elementos da tríade, a Abdução é considerada por Pierce (2000) a mais importante porque transmite a idéia de criação, princípio e evolução. Pierce também chama esse elemento por hipótese. A regra: a água molha a tudo. Resultado: a rua ficou molhada. Caso: um caminhão despejou água ao passar por aqui. Na abdução, o caso é a hipótese do que poderia ter ocorrido. Poderia ter sido a chuva a ter molhado a rua, ou o Corpo de 5 Argumento, de modo simplificado, é a junção de uma série de premissas que levam a uma conclusão. 34 Bombeiros que foi apagar um incêndio e deixou tudo molhado. “A abdução permite formular um prognóstico geral, mas sem garantia de um resultado bem sucedido” (p.9, 1991). É um processo no qual se formam hipóteses que são testadas sistematicamente, subtraindo o que não se confirma até que se aproxime da verdade. Nessa situação Sherlock Holmes diria, eliminando as coisas impossíveis, o que sobrar, mesmo que improvável, deve ser a verdade (DOYLE,1998 – p, 58). Relembrando o caso de Estudo em vermelho, citado no início deste trabalho, BONFANTINI e PRONI explicam como Sherlock utilizou essa tríade no caso. ... sintetizando as operações investigadas efetuadas por Sherlock... o leitor familiarizado com Pierce verá, claramente, como os três estágios do processo cognitivo se compõe, seguem-se uns aos outros e se combinam. Para Pierce, o processo cognitivo contém os três tipos de argumento: indução, abdução (ou hipótese) e dedução. Em suma, Sherlock começa observando, registrando e confrontando diversos dados observáveis (indução); ele, então, erige uma hipótese como ponto de partida ou interpreta os fatos observados de modo a identificar possíveis causas de eventos resultantes (abdução); ele demonstra de modo analítico as conseqüências necessariamente inerentes às hipóteses formuladas (dedução); ele submete as hipóteses e as conseqüências daí deduzidas ao teste de observação e, em seu sentido mais amplo, “experimenta” (indução). Assim, as hipóteses estabelecidas e selecionadas uma após outra acabam por formar uma rede que converge para a identificação da hipótese fundamental: a identidade do criminoso. (PRONI e BONFANTINI in ECO e SEBEOCK, 1991 – p. 136) O pensamento investigativo neste estágio funde as três tríades da lógica peirceana, descritas neste trabalho, para se tornar um sistema de observação e ação mental. A terceira tríade – indução, dedução, abdução; a segunda tríade – ícone, índice, símbolo estarão contidas na primeira tríade: interpretante, signo, objeto. O elo que liga essas tríades é o caráter dialético do signo e o argumento, em forma de descrição dos fatos que serão analisados por esse sistema. O método reivindicado por Holmes como dele é também peirceano. O interpretante pensa acerca do signo ou é afetado por ele para chegar a representação de um objeto. Os signos que afetam ou que são analisados pelo interpretante podem ser índices, ícones ou símbolos. Quando o significante ou o objeto é gerado, ele se transforma em um novo signo que pode ser uma dedução, abdução ou indução. A lógica então pode se desenhar da maneira descrita abaixo: 35 Figura 3, elaborada pelo autor Sebeok (1991) justifica que os três tipos de raciocínios são signos quando diz que as modalidades de inferência são formadas por Argumentos e que estes também são signos que geram novos signos. Sebeok então usa uma citação de Peirce como explicação. Notem que cada argumento, manifestado, por exemplo, como um Silogismo, é ele mesmo um signo, “cujo interpretante representa seu objeto como sendo um signo ulterior através de uma lei, ou seja, a lei segundo a qual a passagem de tais premissas a tal conclusão tende à verdade” (2.263). Peirce chama qualquer Argumento de Legissigno Simbólico. Cada Argumento é composto por três proposições: caso, Resultado e Regra, em três permutações, resultando respectivamente nas três figuras demonstradas nos exemplos do saco de 6 feijões . Contudo, cada Proposição é também um signo “conectado a seu objeto por uma associação de idéias gerais” (2.262), um Símbolo Discente que é, necessariamente, um Legissigno. À medida que o Objeto e o Interpretante de qualquer signo são ambos, forçosamente, signos ulteriores, não é de surpreender que Peirce tenha chegado a afirmar “que todo este universo está polvilhado de signos”, (ver Sebeok 1977, passim). (p.9-10, 1991) Peirce quer dizer que dedução, indução e abdução também são signos que podem ser interpretados. Ao analisar a teoria semiótica, vemos que signo não é algo monolítico, ele é dialético e está em movimento constante. O que pode levar os três 6 O exemplo dos feijões de Peirce é semelhante ao que é descrito nas p. 32-33 para explicar indução, dedução e abdução. 