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BRUNA MARCELLE CANCIO BOMFIM

OS DESAFIOS DA PESQUISA EMPÍRICA NO ÂMBITO DO DIREITO

Salvador/BA

2016
2

OS DESAFIOS DA PESQUISA EMPÍRICA NO ÂMBITO DO DIREITO

Bruna Marcelle Cancio Bomfim1

RESUMO
O tema desse trabalho envolve a análise de uma forma específica de realização de
pesquisa, qual seja, a empírica, que tem como nota diferenciadora o fato de se utilizar
da observação dos fatos como fonte da produção do seu conhecimento. Pretende-se,
a partir dessa análise, discutir as dificuldades específicas relacionadas à aplicação
dessa forma de pesquisa no âmbito da ciência do direito. Justifica-se a realização
deste artigo pela atual necessidade de se revelar as possibilidades metodológicas,
bem assim as dificuldades particulares enfrentadas pelo pesquisador, na realização
de pesquisas empíricas de cunho jurídico. A hipótese envolve a constatação da
importância de se realizar a pesquisa empírica no âmbito do direito, motivo pelo qual
se deve enfrentar os obstáculos existentes para que se empreenda por essa
modalidade investigativa no universo do saber jurídico. Para empreender o trabalho
utilizou-se a metodologia hipotético-dedutiva a partir da leitura analítica e crítica de
obras produzidas nos âmbitos da filosofia, da epistemologia, da metodologia, das
ciências sociais, notadamente antropologia e sociologia, e da ciência do direito.
PALAVRAS-CHAVE: Direito. Metodologia. Pesquisa empírica.

SUMÁRIO
1. Introdução. – 2. Considerações sobre os fundamentos da ciência e sobre a ciência
do direito. - 2.1. Ciência e senso comum. - 2.2. A ciência do direito e seu objeto. - 2.3.
Epistemologia jurídica e ciência do direito. – 3. A investigação científica e a
metodologia da pesquisa empírica. – 4. Os desafios da pesquisa empírica no âmbito
do direito. – 5. Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

A aproximação do estudante de Direito com o mundo real, isto é, o terreno onde


se passam os fatos e acontecimentos da vida, não se dá através das teorias ensinadas

1Mestranda em Direito Público na Universidade Federal da Bahia. Especialista em Ciências Criminais


pela Universidade Católica de Salvador. Professora de Direito Penal e Processual Penal. Advogada.
[email protected]
3

exaustivamente a partir de metodologias exclusivamente expositivas em sala de aula.


Ali se apresenta apenas uma parcela do que se entende por universo jurídico,
sobretudo seus referenciais teóricos e doutrinários.

Notadamente, é comum relegar às atividades de estágio a missão de


proporcionar o encontro do aluno em formação jurídica com a realidade dos fatos,
sendo que a praxis laboral também se resume a somente algum aspecto da realidade
sensível.

O ambiente da academia, ou seja, das instituições de ensino superior2, demanda


uma contextualização do ensino produzido para além da teorização da realidade
histórica, eis que Pedro Demo (2006) reconhece na atividade de pesquisa uma natural
imisção na prática, em especial por sua conexão necessária com a socialização do
conhecimento.

Isso porque é através da pesquisa que o professor dá aos alunos a oportunidade


de que eles se transformem em sujeitos do processo de aprendizagem, “bem como
indivíduos críticos em relação ao que é ensinado, não só em relação ao conteúdo das
disciplinas, como em relação à sua prática profissional cotidiana” (GUSTIN e DIAS,
2015, p. 03).

Este trabalho tem como premissa o reconhecimento de que o contato com a


pesquisa é fundamental e indispensável à formação do profissional de direito desde o
período da graduação, bem como enxerga nesta atividade um contato com a realidade
prática dotado de especificidades que não serão encontradas nas atividades de
operacionalização aplicada da teoria jurídica, ou seja, nos estágios profissionais.

