Academia.eduAcademia.edu

“Fique Em Casa”

2020

The COVID-19 pandemic has caused many deaths worldwide. Public health measures have been taken to control the spread of the virus that causes the disease, including social distance. It is observed that this measure can impact on violence against women and, equally, favor intimate terrorism, heightening existing fears and curbing their sexual and reproductive rights. Considering this context, the aim of this article is to reflect on the intersections between violence against women, gender relations and the tool of social distance in times of COVID-19 pandemic, dealing particularly with intimate terrorism. An exploratory and descriptive study was carried out through a survey of documents in the public domain. Critical relational feminism, particularly Carole Pateman's ideas regarding the public\private dichotomy, and the theory of social representations served as the basis for the reflections developed. It was concluded that in order to prevent and curb violence, it is necessary t...

INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 “FIQUE EM CASA”: violência e terrorismo íntimo contra as mulheres em tempos de covid-191 “STAY AT HOME”: violence and intimate terrorism against women in times of covid-19 Adriane Roso2 UFSM: http://orcid.org/0000-0001-7471-133X Janine Gudolle de Souza3 UFSM: https://orcid.org/0000-0002-6477-4190 Caroline Matos Romio4 UFSM: https://orcid.org/0000-0002-5759-2831 Ana Flavia de Souza5 UFSM: https://orcid.org/0000-0002-0242-0119 DOI: https://doi.org/10.21680/1982-1662.2020v3n28ID21436 Resumo A pandemia da COVID-19 tem causado muitas mortes no mundo todo. Medidas de saúde pública foram tomadas para controlar a propagação do vírus causador da doença, dentre elas o distanciamento social. Observa-se que esta medida pode impactar na violência contra as mulheres e, igualmente, favorecer o terrorismo íntimo, acirrando medos já existentes e coibindo os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Considerando este contexto, o objetivo deste artigo é tecer reflexões acerca das intersecções entre violência contra as mulheres, as relações de gênero e a ferramenta de distanciamento social em tempos de pandemia da COVID-19, tratando particularmente do terrorismo íntimo. Foi realizado um estudo exploratório e descritivo por meio de um levantamento de documentos de domínio público. O feminismo relacional crítico, particularmente as ideias de Carole Pateman no que se Este artigo deriva das reflexões desenvolvidas em conjunto com o projeto de pesquisa “Politics of Reproduction in the Cyberworld: Studies on Contraceptive Technologies, (In)fertility, and Social Representations of Masculinities/ Femininities” que conta com o apoio do CNPq (Chamada CNPq 06/2019 - Bolsas de Produtividade em Pesquisa) e da FAPERGS (Edital 05/2019 – Programa Pesquisador Gaúcho – PqG). O Projeto tem como foco as políticas de reprodução e seus entrelaçamentos com representações sociais, identidades sociais, relações de gênero e políticas de saúde. 2 Email: [email protected] 3 Email: [email protected] 4 Email: [email protected] 5 Email: [email protected] 1 1 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 refere à dicotomia público/privado, e a Teoria das Representações Sociais serviram de base para as reflexões desenvolvidas. Conclui-se que para prevenir e coibir a violência, é necessário que se articule com a população modos de descontruir as representações sobre masculinidades, sobre o que é tornar-se mulher, sobre o que é violência e terrorismo e, acima de tudo, romper com a dicotomia entre a esfera pública e a esfera privada. Palavras-chave: Mulheres. Violência contra as mulheres. COVID-19. Pandemia. Abstract The COVID-19 pandemic has caused many deaths worldwide. Public health measures have been taken to control the spread of the virus that causes the disease, including social distance. It is observed that this measure can impact on violence against women and, equally, favor intimate terrorism, heightening existing fears and curbing women’s sexual and reproductive rights. Considering this context, the aim of this article is to reflect on the intersections between violence against women, gender relations and the tool of social distance in times of COVID-19 pandemic, dealing particularly with intimate terrorism. An exploratory and descriptive study was carried out through a survey of documents in the public domain. Critical relational feminism, particularly Carole Pateman's ideas regarding the public\private dichotomy, and the theory of social representations served as the basis for the reflections developed. It was concluded that in order to prevent and curb violence, it is necessary to articulate with the population ways of deconstructing representations about masculinities, about what it is to become a woman, about what is violence and terrorism and, above all, to rupture with the dichotomy between the public and private spheres. Keywords: Women. Violence against women. COVID-19. Pandemic. 2 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 Introdução Três acontecimentos de violência contra mulheres, escolhidos a partir de tantos outros narrados nas mídias online, para iniciar esse artigo. O primeiro acontecimento se refere a uma idosa que foi mantida em cárcere privado, em 2011, no porão de sua casa, por vários anos pelo ex-marido e por sua companheira em Sorocaba, São Paulo. A senhora vivia em condições sub-humanas, segundo os policiais que a encontraram, e estava sobre uma cama de concreto, praticamente despida e enrolada em um cobertor. O segundo acontecimento, em 2016, trata de uma jovem mantida em cativeiro por dois anos pelo próprio marido em Cuiabá, Mato Grosso. Ela era espancada, torturada, dopada por remédios, ameaçada pelo marido e impedida de se comunicar com a família. O terceiro acontecimento, em 2017, envolve um empresário que manteve em cárcere privado, em um apartamento sem mobílias, em Fortaleza no Ceará, por 19 anos, a esposa e os seis filhos. Os filhos não frequentavam escola, nem tinham atendimento médico ou amigos. Terrorismo íntimo, juntamente com a violência situacional de casal ou também denominada violência doméstica, é uma forma de violência íntima mais devastadora em termos de saúde física e mental (JOHNSON, 1995; JOHNSON; FERRARO, 2000; LIRA; MÉNDEZ, 2008; TIWARI et al., 2015). O terror é o fundamento desta prática usualmente realizada por homens, mas também perpetrada por mulheres, contra mulheres, principalmente, e contra homens. A expressão vem “misturada a um padrão geral de comportamentos controladores que indica que o agressor está tentando exercer controle geral sobre sua(seu) parceira(o)” (LIRA; MÉNDEZ, 2008, p. 476). Envolve intimidações corporais, ameaças verbais (inclusive de morte), ridicularização, desprezo, insultos, críticas, minimização dos sentimentos e das habilidades intelectuais e características físicas, a negação da identidade, necessidades e desejos das mulheres (IBIDEM). Os três acontecimentos que abriram esse artigo, ocorreram dentro de lugares que deveriam ser seguros, sagrados. As violências contra as mulheres são uma realidade histórica no nosso país. Elas são estruturais, sistemáticas e interdependentes de diferentes marcadores sociais interconectados, tais como gênero, raça/etnia, religiosidade. Estas práticas de terror antecedem o surgimento e propagação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), no final de 2019, na cidade de Wuhan, na China, e à declaração de uma pandemia no dia 11 de março de 2020 pela 3 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 Organização Mundial de Saúde (OMS) (HALLAL et al., 2020). No entanto, a violência contra as mulheres passou a ter destaque nas mídias, cuja pauta girava em torno da correlação entre o aumento da violência doméstica e as medidas de isolamento/distanciamento social durante a pandemia. O destaque nas mídias da violência doméstica em tempos de COVID-19, aparentemente, decorre da recomendação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) do distanciamento social. Embora a medida de distanciamento social seja necessária e tenha provado sua eficácia em países que a adotaram, ainda que tardiamente, a medida provocou não apenas pautas midiáticas, mas também inquietações e questionamentos no campo das ciências sociais e humanas e para os Estudos Feministas. Para alguns/mas cientistas e profissionais da saúde que pesquisam a violência contra as mulheres, a medida poderá não fazer sentido e causar um efeito aterrorizador, à medida que aumenta o risco da exposição à violência doméstica e também ao terrorismo íntimo, principalmente para aquelas mulheres que já têm histórico de violência dentro de seus domicílios. Para outras/os, a medida não altera essa característica social e cultural instituída historicamente. No caso do Brasil, entendemos que esta pauta tomou contornos bastante peculiares e preocupantes, transformando-se em “batalha política” (JORNAL DO BRASIL, 2020), dividindo a população em dois grupos bem polarizados: os favoráveis e os contrários. Os primeiros sustentam seus argumentos e práticas nas recomendações da OMS e outras instâncias de saúde, como a Sociedade