Medoloogia Científica

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 112

2

BASES PARA UMA METODOLOGIA DA PESQUISA EM DIREITO candidatos em concursos de ingresso que promovem, além de oferecerem oportunidades
de estudo investindo em seus próprios quadros.
É falaciosa a argumentação de que a pós-graduação não é necessariamente
João Maurício Adeodato garantia de qualidade. O silogismo é falso pois o paradigma se transforma em um sofisma
Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da quando o exemplo é casual, isolado ou mesmo pouco freqüente. O paradigma só tem
Escola Superior da Magistratura de Pernambuco. sentido quando é a regra, não o mero exemplo excepcional2. Apesar da retórica
supostamente objetiva e geral, parece que as ações contrárias e aquelas que pretendem
Sumário: 1. Introdução: o contexto brasileiro e a importância da pesquisa e da pós- minimizar a importância da pós-graduação em direito no Brasil têm um fundamento
graduação em direito. 2. Como escolher o tema. 3. Organização da pesquisa jurídica. 4. nitidamente pragmático e, por motivo deste caráter existencial de sobrevivência, seus
Fontes de pesquisa jurídica. 5. Redação do trabalho científico. 6. Formas de referências baluartes atuam tão denodadamente em defesa de seus próprios interesses.
às fontes utilizadas. 7. Sugestões bibliográficas. Daí a resistência de muitos setores conservadores a mudanças mais profundas,
procurando desqualificar a pesquisa e a pós-graduação. Como não a obtiveram nem a
querem ou podem obter, revoltam-se contra o estabelecimento de critérios e contra
aqueles que esforçam-se neste sentido. É sintomático observar que todas as críticas ao
1. Introdução: o contexto brasileiro e a importância da pesquisa e da pós-graduação “excesso de importância” dado à pesquisa e à pós-graduação em direito venham, sem
em direito. exceção, de pessoas que não conseguiram uma coisa nem outra. Nunca se viu um doutor
menosprezando publicamente a importância da pós-graduação.

O ensino jurídico vem atravessando mais uma grande modificação estrutural, Mas os problemas internos da pós-graduação são muitos e mais sérios. Um deles é
talvez a maior na história do ensino superior no Brasil, o que vem provocando debates o alto índice de desistência, fenômeno que não é exclusivo da pós-graduação brasileira
mais que salutares. Embora se venha escrevendo copiosamente sobre metodologia de nem do curso de direito3, mas neles atinge níveis ainda mais significativos. Por um lado,
pesquisa no Brasil, o direito tem sido sistematicamente esquecido. A pesquisa jurídica é tem-se o aspecto psicológico da “síndrome da desistência”, quando o aluno procura
das mais atrasadas do país e os investimentos governamentais na área são irrisórios, nada explicar seu próprio fracasso na empreitada através de argumentos “objetivos”, tais como
obstante ser direito um dos cursos superiores mais importantes e procurados pelos ter pouco tempo disponível, ser arrimo de família, ter coisas mais importantes a fazer, a
egressos do segundo grau no país1. Este fenômeno deve-se a diversos fatores, tais como a pouca importância profissional da pós-graduação e toda sorte de problemas pessoais. O
profissionalização (e mesmo proletarização) da profissão, mercantilismo nos cursos fato é que, ao lado da disponibilidade intelectual, pesquisa é tarefa das mais estafantes e
jurídicos privados, omissão do Estado e da sociedade, sem falar nas duradouras nem todos têm conseguido levá-la a cabo satisfatoriamente.
conseqüências do esvaziamento qualitativo do corpo docente jurídico levado a efeito pelo Por outro lado, há a atitude leniente das agências governamentais para com
governo militar que se estendeu desde 1964. Apesar de sua importância, não cabe aqui bolsistas que não cumprem suas obrigações, culminando na perda de todos os prazos sem
considerar essas causas. defender a dissertação ou tese, inadimplentes após usufruírem de recursos de um país
Além da ignorância sobre como pesquisar e como apresentar os resultados de suas pobre que tão pouco investe em educação. Com base em pareceres no mínimo
pesquisas, os juristas estão em geral tão envolvidos com problemas práticos do dia-a-dia questionáveis, as agências têm entendido a bolsa de estudos pública como uma doação
que não têm tempo para estudos mais aprofundados. A pesquisa toma tempo, exige pura e simples, sem contrapartidas, quando sanções cíveis contra quem não cumpre
grande dedicação e as recompensas imediatas são parcas, ainda que seu resultado, o contratos seriam ao menos argumentáveis em quaisquer tribunais e são a regra no que
saber, seja extremamente útil no tratamento de problemas práticos do dia-a-dia. E a concerne às agências de fomento públicas em outros países.
comunidade jurídica nacional vem percebendo isto. Não só a pós-graduação stricto sensu Este texto pretende auxiliar quem pretende participar de uma discussão sobre o
(mestrado e doutorado) e lato sensu (especialização) em direito crescem visivelmente em direito em bases científicas, através de uma série de sugestões que o bom senso e a
quantidade e qualidade, nos ensinos público e privado, como também as entidades que experiência confirmam.
congregam profissionais tradicionalmente afastados da pesquisa preocupam-se mais e
mais em melhor formar seus quadros, sejam estes da magistratura, do ministério público,
da advocacia, e procuram a pouco e pouco privilegiar a pesquisa e o currículo dos

1 2
Conferir os quatro volumes publicados pela Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, Aristóteles: Retórica, I, 2, 1357b, 30-35, in The Works of Aristotle, trad. de W. Rhys Roberts, coleção
Brasília, 1992, 1993, 1996 e 1997. Também Luciano Oliveira - João Maurício Adeodato: O Estado da Arte Great Books of the Western World. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1990, vol. 8.
3
da Pesquisa Jurídica e Sócio-Jurídica no Brasil. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Estelle M. Phillips - Derek. S. Pugh: How to get a PhD - A Handbook for Students and their Supervisors.
Judiciários, 1996. Buckingham - Philadelphia: Open University Press, 1995, passim.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
3 4

2. Como escolher o tema.


3. Organização da pesquisa jurídica.
O tema do trabalho não precisa necessariamente ser original. É bastante que o
enfoque, a atitude do pesquisador o seja. Costuma-se dizer que uma dissertação de Uma questão que preocupa quem se propõe a escrever um trabalho científico
mestrado ou monografia de pós-graduação pode-se reduzir a comentar um tema qualquer,
refere-se às dimensões, ao número de páginas que o texto deve ter. Claro que não há uma
ficando a exigência de originalidade adstrita à tese de doutorado. Isto não procede. resposta pronta para isto, devendo preponderar o bom senso. O grau de especificidade e o
Evidentemente a originalidade científica é uma virtude e deve ser buscada, qualquer que número de partes, capítulos, subitens etc. dependerão, obviamente, do número de laudas.
seja a dimensão ou a pretensão do texto a ser produzido. Assim, uma monografia será
Subdividir tanto, a ponto de ter dois ou mais subitens em uma só página ou mesmo um
tanto melhor quanto mais pareça uma dissertação de mestrado e uma dissertação de
por página é um exagero detalhista. Subdividir um trabalho de cem laudas em apenas três
mestrado será tanto melhor quanto mais pareça uma tese de doutorado. A avaliação piora partes é o pecado oposto.
na direção inversa.
Um projeto é sobretudo prospectivo, diferindo do relatório, cujo caráter é
A abrangência do tema é uma questão delicada quando se trata de defini-lo. Os retrospectivo. Assim, nada há de errado em listar na bibliografia do projeto obras de que
autores de obras jurídicas parecem tender a uma ampliação exagerada de seus temas, fato
ainda não se dispõe nem se sabe como conseguir, obtidas a partir das listagens
que, embora possa atrair estudantes incautos, preocupados com o sucesso em provas, não bibliográficas de outras obras. Desonesto é fazê-lo na versão final do trabalho.
se prestam ao trabalho científico. Não faz sentido que um jovem mestrando se dedique a
escrever uma dissertação como “Hermenêutica Jurídica” ou “Fundamentos do Direito Pesquisar é quase que sinônimo de estudar, significando, quando muito, uma
Penal” ou “O Estado Moderno”. Temas muito amplos perdem em precisão e acuidade e forma especial de estudo. O advogado que estuda para melhor fundamentar sua
demandam muita experiência por parte de seu autor4. argumentação no processo faz pesquisa, sem dúvida. Especificamente, contudo, o
trabalho de pesquisa é mais ambicioso, apresentando-se de forma sistemática, com
Estratégias para reduzir um tema jurídico são basicamente por assunto (“A pretensões de racionalidade e aplicação generalizada. Ele precisa apoiar-se o mais
dispensa abusiva no contrato de trabalho”), por autor (“O conceito de legitimidade em
claramente possível no objeto investigado, seja este objeto formado por eventos, um
Hannah Arendt”), por circunscrição temporal (“Evolução do concubinato na segunda
conjunto de normas ou opiniões de leigos, agentes jurídicos, doutrinadores. Daí a
metade do século XX”), por circunscrição espacial (“Ações de despejo na Comarca de importância das fontes de referência, que serão comentadas adiante.
Escada”), por referência expressa a aspecto específico do direito positivo (“O princípio
da nacionalidade na Lei de Introdução ao Código Civil de 1916”) etc., além desses Devido à inseparabilidade entre teoria e praxis, o trabalho de pesquisa precisa
critérios combinados. descrever seus pontos de partida e ao mesmo tempo problematizá-los e explicá-los, isto é,
procurar compreendê-los dentro de uma visão (“teoria”) de mundo coerente. Esquecer as
O que é bom para as editoras, posteriormente, se o trabalho vier a ser publicado
bases empíricas do direito faz a “visão de mundo” irreal e inútil, ainda que pareça
com objetivos de mercado, nem sempre é de bom tom científico. Editores tendem a
coerente; reduzir-se a descrever dados empíricos sem uma teoria, por outro lado, deixa a
querer uniformizar os títulos, buscando atingir maior público, muitas vezes com o nome
informação fora de rumo e dificulta a comunicação.
da disciplina a que se podem dirigir os livros (“Filosofia do Direito” ao invés de
“Ontologia do Dever Ser no Neokantismo Tardio”). Ao escrever para seus pares e Ainda que um trabalho de pesquisa possa ser predominantemente conceitual ou
examinadores, porém, a norma deve ser invertida. predominantemente empírico, o pesquisador deve ter o cuidado de explicitar as
interrelações entre as duas formas de abordagem: se quiser conceituar a diferença entre a
Outra regra é nunca separar “teoria” de “praxis”, pensar conceitualmente e prescrição e a decadência, nada melhor do que ajuntar exemplos reais e atuais, além da
realidade empírica só têm sentido um com o outro. Interessante observar que, nada análise de precedentes, jurisprudência, casos concretos. Parece-nos, portanto, que um
obstante o direito constituir matéria eminentemente prática, os juristas pouco mencionam capítulo “empírico” ou mesmo referências constantes a fatos reais só têm a enriquecer um
a “prática” do direito quando escrevem seus trabalhos “teóricos”, eles dificilmente trabalho de pesquisa “teórico”.
referem-se a seus “trabalhos de campo”, a suas experiências práticas enquanto operadores
jurídicos, para confirmar empiricamente suas teses, o que, em outras áreas, constitui Conceitualmente, então, devendo mais serem entendidas como fases de uma única
metodologia unânime dos pesquisadores. tarefa do que como atitudes distintas, podemos dividir a pesquisa em bibliográfica e
empírica.
Pesquisa bibliográfica é aquela “... desenvolvida a partir de material já elaborado,
4
constituído principalmente de livros e artigos científicos”5. Mas ela também inclui outras
Franz Wieacker, já autor consagrado, escreveu a História do Direito Privado Moderno mas teve o
cuidado de colocar como subtítulo: Com especial atenção ao desenvolvimento alemão. V.
formas de publicação, tais como artigos de jornais e revistas dirigidos ao público em
Privatrechtsgeschichte der Neuzeit - unter besonderer Berücksichtigung der deutschen Entwicklung.
5
Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1967. Cf. Antônio Carlos Gil: Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991, p. 48.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
5 6

geral. No caso da pesquisa jurídica, é importante também o estudo de documentos como tramitação no Foro do Recife). 5. A atuação da sociedade no controle externo do
leis, repertórios de jurisprudência, sentenças, contratos, anais legislativos, pareceres etc., judiciário. 6. O judiciário e o controle interno das práticas extra-dogmáticas. 7.
constituindo uma vertente específica da pesquisa bibliográfica que podemos chamar de Conclusão: a ineficiência do procedimento jurídico brasileiro na estruturação dogmática
documental. do direito positivo. 8. Bibliografia”.
Já na pesquisa empírica, o pesquisador vai mais diretamente aos eventos e fatos,
sem intermediação de outro observador, investigando as variáveis de seu objeto e
tentando explicá-las controladamente. Seus métodos são muitos, tais como questionários,
entrevistas, estudos de caso, entre outros. 4. Fontes de pesquisa jurídica.
A pesquisa jurídica pode ser classificada, dentre outros critérios, em científica,
que tem por fim descrever e criticar os fenômenos definidos como objeto, e dogmática, Certamente as principais fontes de pesquisa em direito são os livros e artigos
destinada a sugerir estratégias de argumentação e decisão diante de conflitos a partir de especializados. Os juristas brasileiros costumam usar mais livros e manuais do que
normas jurídicas estabelecidas. artigos, o que contraria as tendências mais modernas, quando tempo é escasso e precioso.
Os manuais sobre como redigir um trabalho, disponíveis nas livrarias, insistem Em uma área como física, por exemplo, os livros são dirigidos aos iniciantes e os
sobre os aspectos formais dos planos e projetos. Isto é, sem dúvida, fundamental. iniciados concentram-se em artigos menores e mais objetivos.
A parte mais importante é dividir o tema escolhido em tópicos razoavelmente Quanto mais específicas as fontes bibliográficas, melhor, devendo-se eliminar as
detalhados. Esses tópicos devem ter títulos específicos, personalizando o plano de obras genéricas que nada têm a ver com o tema e aquelas básicas que são de leitura
trabalho desde logo. Não nos parecem os melhores aqueles projetos de pesquisa com obrigatória para formação na área, a não ser se especialmente analisadas no texto.
sumários assépticos, que poderiam servir a qualquer tema e a qualquer autor, tal como Chama atenção que os juristas, cuja atividade é essencialmente prática, pouco se
ensinado em alguns cursos de biblioteconomia: “Projeto: As Estratégias de Inconsistência referem a legislação, jurisprudência e casos práticos quando publicam trabalhos
no Judiciário Brasileiro”. 1. Introdução (1.1. Importância do tema. 1.2. Justificativa). 2. doutrinários. Essas referências dão maior peso a uma teoria, além de a tornarem mais
Objetivos geral e específicos. 3. Hipóteses de trabalho. 4. Metodologia (4.1. Material e clara e eficiente no trato com os problemas, conforme já mencionado. Se o trabalho
métodos. 4.2. Universo. 4.3. Instrumentos. 4.4. Procedimentos). 5. Conceitos básicos. 6. dogmático nas lides dos profissionais do direito “prático” pouco tem de científico, ele
Conclusões. 7. Cronograma. 8. Bibliografia”. certamente é um objeto de todo interesse para a perspectiva científica que deve ter a
Na pesquisa jurídica, pelo menos, isto não funciona. Ainda que tais idéias pesquisa jurídica.
precisem estar presentes por trás do projeto ou sumário, o autor deve procurar títulos que Certos temas, por suas características ou novidade, têm nos artigos e reportagens
já exponham ao leitor, a partir do índice, algo do conteúdo que o espera e que da imprensa uma fonte de pesquisa importante. O pesquisador não deve ter pejo de referi-
individualizem o trabalho. O ideal é que a introdução tenha um título específico, que já los. Mas óbvio que, por sua própria pretensão limitada, tais fontes não têm a mesma
expresse uma justificativa pela escolha; dentro desta introdução, um subtítulo designará a dignidade de artigos especializados, por exemplo. Claro que pode haver artigos de jornais
importância do tema: outro explicitará a metodologia empregada, tanto na pesquisa (quais superiores a artigos de revistas especializadas, sobretudo se o controle de qualidade
as fontes, quais as formas utilizadas) quanto na redação (optou por este ou aquele sistema destas deixa a desejar, misturando níveis quilometricamente distantes, como é quase
de referência, este ou aquele autor-guia, porque excluiu ou incluiu este ou aquele tema - regra unânime no Brasil. Mais aconselhável é, portanto, observar cada referência
dependendo de seu papel, a metodologia pode ocupar um capítulo à parte); outro concreta.
apontará, muito resumida e atrativamente, o conteúdo de cada capítulo. No nosso
exemplo: “Projeto: As Estratégias de Inconsistência no Judiciário Brasileiro”. 1. A consulta à bibliografia estrangeira nunca é prejudicial e é, no mais das vezes,
Hipóteses de trabalho (1.1. Direito e Estado subdesenvolvidos. 1.2. Direito estatal e indispensável. As fontes são tão importantes que a escolha do próprio tema precisa
direito extra-estatal. 1.3. O direito extra-estatal dependente do Estado. 1.4. Como se considerar a acessibilidade delas; de nada adianta um tema genial se não há como
organiza esta pesquisa). 2. Pressupostos epistemológicos (2.1. Pluralismo jurídico versus informar-se a respeito dele. A leitura de línguas estrangeiras amplia em proporção
monismo estatal. 2.2. Estratégia. 2.3. Disfunção). 3. O direito extra-estatal no judiciário geométrica as possibilidades de obtenção de informações.
brasileiro (3.1. O nível dogmático previsto no ordenamento oficial. 3.2. O nível extra- A ficha de leitura é uma das formas mais eficientes de consulta às fontes. Com ela
dogmático ensejado pelo ordenamento oficial. 3.3. O nível extra-dogmático contrário ao o pesquisador consegue ter disponível um maior número de informações quando da
ordenamento oficial). 4. Metodologia (4.1. Pesquisa bibliográfica dos fundamentos redação dos textos, sem que precise a todo momento recorrer a livros, códigos,
epistemológicos. 4.2. Coleta de decisões judiciais singulares e jurisprudências repertórios de jurisprudência etc. Com a vantagem adicional de ter como fonte para
exemplificativas. 4.3. Pesquisa de legislação. 4.4. Levantamento estatístico de denúncias, redação de seu texto final um texto que já foi redigido pelo próprio autor, desde que a
tramitação e resultados. 4.5. Observação controlada e induzida de processos em ficha não se limite a transcrever ipsis litteris o conteúdo da fonte, o que equivaleria ao