Reconhecida a relevância da atividade de pesquisa, percebe-se que há uma


grande multiplicidade de modalidades e métodos de realizá-la. Em paralelo, nota-se
uma predileção, no ambito do Direito, por pesquisas baseadas em fontes secundárias
e, somado a isso, restritas à própria produção de cunho jurídico, ou seja, legislações

2Sejam elas as faculdades ou as universidades, especificamente, tendo em vista que não se pode
destacar o ensino técnico de um saber superior ao produzido ou fomentado no âmbito do ensino médio,
mas para fins de demarcação do que se pretende nesse trabalho, optou-se pelas formações tradicionais
de graus de bacharelado e licenciatura advindas das duas modalidades de instituições mencionadas
de forma específica.
4

de todo tipo, doutrina, obras de Direito de toda a espécie, adágios e aforismos jurídicos
e, por fim, aos objetos emblemáticos do saber forense (GUSTIN e DIAS, 2015).

As novas metodologias reconhecem a necessidade da contextualização e do


diálogo transdisciplinar em qualquer ramo do saber. Dito isso, se faz urgente a
recolocação da pesquisa jurídica no ambiente próprio de aplicação do direito, qual
seja, a sociedade, demonstrando que se faz necessário, também, o recurso à
modalidades de pesquisa historicamente próprios das ciências sociais, em especial,
à pesquisa de cunho empírico.

Há ainda uma notória carência de produções científicas com base em fontes


primárias no Direito, seja pela dificuldade de acesso a tais fontes3, seja por
dificuldades peculiares desse tipo de pesquisa como, por exemplo, a demanda de um
lapso temporal maior para a realização da pesquisa, que envolve desde a elaboração
do projeto, passando pelo período de coleta de dados, culminando com a realização
da discussão e das conclusões sobre o conteúdo colhido.

Como o estudantede direito não é estimulado à pesquisa, os entraves


relacionados à demanda de tempo4 atuam de forma ostensiva em sentido contrário à
implementação da pesquisa empírica na graduação, percebendo-se também um certo
vazio de produções desse cunho nos ambientes de pós graduação, tanto na
modalidade lato sensu, quanto, de forma mais preocupante, nos programas stricto
sensu5.

3 A estruturação das instituições que são objeto de interesse, muitas vezes, da pesquisa empírica no
âmbito do Direito, como prisões e órgãos juridicionais, dificultam o acesso do pesquisador estudante,
oras por vedações legais, oras por entraves burocráticos da máquina estatal. Todavia, a virtualização
dos Tribunais e dos processos judiciais também produzem alguma facilidade que não deve ser
desconsiderada.
4 Para além da crítica constante à necessidade de economia de tempo e apelo à velocidade do mundo

pós-moderno, indicando para aprofundamento na análise a leitura de Bauman (1998), nota-se uma
cobrança generalizada para que os estudantes concluam com brevidade os cursos de graduação para
que entrem, o quanto antes, no mercado profissional e, assim, demonstrem serem bem sucedidos
socialmente. Tal postura vai na contramão do caminho por uma formação sólida, madura e segura do
profissional que vai lidar diariamente, dentre outras coisas, com os conflitos sociais e seus meios de
solução.
5 Pertencem à modalidade stricto sensu de pós graduação os cursos de Mestrado, profissional (vide

Portaria normativa nº 7 de 22 de junho de 2009 do Ministério da Educação. Disponível em: <


http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/port_mestrado_profissional1.pdf>. Acesso em 25, out 2016) ou
acadêmico, e Doutorado. Por sua vez, os cursos lato sensu geralmente se dividem em cursos de
aperfeiçoamento, especialização, com foco de aprofundamento e espcialização em uma área do saber
a partir de ferramentas práticas, ou cursos da vertente M.B.A. (marketing of business administration),
voltado para os aspectos de gestão relacionadas à área fim do estudante.
5

A pesquisa empírica é realizada por meio do contato com fontes primárias ou


indiretas de produção de conhecimento, sendo de abordagem direta do pesquisador,
sem qualquer intermediário, proporcionando a capacidade inovadora do investigador,
por lhe permitir uma abordagem particular dos dados coletados (GUSTÍN e DIAS,
2015).