36 tipos obrigantes e obrigados de Argumento a ser também signo interpretante. A lógica do pensamento investigativo então se torna mais complexa ou pelo menos muda algumas posições da lógica descrita anteriormente: as inferências podem assumir o papel de interpretante – o que pode formar a seguinte equação: Indução, dedução, abdução (interpretante) signo objeto = signo X Nas tramas de Sherlock Holmes, o detetive sustenta a cadeia suposição – teste – suposição. Uma cadeia abdutiva que cria as hipóteses e as testa sucessivamente a fim de que se ache a verdade. Sherlock (1994) então classifica o raciocínio em duas categorias: pensar a partir de um conjunto de eventos em direção ao resultado seria o sintético. Raciocinar retrospectivamente das conseqüências para as causas seria o analítico. O pensamento analítico de Holmes é abdutivo, ou retrodutivo(1991), porque as construções realizadas por esse modelo, pelo menos nas tramas do personagem, estão baseadas em hipóteses e suposições. O desenvolvimento da lógica semiótica aplicada neste trabalho se mostra no tipo de raciocínio analítico. A delimitação dos conceitos das inferências, citadas neste capítulo, são encontradas nos textos peircianos de maneira filosófica. Nos próprios escritos de Peirce (1991) existem várias conceituações dos três tipos de raciocínio. E ele próprio confessou que “mais ou menos misturou Hipótese com Indução... em quase tudo que publicou antes do início deste século” (ECO e SEBEOK, 1991 – p. 31). Em comum, indução e abdução levam a aceitação de uma hipótese. Enquanto dedução tem um caráter experimental e lógico onde as premissas levam a um fato verídico. A citação de Peirce no artigo de TRUZZI (1991) exemplifica a diferença entre os dois tipos de raciocínio. Uma certa mensagem anônima está escrita em um pedaço rasgado de papel. Suspeita-se que o autor seja uma determinada pessoa. Sua escrivaninha, à qual apenas ele mesmo tem acesso, é revistada e aí é encontrado um pedaço de papel cuja rasgadura encaixa-se perfeitamente, em todas as suas irregularidades, naquele pedaço em questão. Seria uma inferência hipotética justa concluir que o homem suspeito fosse, de fato, o autor. A base dessa inferência é o fato de que, evidentemente, dois pedaços rasgados de papel muito dificilmente poderiam encaixar-se por puro acaso. Por esse motivo, de um grande número de inferências desse tipo, apenas uma muito pequena 37 percentagem resultaria equivocada... Se a hipótese é apenas uma indução, tudo o que deveríamos justificar ao concluir, no exemplo acima, seria que os dois pedaços de papel que combinaram em tais irregularidades, como foi comprovado, deveriam casar-se em outras irregularidades, digamos, menores. A inferência que conduz da forma do papel a seu proprietário é, precisamente, o que distingue a hipótese da indução, e a torna um passo mais perigoso e arrojado. (p.32- 33) Na tentativa de delimitar melhor a conceituação dos três tipos de raciocínio, utilizou-se fragmentos das publicações O signo de três e Semiótica: Indução: inferência a qual de um fato particular se tira uma conclusão genérica. Iniciada de uma hipótese, ela é baseada unicamente em fatos. Nela, o estudo da hipótese sugere a experimentação. É o nome que Peirce atribuiu ao procedimento de testar experimentalmente a hipótese. Dedução: procedimento pelo qual as conseqüências da hipótese são investigadas. É algo experienciável. Abdução: é iniciada a partir de fatos e sem uma teoria anterior à apuração dos dados, apesar de ter a suposição como característica necessária para explicar os fenômenos. Nela, a consideração de todos os dados sugere uma hipótese. Peirce também a considera o Argumento Originário porque das três formas de raciocínio é a única que sugere evolução, inovação, criatividade. 