DOI: https://doi.org/10.23925/2175-3520.2021i52p64-73
LONGE DE CASA: ATENDIMENTO PSICOLÓGICO E INDICADORES
DE SAÚDE MENTAL DE IMIGRANTES UNIVERSITÁRIOS
Alisson Vinicius Silva Ferreira1; https://orcid.org/0000-0003-0634-6072
Lucienne Martins Borges2; https://orcid.org/0000-0003-4323-116X
Resumo
Diante da internacionalização do ensino superior e, consequentemente, dos desafios de adaptação cultural e acadêmica
que os imigrantes universitários tendem a enfrentar ao adentrar em uma universidade estrangeira, este estudo buscou
investigar as principais demandas e o perfil dos imigrantes que buscaram o serviço de psicologia de uma universidade
brasileira com vocação internacional. Para tal investigação foi utilizada uma análise documental referente aos atendimentos
individuais realizados nos anos de 2016 e 2017. Em termos de conclusão, destacou-se a relação entre a distância cultural,
o gênero e o perfil dos cursos em que os imigrantes estavam matriculados com a busca de atendimento psicológico e as
demandas de saúde mental e educacionais.
Palavras-chave: Imigrantes universitários; Mobilidade acadêmica; Saúde mental, Atendimento psicológico;
Interculturalidade.
Far From Home: Psychological Care and Mental Health
Indicators of University Immigrants
Abstract
Given the internationalization of higher education and, consequently, the challenges of cultural and academic adaptation
that university immigrants tend to face when entering a foreign university, this study sought to investigate the main
demands and the profile of immigrants who looked for sought the service of psychology. from a Brazilian university
with an international vocation. For this investigation a documentary analysis was used referring to the individual
attendances carried out in the years 2016 and 2017. In terms of conclusion, it stood out the relationship between the
cultural distance, the gender and the profile of the courses in which the immigrants were enrolled with the search for
psychological care and the demands of mental and educational health.
Keywords: University immigrants; Academic mobility; Mental health; Psychological support; Interculturality.
Lejos de casa: Atención psicológica e indicadores
de salud mental de inmigrantes universitarios
Resumen
Dada la internacionalización de la educación superior y, en consecuencia, los desafíos de adaptación cultural y académica
que los inmigrantes universitarios tienden a enfrentar al ingresar a una universidad extranjera, este estudio buscó investigar
las principales demandas y el perfil de los inmigrantes que buscaban el servicio de psicología de una universidad brasileña
con vocación internacional. Para esta investigación se utilizó un análisis documental referido a las asistencias individuales
realizadas en los años 2016 y 2017. En términos de conclusión, se destacó la relación entre la distancia cultural, el género
y el perfil de los cursos en que los inmigrantes se inscribieron en relación con la búsqueda de atención psicológica y las
demandas de salud mental y educativa.
Palabras clave: Inmigrantes universitários; Movilidad acadêmica; Salud mental; Cuidado psicológico; Interculturalidad.
1 Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA – Foz do Iguaçu – PR – Brasil;
[email protected]
2 Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – Santa Catarina – SC – Brasil –
[email protected]
Psic. da Ed., São Paulo, 52, 1º sem. de 2021, pp. 64-73
Longe de casa: atendimento psicológico e indicadores de saúde mental de imigrantes universitários
Introdução
Com o recente processo de internacionalização
do ensino superior, passamos a ter cada vez mais a presença de imigrantes no contexto universitário (INEP,
2017). Para o imigrante, a entrada em uma universidade estrangeira tende a representar uma experiência
desejada e de expectativas positivas em relação ao seu
futuro profissional. Todavia, este percurso também
demanda um processo de adaptação cultural e acadêmica que pode derivar em sofrimento psíquico e
desestabilização emocional.
No que concerne à imigração e à inserção educacional, temos o fenômeno de imigrantes que objetivam
se inserir em espaços universitários em outros países.
Destes, há uma parcela que planeja a entrada no
ambiente universitário desde sua partida, ou seja, saem
de seus países com o propósito de alcançar maiores
possibilidades educacionais. Tais possibilidades repercutem não apenas em um projeto que vislumbre maior
qualidade de vida ao sujeito, mas podem estender seus
efeitos à família e à própria comunidade de origem,
visto que o retorno com os conhecimentos do país de
acolhida representa um impacto social para ambas.