O tema desse trabalho envolve a análise de uma forma específica de realização


de pesquisa, qual seja, a empírica, que tem como nota diferenciadora o fato de se
utilizar da observação dos fatos como fonte da produção do seu conhecimento.
Pretende-se, a partir dessa análise, discutir as dificuldades específicas relacionadas
à aplicação dessa forma de pesquisa no âmbito da ciência do direito.

A hipótese envolve a constatação da importância de se realizar a pesquisa


empírica no âmbito do direito, motivo pelo qual se deve enfrentar os obstáculos
existentes para que se empreenda por essa modalidade investigativa no universo do
saber jurídico.

Justifica-se a realização deste artigo pela atual necessidade de se revelar as


possibilidades metodológicas, bem assim as dificuldades particulares enfrentadas
pelo pesquisador, na realização de pesquisas empíricas de cunho jurídico.

Para empreender o trabalho utilizou-se a metodologia hipotético-dedutiva a partir


da leitura analítica e crítica de obras produzidas nos âmbitos da filosofia, da
epistemologia, da metodologia, das ciências sociais, notadamente antropologia e
sociologia, e da ciência do direito.

Inicialmente, o artigo trará considerações sobre as bases fundantes da ciência,


contrastando-a com o conhecimento produzido pelo senso comum, indo às questões
mais elementares do saber jurídico, em especial à definição do que se entende por
Direito e à discussão levada à cabo pela epistemologia jurídica, sobre a cientificidade
desse ramo do saber.

Devidamente colocadas e problematizadas, ainda que superficialmente, as


questões apresentadas, se passará ao estudo sobre o que é uma investigação
científica e a metodologia particular das pesquisas empíricas.
6

Por fim, culminará o artigo na discussão sobre os desafios da realização da


pesquisa empírica no âmbito do direito, trazendo possibilidades de superação ou
apenas fazendo menção a obstáculos específicos constatados.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA E SOBRE A


CIÊNCIA DO DIREITO

Não é de hoje a querela sobre a cientificidade ou não do Direito. Aliás, não raro
é apresentada esta como sendo a grande questão preliminar a ser enfrentada pelos
alunos de graduação quando se deparam com as disciplinas introdutórias do curso.

Antes de se ocupar da pesquisa jurídica, deve o investigador ater-se ao


enquadramento da acepção daquilo que entende por direito, localizando de onde
partirá seu ponto de vista naquele trabalho.

Isso porque, a acepção adotada, que revela uma escola conceitual, também
esconde um ponto de vista. Essa forma de enxergar o mundo, que nada mais é que
uma inclinação ideológica, orienta toda aquela produção e merece ser descortinada
de maneira preliminar, afinal, para que se saiba onde se chegou, tem que se
compreender por onde se quis partir.

2.1. CIÊNCIA E SENSO COMUM

O senso comum nada mais é que o conjunto de opiniões normalmente aceitas


em determinada época, correspondendo, geralmente aos valores observados em
dado grupo social e que advem da cultura, dos costumes, da moral e mesmo da
linguagem utilizada (MENDES e SILVA, 2013).

Não se deve confundir, entretanto, o senso comum, referido, com o conceito de


bom senso, o qual é revelado por Descartes (2008, p. 21) da seguinte maneira:

“O bom senso é, das coisas do mundo, a mais bem dividida, pois


quada qual sulga estar tão bem dotado dele, que mesmo os mais
difíceis de contentar-se em outras coisas não costumam desejar tê-lo
7

mais do que já tem. E não é verossímil que todos se enganem a esse


respeito, isso evidencia que o poder de bem julgar e distinguir o
verdadeiro do falso, isto é, o que se denomina bom senso ou a razão,
é naturalmente igal em todos os homens”

A ciência, por sua vez, é uma forma ordenada de produção do conhecimento


que tem como traço diferenciador a necessidade de demonstração dos caminhos que
levaram à cada resultado dado. Isso porque, as teorias científicas dão forma, ordem
e organização aos dados verificados em que se baseiam e, por isso, são sistemas de
idéias, construções do espírito que se aplicam aos dados para lhes serem adequadas
(MORIN, 2005)

Tais caminhos revelam justamente a metodologia adotada e seguida pelo


pesquisador. Apenas conhecendo os trilhos percorridos pelo investigador se poderá
submeter os postulados à verificação ou à sua refutação.