38 8 Conclusões e Recomendações O pensamento investigativo está dividido em três pensamentos menores, três lógicas que formam um sistema de pensamento utilizado involuntariamente pelos indivíduos no cotidiano. Os três menores são interpretante, signo, objeto; índice, ícone, símbolo; indução, dedução, abdução. Da forma como foram colocados neste trabalho, juntos em uma única engrenagem de ação mental, foram capazes de demonstrar como funciona o pensamento investigativo. A partir do entendimento dessa lógica, teoricamente podem-se observar os diversos elementos de uma pauta de forma diferenciada ao colocar cada informação dentro do sistema. Entender que esse modelo existe é o primeiro passo para a pesquisa científica (PEIRCE – 1991, 2000). Dentro do campo da comunicação, é um passo na busca por uma metodologia na apuração jornalística. Este trabalho conseguiu observar em que medida a semiótica pode ser aplicada ao jornalismo. E a medida encontrada foi de que enquanto lógica e sistema de linguagem, a semiótica pode ser aplicada relativamente a tudo, no jornalismo não seria diferente. Se no trabalho do cientista e do investigador policial estão inerentes às práticas de abdução, dedução, indução – para o jornalista segue-se da mesma maneira, como descrito no capítulo três. Mas, é parte também do trabalho desses profissionais a lógica completa relatada neste trabalho, a engrenagem das três tríades. Em um sentido porque essa lógica é apenas o modo como funciona o pensamento, da mesma forma como ocorre ao se ler uma palavra, identificar um sinal ou criar suposições. Em outro, quando o sistema é aplicado em um fenômeno observável como uma pauta, essa lógica auxilia a filtrar informações. No jornalismo, ela pode ser executada caracterizada como pensamento analítico, que vai dos resultados para as causas – que é o que representa toda a lógica descrita nesta monografia. É o que Pierce chamou de retrodução (1991, 2000). O sentido de evolução, movimento, continuidade, geração que consta na terceiridade está preservado. O signo vai se movimentar em direção a um significante e como tem caráter vicário, sempre irá gerar um novo signo. 39 O objetivo de trabalhar com Sherlock Holmes para dar uma leveza ao material e deixá-lo mais atraente a leitura obteve sucesso em parte. Na medida em que é curioso misturar literatura de ficção e teorias científicas, só isso já pode ser considerado atrativo. As descrições de trechos das tramas de Doyle também colaboram para deixar parte da leitura agradável ou atraente. Mas é inevitável se chegar à complexidade que a semiótica exige. Ao transpor essa barreira, o complexo pode perder para o simples e a simplicidade é sempre mais agradável. De todo modo, Sherlock Holmes conseguiu cumprir a função que lhe coube, ilustrar o pensamento analítico ou a lógica investigativa. Apenas um objetivo pessoal não foi alcançado, descobrir um método na apuração jornalística. Um dos fatores decisivos para tal fato foi a dificuldade de bibliografia sobre o tema. Publicações brasileiras não mostram um método, um sistema de como é possível investigar. Das publicações estrangeiras, a única que realmente mostrou existir método na apuração foi o The New Precision Journalism. Ainda assim, devido a complexidade científica do livro e limitação de tempo para este trabalho, não foi possível destrinchar o Jornalismo de Precisão e a Reportagem Auxiliada por Computador (RAC). Mas a falta não é motivo para vergonha, pois a ausência possibilita a busca de um algo mais. Em um momento quando não houver tais limitações, um trabalho ainda mais profundo, que aborde tanto a semiótica quanto os métodos de investigação jornalística poderá ser desenvolvido. 40 Referências bibliográficas ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JORNALISMO INVESTIGATIVO (ABRAJI). 'O Jornalismo de Precisão é ideal para descobrir a verdade', diz José Luis Dader. São Paulo, 16 set. 2007. Disponível em: http://www.abraji.org.br/index.php?id=90&id_noticia=547. Acesso em 14 de maio de 2008. BACCARIN, Mariana. Imaginação é mais importante que uso de softwares, diz professor José Luis Dader. Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), 25 de set. 2007. Disponível em: http://www.abraji.org.br/?id=90&id_noticia=551. Acesso em 14 de maio de 2008. BARBOSA, Regiane Santos. Jornalismo de Precisão – Dificuldades e perspectivas de aplicação no Brasil. Observatório da Imprensa, 07 de nov. 2006. Diretório Acadêmico. Disponívelem:http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=406DAC005. Acesso em 14 de maio de 2008. DOYLE, Sir Arthur Conan, 1859-1930. O signo dos quatro. Tradução Geraldo Galvão Ferraz. – 1ª ed. – São Paulo: Editora Ática, 1998. – (Coleção eu leio) DOYLE, Sir Arthur Conan, 1859-1930. Um estudo em vermelho. Tradução Lígia Cademartori. – 6ª ed. – São Paulo: FTD, 1994. – (Coleção escarlate) ECO, Umberto e SEBEOK, Thomas A (orgs.). O signo de três – Dupin, Holmes, Pierce. Tradução Silvana Garcia – São Paulo: Editora Perspectiva, 1991. GUIRADO, Maria Cecília. Reportagem: a arte da investigação. São Paulo: Arte & Ciência, 2004. HOUSTON, Brant; BRUZEZESE, Len; WEINBERG, Steve. The Investigative Reporter’s Handbook – a guide to documents, databases and techniques. 4ª ed. New York: Bedford/St. Martins’s, 2002 LAGE, Nilson. Inovação e Obsolescência – Jornalismo de Precisão e RAC. Observatório da Imprensa, 09 abr.2003. Diretório Acadêmico. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da090420033p.htm. Acesso em 14 de maio de 2008. MEYER, Philip. The New Precision Journalism – 1991. Disponível em: http://www.unc.edu/~pmeyer/book/indexes.htm. Acesso em 14 de maio de 2008. 41 PEIRCE, Charles S. Semiótica. Tradução José Teixeira Coelho Neto São Paulo: Editora Perspectiva, 2000. SANTAELLA, Lúcia. A Teoria Geral dos Signos – Como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Editora Pioneira, 2000. SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2003. 42 Apêndice A: Jornalismo de precisão Houve um tempo em que tudo o que era preciso para ser jornalista era uma dedicação à verdade, a abundância de energia e algum talento para escrever. Você ainda precisa dessas coisas, mas esses elementos já não são suficientes. O mundo se tornou tão complicado, o crescimento de informações disponíveis cresce de forma explosiva, que o jornalista tem de ser um filtro, bem como um transmissor, um organizador e intérprete, alguém que reúne e fornece fatos. Em suma, um jornalista tem de ser um gerente de um banco de dados, processador 7 de informações e um analista. Conforme já foi dito no primeiro capítulo, Jornalismo de Precisão é o tipo de reportagem fundamenta em pesquisas feitas pelos próprios jornalistas sem a necessidade da informação ser passada por uma fonte. Como o próprio nome sugere, é algo que conduz a precisão e nesse caso, a precisão científica, visto que o modelo importa os métodos de investigação das ciências sociais. Este trabalho também já aproximou os métodos de Sherlock Holmes a um modelo de precisão científica e ao trabalho da perícia criminal realizada pela polícia (p.25-31). No jornalismo, o que mais se aproxima desses métodos é o Jornalismo Investigativo, mais exatamente o de Precisão. É a partir dessas técnicas que o repórter pode ir além da "dedicação à verdade e abundância em energia" para ir à busca de um jornalismo mais profundo. O sistema de pensamento investigativo indicado neste trabalho, mostra como observar os signos/dados e de certo modo o que fazer com eles. O fazer com as informações se refere aos diversos estágios pelos quais esses dados irão passar para formar um significante: primeiro, qualquer informação ou signo passa pelo sistema interpretante, objeto, signo. Depois, todo signo é percebido, ou afeta o interpretante, pelo sistema ícone, índice, símbolo. Por último, todos os elementos captados passarão pelo silogismo que poderá ser uma indução, dedução ou abdução. O raciocínio indicado nesta monografia segue a linha analítica, como sugere Holmes, que vai dos efeitos para as causas. O que Peirce chama de “retrodução”. Mas todo esse pensamento analítico vai depender do que Pierce considera Experiências Anteriores (1991). Essas experiências são conhecimentos que se aliam às análises para que o interpretante não cometa enganos. Em termos, pode ser 7 MEYER, Philip. The New Precision Journalism – 1991. In http://www.unc.edu/~pmeyer/book/indexes.htm acessado em 14 de maio de 2008 às 19h32. Livro disponibilizado pelo autor eletronicamente. 