Porém, também há aqueles que após algum
tempo residindo no país de destino, encontram na
oportunidade do ensino superior a possibilidade de
reconfiguração do seu projeto existencial. Dentre eles,
temos os imigrantes econômicos, que viajaram inicialmente para trabalhar e melhorar a condição financeira
familiar, e os imigrantes forçados, que não pretendiam
deixar seu país, suas casas e sua cultura, mas que por
terem suas vidas e sua dignidade humana colocadas
em risco, se deslocaram para outros países em busca
de segurança e recomeço.
Deste modo, e diante das características da
imigração e da internacionalização do ensino superior,
teremos no ambiente universitário: a) imigrantes que
se movem de forma autônoma, ou seja, universitários
que utilizam recursos financeiros próprios para realizar
seus estudos no exterior; b) imigrantes universitários
que obtiveram incentivos acadêmicos, que são aqueles
que recebem bolsa de estudos e se deslocam dentro
das lógicas e acordos de cooperação educacional entre
países e instituições; c) os que migram por razões
econômicas e recomeçam seus projetos de vida acadêmica; e, por último, d) os refugiados ou imigrantes
humanitários, que foram forçados a deixar seus países
e que encontram no acesso à universidade uma chance
65
de recomeçar (Silva-Ferreira & Martins-Borges, 2019;
Zamberlam, Corso, Bocchi, Filippin & külkamp,
2009).
Ao que diz respeito aos imigrantes universitários,
podemos defini-los como sujeitos que encontram na
possibilidade de qualificação profissional e pessoal a
realização ou reconfiguração de um projeto de vida
(Girardi & Martins-Borges, 2017). Porém, no presente
fenômeno é relevante que se observe as motivações do
imigrante para entrar em uma universidade estrangeira, considerando todas as variáveis de um processo
de interação cultural mediado pela diferença, tal como
língua, condições socioeconômicas, costumes, valores,
sistemas educacionais diferentes, preconceito racial,
étnico e de gênero. É relevante considerar que, apesar
de estar adentrando em um ambiente desejado, este
sujeito não está alheio aos impactos negativos da imigração. Ele está suscetível a um processo contínuo de
estresse decorrente da perda de elementos de proteção
psíquica, como a cultura fundadora, a rede de apoio
social, o status social anterior à imigração, a expressão
em língua primária, entre outros (Silva-Ferreira &
Martins-Borges, 2019).
Nesse sentido, destaca-se a opção de utilizar o
termo imigrante universitário em vez de termos mais
comuns na literatura, como estudante internacional
ou estudante estrangeiro, por exemplo. Esta escolha
se alicerça no ponto em comum frente às múltiplas
facetas migratórias e perfis que caracterizam estes
estudantes na atualidade, que já não se enquadram na
clássica mobilidade acadêmica temporalmente definida
(Silva-Ferreira & Martins-Borges, 2019; Zamberlam,
Corso, Bocchi, Filippin & külkamp, 2009). Tal ponto
em comum reside no fenômeno migratório e nas
dinâmicas intrínsecas a mudanças de cultura e de país.
Desta forma, se fez pertinente evocar o substantivo
“imigrante” como forma de apontar para especificidades e desafios oriundos do processo migratório e da
interculturalidade no ensino superior.
Em relação à saúde mental, é pertinente refletir o
quanto o próprio ambiente acadêmico e o seu percurso
podem se tornar fatores de risco para o sofrimento
psíquico à medida que intensificam lógicas de produtividade, competitividade e individualidade, por exemplo. De acordo com a pesquisa realizada pelo Fórum
Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários
e Estudantis em 2018 (Fonaprace, 2019), 83,3% dos
estudantes de graduação das instituições de ensino
federal no Brasil relataram dificuldades emocionais
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66
Alisson Vinicius Silva Ferreira, Lucienne Martins Borges
nos 12 meses antecedentes à pesquisa, sendo elas:
ansiedade (63,6 %), desânimo/desmotivação (45,6
%), insônia ou alterações do sono (32,7%), sensações
de desamparo/desespero (28,2%), solidão (23,5%),
tristeza persistente (22,9%), desatenção, desorientação, confusão mental (22,1%), problemas alimentares
(12,3%) e pensamento suicida (8,5%). Mesmo que a
pesquisa apresentada pelo Fonaprace (2019) não diferencie sintomas ligados a um quadro psicopatológico
e emoções oriundas da própria condição humana, não
se anula o pressuposto que a instituição universitária
e seus modelos de relação e desempenho podem contribuir para a emergência de um mal-estar psíquico.
A pesquisa indica ainda que os problemas emocionais
representam 23,7% das dificuldades que impactam no
desempenho acadêmico dos universitários.