As teorias científicas em sua origem buscam por dar uma resposta correta,
decorrente de um método supostamente perfeito, ou seja, a tentativa de se alcançar
a verdade, em suas variadas acepções.

O senso comum teima em sustentar as exigências do imediatamente útil e se


revolta contra o saber que se refere à essência do ente, pois sua necessidade é
simplesmente apelar pela evidência de suas pretensões e críticas (HEIDEGGER,
1979, p. 329).

Esclarece Pedro Demo (2006, p. 16), retirando o conhecimento científico do


pedestal exclusivo de argumento de autoridade e verdade e, também, se utilizando da
alegoria à figura do analfabeto como também produtor de conhecimentos, que aqui se
entendem como produtos do senso comum, que:

O conhecimento gerado na academia é diferente do conhecimento


comum, mas seria incompatível soberba não reconhecer neste
também “saber”. O analfabeto “não sabe” frente a critérios do culto,
mas em seu universo gera níveis próprios do saber, que por vezes não
precisam ser menos críticos. [...] cabe reconhecer que conhecimento
é processo diário [...], que nem começa nem acaba.

Nada se diferenciam, em termos de grau de certeza ou veracidade, os


conhecimentos produzidos cientificamente e os conhecimentos oriundos do senso
8

comum, portanto. São, o senso comum e a ciência, apenas modos de produção de


conhecimento.

Ocorre que a ciência acredita refletir a realidade através de seus postulados e


verificações, contudo, adverte Morin (p. 22) que “não é próprio da cientificidade refletir
o real, mas traduzi-lo em teorias mutáveis e refutáveis”.

Até mesmo porque, revela Morin (p. 21), que diversos trabalhos, ainda que
antagônicos em muitos pontos, de Popper, Kuhn, Lakatos, Feyerabend, entre outros,
têm como traço comum a demonstração de que as teorias científicas têm enorme
parte imersa cujo conteúdo não tem caráter científico, mas que é, ao mesmo tempo,
indispensável ao desenvolvimento da ciência. Nessa zona se situa o que entende por
“zona cega da ciência”, que acredita ser a teoria reflexo do real.

Com isso, o que se pretende é demonstrar que mesmo a ciência, com todas as
suas formas de verificação e de demarcação de conteúdo produzido, possui um
manancial teórico baseado no senso comum e nos sabres práticos incomensurável.
Seja porque não são fontes reveladas, seja porque são fontes que não se tem
consciência aprioristicamente.

Em outras palavras, o senso comum integra o conhecimento científico, por mais


que este queira daquele se afastar, da mesma forma que, segundo Boaventura de
Sousa Santos, todo conhecimento científico tem intenção de transformar-se em senso
comum, em alguma medida.

2.2. A CIÊNCIA DO DIREITO E SEU OBJETO

Dentre as perspectivas para se observar o multifacetário fenômeno da Ciência


do Direito encontra-se o ponto de vista normativo, enxergando a experiência jurídica
como uma experiência normativa, trazendo como sua principal característica o
elemento da normatização (BOBBIO, 2001).

