“Quero me encontrar, mas não sei onde estou
Vem comigo procurar algum lugar mais calmo
Longe dessa confusão e dessa gente que não se
respeita
Tenho quase certeza que eu não sou daqui”
Tenho
uma relação mística com a palavra, sobretudo quando ela vem elaborada através
de textos. Depois que me tornei professor, esse contato se tornou cada vez mais
íntimo. Sem querer e, muitas vezes nem procurar, os textos me achavam, seja por
alguém que me enviava, seja eu mesmo que encontrava praticamente ao acaso. De
tanto isso acontecer, confesso que parei de ir atrás deles. Prefiro que eles me
achem, e sentir o prazeroso sabor daquelas palavras vindo ao meu encontro.
Neste último texto do ano não seria diferente. Os versos acima são de uma
canção do Legião Urbana encontrados como quem não quer nada, porque nem sequer
conhecia esta canção. Porém, este trecho retrata bem o meu estado emocional
vivido em sala de aula em 2017, sequelas trazidas de um ano antes e que eu
achava ter sido superadas.
Certamente
eu não sou daqui e não estive aqui o
ano todo, mesmo que me fizesse presente fisicamente. Minha mente, força, alma,
energia, foco, vitalidade, estavam pairando em outro lugar. Sei que muitos de
vocês perceberam a minha ausência e, talvez, sentiram falta do referencial
antigo. Acreditem, eu também sinto. Entretanto, é complexo demais lidar com o
emocional do outro, sobretudo quando este está fragilizado por dentro, mas
precisa criar uma couraça, ainda que frágil, para se manter de pé dando
continuidade à vida. Não espero que compreendam isso, tão pouco me arrependo do
que poderia ter sido feito e não foi. Acredito que arrependimento é o escudo da
covardia para não admitir nossa culpa individual. Então, me nego a usar deste
artifício como justificativa. O que foi feito está aí, sob medida por quem
mediocremente precisava respirar fundo para não desistir no meu do caminho.
Não
posso negar que pensei várias vezes em sucumbir neste trajeto que escolhi
seguir, mas havia três coisas que me mantinham firme, diante de um propósito
que ainda desconheço: as pessoas que acreditavam em mim, os alunos e meus
textos. Cada um desses elementos recarregava minhas energias, acreditando em
mim quando eu não era mais capaz de fazê-lo. Em muitos momentos, quando o
fracasso me convidava a abandonar tudo, eis que um amigo dizia “vá em frente, eu estou contigo”; um
aluno (a) me dava um abraço do nada, ou simplesmente dizia algo que me tocava
profundamente ao afirmar que “tinha
mudado o jeito de pensar depois das minhas aulas”. Tudo isso nutria meu eu
à espera de dias melhores, na esperança que os fantasmas do passado me
deixassem em paz e a vida seguisse seu rumo natural. Porém, certas dores não se
dissipam facilmente e nos consomem pouco a pouco até só restar uma sombra do
que fomos um dia.
Todavia,
sem querer minhas frustrações foram ampliadas por estar em descompasso com
vocês alunos, num ano decisivo para suas vidas. Época desafiadora para quem mal
começou a viver. Para fazer vestibular, precisamos abdicar de muita coisa. Os
amigos antigos deixam de ser visitados, não há tempo para os parentes,
conversas com familiares, tão pouco relacionamentos amorosos. Tudo gira em
torno de livros, exercícios, redações, ler, reler e aprender o máximo que der
para estar preparado no final do ano. Evidentemente que em meio a tudo isso
nosso cérebro surta. Achamos que não estamos estudando o suficiente. Daí, a
tristeza se apossa e pensamos em desistir de tudo. Muitas pessoas próximas, até
aquelas que amamos, passam a duvidar do nosso potencial. Nós mesmos nos
desacreditamos e vamos nos boicotando silenciosamente, deixando que o “será que eu vou conseguir” penetre em
nossas metas. Aí vem o cansaço, o estresse, as noites de sono, os conteúdos
atrasados, tudo parece convidativo ao fracasso e muitos de nós encurtam os
sonhos no meio do caminho.
