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TEORIAS LEGITIMANTES DO PODER PUNITIVO

Esta monografia versa sobre as teorias legitimantes do poder punitivo. Inicialmente, analisou-se a evolução histórica da legitimação do poder de punir do Estado, passando posteriormente a finalidade da aplicação da pena na Constituição Brasileira de 1988. Na sequência, estudaram-se as correntes tradicionais quais sejam: Teoria Absoluta/Retributiva, Relativa/Preventiva, de Prevenção Geral e Prevenção Especial e suas subdivisões. Nesta análise, foram expostos não só suas principais características, mas também onde se enquadram em nossa legislação penal. Há também a opinião de doutrinadores sobre seu desenvolvimento bem como a respeito de sua adequação ao nosso ordenamento jurídico, sendo que a análise é sempre voltado a uma abordagem crítica. Por fim há uma análise da corrente crítica das teorias legitimantes, sendo estudadas as duas vertentes principais a saber: a Teoria Abolicionista e a Teoria Agnóstica da pena.

1 ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO PARANÁ XXXIII CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA NÚCLEO CURITIBA WANDERLEY SANTOS BRASIL TEORIAS LEGITIMANTES DO PODER PUNITIVO CURITIBA 2016 2 TEORIAS LEGITIMANTES DO PODER PUNITIVO Projeto de pesquisa apresentado como requisito avaliativo à disciplina de Metodologia da Pesquisa Jurídica do Curso de Pós-Graduação em Direito Aplicado, ofertado pela Escola da Magistratura do Paraná. Professor: Sylvio Lourenço da Silveira Filho CURITIBA 2016 3 WANDERLEY SANTOS BRASIL TEORIAS LEGITIMANTES DO PODER PUNITIVO Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná, pela Banca Examinadora formada pelos professores: Orientador: Prof. Sylvio Lourenço da Silveira Filho Avaliador: Prof.___________________________________________________ Avaliador: Prof.___________________________________________________ Curitiba, junho de 2016. 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha esposa e filha que muito me auxiliaram durante esta caminhada. 5 AGRADECIMENTO Ao Senhor Deus, que tudo sustém com o poder de Sua Palavra e me permitiu chegar até aqui. Toda a glória é Sua. A minha esposa Jeane Margarete Rucinski, pelo seu companheirismo e pela sua motivação. A minha filha Julie Rucisnki Brasil, que sua graciosidade me motiva a cada dia a lutar polos meus objetivos. Ao meu pai, Osvaldo Silva Brasil, pelos valiosos conselhos que me deu nesta jornada. À minha mãe, Ana Maria dos Santos Brasil, que sempre está disposta a me ouvir e a me acolher. Ao meu orientador, professor Sylvio Lourenço da Silveira Filho, que admiro por sua genialidade, conhecimento e combatividade. Fica aqui o meu agradecimento por ter aceitado a me dirigir neste trabalho. Aos amigos e colegas, os quais me foram prestativos e atenciosos. 6 “Apaixona-te pela tua existência” Jack Kerouac. 7 RESUMO Esta monografia versa sobre as teorias legitimantes do poder punitivo. Inicialmente, analisou-se a evolução histórica da legitimação do poder de punir do Estado, passando posteriormente a finalidade da aplicação da pena na Constituição Brasileira de 1988. Na sequência, estudaram-se as correntes tradicionais quais sejam: Teoria Absoluta/Retributiva, Relativa/Preventiva, de Prevenção Geral e Prevenção Especial e suas subdivisões. Nesta análise, foram expostos não só suas principais características, mas também onde se enquadram em nossa legislação penal. Há também a opinião de doutrinadores sobre seu desenvolvimento bem como a respeito de sua adequação ao nosso ordenamento jurídico, sendo que a análise é sempre voltado a uma abordagem crítica. Por fim há uma análise da corrente crítica das teorias legitimantes, sendo estudadas as duas vertentes principais a saber: a Teoria Abolicionista e a Teoria Agnóstica da pena. Palavras-chave: Fundamentos da Pena, Teorias Absolutas, Teorias Relativas, Prevenção Geral, Prevenção Especial, Teorias Mistas e Combinatórias, Corrente crítica, Teoria Agnóstica da pena. 8 SÚMARIO 1. 2. 3. 4. 5. 6. RESUMO.........................................................................................................07 SUMÁRIO........................................................................................................08 INTRODUÇÃO.................................................................................................09 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FINALIDADE DA APLICAÇÃO DA PENA....11 LIMITES CONSTITUICIONAIS DA APLICAÇÃO DA PENA...........................13 CORRENTE TRADICIONAL DAS TEORIAS LEGITIMANTES DO PODER PUNITIVO........................................................................................................14 6.1. TEORIAS ABSOLUTAS OU RETRIBUTIVAS......................................15 6.2. TEORIAS RELATIVAS OU PREVENTIVAS.........................................17 6.2.1. A TEORIA RELATIVA COMO INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO GERAL............................................................................................19 6.2.2. A TEORIA RELATIVA COMO INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO ESPECIAL OU INDIVIDUAL...........................................................23 7. TEORIAS MISTAS, COMBINATÓRIAS OU UNIFICADORAS........................27 8. TEORIA DA PREVENÇÃO INTEGRAL...........................................................29 9. CORRENTE CRÍTICA DAS TEORIAS LEGITIMANTES DO PODER PUNITIVO........................................................................................................30 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................36 11. REFERÊNCIAS...............................................................................................38 9 3. INTRODUÇÃO A pena, como política pública de retribuição à prática de um ilícito, é motivo de discussões e indagações que ultrapassam os séculos e, atualmente, se tornou ponto central no combate ao avanço da violência no Estado Brasileiro. Há correntes políticas e jurídicas que defendem uma aplicação mais repreensiva da pena, bem como há correntes antagônicas que defendem uma aplicação mais corretiva e branda. Todavia, quando se discute a aplicação da pena, muitos se esquecem a qual finalidade ela serve ao Estado, sendo que, na maioria das vezes, é contextualizada de acordo com o momento político ou social. Igualmente, na seara do estudo da criminologia, as Teorias Legitimantes do Poder de Punir sempre foram uma questão de debates e preocupações entre os jurisconsultos e doutrinadores. Com o passar dos séculos e a evolução do pensamento ocidental, houve uma evolução paradigmática no sistema de aplicação da pena, sendo que, do sistema de simples castigo corporal (ou mesmo a morte) até a tentativa de ressocializar o delinquente, a teoria da legitimação da pena passou por várias transformações. Esta monografia intitulada “Teorias Legitimantes do Poder de Punir” visa analisar as principais teorias da pena, desde as teorias tradicionais até o atual pensamento contemporâneo, passando por uma abordagem histórica e posteriormente uma abordagem analítica e crítica, todavia sempre embasado sob os fundamentos da Constituição Federal de 1988. Não se trata de um simples resumo das Teorias Legitimantes, mas sim demonstrar aspectos importantes no seu desenvolvimento e na sua aplicação na esfera prisional. No decorrer do estudo serão analisados os posicionamentos doutrinários, bem como o conflito de pensamento entre os doutrinadores frente a diversas teses antagônicas a respeito do tema. Primeiramente será realizada uma abordagem histórica da aplicação da pena, desde o surgimento das comunidades até posicionamento atual que visa reconstruir (ou mesmo negar) a teoria clássica com a criação de um modelo que se adeque ao atual pensamento jurídico dos Estados modernos. Serão analisadas as teorias clássicas, tais quais a Teoria Absoluta ou Retributiva, que, apesar de muitos autores alegarem que esteja em “fase de extinção” ainda é verificada em nosso ordenamento jurídico, bem como conta ainda 10 com a simpatia de políticos e até doutrinadores tendo em vista a questão social em que certos Estados se encontram e até com o discurso da defesa da segurança jurídica e da paz social. Ainda a respeito das teorias clássicas, serão abordados os conceitos e subdivisões das Teorias Relativas, que se subdividem em teoria da prevenção geral, em que o apenado é exposto como exemplo aos membros da sociedade para que toda a coletividade evite de cometer delitos, e a prevenção especial, em que a pena destina-se especialmente ao próprio agente que pratica o delito, preocupando-se com a sua reintegração na sociedade. Ambas as teorias se subdividem ainda em positiva e negativa com suas específicas peculiaridades. Serão ainda analisadas as teorias ditas mistas (combinatórias ou unificadoras) dado seu caráter de agregar e excluir conceitos das Teorias Absolutas e Relativas, conjugando estas teorias isoladamente com o objetivo de superar as deficiências de umas e sobrepor os aspectos positivos de outras. Por fim será realizada uma análise do atual pensamento doutrinário e contemporâneo apresentando uma abordagem crítica às teorias clássicas e discorrendo quanto as duas de suas principais correntes atuais, quais sejam a Teoria Abolicionista e a Teoria Agnóstica da Pena. 11 4. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FINALIDADE DA APLICAÇÃO DA PENA A aplicação da pena, conforme hoje positivada em nosso ordenamento jurídico, passou por diversas transformações ao longo dos séculos, sendo que seu estudo e aplicação nunca deixaram de ser discutidos, não só na seara do Direito Penal como também pela filosofia, sociologia e demais ciências que estudam o comportamento humano. Nota-se pelo estudo histórico da finalidade da aplicação da pena que seu desenvolvimento transcendeu aos séculos conforme a evolução intelectual do homem, bem como, conforme o homem se aproximara de um ideal racionalista, mais humanitária foi ficando tanto a aplicação da pena quanto sua finalidade. Primeiramente, nos tempos mais remotos, ou seja nas sociedades primitivas, os grupos sociais aplicavam suas penas sob fundamentos divinos, mas o caráter de sua finalidade era a vingança, sendo que as punições possuíam um aspecto místico ou religioso, e sua finalidade correspondia a uma vingança do mal praticado pelo sujeito como um contraponto a ira divina. Posteriormente, em um segundo momento da evolução humana, a aplicação da pena passou a ser privada, ou seja, a vingança de sangue consistia em um dever sagrado que recaía sobre o membro de uma família, clã ou tribo, de matar ou castigar um outro membro, seja de sua tribo ou não, por ter ofendido um dos integrantes da sua organização ou família. Nota-se que ainda pendia a questão mística de um “dever sagrado” à vítima de compensar o mal praticado, sendo que, caso se negasse a praticar a “vingança” um mal maior poderia retornar ao ofendido. Esta questão levou a vários abusos por parte das vítimas, ocorrendo certa evolução na prática da aplicação e da finalidade da pena com a criação da Lei de Talião, com a expressão “olho por olho, dente por dente” em que é estabelecida uma certa proporcionalidade entre a ofensa praticada pelo agente e a reparação pela vítima. Esta evolução da limitação punitiva do meio social para o meio privado foi adotado por várias sociedades da antiguidade, tais como pelo Código de Hamurabi (Antiga Babilônia), no Êxodo (Hebreus) e na Lei das XII Tábuas (Roma), tendo sido representado um grande avanço na evolução da aplicação da pena. A partir do declínio das civilizações clássicas e com o advento da Idade Média, devido a mescla de conceitos romano-germânicos, a finalidade da aplicação 12 da pena passou a ser imposta como uma perda da paz, na qual se retirava a proteção social do condenado que ficava sem seus direitos e a mercê da intolerância e das arbitrariedades de seus pares. Com a queda de Constantinopla no século XV e com o final do período medieval, houve grandes transformações na Europa, com o advento de guerras religiosas, pragas e migrações em massa, sendo que a finalidade da pena era segregar parte da população com trabalhos escravos e encarceramentos. Foi somente no século XVIII e com o surgimento do iluminismo e as primeiras construções de prisões que começou a surgir uma teoria específica da finalidade da pena, em que se discutia os motivos do encarceramento. Neste mesmo Século, autores como Jean-Jacques Rousseau, John Locke, Charles-Louis de Secondat (Barão de Montesquie) e principalmente Cesare Beccaria, construíram as primeiras bases sólidas referentes as teorias da finalidade específica da pena. Nos próximos séculos houve grande avanço na discussão com o estudo específico do “homem delinquente”, em que Escola Positiva dá grande contribuição com autores como Cesar Lombroso, Raffaele Garofalo e Enrico Ferri. Com estudos avançados de Anton Bauer aparece a classificação originária da Teoria dos Fins da Pena na qual são discutidos os fundamentos da Teoria Absoluta, cujo modelo é baseado nas teorias de Immanuel Kant, os fundamentos da Teorias da Prevenção Geral Negativa, cujos modelos são de Ludwig Andreas Feuerbac e Gian Domenico Romagnosi, os fundamentos da Teoria da Prevenção Geral Positiva, cujos modelos são de Hans Welzel, da Teoria da Prevenção Especial Negativa, cujos modelos são de Raffaele Garofalo e por fim da Prevenção Especial Positiva, destacando seus principais autores entre eles Enrico Ferri, Franz Eduard von Liszt e Marc Ancel1. Posteriormente vários doutrinadores contribuíram para o desenvolvimento destas teorias e sua adaptabilidade ao seu ordenamento jurídico, inclusive com os trabalhos de combinações nas Teorias Mistas (unificadoras ou combinatórias). Atualmente é inegável que grande parte da doutrina entenda que as teorias tradicionais legitimantes do poder punitivo devem ser revistas, reanalisadas e até mesmo substituída por novas teorias que sejam mais condizentes com os modelos jurídicos que vigem nos Estados Modernos. E. Raúl Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia, Alejandro Slokar. Direito Penal Brasileiro, primeiro volume, 4ª. Edição, Editora Revan, Rio de Janeiro, 2011; pg.116. 1 13 Há grande crítica ao modelo tradicional bem como uma construção teórica acerca de um modelo garantista quanto à concepção da pena. Autores como Raúl Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia, Alejandro Slokar e Salo de carvalho desconstroem as teorias tradicionais e abordam um novo conceito da finalidade da pena com base na substituição da reprodução da dor e sofrimento do apenado para a pacífica coexistência entre os modelos ideais de estado de polícia e estado de direito. 5. LIMITES CONSTITUICIONAIS DA APLICAÇÃO DA PENA A Constituição Federal de 1988 aborda em seu corpo normativo diversos pontos e questões referentes a pena e o seu cumprimento, apresentando as bases dos fundamentos do exercício do poder de punir do Estado. Conforme se depreende de seu texto, há nítida motivação da Assembleia Geral Constituinte de que a finalidade da pena seja embasada precipuamente nos Princípios dos Direitos e Garantias Fundamentais, conforme exemplo exposto em nossa Constituição Federal de 19882 em seu artigo 5º., inciso XLVII, que proíbe a pena de trabalhos forçados ou cruéis e que o cumprimento da pena não seja imposto de forma que cause sofrimento físico ou psicológico ao apenado. Igualmente, vislumbra-se no texto constitucional que há nítida intenção de que o Estado deve romper com paradigmas estabelecidos pelas teorias tradicionais, sendo desvinculado a noção de pena de prisão como a única solução de apenar o delinquente, havendo outras formas de punição que não somente a privação da liberdade. Apesar de nossa legislação penal prever diversos delitos que atingem bens jurídicos tuteláveis e de interesse geral, vislumbra-se que a pena de encarceramento não representa a única (e talvez a melhor e mais eficaz) medida apropriada que represente a resposta proporcional do Estado ao delito praticado. Este entendimento se deve em parte ao processo de Constitucionalização do Direito Penal, em que as normas constitucionais se expandem a todos ramos da 2 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm 14 norma jurídica adequando-as aos seus princípios e anseios, valores e premissas ideológicas e que, decorrendo deste procedimento, há consequentemente a revisão das teorias que embasam os fundamentos de aplicação da pena. De outra monta, deve-se verificar que a Constituição exerce uma função limitadora na atividade de construção dos tipos penais, impedindo que o legislador tutele um interesse constitucionalmente proibido ou socialmente irrelevante, bem como, se o fato for relevante, que haja justa correspondência entre o delito praticado e a pena imposta na norma penal, respeitando, desta forma, os princípios da proporcionalidade e da ofensividade. Assim, verifica-se que há nítida dissociação em nossa Constituição de que a prisão não seja pura e simplesmente entendida como adjetivo de pena, atribuindo outros meios de aplicação da pena que não somente o encarceramento, bem como garantindo ao apenado o respeito a sua integridade física e moral. 6. CORRENTE TRADICIONAL DAS TEORIAS LEGITIMANTES DO PODER PUNITIVO A doutrina (seja por questão dogmática ou esquemática) no decorrer dos últimos séculos passou a analisar as teorias legitimantes do poder punitivo à sombra dos fins da pena, analisando pontos fulcrais tais como a legitimação, fundamentação e função da intervenção penal do Estado em relação ao indivíduo. Com o tempo e a evolução do debate, chegou-se a três teorias fundamentais a respeito do poder punitivo, sendo elas: as Teorias Absolutas, cujo modelo tem como fundamento a retribuição ou expiação; as Teorias Relativas, que possui como fundamento a prevenção ao delito e das quais possuem dois sub grupos a saber: prevenção especial e prevenção geral bem como a combinação entre elas. Conforme ensina Eugênio Raul Zaffaroni e o Professor Nilo Batista3: Todas essas teorias se classificam de modo análogo desde 1830, e legitimam o confisco do conflito: tratam de racionalizar a exclusão da vítima do modelo punitivo. Por isso pretendem defender (proteger, tutelar ou 3 E. Raúl Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia, Alejandro Slokar. Direito Penal Brasileiro, primeiro volume, 4ª. Edição, Editora Revan, Rio de Janeiro, 2011; pg. 114/115. 