Brasileira de Infectologia e Sociedade Brasileira de Hipertensão. O distanciamento social é compreendido como medida protetiva à saúde da população em geral no que tange à disseminação da doença. Os segundos apoiam-se no discurso e comportamento do Presidente Jair Bolsonaro que minimiza a gravidade da pandemia ao afirmar que a mídia está “superdimensionando o poder desse vírus, não é isso tudo que a grande mídia propaga pelo mundo todo, está havendo uma histeria, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar [...]” (O GLOBO, 2020, on-line). Para este grupo, a defesa pelo fim do distanciamento sustenta-se no prejuízo que tal medida causa na economia. Todavia, ainda que a preocupação em relação à economia mereça atenção, não podemos desconsiderar que, no momento em que escrevemos este artigo, ainda há uma imensa subnotificação de casos e mortes, devido à baixa testagem realizada, 4 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 não sendo possível identificar com exatidão o número de casos no país, diferente de países que tiveram sucesso no controle devido à testagem em massa. A taxa de contágio ainda é considerada alta, a população tem resistência a aderir as medidas de isolamento social voluntário, além de que há dificuldades de gestores públicos em reconhecer a situação grave existente (BARRUCHO, 2020). Com relação à possível intensificação das violências contra as mulheres e do terrorismo íntimo, problemáticas centrais deste artigo, como salientado no documento produzido pela Organização das Nações Unidas (ONU Mulheres, 2020b), situações de emergência aumentam os riscos a violências para meninas e mulheres, especialmente à violência doméstica. As mulheres em situação de violência acabam por “enfrentar obstáculos adicionais para fugir de situações violentas ou acessar ordens de proteção que salvam vidas e/ou serviços essenciais devido a fatores como restrições ao movimento em quarentena” (ONU Mulheres, 2020b, p. 2). De fato, como alertam Bradbury-Jones e Isham (2020), vivemos em nível global um paradoxo pandêmico, já que para se proteger do adoecimento causado pela COVID-19 as mulheres acabam mais expostas à violência doméstica. Isso ocorre porque o lar pode ser um lugar onde a dinâmica do poder pode ser distorcida e subvertida por aqueles que abusam. Assim, a medida de distanciamento social “fique em casa” torna-se um paradoxo per se que merece ser estudado. Permanecer em casa pode impactar na prática de violência contra as mulheres e, igualmente, favorecer terrorismo íntimo, acirrando medos já existentes, agravando ansiedades e inseguranças, afetando a saúde mental das mulheres e coibindo seus direitos sexuais e reprodutivos. Ao mesmo tempo em que devemos lidar com a pandemia do novo coronavírus e realizar todos os cuidados necessários para frear a disseminação, precisamos também lidar com outra pandemia mais antiga, que pode ser considerada mais “silenciosa”, que é a violência doméstica e suas diferentes formas, dentre elas o terrorismo íntimo contra as mulheres. Silenciosa não apenas no sentido do abafamento das vozes das mulheres que sofrem diretamente as violências, mas relativo, principalmente, ao silêncio que as pessoas, os familiares, os amigos, o Estado e a sociedade em geral adotam frente às situações de violência dentro de espaços privados. “Todo mundo que mora aqui ou trabalha próximo suspeitava que acontecia algo de estranho naquele apartamento. 5 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 Na verdade, tinha pessoas que sabiam, mas todo mundo tinha medo de se meter, né?” (TRIBUNA DO NORTE, APUD JOSÉ, 2017, on-line), argumenta um dos vizinhos do empresário que encarcerou sua família (Acontecimento 3). Os acontecimentos narrados no início desse artigo nos provocam muitas perguntas: Por que não se “suspeita” de que pode haver pessoas aprisionadas em seus próprios espaços privados? Por que não se resolve, ou se age tardiamente, (n)esses acontecimentos? Por que uma relação chega a este ponto? O que os casos de violência doméstica e terrorismo íntimo nos dizem sobre as relações de gênero e sobre o mundo em que vivemos? Como medidas específicas de proteção à saúde das populações em tempos de pandemia incidem sobre as mulheres que já sofriam violência antes mesmo do coronavírus fazer parte de nossa realidade? Entendemos que existe uma relação entre a violência contra as mulheres e as representações de masculinidades, ao ponto de dificultar a quebra de mitos populares que conduzem a práticas do tipo “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” e a instauração do slogan feminista “O pessoal é político”. Sabemos que a “associação entre homens e violência está bem estabelecida na literatura acadêmica” (EDLEY, 2017, p. 12). Vivemos em um mundo manifestamente generificado, no qual testemunhamos uma “normalização da masculinidade” onde as mulheres têm sido vistas como exóticas e os homens como normais, pessoas comuns, que não precisam ser estudados (EDLEY, 2017). Essa visão é sustentada pelo patriarcado e pelo sistema liberal, que fabricam e insistem na ideia de que ao homem a esfera pública é um direito, às mulheres os espaços privados são o único domínio possível. Mais do que nunca, em tempos de pandemia, quando medidas de distanciamento possuem significados e efeitos diversos, precisamos indagar também sobre “as ambiguidades do público e do privado no patriarcalismo-liberal” (PATEMAN, 1983, p. 295). Junto a isso, devemos considerar gênero sob a perspectiva relacional, não apenas atentando para esta problemática, como muitas feministas têm feito, com foco exclusivo nos sentimentos e experiências das mulheres. A violência doméstica e o terrorismo íntimo acarretam sofrimento tanto para homens quanto para mulheres, ainda que sejam experiências diferenciadas. Neste artigo, temos como objetivo tecer reflexões acerca das possíveis intersecções entre violência contra as mulheres, as relações de gênero e a medida 6 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 de distanciamento social em tempos de pandemia da COVID-19, tratando particularmente do terrorismo íntimo. Especificamente, pretendemos (a) levantar informações sobre a violência doméstica contra as mulheres durante a pandemia no contexto global e nacional, (b) identificar as ações estratégicas adotadas frente a tal contexto e (c) especular sobre o terrorismo íntimo enquanto uma insurgência radical por parte do/a perpetrador/a que denuncia ao Estado as inequidades de gênero em sociedades patriarcais e neoliberais. A pergunta que orienta nossas reflexões é: como são os efeitos da pandemia da COVID-19 na produção da violência doméstica e do terrorismo íntimo contra mulheres? Para responder aos objetivos, realizamos um estudo exploratório e descritivo através de um levantamento de documentos de domínio público. Considerando que a pandemia da COVID-19 é recente e ainda não conhecemos suficientemente seus desdobramentos no que tange à saúde das mulheres e às relações de gênero, esta escrita, de cunho reflexivo, torna-se relevante e fundamental. Descrever e pensar sobre tais experiências não só serve para entendermos o que tem sido proposto no período de distanciamento social, mas também pode contribuir para criarmos ações permanentes tanto no combate à violência quanto na promoção à equidade de gênero. Os documentos foram escolhidos a partir de amostragem proposital ou por oportunidade, cuja facilidade de acesso é o que prevalece no processo de pesquisa (LEWIN, 2015). Escolhemos documentos derivados de grupos midiáticos com ampla circulação, documentos de pequena mídia (jornais locais), dados e informações divulgados pelos órgãos públicos em suas mídias digitais, artigos científicos, orientações advindas de órgãos internacionais de promoção de saúde (ONU) e vídeos que remetessem à problemática estudada. A busca pelos materiais que embasaram esta pesquisa ocorreu em diferentes mecanismos de busca (Google Acadêmico®, YouTube®, Twitter®, Facebook®, Scielo) durante os meses de março, abril e maio de 2020, por meio de palavras-chave “violência contra as mulheres” OR “violência doméstica” AND “pandemia”, “coronavírus”, “COVID-19”. A partir dos resultados desta procura fomos selecionando matérias que se mostravam pertinentes para nossa problematização e que atendessem nossos objetivos. Não tivemos pretensão de levantar todos os materiais publicados em relação à temática, mas, sim, encontrar fontes que auxiliassem na problematização do assunto, contribuindo para o 7 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 entendimento da violência doméstica e do terrorismo íntimo em tempos de pandemia e seu caráter generificado. Este último aspecto merece muita atenção haja vista que os “impactos de gênero das epidemias de doenças infecciosas são menos compreendidos e reconhecidos” (ROESCH et al., 2020, p. 1). Desenvolvimento entre o silêncio público e o sofrimento privado A leitura do material foi conduzida em três níveis de reflexão e análise. O primeiro consiste em um levantamento sobre a violência doméstica contra as mulheres durante a pandemia causada pela COVID-19 no contexto global e nacional. O segundo nível envolveu identificar as ações estratégicas adotadas frente a tal