Até quando?
Na última revista que trabalhei, costumávamos brincar que, quando não nos ocorria um título de forma alguma para a matéria, poderíamos sempre usar a manchete "Até quando?". Por não se referir a nada e abranger tudo, o título caberia em qualquer matéria. Pode fazer o exercício. Serve para tudo e nada ao mesmo tempo.
Brincadeiras à parte, para este post o título é completamente adequado e é uma interrogação que faço da forma mais ampla. Mas dirijo a pergunta, sobretudo, às autoridades. A sociedade não ouso questionar porque, ao que parece, qualquer questão que envolva violência e que não seja diretamente ligada a si ou aos seus, não importa, banalizou-se a ponto de vermos os atos acontecerem na nossa frente e desviarmo-nos prontos para deixar para trás os outros que, hipoteticamente, são estranhos.
Até quando teremos a sensação de insegurança? De impunidade? De medo? Aconteceu de novo, na mesma avenida Paulista que já louvei algumas vezes neste blog. Que palmilhei com meus próprios pés como nenhuma outra rua nesta cidade. Que, se diz, é a avenida mais rica da América Latina. Que é uma das principais marcas desta cidade. Aconteceu de novo, este final de semana, quase no mesmo ponto, de novo na estação Brigadeiro do metrô: um casal de gays foi atacado por uma outra gangue de cinco.
Repare: foram cinco pessoas novamente. Não aqueles cinco - dos quais quatro menores de 18 anos estão recolhidos à Fundação Casa e o maior continua feio, leve e solto por aí e, ao que parece, foragido - de antes, mas outros cinco que se deram, também, o direito de atacar pessoas por serem homossexuais.
Atacaram praticamente da mesma forma. O conteúdo também é o mesmo: homofobia. Até agora, enquanto escrevo, imagino que a poucas quadras daqui de casa, cada gay que passar pelo local terá vivo na mente que pode ser atacado ali, naquele exato lugar que fica, assim, estigmatizado pela gratuidade do preconceito.
Ao que parece, os cinco rapazes da nova gangue houveram por bem substituir a outra desmantelada gangue. E, até aqui, foram bem-sucedidos. Não tiveram receio nem um pouco de uma câmera a lhes filmar o ato: cometeram a violência certos da ausência total de punição.
Dá para acreditar que, depois do primeiro episódio, dissipados os vapores daqueles golpes, um bando de moleques covardes teve a audácia de atacar gratuitamente? Até quando, eu me pergunto, até quando teremos episódios deste tipo, sucessivamente, sem que a polícia interfira? Sem que a avenida mais rica seja capaz de se manter como um local seguro?
E observe que, se policiamento não existe, há câmeras em toda a extensão da avenida, há segurança privada, há pedestres que jamais a deixam deserta. E ninguém foi capaz de fazer nada, uma vez mais. Um dos rapazes correu para pedir ajuda para a polícia e quando voltou o outro estava inconsciente no chão, de novo. Até quando? São Paulo, é a tua avenida que se vestiu de natal, que tem uma praça de natal, que celebrou a própria abertura de natal ontem mesmo, domingo. Domingo que, 15 horas antes, para os dois não foi o natal, e sim a morte. A pequena morte da violência cotidiana que se apresenta sob as mais variadas formas e cujo único fato que a liga a todos os demais fatos semelhantes é a dor dos que, vitimados, sentem-se desprotegidos, pequenos diante de tão grande omissão.
Até quando?