15 conservar) um ente que não tem nunca qualquer correspondência com os direitos da vítima, mas que pertence à sociedade, entendida de uma maneira organicista (ou antropomórfica) ou contratualista, dependendo da amplitude do poder punitivo legitimado, conforme debilite mais ou menos o Estado de Direito (ou permitir maior ou menor avanço de elementos do estado de polícia). Há que se destacar que alguns autores entendem que não há novos discursos legitimantes e sim novas combinações e formulações dos tradicionais, sendo construindo novos modelos a partir da justaposição das teorias já existentes. De outra monta, autores como Eugênio Raul Zaffaroni e Salo de Carvalho entendem que a corrente tradicional das teorias legitimantes do poder punitivo não conseguem se adaptar a atual sistemática constitucional dos Estados modernos porque, em muitos casos, contrariarem os Princípios fundamentas da Dignidade da Pessoa Humana. Todavia, não há como negar que a atual doutrina enfatiza a questão da revisão ou mesmo renovação das teorias existente conforme a atual conjuntura social, política e constitucional, sendo prudente admitir que a corrente tradicional não se adequa em grande parte aos princípios constitucionais dos Estados democráticos. 6.1 . TEORIAS ABSOLUTAS OU RETRIBUTIVAS As teorias absolutas abordam a pena como uma forma de retribuição de culpabilidade de forma que deve haver uma compensação pelo mal injusto praticado pelo mal justo imposto pelo Estado. A pena criminal, neste aspecto, deve ser aplicada como uma forma de retribuição, expiação ou reparação pelo mal praticado, resultado do crime. A grande relevância histórica que ampara esta teoria encontra fundamento na tradição teocrática dos Estados da região mesopotâmica, que seria a base antropológica da pena retributiva com a expressão “olho por olho, dente por dente”. A tradição judaico-cristã igualmente contribuiu com este pensamento uma vez que seus fundamentos apresentam uma imagem retributiva-vingativo da justiça divina, além do fato de que, a filosofia idealista ocidental é retributiva, conforme explica 16 Juarez Cirino dos Santos4 citando Kant “a justiça Retributiva como lei inviolável é um imperativo categórico pelo qual todo aquele que mata deve morrer, para que cada um receba o valor de seu fato e a culpa do sangue não recaia sobre o povo que não puniu seus culpados”. Como consequência desta forma de aplicação de pena, é certo que possa gerar nos indivíduos efeitos relevantes diversos tais como a intimidação generalizada de pessoas, a neutralização dos delinquentes ou mesmo a ressocialização, todavia, para esta teoria, nenhum destes resultados contende com sua verdadeira essência, uma vez que, a medida concreta da pena com que deve ser punido o elemento por um determinado injusto praticado não pode encontrar em outros pontos de vista seus fundamentos, por mais que sejam socialmente relevantes. Para Jorge Figueiredo Dias5 “é a justa paga do mal que com o crime se realizou, é o justo equivalente do dano do fato e da culpa do agente” e assim deve haver correspondência direta entra a pena e o fato, não devendo intervir qualquer outro elemento social senão a igualação ou compensação entre o mal do crime praticado e o mal da pena imposta. Deve-se atentar que, nesta teoria não se inclui outros conceitos sociais ou mesmo elementos diversos a não ser a retribuição pelo mal praticado, conquanto somente a retribuição é a medida certa para a compensação do crime. Mesmo que atualmente a Teoria Absoluta encontre resquícios em nosso ordenamento jurídico, uma vez que o nosso Código Penal dispõe em seu artigo 59 que o Juiz deve aplicar a pena conforme necessário e suficiente para reprovação do crime, para a maioria da doutrina ela deve ser recusada pela sua inadequação à legitimação e mesmo ao sentido da intervenção penal. Atualmente tal teoria encontra objeções que vão contra aos Princípios Constitucionais de laicidade do Estado e aos direitos fundamentais da pessoa humana. Esta questão é debatida por Sérgio Salomão Checaira6 que alega: Santos, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal Parte Geral, 2ª. Ed; Conceito Editorial, Florianópolis, 2012; pg. 243. 5 Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais: a doutrina geral do crime. 1ª Ed. Coimbra Editora, Portugal, 2007; pg. 49 6 Shecaira, Sérgio Salomão e Corrêa, Alceu Junior, Teoria da Pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal, Editora Revista dos Tribunais, ed.202, pg. 130. 4 17 Tal teoria é criticada por vários autores. Claus Roxin afirma que não se pode admitir este fundamento, pois se trata de um mero ato de fé, que prescinde, pois, de racionalidade. A retribuição compensadora, ademais, não é consentânea com o Estado Democrático de Direito – que respeita a dignidade humana - pois é impensável que alguém possa pagar um mal cometido com um segundo mal, que é a expiação através da pena. Todavia, importante contribuição foi deixada pela teoria Retributiva: somente dentro dos limites da justa retribuição é que se justifica a sanção penal. Com efeito, a principal virtude desta concepção Retributiva é a ideia de medição da pena. A teoria Retributiva explica que para que haja a pena é preciso a anterioridade de um crime, mas não resolve o problema de quando se deve punir. Juarez Cirino dos Santos7 alega ainda que “retribuir como método de expiar ou de compensar um mal (o crime) com outro mal (a pena), pode corresponder a uma crença – e nessa medida, constituir um ato de fé, mas não é democrático nem científico”. Já para Jorge de Figueiredo Dias8 as teorias absolutas são “doutrinas puramente social-negativa, que acaba por se revelar não só estranha, mas no fundo inimiga de qualquer tentativa de socialização do delinquente e de restauração da paz jurídica” vez que tem por objeto único a compensação do mal do crime pelo mal da pena, ou seja, a compensação do mal pelo mal. Pode-se concluir que essa teoria fundamenta a aplicação da pena quase que exclusivamente no delito praticado, representando (em apertada síntese, um avanço) a ideia de retribuição metafísica e dos castigos ilimitados, sendo uma grande qualidade a proporcionalidade entre a pena e o injusto cometido que hoje podemos chamar de princípio da proporcionalidade. 6.2. TEORIAS RELATIVAS OU PREVENTIVAS Para estas teorias existem duas formas de prevenção da pena, a Prevenção Geral e a Prevenção Especial, sendo que ambas, apesar de terem como fundamento o uso de instrumentos destinados a atuar no campo social e a realizar finalidades sociais úteis, diferem quanto ao limite de pessoas que deve atingir para tornar eficaz a aplicação e a finalidade da pena. Santos, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal Parte Geral, 2ª. Ed; Conceito Editorial, Florianópolis, 2012; pg. 244 8 Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais: a doutrina geral do crime. 1ª Ed. Coimbra Editora, Portugal, 2007; pg. 48 7 18 As Teorias Relativas, contrariamente as Teorias Absolutas, são ditas como teorias fins ou teorias prevencionistas, visto que, atribuídas de sentido socialpositivo, destinam-se a atuar no mundo dos fatos justificando o mal da pena com o objetivo de alcançar a finalidade precípua de toda política criminal, a saber: a prevenção criminal. De forma a prevenir e não retribuir, a pena como prevenção especial visa seletivamente e individualmente apenar o condenado de acordo com a gravidade de seu crime, conforme nosso ordenamento dispõe em seu artigo 59 do Código Penal, para posteriormente promover a harmônica integração do condenado, conforme dispõe o artigo 1º. da Lei de Execução Penal. A finalidade da aplicação da pena como prevenção especial visa de um lado afastar o criminoso das ruas com seu encarceramento de forma que a neutralização do condenado em um ambiente restrito lhe restringe a praticar novos crimes durante este período, sendo denominada esta prevenção como “especial negativa”. De outro lado, há a intenção do Estado em ressocializar ou reeducar o apenado com o trabalho interno nas prisões realizados por psicólogos, assistentes sociais, visitas ou mesmo o trabalho do apenado dentro do sistema prisional, sendo denominado esta prevenção como “especial positiva” De outra monta, a prevenção geral pode ser vista em dois sentidos a saber, primeiramente no sentido positivo ou de integração, sendo que seu principal fundamento não é apenas afastar o apenado da sociedade, mas sim, amparado na eficaz atuação da justiça, reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos. De outra monta, a prevenção geral pode ser vista em seu aspecto negativo, da qual sua finalidade resulta especificadamente em inocuizar, tornar inofensivo o apenado a ponto causar um efeito de pura defesa social para que o delinquente fique afastado da sociedade causando não só a sua segregação, mas também neutralizando a sua periculosidade frente à sociedade. As Teorias Relativas, comparada as Teorias Absolutas ou Retributivas, aparentam ser mais conveniente ao nosso ordenamento jurídico, principalmente quando confrontadas com os direitos humanos esculpidos em nossa Carta Magna, todavia, há grande questionamento e critica por parte da doutrina quanto a sua eficiência e aplicação. 