No que concerne a temática da saúde mental
na universidade, existem os serviços de atenção psicológica destinados aos estudantes. No entanto, apesar
desses serviços terem surgido na década de 1950 para
estudantes de medicina e na década de 1970 para universitários em geral, ainda é escassa a literatura sobre o
tema no Brasil (Gonçalves & Pozobon, 2008). Todavia,
no que se refere à atenção psicológica a imigrantes
universitários, esta literatura se mostra praticamente
inexistente no país, conforme revisão bibliográfica
realizada por Silva-Ferreira e Martins-Borges (2019).
Diante de tal cenário, e com o objetivo de contribuir
para o escasso arcabouço teórico sobre os serviços de
atendimento psicológico a imigrantes universitários no
Brasil, a presente pesquisa se prontificou a investigar o
perfil e as principais demandas dos imigrantes universitários da universidade brasileira com maior número de
estudantes estrangeiros em 2015 (Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP, 2017).
A instituição em questão é a Universidade
Federal da Integração Latino-Americana (UNILA),
localizada na cidade de Foz do Iguaçu – PR, na tríplice
fronteira Brasil-Paraguai-Argentina. Ela foi criada em
2010 na gestão do ex-presidente Luís Inácio Lula da
Silva, com a finalidade de formar recursos humanos
aptos a contribuir para o desenvolvimento econômico,
cultural, político e científico da América Latina. Tal
projeto fez parte da política de democratização e expansão das vagas de ensino superior público que, dentre
outros objetivos, levaria o ensino superior gratuito a
regiões e classes sociais historicamente desfavorecidas.
A universidade ainda representa um dos efeitos da
política internacional brasileira naquele momento,
Psic. da Ed., São Paulo, 52, 1º sem. de 2021, pp. 64-73
que tinha como uma de suas diretrizes a cooperação
e o estreitamento das relações sul-sul, bem como o
desenvolvimento do Mercosul (Trindade et al., 2009).
A UNILA objetiva uma educação para além
das fronteiras territoriais e culturais e sua missão
integracionista resultou em um corpo discente dotado
de grande heterogeneidade cultural. A instituição, no
início do primeiro semestre de 2019, contava com
1.316 (25,15%) imigrantes universitários oriundos de
19 países da América latina e Caribe e ainda imigrantes
originários do Oriente Médio, Europa e África que
adentraram no Brasil devido à condição de refúgio
(UNILA, 2019).
O serviço de atendimento psicológico da UNILA
foi eleito como o contexto de pesquisa devido à intensa
internacionalização da universidade, o que demanda
uma atuação voltada para a interculturalidade e suas
nuances. A Seção de Psicologia (SEPSICO) faz parte do
Departamento de Apoio ao Estudante, órgão da Próreitoria de Assuntos Estudantis, que tem como objetivo
melhorar as condições de permanência e bem-estar psicossocial dos estudantes. A seção é composta por quatro psicólogos/as e oferece atendimentos aos estudantes
de graduação que apresentem demandas relacionadas
ao bem-estar psicossocial e desenvolvimento acadêmico. Além da oferta de atendimentos individuais,
os/as psicólogos/as da SEPSICO planejam e efetivam
ações de prevenção, promoção e restabelecimento da
saúde a partir da articulação com os demais setores da
universidade e da comunidade externa (UNILA, 2018).
Diante de tal cenário, o estudo apresenta as tendências
de utilização dos atendimentos individuais ofertados
pela Seção de Psicologia aos imigrantes universitários,
bem como as principais demandas e características da
população atendida.
Método
A presente investigação tem caráter descritivo e exploratório e utilizou a análise documental
como método para identificar o perfil e as principais
demandas dos estudantes estrangeiros que buscaram
atendimento no setor de psicologia da universidade.
A pesquisa documental consiste no levantamento e
análise das fontes secundárias, cujo material ainda não
recebeu tratamento analítico (Gil, 2002; Sampieri,
Collado & Lucio 2014).
Longe de casa: atendimento psicológico e indicadores de saúde mental de imigrantes universitários
Procedimentos
Os dados disponibilizados corresponderam às
informações gerais dos estudantes que buscaram o
serviço nos anos de 2016 e 2017. Tais dados foram
analisados por meio de estatística frequencial, sendo
eles: nacionalidade, sexo/gênero, idade, comparecimento e finalização do processo psicoterapêutico,
encaminhamentos, rendimento acadêmico, cursos e,
por fim, as principais demandas.