43 considerada a Regra do silogismo. Um homem não coloca a mão em água fervendo porque tem um conhecimento prévio de que se queimaria. Sherlock sabe que se calcular a distância entre as passadas de um homem (cálculo conhecido apenas por Sherlock), ele irá determinar a altura dessa pessoa. Técnicas determinadas de investigação, como analisar o Orçamento Federal também pode ser considerado uma Experiência Anterior, posto que para fazer tal análise seria preciso ter um conhecimento prévio acerca do funcionamento do orçamento e de cálculos básicos. Sherlock possui diversos "conhecimentos anteriores" nas áreas de biologia, química, física, necropsia, herbologia, matemática, história de crimes e outros mais que colaboram e são determinantes para o sucesso das inferências do detetive. Para este trabalho, como dito anteriormente, Experiências Anteriores serão chamadas por Técnicas de Apuração. Nesta parte do trabalho, será reunido alguns exemplos para indicar o que fazer com os dados/signos recolhidos em um fenômeno. "Saber o que fazer com os dados é a essência do novo jornalismo de precisão. O problema pode ser pensado como tendo duas fases: a fase de entrada, onde os dados são recolhidos e analisados, bem como a fase de saída, quando os dados são preparados para a entrada na mente do leitor" (1991). Meyer sugere então como uma informação deve ser tratada 1. Coletar: Se você já tentou imitar cientistas nos seus métodos de recolha de dados, você pode tirar proveito conhecendo alguns dos seus truques. É sempre bom lembrar, como o professor H. Douglas Price disse-me em Harvard, na Primavera de 1967, que "os dados não provêm da cegonha." 2. Armazenar: Todo tempo jornalistas armazenam dados em pilhas de papel em suas mesas, nos cantos dos seus gabinetes, e, se eles estão muito bem organizados, em arquivos. Os computadores são melhores. 3. Recuperar. As ferramentas do jornalismo de precisão podem ajudá-lo a obter os dados recolhidos e armazenados por você mesmo, dados armazenados por outras pessoas para você, ou alguém, que por razões completamente alheias ao seu interesse, armazenou informações e que talvez tenha guardado esses dados pela idéia de que nenhum jornalista ou público usuário iria estar interessado nela. 4. Analisar. Análise jornalística muitas vezes de mera ordenação consiste em encontrar e listar o que há de interessante. Mas pode também envolver pesquisas de causalidade implícita, por padrões que sugerem que os diferentes fenômenos variar por um conjunto interessante de razões. 44 5. Reduzir. Redução de dados se tornou tão importante no jornalismo como uma habilidade de recolha de dados. Uma boa notícia é definida por aquilo que ela deixa de fora, bem como o que se compreende dela. 6. Comunicar. Um relatório não lido ou não compreendido é um relatório desperdiçado. (MEYER, 1991) Segundo Meyer, jornalistas estão interessados em testar a realidade, mas ao invés de fazer esses testes diretamente, eles cruzam as informações com as autoridades, que tem diferentes pontos de vista e interesses. Ainda de acordo com o autor, o jornalista que adapta o método cientifico está em posição de fazer avaliações úteis com a mais poderosa objetividade da ciência (MEYER, 1991). Para um jornalista, é importante ter determinadas “experiências anteriores”, como saber comparar números, analisar planilhas, fazer pesquisas e experimentações. Como exemplifica o autor. Em 1988, Dr. Inge Corless, um professor da divisão de ciências da saúde da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, estava preparando um curso sobre Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Como parte de sua investigação, ela discutiu com o farmacêutico local sobre prevenção de doenças e propriedades dos diferentes tipos de preservativos e descobriu uma inquietante falta de conhecimento entre esses profissionais. Para confirmar se a hipótese era verdadeira, chamou um grupo maior de farmacêuticos... Equipes de estudantes enviaram um dos seus membros de cada farmácia, em Chapel Hill e da vizinha cidade de Carrboro para comprar preservativos e pedir o conselho ao farmacêutico sobre a melhor forma de prevenção de AIDS. Eles iriam classificar cada farmacêutico sobre o quanto ele ou ela sabia... Este era um campo experimental simples e facilmente generalizável por várias razões. Em primeiro lugar, não eram necessárias inferências sobre causalidade ou correspondência. A taxa de simples ignorância já era suficiente. Os estudantes testaram algumas hipóteses sobre as causas do desconhecimento com os farmacêuticos por comparação com cadeias de lojas independentes, farmácias mais velhas e mais novas. Não foram encontradas diferenças significativas... A história resultante dessa experiência foi publicada em Durham Morning Herald e teve dois efeitos de utilidade social. Incentivou os farmacêuticos locais a se tornarem mais bem informados, e para a educação dos leitores sobre a AIDS.