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
7 8

trabalho de grifar trechos dos textos consultados; a ficha de leitura será mais eficiente se simplesmente não compreende patavina do que se diz no trabalho. Ambas as opções
já expressar o conteúdo das fontes nos termos e na perspectiva do pesquisador. deixam a desejar.
Uma regra geral importante é atentar para a necessidade de referir Usar gráficos, fórmulas, tabelas e assemelhados pode ser um recurso muito
especificamente, no decorrer do texto, tudo aquilo que aparecer listado na bibliografia. E efetivo. Mas é preciso cuidado com aqueles que, muito comumente, mais tornam
vice-versa. Conforme já sugerido, não se devem listar obras de leitura obrigatória ou ininteligível o que se quer explicar.
fontes que, embora tenham sido importantes na formação do pesquisador, pouco ou nada
Evidentemente a linguagem discursiva não é tida como a única forma de
tenham a ver com a efetiva elaboração daquela pesquisa e não apareçam diretamente
comunicação. Os hippies tentaram comunicar-se pelos olhos e coração e o apelo das
referidas nos rodapés. experiências telepáticas, cinéticas, holísticas demonstram tal convicção. Mas à linguagem
Fontes não-bibliográficas de pesquisa, tão ao gosto dos demais estudiosos dos científica, descritiva, só resta o discurso, com pretensões de racionalidade, de
fenômenos sociais, não vêm sendo utilizadas pelos juristas como seria de desejar: entendimento universal, por assim dizer.
questionários, entrevistas, amostragens estatísticas, dentre outros métodos, desde que
O texto transcrito a seguir, efetivamente publicado6, é um exagero dos defeitos
corretamente conduzidos, só trarão conseqüências benéficas à credibilidade de uma
que fizeram com que se generalizasse a convicção de que a filosofia e a teoria geral do
pesquisa jurídica. Até mesmo relatos provenientes de observações pessoais quase nunca direito, assim como muito da teoria dogmática, são puro palavrório. Mas tais problemas
são aproveitados, perdendo-se por vezes a rica experiência que juízes, advogados, de redação são reais na área jurídica e vale a pena transcrever a aludida peça.
procuradores, promotores que querem participar das discussões científicas têm a relatar.
“Direito: uma percepção de infinito. A reflexão filosófica situa o Direito na
Outro meio importante de acesso a fontes de pesquisa jurídica são as redes de
dimensão infinita ao enfocar o sentido do termo e o modo pelo qual o seu significado foi
computação, eficientes para consulta a bibliotecas, legislação, jurisprudência e a imensa
percebido. Assim é que a evidência detectora viu a latitude e a profundidade ôntica desta
gama de informações que possibilita. O mais importante nessas redes é que as regiões
realidade ao divisá-la no rumo impetuoso e solene da sua finalidade, o que demonstra a
geográficas diminuem sua importância, difundindo-se a informação a pesquisadores de
ausência absoluta de qualquer limite, tanto na sua percepção como no ente percebido.
regiões distantes dos grandes centros, outrora monopolizadores das fontes. Isto é
fundamental para o pesquisador brasileiro, a quem o debate científico quase sempre A direção e a dimensão deste raciocínio explicitam e indicam, objetivamente, a
chega com atraso. Com as redes computacionais, desde que domine alguma língua intrinsidade qualitativa, quer seja do objeto da percepção, quer seja do sujeito perceptor.
estrangeira mais universal, qualquer pessoa pode comunicar-se e acessar de imediato A direção aponta o fim bem como o método de atingi-lo; a dimensão estabelece a
fontes antes indisponíveis. infinitude desse fim. Logo, o Direito é o caminho infinito ao encontro do infinito. A
qualidade deste caminho está sentida e impressa nele mesmo, e isto se diga, igualmente,
do seu perceptor.
O Direito - orientação iluminada - espelha em suas propriedades a qualidade
6. Redação do trabalho científico. infinita do seu escopo, bem como do sujeito deste fito, quer dizer, o fim do Direito se
traduz na sua propriedade de conduzir o homem ao seu objetivo (onde se coloca, original
e positivamente (,) o caráter educativo da pena).
Como forma de linguagem que é, ao trabalho científico aplicam-se, em princípio,
as mesmas regras do bem redigir: clareza, concisão, objetividade etc. Cada capítulo deve Ora, se somente o infinito chega ao infinito, o Direito se compreende na
percepção infinita do próprio infinito em que a ilimitação ôntica determinante dessa
cuidar de um tema, dentro deles cada subitem tem um assunto específico, cada parágrafo
percepção estabelece a própria incomensurabilidade do ente percebido.
precisa expressar uma idéia, tudo isto em função da unidade e coerência internas quanto a
títulos e subtítulos, para que não se repita em uma parte o que já foi dito em outra, A infinitude (d)o ser do Direito como evidência racional encerra a propriedade
atentando rigidamente para as relações contém e está contido etc. qualificada e qualitativa do próprio homem, quer dizer, como realidade racional o Direito
se caracteriza pela racionalidade mesma. Neste caso, é uma nítida percepção de infinito,
A clareza é fundamental. E o trabalho tem que partir de um suporte de
porque foi percebido pela propriedade infinita do homem: a razão.”
conhecimentos que o leitor divida com o autor. Se o leitor que o autor tem em mente é
iniciante, o trabalho deve partir de bases genéricas, senso comum sobre o direito; se o Mas não só de textos esdrúxulos dos filósofos, grandes ou não, vive a
leitor é especializado, o autor pode começar mais especificamente. Mas a regra é a incompreensibilidade. A primeira parte do artigo 58 do Código Civil define o conceito de
mesma: começar mostrando ao leitor o ponto de partida que se supõe ser dominado por “coisa principal”: “Principal é a coisa que existe sobre si, abstrata ou concretamente”7.
ele. Tudo isto levando também em conta o espaço disponível: trazer a novidade com
clareza, sem ser repetitivo ou óbvio. É inútil escrever para si mesmo ou achar que o leitor
sabe tudo o que o autor sabe, pois aí tem-se o dilema: quem domina os pressupostos do 6
Artigo assinado no Jornal Gazeta do Povo. Curitiba: sábado, 6 de setembro de 1997, 6a. página.
tema não precisa ler o texto do autor, pois ele nada acrescenta; quem não os domina, 7
Código Civil (Lei n. 3.071 de 1.1.1916). São Paulo: Saraiva, 1997.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
9 10

Muitos outros exemplos poderiam ser pinçados, mostrando como a vigilância em prol da indevidamente o nome do mesmo, daí porque Umberto Eco sugere o uso da sigla AAVV
clareza precisa ser permanente e incansável. (autores vários)8, que tem a vantagem de colocar todos os autores em um mesmo plano;
3. Se a obra é coletiva mas com um ou mais organizadores, a referência deve vir em
nome destes, seguidos da abreviatura “orgs.” entre parênteses.
Existem os dados indispensáveis e dispensáveis nas referências. Na primeira
6. Formas de referências às fontes utilizadas. categoria, em caso de livros, estão autor, título da obra (que deve vir em destaque - em
negrito ou itálico), cidade, editora, ano de publicação e página ou páginas específicas
referidas no caso. Quando se tratar de artigos de revistas ou capítulos de livros, são
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) tem muita razão ao indispensáveis o título do texto (entre aspas ou não), o título do veículo em que a obra se
estabelecer aquelas regras que provocam risos nos juristas mais antiquados, ainda que insere (em destaque), referências deste veículo (fascículo, número, anos de existência -
haja alguns exageros que em nada contribuem. Mas é fora de dúvida que a grande quando houver - em suma, como ele se apresenta para identificação), páginas de início e
cortesia do cientista ao seu auditório é fornecer os meios possíveis para repetição de fim do texto, além de página ou páginas específicas referidas ali. Dispensáveis, porém
todos os seus passos. O leitor tem todo fundamento para desconfiar do autor que se refere úteis e assim desejáveis, são o tradutor, a edição, a coleção em que a obra se insere
a uma obra sem especificá-la, sem referir-se o mais exatamente possível ao trecho sob (quando houver, é claro), o número de páginas da obra etc. A opção do pesquisador fica
exame. Diógenes Laércio e Kant puderam dar-se aos luxos da economia e da imprecisão basicamente entre dar comodidade ao leitor ou economizar espaço. Na listagem
de referências; no mundo moderno, contudo, o número e a variedade dos envolvidos no bibliográfica, obviamente, dispensa-se a página específica referida.
debate científico exigem mais.
E é justamente pelo critério da economia de espaço que cresce a adesão ao sistema
Além desta justificativa metodológico-científica, o rigor formal é eficiente autor-data. Aqui, as referências podem vir no rodapé ou mesmo no próprio corpo do
pragmaticamente, sobretudo com a edição de textos por computadores. Um exemplo: dos texto: o nome do autor é seguido de vírgula, do ano de publicação da obra, de dois pontos
trabalhos selecionados para publicação a partir dos Anais do XVII Congresso Mundial da e da página ou páginas específicas consultadas (Saldanha, 1982: 68). Os dados completos
Associação Internacional de Filosofia Jurídica e Social, realizado em Bolonha, no verão da referência estarão na listagem das fontes, sem que seja necessário referi-los a cada
de 1995, exigiam-se detalhes de forma centimétricos, sob pena de exclusão. É que assim oportunidade. A única diferença na forma é que o ano de publicação, na listagem
salva-se tempo, eliminam-se custos e diminuem-se margens de erro no imenso trabalho bibliográfica, deve aparecer logo depois do nome do autor, entre parênteses, já que é o
envolvido em digitar ou mesmo uniformizar dezenas de artigos impressos ou formatados ano, além do nome, que individualiza a referência feita ao longo do texto. Se o
diferentemente, entregues ao risco da criatividade gráfica dos diversos autores. pesquisador tiver consultado mais de uma obra de um mesmo autor, publicadas no
Mas mesmo para quem vai redigir uma tarefa escolar, sem ambições maiores, mesmo ano, a diferenciação deve ser feita através de letras minúsculas colocadas logo
alguns cuidados formais são imprescindíveis. O mais básico deles é a referência às fontes após o ano. Caso haja mais de um autor com o mesmo sobrenome, deve-se recorrer às
utilizadas. iniciais do primeiro nome; se ainda ainda assim houver confusão, às iniciais do segundo e
assim por diante. Colocar os primeiros nomes por extenso no corpo do texto não é usual
Um critério genérico é que as referências, qualquer que seja o sistema escolhido, neste sistema, posto que seu critério-guia é a economia de espaço. Na listagem
não obriguem o leitor interessado a ser constantemente remetido a outras partes do bibliográfica, porém, é desejável.
trabalho. Assim, pior do que notas e referências ao final do livro só se elas estiverem ao
final de cada parte ou capítulo. Note-se que o sistema autor-data não afasta necessariamente os rodapés, ainda que
elimine boa parte deles, aqueles simplesmente referenciais. Mas há os rodapés
Há dois sistemas básicos, ambos úteis, se corretamente utilizados, ainda que os explicativos, os quais não podem vir entre parênteses no corpo do texto.
juristas brasileiros não lhes tenham dado devida atenção. O chamado sistema completo
é o mais cômodo para o leitor - desde que as referências venham mesmo ao pé da página A listagem bibliográfica final (bibliografia) é dispensável quando se optar pelo
e não ao final do livro ou, pior ainda, dos capítulos - posto que todos os dados das fontes sistema completo e se tratar de texto relativamente curto e com poucas referências, como
estão a qualquer tempo disponíveis. Para ver como ele funciona, observe-se a forma dos é o caso deste aqui.
rodapés e das sugestões bibliográficas ao final deste trabalho. O pesquisador pode optar Mas a norma formal básica é uma só, além daquele “critério material” já
entre apor apenas a inicial do primeiro ou dos dois primeiros nomes do autor ou colocá- mencionado, o de possibilitar ao leitor refazer os passos da pesquisa: a uniformidade. O
los por extenso, ainda que seja preferível esta última hipótese. Em se tratando de obra de pesquisador deve escolher seu próprio sistema de listagem de fontes e estabelecer com o
diversos autores, há várias possibilidades: 1. Quando os autores são em pequeno número, leitor um código de comunicação o mais possívelmente objetivo e inequívoco.
três ou quatro, é aconselhável citá-los todos; 2. Se há muitos autores, pode-se citar o
nome do primeiro, seguido da expressão et allii (e outros), mas talvez assim destaque-se
8
Umberto Eco: Como se Faz uma Tese em Ciências Humanas. Trad. Ana Falcão Bastos e Luís Leitão,
prefácio de Hamilton Costa. Lisboa: Editorial Presença, 1977, pp. 86-87.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
11 12

A numeração das referências deve ser contínua, por capítulo ou ao longo de todo sempre, prevalecer o contexto e o bom senso. Talvez, à guisa de mero palpite, um
o trabalho, com preferência para esta, pois individualiza cada referência, sem precisar trabalho jurídico exija em média entre uma referência a cada três páginas e três
citar o capítulo. Embora isto pareça trivial, muitos pesquisadores iniciantes preferem referências a cada página.
recomeçar a numeração a cada página, o que é inadmissível.
Ao organizar a bibliografia ao final do texto, o pesquisador deve também atentar
Idem significa o mesmo autor, ibidem significa na mesma obra; da mesma forma para a quantidade de fontes. Em trabalhos mais alentados, esperam-se mais obras na
que op. cit. (obra citada), vêm sendo pouco usados, sobretudo porque podem dificultar o listagem bibliográfica, é claro. Se forem muitas, é aconselhável dividi-las, sempre sob o
acesso do leitor à informação. Só devem ser usados quando a obra que indicam teve suas critério de facilitar o trabalho de reconstrução do leitor: livros, artigos, legislação,
referências completas discriminadas imediatamente antes, por exemplo: na nota número jurisprudência, redes de computação e outras espécies de documentos. Se o trabalho tem
12 o livro foi referido; se as notas 13 e 14 se referem à mesma fonte, as expressões acima dez laudas, por outro lado, devem-se referir apenas as fontes mais importantes.
são palatáveis. Mas se as notas seguintes referem-se a outras obras, como é comum
Finalmente, uma palavra sobre a forma “física” do trabalho, sobre como ele deve
acontecer, e a obra referida na nota 12 volta a aparecer lá na frente, digamos, na nota 32, apresentar-se no papel. Se o critério básico para a informação do leitor é a referência ao
o leitor dificilmente achará as referências necessárias quando se defrontar com idem ou maior número de dados possível para localização da fonte, o critério básico na
ibidem, principalmente se entre elas há referências a várias outras obras, todas lançando
formatação, assim como dito para a escolha dos métodos de citação, precisa ser a
mão das mesmas expressões, por sua vez. É confuso.
uniformidade. Quase nunca o trabalho é escrito em um só fôlego e é comum o emprego
Para evitar tais dificuldades, alguns autores9 repetem o nome do autor de formas diferentes ao longo do mesmo texto, o que não é bom. Para evitar isto os
anteriormente citado e colocam entre parênteses o número da nota em que as referências programas editores de textos dispõem das “makros”. Mas o melhor é de todo jeito prestar
completas daquela obra primeiro apareceram. A vantagem sobre ibidem ou op. cit. é atenção à formatação: se o primeiro item está em algarismo arábico, o mesmo deve
óbvia, pois o leitor saberá exatamente onde encontrar as referências completas, quando ocorrer com todos; o espaço dos títulos e subtítulos deve ser idêntico a cada um deles,
delas precisar. Mas se o número de referências é muito grande, o leitor terá algum assim como deve ser uniforme toda sorte de espaços e recuos escolhidos; é ideal evitar a
trabalho. “obra de arte” gráfica e não lançar mão de todos os tipos, formas e tamanhos oferecidos
pelo editor de texto do computador. Sempre é melhor sobriedade e comedimento.
No sistema autor-data, como as referências se repetem tantas vezes quantas
necessárias, as expressões idem, ibidem e op. cit. não são utilizadas. Como sugestão de uniformidade, podem-se reservar as aspas para as citações ipsis
literis, ironias e títulos; o negrito, para os trechos que pretende-se sejam destacados,
Mas as expressões latinas apud, (citado por, conforme) e passim (aqui e ali)
enfatizados no texto; e o itálico pode ficar para as expressões estrangeiras. Mas tal
servem para os dois sistemas. A citação apud cabe quando o autor que se cita não foi
escolha é relativa e o importante é, como dito, a uniformidade.
diretamente consultado mas a informação chegou através de um outro autor. Deve ser
usada com toda parcimônia, pois não se trata de fonte bibliográfica primária, e apenas
quando a obra que se cita é de difícil acesso; não fica bem citar Pontes de Miranda apud
Lourival Vilanova, pois a fonte que se quer pode ser sem dificuldade consultada
diretamente. A expressão passim é usada quando o tema abordado está em tantas páginas 7. Sugestões bibliográficas.
da obra-fonte que o pesquisador não se dispõe a enumerá-las. É um tipo de referência que
implica responsabilidade de ter consultado toda a obra citada e que a mesma esteja
realmente imbricada com o assunto sob exame. Sempre é mais exato citar página por Conforme esta epígrafe, não se trata da bibliografia utilizada para redação do
página. presente trabalho, a qual se encontra listada nos rodapés do mesmo, mas sim de sugestões
para quem deseja aprofundar-se um pouco mais na metodologia da pesquisa geral e
A citação ipsis literis, aquela que transcreve literalmente um enunciado da fonte, jurídica. Artigos sobre o tema são raros, daí porque listamos apenas livros.
também é utilizada independentemente do sistema de referência que se escolha. Deve ser
da mesma maneira usada com economia, quando o pesquisador considere que a fonte
chegou a uma formulação irretocável, exemplar para algum argumento, para analisá-la . ACKOFF, Russel: Planejamento de Pesquisa Social. São Paulo: Herder-EDUSP, 1967.
especificamente etc.
. ALMEIDA, Maria Lúcia de: Como Elaborar Monografias. Belém: CEJUP, 1991.
Quem escreve um trabalho sempre se pergunta a quantidade de referências que
deve fazer. Esta questão é impossível de ser precisamente respondida, devendo, como . ANDRADE, Maria Margarida de: Introdução à Metodologia do Trabalho Científico -
Elaboração de Trabalhos na Graduação. São Paulo: Atlas, 1993.
9
. BARBOSA Filho, Manuel: Introdução à Pesquisa - Métodos, Técnicas e Instrumentos.
Como Robert Alexy: “Probleme der Diskurstheorie”, in Zeitschrift für philosophische Forschung, Band
Rio de Janeiro: LTC, 1980.
43, 1989, pp. 81-93, ou a tradução brasileira: “Problemas da Teoria do Discurso”, in Anuário do Mestrado
da Faculdade de Direito do Recife n° 5. Recife: ed. UFPE, 1992, pp. 87-105.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
13 14