Bobbio (2001) também traz à tona outras duas teorias sobre o direito, que
divergem do ponto de vista normativo, quais sejam: a teoria do direito como instituição
e a teoria do direito como relação.
9

A primeira, elaborada na Itália por Santi Romano, aponta como insuficientes os


postulados da teoria normativa, inserindo no conceito de direito como elementos
essenciais a sociedade, base de fato sobre a qual o direito ganha existência6, a ordem,
como fim a que o direito persegue e, por fim, a ideia de organização e estrutura
anterior à norma jurídica, que será também o meio para alcançar o fim da ordem. Para
a segunda teoria, o elemento característico da experiência normativa é a relação
intersubjetiva.

Parece até óbvio associar o direito à norma, já que se estuda a lei escrita no
direito por excelência. Ocorre que a regulação social não se dá apenas por meio de
leis positivadas, bem como o fenômeno jurídico não se esgota em suas manifestações
dogmáticas, sendo parte da experiência vivida.

2.3. EPISTEMOLOGIA JURÍDICA E CIÊNCIA DO DIREITO

Epistemologia é a parte da filosofia que tem como objeto o estudo dos


pressupostos do saber científico, genericamente considerado ou aquele pertencente
a cada ciência em particular.

Ao se ocupar da missão de revelar o objeto da ciência do direito, ou seja,


conceituar o que é o direito, estar-se-á fazendo algo que tem que ver com o direito,
mas que com ele não se identifica (MACHADO NETO, 1988, p. 05). Por isso, inegável
é o fato de que há sempre um problema de epistemologia relacionado à Ciência do
Direito anterior ao começo de qualquer empreitada científica nesse ramo.

O Direito é um fenômeno complexo que se manifesta em diferentes contextos e


em diversos planos da existência, por isso dele se ocupam muitas disciplinas
diferentes, cada uma o contemplando sob um aspecto e um modo de ser distinto
(LARENZ, 1997, p. 261).

Ocorre que, apesar de poder ser tratado a partir de diversas perspectivas


metodológicas, o Direito, como qualquer outro objeto em razão de sua especial

6
Fazendo, neste momento, referência ao famigerado brocardo latino ubi societas ibi ius
10

estrutura ôntica, possui resistência a determinados tratamentos metodológicos


(MACHADO NETO, 1988, p. 10).

Investigar a utilização do termo direito, descortinando a acepção que se esconde


por trás de determinada perspectiva científica é fundamental para fins de interpretar a
validade e as conclusões a que levam cada trabalho produzido.

Nenhuma produção é vazia ideologicamente, nem mesmo aquilo que se entende


por direito, mesmo que adstrito ao plano filosófico, tem alguma contextualização e
esconde alguma conotação.

3 A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E A METODOLOGIA DA PESQUISA


EMPÍRICA

Pesquisar é dialogar, no sentido de produzir conhecimento do outro para si e de


si para o outro. Pesquisa produtiva é simultaneamente, desta forma, método de
comunicação e conteúdo da comunicação, pois quem pesquisa tem o que comunicar,
sendo capaz de produzir instrumentos e procedimentos de comunicação inovadores,
pois só quem não pesquisa é que reproduz ou assiste à comunicação alheia
passivamente. (DEMO, 2006, p. 39)

Pedro Demo (2006), entendendo a pesquisa como princípio científico e, da


mesma forma, como princípio educativo, empreende a crítica da separação artificial
entre ensino e pesquisa por entender que isso é um mito que merece ser superado.
Ora porque é necessário teorizar a realidade histórica, mas também porque deve se
reconhecer que a pesquisa tem natural imisção na prática, em especial.

O mesmo autor, em obra anterior, discorreu que:

O maior problema da ciência não é o método, mas a realidade. Como


esta não é evidente, nem coincidem completamente a ideia que temos
da realidade e a propria realidade, é preciso primeiro botar em
questão: o que consideramos real? Alguns julgam que realidade social
é algo já feito, totalmente externo e estruturado. Outros concebem-na
como algo a se fazer, pois seria criativamente histórica. Outros mais
11

tenatm misturar as duas posturas: em parte a realidade social está


feita, em parte pode ser feita (DEMO, 1995, p. 16).