Resultados e discussão
Nacionalidades
Nos anos de 2016 e 2017 houve 225 solicitações
de atendimento por parte dos imigrantes universitários, o que indica uma média de 10,57% do total dos
imigrantes à procura de atendimento psicológico a
cada ano. Ou seja, um a cada dez estudantes estrangeiros procuraram o atendimento. Frequência semelhante
foi observada nas demandas dos estudantes brasileiros,
que foi de 11,08% no mesmo período. O equilíbrio
na busca por atendimento na Seção de Psicologia
entre estudantes brasileiros e imigrantes se contrapõe
aos resultados de pesquisa de Yakushko, Davidson e
Sanford-Martens (2008) e Lee et al., (2014) em universidades estadunidenses, onde, respectivamente, 1,8%
e 2,3% dos imigrantes universitários procuravam o
serviço de atenção psicológica. Um fator relevante a
ser considerado é como cada cultura se relaciona com a
representação da saúde mental e a facilidade de acesso
aos serviços em diferentes contextos.
Os imigrantes que mais procuraram o serviço
em números absolutos foram: colombianos/as (55),
paraguaios/as (49), bolivianos/as (22), peruanos/as
(21), equatorianos/as (17), haitianos/as (16), uruguaios/
as (13), chilenos/as (10), argentinos/as (08), venezuelanos/as (05), salvadorenhos/as (05), panamenhos/as
(02), dominicano/a (01). No entanto, ao calcularmos
a proporção entre as solicitações e o número total de
estudantes de cada país em cada ano, constatou-se
que os únicos que se configuraram abaixo da média
de 10,57%, foram os paraguaios/as, com 6,05%, e os
argentinos/as, com 5,19%. Ou seja, enquanto as outras
nacionalidades tinham ultrapassado ou estavam na
média de solicitação de um a cada dez estudantes, os
estudantes do Paraguai e da Argentina (Fronteiriços)
67
– que eram a primeira e quarta populações de imigrantes na universidade – solicitaram atendimento psicológico em uma média de um a cada vinte estudantes.
Tais dados, que retratam a diferença na busca por
atendimento psicológico entre os estudantes argentinos
e paraguaios, e demais estudantes estrangeiros, podem
ser compreendidos à luz da etnopsiquiatria, que ressalta a função da cultura como protetora do psiquismo
(Devereux, 1973; Martins-Borges & Pocreau, 2009).
Podemos considerar que apesar do fato de imigrarem, há indícios de que os impactos da imigração são
minimizados pela proximidade que esses estudantes
têm com seus países e sua cultura. Nesse sentido,
compreende-se que os sentimentos relacionados com
a separação, perda e o choque cultural estariam amortecidos pela proximidade com a família, amigos, os
pratos típicos, a língua materna – especialmente no
caso do Guarani –, a lógica de funcionamento de suas
sociedades, o clima etc. Pode-se pensar, igualmente,
que por ser uma região de fronteira onde ocorrem
trocas culturais constantes com esses dois países, esses
estudantes teriam maior conhecimento prévio da cultura brasileira, diminuindo, assim, o choque cultural.
Sexo e Gênero
A média de imigrantes universitários matriculados na universidade era de 53,9% de estudantes
do sexo masculino e 47,1% do sexo feminino. Tal
equilíbrio nos permite identificar o fenômeno social
da feminização das migrações (Assis, 2007; Dutra,
2017). Segundo as autoras, apesar de historicamente as
mulheres sempre fazerem parte dos fluxos migratórios,
elas praticamente eram invisibilizadas nas pesquisas.
Como podemos constatar, além de ser significativo,
esse movimento não ocorre apenas dentro das migrações familiares, mas cada vez mais na busca de autonomia e formação de ensino superior.
A partir das considerações dessa variável constatou-se que, dos imigrantes universitários que buscaram
o serviço de atenção psicológica, 64,89% eram do sexo
feminino e 35,11% do sexo masculino. Na população
de estudantes brasileiros, que era de 51,79% do sexo
feminino e 48,21% do sexo masculino, a taxa de procura pelo serviço foi de 62,15% de estudantes do sexo
feminino e 37,39% do sexo masculino e 0,44% dxs
que se declararam não-binários. Observamos que, em
geral, as mulheres buscaram mais o serviço de atenção
psicológica, independentemente de serem brasileiras
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Alisson Vinicius Silva Ferreira, Lucienne Martins Borges
ou estrangeiras, o que traz um dado novo em relação
às pesquisas de Chang (2007), Santiago et al., (2011),
Hwang, Bennett e Beauchemin, et al., (2014) e
Tidwell e Hanassab (2007), que apenas identificaram
que as imigrantes universitárias buscavam mais o
serviço de atenção psicológica do que os homens, sem
comparar com a busca de atendimento psicológico
entre homens e mulheres autóctones.