. BARROS, Aidil de Jesus: Projeto de Pesquisa - Propostas Metodológicas. Petrópolis: . JABINE, Thomas Boyd: “O Uso de Amostragem Probabilística nas Ciências Sociais”.
Vozes, 1990. Boletim do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais do MEC (n. 6). Recife:
IJNPS, 1957.
. BASTOS, Lília da Rocha, PAIXÃO, Lyra e FERNANDES, Lucia Monteiro: Manual
para a Elaboração de Projetos e Relatórios de Pesquisa, Teses e Dissertações. Rio de . KAPLAN, Abraham: A Conduta na Pesquisa - Metodologia para as Ciências do
Janeiro: Zahar Editores - UFRJ, 1982. Comportamento. São Paulo: EPU-EDUSP, 1975.
CAMPESTRINI, Hildebrando: Como Redigir Ementas. São Paulo: Saraiva, 1994. . KOTAIT, Ivani: Editoração Científica. São Paulo: Ática, 1981.
. CARRAHER, David: Senso Crítico do Dia-a-Dia das Ciências Humanas. São Paulo: . LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade: Metodologia do Trabalho
Pioneira, 1983. Científico - Procedimentos Básicos de Pesquisa Bibliográfica, Projeto e Relatório. São
. CARVALHO, Maria Cecília de: Construindo o Saber - Técnicas de Metodologia Paulo: Atlas, 1983.
Científica. Campinas: Papirus, 1988. . LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina Andrade: Fundamentos de Metodologia
. CASTRO, Cláudio de Moura: A Prática de Pesquisa. São Paulo: McGraw Hill do Científica. São Paulo: Atlas, 1992.
Brasil, 1977. . LEITE, José Alfredo: Metodologia de Elaboração de Teses. São Paulo: McGraw Hill do
. CERVO, Amado e BERVIAN, Paulo: Metodologia Científica. São Paulo: McGraw Hill Brasil, 1978.
do Brasil, 1978. . LEITE, Eduardo de Oliveira: A Monografia Jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1985.
. DEMO, Pedro: Metodologia Científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1981. . MACEDO, Neusa Dias de: Metodologia de Pesquisa Bibliográfica - Tendo em Vista o
. ECO, Umberto: Como se Faz uma Tese em Ciências Humanas. Trad. Ana Falcão Bastos Trabalho de Pesquisa. São Paulo: EDUSP, 1987.
e Luís Leitão, prefácio de Hamilton Costa. Lisboa: Editorial Presença, 1977. . MANN, Peter: Métodos de Investigação Sociológica. Trad. de Octávio Alves Velho.
Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
. EMERENCIANO, Maria do Socorro Jordão: Técnicas de Estudo. Belo Horizonte:
Interlivros, 1977. . MANZO, Abelardo: Manual para la Preparación de Monografias - Una Guia para
Presentar Informes y Tesis. Buenos Aires: Humanitas, 1974.
. ESPÍRITO SANTO, Alexandre do: Delineamentos da Metodologia Científica. São
Paulo: Loyola, 1992. . MARCONI, Marina de Andrade: Técnicas de Pesquisa - Planejamento e Execução de
. FERREIRA SOBRINHO, José Wilson: Metodologia do Ensino Jurídico e Avaliação em Pesquisas. São Paulo: Atlas, 1982.
Direito. Porto Alegre: Fabris, 1997. . MARTINS, Joel: Subsídio para Redação de Dissertação de Mestrado e Tese de
. FERREIRA SOBRINHO, José Wilson: Pesquisa em Direito e Redação de Monografia Doutorado. São Paulo: Moraes, 1991.
Jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1997. . MORAES, Irany Novah: Elaboração da Pesquisa Científica. São Paulo: Atheneu, 1990.
. GAIDZINSKI, Areti e CARMINATI, Fábia: Metodologia do Trabalho Científico - . NEOTTI, Ana et allii: Manual de Procedimentos para Elaboração de Trabalhos
Conceitos Preliminares, Estratégias e Ações, Diretrizes para a Elaboração do Trabalho Científicos. Ponta Grossa: UEPG, 1985.
Científico na Graduação. Criciúma: Gráfica Líder, 1995. . PESSOA, Ida Brandão de Sá: Apresentação de Trabalho Acadêmico. Recife:
. GALLIANO, Alfredo Guilherme: O Método Científico - Teoria e Prática. São Paulo, Universitária, 1982.
Harbra, 1979.
. PHILLIPS, Estelle M. e PUGH, Derek S.: How to Get a PhD - A Handbook for Students
. GIL, Antônio Carlos: Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991. and Their Supervisors. Buckingham - Philadelphia: Open University Press, 1995.
. GOODE, William e HATT, Paul: Métodos em Pesquisa Social. Trad. de Carolina Bori. . POPPER, Karl: A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 1972.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973.
. RUDIO, Franz Victor: Introdução ao Projeto de Pesquisa Científica. São Paulo, Vozes,
. HEGENBERG, Leônidas: Etapas da Investigação Científica. São Paulo: EPV, 1976. 1989.
. HÜHNE, Leda Miranda (org.): Metodologia Científica - Cadernos de Textos e Técnicas. . RUIZ, João Álvaro: Metodologia Científica - Guia para Eficiência nos Estudos. São
Rio de Janeiro: Agir, 1992. Paulo: Atlas, 1986.
. SALOMON, Délcio Vieira: Como Fazer uma Monografia - Elementos de Metodologia
de Trabalho Científico. Belo Horizonte: Interlivros, 1979.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
15

. SANTOS, Gildenir e SILVA, Arlete: Normas para Referências Bibliográficas:


Conceitos Básicos (NBR-6023/ABNT-1989). Campinas: UNICAMP, 1995.
METODOLOGIA DA PESQUISA NOS CURSOS DE DIREITO:
. SCHWARZMANN, Simon e CASTRO, Cláudio: Pesquisa Universitária em Questão.
São Paulo: UNICAMP - Ícone, 1986. UMA LEITURA CRÍTICA
. SELLTIZ, Claire, JAHODA, Marie, DEUTSCH, Morton e COOK, Stuart: Métodos de
Pesquisa nas Relações Sociais. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Herder - EDUSP,
1967.
. SEVERINO, Antônio Joaquim: Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez, Horácio Wanderlei Rodrigues **
s/d.
. TARGINO, Maria das Graças: Citações Bibliográficas e Notas de Rodapé - Nova
Versão. Teresina: UFPI, 1994.
. THIOLLENT, Michel: Metodologia de Pesquisa - Ação. São Paulo: Cortez, 1994.
. THOMPSON, Augusto: Manual de Orientação para Preparo de Monografia -
Destinado Especialmente a Bacharelados e Iniciantes. Rio de Janeiro: Forense- 1 INTRODUÇÃO
Universitária, 1991.
. VERA, Armando Asti: Metodologia da Pesquisa Científica. Trad. Maria Helena Crespo
e Beatriz Magalhães. São Paulo: Globo, 1989.
. VIEIRA, Sônia: Como Escrever uma Tese. São Paulo: Pioneira, 1991.
Este trabalho tem por objetivo demonstrar a importância da pesquisa no
contexto do processo de ensino-aprendizagem e os equívocos que se entende hoje
serem cometidos nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa, em especial no
âmbito dos Cursos de Direito.

Para isso o texto possui três momentos distintos, destinados a: trabalhar o


tratamento dado à pesquisa no contexto da legislação educacional; expor o que são
o conhecimento e a pesquisa; e, finalmente, denunciar a insuficiência da forma como
é trabalhado nas disciplinas específicas o processo acadêmico de pesquisa.

Deve ser lido considerando que é constituído de fragmentos do que se


pretende seja o primeiro capítulo de um livro destinado a: expor a situação atual da
pesquisa nos Cursos de Direito; efetivar uma nova proposta para as disciplinas de
Metodologia da Pesquisa (nos âmbitos da graduação e da pós-graduação);
apresentar um modelo de pesquisa destinado especificamente à área de Direito; e,
também, trabalhar as questões formais dos trabalhos escolares e acadêmicos, a
partir de uma leitura pró meio ambiente das normas da ABNT.
* *
Mestre e Doutor em Direito pela UFSC, instituição da qual é professor titular, lecionando na Graduação e na Pós-
Graduação. É também professor convidado para cursos de Pós-Graduação em diversas IES brasileiras. Escreveu os livros
“Ensino jurídico: saber e poder”, “Ensino jurídico e direito alternativo”, “Acesso à justiça no direito processual brasileiro”,
“Novo currículo mínimo dos cursos jurídicos” e “Ensino do Direito no Brasil: diretrizes curriculares e avaliação das condições
de ensino” (este último em conjunto com Eliane Botelho Junqueira); organizou as coletâneas “Lições alternativas de direito
processual”, “Solução de controvérsias no Mercosul”, “O Direito no terceiro milênio” e “Ensino Jurídico para que(m)?”.
Publicou também dezenas de artigos em coletâneas e revistas especializadas. Integrou, de 1996 a 1998, a Comissão do
Exame Nacional de Cursos (“provão”) para a área de Direito. É consultor ad hoc do CNPq e das Comissões de
Especialistas de Ensino de Direito da SESU/MEC e do INEP/MEC.
Paula Paes Martins Souza - 03833817542

Paula Paes Martins Souza - 03833817542


2 3

2 PESQUISA NO DIREITO EDUCACIONAL BRASILEIRO atividades de pesquisa, independentemente de pertencer a Faculdade Isolada, a
Faculdades Integradas, a Centro Universitário ou a Universidade.

O que muda, de acordo com a espécie de credenciamento de cada


Para se começar a falar sobre a importância da pesquisa no ensino Instituição, é o nível de exigência, que vai da existência de programas de iniciação
superior, é importante situá-la no âmbito do Direito Educacional, tendo em vista que científica nas IES isoladas até a exigência de programas de mestrado e doutorado
muito de discute sobre a obrigatoriedade da pesquisa, principalmente no que se nas Universidades. A pesquisa, nesse sentido, envolve, de um lado, um princípio
refere às Instituições de Ensino Superior (IES) que não são Universidades. educativo e, de outro, o desenvolvimento de competências e habilidades básicas

Relativamente às Universidades não há qualquer dúvida, considerando para a sua efetivação, em especial em nível da iniciação científica, e deve ser

que a Constituição Federal estabelece expressamente: incentivada em toda a educação superior1.

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, Em resumo, pode-se dizer que as IES não credenciadas como
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao
princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Universidades, podem limitar-se ao seu incentivo, o que é realizável, por exemplo,
através da manutenção de programas de iniciação científica, com bolsas para
Da aplicação desse dispositivo resta claro a obrigatoriedade de atividades
alunos2 e atribuição de carga horária para os docentes3. Já as Universidades tem o
de pesquisa nas IES credenciadas como Universidades. E o espaço privilegiado
dever de manter, de forma indissociável, atividades de ensino de ensino, pesquisa e
para sua efetivação tem sido os cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e
extensão. Relativamente à pesquisa, essa exigência é, regra geral, cumprida através
doutorado).
da manutenção de cursos de pós-graduação stricto sensu, sendo que nas áreas que
No que se refere à educação superior, de forma geral (ou seja, para todas elas não possuírem esses programas, a pesquisa deverá ser mantida através de
as IES, mesmo que não sejam universidades), o tema é tratado pela Lei de outros instrumentos.
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) da seguinte forma:
O processo educacional, para ser plenamente eficaz em sua dinâmica
Art. 43 – A educação superior tem por finalidade:
formativa, deve abranger o ensino, a pesquisa e a extensão – restringindo-se a
[...]
atividades exclusivamente de ensino, torna-o meramente informativo. O sentido que
III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da se deve emprestar a essa exigência não deve ser apenas formal (por que a lei
cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio
em que vive; exige), mas sim material, implementando um processo que passe necessariamente
[...] pela produção de novos conhecimentos e pela inserção de seus futuros operadores
Da leitura desse texto fica presente que a educação superior, de forma na própria realidade política, econômica, social e cultural do país e, em especial, da
geral (em IES credenciadas ou não como universidades), tem por finalidade sua região. As determinações constantes da LDB devem ser cumpridas; nem
incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica. Ou seja, a mesmo o CNE pode desconsiderá-las, tendo em vista o princípio da hierarquia das
obrigatoriedade da pesquisa não se restringe às Universidades. leis. Cabe às IES serem criativas no cumprimento das exigências, elaborarando

A necessidade do incentivo à pesquisa na educação superior decorre, 1


É importante ressaltar que a LDB se refere à educação superior e não à ensino superior, exatamente porque nesse nível
então, do disposto no artigo 43, inciso III, da LDB. Em nível de IES, seu Regimento e as exigências não se restringem ao ensino.
2
Um programa desse tipo tem de respeitar as normas constitucionais em termos de isonomia, o que implica em estabelecer
os projetos pedagógicos de seus cursos devem estabelecer, de forma clara, como critérios objetivos e claros de escolha dos alunos, sendo recomendável a utilização de seleção pública por prova específica
ou por análise de projeto (como ocorre no PIBIC/CNPq).
será ele realizado. Isso significa que todo e qualquer curso superior deverá possuir 3
Relativamente ao corpo docente o incentivo pode ocorrer através da concessão de bolsa, do pagamento de carga horária
especificamente destinada ao desenvolvimento do projeto ou, em se tratando de professores em tempo parcial ou integral,
de destinação de parte da carga horária atinente ao regime de trabalho especificamente para essa atividade.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
4 5

modelos e programas inovadores, o que é plenamente possível frente aos princípios sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a
capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica,
de liberdade e pluralismo, como inerentes ao processo de ensino-aprendizagem 4 e, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e
do desenvolvimento da cidadania.
portanto, à sua organização por parte das instituições, tendo por base diretrizes
Art. 4º. O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação
curriculares razoavelmente flexíveis5. profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e
competências:
Relativamente aos cursos de pós-graduação lato sensu, a Resolução I - leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos
ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;
CNE/CES n.º 1/2001, ao prever para eles, em seu artigo 10, a exigência de
II - interpretação e aplicação do Direito;
monografia ou trabalho de conclusão, inclui a pesquisa como sua atividade
III - pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e
obrigatória. Desnecessário se faz qualquer referência aos programas de mestrado e de outras fontes do Direito;
IV - adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias,
doutorado (pós-graduação stricto sensu), cuja essência está exatamente em
administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e
estarem voltados à formação de docentes e pesquisadores. procedimentos;
V - correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito;
No que diz respeito aos cursos de graduação, interessa aqui o estudo VI - utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de
específico do Bacharelado em Direito. Para ele as novas diretrizes curriculares, reflexão crítica;
VII - julgamento e tomada de decisões; e,
presentes na Resolução CNE/CES n.º 9/2004, estabelecem, em seu artigo 10, a
VIII - domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e
obrigatoriedade do trabalho de curso. Essas mesmas diretrizes, em seu artigo 2º aplicação do Direito. (grifo nosso).
estabelecem: Os textos legais acima mencionados e transcritos positivam a exigência
Art. 2º [...]. do incentivo à pesquisa em todas as etapas do ensino superior e, no caso específico
§ 1º O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de dos Cursos de Direito, institucionalizam, através das diretrizes curriculares, a
Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua
operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes necessidade da capacitação obrigatória de seus egressos para realizarem-na (art.
elementos estruturais:
[...]
4º, inc. III). A enumeração de habilidades e competências trazida pelas diretrizes
VIII - incentivo à pesquisa e à extensão, como necessário prolongamento da curriculares demonstra a opção por um projeto pedagógico híbrido, estruturado por
atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica;
competências e conteúdos, em substituição ao projeto pedagógico tradicional,
[...]
estruturado apenas por conteúdos6. E muitas das competências e habilidades
XI - inclusão obrigatória do Trabalho de Curso.
propostas para o Bacharelado em Direito apenas podem ser desenvolvidas de forma
Ainda nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação em Direito,
adequada em um processo de ensino-aprendizagem em que a pesquisa seja um
constantes da Resolução CNE/CES n.º 9/2004, encontram-se os seguintes
instrumento do processo como um todo e não um apêndice, alocado em um único
dispositivos, relativamente ao perfil que se espera de seus egressos e às
espaço, a Monografia Final ou o Trabalho de Conclusão de Curso. É nesse contexto
habilidades e competências que devem possuir:
que aparece e ganha importância a Metodologia da Pesquisa, como disciplina
Art. 3º. O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do institucionalizada.
graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de
análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada
argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e Entretanto, o que se percebe quando da leitura de muitos manuais de
4
Sobre esse tema ver: RODRIGUES, Horácio Wanderlei. A flexibilidade e o direito educacional brasileiro. Revista Metodologia da Pesquisa e de muitos programas dessas disciplinas, em todos os
@prender, ed. 7, a. 2, n. 5, set./out. 2002, p. 26-29.
5
Diretrizes curriculares que contenham normas definidoras de determinadas formas de pesquisa e extensão, como únicas
graus do ensino superior, é que os conteúdos, habilidades e competências
obrigatórias e capazes de atender à exigência contida na LDB, são ilegais, pois ferem os princípios de liberdade e
pluralismo, como inerentes ao processo de ensino-aprendizagem – exemplo dessa ilegalidade é a exigência, em nível de
6
diretrizes curriculares, da monografia final como forma exclusiva de trabalho de conclusão de curso, desrespeitando a Sobre esse tema ver: RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando do ensino do Direito no século XXI: diretrizes
autonomia da IES para a construção de seus projetos pedagógicos. curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fund. Boiteux, 2005.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
6 7

trabalhados são apenas parcialmente adequados aos objetivos mais amplos do ser humano; a elas estão vinculadas em grande parte as atividades de lazer e, como
processo educacional. Na prática é comum perceber-se a redução da Metodologia conseqüência, a alegria e a felicidade. Também algumas áreas técnicas trabalham
da Pesquisa à normalização do trabalho acadêmico: o que se ensina é como fazer com conhecimentos fundamentais para o ser humano, mas que não são produzidos
um projeto de pesquisa, como formatar o trabalho final (relatório, artigo, monografia, por pesquisa científica, como é o caso do Direito; não se pode, em sã consciência,
TCC, dissertação ou tese) e apresentá-lo segundo as normas da ABNT. Isso tudo é dizer que a legislação e a jurisprudência são construções científicas, embora
importante, mas com absoluta certeza é também muito pouco.7 possam ser construções derivadas de atividade de pesquisa. Nesse sentido é
importante iniciar verificando quais são as principais espécies de conhecimento.
Dentro de um processo de ensino-aprendizagem que se deseja seja
crítico e criativo, são as atividades de pesquisa fundamentais para o trabalho Considera-se senso comum aquele conhecimento que, regra geral, todos
pedagógico de interação entre teoria e prática: sem pesquisa não há análise possuem. É passado de geração em geração e não possui, necessariamente,
adequada das práticas vigentes e nem novo conhecimento que seja capaz de comprovação científica; tampouco deriva de atividade de pesquisa, embora
modificá-las. eventualmente essa espécie de atividade possa ter lhe dado origem. A aquisição do

Para que isso ocorra a Metodologia da Pesquisa, enquanto disciplina, no senso comum se dá através dos diversos processos e instituições de socialização e

âmbito do ensino superior, deve estar voltada a desenvolver as competências reprodução cultural, dentre os quais se pode destacar a família, a religião e os meios

inerentes ao processo de produção de conhecimento, o que não se reduz ou de comunicação.

confunde com as habilidades de elaborar projetos e construir relatórios formais, Por conhecimento técnico-profissional entende-se aqui o corpo de
cujos conteúdos regra geral em nada contribuem para a área e, muitas vezes, conhecimentos necessários ao desenvolvimento de uma determinada atividade
sequer para a formação do próprio acadêmico. profissional. Pode ser oriundo da pesquisa científica, como também pode não o ser.
Há muitos conhecimentos técnico-profissionais que possuem origem empírica e que
são passados de geração em geração, como a produção de ferramentas e as
técnicas agrícolas mais simples. Também é perfeitamente possível ter acesso ou
3 DA CONSTITUIÇÃO DO SENSO COMUM À CONSTRUÇÃO DO
produzir conhecimento técnico-profissional através da pesquisa; mas essa pesquisa
CONHECIMENTO CIENTÍFICO
não é necessariamente científica. Na área de Direito, quando um profissional faz um
levantamento doutrinário ou jurisprudencial para embasar os argumentos a favor da
tese jurídica a ser utilizada está fazendo pesquisa, mas não pesquisa científica.
Para se falar da pesquisa no âmbito do ensino superior, é necessário
Utiliza-se neste texto a categoria conhecimento escolar-acadêmico para
ainda que se considere que há diferentes níveis de conhecimento e que nem todo
designar o conjunto de conhecimentos que são transmitidos e produzidos no âmbito
conhecimento deriva de atividade de pesquisa. Também que o fato de o
educacional. Esses conhecimentos podem possuir ou não possuir natureza
conhecimento ser ou não ser oriundo de pesquisa científica não lhe atribuí qualidade
científica. Na área das artes o conhecimento transmitido e produzido não é, muitas
inferior ou superior8. As artes em geral constituem elementos fundamentais para o
vezes, científico9; na área do Direito, não se pode dizer que a dogmática jurídica e a
7
Em grande parte essa situação decorre de tais disciplinas terem sido entregues, na maioria das instituições, para os jurisprudência sejam conhecimento científico. Então quando se faz pesquisa no
departamentos de biblioteconomia. Embora o grande respeito que merecem esses profissionais, a sua tendência é
transformar a metodologia em normalização do trabalho acadêmico. Na forma como é pensada aqui a Metodologia da ensino superior, essa pesquisa pode ser de naturezas diversas, dependendo da
Pesquisa, como estratégia do processo de ensino-aprendizagem, é absolutamente indispensável para ministrá-la que se
possua formação docente e epistemológica. Especificamente nos Cursos de Direito, essa realidade se deve também à
ausência de uma tradição de pesquisa e ao privilegiamento que os aspectos formais regra geral recebem dos profissionais
área do Curso. No caso do Direito pode-se realizar pesquisa técnico-profissional
da área jurídica.
8 9
Ver FEYERABEND, Paul. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. Música, escultura, literatura, pintura, etc. não se realizam, necessariamente, por critérios científicos.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
8 9