Os
mais valentes, porém, enfrentam tudo em prol de um propósito maior, existente
dentro de cada um dos corações aqui presentes. Por mais que digam que você não
vai conseguir, que o curso que você deseja não faz seu perfil ou é muito
concorrido. Por mais que afirmem que você passou da hora de entrar na faculdade
e insistam em te fazer pegar um caminho mais fácil, por mais que essa seja sua
segunda, terceira, quarta, quinta tentativa e muitos duvidem da sua vitória, só
você sabe do tamanho do sonho enjaulado em seu peito e de como este desejo
alimenta sua vontade de vencer. Na verdade, realizar este sonho te ajudará a
ser uma pessoa melhor, não apenas por exercer um cargo X ou Y na sociedade, mas
por te fazer ser alguém frente aqueles que não acreditaram no seu potencial. É
a resposta aos seus anseios mais profundos, o alívio depois de um ano inteiro
investindo suas energias em se superar, a certeza de que é possível conquistar
quaisquer objetivos quando se faz isso em prol de um bem maior.
Passar
no vestibular é tudo isso. É ser o orgulho dos pais, que mesmo não acompanhando
o nosso progresso por causa do trabalho, ficarão orgulhosos em saber que aquele
filho (a), que ele viu crescer e fez de tudo o que pode para ajudar, entrou na
universidade por mérito próprio. Passar no vestibular é retribuir a esses pais
todo o investimento feito por eles. É estreitar laços rompidos. É provar para
eles que você pode ser rebelde, malcriado, às vezes pode parecer perdido, mas
que pode ser responsável e comprometido com o futuro seu e o deles. Passar no
vestibular ajuda a cicatrizar feridas familiares. Representa o cumprimento de
uma etapa primordial de nossas vidas. Serve de parâmetro para uma vida melhor,
em múltiplos ângulos. Você passará a ser o exemplo da família, dos amigos,
vizinhos. Nunca mais será o mesmo após a universidade, pois o universo
acadêmico mexe com nossas certezas e semeia ainda mais dúvidas a serem
respondidas quando sua formação se concretizar.
Até
lá ainda tem o último obstáculo, o vestibular. E antes que você duvide da sua
capacidade, faça uma breve reflexão do seu percurso até aqui. Relembre tudo o
que você passou, todas as noites em claro, as horas sem comer, a ausência em
festas e encontros com os amigos. Recorde de todas as pessoas amadas que você
precisou deixar de lado para estar grudado nos livros. Não se esqueça dos
gastos, dos sacrifícios feitos por você, pais e familiares, para a realização
deste sonho. Lembre-se das aulas assistidas, de todo o aprendizado, daqueles
conteúdos que marcaram sua mente e desconstruíram suas certezas, dando lugar a
uma mente mais aberta e dinâmica. Olhe para o lado e veja cada pessoa incrível
que você conheceu esse ano, algumas estarão presentes para além do
pré-vestibular. Relembre os sorrisos, as conversas na cantina, dos desabafos
nos corredores, das dicas trocadas e de quão positiva foi esta sintonia durante
um ano inteiro de aula. Ao fazer isso, energize-se e vá confiante arrasar no
Enem, sabendo que cada fragmento vivido este ano será de grande valia para esta
prova.
A
mim, meu muito obrigado por estarem comigo este ano quando eu mesmo não estava.
Obrigado por acreditar neste projeto, cuja forma ainda está em construção.
Obrigado por confiarem seus destinos a nós. Lamento muito minha ausência nesse
processo, mas, sem arrependimentos, pois minha parte humana precisava falhar
para reconhecer o quão frágeis somos quando perdemos aquilo que acreditamos. E
eu perdi muita coisa, contudo estou, semelhante a vocês, em busca de outras. O
que me conforta é saber que compartilhamos dessa energia e temos o porquê, o
para que e por quem continuar lutando. Sinto-me como no verso da canção que
começou este texto, que “quase não sou
daqui”, e o que é meu, o meu lugar, o meu destino, a minha vida será
transformada para melhor logo ali na frente. Isso não será diferente com nenhum
de vocês. E o que me tranquiliza é saber que, apesar das minhas lacunas esse
ano, no dia 5 de novembro, quando a ansiedade dominar a pulsação dos seus
corações, só respire fundo, feche os olhos e abra a prova, que eu estarei lá
nas suas mãos. Você sentirá a minha presença em cada palavra. Então, apenas
escreva a sua história.
É
o máximo que te desejo do mínimo que te ofereci.
Do ser errante, Diogo Didier