Historicamente, contudo, atribuiu-se o método de raciocínio indutivo à pesquisa


empírica por excelência. Tal raciocínio se traduz por:

Processo mental que parte de dados particulares e localizados e se


dirige a constatações gerais. Assim, as conclusões do processo
indutivo de raciocínio são sempre mais amplas do que os dados ou
premissas dos quais derivavam. É o caminho do particular para o
geral7 (Gustin e Dias, 2015, p. 22).

Foi a escola inglesa que inaugurou a metodologia da indução empírica como


critério de cientificidade, uma nítida reação aos excessos cometidos pelo dedutivismo
da Europa continental. Sua ideia básica consiste em submeter ao controle e ao teste
experimental a busca científica (Demo, 1995).

Tal método é contestado por Popper (2013), que rechaça a possibilidade lógica
de se inferir enunciados universais de enunciados particulares. Para ele, o problema
da indução está em saber se as inferências indutivas se justificam e em que
condições, até mesmo porque para ele a descrição de uma experiência só pode se
tratar de um enunciado singular.

A pesquisa de cunho empírico tem por meta a coleta e o resumo de dados do


mundo real e a realiazação, em squência, de inferências descritivas e causais com
base neles, usando, assim, fatos conhecidos como fonte de conhecimento para coisas
que são ainda desconhecidas (EPSTEIN e KING, 2013).

Tratar de um conhecimento empírico significa lidar com a ideia de evidência


sobre o mundo baseada em observação, seja numérica ou quantitativa, seja não-
numérica ou qualitativa. O que dá o caratér empírico a uma pesquisa é o fato de que
sua fonte de conhecimento seja baseada em observações do mundo, ou seja, dos
dados, que significam os fatos sobre o mundo (EPSTEIN e KING, 2013).

7 As mesmas autoras, ainda, atribuem a essa construção sobre o método indutivo uma forte crítica
oriunda do âmbito das ciências sociais aplicadas que diz que as pesquisas dessa área em especial
“não permitem generalizações completas por se restringirem a campos sociais específicos, sendo
difíceis a universalização dos conhecimentos obtidos” (GUSTIN e DIAS, 2015, p. 22)
12

Esses dados são conhecidos como fontes de conhecimento primário, ou seja,


que demandam abordagem direta do pesquisador sem qualquer forma de intermédio,
destacando-se, entre tais fontes, todos os tipos de documentos, arquivos, entrevistas,
discursos, notícias de jornais e periódicos, entre outras (GUSTIN e DIAS, 2015)

A vantagem da utilização de fontes primárias na pesquisa é que elas, segundo


Gustín e Dias (2015, p. 30), “aumentam a capacidade inovadora do pesquisador, por
lhe permitir uma abordagem própria dos dados coletados”.

As pesquisas empíricas podem ter viés quantitativo, tratando apenas de


apresentar estatísticas e localizá-las geografica e historicamente, ou seja,
contextualizá-las, podendo ser, inclusive, fonte de conhecimento para realização de
outras pesquisas, bem como a pesquisa de cunho qualitativo, que tem como suas
duas principais características o fato de que o pesquisador normalmente tem um ou
mais objetivos específicos em mente – como coletar dados ou fazer inferências. A
segunda é que, independente de qual for o objetivo específico, o pesquisador seguirá
algumas regras gerais para alcançá-lo – ou ao menos alcançá-lo com algum grau de
confiança (EPISTEIN e KING, 2013, p. 23).

Com isso, se percebe que são três os objetivos da pesquisa empírica, quais
sejam: coletar dados, resumir dados e fazer inferências descritivas ou causais, que
envolve, nas palavras de Epistein e King (2013, p. 23), “usar os dados que
observamos para aprender sobre os dados que queremos levantar.”