situação. No terceiro nível, conceituamos terrorismo íntimo e realizamos alguns apontamentos referentes ao dualismo público/privado na interface com a violência. Partimos de uma visão crítica de ciências sociais e humanas a qual visa a ruptura com o dualismo cartesiano, o positivismo cientificista, a tendência à universalização dos fenômenos sociais, o ideal de neutralidade e a objetividade na produção do conhecimento. O feminismo relacional crítico, particularmente as ideias defendidas por Pateman (1983), serviu de base para desenvolvermos nossas reflexões, colocando em evidência as críticas feministas sobre a dicotomia entre o público e o privado. Defendemos que o horizonte de equidade de gênero e o foco relacional ao invés de dual/biologicista, no que se refere aos direitos sexuais e reprodutivos e ao acesso democrático às instâncias de controle social, pode auxiliar na construção de estratégias de enfrentamento às violências contra mulheres e homens. Violência contra as mulheres em tempos de pandemia: quando a diminuição no registro de violência não significa diminuição da violência Dados recentes mostram que, desde o início da COVID-19, a violência contra as mulheres, e particularmente a violência doméstica, aumentou em vários países à medida que preocupações com segurança, saúde e dinheiro criam tensões acentuadas pelas condições de vida apertadas do confinamento. Cabe sinalizar que mais da metade da população mundial estava em condições de distanciamento social ou confinamento no início de abril (ONU Mulheres, 2020a). Entender a própria casa 8 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 como um lugar de aconchego, proteção e descanso deveria ser um direito básico, no entanto, acaba se tornando um privilégio de classe, gênero (VIEIRA; GARCIA; MACIEL, 2020) e igualmente geracional, já que as mulheres com idade superior a 60 anos têm sido consideradas mais vulneráveis à COVID-19. No que se refere aos dados mundiais, percebe-se que as violências já existentes se agravam e concomitante a isso novos casos surgem. Desde a adoção das medidas de distanciamento social, em países como a França, a República do Chipre e Singapura, houve um aumento de aproximadamente 30% nas denúncias, na China, os números de violência doméstica triplicaram (MELO et al., 2020) com muitos relatos de mulheres em uma rede social chinesa utilizando a hashtag #AntiDomesticViolenceDuringEpidemic (REVISTA GALILEU, 2020). Conforme matéria da ONU Brasil (2020), constata-se que o Líbano e a Malásia também apresentaram um aumento no número de ligações para as linhas telefônicas de ajuda, em comparação com 2019. Na Austrália, houve um aumento no número de buscas no Google com o termo “violência doméstica” em comparação com dados dos últimos cinco anos. No Canadá, Alemanha, Espanha, Reino Unido e EUA, autoridades governamentais, mulheres ativistas de direitos humanos e parceiros da sociedade civil indicaram relatórios crescentes de violência doméstica durante a crise e aumento da demanda por abrigos de emergência (ONU Mulheres, 2020a). Ainda, deve-se considerar que 70% das pessoas que trabalham no setor social e de saúde, globalmente, são mulheres. Elas estão na linha de frente na resposta à pandemia, sendo profissionais de saúde, cientistas, médicas, dentre outras. Além disso, elas têm três vezes mais cuidados não remunerados em casa do que os homens (ONU Mulheres, 2020b). Nesse caso, podemos destacar os paradoxos em relação ao “lugar das mulheres” na nossa sociedade, que oscilam entre o velho e o novo, como salientam Santos, Duarte e Trindade (2020). As autoras ressaltam que ao mesmo tempo em que as mulheres correm riscos estando à frente dos cuidados em saúde na pandemia, uma considerável parcela da população também se encontra em risco por estar em casa devido à violência. Por sua vez, ainda que a América Latina e o Caribe tenham se convertido em regiões com legislação e políticas públicas bastante avançadas no que concerne à violência contra mulheres, essas regiões apresentam as maiores taxas de violência 9 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 sexual do mundo e a segunda taxa de maior violência por parte de ex-parceiro (ONU Mujeres, 2017). Na Argentina, o caso divulgado pelo jornal El País sinalizou a preocupação com a violência doméstica, já que uma mulher e sua filha foram assassinadas durante a quarentena. O movimento “Nem uma a menos” convocou protestos para alertar o aumento da violência e exigir medidas de proteção (CENTENERA, 2020). A República Dominicana está entre os países da América Latina com maiores índices de violência contra as mulheres. De acordo com o documento Feminicidios en la República Dominicana, de 2016 até 2018, registrou-se a morte violenta de 320 mulheres por questões de gênero (POLO, 2019). Com a entrada da COVID-19, observou-se uma diminuição nas denúncias contra violência doméstica. A ministra da Mulher, Janet Camilo, em entrevista, afirma que, nos primeiros dez dias de confinamento, os telefones de atendimento às vítimas receberam 238 ligações, número inferior ao normal, algo que a ministra atribui ao medo do vírus (EFE, 2020). O estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) (BUENO et al., 2020) mostra que houve redução nos registros de ocorrências de violência doméstica durante a pandemia em alguns estados. No estado do Pará, houve uma redução de 49,1% no total de ocorrências registradas entre os dias 19 de março e 02 de abril, ao comparar com o mesmo período do ano de 2019. No caso das lesões corporais dolosas no estado do Mato Grosso os registros apresentaram queda de 21,9%, comparando março de 2019 com março de 2020. Já no Rio Grande do Sul, os registros de agressão em decorrência da violência doméstica apresentaram uma queda de 9,4% em março deste ano em comparação com março de 2019, no Acre a queda foi de 28,6%, no Ceará de 29,1% e no Pará de 13,2%. Apenas no Rio Grande do Norte se verificou crescimento dos registros desse tipo de violência, o aumento foi de 34% em relação ao mesmo mês de 2019, deve-se considerar que o isolamento no Estado começou mais tarde que nos outros estados mencionados. Os registros de ameaça às mulheres apresentaram redução, sendo que o estado do Pará foi o que apresentou maior redução, 27,9%. No Mato Grosso 21,3% e no Rio Grande do Sul 22,5%. No Rio Grande do Norte os registros de ameaça aumentaram 54,3%. Em relação às denúncias, no Brasil o número total caiu de 8.440 em março de 2019 para 7.714 em março de 2020, redução de 8,6%. Todavia, embora tenha ocorrido uma diminuição dos registros de lesão corporal e de solicitações de 10 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 medida protetiva, isso não reflete a realidade da violência doméstica no Brasil, pode representar apenas que as mulheres estão tendo dificuldades para realizarem denúncias (BUENO et al., 2020). O Instituto Maria da Penha (2020) também alerta para o fato de que a redução do número de denúncias não significa que os casos de violência diminuíram. Segundo dados do FBSP (BUENO et al., 2020), houve crescimento da letalidade derivada da violência contra as mulheres. Para averiguar mais a fundo este crescimento, o FBSP, em parceria com a Decode6, realizou monitoramento nas postagens no Twitter contendo relatos de brigas de casais de vizinhos. A Decode coletou mais de 52 mil menções contendo algum indicativo de briga entre casais vizinhos realizadas entre fevereiro e abril deste ano. Após filtrar apenas as mensagens que indicassem a ocorrência de violência doméstica, resultaram em 5.583 menções. Quando analisados, nos dados por mês, há um aumento de 431% entre fevereiro e abril, ou seja, os relatos de brigas de casal com indícios de violência doméstica aumentaram quatro vezes, o que corrobora que há um incremento da violência durante a quarentena. Informações específicas sobre cárcere privado são limitadas, na pesquisa bianual feita pelo Senado brasileiro, por exemplo, não encontramos dados sobre esta tipificação de violência (BRASIL, 2017). Outras fontes indicam que a cada duas horas e meia, em média, uma mulher reportou ao Ligue 180 ser vítima de cárcere privado em 2015. De janeiro a outubro de 2015, houve um aumento de 300% de denúncias de cárcere privado (DIÓGENES, 2015). Em 2018, o Sistema Integrado de Atendimento à Mulher registrou denúncias de 3.065 situações de cárcere privado. Em 2019, no período de janeiro a junho, o Sistema de Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (SONDHA) recebeu o total de 1.243 denúncias de cárcere privado (BRASIL, 2019). Para 2020, durante a pandemia da COVID-19 não foi possível encontrar informações científicas precisas. Em Minas Gerais, os casos consumados de cárcere privado em março de 2020 caíram de 18 para 16 em comparação ao ano anterior (OLIVEIRA; FRANCO, 2020). Por outro lado, profissionais da área do direito denunciam que as mulheres estão sendo colocadas em cárcere privado durante a pandemia (SOUZA, 2020). 6 Empresa com grande experiência em mineração de dados em redes sociais. Analisou relatos de brigas de casais e violência doméstica nas redes sociais entre fevereiro e abril de 2020 (BUENO et al. 2020). 