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Ficar em casa

2020

Este trabalho é financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Factores de Competitividade-COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT-Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto UIDB/50012/2020. Os dados e as opiniões inseridos na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos/das seus/suas autores/autoras.

PALAVRAS PARA LÁ DA PANDEMIA: CEM LADOS DE UMA CRISE Coordenador José Reis Editor Centro de Estudos Sociais Universidade de Coimbra Revisão Científica Ana Cordeiro Santos, António Sousa Ribeiro, Carlos Fortuna, João Rodrigues, José Castro Caldas, José Reis, Pedro Hespanha, Vítor Neves Revisão Linguística Ana Sofia Veloso, Alina Timóteo Design e Paginação André Queda Julho, 2020 Este trabalho é financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Factores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto UIDB/50012/2020. Os dados e as opiniões inseridos na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos/das seus/suas autores/autoras. ISBN 978-989-8847-25-6 PALAVRAS PARA LÁ DA PANDEMIA: F CEM LADOS DE UMA CRISE FICAR EM CASA António Olaio Dizer que um artista é um indivíduo parece, qualquer. Porque o interior está para além da obviamente, uma afirmação desnecessária, pele, porque se forma e manifesta em relação. porque todos sabemos que sim, todos os in- divíduos o são, independentemente do que Deixado a si mesmo, um indivíduo, intensi- fazem ou escolhem fazer. Um indivíduo é um ficando a perceção de si, intensifica a expec- indivíduo. Mas um artista exerce, enquan- tativa da presença do outro. Nessa ausência, to artista, essa condição, faz, dessa condição, fica mais tempo perante o que já saberia: que obra. Mais do que na procura do que isso que- o outro faz parte de si. Ou, melhor, que é na rerá dizer, o que o tornaria um filósofo que não relação com o outro que se define a si próprio é. Embora se possa aproximar da filosofia, no e, ao mesmo tempo, que o reconhecer-se a caminho que percorre ao fazer arte, passa por si próprio não tem assim tanta importância. ela e continua a andar. Porque o próprio indivíduo é alguém por onde se passa quando se pensa em si. E um indiví- O artista sobretudo torna imagem a experiên- duo é, sendo sempre outra coisa, condição de cia de ser um indivíduo, a experiência e a re- se ser. E está em casa como se estivesse con- flexão sobre essa condição. Uma experiência sigo, num corpo que se expande no que reco- que se exerce e se pensa ao exercê-la. Uma nhecemos como casa, casa que terá começado experiência da latitude e da plasticidade do a sê-lo quando deixou de se estranhar. Tendo espaço que configura a dinâmica de ser e, ao nela aquilo de que precisa, e o que precisa para mesmo tempo, a consciência de ser para além além das coisas que mais facilmente associa- do tempo. Percebendo que um indivíduo é a mos à utilidade. relação com todas as coisas para além de si, todas as coisas que, sendo o espaço negativo E lembramo-nos que a casa, ao longo do tem- do seu corpo e da sua identidade, o moldam. po, cada vez mais assume a sua condição de casa. Mas, à semelhança de em que consiste ser Nesta condição, vê assim dilatado o tempo um indivíduo, a casa é uma casa ao superar-se. para estar consigo mesmo nesta situação de Por isso temos paredes que, mais do que criar reclusão, vê densificada a consciência de si. Se divisões, para termos quartos, salas, cozinhas, for artista, fará mais arte certamente. E, dei- casa de banho... servem para pôr coisas, para xado a si mesmo, sabe que não aumentará a pendurar coisas de forma a parecer que estas consciência de uma singularidade. Antes pelo pertencem às paredes. Imagens que desmate- contrário. Como já sabia, o que se densifica é rializam as paredes, que as levam para outros a consciência de ser outro, a condição de ser, lugares, para outros. definida pela possibilidade de ser um outro 60