(busca de argumentos), pesquisa escolar-acadêmica (levantamento, organização e tanto que existem várias escolas filosóficas e várias explicações filosóficas para um
sistematização do conhecimento acumulado) ou pesquisa científica (produção de mesmo fenômeno. O conhecimento filosófico pode nascer em qualquer espaço,
conhecimento novo). sobre qualquer objeto e a qualquer momento. Sua essencialidade está em impedir a

Talvez seja menos comum falar-se em conhecimento intuitivo, em dogmatização de qualquer um dos demais conhecimentos. A Filosofia é, por
essência, anti-dogmática; se se tornar dogmática, Filosofia não é.
especial em um trabalho construído na e para a academia. Mas não se pode omiti-
lo. Estudos contemporâneos reforçam a existência desse sexto sentido do ser Para encerrar é importante lembrar que todas as formas de conhecimento
humano. A intuição faz sentir, perceber que algo existe ou não existe, é ou não é de podem ser transformar em conhecimento dogmático, que é aquele que se coloca
uma determinada forma. Essa percepção não se dá através dos cinco sentidos; ela como um dogma inquestionável; como uma verdade absoluta. Um exemplo claro
aparece como uma sensação. É importante que se aprenda e escutar essas dessa forma de conhecimento é o conhecimento religioso que, regra geral, não
sensações, pois podem levar a grandes descobertas. A intuição pode ser o ponto de aceita contestação. Mas não é apenas a Religião que pode ser dogmatizada: em
partida para a pesquisa, inclusive a científica. Ou seja, a intuição oferece um muitos momentos a Ciência e a Filosofia apresentam seus conhecimentos como
determinado caminho; mas a comprovação da sua autenticidade tem ser buscada absolutos e definitivos, o que é a negação de suas próprias essências.
através de instrumentos técnicos ou científicos. Nesse sentido, todo conhecimento deve ser visto como construção e
Relativamente ao conhecimento científico, era ele visto, tradicionalmente, reconstrução, pelo ser humano, de um determinado objeto ideal, natural ou cultural.
como o conhecimento verdadeiro sobre um determinado objeto, descoberto com a Em razão disso, é sempre produção, não a captação contemplativa de qualquer
utilização do método científico. Embora essa visão ainda seja muito forte em essência. O ser humano só conhece a realidade na medida em que a cria.
algumas áreas, a visão dominante hoje no campo das ciências é a de que a principal Entende-se que todo objeto do conhecimento está em constante
característica do conhecimento científico é sua testabilidade: ele tem de ser público
construção12, não estando colocado na natureza como um dado. O objeto
quanto aos resultados, às hipóteses testadas e aos métodos utilizados para sua cognoscível é construído a partir do próprio processo de conhecimento, através do
obtenção, de forma que a sua produção possa ser reproduzida em qualquer outro
método de abordagem utilizado, que delimita os parâmetros da realidade,
lugar por qualquer outro cientista, sendo então confirmado ou refutado. Essa visão respaldado por sua construção epistemológica. Todo dado e todo objeto de análise
da ciência se deve a Karl Popper10, para quem a verdade científica é sempre uma são construídos. Portanto toda teoria efetuada sobre eles se caracteriza por ser um
verdade provisória e sua característica principal a refutabilidade. É da essência do
conhecimento aproximado, retificável, e não o reflexo dos fatos.
conhecimento científico a sua produção através da pesquisa, utilizando métodos e
A pesquisa é hoje a forma privilegiada de produção de conhecimento.
técnicas adequados a cada área do conhecimento.
Inclui a busca do e o acesso ao conhecimento já produzido, sua organização e
Há também o denominado conhecimento filosófico. A Filosofia busca sistematização e, quando se tratar de pesquisa científica, a produção de
sempre conhecer o objeto de forma crítica, radical e em sua totalidade.11 Nesse conhecimento novo. A pesquisa se constitui, portanto, em um processo específico
sentido, o conhecimento filosófico é aquele que busca compreender os fundamentos
de apropriação e de produção do conhecimento, exigindo, para a sua adequada
de um determinado objeto cognoscível ou do próprio conhecimento sobre ele. Isso
efetivação, a aquisição de habilidades e competências próprias e a utilização de
não significa que o conhecimento filosófico encontre os fundamentos verdadeiros, métodos e técnicas pertinentes.
10
POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1972. ______. Conhecimento objetivo. Belo Horizonte:
Itatiaia; São Paulo: USP; 1975. ______. A lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Brasília: UnB; 1978.
______. A lógica da investigação científica. Três concepções acerca do conhecimento humano. São Paulo: Abril, 1980. (Os
Pensadores). ______. Conjecturas e refutações. Brasília: UnB, s.d. p. 63-94; p. 367-77. 12
Sobre a questão da construção do objeto da ciência ver, de BACHELARD, Gaston, O racionalismo aplicado e A
11
OLIVEIRA, Admardo Serafim de et. al. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Loyola, 1990. epistemologia.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
10 11

4 ETAPAS DA PESQUISA COMO PROCESSO


INSTITUCIONALIZADO Escolha do tema

MOMENTO PREPARATÓRIO Especificação e delimitação do tema

Formulação do problema, das hipóteses e das


A pesquisa como atividade acadêmica formal, tal qual se apresenta na (Planejamento da pesquisa) variáveis (quando for o caso)

educação superior e é exigida pelos principais órgãos de fomento, pressupõe uma Levantamento inicial de dados, documentos e
bibliografia
estrutura seqüencial, que obedece, em termos gerais, às seguintes etapas:
Elaboração do projeto de pesquisa

Levantamento complementar de dados,


informações, documentos e bibliografia
MOMENTO OPERACIONAL
Análise de dados e documentos e leitura da
(Execução da pesquisa e estruturação bibliografia
das idéias) Crítica dos dados, documentos e bibliografia;
reflexão pessoal

Redação inicial do relatório / trabalho

MOMENTO REDACIONAL E Revisão do relatório / trabalho


COMUNICATIVO
Redação definitiva do relatório / trabalho
(Apresentação dos resultados da Defesa pública do relatório / trabalho, quando for
pesquisa) o caso

Publicação dos resultados da pesquisa

O que se percebe dentro do processo educacional contemporâneo é um


privilegiamento dos momentos inicial e final: privilegia-se o planejamento (projeto de
pesquisa) e o relatório (documento escrito final). O momento intermediário que é o
da efetivação da pesquisa em si fica abandonado.

O grande problema desse tratamento dado à Metodologia da Pesquisa é


que ele é extremamente formalista. Preocupa-se fundamentalmente com a produção
material e formal dos documentos que dão origem à pesquisa e a relatam, mas
abandonam a pesquisa em si: o processo de localização, recuperação, leitura,
compreensão, análise, interpretação, ordenação, sistematização e reelaboração do
conhecimento acumulado e de produção do conhecimento novo.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
12 13

E como não há preocupação com esse momento, que é aquele que b) o global: as informações somente podem ser corretamente
deveria ser privilegiado, na prática não se tem pesquisa no ensino superior, pelo compreendidas quando se compreende as relações entre o todo e as
menos na área de Direito. O que se tem é apenas um “recorta e cola” de manuais, partes – é preciso recompor o todo para conhecer as partes;
que sequer deveriam ser utilizados como fonte de pesquisa, fosse ela séria. c) o multidimensional: o ser humano é ao mesmo tempo biológico,
É necessário que se veja a pesquisa como inerente ao processo psíquico, social, afetivo, racional e espiritual16; a sociedade comporta
educacional, como o principal instrumento de aprendizagem no ensino superior. Isso as dimensões histórica, econômica, sociológica, religiosa, entre muitas
exige uma mudança de postura frente à disciplina, que deve ser colocada no início outras – o conhecimento pertinente deve reconhecer esse caráter
do curso e possuir grande parte do seu espaço temporal destinado ao como fazer multidimensional e nele inserir esses dados;
pesquisa , desenvolvendo as competências e habilidades relativas a esse saber
13
d) o complexo: quando as diversas categorias de construção da
fazer e que incluem, dentre outras: realidade estão interligadas, ou seja, são diferentes mas interligadas,
a) capacidade de localizar e selecionar as informações; interativas, interdependentes, tem-se a complexidade, que é a união
b) capacidade de ler e compreender as informações; entre a unidade e a multiplicidade – o conhecimento pertinente deve
c) capacidade de analisar e interpretar as informações; enfrentar essa complexidade.
d) capacidade de ordenar e sistematizar as informações;
Além disso, a pesquisa, na área do Direito, precisa ser vista em suas
e) capacidade de, a partir das informações trabalhadas, elaborar ou várias dimensões, incluindo necessariamente a pesquisa técnico-profissional. E em
reelaborar o conhecimento respectivo;
todas elas, para que seja adequada, não pode ser confundida com a simples leitura
f) capacidade de, quando se tratar de pesquisa científica (exigência dos e compilação de manuais escolares e a coletânea, sem critérios, de jurisprudências.
Programas de Doutorado) construir, a partir das informações
A pesquisa do operador do Direito é uma pesquisa pragmática, com
trabalhadas, novo conhecimento.
objetivos definidos.17 Nela não se buscam confirmar hipóteses, mas sim encontrar
É preciso também, de forma diversa do pensamento cartesiano14, argumentos para sustentar a hipótese que vai ser utilizada e defendida – é pesquisa
entender, como propõe Edgar Morin15, que o conhecimento pertinente deve ser argumentativa, não prova verdades, defende posições.
produzido considerando:
A pesquisa dos operadores do Direito é sempre comprometida com algum
argumento que se pretende defender, mas é pesquisa, sim! E é essa
a) o contexto: as informações e os dados apenas adquirem sentido
pesquisa, principalmente essa pesquisa, que os alunos precisam aprender a
dentro de seu contexto; fazer nas Faculdades de Direito, pois a grande maioria dos que trabalharem
com Direito [...] será operador de Direito.18

Na pesquisa jurídica a hipótese é sempre confirmada, porque em Direito


13
Regra geral o aprender pressupõe o fazer, exigindo atividades práticas reais, ou seja, estratégias pedagógicas específicas.
14
não de descobre, se justifica. E isso não é pesquisa científica; mas é a pesquisa que
Conforme René Descartes (Discurso do método. São Paulo: Abril, 1979. p. 37-38. Os Pensadores.), os quatro princípios
básicos que compõe o método adequado ao conhecimento são: tem sentido para o mundo do Direito. Entretanto é exatamente aquela que não é
“O primeiro era de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é,
de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão trabalhada nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa.
clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
O segundo, o de dividir.cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas
necessárias fossem para melhor resolvê-las.
16
O terceiro, o de conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de Essa dimensão não consta da obra de Edgar Morin e está aqui incluída tendo em vista as posições pessoais do autor deste
conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma artigo.
certa ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. 17
Conforme Eliane Junqueira, na lista de discussão da Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi), durante um
E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada debate ocorrido sobre a pesquisa nos cursos de Direito, no segundo semestre de 2004.
omitir.” 18
Eliane Junqueira, na lista de discussão da Associação Brasileira de Ensino do Direito, durante um debate ocorrido sobre a
15
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco; 2000. pesquisa nos cursos de Direito, no segundo semestre de 2004.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
ESPAÇO UNIVERSITÁRIO
14
E s t u d o Dirigido
5 CONCLUSÃO

A pesquisa jurídica possui características específicas; é necessário


portanto que no Curso de Direito o estudante aprenda a realizá-la de forma
adequada. Para isso são necessários alguns passos importantes:

a) superar a idéia de que só é conhecimento pertinente o conhecimento


científico e de que somente é pesquisa a pesquisa científica; Roteiro didático de elaboração
b) superar a idéia de que o Direito é uma ciência; o Direito, como de projetos de pesquisa em Direito
conjunto normativo não é ciência; e é mesmo discutível que possa ser Túlio Lima Vianna
objeto de análise científica;

c) evitar a simples transposição de modelos metodológicos de outras


"Toda longa caminhada começa Penal, Direito Processual Penal, Criminologia, Na realidade, muitos dos pretensos traba-
áreas; é necessário adequá-los à realidade da área do Direito, bem com um primeiro passo. " etc; optando por Direito Penal, deverá escolher lhos científicos produzidos em nossas universi-
Provérbio chinês entre Teoria do Delito, Teoria da Pena, Execução dades não passam de manuais ou resumos da
como buscar alternativas próprias, adequadas ao tratamento de seu Penal, etc. e assim sucessivamente, até delimitar matéria objeto de estudo sem qualquer caráter

objeto específico;

d) superar a visão dominante nas disciplinas de Metodologia da


A recente obrigatoriedade de apresentação
de monografias de final de curso como re-
quisito para a conclusão do curso de gra-
duação em Direito, bem como a proliferação dos
cursos de Pós-Graduação lato sensu no país,
a sua perspectiva de estudo.
Muitas vezes, o aluno deseja trabalhar a
partir de dois ou mais ramos do conhecimento
humano. Nestas hipóteses, o trabalho poderá ser
multidisciplinar (análise do tema sob a perspec-
inovador. Evidentemente, tais obras têm uma
grande importância como material didático, mas
decididamente não é esta a finalidade das teses,
dissertações e monografias de final de curso, que
necessariamente devem propor uma solução para
Pesquisa, que confundem pesquisa com normalização; e gerou uma enorme demanda por trabalhos de tiva de dois ou mais ramos do conhecimento), um problema previamente definido.
metodologia de pesquisa. interdisciplinar (análise do tema sob a perspecti- A escolha do tema-problema deverá pau-
A grande maioria desses trabalhos, po- va de dois ou mais ramos do conhecimento, rela- tar-se pelo binômio interesse-capacidade pesso-
e) priorizar, nessas disciplinas, o fazer pesquisa, superando a atual rém, parece dar mais ênfase às lombadas dos cionando-os entre si) ou mesmo transdisciplinar al e social na resolução do problema.
livros que ao seu conteúdo e não raras são as (análise do tema sob a perspectiva de dois ou Assim, quatro perguntas básicas deve-
limitação de seus conteúdos nas questões da elaboração de projetos e bancas examinadoras que se limitam à discussão mais ramos do conhecimento, dando origem a um rão ser respondidas positivamente para que
de aspectos formais da obra - como formatação novo, distinto dos anteriores). o tema possa ser eleito com acerto:
de relatórios.
de margens, notas de rodapé, bibliografia, etc. - Selecionada(s) a(s) área(s) do conhecimento
sem sequer tecerem considerações sobre o con- em que o aluno pretende trabalhar, deverá ele - Tenho interesse no problema? (curiosidade
Relativamente ao Trabalho de Conclusão de Curso, é necessário teúdo do trabalho. escolher um problema a ser solucionado naquela pessoal e/ou profissional em relação ao problema)
Fugindo desta tendência muito em moda área do saber. O pesquisador deve se sentir atraído pelo
perceber que ele ocorre no momento de saída do Curso; e não deve ser esse o na academia, procuramos tratar aqui - ainda que A pesquisa jurídica não é mera compila- problema proposto. Sua curiosidade quanto ao
muito sucintamente - dos principais elementos ção do conhecimento adquirido por seu autor, tema de estudo pode provir de interesses pesso-
momento para se aprender a fazer pesquisa, mas sim para consolidar a capacidade de um projeto de pesquisa que resulte não em mas envolve necessariamente a criação de solu- ais ou profissionais. Para um policial, a pesquisa
um trabalho final burocrático - mero pré-requi- ções novas a serem incorporadas à doutrina naci- em Direito Penal pode ser atraente por sua expe-
de fazer pesquisa, aprendida e desenvolvida durante todo o curso. E essa sito da conclusão do curso - mas em conclusões onal. Oportuna é a lição de Celso Albuquerque riência profissional; para um aficcionado em com-
de real contribuição para a literatura jurídica na- Mello: putadores, um trabalho transdisciplinar envol-
capacidade de fazer deve estar vinculada às exigências profissionais da área para cional. vendo o Direito Penal e.a Informática será um
"A meu ver existem duas categorias de tema irresistível.
um egresso do curso de graduação. juristas: os criadores de novas teorias e os
O problema: o que pesquisar? sistematizadores que tentam classificar e - Sou capaz de resolver o problema? (conhe-
aprofundar o trabalho dos primeiros. Contu- cimento e experiência em relação ao problema)
A eleição do tema da pesquisa deverá ini- do, em países atrasados como o Brasil, há ain- O pesquisador deve propor um problema
ciar-se pela área do conhecimento humano na da espaço para uma categoria, cujos integran- que tenha maior facilidade em resolver por seus
qual o aluno pretende trabalhar. Quanto mais tes não podem ser denominados juristas, que conhecimentos e experiência anterior à pesquisa.
específica for a área escolhida, mais fácil será são os 'divulgadores de Direito'. Ela existe Por mais que alguém se interesse por computa-
para o pesquisador encontrar seu objeto de pes- devido à ausência de bibliotecas públicas, o dores, certamente não poderá realizar um grande
quisa. preço elevado dos livros estrangeiros, bem trabalho em Direito Informático se não tiver o
Assim, o aluno que deseja pesquisar em como poucos estudantes lêem língua estran- mínimo de conhecimento em Informática. Na elei-
Ciências Penais deverá escolher entre Direito geira."1 ção do problema a ser pesquisado vale a lei do

66 - Justilex - Ano II - Nº 13 - Janeiro de 2003


Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Paula Paes Martins Souza - 03833817542
ESPAÇO UNIVERSITÁRIO