19 Conforma dispõe Juarez Cirino dos Santos9 “o condenado não pode ser compelido ao tratamento penitenciário, o Estado não tem o direito de melhorar pessoas segundo critérios morais próprios e, enfim, prender pessoas fundado na necessidade de melhoria terapêutica é injustificável”. Ou seja, usando critérios que o próprio Estado acredita que sejam eficientes no tratamento do apenado, estariam transformando a pessoa humana em objeto de estudo ou mesmo para realização de finalidades heterônomas. 6.2.1. A TEORIA RELATIVA COMO INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO GERAL A Teoria da Prevenção Geral visa prevenir o crime de forma que, atuando em toda a coletividade e atingindo psicologicamente os membros da comunidade afasta-os da prática do crime com a real ameaça penal estatuída em lei bem como a sua aplicação e efetividade. No plano teórico há uma subdivisão dentro desta teoria que são denominadas Teoria da Prevenção Geral Negativa, que em certo modo se aproxima das teorias absolutas quando pretende dissuadir o delinquente via intimidação para que não lesione direitos das vítimas e a Teoria da Prevenção Geral Positiva, que visa conservar os valores éticos-sociais para que o cidadão não cometa delitos, e caso os cometa, a pena seja imposta na medida necessária para obter o reequilíbrio do sistema. A Teoria da Prevenção Geral Negativa compreende uma intimidação penal ou coação psicológica a agir no senso comum da coletividade com a ameaça de que a pena desestimule pessoas a praticarem crimes. Esta intimidação visa não só desestimular a coletividade, mas a atuar especificadamente no sujeito que sentir-se tentado a praticar um delito, comparando, em certo modo, com uma lógica de mercado pelo conceito do custo-benefício, sendo que o cidadão que pretende cometer um ilícito saberá que a consequência será sempre pelo sofrimento imposto pelo Estado. Santos, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal Parte Geral, 2ª. Ed; Conceito Editorial, Florianópolis, 2012; pg. 246 9 20 Primeiramente a intimidação parte da próprio sistema legislativo por meio da publicação de sanções contidas nas normas incriminadoras pelo poder legislativo e posteriormente é reforçada com a aplicação e a execução das mesmas no âmbito do poder judiciário e executivo. Conforme ensina Jorge de Figueiredo Dias10 “é a forma estatalmente acolhida de intimidação das outras pessoas através do sofrimento que com ela se aflige ao delinquente e cujo receio as conduzirá a não cometerem factos puníveis” sendo que, com o “exemplo” do encarceramento e o sofrimento do criminoso a sociedade ou os indivíduos sejam “ameaçados” a não cometerem crimes. Atualmente não é difícil imaginar a aplicação desta teoria, bastando se reportar a países como o Irã ou mesmo o Paquistão, em que as penas de castigos corporais são realizados em praças públicas como forma a intimidar a população e desestimular a prática de crimes. A crítica jurídica sobre a Teoria Relativa como instrumento de Prevenção Geral baseia-se na ineficácia da ameaça penal, visto que constitui um verdadeiro terrorismo estatal em face de toda a população a ponto de violar a dignidade da pessoa humano, sendo que, conforme ensina Juarez Cirino dos Santos 11 “acusados reais são punidos de forma exemplar para influenciar a conduta de acusados potenciais – em outras palavras, aumenta-se injustamente o sofrimento de acusados reais para desestimular o comportamento criminoso de acusados potenciais”. De outra monta, a funcionalidade desta teoria é questionada quanto as formas de criminalidades, visto que, quando aplicadas a certos tipos de delitos não surgiria efeito algum. Neste aspecto, toma-se por base os crimes de terrorismo em que o agente, motivado por valores sociais ou religiosos não leva em consideração a ameaça da pena, de outra monta, em casos de crime de colarinho branco ou motivados por ganhos patrimoniais, em muitos casos, os próprios agentes que cometem o delito são detentores do poder podem manipular situação e neutralizando as agências judiciais. Conforme dispõe Salo de Carvalho a respeito: 10 Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais: a doutrina geral do crime. 1ª Ed. Coimbra Editora, Portugal, 2007; pg. 50. 11 Santos, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal Parte Geral, 2ª. Ed; Conceito Editorial, Florianópolis, 2012; pg. 247. 21 O sentido positivo que as ações dos poderes públicos passam a receber não permite que o exercício do direito de punir esteja direcionado apenas aos cidadãos que não cometeram crimes, esquecendo-se da principal peça da engrenagem criminosa: o delinquente. Se o objetivo final da civilização – corporificada e instrumentalizada pelo Estado moderno, seja em sua dimensão liberal absenteísta ou na social intervencionista -, é o fornecimento das condições formais e materiais que possibilitem os membros da comunidade atingir plena realização pessoal (ideal de felicidade), fundamental, em contraponto, diminuir quais quer óbices aos devir idealizado, aos fatores que geram sofrimento. No mesmo sentido, há que se destacar igualmente que as pessoas não cometem crimes somente pelo temor da pena imposta pelo Estado, mas também por questões religiosas, éticas e de moral, não devendo o Estado centralizar sua política penal somente na intimidação psicológica dos cidadãos. A esta questão Eugênio Raul Zaffaroni12 escreve que: A imensa maioria das pessoas evita as condutas aberrantes e lesivas por uma enorme e diversificada quantidade de motivações éticas jurídicas e afetivas que nada tem a ver com o temor à criminalização secundária. Existe uma prevenção geral negativa, ultrapassante do mero sistema penal que é, porém, fruto da cominação de sanções éticas e jurídicas não penais, assim como há um processo de introjeção de pautas éticas que não provém da lei penal. Assim, em aspectos gerais, há um grande contrassenso na Teoria da Prevenção Geral Negativa quando, ao aplicar a intimidação generalizada nos cidadãos, desvia-se o foco do principal personagem da peça criminosa, ou seja, o delinquente, bem como cria-se uma cultura de inimizade com o Estado, indo de inverso com os conceitos de moral que o Estado deseja impor. De outra monta e quase antagônico a prevenção geral negativa, há a Teoria da prevenção geral positiva, ou da integração/prevenção, em que a pena deve ser mensurada de acordo com a justa e adequada culpa do delinquente. Esta teoria se baseia nos limites inultrapassáveis da pena de forma que não ocorram violações da dignidade da pessoa humana ou mesmo excessos por parte do Estado, visando não só restabelecer a confiança no Direito quanto a afirmação da validade da norma penal. Esta teoria caracteriza-se também pela fundamentação em seu efeito positivo sobre os cidadãos que não cometem delitos, sendo que não atuaria pela intimidação como na prevenção geral negativa, mas sim pelo valor simbólico quanto 12 E. Raúl Zaffaroni. op. cit. pg. 118. 22 ao esforço em reforçar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas e na força do seu cumprimento e execução. Outra característica é o fato de que o mal imposto a um cidadão que comete um delito deve ser entendido como parte de um processo comunicativo entre o Estado e seus cidadãos, sendo que, uma pessoa seria criminalizada por que, com isso, a opinião pública também seria normatizada ou “renormatizada”. A este respeito, Eugênio Raul Zaffaroni13 disserta que: O poder punitivo supera a perturbação produzida pelo aspecto comunicativo do fato delituoso, que seria o único que interessa, exprimindo-se na perturbação da vigência da norma, imprescindível para a existência de uma sociedade. Em última instância, o delito seria uma má propaganda para o sistema, e a pena seria a expressão através da qual o sistema faria uma publicidade neutralizante. Assim como a prevenção geral negativa, a teoria da prevenção geral positiva recebe críticas por parte da doutrina por possuir um discurso quase utópico, sendo que, dado o caráter instrumental o discurso oficial historicamente atribui a pena criminal funções que são incompatíveis com a realidade de sua aplicação. Ainda, conforme esta teoria vai sendo desenvolvida, verificam-se algumas dissonâncias quando confrontadas com nosso ordenamento jurídico, como o fato em que a pena deve ser mensurada de acordo com a justa e adequada culpa do delinquente e que, quando autorizada a aplicação de uma pena sem levar em conta as características do agente (culpabilidade), dá lugar à punição de inimputáveis e aos agentes que tenham agido com erro de proibição. A este respeito, a Prevenção Geral Positiva extrapola a finalidade mais importante do direito penal que é resguardar os bens jurídicos, atuando também para garantir valores éticos-sociais da sociedade através de previsões legais e sanções a condutas que, como as teorias retributivas, podem ocasionar em desrespeito aos valores fundamentais ou de dignidade da pessoa humana. Conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt14 a este respeito: Não constitui uma alternativa real que satisfaça as atuais necessidades da teoria da pena. É criticável também sua pretensão de impor ao indivíduo, de E. Raúl Zaffaroni. op. cit. p. 122. Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Parte Geral, volume 1. 9º Ed. Editora Saraiva, São Paulo, 2004; pg. 88. 13 14 23 forma coativa, determinados padrões éticos, algo inconcebível em um Estado social e democrático de Direito. É igualmente questionável a eliminação dos limites do ius puniendi, tanto formal como materialmente, fato que conduz à legitimação e desenvolvimento de uma política criminal carente de legitimidade democrática. Desta forma, apesar de ter em seus fundamentos limites inultrapassáveis da pena para que não ocorram violações da dignidade da pessoa humana ou mesmo excessos por parte do Estado, tais limites carecem de parâmetros ou não encontram consonância na doutrina, vez que, sendo sua finalidade reafirmar a vigência da norma violada diante de toda sociedade, sempre que houver um ilícito deverá ser aplicada uma pena, sem levar em conta as características do agente e desta forma, permitir a punição de qualquer comportamento que, por qualquer motivo, se pretenda impor a uma sociedade, ainda que não tenha suficiente gravidade para ser objeto de pena. 6.2.2. A TEORIA RELATIVA COMO INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO ESPECIAL OU INDIVIDUAL A Prevenção especial ou individual tem como escopo a ideia de que a pena é um instrumento que visa a prevenção não só do delito em si, mas sobre a pessoa do delinquente, com a finalidade de evitar que em um futuro ele cometa novos crimes. Esta teoria in tese labora praticamente sobre a prevenção de novos crimes, usando formas de encontrar a ressocialização do delinquente bem como sua inserção no meio social. Ganhou notoriedade no cenário internacional por proporcionar uma maior preocupação com os delinquentes, apresentando uma abordagem mais construtiva e mostrando-se mais comprometida socialmente do que qualquer formulação das teorias absolutas, visto que o foco em questão passou a ser o agente de condutas típicas, bem como levando em consideração as peculiaridades de cada agente, sendo mais adequada a responder as questões relativas aos fins da pena. Para esta teoria a figura principal são aqueles que já delinquiram e, determinando este sujeito a sanção penal, objetiva a prevenção de futuros delitos 24 que poderiam ser novamente praticados, objetivando desta forma evitar a reincidência. Para Jorge de Figueiredo Dias15 “com respeito pelo modo de ser do delinquente, pelas suas concepções pela sobre a vida e o mundo, pela sua própria face aos juízos de valor do ordenamento jurídico, a prevenção especial visa criar as condições necessárias para que ele possa, no futuro, continuar a viver a sua vida sem cometer crimes”. Frisa-se que as “condições necessárias” envolvem políticas sociais de inserção e socialização do apenado, visando sempre sua reinserção ao meio social. Há notória mudança de foco quando se põe ao lado a postura teórica do fato típico propriamente praticado, passando a verificar a periculosidade do sujeito ante uma análise mais minuciosa do delinquente e suas características. Todavia, verifica-se também que esta teoria contém grande parcela de subjetividade quando tenta aferir o impulso criminoso do delinquente, porque a intimidação do sujeito poderia ocorrer desde uma simples advertência, neste caso aplicável aos criminosos não contumazes, ou seja, que não tivessem o crime como uma prática rotineira ao encarceramento definitivo, aplicado aos que transgredem a norma rotineiramente e neste aspecto vigeria a ideia de ressocialização visto como um tratamento social em que os infratores deveriam ser submetidos a serem ressocializados. Desta forma, esta teoria carece de cunho racional ou cientifico visto que propõe a ressocialização de duas formas a saber; a assimilação por parte do delinquente de uma regeneração moral, ou seja, os valores postos pelo direito e a moral e de outra forma o tratamento do delinquente com base de que o delito seja uma doença social, devendo o delinquente ser tratado como um paciente. A Teoria da Prevenção Especial (assim como a Teoria da Prevenção Geral) possui duas sub vertentes a saber; a Prevenção Geral Positiva em que é exercida por meio do estímulo a um comportamento adequado socialmente, isto é, em consonância com as normas jurídicas e a Teoria da Prevenção Especial Negativa que visa inibir a prática de delitos por meio do impedimento dos comportamentos delituosos Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais: a doutrina geral do crime. 1ª Ed. Coimbra Editora, Portugal, 2007; pg. 55 15 25 A Prevenção Especial Positiva, busca a mudança interior do delinquente, de modo que este reconheça os valores colocados pela ordem jurídica havendo também um caráter médico/clínico, em que a criminalidade do agente seria tratada como uma doença com tendências individuais que conduzem ao crime. No plano teórico esta teoria parte do princípio de que pena é um bem para quem sofre de caráter moral, sendo que a prisão ou aprisionamento seria o tratamento a este desvio de caráter, assim, se a pena é um bem para o condenado, sua medida seria a medida da qual é necessário para sua ressocialização ou reinserção na sociedade. De outra monta, há grande crítica da doutrina tendo em vista que não cabe ao Estado esta tarefa, pois contrariaria dispositivos constitucionais de liberdade de autodeterminação e da dignidade da pessoa humana do delinquente. A este respeito Eugênio Raul Zaffaroni16 leciona que: É insustentável a pretensão de melhorar mediante um poder que impõe a assunção de papéis conflitivos e que os fixa através de uma instituição deteriorante na qual durante prolongado tempo toda a respectiva população é treinada reciprocamente em meio ao contínuo reclamo desses papéis. Eis a impossibilidade estrutural não solucionada pelo leque de ideologias re: ressocialização, reeducação, reinserção, repersonalização, reindividualização, reincorporação. Estas ideologias encontram-se tão deslegitimadas, frente aos dados da ciência social, que utilizam como argumento em seu favor a necessidade de serem sustentadas apenas para que não caiam num retribucionismo irracional, que legitime a conversão dos cárceres em campos de concentração. Mesmo sofrendo crítica de grande parte da doutrina e sendo considerada até obsoleta, é importante ressaltar que essa teoria ainda recebe atenções, visto que se vislumbra enorme potencial no combate à criminalidade pois a ressocialização do delinquente ainda é vista como o melhor procedimento no combate à criminalidade. Há que se destacar que Lei de Execução Penal (Lei 7210/1984)17 determina em seus artigos 1º. E 10º.18 a reabilitação do preso, verificando em seus dispositivos a intenção de promover não só a penitência, mas também o tratamento do próprio E. Raúl Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia, Alejandro Slokar. Direito Penal Brasileiro, primeiro volume, 4ª. Edição, Editora Revan, Rio de Janeiro, 2011; pg. 126. 17 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm 18 “Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.” 