Idade e período do curso
A idade média dos imigrantes universitários que
buscaram o serviço foi de 23 anos. Foram atendidos
imigrantes que estavam entre o primeiro e o oitavo ano
de graduação. O segundo ano se mostrou – com uma
média de 28,23% das solicitações – como o momento
em que os estudantes mais procuraram o serviço de
atenção psicológica. Tal propensão à busca de apoio
psicológico nos primeiros anos do curso também foi
encontrada na pesquisa de Andrade e Teixeira (2009).
Tais dados remetem à importância da adaptação
pós-migração nos primeiros anos, sendo que os impactos no desenvolvimento acadêmico podem retardar a
conclusão do curso no tempo mínimo. Nesse sentido,
observa-se a importância dos programas de acolhimento institucional, como as tutorias e os apadrinhamentos, para que haja uma facilitação da integração
do estudante estrangeiro na universidade e na cidade
de destino.
Rendimento acadêmico
O Índice de rendimento acadêmico (IRA) médio
dos imigrantes que buscaram atendimento nos referidos anos do estudo foi de 6,84. O IRA é um dos
critérios para a manutenção de bolsas da universidade,
sendo que o mínimo satisfatório é que o estudante
mantivesse igual ou maior que seis. Dos estudantes
estrangeiros que procuraram o serviço, 74,6% tinham
IRA igual ou acima de seis, e 25,4% abaixo do considerado satisfatório. Importante esclarecer que o índice
igual ou acima de seis não garante a conclusão do curso
no tempo mínimo estipulado, visto este estar sujeito a
variáveis como o número de matrículas e as especificidades curriculares de cada curso. Porém, é útil como
parâmetro geral para a observação do rendimento
acadêmico dos estudantes.
A respeito do impacto na vida acadêmica, é
importante considerar que o imigrante universitário
Psic. da Ed., São Paulo, 52, 1º sem. de 2021, pp. 64-73
necessita se adaptar a diferentes metodologias de
ensino e avaliação, lidar com o desconhecimento das
regras e procedimentos acadêmicos, com a escassez
de documentos traduzidos e, principalmente, com a
aprendizagem de conteúdos complexos em uma língua
não materna (Castañeda, 2008; Santiago et al., 2011).
Tais diferenças acadêmicas podem ainda ser agravadas
devido ao etnocentrismo acadêmico, que consiste em
acentuada valorização da epistemologia da instituição
de acolhida e uma negação/indiferença aos conteúdos
de formação educativa e cultural do imigrante universitário (Marginson, 2014). Por exemplo, a ausência
ou desconsideração de bibliografia complementar na
língua do imigrante, a desvalorização do percurso
acadêmico no país de origem e os estereótipos educacionais em relação aos países. Tal posicionamento
pode produzir um verdadeiro “epistemicídio” que, por
sua vez, representa o assassinato do conhecimento do
imigrante (Santos, 2007).
Processo de atenção psicológica
A taxa de finalização do processo de atendimento
(acolhimento/aconselhamento psicológico ou psicoterapia breve) e/ou encaminhamento foi, em 2017, de
42,30% para os imigrantes, em comparação a 50,78%
dos brasileiros. A taxa de abandono entre imigrantes
e brasileiros se manteve semelhante, respectivamente
28,72% e 25%. Dos que ainda continuavam em
acompanhamento durante o início de 2018, a taxa de
imigrantes universitários era de 5,76% em relação a
2,61% dos brasileiros. No entanto, a taxa de não comparecimento em nenhuma sessão foi de 26,92% para
os imigrantes e 18,32% para os brasileiros. Verifica-se,
desta forma, que os imigrantes finalizaram em menor
número o processo de atenção psicológica e também
tinham um maior índice de não comparecimento a
nenhuma das sessões. Tais dados nos permitem conjecturar que tanto fatores individuais e culturais por parte
dos imigrantes, como a representação social em torno
do trabalho do psicólogo e a ausência de formação
para um atendimento intercultural, podem influenciar
o início e o desenvolvimento do processo terapêutico.