(MEYER, 1991) O caso contado por Meyer (1991) sugere que ao se fazer uma reportagem, o jornalista pode determinar uma amostra e uma área de experimentação para obter resultados. Com a experiência dos farmacêuticos, ele fez uma matéria que dizia: Farmacêuticos não entendem nada sobre AIDS. 45 Reportagem auxiliada por computador Um tipo de reportagem que é comum ao Jornalismo de Precisão é a Reportagem Auxiliada por Computador (RAC). Segundo o Investigative Reporters and Editors (IRE), existem três ferramentas básicas e duas avançadas para o RAC. Básicas: banco de dados online, calculadoras poderosas e o administrador de base de dados – que é o próprio repórter que atua como um filtro que sumariza e compara os vários registros. Avançadas: Programa de mapeamento – que permite ao jornalista visualizar através de colunas e linhas de dados. Como exemplo as reportagens feitas com auxílio do software Excel. A outra ferramenta avançada são os programas de estatísticas, que podem ser banco de dados com poder de gerar relatórios, como o Acsses e outros (2002). O RAC é um exemplo prático dos modos como as informações devem ser tratadas. Em uma reportagem feita com auxílio de Excel, a informação/signo passa primeiro pela etapa da coleta, a qual pode ser feita pelo sistema interprete, signo, objeto e ícone, índice, símbolo – lógicas sugeridas por esse trabalho. Depois que a coleta foi feita, os signos serão armazenados em um banco de dados, que neste caso será o Excel. Com as informações/signos armazenados no banco de dados, a qualquer momento elas podem ser recuperadas para o fim que desejar o interpretante/jornalista. Mas uma base de dados no Excel pode ser mais útil do que só para a recuperação de informações. O Excel é um programa que filtra informações, gera estatísticas, faz cálculos e gera relatórios. Opções úteis que podem auxiliar o interpretante a realizar uma das inferências da terceira tríade: indução, dedução e abdução. Com o programa, poupa-se tempo e neurônios nas buscas por um objeto, além de oferecer precisão. Essa é parte que cabe a Análise. A Redução é o momento em que se decidirá o que é importante, decisão tomada com base nos produtos/objetos gerados pela análise. Depois só é preciso que o jornalista traduza os 46 signos gerados por essa ferramenta e as coloque no papel. Isso tudo não é possível se o interpretante não tiver “Experiências Anteriores” de Excel. 47 Apêndice B: a obra influência a vida de Pierce Peirce tinha uma proposta teórica que dizia que só era possível pensar através dos signos. Para Holmes, decifrar crimes através das relações signícas era a única motivação para viver. Para explicar a proximidade entre semiótica e investigação, é preciso conhecer um fato ocorrido a Peirce. Em o Signo de Três, O Dupin, Holmes, Pierce - Marcelo Truzzi reproduz uma história de como Pierce desvendou o simples furto de um relógio, uma corrente e um sobretudo. Peirce havia acabado de chegar em um navio que atracou em Nova York. Os objetos haviam sido levados da cabine ocupada por ele. Preocupado em reaver ao menos o relógio, ele providenciou que todos os empregados do navio subissem ao convés e fossem colocados em fila, como relata o próprio filósofo em um artigo publicado no The Hound and Horn, em 1929: Eu caminhei de uma ponta a outra da fila, conversando um pouco com cada um, da forma mais dégagé possível, procurando instigá-los com assuntos sobre os quais eles pudessem falar interessadamente, tratando de parecer tolo, de modo a ser capaz de suscitar qualquer sintoma que me indicasse o ladrão. Quando terminei de percorrer a fileira, voltei-me, afastei-me um