16 26 delinquente, com o propósito de incidir em sua personalidade para que o sujeito não volte a cometer delitos. Já a Prevenção Especial Negativa ou de neutralização, tem como escopo a ação do Estado quando não lograr êxito a prevenção especial positiva, visto que, o Estado reconhece que nem todos os delinquentes são “reparáveis” ou mesmo dispostos a se ressocializar, almejando-se, desta forma, a defesa social em sua essência. O ponto central é o fundamento de que a criminalização deve visar também a pessoa criminalizada sem a intenção de melhorá-la, mas sim neutralizando os efeitos de sua inferioridade, na medida em que um mal para o apenado será em contrapartida um bem para a sociedade. Esta teoria foi abordada por Von Listz, citado por Luigi Ferrajoli19 quando apresentou seu Programa de Marburgo em 1882, ficando claro seu fundamento segregalista quando foi defendida a ideia de que “a luta pela delinquência habitual pressupõe um exato conhecimento da mesma. Esse conhecimento ainda hoje nos falta. Trata-se, com efeito, somente de um elo dessa corrente, frise-se, o mais perigoso e significativo, de manifestações patológicas da sociedade que nós comumente agrupamos sob a denominação de proletariado. Mendigos e vagabundos, indivíduos alcoolizados e dados a prostituição, sujeitos de vida errante e desonestos, degenerados física e espiritualmente, que concorrem todos os dias para a formação do exército dos inimigos capitais da ordem social, exército cujo Estado maior parece formado por delinquentes habituais” Apesar de estar em sintonia com a função do Direito Penal de tutelar subsidiariamente os bens jurídicos pela aplicação da pena sobre o delinquente, de modo a evitar a reincidência, sofre igualmente críticas da doutrina quanto a dificuldades em esclarecer certos conceitos, tais como o paradigma médico/clínico, tendo em vista que a pena do criminoso deveria durar enquanto durasse sua periculosidade, havendo dificuldade em aferir um perfil psicológico. De outra monta, se mostra igualmente incongruente ao falar-se em “socialização” quando confrontados com crimes, como exemplo, de “colarinho branco” em que o delinquente não se revela carente de socialização. APUD: Ferrajoli, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal, 3ª. Ed; Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010; pg. 250. 19 27 Assim, esta teoria encontra dificuldades em ajustar a conduta do criminoso a seus fundamentos, pois conforme ensina Jorge de Figueiredo Dias20 “a pena visaria, em definitivo, atemorizar o delinquente até um ponto em que ele não repetiria no futuro a prática do crime... ou através da separação ou segregação do delinquente, assim procurando atingir-se a neutralização da sua perigosidade social”, ou seja, tais argumentos são igualmente conflitantes com os princípios constitucionais, principalmente os da dignidade da pessoa humana. 7. TEORIAS MISTAS, COMBINATÓRIAS OU UNIFICADORAS. Conforme ocorre em outros institutos de Direito Penal, as teorias da pena tem igualmente sua vertente combinatória (ou mista) em que, para melhor adequação da política criminal, se conjugam as teorias isoladamente com o objetivo de superar as deficiências de algumas e sobrepor os aspectos positivos de outras. Em uma análise primorosa, Juarez Cirino dos Santos21 exemplifica a questão de forma que “a pena representaria (a) retribuição do injusto realizado, mediante compensação ou expiação da culpabilidade, (b) prevenção especial positiva mediante correção do autor pela ação pedagógica da execução penal, além de prevenção especial negativa como segurança social pela neutralização do autor e, finalmente, (c) prevenção geral negativa mediante intimidação de criminosos potenciais pela ameaça penal preventiva geral negativa”. Desta forma, há uma combinação das teorias, com o intuito de superar falhas que cada uma apresenta, misturando as funções de retribuição, prevenção geral e prevenção especial. Para Cezar Roberto Bitencourt22 as teorias mistas compõe um único conceito de pena a saber a retribuição do delito cometido e a prevenção geral e especial: Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais: a doutrina geral do crime. 1ª Ed; Coimbra Editora, Portugal, 2007; pg. 54 21 Santos, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal Parte Geral, 2ª. Ed; Conceito Editorial, Florianópolis, 2012; pg. 248/249 22 Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Parte Geral, volume 1. 9º Ed. Editora Saraiva, São Paulo, 2004; pg. 88. 20 28 “As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Esta corrente tenta escolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas. Merkel foi, no começa do século, o iniciador desta teoria eclética na Alemanha, e, desde então, é a opinião mais ou menos dominante. No dizer de Santiago Mir Puig, entende-se que a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são distintos aspectos de um mesmo e complexo fenômeno que é a pena. A grande crítica da doutrina quanto a Teoria Mista se sobrepõe a inclusão da ideia de retribuição, visto que, a retribuição ou compensação da culpa não pode constituir uma finalidade da pena, pois, conforme já argumentado, tem por objeto único a compensação do mal do crime pelo mal da pena, ou seja, a compensação do mal pelo mal, encontrando-se objeções que vão contra aos Princípios Constitucionais de laicidade do Estado e aos direitos fundamentais dos cidadãos. Para Jorge de Figueiredo Dias23 “quando se misturam doutrinas absolutas com doutrinas relativas fica definitivamente sem se saber qual o ponto de partida para se encontrar o fundamento teorético e a razão de legitimidade da intervenção penal. Doutrinas absolutas e relativas são, na verdade, irremediavelmente diversas e provêm de concepções básicas diferentes”, sendo que, quando teorias antagônicas são combinadas, carecem de fundamentação teórica e se perde a razão de legitimação da intervenção penal. No mesmo sentido Eugênio Raul Zaffaroni24 afirma que: Semelhante equivocidade discursiva conduz a arbitrariedade, pois implica propor aos operadores judiciais que assumam a decisão que bem lhes aprouver, racionalizando-a, depois, com a teoria de função manifesta que pareça mais adequada ao acaso. Desta maneira, é possível impor em qualquer caso o máximo ou o mínimo da escala penal, pois se a culpabilidade pelo ato não for adequada à racionalização da pena que se pretende impor – aquela que já foi decidida – sempre se poderá apelar para a culpabilidade de autor ou para periculosidade: e se a prevenção especial não for útil, poder-se-á chegar geral etc. As combinações teóricas incoerentes, em matéria de pena, são muito mais autoritárias do que qualquer uma das teorias puras, pois somam as objeções de todas as que pretendem combinar e permitem escolher a pior decisão em cada caso. Não se trata de uma solução jurídico-penal, mas de uma entrega do direito penal à arbitrariedade e da consequente renúncia à sua função mais importante. Por outro lado, há autores que abordam que as teorias mistas buscam um equilíbrio para justificar a pena, atendendo os anseios da sociedade quanto a 23 Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais: a doutrina geral do crime. 1ª Ed. Coimbra Editora, Portugal, 2007; pg. 62. 24 E. Raúl Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia, Alejandro Slokar. Direito Penal Brasileiro, primeiro volume, 4ª. Edição, Editora Revan, Rio de Janeiro, 2011; pg. 126. 29 segurança e a paz social e respeitando a dignidade da pessoa humana, conforme aborda Geder Luiz Rocha Gomes25: Constata-se que as teorias mistas ou ecléticas são adotadas de forma ampla e majoritária no mundo ocidental, não só mantendo o conteúdo retributivo da sanção penal, calcado no parâmetro da culpabilidade, mas, de igual modo, com ênfase no caráter preventivo do delito, tanto no seu aspecto geral (quando busca robustecer o nível de confiabilidade pelo corpo social na ordem jurídica, contendo também caráter intimidatório em face da ameaça da punição) como de prevenção especial negativa e positiva revelada, respectivamente, pela inocuação do infrator ou pela busca de sua reinserção para evitar-lhe o retorno ao crime Apesar das críticas por boa parte da doutrina as Teorias Unificadas encontram-se previstas na jurisprudência, legislação e na doutrina penal ocidental. No Brasil o Código Penal contém as teorias unificadas ao determinar a aplicação da pena conforme seja imprescindível e suficiente para condenação e prevenção do crime (artigo 59 do Código Penal Brasileiro), tal reprovação revela a ideia de retribuição da culpabilidade sendo que a prevenção do crime compreende as modalidades de prevenção especial (neutralização e correção do autor) e de prevenção geral (intimidação e manutenção ou reforço da confiança na ordem jurídica) conferidas à pena criminal. 8. TEORIA DA PREVENÇÃO INTEGRAL Estas teorias partem do princípio de que a combinação ou unificação das finalidades da pena só pode ocorrer através da prevenção geral e especial, excluindo-se os princípios da Teoria Retributiva, compensatória ou expiatória de modo que, logrando a concordância prática destas ideias, se extrai uma otimização de seus conceitos através da mútua compreensão. Conforme Jorge de Figueiredo Dias26, citando Roxin “Ele conclui, em plena consonância com o ponto de vista aqui defendido, que a pena serve exclusivamente 25 Gomes, Geder Luiz Rocha. Substituição da prisão, alternativas penais: legitimidade e adequação. 2ª. Ed; Juspodium, Salvador, 2008, pg.44. 26 Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais: a doutrina geral do crime. 1ª Ed. Coimbra Editora, Portugal, 2007; pg. 63. 