A solidão tem sido minha
companheira há algum tempo. Não a clássica da ausência de pessoas, mas a
moderna, tecnológica, por vezes clichê das retóricas das mídias sociais onde
estamos com todos e, ao mesmo tempo, sem ninguém. Falo da materialização da
descoberta de estar só, característica inata a todos nós, agora chamada de
solitude. Assim, a consciência de tal estado costuma ser dolorosa, sobretudo
porque caminho na contra mão do pensamento coletivo do qual precisamos nos
agregar. Porém, a minha tomada de posição frente a isso veio à revelia dos
ruídos da interação constante, em meio a patologização da minha mente, em
outras palavras, depressão. Hoje, embora esteja em contínuo tratamento
analítico, a sensação de ser unitário ainda é um incômodo, menor que antes, mas
latente, depreciativo, maculando meu íntimo em solavanco com minha pressa em
pertencer ao mundo. Curiosamente, todavia, O Dilema do Porco Espinho, de
Leandro Karnal, conseguiu acalentar a belicosa barreira que nutria em ler sobre
isso, permitindo-me um olhar sobre tal discussão dantes impercebível.
Estruturalmente, o livro é
pequeno, de título curioso, até um tanto comercialesco, e revestido de uma
diagramação que não torna a capa atrativa. Talvez o maior chamamento da obra se
limite, no primeiro olhar, ao seu autor, professor consagrado e mais
recentemente figura cativa nos diversos vídeos viralizados na rede. A
linguagem, contudo, está longe do pedantismo academicista. Qualquer pessoa de
nível medíocre de leitura, assim como eu, é capaz de compreender o que está
escrito ali. Muito provavelmente, essa tenha sido a intenção do autor: escrever
(ser) inteligível no discurso para levar a maior quantidade de pessoas as suas
percepções sobre solidão. Isto porque, antes de tudo, O Dilema do Porco Espinho
se mostra perceptível a gama pouco problematizada das solidões. É, para tanto,
pretensioso ao compila-las, mas nem por tal audácia se mostra prepotente.
Trata-se da fecunda necessidade de Karnal de provar que há diversas formas de
solidão interessantes, benéficas, transcendentais, tristes, reveladoras, porém,
todas humanas em sua essência e passíveis de serem sentidas e vividas por cada
um de nós.
Sobre esse ponto, foi o que mais
me tocou, a certeza de que havia positividade em certas manifestações da
solitude, as quais não costumam ser apresentadas a nós. A tradicional, do
isolamento que nos aparta do mundo, seja por decisão própria ou por
determinação legal, sempre me assustou. Contudo, entre ambas, fui vitimado pela
primeira em uma sociedade onde grande parcela vive o mesmo dilema. Nesse lugar
sombrio dentro de nós mesmos, passamos a acreditar que a nossa dor é
insuportável demais, sempre maior do que podemos aguentar. A solidão se
apresenta como um martírio, uma penitência aplicada muitas vezes pela depressão
que se ocupa de nós quando somos vulnerabilizados pela vida. Karnal, mesmo não
intencionalmente, desconstrói essa alcova da qual estamos aprisionados para
dizer que é possível sair dela, se entendermos as razões que nos levaram até
lá. Claro, o livro não tem viés psicanalítico nem se pretende a isso.
Entretanto, as pluralizar a solidão, o autor ressignifica o egoísmo nutrido em
horas de fragilidade em que cremos que somos os únicos sofríveis desse dilema,
quando na verdade há milhares de pessoas com o mesmo problema, em searas
diferentes e lidando com eles diferenciadamente.
No entanto, é evidente que há
faces da solidão que merecem acompanhamento médico, sobretudo quanto dão
indícios claros de autocídios futuros. Nesses casos, não sei se O Dilema do
Porco Espinho seja um livro resolutivo, pois não há nele uma preocupação em
esmiuçar as razões da depressão em detalhes o suficiente para que as suas
manifestações diversas toquem o interlocutor. Karnal, de fato, faz um compilado
interessantes, traz exemplos, comparações, associa ideias e chega a
problematizar pontos nevrálgicos de cada uma delas, mas não o suficiente para
livrar alguém da sedução e tirar a própria vida. É uma obra de dimensão
cosmopolita e, por isso, centrada nas frustrações advindas das aglomerações nas
grandes sociedades onde todos se conectam sem firmar laços firmes de
relacionamento. O livro talvez seja frágil nesse aspecto porque não há
fortalecimento possível na fluidez da pós-modernidade, a não ser aquela que se
enrijece dentro de nós a partir da tomada de consciência de que não estamos
sozinhos nessa, tão pouco a nossa solidão é única ou especial.