pouco deles, e disse a mim mesmo: "Nem a menor centelha de luz me permita prosseguir". Mas, imediatamente, meu outro eu... me disse: "Não importa que você não tenha razão, precisa dizer quem você pensa que é o ladrão".Completei uma pequena volta caminhando, o que não durou um minuto, e, quando voltei-me em 8 direção a eles, qualquer sombra de dúvida tinha desaparecido... Peirce falou ao suspeito, mas, não conseguiu fazê-lo devolver os pertences. Desistiu de convencer o homem e foi para a agência de detetives Pinkerton, onde se encontrou com Bangs Pinkerton. Sr. Bangs, um negro do barco da Fall River, cujo nome é tal e tal (dei-lhe o nome) roubou meu relógio, a corrente e um casaco. O relógio é da Charles Frodsham e aqui está o número. Ele deverá deixar o barco a uma hora e ir imediatamente penhorar o relógio, o que lhe renderá cinquenta dólares. Desejo que o senhor mande segui-lo e, tão logo ele tenha em mãos o recibo do penhor, faça com que seja preso... Agora, se ele não for a nenhuma loja de penhores para se livrar do relógio, como estou seguro de que o 8 Todos os trechos transcritos literalmente neste apêndice estão no segundo capítulo da publicação O Signo de três. O título do referido capítulo é Você conhece meu método – uma justaposição de Charles S. Pierce e Sherlock Holmes, escrito por Marcelo Truzzi. 48 fará, isso encerrará o assunto e o senhor não precisará tomar nenhuma providência... Bangs não ouviu Peirce e mandou seu detetive investigar por conta própria. O investigador seguiu outro homem e chegou a uma pista falsa. Peirce então mandou que Pinkerton enviasse cartões a todas as casas de penhores de Boston, Nova York e Fall River. Uma recompensa era oferecida pelo relógio. No dia seguinte, Peirce recebera o relógio de volta e o penhorista descreveu exatamente o suspeito de Peirce. O filósofo então foi até ao alojamento do homem suspeito acompanhado por um detetive da Pinkerton. O agente não quis entrar na casa sem um mandato e Peirce entrou sozinho. Antes de ir, disse que voltaria em doze minutos com todos os pertences. Ao chegar no alojamento, encontrou duas mulheres que ao saber do motivo da visita fizeram "um tremendo tumulto". Peirce disse que sabia exatamente onde as coisas estavam e que iria levá-as. ...me dirigi ao quarto vizinho. A cama de casal tinha, de um lado, um pequeno móvel e, de outro, um baú de madeira. E disse: "Então minha corrente está no fundo do baú e, felizmente, este não se encontrava trancado. Tendo retirado todas as peças de roupa... alcancei... a minha corrente... Percebi que a segunda mulher havia desaparecido “Agora”, disse eu, "só falta encontrar meu casaco". A mulher estendeu seus braços... e falou: “Esteja à vontade para revistar todo o quarto”. Eu disse: “Agradeço-lhe muitíssimo, Senhora, mas essa extraordinária alteração no seu tom de voz, que adotou quando comecei a mexer no baú, me indica que meu casaco não se encontra aqui...” Peirce saiu do apartamento e estava convencido de que encontraria o sobretudo no apartamento da mulher que havia desaparecido. Resolveu bater na porta do apartamento da frente. Duas moças atenderam e ele olhou por cima delas e viu um "caprichado pacote, de tamanho e formas exatos" para conter o sobretudo. Peirce entrou, abriu o embrulho, vestiu o casaco e desceu 15 segundos antes de acabar o prazo de 12 minutos. Esta história resumida e contada por Truzzi ilustra uma das teorias de Peirce, "de porquê as pessoas fazem suposições corretas de modo tão freqüente". Este modo de imaginar hipóteses, Peirce chama de Abdução. Fazer freqüentemente suposições corretas para Peirce é semelhante a uma espécie de natureza humana. Para ele, a 49 suposição está para o ser humano assim como voar está para os pássaros. Nesse ponto o filósofo cai em uma generalização e esquece a possibilidade de erro, outro elemento inerente à personalidade humana. Esse relato é interessante porque possibilita comparar Peirce e o detetive Sherlock Holmes. A história e a forma como algumas das teorias de Peirce podem explicar o pensamento investigativo, torna possível pensar a investigação jornalística em um campo de estudo e pesquisa. Infelizmente não havia nenhum Dr. Watson para acompanhar Peirce e depois descrever as técnicas usadas por ele.