30 finalidades de prevenção geral e especial; mas nem por isso perde a clara consciência de que recusar a intervenção da retribuição na querela sobre as finalidades da pena não significa nem abandonar, nem minimizar o pensamento e o princípio da culpa na construção do fato punível e na legitimação da intervenção penal, nem tão pouco esquecer o significado essencial que aquele princípio e pensamento assume na querela”. Igualmente, esta Teoria sofre críticas por parte da doutrina que, apesar de recusarem grande parte dos conceitos das Teorias Retributivas, entendem que sua ausência completa deixaria um vácuo na problemática da culpa e do seu princípio como limite do problema, sendo que seus princípios impõem legitimidade na composição das finalidades da pena. 9. CORRENTE CRÍTICA DAS TEORIAS LEGITIMANTES DO PODER PUNITIVO O estudo da teoria clássica dos fins da pena tradicionalmente se dividem em Teorias Absolutas (retributivas) e Teorias relativas (preventivas), sendo ainda constatadas as teorias mistas e da prevenção integral. Todavia, hodiernamente há grande debate na doutra se estes modelos são ainda os únicos capazes de responder a indagação considerada talvez a mais importante da Teoria Criminal: por que punir? Para a resposta a esta indagação, primeiramente, necessário se faz verificar as principais novas correntes de estudos referentes a finalidade de aplicação da pena, sendo que, apesar de haverem vários debates e denominações teóricas a diversas novas teorias, duas principais se destacam, a saber: a Política Abolicionista da Pena e a Teoria Agnóstica da pena. A Política Abolicionista da Pena visa, em primeiro momento, apresenta propostas para a radical substituição do sistema penal por instâncias não punitivas de resolução dos conflitos. Ou seja, tem como principal objetivo transcender as classificações clássicas e os modelos atuais e apresentar propostas para extirpar qualquer espécie de controle formal decorrente do delito, que deve dar lugar a outros modelos informais e até interpessoais de solução de conflitos. 31 Apesar de haver uma dificuldade conceitual, Salo de Carvalho27 cita quatro autores que apresentam variantes não conflitantes a respeito desta teoria, sendo eles Michel Foucaut, Thomas Mathiesen, Nils Christie e Louk Hulsman. Conforme ensina Salo de Carvalho, Michel Foucaut, embora não possa ser considerado um abolicionista no sentido dos demais autores, contribuiu e muito com esta Teoria, visto sua primorosa análise das estruturas de poder em seu livro “Vigiar e punir”. Este autor verificou que o sistema punitivo ocidental se baseou principalmente através do discurso científico da criminologia, sendo que, com base na justificação da ressocialização do apenado, a prática da punibilidade amparouse quase que unicamente em um “falso-humanismo”. De outra monta, apresenta um discurso de romper com ideia de sistema punitivo alegando que as relações de poder não pode serem visualizadas, não se sabendo ao certo quem as detém, todavia, sabendo quem não as detém, razão qual para ele não existe instituição ou sujeito possuidores do poder, e sim, micro sistemas interpessoais dos quais o sujeito cognoscente seria um “produto do poder”, e desta forma, não haveria legitimação do Estado para aplicar a pena nos sujeitos. Outra teoria baseada no abolicionismo penal foi desenvolvida por Thomas Mathiesen que, em seu livro denominado The Politics of Abolition (Oslo 1974), pregava que tanto os países escandinavos quanto os países baixos haveriam condições de abolir ou diminuir drasticamente a quantidade de presídios em seus Estados. Para este Sociólogo e eminente estudioso dos sistemas prisionais, o sistema carcerário não deve desaparecer abruptamente ou mesmo ser simplesmente abolido. A sua teoria abolicionista conta com uma gradual evolução – ou o que ele chama de revolução permanente e gradual - de procedimentos políticos para se chegar a um ponto em que não seriam mais necessários os presídios sendo que, a tutela dos bens juridicamente disponíveis poderiam ser protegidos e o delito compensado às vítimas de outras formas que não o encarceramento do delinquente. Para tornar mais claro seu raciocínio, Thomas Mathiesen propôs 8 (oito) premissas que deveriam ser seguidas pelo Estado para se chegar ao ponto fulcral Carvalho, Salo de. Antimanual de Criminologia. 5ª. Ed. Editora Saraiva, São Paulo, 2013; pg. 245. 27 32 em que não seriam mais necessárias as construções de presídios, conforme enumera Salo de Carvalho28: (1ª.) a criminologia e a sociologia demonstraram que o objetivo da melhora do detento (previsão especial) é irreal, sendo constatável efeito contrário de destruição da personalidade e a incitação da reincidência; (2ª.) o efeito da prisão no que diz respeito à prevenção geral é absolutamente incerto, seno possível apenas estabelecer alguma relação do impacto de políticas econômicas e sociais na discussão do delito; (3ª.) grande parte da população carcerária é formada por pessoas que praticam delitos contra a propriedade, ou seja, contra bens jurídicos disponíveis; (4ª.) a construção de novos presídios é irreversível; (5ª.) o sistema carcerário, na qualidade de instituição total, tem caráter expansionista, ou seja, suscita novas construções; (6ª.) as prisões funcionam como formas institucionais e sociais desumanas; (7ª.) o sistema carcerário produz violência e degradação nos valores culturais; e (8ª.) o custo econômico do modelo carcerário é inaceitável. Há que se destacar que o autor nega inclusive penas alternativas, alegando que a substituição da pena por uma mais branda nada mais é do que a transformação da estrutura carcerária com funções similares ao do cárcere. Outro estudioso da teoria abolicionista da pena, Nils Christie, afirma que a pena, conforme é aplicada atualmente, produz a destruição dos laços sociais horizontais, visto que, o sistema penal com modelo classificatório binário, em que há oposição entre atos corretos e incorretos, acarreta uma falsa imagem do homem, da sociedade e do próprio controle da violência. Aduz o autor que o atual modelo de aplicação da pena é carregado exclusivamente de produzir dor e sofrimento no apenado, sendo que a melhor solução para a ineficiência do atual modelo seria a imposição mínima de sofrimento ou castigo, sendo que, o Estado deve buscar opções como sanções alternativas e substitutivas. O resultado do delito pode ser resolvido por meio das relações privadas, chamadas por ele de “justiça participativa comunitária”, em que a consequência do delito e seu prejuízo podem ser reparados com uma indenização pelo dano causado. Alega que o monopólio estatal da aplicação da pena pelo Estado exclui a vítima da aplicação da justiça ao impedir sua participação na resolução do caso, e, sua inclusão no procedimento poderia buscar condições de negociar a compensação do dano sofrido. 28 Carvalho, Salo de. Antimanual de Criminologia. 5ª. Ed. Editora Saraiva, São Paulo, 2013; pg. 247/248. 33 Louk Hulsman, considerado um dos principais pensadores da teoria abolicionista, alega que deve haver uma absoluta mudança tanto no controle social formal quanto na própria linguagem penal. A mudança no controle social formal se deve ao fato de que há nítida distribuição do sofrimento no processo penal, seja para a vítima ou para o autor, bem como a quase absoluta desapropriação dos direitos dos envolvidos no fato a julgar principalmente por parte da vítima. Desta forma, alega que a justiça penal é incontrolável e concebido unicamente para distribuir o mal. De outra monta, a própria linguagem penal estaria carregada de pré conceitos, pois quando um fato é chamado de crime, de antemão excluiria toda as outras formas de resolução do conflito que não ao estilo punitivo da linha sócio estatal, qual seja, o modelo dominado pelo pensamento jurídico e que afasta ainda mais as partes envolvidas dificultando uma possível conciliação entre as partes envolvidas na resolução do caso. Assim, devolver as pessoas envolvidas o domínio de seus conflitos seria a melhor solução e não a simples distribuição do problema, pois para o Autor o crime e o delito deveriam se chamar apenas “situações problemáticas”. Se por um lado a Teoria Abolicionista da Pena possa parecer utópica ou inaplicável nos Estados modernos, de outro, o seu estudo e aperfeiçoamento contribui e muito com a Teoria da Aplicação da Pena, pois muitos de seus conceitos são úteis para o debate e avaliação que o atual sistema penal reproduz com custos exorbitantes para o Estado e a aumento voraz da violência. Ainda, se servido como “utopia orientadora” na discussão de outros modelos ou possibilidades voltadas à redução dos danos causados pelas violências do sistema penal. Outra corrente crítica das teorias legitimantes do poder punitivo é a Teoria Agnóstica (ou negativa) da Pena, desenvolvida na segunda metade do século XX. Este estudo dogmático parte primeiramente de uma crítica a todas as teorias legitimantes do poder punitivo desenvolvidas anteriormente, conforme ensina Salo de Carvalho29: Carvalho, Salo de. Antimanual de Criminologia. 5ª. Ed. Editora Saraiva, São Paulo, 2013; pg. 247/248. 