11 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 Por fim, queremos comentar sobre o enquadramento dos discursos das grandes mídias e do impacto destas na construção das representações acerca da violência e das masculinidades. Ainda que as mídias tenham a função relevante de informar e também denunciar sobre as violências, é preciso relembrar que elas constroem representações conforme seus interesses. Por meio do processo comunicacional, elas irão desempenhar “um papel crítico na produção e circulação de representações sociais, à medida que ideias sobre objetos e eventos sociais circulam em público e são incorporadas em representações sociais” (SAMMUT et al., 2015, p. 8). Reconhecer o lugar de fala da mídia no processo de construção das representações nos dirige a pensar nos riscos e consequências de discursos midiáticos que correlacionam a pandemia com o aumento da violência contra as mulheres. Como alertam Williamson, Lombard e Brooks-Hay (2020), as narrativas midiáticas sobre violência doméstica durante o distanciamento social, do tipo “Assassinos do coronavírus” (Coronavirus murders), são erradas e danosas. Os autores criticam as mídias que correlacionam a violência doméstica exclusivamente à pandemia, argumentando que esta abordagem reduz a complexidade do fenômeno e desresponsabiliza os seus autores e a sociedade em dar respostas mais efetivas para a violência doméstica. Assim, a violência doméstica adquire aspectos contextuais, dando a ilusão de que encerrada a pandemia se encerrariam os casos de violência doméstica. Entendemos, por tanto, que é preciso uma “pedagogia para os comunicadores” que promova a discussão sobre a “força” de seus discursos sobre a possibilidade de transformar representações sociais no campo das violências. Estratégias de enfrentamento durante a pandemia: do contexto internacional ao nacional Contexto Internacional Ainda que as mulheres que sofrem violência, ou testemunhas da violência, tenham meios para realizar a denúncia, à medida que diversos serviços de saúde, incluindo serviços de saúde reprodutiva, call center, abrigos, assistência e proteção jurídica e serviços de aconselhamento, começaram a ser reduzidos devido à pandemia, o risco das mulheres submetidas à violência terem menos oportunidade de receber apoio e serem encaminhadas para acolhimento aumenta (ROESCH et al., 2020). Nesse sentido, a comunidade científica, os profissionais de saúde, os 12 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 movimentos sociais e as organizações que lutam pela saúde das populações começaram a se organizar rapidamente e propor ações de enfrentamento à violência contra as mulheres no período de pandemia. Muitas das ações que visam a proteção das mulheres em tempos de COVID-19 partem da ONU, a qual recomenda que os países estabeleçam sistemas de alerta de emergência em farmácias e mercados; garantam que os sistemas judiciais continuem funcionando e que os agressores sejam processados; que aumentem o investimento em serviços online; que considerem os abrigos para mulheres em situação de violência como serviços essenciais; que haja a criação de formas seguras para as mulheres buscarem apoio e também que ampliem campanhas de conscientização pública (ONU Brasil, 2020a). Pode-se observar que essas recomendações estão presentes, parcialmente ou integralmente, em alguns países. A França anunciou diversas medidas para enfrentamento da violência doméstica no país, dentre elas destacamos o pagamento de quartos de hotel para mulheres em situação de violência, abertura de centros de aconselhamento e de 20 novos centros em lojas para que as mulheres busquem ajuda enquanto fazem compras e também uma verba extra de 1 milhão de euros para organizações de ajuda a mulheres que sofrem violência (CATRACA LIVRE, 2020). Os EUA criaram acesso remoto para registrar pedidos de proteção contra agressores por telefone ou e-mail e as linhas nacionais de denúncia a violência doméstica continuaram em funcionamento (BUENO et al., 2020). Além disso, foram criadas campanhas que buscam conscientizar e trazer à tona discussões com o propósito de combater a violência de gênero. A campanha #HeForSheAtHome ou #ElesPorElasEmCasa é um exemplo 7. O objetivo é destacar o que as mulheres vêm passando em tempos de isolamento e incentivar os homens a fazerem a sua parte também. A campanha procura inspirar os homens a assumirem tarefas e equilibrar o trabalho diário em suas famílias (ONU Mulheres, 2020c) e deriva do movimento mundial “HeForShe” (no Brasil “ElesPorElas”), lançado em 2014, cujo objetivo é engajar homens e meninos para novas relações de gênero sem atitudes e comportamentos machistas (ONU Mulheres, 2020b). 7 Este movimento iniciou-se em 2015, na Argentina, após o assassinato de uma gestante adolescente pelo seu namorado, também adolescente. Jornalistas, escritores, ativistas sociais se mobilizaram para reivindicar o fim dos feminicídios. Disponível em: http://niunamenos.org.ar 13 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 Alguns países criaram estratégias de denúncia para atender mulheres em risco durante o período da pandemia. Na Argentina, por exemplo, qualquer mulher que se aproximar de um vendedor ou ligar para uma farmácia pedindo por uma “máscara vermelha” (barbijo rojo) irá receber ajuda e será encaminhada para uma central telefônica que atende casos de violência doméstica no país e funciona 24 horas. A ligação é anônima, gratuita e nacional. Este canal oferece informações e também aconselhamento sobre diversas violências como: física, psicológica, sexual, econômica e patrimonial e simbólica (O GLOBO, 2020). Estratégia similar foi adotada pela Espanha, que lançou um serviço pelo WhatsApp para que mulheres que estão em casa possam solicitar ajuda e também possam ir em farmácias, utilizando a palavra “Máscara 19” para acionar as autoridades (BUENO et al., 2020). O setor não-governamental, em parceria com o setor privado, também se movimentou para atender às novas demandas da pandemia. A ISA.bot é uma ferramenta de acolhimento e informações, que oferece respostas e orientações rápidas para mulheres que sofreram violência doméstica ou online. Foi desenvolvida com o apoio do Facebook, Google e ONU Mulheres, pelo Conexões que Salvam, da ONG Think Olga, e pelo Mapa do Acolhimento, do Nossas.org. 8 Ao iniciarmos o chat pelo Messenger® ou Google Assistente®, uma robô oferece ajuda para se ter uma experiência mais segura na internet, trazendo informações e oferecendo acolhimento. Complementa: “No atual contexto de isolamento pela pandemia da COVID-19, também te ofereço informações e auxílio para situações de violência doméstica”. Além disso, a robô oferece informações sobre linhas de atendimento, como o 190 e 180, e informa sobre outras ferramentas que estão disponíveis de forma online. Contexto Brasileiro O que tem sido pensado e oferecido como estratégia para o enfrentamento à violência no território brasileiro em tempos de COVID-19? O Governo Federal do Brasil propõe diferentes ações para controle da COVID-19 e situações decorrentes do isolamento social que envolve todos os Ministérios existentes, dentre as ações podemos citar: a Portaria nº 86 do Governo Federal, que garante atendimento pelo 8 Disponível em: https://www.isabot.org. Acesso em: 18 jun. 2020. 14 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 SUAS às mulheres vítimas de violência doméstica; Auxilio Emergencial; incentivo a pesquisas sobre a COVID-19 (AGÊNCIA BRASIL, 2020b). Em consonância com as diretrizes da ONU, com o aumento de violência contra mulheres no Brasil e com o aumento de 9% nas ligações para o 180 de 11 a 24 março, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos se manifestou através de um ofício circular9 sobre as ações de enfrentamento necessárias para o período de pandemia. A Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres descreve doze ações, dentre elas destacamos: manter serviços da rede de atendimento, com a devida segurança dos/as profissionais; atualizar quais serviços estão em funcionamento e seus respectivos horários; disponibilizar materiais informativos nos estabelecimentos abertos e também nos sítios eletrônicos; e ainda criar comitês de enfrentamento à violência no contexto da COVID-19. No momento em que compreendemos que estar em casa pode representar risco para muitas mulheres, além de pensar sobre as ações para enfrentar e conter a disseminação do novo coronavírus, é necessário articular políticas públicas para o enfrentamento da violência. É importante o monitoramento das medidas de proteção e também a articulação das políticas de Saúde e Assistência Social nos municípios (SANTOS; DUARTE; TRINDADE, 2020). Outras medidas institucionais são destacadas por Marques et al. (2020), tais como garantir a agilidade do julgamento das denúncias de violência contra a mulher e reforçar as campanhas publicitárias que tenham como foco central a importância de que todos “metam a colher em briga de marido e mulher”. No nível individual, os autores sugerem que as mulheres em situação de violência sejam acompanhadas de familiares durante o distanciamento social e, em situações extremas, elas mantenham o telefone celular protegido e criem um plano de fuga seguro. Para além de indicações e sugestões, podemos visualizar ações que já estão sendo tomadas por diferentes instituições e instâncias. A Câmara dos Deputados, por exemplo, aprovou em maio um Projeto de Lei que assegura medidas de combate e prevenção à violência doméstica durante a calamidade pública e o estado de emergência declarados em decorrência da COVID-19. Destacamos que o Projeto prevê que os serviços que acolhem as mulheres em situação de violência doméstica 9 Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/marco/ministeriorecomenda-que-organismos-de-politicas-para-mulheres-nao-paralisematendimento/SEI_MDH1136114.pdf. Acesso em: 22 mai. 2020. 