Estuclo D i r i g i d o

mínimo esforço: o pesquisador deverá optar por apresentado como certo e indiscutível, cuja ver- Nem sempre, porém, é possível obter Evidentemente, na fase do projeto, não
Os objetivos: A metodologia: como pesquisar? dade se espera que as pessoas aceitem sem ques- os dados de forma direta, através dos proce- há necessidade de o pesquisador ter acesso
temas em que seus conhecimentos prévios lhe
possam ser úteis. para que pesquisar? tionar: a lei, a jurisprudência, os costumes, os dimentos acima. Assim, na pesquisa empírica, físico às obras, muito menos de adquiri-las.
Nesta parte do projeto o pesquisador de-
princípios gerais do Direito, etc. poderá o pesquisador valer-se de dados obti- Deverá, no entanto, ter as referências com-
O objetivo geral da pesquisa científica é verá demonstrar como irá testar a veracidade de
- Há interesse social na resolução do proble- O Direito deverá ser pesquisado en- dos indiretamente que podem ser encontra- pletas das obras que futuramente poderá con-
oferecer uma resposta ao problema que é o nú- sua hipótese de trabalho.
ma? (originalidade e relevância social) quanto ciência pura e, portanto, isolado dos dos em livros, em artigos de periódicos e em sultar devidamente formatadas no padrão
cleo da investigação, testando a veracidade da Para tanto, deverá estabelecer um marco
O pesquisador deve propor problemas elementos sociais que se relacionem com o todo e qualquer material bibliográfico impresso ABNT. Atualmente, é indispensável a con-
hipótese de trabalho. teórico e definir se sua estratégia de pesquisa
originais, pois de nada adianta escolher um tema problema pesquisado. ou informático. sulta através da Internet às bibliotecas das
Os objetivos específicos da pesquisa, por será dogmática ou empírica.
exaustivamente discutido na doutrina. Um pro- O único objeto válido para este tipo de Ainda que o ideal - até por uma ques- principais Faculdades de Direito do Brasil,
blema que pode ser solucionado através de uma outro lado, são as perguntas secundárias a que o pesquisa jurídica é o dogma, daí porque a pes- tão de confiabilidade dos dados - seja obter bem como à base de dados da Biblioteca do
simples pesquisa doutrinária ou jurisprudencial pesquisador deverá responder, cujas respostas quisa teórica pode muito bem ser denominada os dados diretamente, vale lembrar que o pes- Senado Federal 6 .
não é adequado para ser objeto de uma pesquisa. conjuntas levará à consecução do objetivo geral. Marco teórico de dogmática. quisador empírico não necessita obrigatoria-
Na academia são comuns "modismos" em Tradicionalmente os objetivos - geral e A solução do problema não é buscada mente realizar trabalhos de campo, pois mui- Conclusões
relação aos temas de pesquisa o que, muitas ve- específicos - vêm expressos através de verbos Na academia a expressão "marco teórico" no mundo fático, mas é concebida na mente tos dos dados da realidade social, política e
zes, acaba originando inúmeros trabalhos com no infinitivo. é utilizada muitas vezes para designar o autor do pesquisador a partir da análise dos dogmas econômica de seu problema podem perfeita- Evidentemente, não tivemos a preten-
conclusões absolutamente idênticas, nada acres- O objetivo geral nada mais é do que o pro- cujas idéias mais influenciaram o pesquisador em jurídicos no tempo (História do Direito) e no mente ser encontrados em material bibliográ- são de nestas breves linhas esgotar o assunto,
centando à literatura jurídica já existente. Por outro blema redigido sobre a forma de ação: "analisar a sua formação. Assim, se diz que "meu marco espaço (Direito Comparado). fico das mais diversas fontes. mas tão-somente de oferecer os primeiros
lado, toda pesquisa tem uma função social que viabilidade da descriminalização do uso de ma- teórico é Kelsen", "meu marco teórico é Trata-se de uma concepção formal do O que caracteriza a pesquisa empírica subsídios à elaboração de um projeto de pes-
não pode ser desprezada. Por mais que o proble- conha no Brasil do século XXI". Habermas", etc. Direito que é entendido como ciência inde- não é a coleta dos dados, mas sim a postura quisa original.
ma "pode o crime de adultério ser cometido pela Os objetivos específicos são ações a se- Marco teórico, porém, é uma concepção pendente das demais ciências sociais e, por do pesquisador em relação ao objeto da pes- Esperamos ter despertado o interesse
Internet?" possa despertar curiosidade no pes- rem realizadas pelo pesquisador, que tornarão teórica da realidade concebida ou consagrada na conseguinte, dotada de autosuficiência quisa: enquanto na pesquisa teórica a solução daqueles que darão os primeiros passos na
quisador, sem dúvida seu interesse social é míni- possível alcançar o objetivo geral: "1) identificar obra de determinado pensador. metodológica e técnica. do problema encontra-se no dogma, na pes- trabalhosa, mas sempre instigante, pesquisa
mo. A solução do problema deve ser socialmente as origens históricas da criminalização da maco- As pesquisas jurídicas sempre retomam Vê-se claramente que a pesquisa jurí- quisa empírica deverá o pesquisador buscá-la jurídica.
útil. nha no Brasil; 2) identificar os efeitos da droga uma série de conceitos que necessitam de um dico teórica é uma pesquisa de gabinete, na realidade social.5
no organismo humano; 3) avaliar os aumento dos fundamento teórico de apoio: crime, democracia, construída em uma torre de marfim e abso- NOTAS
- A sociedade em que vivo me oferece recur- gastos com a saúde após a descriminalização da soberania, cidadania, direito, justiça, etc. lutamente alienada quanto à realidade soci-
droga; 4) avaliar o decréscimo da violência urba- Se cada pesquisador precisasse desenvol- al, econômica e política da sociedade para a 1 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de
sos para solucionar o problema? (bibliografia, O cronograma: Direito Internacional Público. 13§ed. Rio de Janei-
financiamento, possibilidade de coletar dados, na após a descriminalização da droga; etc". ver seus próprios conceitos, a pesquisa certa- qual o dogma jurídico está sendo construído.
mente não evoluiria. Assim, o pesquisador parte O pesquisador crítico deve, pois, evi-
quando pesquisar? ro: Renovar, 2001. p. 38. O Prof. Celso Mello se
prazo para apresentar os resultados, etc) coloca entre os "divulgadores do Direito", o que só
O pesquisador deve analisar se dentro do pressuposto de que a concepção teórica de tar uma análise exclusiva dos dogmas jurídi-
Como já foi dito anteriormente, nenhu- se justifica pela infinita humildade do mestre
do contexto social em que irá pesquisar será A justificativa: por que pesquisar? determinado autor sobre aquele conceito é sufi- cos, procurando as respostas do seu proble-
ma pesquisa pode prolongar-se indefinida- internacionalista, haja vista o inegável conteúdo ci-
viável alcançar a solução do problema. Se sua cientemente adequada. ma não só na lei, na doutrina ou na jurispru- entífico de sua obra.
Ao indagar-se sobre a "viabilidade da dência, mas principalmente na realidade soci- mente no tempo. Assim, necessário é que o
proposta for pesquisar o Direito Penal de A justificativa é a fase do projeto na qual 2 Sobre o tema-problema e sua delimitação cf.
descriminalização do uso de maconha no Brasil al onde está inserido seu objeto de estudo. pesquisador estabeleça um cronograma no qual
Cabo Verde, deverá certificar-se se terá aces- o pesquisador irá expor quais elementos dentro PEREIRA, Lusia Ribeiro. VIEIRA, Martha Louren-
do início do século XXI", o pesquisador terá especificará quanto tempo levará na realiza-
so à legislação e a livros doutrinários daquele do binômio interesse/capacidade pessoal e social ço. Fazer pesquisa é um problema? Belo Horizon-
como ponto de partida para solucionar o seu ção de cada etapa de sua pesquisa. te, Lápis Lazúli, 1999. 39p.
país. Se necessitar de verbas ou de autoriza- foram decisivos na eleição do seu tema de estudo.
problema o conceito de crime que certamente Em geral este cronograma é apresenta- 3 Para maiores detalhes sobre o marco teórico cf.
ções para coletar dados, deverá ter certeza de Evidentemente, o principal elemento a ser
será decisivo no rumo da pesquisa. Se seu marco do através de uma tabela na qual as colunas GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa. DIAS, Maria
poder obtê-los. explicitado aqui é o interesse social na solução do Pesquisa empírica representam os meses em que será realizada a Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica:
Por fim, deverá lembrar-se de que sua problema, pois será a partir dele que o orientador, teórico for juspositivista, sua concepção de cri-
me será diversa da de um jusnaturalista, que tam- pesquisa e as linhas, as tarefas a serem con- teoria e prática. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
pesquisa não poderá durar eternamente e a universidade e as agências de financiamento irão É uma estratégia de pesquisa que tem
bém será diferente da de um criminólogo crítico. cluídas. p.55
portanto seu tema deverá necessariamente decidir se há ou não interesse institucional em se por objeto a análise da norma jurídica no 4 Sobre os diversos procedimentos da pesquisa
Assim, pesquisadores com marcos teóri- Dentre outros itens, deverão constar no
estar delimitado principalmente quanto ao concretizar o projeto. contexto da realidade social em que se ma- empírica cf. GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa.
cos diferentes, muitas vezes, usarão métodos de cronograma: levantamento bibliográfico, ob-
objeto, quanto ao tempo e quanto ao espa- O pesquisador, nesta fase, deverá iniciar nifesta. DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pes-
pesquisa bastante semelhantes, mas chegarão a servações, entrevistas, transcrição das entre-
ço. Assim, em vez de indagar-se se "a explicitando o "estado da arte", ou seja, o atual Por esta concepção, deverá o pesquisa- quisa jurídica: teoria e prática. Belo Horizonte: Del
resultados absolutamente diversos, já que o ponto vistas, análise das entrevistas, leitura do ma-
descriminalização das drogas é viável?" estado das pesquisas científicas sobre o tema. É dor analisar uma série de fatores econômicos, Rey, 2002. p. 100
de partida da análise é distinto.3 terial bibliográfico, cruzamento de dados, re-
melhor seria q u e s t i o n a r - s e se "a importante que se faça uma revisão da literatura políticos e sociais e a partir destas 5 Sobre as diferenças da pesquisa jurídico teórica e
Definido o marco teórico, deverá o pes- dação preliminar do texto, discussão do texto
descriminalização do uso de maconha é vi- existente, comentando sucintamente as princi- constatações empíricas, estabelecer a solução da pesquisa empírica cf. WITKER, Jorge. Como
quisador optar entre uma pesquisa jurídico-teó- preliminar com o orientador, redação final do elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas
ável no Brasil do início do século XXI?" 2 pais obras que tratam direta ou indiretamente do do problema pesquisado. texto, revisão e edição final.
Delimitado o tema-problema, deverá o tema proposto. rica ou um trabalho empírico. y técnicas para el estudiante o investigador del
Parte-se do "ser" para se alcançar o "de-
Em seguida, necessário se faz demonstrar Derecho. s/l: Civitas, s/d. p. 85-120.
pesquisador oferecer uma resposta provisória à ver ser"; do "real" para o "ideal"; por isto, é
6 Os endereços eletrônicos destas bibliotecas po-
sua indagação: "sim, a descriminalização do uso a relevância social do problema, explicitando-se uma concepção realista de pesquisa jurídica.
da maconha é perfeitamente viável no Brasil do nesta fase o que já foi comentado anteriormente Pesquisa jurídico-teórica A observação direta (espontânea ou
A bibliografia preliminar: dem ser obtidos em: www.tuliovianna.org

início do século XXI". quanto ao interesse social na resolução do pro- dirigida), a coleta e análise de documentos, de onde pesquisar?
A esta resposta provisória que é dada ao blema. É uma estratégia de pesquisa que tem por legislações, jurisprudência, etc, a aplicação de Túlio Lima Vianna
problema denomina-se hipótese e sobre ela o Em síntese, será nesta fase que o pesqui- objeto a análise da norma jurídica isolada do con- questionários (abertos ou fechados) e as en- Para encerrar o projeto de pesquisa, o Professor de Direito Penal da
pesquisador irá traçar seu objetivo que, em últi- sador irá "vender seu peixe", ou em uma lingua- texto social em que se manifesta. trevistas (espontâneas ou dirigidas)4 são al- pesquisador deverá listar toda a bibliografia Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
I ma análise, será testar a veracidade ou não da gem mais acadêmica, demonstrar ao leitor o real Esta concepção baseia-se na análise do guns dos principais procedimentos da pes- que potencialmente irá utilizar na realização Mestre em Ciências Penais pela
I resposta previamente apresentada. interesse social de seu projeto de pesquisa. dogma jurídico, que é um ponto fundamental quisa jurídica empírica. do trabalho. Universidade Federal de Minas Gerais

Ano II - Nº 13-Janeiro de 2003 - Justílex - 67 68 - Justilex - Ano II - Nº 13 - Janeiro de 2003


Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
64 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 65

Pesquisar é pensar, refletir, ler, discutir, tas atuais com uma visão pós-moderna. 4 Quem dernos, 7 mister construir em atitude afirmati- relatar aqui um pouco a forma, o método, as
perguntar, criticar, descobrir, enfim, é buscar uma sabe, assim poderei contribuir um pouco para va,8 recusando-se a sermos nós, juristas-pes- dificuldades e os resultados deste trabalho de
A pesquisa eiD Direito: visão, uma explicação, uma idéia, uma solução
para as perguntas e problemas que nos movi-
uma - a meu ver, ainda necessária - reconstru-
ção e redirecionamento de nossos próprios pre-
quisadores, mais um instrumento de exclusão e pesquisa em grupo na Faculdade de Direito da
de preconceito em relação aos nossos colegas, UFRGS. Este testemunho tem como finalidade
UID sobre a pesquisa mentam e interessam; é construir, formar e or-
ganizar um pensamento (próprio ou não); é al-
conceitos em relação à pesquisa em Direito e à
pesquisa realizada em nossas Faculdades de
das Universidades e das Instituições da socie- não só abrir a metodologia que desenvolvi para
ensinar a pesquisar e que denominei
dade,9 pesquisadores em Direito (Parte I). A
eiD grupo, o cançar um resultado que apazigúe ou que con-
firme a inquietude inicial.
Direito. segunda parte será dedicada aos problemas e "Sprechstunde", mas principalmente, como
se trata de um caminho misto, altamente in-
Neste sentido, gostaria de dividir minhas dificuldades de se "ensinar a pesquisar em Di-
''Sprechstunde'' e a iniciação Se pesquisar em Direito é algo tão sim- reflexões em duas partes. A primeira analisan- reito". Em nossa realidade acadêmica, a pesqui-
fluenciado pelos métodos alemães e não-
convencionais no Brasil, de ajudar a refle-
ples e hermenêutico, quase natural e intrínseco do a pesquisa em Direito na Universidade e as sa extraclasse de estudantes, a pesquisa de ini-
científica na pós-1nodernidade 1 a nossa ciência, porque é tratado como algo tão dificuldades de pesquisar hoje em Direito, cons- ciação científica, sem finalidade de nota ou para
tir sobre a necessária abertura de espírito
em relação aos esforços dos colegas em ini-
complexo, egoístico e exclusivo de poucos? As cientes da crise da pós-modernidade. 5 A reali- trabalhos de conclusão, é ainda muito pouco ciação científica e em ensino da pesquisa.
Cláudia Lima Sfía'lques explicações são muitas, de jogos de poder, 2 à dade é que, na Universidade e nas outras ciên- realizada no país. Como tive a sorte e o privilé- Talvez, assim, possamos refletir um pouco
influência do positivismo e do empirismo em cias, considera-se pouco a pesquisa realizada gio de ter sido pesquisadora-junior da Univer- sobre o norinal "egoísmo" dos professores-
Doutora em Direito (Heidelberg), Mestre em Direito (Tübingen), Especialista em Integração sidade de Saarlandes, do Instituto Max-Planck,
nosso pensamento científico. 3 Parece-me útil, em Direito. Mister, pois, refletir o porquê deste pesquisadores e do "fechamento" da
Européia (Saarbrücken), Alemanha, Prof. Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade na Alemanha e do Instituto Suíço de Direito
pois neste IX Encontro Nacional do CONPEDI preconceito contra a pesquisa jurídica, mister redoma da pesquisa. 10 Talvez, assim, pos-
Federal do Rio Grande do Sul, Depto. de Direito Público e Filosofia do Direito. Comparado, e, como desde minha entrada na
-Conselho Nacional de Pesquisa em Direito, re- defender a pluralidade de métodos em pes- samos iniciar uma contratendência, de tra-
fletir sobre esta pergunta e, analisar as respos- quisa,6 especialmente em tempos pós-mo- Universidade Federal do Rio Grande do Sul,\h4 balho mais cooperativo, interdisciplinar, em
"... any viable education theory has to begin with a language that links schooling to democratic 10 anos, tenho trabalhado em iniciação científi- grupo, respeitoso das diferenças e da
public life, that defines teachers as engaged intellectuals and border crossers, and develops fonns of ca e pesquisa em grupo, penso poder contri- pluralidade atual, em uma espécie de
2
pedagogy that incorporate difference, plurality, and the language of the everyday as central to the Assim TRINDADE, Hélgio, Universidade, Ciência e Poder, in Universidade em ruínas, 2ed., Ed. Vozes, 2000, buir à discussão com um testemunho. Quero "criticismo educacional pós-moderno" 11
production and legitimation of leaming.... Postmodem educational criticism offers the opportunity for a p. 14 a 21.
3
Assim ensina SAMAJA, Juan, Apartes de la metodologia a la refexión epistemológica, in in La posciencia-El
discursive practice, works in the interest of mankind... aclawwledging difference as the basis for a public
conocimento cientifico en las postrimerías de la modernidad, Esther Díaz (Editora), Ed. Biblos, Buenos Aires,
philosophy that rejects totalizing theories that view the Other as a deficit, and providing the basis for 2000, p. 151. 7
Defendo a idéia que a crise da pós-modernidade no Direito advém também da modificação dos bens economica-
raising questions the dominant culturefinds too dangerous to raise." (ARANOWI17JGIROUX,Postmodem 4
Esta análise pós-moderna é uma homenagem ao mestre orientador de Doutorado, Prof. Dr. Dr.h.c. Erik Jayme, mente relevantes, que na idade média eram os bens imóveis, na idade moderna, o bem móvel material e que na idade
Education- Politics, Culture & Social Criticism, University ofMinnesotaPress, Minea)xllis, 1993, p. 187 e 188). da Universidade de Heidelberg, que em seu brilhante curso de Haia lançou sua teoria dos reflexos da pós-modernidade atual seria o bem móvel imaterial ou o desmaterializado "fazer" dos serviços, do software, da comunicação, do
no direito. Veja JAYME, Erik, ldentité culturelle et intégration: Le droit internationale privé postmoderne - lazer, da segurança, da educação, da saúde, do crédito. Se só este bens imateriais e fazeres que são a riqueza atual,
in: Recueil des Cours de I' Académie de Droit International de la Haye, 1995, II, pg. 36 e seg. os contratos que autorizam e regulam a transferência destas "riquezas" na sociedade também têm de mudar, evoluir
lntJ:odução 5
Sobre os reflexos da atual pós-modernidade, na pesquisa e na ciência do Direito, veja meu artigo A crise cientifica do modelo de dar da compra e venda para modelos novos de serviços e dares complexos, adaptando-se a este
do Direito na pós-modernidade e seus reflexos na pesquisa, in Cidadania e Justiça-Revista da AMB, ano 3, n. 6 desafio desmaterializante "pós-moderno". Veja nosso livro, Contratos, p .. 89 e seg. Os sociólogos preferem
• inquietude, a curiosidade, o interesse brir a solução de um caso ou um problema da (1999), p. 237 e seg. (republicado na Revista Arquivos do Ministério da Justiça) e no livro de Anais da Conferên- estudar o fenômeno na mudança dos meios de produção: pré-industrial, industrial e pós-industrial ou
peio são características normais de quem vida, para reconstruir o respeito e a admiração cia , Rumos da Pesquisa-Múltiplas Trajetórias , Organizadoras Maria da Graça KRIEGER e Marininha Aranha informacionalismo (informationalism), veja Castells analisando os ensinamentos de Tourraine, CASTELLS,
está a aprender, de quem está desenvolvendo e pelas descobertas e caminhos dos juristas que ROCHA, Porto Alegre: Pró-Reitoria de Pesquisa!Ed.UFRGS, 1998, p. 95 a 108. Manuel, The rise of the network society, vol. I, The lnformation age: economy, society and culture, Blackwell,
6
acumulando conhecimentos, como os alunos nos antecederam, para conhecer e acompanhar Inspiro-menestetrabalhonolivrodeARANOWI1ZeGIROUX(ARANOW11Z,StanleyeGIROUX,Henry A.,Postmodem Massachusetts, 199611999, p. 14 e seg.
de Direito de qualquer Universidade brasileira. Education - Culture & Social Criticism, University of Minnesota Press, Mineapolis, 1993) que demonstra como os
as novas descobertas e os novos caminhos dos 8
Segundo ROSENAU, Pauline Marie, Post-modernism and the social sciences, Princeton Uni v. Press, Princenton,
paradigmas pós-modernos, como o pluralismo e o fim das metanarrativas absolutas e universais para todas as ciências (como 1992, p. 117. Na classificação de ROSENAU, p. 53, seriam "skeptical" pós-modernos, para contraponto aos
Penso ser possível direcionar e utilizar esta for- juristas de hoje, para desenvolver uma visão por exemplo, o fim da tradicional metarrativa da necessidade do uso de métodos empíricos para uma pesquisa ser considerada "affirmative" pós-modernos (ROSENAU p. 57), estes últimos clamam por reconstrução e utilização de parte das
ça de inquietude e de dúvida para a pesquisa própria da realidade, para admirar e descortinar "científica''), pode e deve ser usada para discutir a crise na educação e os nossos métodos universitários atuais: "Regardless of metanarrativas da modernidade, como a posição defendida neste artigo.
científica, para a beleza da descoberta e da ex- a lógica - racional ou sentimental- das atuais whether critics see postmodemism as pastiche, parody, o r serious cultural criticism, the postmodem temperament arisesfrom 9
Mister frisar que a pesquisa em Direito naao está restrita às Faculdades e Universidades, ao contrário, após minha
plicação da realidade, para o prazer de construir soluções jurídicas para os velhos e novos con- the exaustion of the still prevailing intellectual and artistic knowledge and the crisis of the institutions charged with their
production and transmission - the schools. The "nihilism" of postmodem discourse does not signify ist rejection of ethics, experiência em Institutos de pesquisa na Alemanha e Suíça e no Brasilcon-Instituto Brasileiro de Política e Direito
o pensamento, de desenvolver o raciocínio crí- flitos e problemas de nossa sociedade. do Consumidor, considero que no futuro a pesquisa, também no Brasil, se fará tanto nas universidades como nas
politisc, and power, only its refosai to accept the givens ofpublic and private moraiity and the judgements arising from them
tico, dedutivo ou indutivo, o prazer de desco- organizações e Instituições do Terceiro Setor.
Of course, we go forther in this book and argue that criticai postmodemism provides a politicai and pedagogicai basis not
10
only for challenging current fonns ofacademic hegemony but aisofor deconstructing conservative fonns ofpostmodemism Defendi o pluralismo na pesquisa escrevi no trabalho "A crise", p. 95 e seg ..
1
Trabalho apresentado no IX Encontro Nacional do CONPEDI -Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação in which sociallife merely made over to accommodate expanding fields of infonnation in which reaiity collapses into the 11
A expressão "Postrnodern educational criticism" é um tanto incongruente, pois a crítica é típica da modernidade,
em Direito, PUC-RIO, no dia 19 de setembro (GTR4-Cooperação Interinstitucional e Programa Simon Bolívar) proliferation of images. At its bests, a criticai postmodemism signals the possibility for not only rethinking the issue of mas esta expressão foi usada por ARANOVITZ/GIROUX, p. 188, para descrever sua teoria de reconstrução da
e discutido no dia 20 de setembro (GTEl-Direito Internacional e Integração regional: os efeitos da globalização). educational refonn but aiso creating a pedagogical discourse that deepens the most radical impulses and social practices educação, de forma democrática, plural e crítica em plena pós-modernidade: "Postmodem educational criticism
A autora gostaria de agradecer (e homenagear) ao Prof. Michael R. Will e ao Programa DAAD/CAPES pelo apoio of democracy itse!f" (ARANOW11Z, Stanley e GIROUX, Henry A., Postmodem Education - Politics, Culture & Social points to need for constructing a criticai discourse to both constitute and reorder the ideological broader
recebido durante meu aprendizado na Alemanha. Criticism, University of Minnesota Press, Mineapolis, 1993, p. 187). parameters of a radical democracy"
Réf;ista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 63 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
66 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 68 "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 69
67 Cláudia Lima Marques