4 OS DESAFIOS DA PESQUISA EMPÍRICA NO ÂMBITO DO DIREITO

Pedro Demo (1995) coloca a questão empírica tendo problemas teóricos seu
como pressuposto, argumentando que um dado não fala por si nem é evidente, mas
se apresenta ao mundo através do quadro de referências teóricas pelo qual é colhido
e observado. Para o sociólogo, a pesquisa se constrói na confluência do esforço
teórico e do esforço empírico.
13

Antes de se ocupar da pesquisa jurídica, deve o investigador ater-se ao


enquadramento da acepção daquilo que entende por direito, localizando de onde
partirá seu ponto de vista naquele trabalho. A compreensão ou o desenho do conceito
de direito é indispensável porque demonstra o referencial teórico a partir da qual se
enxergarão os dados observáveis. Essa necessidade se revela porque:

Na pesquisa empírica, a voz dos operadores do campo e dos cidadãos


é ouvida e o objeto do estudo internaliza a concepção teórica
produzida pelos juristas de forma articulada com o mundo prático, dos
cartórios e dos tribunais, normalmente, olvidado pelos teóricos do
dever-ser. (KANT DE LIMA e BAPTISTA, 2016, p. 07)

A ciência do direito, ainda que por meio do seu objeto por excelência, o direito,
não possui instrumentos para dar respostas corretas sempre e em qualquer
circunstância, busca, contudo, os melhores meios para compatibilizar os anseios da
sociedade na busca por preservar alguma segurança e a continuidade das relações
existentes.

Tal ciência é um ramo de construção do conhecimento baseado na análise de


problemas, a exemplo de conflitos sociais, que, postos à apreciação, devem ter uma
resposta adequada à metodologia científica adotada, baseada em critérios científicos
e que preservem a organização social e a aplicação do direito, num determinado
contexto social e comunitário.

Daí porque Popper (2004, pp. 14-15) entende que:

[…] Se é possível dizer que a ciência, ou o conhecimento, ‘começa’


por algo, poder-se-ia dizer o seguinte: o conhecimento não começa de
percepções ou observações ou de coleção de fatos ou números,
porém, começa, mais propriamente, de problemas; mas, também, não
há nenhum problema sem conhecimento. Mas isto significa que o
conhecimento começa da tensão entre conhecimento e ignorância.
Portanto, poderíamos dizer que não há nenhum problema sem
conhecimento; mas, também, não há nenhum problema sem
ignorância. Pois cada problema surge da descoberta de que algo não
está em ordem com nosso suposto conhecimento; ou, examinando
logicamente, da descoberta de uma contradição interna entre nosso
suposto conhecimento e os fatos; ou, declarado talvez mais
corretamente, da descoberta de uma contradição aparente entre
nosso suposto conhecimento e os supostos fatos.
14

Apesar de não se tratar de uma crítica específica vinculada ao estudo da ciência


do direito nas instâncias formais, ou seja, nas instituições de ensino superior, já
delimitadas nesse trabalho, também se percebe que a cobrança pela conclusão do
curso e o breve acesso ao mercado de trabalho, associada a uma expectativa de
ascensão social e financeira, vai de encontro ao estímulo acadêmico da realização de
pesquisas, em especial às empíricas.

Até mesmo nas estruturas de cursos de pós-graduação, onde há prazos pré-


estabelecidos para conclusão e depósito dos trabalhos, sejam dissertações ou teses,
observa-se uma cultura que dificulta a formatação de projetos de pesquisa de
observação no seio do direito8.

De fato, em termos de pesquisa jurídica, é somente a puramente normativa ou


teórica aquela que não é empírica. Mas mesmo muitos artigos cujo propósito principal
é normativo frequentemente invocam argumentos empíricos para fortalecer seus
pontos normativos – como oferecer as implicações empíricas positivas decorrentes da
adoção de sua política preferida (EPSTEIN e KING, p. 12)

Com isso se percebe a visão restrita normalmente dispensada à produção


acadêmica no âmbito do direito. Urge-se por uma visão alternativa de pesquisa nesse
campo, pois essa tem aptidão de recolocar a universidade no caminho das
esperanças sociais nela depositadas, o que exige, além de criatividade, disciplina e
compromisso histórico, um intenso diálogo com a realidade (DEMO, 2006, p. 46).