Encaminhamentos
Foram realizados 59 encaminhamentos a serviços
internos ou externos à UNILA. Destes se destacaram
os encaminhamentos externos (24) direcionados
Longe de casa: atendimento psicológico e indicadores de saúde mental de imigrantes universitários
a tratamentos emergenciais ou de médio e longo
prazo relacionados à saúde mental: Psiquiatria (12),
Psicoterapia (09), Centro de atenção psicossocial, CAPS
(03). Quanto aos encaminhamentos internos (19),
eles se concentraram principalmente nas demandas
pedagógicas e de orientação acadêmica, sendo 14 para a
Pró-reitoria de Graduação (PROGRAD) e seus respectivos setores, e 05 para a coordenação de curso e/ou
professor. Os outros encaminhamentos se destinaram
a setores distintos da área social, da saúde em geral e
administrativa: Serviço Social da PRAE (04), Centro
de Referência de Atendimento à Mulher, CRAM
(02), Departamento de Atenção à Saúde, DEAS (04),
Unidade Básica de Saúde, UBS (03), Pró-reitoria de
Relações Internacionais, PROINT (03).
Tais encaminhamentos demonstram a necessidade de trabalhos multiprofissionais e da criação de
69
uma rede institucional de apoio às demandas dos imigrantes. Destaca-se ainda que, para além dos serviços
disponibilizados na própria instituição, é necessária
uma articulação com a rede pública de saúde e de
assistência social do município, de forma que se possa
garantir um atendimento passível de acolher a diferença cultural do imigrante. Com relação às potenciais
dificuldades de acesso aos serviços, podemos destacar
o desconhecimento do próprio imigrante universitário
em relação à rede pública, as barreiras linguísticas, as
diferenças culturais em relação aos cuidados em saúde
e ainda o preconceito em relação ao direito do acesso
do imigrante aos serviços públicos.
Cursos
Tabela 1
Cursos dos imigrantes que buscaram atendimento na Seção de Psicologia
Engenharia Civil de Infraestrutura
Engenharia de Energia
Arquitetura e Urbanismo
Medicina
Relações Internacionais e Integração
Ciências Econômicas – Economia, Integração e Desenvolvimento
Ciências Biológicas – Ecologia e Biodiversidade
Saúde Coletiva
Cinema e Audiovisual
Letras, Artes e Mediação Cultural
Antropologia – Diversidade Cultural Latino-Americana
Letras, Espanhol-Português
Biotecnologia
Serviço Social
Ciência Política e Sociologia – Sociedade, Estado e Política na América Latina
Ciências da Natureza – Biologia, Física e Química
Engenharia Química
Engenharia Física
Administração Pública e Políticas Públicas
Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar
Engenharia de Materiais
História (Bacharelado e Licenciatura)
Filosofia – Licenciatura
Música
Geografia (Bacharelado e Licenciatura)
Matemática – Licenciatura
Química – Licenciatura
28
22
21
16
16
13
12
09
09
08
07
07
06
05
05
05
05
04
03
03
03
03
02
02
01
01
01
Fonte: Elaborado pelos autores.
Psic. da Ed., São Paulo, 52, 1º sem. de 2021, pp. 64-73
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Alisson Vinicius Silva Ferreira, Lucienne Martins Borges
Observa-se que os imigrantes universitários que
buscaram o serviço de psicologia são, em grande parte,
oriundos de cursos de maior reconhecimento social
e carga horária curricular. Na pesquisa de Rivello,
Assumpção e Freitas (2014), houve a constatação que
os imigrantes universitários da UNILA se concentravam em cursos com este perfil, o que também foi
encontrado em investigações em outras universidades
(Prieto-Welch, 2016; Subuhana, 2009). Segundo
os dois últimos autores, as expectativas familiares e
comunitárias em torno da formação em cursos de forte
valorização social no exterior, produzem motivação
para o estudante, mas também uma pressão para o
desempenho e o fantasma de uma dívida simbólica
frente à possibilidade de fracasso. Outro ponto a se
considerar é a dificuldade de acesso e permanência nesses cursos nos países de origem e as próprias demandas
de profissionais dessas áreas nos respectivos países.
Principais demandas
Neste item estão enumeradas as principais
demandas dos imigrantes universitários junto ao
serviço de psicologia da UNILA. Todavia, para fins
comparativos, também serão apresentadas as principais
demandas dos estudantes brasileiros. Importante destacar ainda que estão elencadas nas tabelas apenas as
demandas com representação acima de um por cento.