também em Direito. 12 compreensão da realidade e fundamentação do A) Dificuldades da pesqu&lemDireito e do diálogo de científica. Isto teve enorme repercussão na quase superada), 27 gostaria apenas de desta- Relembre-se, porém, que na Idade Mé- xa realidade social pudesse ser compreendida e rei to passaram a valorar e a elaborar seu pensa-
conhecimento, um modo empírico: "El pensa- Universitário em tempos pós-modernos Filosofia, na Religião e no Direito. Inicialmente o car que esta visão é típica da mono-metodologia dia, o método científico era exclusivamente captada apenas pelos métodos empírico e de mento científico de forma distinta das demais
mento cientifico abandoná la incuestiona- Direito não mudou seus métodos de pesquisa, de da idade moderna e não mais condiz com o hermenêutico. Quando surgiram as primeiras pesquisas quantitativas. ciências sociais, 34 em uma independência de
O termo "método", usado no contexto
I. A pesquisa em Direito na bilidad del dogma y la tradición que teíiiá el procura, de investigação e de "descoberta" dos co- pluralismo de métodos28 da idade atual ou pós- Universidades, a hermenêutica é a ciência por "descompreensão" e falta de diálogo. A pes-
pensamento medieval para opornele la da pesquisa científica, tem um duplo significa- moderna.29 Em nossas Universidades ainda hoje
nhecimentos, continuou utilizando o método excelência, ciência da compreensão e da inter- quisa era individual, por interesse próprio dos
Universidade legitimidad y lafuerza de los hechos empíricos. do: a) pode evocar os procedimentos para ob-
hermenêutico (dogmático e dedutivo)24 típico des- pretação dos textos , das escrituras e das leis.
encontramos alguns que pensam que o caráter
docentes 35 ou comercial das editoras, 36 sem
Como ensina Pádua, em "um sentido ter um conhecimento, para descobri-lo, para Como ensina Pádua: "Até meados do científico (da pesquisa) depende do uso de
La razón vinculada con la experiencia permitió de os estudos dos livros romanos na Idade Média, o As três primeiras Faculdades organizadas fo- chegar aos alunos e muito menos aos colegas
conhecê-lo, para investigá-lo e b) pode evocar século XX, considerou-se como cientifico o métodos empíricos. Criticam os juristas e seus
amplo, pesquisa é toda atividade voltada para el conocimiento de los fenómenos físicos y que resultou em uma grande crise de validação (ou ram justamente de Teologia (Filosofia), Direito de outras áreas. 37
a solução de problemas, como atividade de os procedimentos para "validar" ou ')ustificar" conhecimento produzido a partir das bases métodos, criticam sua falta de dedicação à pes-
natureales. La observación, la experimen- de justificação) para a pesquisa em Direito, ajudan- e MedicinaY
busca, indagação, investigação, inquirição da um conhecimento, uma assertiva, um resultado estabelecidas pelo método positivista, apoia- quisa, à Universidade, sua baixa produção "ci- A avaliação da produção científica
tación y la medición fueron las metodologías do no triunfo do método positivista, único conside-
realidade, é a atividade que vai nos permitir, que já se sabe. 18 do na experimentação, mensuração e contro- O Direito, Teologia e Filosofia constro- entífica" , sua preocupação com a prática, sua oriunda das Faculdades, porém, veio da Uni-
fundamentales que facilitaron esta fructífera rado "científico" àépoca. 25
no âmbito da ciência, elaborar um conheci- relación entre teorias y hechos. " 15
le rigoroso dos dados (fatos), tanto nas ciên- em seus conhecimentos, sua ciência, seu saber falta de profissionalismo. 33 Mal ou bem este versidade, utilizando seus métodos, seus crité-
A dificuldade básica da pesquisa em
mento, ou um conjunto de conhecimentos, que cias naturais como nas ciências humanas. As- de forma hermenêutica. É historicamente, pois, menosprezo estrutural pelo método rios, seu empirismo, suas perguntas ao traba-
Os êxitos alcançado nas ciências Direito é seu método, apesar de ser polêmico
nos auxilie na compreensão desta realidade e sociou-se a idéia de cientificidade à pesquisa recente considerar-se científico apenas o méto- hermenêutico usado no Direito contribuiu para lho realizado pelos juristas, poucas vezes foi
exatas permitiram aos pensadores do sécu- também seu resultado. 19 Efetivamente, em Di- 1. O método hermenêutico e o
nos oriente em nossas ações." 13 experimental e quantitativa, cuja objetivida- do empírico, da reação de Galilei até a formula- o isolamento (e fechamento) do pensamento, este classificado de científico. Chegamos ao
lo XVII transferir esta visão "científica" reito, é polêmico tanto o método de pesquisa
menosprezo pela pesquisa em de seria garantida pelos instrumentos e técni- ção do empirismo por Locke e outros. Como do discurso e das atividades científicas dos ju- ponto de documentos oriundos da universida-
Durante os séculos XVI e XVII assenta- para as análises dos fenômenos sociais, (método de investigación )20 em si, quanto o
cas de mensuração e pela neutralidade do pró- vimos anteriormente, é somente nos séculos ristas nas Universidades. Se nos séculos XVIII de considerarem que não havia "pesquisa ci-
ram-se as bases epistemológicas e forçando as ciências sociais e aplicadas, 16 método de validação da pesquisa jurídica (mé- Direito: a falta de validação ou prio pesquisador frente à investigação da re- XIX e XX que chegarão os pensadores a consi- e XIX, o Direito era ciência de destaque e os entífica" nas Faculdades de Direito, apesar da
metodológicas do saber científico moderno, 14 como o Direito, para ter "validade" e alcan- todo dejustificaciôn). 21 A primeira crise foi,de derar o método empírico, mais afeito às ciências
alidade. Com o desenvolvimento das investi- juristas consistiam na elite pensante daqti'elas representativa produção intelectual, especial-
no qual Galileu Galilei, Isaac Newton e Johannes çar a "verdade", a utilizar estes métodos. 17 seu método de validação. Nos séculos XIX'e justificação dos métodos qualita- exatas e ciências outras do que ao Direito, como
gações nas ciências humanas, as chamadas sociedades, no século XX, a partir. da década mente livros de grande repercussão lá realiza-
XX, o Wienerkreis, o Círculo de Viena com tivos
Kepler são considerados precursores, e que Estava aberta a crise do método de pesqui- pesquisas qualitativas procuraram consolidar o único científico, em uma visão perfeccionista de 60, com a reforma das universidades e com dos. 38 Importantes eram estátisticas de "impac-
resultou na constituição de um modo novo de sa em Direito. Carnap22 e o fundador da sociologia empírica e típica das crenças universais e absolutas da
procedimentos que pudessem superar os limi- um novo "cientifismo-neutro" imposto as Fa- to", a repercussão abstrata dos veículos utili-
do método positivista, Auguste Comte, 23 aca- Por muito tempo, os pensadores menos- idade modema. 32 O método hermenêutico e tra-
tes das análises meramente quantitativas. A culdades de Direito, esta posição científica de zados para publicação nacional e internacional
baram por defender, contra toda metafísica e prezaram a importância e mesmo a possibilida- dicional do Direito causa espécie, é considera-
partir de pressupostos estabelecidos pelo mé- destaque, modificou-se, isolando ainda mais e não as citações ou a repercussão, prática que
especulação, que somente o que se podia expli- de de se pesquisar em Direito. 26 Sem querem do problemático, não científico ou não-válido.
12
Para alguns, esta é uma tarefa muito difícil, que exige uma volta ao pensamento epitesmologico. Assim o mestre argentino,
todo dialético, e também apoiadas em bases nossos predecessores. As Faculdades de Di- nossos mestres conseguiram nos Tribunais, na
car positivamente e empiricamente teria valida- repetir esta discussão estéril (e hoje felizmente É preciso fugir deste método, separar-se, é pre-
Carlos Alberto Ghersi (GHERSI, Carlos Alberto, Tercera Vw-ÂnúJito Jurídico, Ed. Gowa, 2000), considera que a pós- fenomenológicas, pode-se dizer que as pesqui-
modernidade construiu um perigoso subjetivismo jurídico e uma metodologia abstrata de ensino, que abstrai da realidade e sas qualitativas têm se preocupado com o sig- ciso medir, comparar, preparar estudos empíricos
discursa sobre o direito posto como se fosse real, mesmo que não seja efetivo (p.30), que exalta o individualismo e vê o direito nificado dos fenômenos e processos sociais, e quantitativos sobre a realidade, para que a 33
Efetivamente, TRINDADE, p. 12 comprova que o "profissionalismo" na universidade está intimamente ligado
como um fim em si mesmo (p. 44), a destruir a própria validade e função social do Direito (p. 45). Prega o autor uma 18
Assim ensina SAMAJA, Juan, Apartes de la metodologia a la refexión epistemológica, in in La posciencia-El conocimento levando em consideração as motivações, cren- pesquisa em Direito seja científica. à pesquisa e à dedicação acadêmica, desde o século XVIII: "Com a criação das academias cientificas, intensifica-
contratendência (p. 33), que "el derecho debe ensefíarse como fenómeno social complejo" e com recurso às outras ciências, cient(fico en las postrimerías de la modernidad, Esther Díaz (Editora), Ed. Biblos, Buenos Aires, 2000, p. 151. ças, valores, representações sociais, que Passa-se a menosprezar a forma de pro- se a profissionalização das ciências,fato que vai permitir sua inserção nas universidades através da pesquisa. Até
pois "definir la frontera de una ciencia, es limitar la investigación, es no permitir la consubstanciación o entrecruzamento de 19
Os hoje denominados produtos da pesquisa em Direito são incialmente os mesmos das outras ciências: livros, permeiam a rede de relações sociais. Como dução do conhecimento jurídico até então exis- o século XVII, o cientista não tem um papel especializado na sociedade, mas a partir daí desencadeia-se uma
los saberes, lo social es un todo inescindible, pues apunta a la humanidad en comunidade, parcializada en Estados o globalizada artigos, estudos, relatórios, palestras, conferências etc. Mas também os resultam indiretamente da pesquisa em estes aspectos não são passíveis de mesuração mudança profunda no sistema de valores e normas universitárias, reconhecendo-se, não sem conflitos, a
en un solo mundo"(p. 33 e 34) e conclui: ''Pensamos que a partir de involucrar el derecho con los saberes que están en lo social,
Direito o próprio "objeto" ou Direito, uma lei, um Tratado, uma doutrina nova, um parecer opinativo ou tente, menosprezam-se os juristas e legitimidade de uma atividade relacionada com as ciências em geral" (p. 12)
mostramos aspectos de las normas que las sumergen en un mundo de contradicciones y de causalismos; la contextuación
consultivo, um trabalho forense, uma decisão de líder. Estes são normalmente desconsiderados como produtos da
e controle, nos moldes da ciência dominante, doutrinadores desta época, como não-científi- 34
Assim OLIVEIRA, Luciano e ADEODATO, João Maurício, O Estado da Arte da pesquisa jurídica e sócio-
enfrenta así a la abstracción individualista, es la ciência, pois fáticos-jurídicos. sua cientificidade tem sido freqüentemente cos. Força-se o Direito a mudar, a usar métodos jurídica no Brasil, Ed. CJF/CEJ, Brasília, 1996, p. Il: "Há um notório descompasso entre a pesquisa jurídica e
13
Assim define pesquisa, PÁDUA, Elisabeth Matallo Marchesini de, Metodologia da pesquisa- Abordagem 20
Segundo ensina GIANELLA, p. 78: "[Los métodos de investigación]... están dirigidos al incremento dei conocimiento, a questionada." 30 outros e com exclusividade, como se a comple- o estágio atual" nas outras ciências.
teórico-prática, Ed. Papirus, 2.ed, Campinas, 1997, p. 29. conocer neuvos hechos, propriedades, relaciones y regularidades." (GIANELLA, Alicia E., Introduccion a la epistemologia 35
Bastante críticos, OLIVEIRA/ADEODATO, p. I2, usam a expressão " quase diletante" para descrever a
14
Assim ensina Trindade, op. cit., p. 14. y la metodologia de la ciencia, Ed. da la Universidad Nacional de la Plata, La Plata, 1995, p.78). pesquisa das Faculdades de Direito desta época.
21 36
15 Segundo ensina GIANELLA, op. cit., p. 78: "[Los métodos de validación o justificación} tiene por función 27
Assim, bastante pós-moderna, REGNER, op. cit., p. 274. Não se pode desconhece o fato do mercado editorial de livros jurídicos estar muito ligado aos nomes da
LUQUE, Susana de, El objeto de estudio en las ciencias sociales, in La posciencia-El conocimento científico en
ejercer una espécie de "contrai de calidad" de los conocimientos, evaluar las hipótesis y teorías desde los 28
Sobre pluralismo de métodos, como reflexo nessário dos tempos atuais, veja JAYME, Curso, p. 36 e seg. academia. Veja no Brasil, a tradição em publicações dos professores, por exemplo, da Faculdade Largo de São
las postrimerías de la modernidad, Esther Díaz (Editora), Ed. Biblos, Buenos Aires, 2000, p. 223. corriente de
fundamentos que ofrecen." 29
Veja uma bela defesa do pluralismo, in SILVA, Tomaz Tadeu, A produção social da identidade e da diferença, in Francisco da USP.
reacción o su contratendencia."(p. 37). 22 37
16
Assim ensina SAMAJA, op. cit., p. 152. Identidade e Diferença, Coord. SILVA, Tomaz Tadeu, Ed. Vozes, São Paulo, 2000, p. 73. Veja também excepci- OLIVEIRA/ADEODATO, p. 11, comprovam que a pesquisa jurídica está quase toda concentrada nas Univer-
Sobre o tema das especificidades das áreas das ciências e a cada vez maior distinção entre "ciência básica" e "ciência 23
Assim ensina LUQUE, op. cit., p. 228. sidades Públicas, mas que o "debate sobre a pesquisa e o ensino jurídico no Brasil remonta a San Thiago Dantas e
onal sobre pluralismo no Direito. FRIEDMAN. Lawrence, The Republic ofChoice, Cambridge, Harvard University
aplicada'', veja síntese do congresso,REGNER, Anna Carolina K. P. , O fazer científico: as especificidades das áreas e uma 24
Assim as palavras clássicas de Reinhold Zippelius: "Der Gegenstand bestimmt die Methode", ZIPPELIUS, Rui Barbosa" (p. 9).
Press, I994, p. II e seg. Como explica Vattimo em sua introdução, "O pós de pós-moderno indica, com efeito,
nova agenda para a ciência, in Rumos da Pesquisa-Múltiplas Trajetórias , Organizadoras Maria da Graça KRIEGER e Reinhold, Juristische Methodenlehre, 5. Aufl., Beck, München, 1990, p. 1. 38
Surpreende o número de publicações dos professores da Faculdade de Direito de 1904 a 1975, levantadas no livro
uma despedida da modernidade ...", veja VATTIMO, Gianni, O fim da modernidade- niilismo e hermenêutica
Marininha Aranha ROCHA, Porto Alegre: Pró-Reitoria de Pesquisa/Ecl.UFRGS, 1998, p. 273. 25
PÁDUA, op. cit., p. 31. de nosso falecido professor SANTOS, João Pedro, A Faculdade de Direito de Porto Alegre- Subsídios para sua
na cultura pós-moderna, São Paulo, Martins Fontes, 1996, p. VII.
17 26
Assim LU QUE, Laposciencia, p. 223: "Los éxitos alcanzados en el ámbito de las cienciasfísicas impulsionaron Veja sobre o tema as reflexões de ZITSCHER, Harriet Christiane, Como pesquisar?, in Revista da Faculdade de 30
PÁDUA, op.cit., p. 31. História, Ed. Síntese, Porto Alegre, p. 189 a 277 e p. 341 a 370.
a los pensadores dei siglo XVII a trasladar la mirada científica hacia dos fenómenos sociales ... [las ciencias Direito da UFRGS, vol. 17(1999), p. 103 e seg., que distingue entre pesquisa conceitualldogmática e pesquisa 31
Veja sobre a universidade medieval, TRINDADE, op. cit., p. 12. de Kuhn e a evolução da epistemologia, veja em português, BOMBASSARO, Luiz Carlos, Ciência e Mudança
sociales] sólo alcanzarían la verdad en la emedidad en que siguieran el modelo de la físico-matemática ..." empírica, também no Direito. 32
PÁDUA, op. cit., p. 31. conceituai- Notas sobre Epitesmologia e História da Ciência, Edipucrs, Porto Alegre, 1995, p. 61 e seg.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
71 72 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 73
70 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade

dos sentimentos, do discurso, à literatura ou à subjective judgment, imagination, as well as


sociedade, nas leis que ajudaram a realizar, nas dedicação de nossos predecessores foi pouca lise jurisprudencial45 e a pesquisa de campo, 2. Crise da pós-modernidade: modernidade, mas uma das últimas a se dar conta quisa renovada, ao mesmo tempo cientifica e
economia. 55 Rejeitada a verdade jurídica, aber- diverse forms of creativity and play. "
Constituições e na jurisprudência em gerai.3 9 à Universidade e à pesquisa então considerada em suas mais variadas formas. 46 Geralmente, sobre os efeitos desta crise em sua ciência, tal- jurídica, plural e tolerante, como se está ten-
Chegamos a ponto de considerar não-cientis- científica, também foi grande a falta de compre- hoje optamos por uma combinação de método "desconstrução" do Direito e vez por seu isolamento ainda existente. Como tando fazer na Faculdade de Direito da to o sistema do Direito, deslegitimado o Direi- ... Como ensina Rosenau 59 , esta frag-
ensina Rosenau, conhecer o fenômeno da pós- UFRGS, 53 apesar das dificuldades. Pesquisa to e suas instituições, cria-se assim um vazio
tas, os grandes autores e doutrinadores do Di- ensão quanto as especificidades de nossa ci- de investigação. Com a consolidação da pós- novo acirramento metodológico cientifico e uma desconfortante igualdade ci-
mentação e desconstrução não pode ser acei-
reito do início deste século. 40 ência e métodos tradicionais. graduação no país, a produção científica no modernidade e seus efeitos nas ciências soci- renovada esta que, consciente da crise pós- ta totalmente, uma reação deve existir. Em
Direito aumentou fortemente, 47 assim como o Efeti vamente, veio a crise da pós- ais é o melhor caminho para superar seu efeito moderna, possa responder à crescente dispu- entifica dos discursos, todos iguais56 uma vez outras palavras, para evitar o atual vazio do
A incorreção desta lógica de exclusão Bem, hoje, nós juristas, superamos os destruidor: "Postmodemism haunts social science ta vazia de formas, métodos e linhas de pensa- que todos sem base e subjetivados ou
profissionalismo do professor-pesquisador. O que modernidade,50 as incertezas e o caos atingi- estudo do discurso é necessário um reviva[ do
da produção jurídica da Universidade repousa preconceitos, o sentimento de vergonha de
parecia um avanço calmo e certo, porém, sofre com a ram todas as ciências. 51 Por ironia do destino, today. ln a nwnber of respects, some plausible and mento, que ameaçam hoje devastar as nossas flexibilizados 57 há uma grande dificuldade sério estudo da filosofia do Direito. Para com-
principalmente em sua visão metodológica re- nosso próprio método, repensamos nosso pa- some preposterous, post-modem approaches dis- F acuidades, reduzindo-as em um misto de ra- para os estudantes e professores identificarem
perda de modelo com a crise social da pós- foi justamente a ciência do Direito uma das que bater o vazio das formas metodológicas, é ne-
duzida. Um exemplo pode esclarecer: os médi- pel na Universidade, envidamos esforços pelo e avaliarem a qualidade das pesquisas e suas
mcx:lemidade.48 É necessário continuar a construir.49 mais se descontruiu com a crise da pós- pute the underlying assumptions of mainstream dicalismo, intolerância e passividade cientifi- cessário revisitar a especificidade do conhe-
cos, geralmente, também dedicam pouco tempo pluralismo de pensamento e multiplicação da social science and ist research product over the ca no final de século. Pesquisa esta que de- contribuições à sociedade e ao Direito. cimento jurídico, 60 aceitar as bases do Direito
à Universidade, praticam e realizam suas técni- pesquisa jurídica, aceitamos e utilizamos mui- la.st three decades. The challenges post-modemism monstre que a ciência do Direito ainda possui Esta crise da pós-modernidade é, em como procura do justo e valorizar mesmo seus
cas na sociedade, modificam a realidade e apli- tos métodos e discursamos sobre a pesquisa poses seem endless. lt rejects epistemological um valor em si mesmo, que o Direito ainda verdade, uma mudança na maneira de pensar métodos tradicionais e específicos. 61 Para
cam sua ciência em prol da coletividade. Nunca quase de iguais para iguais com as outras ciên- 45Bom exemplo é a pesquisa quantitativa e qualitativa de jurisprudência gaúcha sobre seguro-saúde e o CDC, assumptions, refites methodological conventions, pode e deve dar respostas aos problemas do
ninguém, porém, acusaria estes brilhantes pro- realizada pelo Grupo de Pesquisa CNPq "Mercosul e Direito do Consumidor", coord. Claudia Lima Marques e o Direito a resultar um certo apatismo e combater a guerrilha metodológica, é neces-
cia sociais. 41 O pluralismo de métodos, de abor- resists knowledge claims, obscures all versions of homem em sociedade e não só pesquisar sobre imobilismo em relação às novidades por parte sário defender o pluralismo de pesquisas e a
fessores e práticos da medicina de não-científi- Harriet C. Zitscher, conjuntamente com estudantes, cujo Relatório foi publicado na Revista Direito do Consumi-
dagens, de procedimentos na pesquisa jurídica dor (São Paulo), vol. 29, jan/mar 1999, p. 88 a 105.
truth, and dismisse policy recommendations. lf so- seu método, sua ideologia, seu discurso, seus da maioria, combinado com um certo radica- tolerância cientifica, única forma de evitar que
cos. E porque não? Simplesmente por que a
é uma realidade. 42 As pesquisas qualitativas 46Bom exemplo de pesquisa de campo é fornecido por RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio, Manual da Monografia
cial scientits are to meet this challenge and take afores, suas relações de poder, isto é, que a lismo por parte de minorias, face aos novos os radicais "antimodernos" acabem excluin-
Medicina, ao contrário do Direito e da Teolo- advantage of what post-modemism has to offer ciência do Direito ainda está legitimada a
de hoje não usam apenas o método Jurídica, 2. ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 1999, p. 22", desafios da sociedade pós-moderna. É uma do vários cientistas que poderiam dar alguma
gia, sempre utilizou o método empírico. Fácil witlwut becoming casualities ofit excesses, then an procurar o justo e o eqüitativo, apesar da sua
hermenêutico, o comparatista e o histórico, mas 47 Veja sobre o tema, trazendo lista das monografias publicadas no país de 1980 a 1995, LEITE, Eduardo de desconcertante crise de ideais e de valores, contribuição à criação de um Direito adapta-
acusar um hermenêuta de "a-científico", dificí- adequate understanding of the challenge is atual e profunda crise de fundamentos.
há também a análise jurisprudencial qualitativa Oliveira, A monografiajurídica, Ed. Revista dos Tribunais, 3. ed., 1997, p. 288 e seg. entre pluralismo e radicalismo de verdades, do ao novo milênio. Em outras palavras, há
limo acusar um médico, que usa quase que ex- essential."52
clusivamente os métodos empíricos, de não ci- ou discursiva, o estudo das diferenças no Di- 48 Assim MINDA, Garry, Postmodern Legal Movements- Law and Jurisprudence at Century's end, New York
... Neste sentido, como Rosenau, mister que tem grande influência no Direito e na pes- que se superar a visão que o Direito em si, sua
entífico. Observem, pois, como cala fundo este reito Comparado Pós-moderno, 43 sem falar no University Press, New York, 1995, p. 247 e, conclusão, p. 249: "Academic trends in legal scholarship do not
Sobre o tema já escrevi de forma crítica e alertar que ao quebrar sua legitimidade como quisa deste final de século. Como ensina metodologia e seu discurso ou a economia se-
occur in a vaccum, nor are law schools and legal scholars autonomous. To understand what has been going on ria o único objeto de pesquisa válido. Há que
preconceito, pré-concebido mito de uma só crescente uso das pesquisas quantitativas no ati vista que: "Se o desafio do passado era ver ciência de conduta, a crise pós-modernidade Rosenau, 58 o vazio e a insegurança nas ciên-
in contemporary legal theory, one must look to what has been going on at the university... an intellectual and
metodologia científica para a pesquisa. Se a Direito, como o estudo de casos, 44 como a aná- cultural revolution is now under way at American Universities ... The crisis of representation, known as a pesquisa em Direito reconhecida como tal levou a uma desconstrução dos fundamentos cias sociais são grandes: " Post-modernists se defender a pesquisa em Direito como con-
postmodernism, has reached the legal academy and it is represented by a new form ofpostmodernjurisprudence" na Universidade, o desafio do presente é supe- do Direito tão profunda que nenhuma teoria reduce social science knowledge to the status tribuição à ciência do Direito, contribuição à
Veja como ZIMA, Peter, Moderne!Postmoderne, UTB, Francke, Tübingen, 1997, p. 61, identifica nos movimen- rar a crise da pós-modernidade, de forma a ou linha de pensamento mais seria absoluta- of stories .. Post-modern methodology is post- procura do justo e da solução dos problemas
tos neo-liberais conservadores e economicistas (de direita) um dos braços da pós-modernidade. Assim também reconstruir uma razão para a pesquisa jurídi- mente válida e a pesquisa teria ficado "sem positivist or anti-positivist. As substitutes for individuais e sociais atuais, não importando
39Como ensina LOPES José Reinaldo de Lima, Direito e Tramformação Social, Belo Horizonte, Ed. Nova MINDA, p. 83, identifica o movimento conservador de "direita" da análise econômica do Direito como pós-
ca e viabilizar um avançar do Direito no objeto ". 54 O foco o ponto de concentração se- the 'scientific method', the affirmatives (post- a sua linha de pensamento, se alternativa
1997, p. 77 tanto o Direito faz parte da cultura quanto possui sua própria cultura e reflexos típicos na moderno. desdogmatizante, se tradicional ou se conser-
futuro.A reação necessária é, pois, de uma pes- ria qualquer outro objeto que não o Direito, modernists) look to feelings, personal
sociedade: " ... o sistema jurídico é constituído de uma "cultura". São as atitudes que fazem do sistema um todo 49 Assim também, para todas as ciências sociais, conclui REGNER, p. 276.
uma unidade e que determinam o lugar dos aparelhos e das normas na sociedade globalmente considerada. A experience, empathy, emotion, intuition, vadora neo-liberal." 62
50Assim manifestou-se ROSENAU, 1992, p. 124: "Legal theory is an arena where post-modern views of
cultura jurídica engloba tanto as atitudes hábitos e treinamento dos profissionais quanto do cidadão comum."
epistemology and method have created one of the most serious intellectual crises, questioning the very legitimacy
Tal linha de pensamento possui tradição no Brasil através da escola de Recife e a influência do ,culturalismo
of judicial systems and the integrity of legal studies."
jurídico" de Tobias Barreto sobre o tema veja o nosso Artigo Cem anos de BGB e o Código Civil Brasileiro, in: 52
ROSENAU, p. 3.
51 Como antes escrevi, A crise, p. 99: "A realidade denominada pós-moderna (LYOTARD, 1994, p. 13) é a 55 Veja ROSENAU,l992, p.50 a 52: "Post-modernists in almost field ofthe social sciences
Revista dos Tribunaus vol. 741. p. 21 e seg.
40Sobre a intolerância científica como forma de manutenção de paradigmas, veja KUHN, Thomas, Die Struktur realidade da pós-industrialização, do pós-fordismo, da tópica, do ceticismo quanto às ciências, quanto ao positivismo 53
Destaque-se que no livro da Pesquisa UFRGS de 1988 a 1992, a Faculdade de Direito aparece com 41 professores, have been experimenting with a subjectless approach in their inquiries... Rejecting the subject
wissenschaftlicher Revolutionen, Suhrkamp, Frankfurt, 1996, p. 38 e seg., sobre o neo-radicalismo, como respos- (HABERMAS, 1992, p. 35); época do caos, da multiciplicidade de culturas e formas, do Direito à diferença, da autores de livros e artigos, no Brasil e exterior, denotando que mais da metade dos professores 80 professores da permits them to the focus of the inquiry elsewhere... "
ta à intolerância frente ao pluralismo pós-moderno e à nascente neo-ortodoxia, veja GELLNER, Ernest, Pós- ,euforia do individualismo e do mercado",(GHERSI, p. 27) da globalização e da volta ao tribal. É a realidade da instituição e 70% dos professores ativos de sala de aula fazem pesquisa e submetem-se à crítica através de
56
modernismo, Razão e Religião, Instituto Piaget, Lisboa, 1992, p. 70 e seg. O autor denomina esta última vertente substituição do Estado pelas empresas particulares, de privatizações, do neo-liberalismo, de terceirizações, de publicações. No livro da Pesquisa UFRGS de 1993 a 1994, este número aumenta para 51 professores-autores da ROSENAU,1992,p.77 ep. 89.
neo-ortodoxa de "ultra-subjetivismo" como forma de responder ao antigo ultra-cientismo moderno.Sobre a obra comunicação irrestrita, de informatização e de um neo-conservadorismo. Realidade de acumulação de bens não Faculdade de Direito e no livro da Pesquisa UFRGS de 1995-1996 chega a um total de 54 autores, denotando que 57 FACHIN, Luiz Edson e CARNEIRO, Maria Francisca, A5pectos da avaliação institucional dos programas de

de e a evolução da epistemologia, veja em português, BOMBASSARO, Luiz Carlos, Ciência e Mudança materiais, de desemprego massivo (GHERSI, 1994, p. 13), de ceticismo sobre o geral, de um individualismo 67% dos professores oficialmente ligados à instituição e quase 90% dos 62 professores ati vos de sala de aula fazem pós-graduação em Direito: instrumentos e concepções, in Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, nr.
concettual- Notas sobre Epitesmologia e História da Ciência, Edipucrs, Porto Alegre, 1995, p. 61 e seg. necessário, da coexistência de muitas meta-narrativas simultâneas e contraditórias, da perda dos valores moder- pesquisa individual e publicam. Desde 1988, já chegam a seis os grupos de pesquisa oficialmente reconhecidos pelo 137, jan/mar 1998, p. 205.
41 VejaZitscher, Como pesquisar?, p. 104 a 107. nos, esculpidos pela revolução burguesa e substituídos por uma ética meramente discursiva e argumentativa, de CNPq. Dois são os nossos pesquisadores A 1, contamos com um Mestrado cientificamente muito ati vo, assim 58
ROSENAU,1992, p. 91 e p.117.
42 legitimação pela linguagem, pelo consenso momentâneo e não mais pela lógica, pela razão ou somente pelos como multiplicam-se os trabalhos de iniciação científica de acadêmicos orientados por professores de nossa casa;
Veja bom exemplo deste pluralismo no recente livro de VENTURA, Deisi, Monografia Jurídica- uma visão 59
ROSENAU, 1992, p. 124.
valores que apresenta (KAUFMANN, 1994, p. 224 ). É uma época de vazio, de individualismo nas soluções de 3 trabalhos no I Salão para os 32 trabalhos inscritos em 1998, assim como dois prêmios Jovem Pesquisador e
prática, Ed. Livraria dos Advogados, Porto Alegre, 2000, p. 76 a 78.
43 Veja sobre o tema JAYME, Erik, Visões para uma teoria pós-moderna do Direito Comparado, in Revista dos (LIPOVETSKY, 1996, p. 7) e de insegurança jurídica, onde as antinomias são inevitáveis e a de-regulamentação vários destaques e menções honrosas nesses dez anos de Salão. Este aumento quantitativo é acompanhado por uma 6
°FACHIN/CARNEIRO, p. 205.
do sistema convive com um pluralismo de fontes legislativas e uma forte internacionalidade (JAYME, 1995, p. 36) crescente preocupação com a formação acadêmica dos professores, Doutores e Mestres, sensibilizados todos para 61 LARENZ, Karl, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 6.Aufl., Springer, Berlin, 1991,p. 6.
Tribunais nr. 759, janeiro 1999, p.24 a 40.
44 das relações. É a condição pós-moderna que, com a pós-industrialização e a globalização das economias, já atinge a pesquisa científica.
Veja sobre o tema ARAÚJO, Nádia, Formação do jurista pesquisador: Pressupostos e requisitos. Técnicas de pesquisa e ensino 62
Extratos de nosso artigo, "A Crise, p. 96 a 101.
a América Latina e tem reflexos importantes na ciência do Direito. É a crise do Estado do Bem-Estar Social." 54
Assim ROSENAU, 1992, p. 50.
na pós-graduação, in Revista Direito, Estado e Sociedade, nr. 14, janJjulho. 1999, PUCIRJ, p. 23 a 37.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
74 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação científica na pós-modernidade 75 76 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 77