15 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 sejam reconhecidos como atividade essencial; garante o exame de corpo de delito em caso de violência doméstica ou violência contra a mulher; estabelece que órgãos de segurança devem disponibilizar canais de comunicação para atendimento virtual de situação que envolva violência contra a mulher; prevê que a vítima de violência doméstica possa solicitar medida protetiva pelo serviço de atendimento online. O Projeto depende de aprovação no Senado (AGÊNCIA SENADO, 2020). O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) criou a campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, que incentiva que as mulheres que sofrem violência desenhem um X vermelho na palma da mão e mostrem para o atendente ou o farmacêutico. Este será capacitado a entender que se trata de uma denúncia e deverá, em seguida, acionar a polícia e encaminhar o acolhimento da vítima (AGÊNCIA BRASIL, 2020c). A Polícia Civil de Mogi das Cruzes também criou ferramentas para receber denúncias e prestar suporte a mulheres em situação de violência doméstica durante o isolamento, sendo que houve um aumento de 9% nas ligações para o 180. Além da denúncia continuar sendo realizada de forma presencial, agora é possível registrar Boletim de Ocorrência em caso de violência doméstica através da internet. A tecnologia é uma aliada, mas pode não atender todas as mulheres que vivenciam violência em seus lares, por isso a importância de continuar com os atendimentos presenciais em tais casos, sendo que o atendimento a mulheres em situação de violência é urgente devido ao estado emocional e de vulnerabilidade que podem se encontrar (CASTRO, 2020). A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo encaminhou ofícios ao Conselho Nacional de Justiça para pedir ao judiciário a prorrogação automática das medidas protetivas de urgência concedidas às mulheres em situação de violência doméstica, evitando, no período de pandemia, que a mulher necessite ir até o fórum para renová-las; ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foi pedido que haja intensificação das campanhas de prevenção e de informação sobre a violência doméstica, com fim de que as mulheres possam ter ciência de serviços e redes de atendimento que podem estar acionando (CASTRO, 2020). Diversas estratégias que visam proteger e coibir a violência têm sido desenvolvidas e utilizadas no Brasil como forma de auxiliar mulheres que sofrem violência doméstica antes mesmo da pandemia, como por exemplo o Projeto 16 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 Borboleta, no Rio Grande do Sul, que continua reunindo virtualmente as mulheres durante a pandemia (CAVALHEIRO, 2020). Outro exemplo parte da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSPRS) que disponibilizou um número de celular para as denúncias serem feitas. Aliado a isso, a Patrulha Maria da Penha, da Brigada Militar, ampliou o atendimento de 46 para 84 cidades do estado (ASCOM BM, 2020). No contexto nacional, outra estratégia é a criação do aplicativo “Direitos Humanos BRASIL” e um portal, desenvolvidos exclusivamente para enfrentar a violência doméstica nesta pandemia (AGÊNCIA BRASIL, 2020a). O número de municípios contemplados pelo programa Patrulha Maria da Penha teve aumento de 82%. Tal programa busca somar esforços com a rede de proteção do estado para redução dos casos de feminicídio e da violência contra as mulheres. Até início de abril de 2020, 5.039 mulheres em situação de violência doméstica foram cadastradas, passando a receber visitas dos policiais militares com o intuito de verificar o cumprimento das medidas protetivas. Foram realizadas 7.460 visitas, mantendo a rede de proteção atenta às situações graves. Outro dado é o número de flagras de descumprimento de medidas protetivas, totalizando 42, o que sinaliza que 42 mulheres foram protegidas pela Brigada Militar que decretou ordem de prisão ao agressor (ASCOM BM, 2020). Os aplicativos de celulares e smartphones são particularmente importantes em contextos de pandemia. Todavia, sabemos que em muitas situações, especialmente quando se trata de terrorismo íntimo, as mulheres ficam isoladas dentro do contexto doméstico e não têm acesso à telefonia. Portanto, elas teriam que contar com a denúncia por parte de outra pessoa. É possível que a denúncia por parte de terceiros aconteça, como mostra a pesquisa feita pelo Senado (BRASIL, 2017) sobre violência contra as mulheres. A maioria das entrevistadas (90%) informou que, caso presenciassem um ato agressivo contra uma mulher, faria denúncia, acessando, em primeira opção a polícia/delegacia comum (52%) e, em segundo lugar, a delegacia da mulher (32%). A maioria das participantes na pesquisa afirma que denunciaria, caso presenciasse um ato de agressão (90%). Todavia, é difícil encontrar informações quantitativas e descrição do perfil de quem denuncia as violências contra as mulheres, para além da mulher mesma que sofreu a violência. Apesar de uma das estratégias para coibir a violência doméstica ser a criação de campanhas que visem desconstruir o mito legitimador “em briga de marido e 17 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 mulher ninguém mete a colher”, sabemos que as pessoas, no geral, têm medo de denunciar e acabam fazendo “vistas grossas” à violência que muitas vezes “mora” ao seu lado. Essa dificuldade em denunciar nos conduz à reflexão sobre a dicotomia entre a esfera pública e a esfera privada, que faremos a seguir. Terrorismo íntimo e a dicotomia público x privado Na introdução, trouxemos a definição de terrorismo íntimo, entretanto, essa definição merece atenção especial em tempos de pandemia. Recorrendo à definição filosófica de terrorismo feita por Teichman (1989), entendemos que a expressão “terrorismo íntimo” precisa ser diferenciada da noção de violência doméstica ou violência contra as mulheres que circula no senso comum e, até mesmo, entre profissionais da saúde. Terrorismo íntimo é uma prática de cunho político, coercitiva, que aterra a pessoa sobrevivente no contexto privado do/a perpetrador/a, impedindo-a, por meio de táticas de terror, à participação desta nas esferas privadas e de qualquer contato com pessoas a não ser o/a próprio/a perpetrador/a. Não se restringindo às relações heterossexuais, abarca violências físicas, patrimoniais ou simbólicas cometidas em ambiente privado (residência, quarto de alojamento ou hotel) ou público (parques, escolas, trabalho, etc.) por esposo/a, noivo/a, parceiro/a, namorado/a ou mesmo por um estranho. As táticas terroristas são sistemáticas; quer dizer, elas não são eventuais ou situacionais, como pode ser o caso de violência doméstica, elas são persistentes e contínuas. Incluem ataques imprevisíveis, encarceramento, privação de consumo (não comprar absorvente, alimentos, corte de eletricidade e telefonia, não permitir higiene pessoal), sabotagem, tortura física e psicológica (aliás, não há tortura física desconectada da psicológica e não há tortura psicológica sem efeitos no corpo). Enraizado no patriarcado, o terrorismo íntimo é uma continuação do terrorismo de Estado e ao mesmo tempo uma insurgência às injustiças de gênero. Nesse sentido, o entendimento sobre o terrorismo íntimo migraria do campo da moral e do comportamento individual para entrar no campo da ética enquanto instância crítica e propositiva. A reflexão a ser constituída aqui seria o quanto o terrorismo íntimo pode servir como uma insurgência radical que faz, ao mesmo tempo, uma denúncia ao Estado e às inequidades de gênero engendradas pelo patriarcado e sofisticadas pelo sistema político e econômico neoliberal. Assim, é preciso considerar que “os objetivos do terrorista não são irrelevantes” (TEICHMAN, 1989, p. 517) e 18 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 merecem um olhar sensível a este problema social para além da moralidade. Ao invés de julgar a ação como errada, culpabilizando o sujeito perpetrador, é imprescindível adotar uma ética Brechtiana 10, entendendo a violência a partir das margens que aprisionam o insurgente, no caso as normatizações, regras, as filosofias do sistema liberal e patriarcal. Por que alguém se insurgiria desta forma? Ou melhor, que condições produzem esse insurgente? O que há de diferente entre um/a terrorista íntimo/a e um/a pessoa que comete aquele tipo de violência doméstica mais (rapidamente) reportada aos agentes públicos? Como a dicotomia entre público-privado opera nesse sujeito? Em tempos de pandemia, que contornos essa tipificação adquire? Para refletir sobre estas questões, iremos adensar a discussão já