Tabela 2
Principais demandas dos imigrantes universitários entre 2016 e 2017
Demanda
1. Estados depressivos
2. Estados ansiosos
3. Dificuldades em se relacionar (solidão)
4. Insatisfação com o curso/universidade
5. Dificuldade de adaptação
6. Dificuldade com a organização e hábito de estudos
7. Dificuldade de ensino-aprendizagem
8. Dificuldade no relacionamento familiar
9. Dificuldade em relacionamento íntimo
10. Violência (Racismo, sexicismo, xenofobia)
11. Estresse
12. Alteração do sono
13. Dificuldade de atenção e concentração
14. Ideação ou tentativa de suicídio
15. Vulnerabilidade socioeconômica
16. Dificuldade de relacionamento com professores
17. Luto
18. Estados psicóticos/surto
19. Uso nocivo de substância psicoativas
20. Insegurança/baixa auto-estima
21. Busca de autoconhecimento
22. Maternidade: Gestação/Puerpério/Aborto
23. Transtorno de personalidade
Quantidade
42
35
31
26
25
24
18
17
16
13
12
11
11
10
09
08
07
07
06
05
05
05
05
Percentual
11,57%
9,64%
8,53%
7,16%
6,88%
6,81%
4,95%
4,68%
4,40%
3,57%
3,30%
3,03%
3,03%
2,75%
2,47%
2,20%
1,92%
1,92%
1,65%
1,37%
1,37%
1,37%
1,37%
Fonte: Elaborado pelos autores.
Pode-se observar nos dados, uma diversidade
de demandas que vai desde quadros psicopatológicos
a dificuldades de adaptação e integração social e educacional. Não obstante, também foram contabilizadas
as principais demandas dos universitários brasileiros
Psic. da Ed., São Paulo, 52, 1º sem. de 2021, pp. 64-73
no mesmo período. Destacou-se que a sintomatologia
e as demandas elencadas pelos profissionais entre as
duas populações se assemelhavam numericamente. No
entanto, um olhar mais atento possibilitou algumas
reflexões sobre as diferentes expressões de mal-estar e
Longe de casa: atendimento psicológico e indicadores de saúde mental de imigrantes universitários
os fatores de risco ao qual a população de imigrantes
universitários está exposta.
Constatou-se que, enquanto os imigrantes universitários manifestaram como principal demanda os
estados depressivos (11,57%), seguido dos estados
ansiosos (9,64%), os brasileiros tiveram proeminentemente os estados ansiosos como principal demanda
(18,77%). Ainda em relação aos quadros depressivos,
estes também foram os estados psicopatológicos com
maior destaque em diversas pesquisas com imigrantes
universitários (Chang, 2007; Han et al., 2013; PrietoWelch, 2016; Syed et al., 2008; Woodward, 2010;
Yakushko et al., 2008).
Podemos pensar que, de forma geral, o estado
depressivo tem como característica um desinvestimento da realidade. Neste sentido, há de se considerar
que um dos principais pontos da dinâmica do imigrante
é lidar com uma nova realidade, o que enseja refletir
sobre o simbolismo de não investir energia em uma
realidade que pode ser percebida como estranha e hostil. Outro ponto de consideração referente à dinâmica
do processo migratório diz respeito à necessidade de
elaboração do luto provocado pela desterritorialização,
que é representada pelo distanciamento das paisagens,
do clima, das pessoas, da língua, dos costumes, entre
outros, que compunham seu ambiente cultural.
Já os quadros de ansiedade patológica em imigrantes universitários também foram encontrados nas
investigações de Han et al., 2013; Sun, 2013. Tais
sintomas podem representar uma reação do aparelho
psíquico frente ao desconhecido. Nesse sentido a ansiedade representaria o conflito entre o mundo psíquico
e o novo ambiente cultural.
Outra demanda apresentada pelos imigrantes, e
que não se apresentou para a população de estudantes
brasileiros, é a dificuldade de adaptação em geral. Esta
facilmente pode ser compreendida à luz da necessidade
de adaptação e interação na nova cultura. Tal necessidade de adaptação sociocultural envolve, por exemplo,
o aprendizado da língua, a orientação espacial no novo
ambiente, a compreensão dos costumes e valores, a
compreensão das regras institucionais, das metodologias de ensino etc., que por sua vez geram um estresse
aculturativo nos imigrantes. Este quadro também se
destacou entre as principais demandas dos imigrantes
na pesquisa de Hwang et al. (2014).
Ainda com relação às diferentes sintomatologias,
destacou-se a presença da alteração do sono como uma
das principais demandas dos imigrantes. Segundo
71
Girardi e Martins-Borges (2017), tais somatizações
representam a expressão do mal-estar migratório por
meio do corpo e ocorrem frequentemente em imigrantes devido à ausência/dificuldade de interlocução com
o universo linguístico-cultural de origem.