Insta salientar a necessidade, também prévia, de capacitar os profissionais e


acadêmicos no campo jurídico a ampliar seu diálogo com as metodologias das
ciências sociais que fundamentam a aplicabilidade de seus postulados, em especial
aumentando-se o estudo sob perspectivas empíricas e críticas, com viés
transformador a partir da análise do dado e do que se considera como real.

O afastamento dos profissionais de direito como um todo da realidade, em


contrapartida à aproximação com as estruturas dogmáticas e ao apreço às leis e aos
códigos, colabora para uma ciência do direito afastada da sociedade, que com ela não
dialoga, um mundo completamente paralelo e alheio.

8 Essa crítica se direciona a toda estrutura educacional no Brasil, mas o recorte aqui apresentado nos
leva a direcioná-la ao campo do ensino do direito.
15

Assim, o discurso jurídico se esvazia de conteúdo e de comunicação, pois se a


sociedade não se enxerga refletida no direito e por ele obervada, para fins de busca
de meios para se construir a segurança e a paz necessárias, ela também não buscará
no direito a solução dos seus anseios, afastando-se das normas jurídicas de forma a
produzir maiores desvios de conduta, não queridos.

Esse problema pode ser, em parte, superado pela ampliação do horizonte de


produção científica do direito em que se privilegiem as fontes primárias, os fatos, a
realidade concreta, como ponto de partida para estudos e análises, formando
manancial referencial e também teórico para construção de um direito melhor para
todos.

5 CONCLUSÃO

A realização de pesquisas empíricas é viável no âmbito da ciência do direito,


sobretudo porque o objeto deste não se esgota na norma positivada, mas atravessa
todas as relações sociais, naturalmente conflituosas, e com isso o recurso à
observação é, até mesmo, imprescindível.

Restringir a pesquisa no campo jurídico à discussões teóricas ou filosóficas, sem


associação com a realidade sensível ou mundo dos fatos é esgotar o saber
ensimesmando-o.

Grande parte da solução para os problemas do direito ou ainda não se


encontram no seu âmbito de instrumentos, ou é diariamente superada por meio da
natural evolução e modificação da sociedade. Cabe ao direito a tarefa de reinventar-
se em práticas e interpretações que, ainda que não esvaziem o texto legal,
demonstrem sua insuficiência.

Contudo, necessário equipar as estruturas curriculares com uma formação


voltada à pesquisa de cunho prático, buscando professores capacitados e recorrendo
à transdisciplinaridade vivenciada no ambiente estudantil das universidades, afinal o
16

direito, visto como uma técnica, se forma com uma finalidade construída pelas
diversas ciências sociais.

Apesar de haver diversos desafios, não exauridos nesse trabalho, sendo muitos
relativos à questões culturais, ou seja, de formação do próprio profissional do direito,
bem como outros relativos à burocracia da estruturação dos espaços acadêmicos, o
incentivo se faz necessário, tendo em vista que somente com o recurso da realidade
observável, o direito logrará o êxito de se aproximar e dialogar com a sociedade que
o deu causa, superando a distância provocada pela vontade fria e uniletaral do
Legislador.

Por tudo isto, a pretensão de revelar as virtudes da pesquisa empírica para a


ciência do direito envolve, da mesma forma, a necessidade de encarar seus
obstáculos e suas formas de superação.
17

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós modernidade. Trad. Mauro Gama e Cláudia


Martinelli Gama. Rev. Luís Carlos Fridman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e
Ariani Bueno Sudatti. 1 ed. São Paulo: Edipro, 2001.
DEMO, Pedro. Metodologia cientifica em ciências sociais. 3 ed. São Paulo: Atlas,
1995.
______. Pesquisa – princípio científico e educativo. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2006.
DESCARTES, René. Discurso do método – Regras para a direção do espírito.
Trad. Pietro Nasseti. 2 reimp. São Paulo: Martin Claret, 2008.
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