levantada pelas feministas sobre a dicotomia entre o privado e o público. Como relembrou Cyfer (2010, p. 137), citando Mackinon (1987), “as criminalizações da violência doméstica e, em particular, do estupro marital estão entre as discriminações de gênero que mais desafiam a dicotomia público-privado, em qualquer de suas versões”. Principalmente nas sociedades capitalistas, estas discussões nos remetem às relações entre feminismo e liberalismo. De acordo com Pateman (1983), nem liberalismo nem feminismo são concebíveis sem alguma concepção de liberdade, igualdade e emancipação das hierarquias tradicionalmente instituídas socialmente. Para as feministas que enfrentam esta problemática, o liberalismo, de acordo com Pateman (1983), é entendido como sendo “estruturado pelas relações patriarcais e de classe, considerando a esfera doméstica (privada) e a sociedade civil (pública) como interligadas. Estas esferas “são os dois lados da mesma moeda do patriarcalismo liberal” (PATEMAN, 1983, pp. 284-285). Por este prisma, a dicotomia entre público e privado acaba por obscurecer “a sujeição das mulheres aos homens dentro de uma ordem aparentemente universal, igualitária e individualista” (PATEMAN, 1983, pp. 282-283). Esta sujeição é sustentada e reforçada pela naturalização desta sujeição aos homens e pela repetição nas representações e imaginário social da esfera doméstica privada como sendo a mais adequada às mulheres (selada pela maternidade e pela disponibilidade ao ato sexual), ainda que 10 Referência ao verso do poema de Bertold Brecht (2000): Do rio que tudo arrasta se / diz que é violento / Mas ninguém diz violentas as / margens que o comprimem. 19 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 o capitalismo cada vez mais demande a mão-de-obra das mulheres em contextos públicos, principalmente em trabalhos com remuneração inferior ao dos homens e em contextos ligado ao cuidado, tais como Enfermagem, Serviço Social, docência, Psicologia, algo que ficou evidente na pandemia. A expressão popular “a mulher é a rainha do lar” é ideologia que cria a noção distorcida do real: é o homem, por meio de seu lugar de fala, que reina nesse contexto “os homens habitam e governam adequadamente ambas as esferas” (PATEMAN, 1983, p. 283), pois não bastaria ocupar uma esfera, já que é a participação na esfera pública que poderá garantir seus interesses (particulares), além de proteger e aumentar sua propriedade (privada). O homem só é capaz de ocupar duas esferas ao mesmo tempo porque está liberado da responsabilidade das tarefas de alta demanda não-remuneradas do espaço privado, tais como preparar alimento, limpeza da casa, cuidados com os filhos, economia doméstica, etc., e se a mulher “também é uma trabalhadora remunerada, assumirá um turno adicional de trabalho” (IBIDEM, p. 296). Em outras palavras, para que o patriarcado, enquanto domínio do pater/daquele que detém o poder de propriedade, continue a existir, os homens precisam ocupar “por direito natural” ambas as esferas, cada uma de um modo específico. A representação social de que o espaço doméstico é do domínio das mulheres mantém esse sistema vivo, lembrando que muitas mulheres e homens alimentam essa hiper-representação. Essa separação entre as esferas é deletéria à equidade de gênero, o que tem sido reconhecido há tempos pelas feministas críticas e materializado no slogan “o pessoal é político”. Esse enunciado rejeita explicitamente a separação liberal entre privado e público, também implica que nenhuma distinção pode ou deve ser traçada entre as duas esferas e que problemas "pessoais" podem ser resolvidos apenas por meios políticos e ação política (PATEMAN, 1983, p. 295). De fato, “a esfera da vida doméstica está no coração da sociedade civil ao invés de aparte ou separada dela” (IBIDEM, p. 297). Essa perspectiva feminista crítica contribui para “iluminar muitos aspectos desagradáveis da vida sexual e doméstica, em particular no que se refere às violências” (IBIDEM, p. 297), principalmente em contextos de epidemia, como o que estamos vivendo agora frente ao novo coronavírus, cuja recomendação é “fique em casa”, permaneça apenas na esfera doméstica, corroborando o discurso do perpetrador da violência. 20 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 Essa recomendação propiciou um estremecimento na dicotomia públicoprivado. Ainda não temos estudos longitudinais que abordem o que acontece quando também ao homem é demandado que se afaste da esfera pública, que saia das ruas, do local tradicional de trabalho e permaneça no local de “sua rainha”. Pouco sabemos sobre como se sente a mulher que agora precisa conviver o dia e a noite com este homem e menos ainda sabemos dos efeitos do “fique em casa” nas relações afetivas, sexuais. É tudo muito novo; ainda estamos especulando e estas questões merecem a atenção dos cientistas sociais. Podemos especular que a medida “fique em casa” deve gerar efeitos mesmo naqueles homens que não podem permanecer em casa durante a pandemia por exigências laborais e que já mantinham relações violentas com a mulher, pois, agora, suas demandas de isolamento à mulher são corroboradas por instituições de autoridade. Problemas antigos permanecem, mas podem ser interpretados sob uma nova ótica, tanto pelo perpetrador quanto por quem sofre a violência. O que fazer diante da separação entre esfera pública e privada, separação esta que pode estar sendo reconfirmada pelas medidas de isolamento social? Embora Pateman (1983, p. 300) entenda que possa ser “utópico supor que a tensão entre o pessoal e o político, entre amor e justiça, entre individualidade e comunalidade desaparecerá com o patriarcalismo liberal”, ela acredita que a dicotomia público x privado precisa ser radicalmente transformada, de modo que as mulheres possam participar plenamente e equitativamente na vida social e os homens, por sua vez, comecem a compartilhar igualmente a parentalidade e as outras tarefas domésticas. Essa transformação envolve reorganização produtiva, mudança nos significados e práticas do “trabalho” e da cidadania. Desse modo, devemos compreender que não basta pensar e implementar aquelas ações estratégicas, apontadas anteriormente por nós, para abordar a problemática da violência e do terrorismo íntimo em tempos de COVID-19 (ou em quaisquer outros tempos em que persistirem as violências). Para nós, cientistas sociais e para profissionais da saúde teremos que articular modos inventivos para que a população desconstrua suas representações sobre masculinidades, sobre o que é tornar-se mulher, sobre o que é violência e terrorismo e, acima de tudo, romper com a dicotomia entre a esfera pública e a esfera privada. Isso implica, inclusive, discutir sobre o que é equidade de gênero, já que “quanto mais abstrata e formalista a 21 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 concepção de igualdade, mais intensa será a separação entre o público e o privado; ao passo que, quanto mais focada na igualdade material, mais essa separação terá de ser atenuada” (CYFER, 2010, p. 137). Ao refletirmos sobre público x privado e equidade de gênero também precisaremos nos distanciar de visões que colocam as mulheres como vítimas e os homens como vilões. Trazer a problemática do terrorismo íntimo nos convoca a nos deslocar desse tipo de visão à medida que compreendemos que a pessoa que comete violência é um insurgente contra todo um sistema, ainda que isso não se dê no nível consciente e possa ser de difícil compreensão. O maior número de adoecimento com COVID-19 no mundo são homens, o maior número de encarcerados são homens. Se pudermos enxergar para além da superfície desses números, veremos que os homens se insurgem contra toda a maleficência de um sistema à sua moda, a partir daquilo que lhes é possível. Considerações finais “Fechamento” dos acontecimentos narrados no início do artigo. O juiz absolveu o marido da senhora e sua companheira que residia com ele na casa, em Sorocaba. Ele entendeu que o casal procurava cuidar da mulher, na medida dos seus recursos. “A sentença acatou a tese da defesa, de que [ela] era portadora de esquizofrenia e precisava ficar fora do convívio familiar por ser agressiva. O quarto ficava desprovido de conforto (...), porque a mulher poderia se ferir” (STEGANHA, 2011, on-line). Quanto ao segundo acontecimento, em Cuiabá, o marido da jovem teve a prisão decretada e está foragido (SOARES, 2016). Já no terceiro acontecimento, em Fortaleza, o empresário prestou esclarecimentos a respeito das duas armas de fogo encontradas no apartamento da família e, depois, foi liberado (G1, 2017). Não encontramos novas informações na mídia ou via mecanismos de busca da internet sobre este acontecimento. Em nossa escrita, tecemos reflexões acerca das possíveis intersecções entre violência contra as mulheres, as relações de gênero e a medida de distanciamento social em tempos de pandemia da COVID-19, tratando particularmente do terrorismo íntimo. Mostramos que as violências contra as mulheres, que são históricas, tiveram 22 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 as possibilidades de denúncia cerceadas, gerando um aumento nas taxas de feminicídio, em comparação ao ano anterior no mesmo período. Em