A demanda de orientação profissional oriunda
da insatisfação com o curso/universidade se destacou
também na pesquisa de Andrade e Teixeira (2009), na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
e os problemas de relacionamento, nas pesquisas de
Hwang et al., (2014) e Yakushko et al. (2008), realizadas junto a serviços de aconselhamento em universidades estadunidenses.
Outro dado que chamou a atenção foi a presença
de casos graves de saúde mental, representados pelas
demandas decorrentes de ideação suicida ou tentativa
de suicídio (10) e surto psicótico (07). O exposto nos
faz refletir sobre a complexidade adicional que estes
casos apresentam; o imigrante universitário está longe
de sua rede de apoio, necessitará de profissionais com
habilidades para o atendimento intercultural, o qual
a ausência poderá constituir um fator de risco suplementar à situação de desamparo no momento de crise.
Tal complexidade foi também evidenciada na pesquisa
de Woodward (2010), com estudantes refugiados de
guerra que apresentavam sintomas de estresse pós-traumático, e na de Yakushko et al. (2008), nos EUA.
Considerações finais
Podemos considerar que, conforme os dados
encontrados na pesquisa, a distância cultural influenciou no fluxo das nacionalidades no serviço de psicologia, o que indica que as diferenças de processos
culturais e de processos migratórios são elementos
relevantes para se compreender o impacto da imigração junto a estes estudantes. Por outro lado, os dados
indicaram uma intensa demanda junto ao serviço de
psicologia, independentemente de serem estrangeiros
ou brasileiros, e que as mulheres tendem a buscar mais
o serviço de apoio psicológico. Sobre este último ponto
despertam-se questões para pesquisas posteriores, visto
que as mulheres estão mais dispostas ao autocuidado
via acolhimento psicológico, por que os homens tendem a buscar menos esse tipo de serviço? Seria apenas
a construção cultural em torno da masculinidade que,
de forma geral, aponta para a resistência na busca de
certos tipos de apoio que coloquem em dúvida significantes de virilidade, força e superação? Ou também os
Psic. da Ed., São Paulo, 52, 1º sem. de 2021, pp. 64-73
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Alisson Vinicius Silva Ferreira, Lucienne Martins Borges
fatores de risco e proteção destes dois grupos diferem
de tal forma que intensificam tal diferença na busca
de atendimento psicológico?
Observou-se ainda a demanda no início do curso,
a dificuldade acadêmica expressa pelo índice de rendimento e a potencial relação dessa dificuldade com
o perfil dos cursos em que a maioria dos imigrantes
universitários estava matriculado (período integral).
Tal observação também nos convoca a refletir sobre
a importância das ações preventivas mediante acolhimento cultural e acadêmico através de programas de
apadrinhamento, monitoria e tutoria para os imigrantes universitários em seu primeiro ano na universidade.
Não obstante, também surgiram as seguintes
indagações: (1) por que os imigrantes finalizaram em
menor número o processo de atenção psicológica e (2)
por que apresentaram maior índice de não comparecimento a nenhuma das sessões? Tais questionamentos
nos permitem conjecturar que possa haver necessidade
de aperfeiçoamento do descentramento cultural entre
os profissionais. No presente contexto, isto exige, por
exemplo, a possibilidade de atendimento em espanhol
e também a confecção de materiais informativos nas
línguas maternas dos imigrantes, informando sobre os
serviços disponíveis na instituição e na rede pública.
Os dados da SEPSICO mostraram ainda que
os encaminhamentos se deram para serviços de saúde
mental e setores de orientação pedagógica. Isso vai
ao encontro das principais demandas dos imigrantes,
cujas expressões se deram principalmente por estados
depressivos, ansiosos, dificuldade de relacionamento
e adaptação e também pela insatisfação com o curso/
universidade, dificuldade de organização dos estudos
e de ensino-aprendizagem.
Por fim, destaca-se a importância dos serviços
de apoio psicológico aos imigrantes universitários,
haja vista as especificidades de adaptação cultural,
acadêmica e o impacto provocado pela imigração
na saúde mental dos estudantes. No mais, como já
citado, se fazem pertinentes ações institucionais para
a melhor adaptação destes estudantes, o que inclui a
formação para um atendimento e acolhimento intercultural por parte dos psicólogos e demais servidores
das universidades.
Psic. da Ed., São Paulo, 52, 1º sem. de 2021, pp. 64-73
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Recebido em: 18 Ago. 2019
Aprovado em: 29 Jul. 2021
Psic. da Ed., São Paulo, 52, 1º sem. de 2021, pp. 64-73