29 34 “Zaffaroni, nos comentários à obra Diritto e Ragione, questiona a necessidade teórica e prática de modelos explicativos para a sanção penal. Indaga, em primeiro momento, se é possível o operador do direito, principalmente o juiz, tomar decisões sem modelo penalógico referencial. Em momento posterior reloca o problema à academia, ou seja, questiona se poderia o professor lecionar sem as teorias da pena, sem estruturas doutrinárias que justifiquem racionalmente a imposição das penas. A esta questão, Zaffaroni alerta que, em princípio, o Juiz ao aplicar a lei ao caso concreto pode fazer uso das teorias legitimantes, sempre com respaldo das disposições constitucionais, todavia, o mesmo não ocorre com a Doutrina, pois não há como justificar a aplicação da pena sem haver um consenso ou mesmo sem reconhecer o direito de punir baseado em uma teoria que admita o direito penal subjetivo do Estado. No mesmo sentido, continua Salo de Carvalho 30. As teorias (justificacionistas) da pena ao tentarem justificar o poder de punir realizariam, na opinião do autor, tarefa estéril, porque a legitimação produzida pela dogmática é direcionada ao poder do juiz e não ao poder de punir. O poder punitivo, assim, não é exercido no interior do judiciário, mas pelos aparatos da burocracia administrativa, que condicionam a criminalização e a punição (agências de punitividade). Com essa análise, a teoria agnóstica defende que as teorias existentes que legitimam o poder de punir perderam legitimidade no atual sistema penal, pois fracassaram quando buscaram motivos justificantes para a imposição da pena, sem, contudo, negar o próprio direito de punir, ainda, reafirmam questões como a vingança, reafirmação da lei penal, correção moral ou a intimidação social. A Teoria Agnóstica, de outra modo, tenta abordar uma nova teoria do poder punitivo com a finalidade de reduzir a violência do seu exercício, reduzindo a dor, o sofrimento e todo tipo de atrocidade a quem está encarcerado, com a realização de políticas criminais voltadas ao humanismo democrático. Para que este ideal fosse posto em prática, necessário seria a pacífica coexistência entre os modelos ideais de estado de polícia e estado de direito, pois o estado de polícia se fundamenta de modo autoritário e vertical, solucionando os litígios com base nas teorias clássicas e, de outra monta, o estado de direito se justifica no modelo democrático e horizontal de poder, em que a os conflitos são resolvidos baseados nas teorias legitimantes dos direitos humanos, garantindo ao apenado limitações frente ao estado de polícia. 30 Ibid., pp. 247/248. 35 A esta questão Tobias Barreto31 exemplificou magistralmente da seguinte forma: O conceito de pena não é um conceito jurídico, mas um conceito político. Este ponto é capital. O defeito das teorias correntes em tal matéria consiste justamente no erro de considerar a pena como uma consequência de direito, logicamente fundada; erro que é especulado por um certo humanismo sentimental, a fim de livrar o malfeitor de um castigo merecido ou pelo menos lho tornar mais brando. Como consequência do direito a pena pressupõe a imputabilidade absoluta, que entretanto nunca existiu, que não existirá jamais. O sentimentalismo volve-se contra este lado fraco da doutrina, combatendo a imputabilidade em todo e qualquer grau. Para isso lança mão de razões psiquiátricas, históricas, pedagógicas, sociais e estatísticas e todas essas razões é força confessar, são de uma perfeita exatidão. Mas isso, somente na hipótese da pena regulada pela medida do direito, o que é de todo inadmissível, porque é de todo inexequível Com essa magistral conceituação de Tobias Barreto, verifica-se que a Teoria Agnóstica da pena aduz serem ilegítimas as bases que fundamentem a pena com base em conceitos jurídicos, sendo a fonte da pena um conceito político, e desta “politica” se seria capaz de realizar as ações voltadas a questões humanas e em concordância do os princípios da dignidade da pessoa humana. Assim, a política serviria de parâmetro negativo da sanção imposta, mormente que as teorias da pena seriam limitadas sob o fundamento político. O infrator, neste caso, teria a pena com sua “guardiã” para ser punido somente pelo Estado, refutando a ideia de pena-punição para pena-garantia. Ateste-se que a Teoria Agnóstica da pena quando refuta das teorias tradicionais, tem como seu fundamento promover a real finalidade da pena, qual seja, a de um ato político que resguarde os princípios fundamentais da pessoa humana, minimizando o sofrimento do apenado e demonstrando os motivos que demonstram a real justificação da imposição da pena sem negar o próprio direito de punir. 31 Barreto, Tobias. Fundamentos do direito de punir. 6ª. Ed. Editora RT, São Paulo, 1996; pg. 649/650. 36 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após estudo das teorias legitimantes do poder punitivo, é inquestionável afirmar que este estudo não esgota o tema, visto que, atualmente existem diversas correntes críticas e novas teorias para fundamentar a questão. Porém, pode-se concluir que buscou-se demonstrar que a evolução das teorias legitimantes acompanharam as transformações sociais quanto a questão da aplicação de seus conceitos frente aos direitos humanos, todavia, não é absoluta esta transformação, visto que, atualmente é notável o discurso de regresso a questões de como devem ser tratados os apenados. Constatamos que as Teorias Absolutas que consagram a pena um caráter unicamente retributivo, pregando a proteção social por meio da punição, não respondo aos problemas atuais, visto que o encarceramento não garante a proteção da sociedade. Crimes sempre existiram e jamais deixarão de existir, consequentemente o encarceramento com a imposição do sofrimento sem levar em conta as questões sociais, não apresenta nenhuma solução tendo ainda como resposta a sociedade somente um resultado paliativo. Ademais, esta teoria não encontra guarida no aspecto social atual, visto ter seu fundamento um caráter teocrático (lei de talião), se mostrando repressora e antagônica aos princípios da dignidade da pessoa humana. Quanto as teorias relativas, apesar de possuir um caráter ressocializador, quando fundamenta a questão da prevenção, igualmente não se encaixa nos preceitos constitucionais da maioria dos países ocidentais, posto que, a prevenção geral negativa usa do mesmo fundamento da teoria absoluta, quando usa o encarceramento como demonstrativo do poder do Estado em relação a sociedade punindo o cidadão para que sirva de exemplo aos demais. Igualmente, a prevenção geral positiva, quando legitima a pena sob o fundamento da reafirmação do direito buscando transmitir valores “éticos-sociais” e de incluir processos comunicativos entre o Estado e seus cidadãos, dá azo a inserção de opiniões e conceitos que possam interferir na aplicação da pena, se tornando, em certo ponto, uma questão perigosa quando autorizada a aplicação de uma pena sem levar em conta as características do agente (culpabilidade). A teoria da prevenção especial negativa orienta o recolhimento do delinquente do seio social para a reclusão, de modo que seu enclausuramento 37 neutralizasse o indivíduo para que fosse ressocializado. Igualmente, esta teoria se mostra não só segregalista com também reforça os centros penais como microssistemas de corrupção e aprendizado de crimes, não demonstrando qualquer solução, pois o simples encarceramento em nada contribui para a condição do apenado de ser reincluído ao meio social. Quanto a teoria da prevenção especial, igualmente não apresenta soluções se não fundamentada pela higienização do indivíduo, demonstrando quase um fundamento nazista quando vê o delinquente como um doente e o encarceramento um “remédio-social”. Inclusive, em nosso país um presídio está longe de ser um loca de “tratamento-social” ou mesmo para a simples ressocialização de qualquer delinquente. As teorias mistas (combinatórias ou unificadoras) apesar de seu esforço de suprir a função da pena pela união de funções das demais teorias, apresenta contradições e antinomias, pois não consegue se fundamentar quando usa de teorias antagônicas entre si, dando azo a diversos tipos de interpretações ou sendo dificultoso estabelecer um raciocínio linear. As teorias abolicionistas, apesar de possuírem um caráter utópico, podem servir como estudo e debates para a saída de crise penal, visto que, quando se discute a efetividade, custo que consequências do encarceramento, aliada estas questões a suja efetividade, esta teoria já não soa absurda e sem fundamento. Todavia, não apresenta (nem de longe) a melhor resposta para o problema da finalidade da pena. Por fim, a teoria agnóstica da pena apresenta a melhor (mas não ideal) proposta a questão da finalidade da pena, quando afirma que o apenado deva ser julgado pelo Estado e a pena, neste caso, deve agir como limitadora deste julgamento. A pena, vista como ato decorrente do poder político do Estado, e não jurídico, faz com que haja um limitador da política para que não ocorra a hipótese de prisão com base em punições privadas, sendo unicamente o jus puniendi uma função estatal. 38 11. REFERÊNCIAS Barreto, Tobias. Fundamentos do direito de punir. 6ª. Ed. Editora RT, São Paulo, 1996. 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