Na verdade, fazemos parte do
grande porco-espinho que provavelmente foi o motivador para que Leandro Karnal
tenha se dedicado a esse assunto, a vida na internet. Contraditoriamente, é lá
onde estamos com todos e, ao mesmo tempo, ilhados em nós mesmos, verdadeiros
náufragos no ciberespaço, onde todos embarcam em naus alheias para sobreviver,
mas acabam submergindo que percebem que ninguém é capaz de suportar tamanha
responsabilidade. Não à toa, as mídias sociais deflagrem tantos casos de
dependência, principalmente após a popularização dos celulares e sua adesão
imediata pela juventude. O primeiro ganhou formas de interação distintas e cada
vez mais desumanas: não se liga mais, se “twitta-se”, “zapei-se”, “instagrameia-se”,
em uma comunicação entremeada de elementos, nem sempre humanos, que funcionam
no momento da execução, mas são deteriorados tempos depois. Daí as constantes
atualizações dessas plataformas, porque seus criados sabem que estão
contribuindo para a solidão de seus usuários, porém, na lógica capitalista,
adoecer consumidores é o mínimo prejuízo diante das cifras vultuosas advindas
dos milhares de acessos por minuto.
Fora desse cenário frágil de
interação humana, a vida na margem do mundo real se deteriora ainda mais, pois
muitas pessoas passam a depender da tecnologia para se sentirem vivas,
incluídas, pertencentes a universos dos quais a existência fora da rede não foi
possível. Assim, sentenciados duplamente, pelas dores existenciais e pela perda
de referenciais, os indivíduos sós passam a tratar a solidão apenas como algo
negativo, degenerando suas faculdades mentais precocemente. Em contrapartida,
todo o enriquecimento, elevação, maturidade e encontro consigo mesmo,
oportunizado por momentos preciosos de solidão, são ignorados quando colocamos
qualquer solidão no lado ruim da vida. Em O Dilema do Porco Espinho vemos
grandes exemplos de figuras importantes da história da humanidade fazendo a
diferença para si e o outrem a partir do momento em que tomou consciência de
que seu estado de solitude, inevitável e por isso comum a todos, pode ser
transformador. O problema é a visão conservadora cristã da família comercial de
margarina limitado ao clássico binômio bíblico Adão e Eva, como se tal
complementação fosse suficiente para preencher o vazio de ser só em um mundo
onde o outro é apenas instante.
Portanto, O Dilema do Porco
Espinho é um livro interessante, de leitura leve sobre um tema muito complexo e
de muitas camadas para serem analisadas. Porém, na celeridade da vida moderna,
é uma obra eficiente, pois cumpre o seu papel de expor a pluralidade das
solidões, seus ganhos, suas perdas e como cada uma delas tem nesses potenciais
a chave para uma vida menos dolorosa. Para alguém como eu em processo analítico
me reencontrando comigo mesmo na casa dos 30 anos foi um achado esse livro, a
oportunidade de me tirar do limbo do qual vagava e me direciona para o caminho
que me for mais conveniente. A você, ele pode ter outros significados, porém,
acredito que abrirá uma fenda por onde alguma luz entrará na escuridão muitas
vezes auto imposta a nós pela solidão. Antes de tudo, não há um caráter milagroso
na obra, nem poderia diante do perfil de seu autor. Então, não vá ler esse
livro achando que haverá algum recurso mirabolante para lidarmos com nossos
temores. Nossos fantasmas, apesar de similares, são muito particulares de cada
um de nós e precisam ser vencidos pela nossa força de vontade e, em alguns
casos, pela intervenção de algum profissional. Fora isso, O Dilema do Porco
Espinho, se não te fizer entender em que solidão estás, fará você compreender a
sua solitude, respeitá-la, assumi-la ou extirpá-la da sua vida. Seja qual for a
decisão, tenha ciência de que será a melhor para você.
O dilema do porco espinho me fez refletir muito sobre a minha vida e ver que a solidão se faz necessária e que eu preciso ter ciência de que as vezes a solidão e importante para o nosso amadurecimento próprio,reconhecendo o que de fato é importante pra mim.
ResponderExcluirHá uma romantizacao sobre casamento homoafetivo mas será que convivermos, diariamente, com uma pessoa: o cotidiano vale a pena? Me lembro que quando mudei de apartamento e precisei de eletricista, a colega que indicou elogiou a beleza e até disse que era gostoso, pensei será que ele chegou nela? Quando fomos no apartamento que eu estava saindo para trazer o final da mudança, ele me desejou de transarmos lá e comentou que mexe com a imaginação dele a sexualidade de homens "solteirões" sem o cotidiano conjugal dos maridos em especial do dia a dia de casal!
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