particular, não sabemos se o terrorismo íntimo aumentou durante a pandemia da COVID-19, mas este aumento no registro de feminicídios é a evidência de que o acesso a recursos de proteção e promoção de saúde mental e direitos das mulheres está sendo obtusado. As casas que já são porões obscuros e alienados continuarão a ser o que são, mas as mínimas frestas de luz que poderiam entrar e sair desses lugares de terror são apagadas pelo pânico de se contaminar pelo outro. O Estado falha, nós falhamos. “Ficar em casa”, enquanto medida de proteção à saúde, não deveria provocar e acirrar o silêncio sobre as vidas dos outros, sobre as nossas vidas; deveria ser o momento para um silêncio de outra ordem, um silêncio interno, de conversa consigo, com o mundo, uma conversa ética, de reflexão sobre o mundo que desejamos para nós. Durante a pandemia, a violência doméstica foi assunto recorrente nas mídias, o que parece ter provocado o pensar ações específicas de enfrentamento à violência no contexto da pandemia, pois, como mostramos, diversas ações foram postas em prática durante este contexto. Por outro lado, evidenciar as violências nas mídias termina por reduzir a problemática a uma questão numérica e contextual, levando as pessoas a pensarem que a violência e o terrorismo íntimo serão amenizados ou exterminados ao término da pandemia. É responsabilidade da mídia contextualizar o aumento da violência doméstica durante a pandemia como resultado de uma sociedade injusta, onde comportamentos coercitivos são incorporados como um padrão regular dos relacionamentos afetivos. Isso também torna evidente que os autores desse tipo de violência não são pessoas com graves transtornos mentais, mas sim, homens comuns que se sentem “donos” das mulheres de suas famílias e são legitimados nesse lugar por discursos e práticas sociais. Dessa forma, a pandemia apenas evidencia desigualdades estruturais. Assim, consideramos urgente colocar em pauta nas mídias e nos discursos, para reverberar no senso comum, a perversidade da dicotomia público x privado, inclusive ressaltando a persistente e silenciosa prática do terrorismo íntimo marcada pelas inequidades de gênero, raça/etnia, geracional e tantas outras. Esta é uma questão ética que precisamos enfrentar para além do contexto da pandemia de COVID-19. 23 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 Por fim, queremos salientar que não temos a intuito, com esse artigo, afirmar a soberania semântica da expressão “terrorismo íntimo”. A intenção foi chamar a atenção com relação aos usos diferentes modos de uso do poder (dominação) que adquirem um caráter de terror. A decisão por colocar em evidência o sintagma “terrorismo íntimo” para discutir violência a partir de perspectivas sociológicas e psicossociais não deve anular a importância de outros constructos analíticos e jurídicos que orbitam a esfera pública, tais como “violência doméstica” e “violência contra a mulher”. Este sintagma deve associar-se, quando pertinente, a estes e outros constructos de modo a auxiliar na compreensão sobre as diferentes práticas de violência de gênero. Sugerimos novos estudos empíricos que observem as representações indicativas de violência, buscando identificar nódulos linguísticos que sejam sinais de práticas de terrorismo dentro da gramática “violência doméstica”, “violência contra a mulher”, “violência de gênero”, etc. Referências AGÊNCIA BRASIL. Governo lança canais digitais de atendimento contra a violência doméstica durante a pandemia. Agência Brasil, Brasília, Presidência da República, Casa Civil, 03 abr. 2020a. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt- br/assuntos/noticias/2020-2/abril/governo-lanca-canais-digitais-de-atendimentopara-enfrentamento-a-violencia-domestica-durante-a-pandemia. Acesso em: 19 jun. 2020. AGÊNCIA BRASIL. Medidas adotadas pelo Governo Federal no combate ao coronavírus. Agência Brasil, Brasília, Presidência da República, Casa Civil, 01 mai. 2020b. Disponível em: https://www.gov.br/casacivil/pt- br/assuntos/noticias/2020/junho/medidas-adotadas-pelo-governo-federal-nocombate-ao-coronavirus-8-de-junho. Acesso em: 8 jun. 2020. AGÊNCIA BRASIL. Vítimas de violência doméstica poderão fazer denúncia em farmácias. Agência Brasil, Brasília, Presidência da República, Casa Civil, 09 de jun. 2020c. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/vitimas-de-violencia- domestica-poderao-fazer-denuncia-em-farmacias. Acesso em: 19 jun. 2020. AGÊNCIA SENADO. Serviços de combate à violência doméstica podem virar essenciais durante pandemia. Agência Senado, Brasília, 22 mai. 2020. Disponível em: 24 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/22/servicos-decombate-a-violencia-domestica-podem-virar-essenciais-durante-pandemia. Acesso em: 18 jun. 2020. ASCOM BM. BM aumenta de 46 para 84 os municípios atendidos por Patrulhas Maria da Penha. Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Segurança Pública do Rio Grande do Sul, 06 abr. 2020. Disponível em: https://estado.rs.gov.br/bm-aumenta-de-46para-84-os-municipios-atendidos-por-patrulhas-maria-da-penha. Acesso em: 07 mai. 2020. BARRUCHO, L. Brasil: o novo epicentro da pandemia de coronavírus? BBC News Brasil em Londres, 20 mai. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil52732620. Acesso em 23 mai. 2020. BRADBURY‐JONES, C.; ISHAM, L. The pandemic paradox: The consequences of COVID‐ 19 on domestic violence. Journal of clinical nursing, v.29, n.13-4, p. 2047-2049, 2020. DOI: https://doi.org/10.1111/jocn.15296. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/jocn.15296. Acesso em: 20 jun. 200. BRASIL, Senado Federal. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Instituto de Pesquisa DataSenado, Observatório da Mulher contra a violência, Secretaria de Transparência. Senado Federal, Brasília, DF, jun. 2017. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/aumentanumero-de-mulheres-que-declaram-ter-sofrido-violencia. Acesso em: 17 jun. 2020. BRASIL, Governo Federal. Balanço anual: Ligue 180 recebe mais de 92 mil denúncias de violações contra mulheres. Governo Federal, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Brasília, DF, ago. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2019/agosto/balanco-anualligue-180-recebe-mais-de-92-mil-denuncias-de-violacoes-contra-mulheres. Acesso em: 17 jun. 2020. BUENO, S. et al. Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19 (Nota Técnica). Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Decode, 16 abr. 2020. Disponível em: http://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia- domestica-covid-19-v3.pdf. Acesso em: 20 jun. 2020. CASTRO, M. de. ONG de Mogi presta apoio a mulheres vítimas de violência doméstica durante a quarentena; denúncias aumentam quase 9%. Bom dia Diário, Mogi das 25 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 Cruzes, 20 abr. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzessuzano/noticia/2020/04/20/ong-de-mogi-presta-apoio-a-mulheres-vitimas-deviolencia-domestica-durante-a-quarentena-denuncias-aumentaram-quase9percent.ghtml. Acesso em: 18 jun. 2020. CATRACA LIVRE. Coronavírus: França vai colocar vítimas de violência doméstica em hotéis. Catraca 30 Livre, mar. 2020. Disponível em: https://catracalivre.com.br/cidadania/coronavirus-franca-vai-colocar-vitimas-deviolencia-domestica-em-hoteis/. Acesso em: 06 mai. 2020. CAVALHEIRO, P. da C. Projeto Borboleta segue o trabalho por videoconferência. Porto Alegre: Poder Judiciário, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Imprensa TJ-RS, 06 de maio de 2020. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/noticia/projeto-borboleta-segue-o-trabalho-porvideoconferencia/. Acesso em: 20 jun. 2020. CENTENERA, M. Assassinato de mãe e filha na Argentina acende alerta sobre a violência contra mulher na quarentena. El País, Buenos Aires, 31 mar. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-03-31/assassinato-de- mae-e-filha-na-argentina-acende-alerta-sobre-a-violencia-contra-mulher-naquarentena.html. Acesso em: 06 mai. 2020. CYFER, I. Liberalismo e feminismo: igualdade de gênero em Carole Pateman e Martha Nussbaum. Rev. Sociol. Polit., Curitiba, v. 18, n. 36, p. 135-146, jun. 2010. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-44782010000200009. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rsocp/v18n36/09.pdf. Acesso em: 17 jun. 2020. DIÓGENES, J. Cresce 300% nº de mulheres vítimas de cárcere privado no País. O Estado de São Paulo, São Paulo, 25 nov. 2015. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,cresce-300-n-de-mulheres-quedenuncia-carcere-privado-no-pais,10000002915. Acesso em: 19 jun. 2020. EDLEY, N. Men and masculinity: The basics. London: Routledge, 2017. EFE. El Ministerio de la Mujer de República Dominicana teme un pico en la violencia al final del encierro por coronavirus. Agência EFE, Santo Domingo, República Dominicana, 10 abr. 2020. Disponível em: https://acento.com.do/fotogalerias/elministerio-de-la-mujer-de-republica-dominicana-teme-un-pico-en-la-violencia-alfinal-del-encierro-por-coronavirus-8804105.html. Acesso em: 19 jun. 2020. 26 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 G1. Suspeito de manter filhos em cárcere privado nega crime e diz que os tratava com 'muito amor'. Globo, 25 ago. 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/ceara/noticia/suspeito-de-manter-filhos-em-carcereprivado-nega-crime-e-diz-que-os-tratava-com-muito-amor.ghtml Acesso em: 20 ago. 2020. HALLAL, P. C. et al. Evolução da prevalência de infecção por COVID-19 no Rio Grande do Sul, Brasil: inquéritos sorológicos seriados. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, p. 2395-2401, 2020. Disponível em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/evolucao-da-prevalencia-deinfeccao-por-covid19-no-rio-grande-do-sul-inqueritos-sorologicos-seriados/17547. Acesso em: 21 abr. 2020. INSTITUTO MARIA DA PENHA. Nota Pública do Instituto Maria da Penha: Covid-19, Isolamento Social e Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres. Fortaleza, 02 abr. 2020. Disponível em: http://www.institutomariadapenha.org.br/assets/downloads/nota_publica_abril_2 020.pdf. Acesso em: 21 abr. 2020. JOHNSON, M. P.; FERRARO, K. J. Research on domestic violence in the 1990s: Making distinctions. Journal of Marriage and Family, v. 62, n. 4, p. 948-963, 2000. JOHNSON, M. P. Patriarchal terrorismo and common couple violence: two forms of violence against Women. Journal of Marriage and the Family, v. 57, n. 2, p. 283294, mai. 1995. JOSÉ, F. "Todos suspeitavam que acontecia algo estranho naquele apartamento", diz funcionário vizinho”. Reporter Francisco José [online]. Disponível em: http://www.reporterfranciscojose.com.br/2017/08/todos-suspeitavam-queacontecia-algo.html. Acesso em: 20 ago.2020. JORNAL DO BRASIL. Quando isolamento social vira batalha política: panorama de cidades brasileiras sob lockdown. Jornal do Brasil, 14 mai. 2020. Disponível em: https://www.jb.com.br/pais/politica/2020/05/1023754-quando-isolamento-socialvira-batalha-politica--panorama-de-cidades-brasileiras-sob-lockdown.html. Acesso em: 18 jun. 2020. LEWIN, C. Compreensão e descrição de dados quantitativos. In: SOMEKH, B.; LEWIN, C. (Org.). Teoria e métodos de pesquisa social. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 287-299. 27 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 LIRA, L R.; MÉNDEZ, M. T. S. ¿Violencia episódica o terrorismo íntimo? Una propuesta exploratoria para clasificar la violencia contra la mujer en las relaciones de pareja. Salud mental, v. 31, n. 6, p. 469-478, 2008. Disponível em: https://www.medigraphic.com/pdfs/salmen/sam-2008/sam086g.pdf. Acesso em: 19 jun. 2020. MARQUES, E. S. et al. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 4, p. 1-5, 2020. Disponível em: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/public_site/arquivo/1678- 4464-csp-36-04-e00074420.pdf. Acesso em: 06 mai. 2020. MELO, B. D. et al. Violência Doméstica e Familiar na COVID-19. Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia COVID-19. Fundação Oswaldo Cruz. Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/wp- content/uploads/2020/04/Sa%c3%bade-Mental-e-Aten%c3%a7%c3%a3o-Psicossocialna-Pandemia-Covid-19-viol%c3%aancia-dom%c3%a9stica-e-familiar-na-Covid-19.pdf. Acesso em: 18 de jun. 2020. O GLOBO. Governo argentino cria senha para vítima de violência doméstica pedir ajuda nas farmácias do país durante quarentena. O Globo, 10 abr. 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/celina/governo-argentino-cria-senha-para-vitima- de-violencia-domestica-pedir-ajuda-nas-farmacias-do-pais-durante-quarentena24355597. Acesso em: 18 mai. 2020. O GLOBO. O presidente Bolsonaro e a pandemia da Covid-19. 1 vídeo (2 min. 40s), Publicado pelo Canal Jornal O Globo, 30 abr., 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nhECKbVSvKU. Acesso em: 20 jun. 2020. OLIVEIRA, N. O.; FRANCO, P. R. Durante isolamento: crimes violentos caem em março, mas homicídios crescem em MG. Portal O Tempo, Belo Horizonte, 29 abr. 2020. Disponível em: https://www.otempo.com.br/coronavirus/durante- isolamento-crimes-violentos-caem-em-marco-mas-homicidios-crescem-em-mg1.2331010. Acesso em: 19 jun. 2020. ONU Brasil. Chefe da ONU alerta para aumento da violência doméstica em meio à pandemia do coronavírus. 06 abr. 2020a. Disponível em: 28 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 https://nacoesunidas.org/chefe-da-onu-alerta-para-aumento-da-violenciadomestica-em-meio-a-pandemia-do-coronavirus/. Acesso em: 06 mai. 2020. ONU Mujeres. Del Compromiso a la Acción: Políticas para Erradicar la Violencia contra las Mujeres América Latina y el Caribe. Documento de análisis regional. PNUD, ONU Panamá: Mujeres. Ciudad del Saber, 2017. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wpcontent/uploads/2017/12/DEL_COMPROMISO_A_LA_ACCION_ESP.pdf. Acesso em: 19 jun. 2020. ONU Mulheres. COVID-19 and Ending Violence Against Women and Girls. Geneva, 2020a. Disponível em: https://www.unwomen.org/- /media/headquarters/attachments/sections/library/publications/2020/issue-briefcovid-19-and-ending-violence-against-women-and-girls-en.pdf?la=en&vs=5006. Acesso em: 18 mai. 2020. ONU Mulheres. Gênero e COVID-19 na América Latina e no Caribe: Dimensões de Gênero na Resposta. Casa das Nações Unidas no Brasil, Brasília, DF. 2020b. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp- content/uploads/2020/03/ONU-MULHERES-COVID19_LAC.pdf. Acesso em: 21 abr. 2020. ONU Mulheres. Na resposta à Covid-19, ElesPorElas – HeForShe lança campanha #ElesPorElasEmCasa. Casa das Nações Unidas no Brasil, Brasília, DF. 21 abr. 2020c. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/noticias/na-resposta-a-covid-19elesporelas-heforshe-lanca-campanha-elesporelasemcasa/. Acesso em: 07 mai. 2020. PATEMAN, C. Feminist critiques of the public/private dichotomy. In: BENN, S. I.; GAUS, G. F. (Ed.). Public and Private in Social Life. New York: St. Martin’s Press, 1983. p. 281-303. POLO, F. B. Feminicidios en República Dominicana durante 2018 y el primer semestre de 2019. Cadernos del OPD. República Dominicana, Fundación Global Democracia y Editorial Desarrollo: FUNGLODE, 2019. Disponível em: https://www.opd.org.do/index.php/cuadernillos-publicaciones. Acesso em: 19 jun. 2020. REVISTA GALILEU. Violência contra a mulher aumentou durante quarentena da Covid19 na China. Revista Galileu, 14 mar. 2020. Disponível em: 29 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2020/03/violencia-contramulher-aumentou-durante-quarentena-da-covid-19-na-china.html. Acesso em: 19 jun. 2020. ROESCH, E. et al. Violence against women during covid-19 pandemic restrictions. BMJ, v. 369, m1712, 2020. Disponível em: https://www.bmj.com/content/bmj/369/bmj.m1712.full.pdf. Acesso em: 18 jun. 2020. SAMMUT, G. et al. Social representations? A revolutionary paradigm. In SAMMUT, G. et al. (Ed.). The Cambridge Handbook of Social Representations. Cambridge: Cambridge Press, 2015. (p. 3-11). SANTOS, L. R. S.; DUARTE, J. F.; TRINDADE, C. A. Covid-19 e Relações Patriarcais de Gênero no Brasil: mulheres em risco. Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (CLASCO), 2020. Disponível em: https://www.clacso.org/covid-19-e-relacoespatriarcais-de-genero-no-brasil-mulheres-em-risco/. Acesso em: 22 mai. 2020. SOARES, D. Mulher é libertada após ficar 2 anos em cativeiro pelo marido em Cuiabá. G1 MT, Mato Grosso, 21 abr. 2016. Disponível em: http://g1.globo.com/matogrosso/noticia/2016/04/mulher-e-libertada-apos-ficar-2-anos-em-cativeiro-pelomarido-em-cuiaba.html. Acesso em: 17 jun. 2020. SOUZA, A. (2020, 5 jun.). Violência doméstica na pandemia: “vítimas estão em cárcere privado”, diz delegada. Livre [hub digital]. Disponível em: https://olivre.com.br/violencia-domestica-na-pandemia-vitimas-estao-em-carcereprivado-diz-delegada. Acesso em: 20 jun. 2020. STEGANHA, R. Idosa que vivia em porão é ouvida pela polícia. G1 SP, São Paulo, 28 jan. 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/01/idosaque-vivia-em-porao-e-ouvida-pela-policia.html. Acesso em: 17 jun. 2020. TEICHMAN, J. How to Define Terrorism. Philosophy, v. 64, p. 505-517, 1989. DOI: https://doi.org/10.1017/S0031819100044260.Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/philosophy/article/how-to-defineterrorism/C1178DA4990BFA8A2DA3DA48F6960BF0. Acesso em: 20 jun. 2020. TIWARI, A. et al. The differential effects of intimate terrorism and situational couple violence on mental health outcomes among abused Chinese women: a mixed-method study. BMC Public Health, v. 15, n. 314, p. 1-12, 2015. Disponível em: 30 INTER-LEGERE | Vol. 3, n. 28/2020: c21581 | ISSN 1982-1662 https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12889-015-1649x. Acesso em: 20 jun. 2020. VIEIRA, P. R.; GARCIA, L. P.; MACIEL, E. L. N. Isolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela? Rev. Bras. Epidemiologia, São Paulo, v. 23, E200033, 2020. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415790X2020000100201&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 22 mai. 2020. WILLIAMSON, E.; NANCY, L.; BROOKS-HAY, O. ‘Coronavirus murders’: media narrative about domestic abuse during lockdown is wrong and harmful. The Conversation, May 15, 2020. Disponível em: https://theconversation.com/coronavirus-murders-media-narrative-aboutdomestic-abuse-during-lockdown-is-wrong-and-harmful-137011. Acesso em: 20 jun. 2020. Recebido: 20 junho 2020 Aceito: 19 agosto 2020 31