Parece-me, efetivamente, se vamos ser Will, professor da Universidade de Saarbrücken, com a exatidão e exaustão das fontes. Esta pri- taque-se a sinceridade intelectual deste mes- Privado junto ao Prof. Alfred von Overbeck. O lência e da camaradagem. A organização de um pode cala ou manifesta o motivo porque não
pós-modernos, sejamos pelo menos conscien-
1. Compilando influências ale- tres alemães. Foi muito positivo poder observá- Instituto conta, ao total, com cerca de 1O cola-
durante os seus seis meses de estadia em Porto meira pesquisa com casos foi uma experiência Instituto como o de Heidelberg (que também é pode participar. Assim valoriza-se a tarefa e o
tes de nosso papel na evolução da ciência do Alegre. Estas duas experiências confirmaram mãs e brasileiras para formar ímpar, que muito me ajudou no futuro, especial- los e ajudá-los a elaborar suas notas de rodapé, boradores, que se reúnem regularmente com o uma das mais excepcionais Bibliotecas que co- grupo desenvolve uma dinâmica própria de aju-
Direito, sejamos ao menos pós-modernos afir- minha vocação para ser professora e para con- mente na escolha de meus temas de Mestrado e seu minucioso re-exame das fontes e organiza- professor coordenador, este e os colaborado- nheci) é o ideal de qualquer pesquisador. da àqueles que receberam uma tarefa e não po-
mativos.63 É o momento do reviva! pós-moder-
a "Sprechstunde" ção lógica do pensamento. Os pesquisadores- res de todos os continentes escrevem juntos
tinuar na pesquisa. A convite do Professor Will Doutorado. Nada melhor para descortinar as dem a cumprir sozinhos. A reunião é toda
no, plural e tolerannte, dos Direitos humanos fui para a Alemanha, realizei um Mestrado e uma A monitoria é uma boa experiência para perguntas importantes, do que saber o que junior nada escrevem, mas tudo acompanham, os livros do Instituto. Cada colaborador ou pes- conduzida pelo líder, que determina a ordem de
e este acompanhar, inclusive em Congressos e quisador tem seu tema individual, afeito a sua
refletir-se na própria academia e na liberdade especialização e ainda tive a sorte e honra de quem quer ser professor, mas a pesquisa é uma acontece na prática e quais as falhas o nosso
em discussões de grupos de pesquisadores, origem, sua língua materna, sistema jurídico ou
2. O resultado final: temas a ser discutidos. Quando as reuniões
científica de cada um, como forma de constru- ter sido sua pesquisadora-assistente por seis boa experiência para qualquer futuro profissio- sistema legal ainda possui. Esta pesquisa aju- semanais terminam, o líder coloca-se à disposi-
ção de uma teoria não-discriminatória e efetiva meses na Universidade de Saarlandes, assim nal do Direito. A pesquisa é um elemento dou-me muito também quando dos trabalhos são momentos de grande crescimento. Outro religião, e assim todos trabalham com uma fina- a "Sprechstunde" ção dos pesquisadores juniores para tratar de
de harmonia social, teoria de inclusão científica como pesquisadora contratada por 3 meses no diferenciador, tão ou mais importante hoje, quan- de elaboração e crítica do Estatuto da Criança e fator a destacar é a liberdade no trabalho de lidade comum, mas individualmente e com ple- suas pesquisas individuais e aconselhá-los em
pesquisa, organizado nas horas (inclusive nos Se o resultado final parece-se um pouco
para o Direito no novo século. Repito: O desa- Instituto Max-Planck, de Freiburg im Breisgau, do tantos estudam Direito e apenas passam nas do Adolescente, quando trabalhava na na liberdade de opinião. Este método pareceu- suas dificuldades. 68
finais de semana) e espaços livres e "inspira- com tudo - e não é idêntico a nada que conheci
fio neste início de século não é mais a simples trabalhando com o Professor Hühnerfeld, além Faculdades, como números à procura de um Consultaria Jurídica do Ministério da Justiça. me muito frutífero, pois estimula a cooperação
dos" do pesquisador-júnior. Há controle de ta- -,resolvi nomear a metodologia com uma ex- O método usado distingüe-se de outros
inclusão da pesquisa jurídica nas ciências soci- de ser colaboradora científica por três meses diploma autorizador do exercício de uma profis- Por ironia do destino, justamente a evolução e e o trabalho em grupo, na convergência do ob-
refas, não de horas ou dedicação, que apare- pressão alemã, justamente na esperança que grupos de pesquisa por nunca impor leituras
ais, mas o seu desenvolvimento como efetiva no Instituto Suíço de Direito Comparado, em são. Saber pesquisar é um instrumento de cria- a mudança da lei brasileira de 1990 acabou por jetivo comum, mas valoriza as individualidades
cem claras nos resultados concretos do levan- fosse algo sólido e frutuoso, como o que ob- obrigatórias, referenciais teóricos ou discutir
contribuição à sociedade64 e à Justiça , não ao Lausanne, trabalhando com o Professor Alfred ção de competência em Direito, é um caminho deixar inédito o trabalho resultado destapes- e as origens diferentes (contávamos, por exem-
tamento. servei. Queria bem marcar as influências que textos previamente lidos em conjunto. O cresci-
cientificismo e à burocracia. von Overbeck. Ao retornar para o Brasil, que- para a excelência e a especialização cada vez quisa. De outro lado, esta pesquisa quantitati- plo, em 1987, com especialistas sobre os siste-
sofri: "Hora de aconselhamento", "hora da con- mento do aluno de iniciação científica é fomen-
ria compartilhar estes ensinamentos. Procurei mais procuradas no mercado, é uma base a mais va e qualitativa ajudou-me decivamente a abrir Em Tübingen, tive o prazer de acompa- mas socialistas, sobre China e Japão, sobre os
versa", "hora de encontro" são algumas possí- tado individualmente, pela dinâmica de coope-
basear-me nos modelos europeus que obser- para a formação própria, a suprir falhas eventu,.., meus horizontes também para a nhar o Professor Dr. Wolfgang Knutt Norr em países muçulmanos, sobre Israel, sobre Aus-
veis traduções desta expressão alemã que está· ração do grupo, pela reincidência das tarefas,
II - Ensinando a pesquisar: O vei, adaptando-os à nossa realidade e necessi- ais nos curricula das Faculdades ou os limites interdiciplinariedade, pois tive a oportunidade muitas de suas "Sprechstunden". Chamou-me trália e Oceania, sobre o sistema da common
na porta de cada professor, em cada Faculdade nunca por condução do pensamento. Leituras
dade. dos nossos próprios mestres e de nossas bibli- de trabalhar durante um ano com as assistentes muita a atenção como este grande historiador law, sobre o direito alemão, direito francês, di-
Grupo de Pesquisa CNPq de Direito: "Sprechstunde". dirigidas, reflexões coordenadas e em grupo
otecas. Saber pesquisar é uma maneira para sociais e psicológas do então Juizado de Me- do Direito estava lá, todas as semanas, na mes- reito suíço e direitos da América-Latina).
A solidão da pesquisa, da elaboração dirigem e manipulam o interesse dos alunos,
"Mercosul e Direito do Con- enfrentar qualquer desafio novo em Direito e a nores.66 A metodologia de ensino da pesquisa é
dos trabalhos é inevitável. Aprendi, porém, que ma hora, a nossa disposição, junto com seus Ao retornar para o Brasil, em 1988 e nivelando-os e igualando-os no pensamento.
vida dos profissionais é uma constante reno- assistentes, para aconselhar e tirar dúvidas, para simples. Repousa sobre três pilares básicos: a)
sumidor" e o desenvolvimen- é possível crescer em conjunto, observando e Já na Alemanha, fui contratada como após, em 1990, ao passar no concurso da Facul- O método "Sprechstunde" se assenta justamen-
vação destes desafios. liberdade acadêmica, b) uso positivo do inte-
compartilhando os trabalhos prévios de elabo- pesquisadora-junior no Instituto Max-Planck de guiar-nos e repassar-nos literatura e tarefas dade de Direito da UFRGS, procurei organizar te na manutenção das diferenças e tendências
to da metodologia de ensino da resse, das tarefas e dos erros, c) Aprender pes-
ração das produções científicas com os gran- Particularmente, considero que a pesqui- Freiburgjunto ao Prof. Dr. Peter Hühnerfeld. O como se isto fosse parte de uma missão. O aces- algo semelhante, adaptado as nossas circuns-
quisa, pesquisando e observando. individuais. Leituras são recomendadas indivi-
so ao professor-orientador é um fator de segu- tâncias e contextos. Não posso porém deixar de
pesquisa ''Sprechstunde'' des mestres. Observei que de um talentoso sa foi meu caminho de destaque e de excelên- Instituto, que consiste em uma maravilhosa Bi-
rança. O contato com o mestre, o poder partici-
dualmente e nunca discutidas em grupo. Natu-
"aprendiz" de pesquisa se pode fazer um bri- cia. Quando o professor Michael Will me con- blioteca, realiza estudos para o governo alemão mencionar a enorme influência que os anos de A liberdade acadêmica está retratada no ralmente, porém, os participantes do grupo aca-
lhante sucessor, e que vários aprendizes moti- vidou para com ele levantar e pesquisar todos e pude participar de dois destes trabalhos de par das reuniões de Cátedra e observar suas Doutorado, passados no Instituto de Direito grupo em dois flSpectos: na liberdade do pes- bam por ler a produção intelectual dos profes-
vados mantém e renovam importantes escolas os casos de adoção internacional em Porto Ale- pesquisa, transformados mais tardes em livros, discussões e trabalhos com os assessores, Estrangeiro e Direito Internacional Privado da quisador-senior em escolher o assunto das pes-
A. Metodologia de pesquisa em grupo sores que participam do grupo, por curiosidade
do pensamento. Efetivamente, eu própria apren- gre nos últimos 5 anos, poderia ter dito "não", um sobre o aborto e a condição da mulher no enriquece o aluno. Outra boa experiência na Universidade de Heidelberg, sob a coordena- quisas guarda-chuva e na liberdade de escolha
"Sprechstunde" e interesse, não, por imposição. O ritmo de lei-
di muito com a precisão, rigorismo e sincerida- mas aceitei e isto me descortinou o mundo do Brasil e outro sobre a proteção do meio ambien- Faculdade de Direito de Tübingen foi ter parti- ção do Prof. Dr. Dr. h. c. multi Erik Jayme, exer- dos temas individuais pelos pesquisadores-
turas de cada um, o despertar de seus interes-
Desenvolvi uma metodologia para ensi- de intelectual destes grandes professores-pes- Direito. Não há pesquisa em Direito Internacio- te no Brasil. Aprendi que o simples levanta- cipado dos "Doktorseminaren", seminários ceram em mim. Neste Instituto, observei apre- juniores. O pesquisador-líder determina livre-
ses próprios (mais filosóficos, mais ligados à
nar a pesquisar e parar pesquisar em grupo, quisadores e fundar um grupo de pesquisa foi a nal, porém, sem conhecimento de línguas es- mento bibliográfico e fichamento das obras já é onde os doutorandos expõem suas pesquisas paração das reuniões de redação da Revista mente o tema da pesquisa guarda-chuva, a de-
ao direito comparado etc.) é um dos
compilando influências alemãs e brasileiras, o maneira que encontrei para multiplicar estes trangeiras e neste caso, fui escolhida inicial- um momento de grande crescimento para o alu- para se submeter às críticas dos professores e IPRAx, onde todos os 26 pesquisadores pender de seu interesse ou necessidade mo-
objetivos do método.
resultado final é mais uma experiência do que ensinamentos. Desde minha entrada na Uni- mente por esta aptidão. 65 Então no quarto ano no. Aprender a resumir, a criticar as obras por assistentes. A mistura entre ambos, da gradua- (seniores e juniores) do Instituto colaboram com mentânea, ele determina também as tarefas que
um caminho, um método, mas de qualquer ma- versidade Federal do Rio Grande do Sul, há 10 da Faculdade tive o prazer de acompanhar o sua relevância, sua organização, suas notas ou ção e da pós-graduação, agradou-me muito. 67 material, traduções e artigos. Observei como deverão ser cumpridas pelos pesquisadores A iniciação científica, nas pesquisas
neira quero agora compartilhar este modelo de anos, tenho trabalhado em iniciação científica e mestre de Saarbrücken, desde a elaboração das pela origem de suas principais teses, é um vali- organizavam em conjunto os congressos - as juniores e seus prazos, explicando-as. Receber guarda-chuva, dá-se por observação, por cons-
erros e acertos. Como antes observei, fui Já mestre fui contratada para ser cola- tradicionais festas de final de semestre- e semi- uma tarefa é sinal de confiança no potencial do trução própria e imitação, não é conduzida, nem
pesquisa em grupo. Ao desenvolver uma fichas de casos e formulários, das fichas de lei- oso exercício, que poupa o tempo do pesquisa-
monitora na Faculdade de Direito da UFRGS, e boradora científica do Instituto Suíço de Direi- nários, como cooperam para cumprir com as ta- aluno. Quem pode participar naquela semana, o método é discutido ou revelado para os alu-
metodologia própria para ensinar a pesquisar, turas e bibliográficas, até o fotocopiar de todas dor sénior (ainda mais em um Brasil que tudo se
ainda aluna pude colaborar com uma pesquisa to Comparado em Lausanne, podendo escrever refas distribuídas pelos 3 professores Direto- manifesta-se e pede para colaborar, quem não nos, sendo a tarefa de condução metodológica
nomeie em sua homenagem, face à acessibilida- as fontes e os processos. Observei seu rigor e publica) e enriquece em muito, solidificando,
quantitativa realizada pelo Prof. Dr. Michael R. de e à grandeza de meus mestres europeus: preciosismo, sua preocupação com os erros, os conhecimentos do pesquisador-júnior. Des- um artigo (Prêmio van Calker), mas tendo que res, como compartilham o conhecimento com
"Sprechstunde". escrever pareceres de Direito Internacional seus "sucessores", sempre na procura da exce-
68
Como ensina Jeniffer GORE,p. 12, citando Foucault, por vezes ser menos democrático, dar forma e dirigir a
65
63
Assim também ARAÚJO, p. 29. conduta dos indivíduos em formação pode ser positivo, pois "nesse sentido, é estruturar o campo possível de ação
ROSENAU, 1992, p. 57. 67
66
Minhas homenagens à assistente social Sylvia Nabinger, que realizou com os mesmos casos a pesquisa de seu Assim também o testemunho de GUERRA, Willis,Critérios de avaliação e reconhecimento dos cursos de pós- dos outros".(GORE, Jeniffer, Foucault e Educação: fascinantes desafios, in SILVA, Tomaz Tadeu, O Sujeito da
64
GELLNER, Ernest, Pós-modernismo, Razão e Religião, Instituto Piaget, Lisboa , 1992, p. 60. doutorado na Faculdade de Direito de Lyon, França, por seu aopoio e modelo. graduação em Direito, Cad. Pós-Grad. Dir. UFPA, Belém, Ed. Especial, out.1999 , p. 79 Educação, Ed. Vozes, Petrópolis, 1994, p. 12).
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
79 A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
78 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação científica na pós-modernidade 80 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 81
apenas do líder do grupo. Não há qualquer lei- mapear a pesquisa na Faculdade, assim como concursados nos Tribunais. Como as reuniões ticados e explicados. A crítica é sempre cons- que passa a estar ao alcance. Receber a tarefa e Direito do Consumidor", já com 9 anos de Observei uma primeira dificuldade, pois
cas existentes na Universidade e na cidade, acer-
tura metodológica indicada, nem qualquer dis- treinar e desinibir os alunos para a apresenta- do grupo são entre 12h30min e 14horas, quase trutiva, mas a demonstrar a valorização do tra- de acompanhar, de ser o "Angel" do mestre existência prática em Direito Internacional e Di- como todos os alunos de Direito Internacional
vo de documentos disponível na Internet, nas
cussão sobre o método entre aluno de inicia- ção principal na Universidade. todos que fazem estágios podem participar. A balho do aluno, pois se o erro persistir, o traba- visitante, pode determinar o lugar onde o es- reito Comparado. Privado, cadeira obrigatória do 9 e 10 semestres
publicações e levantamentos anteriores do pró-
ção científica e o professor-pesquisador, as lei- combinação entre prática e ensino da pesquisa lho principal pode ser comprometido. Por exem- tudante fará seu futuro mestrado e doutorado, na UFRGS, formaram-se naquele ano e inicia-
Há liberdade de determinação do tempo prio grupo, etc.). Mesmo sem escrever ou elabo-
turas metodológicas nascem da necessidade em grupo tem sido muito exitosa, tanto que vá- plo, se o aluno fotocopia uma fonte e não indi- pode mudar a perspectiva de vida do pesqui- vam suas carreiras, as reuniões semanais eram
de dedicação à pesquisa, pois o importante é a rar textos científicos, é possível aprender a
sentida pelo aluno, que é então orientado. rios juizes do Rio Grande do Sul hoje dão prefe- ca a Revista da qual retirou o artigo, ou esque-
realização da tarefa, não quando e como o alu-
rência (ou convidam) os pesquisadores do nos- ce de fotocopiar uma página, o erro será identi-
sador-júnior. O convívio também deve se fazer pesquisar. Observar vários momentos e méto- 1. Evolução e Estrutura atual difíceis e começavam a rarear. As tarefas pedi-
A liberdade acadêmica do aluno se ma- no a cumprirá. Observei no Instituto Max-Planck no próprio grupo, por isso aprendi em dos do orientador, pesquisar de forma própria, das não eram realizadas com regularidade e o
nifesta na escolha de seu tem a individual. Cada que a determinação própria do tempo é uma ex- so grupo para assessores, vários escritórios e ficado pelo orientador, que pedirá para o aluno Heidelberg que é preciso encontrar-se em ou- útil e orientada, são os caminhos escolhidos. do Grupo de Pesquisa CNPq incentivo à pesquisa era pouco. Em 1991, mi-
grandes empresas de Porto Alegre e São Paulo corrigir, explicando que assim a fonte está in-
aluno, que participar das pesquisas guarda-chu- celente medida de disciplina e de adaptação.
nos telefonam pedindo "pesquisadores" dos completa e não pode ser citada, o que a inutili-
tros momentos e tempos do que apenas na "Mercosul e Direito do Con- nistrei algumas aulas de Direito Civil, nos pri-
va e das reuniões do grupo, deve escolher um Cada um tem um ritmo para trabalhar e a pesqui- Universidade, especialmente em festas e co- meiros anos da Graduação, e a pedido destes
tema, um aspecto, dentre os três tópicos possí- sa muitas vezes necessita de inspiração ou aten- últimos anos e as cartas de recomendação do za. No Brasil, há certo receio em criticar e mos- memorações. sumidor"IUFRGS alunos reavivei as reuniões. Este pequeno gru-
grupo têm aberto várias portas profissionais, trar os erros, mas isto pode levar a uma repeti- po de quatro alunos perseverou e apresentou
veis: "Direito do Consumidor", "Mercosul", ção redobrada. Poder pesquisar apenas uma O terceiro pilar é a prática da pesquisa: B) O Grupo de Pesquisa CNPq ''Mercosul e Di-
assim como permitido vantagens comparati vas ção negativa. Na Alemanha, criticar é sinônimo O Grupo de Pesquisa CNPq "Mercosul seus trabalhos de DIPr., no Salão de Iniciação
"Pós-modernidade jurídica". Cada aluno passa hora por dia ou 5 horas corridas ou 2 noites na aprender, pesquisando. Se o Grupo de Pesqui- reito do Consumidor" e a pesquisa em Direito
ao se concorrer por bolsas de estudo. O grupo de respeito e, seriedade pelo trabalho alheio e e Direito do Consumidor", que fundei e tenho a Científica da UFRGS em 1992.75 Observei a difi-
a pesquisar um tema individual, por ele livre- semana, vai depender de cada um e de suas sa funciona como grupo de apoio e levanta- Internacional
oferece também pequenas aulas sobre próprio, leva ao crescimento, a melhoria. Errar é honra de liderar, completa agora 11 anos de ex- culdade dos alunos com os temas de Direito
mente determinado, de acordo com a sua curio- tendências. Parece-me que não deve haver ho- mento de fontes para os pesquisadores seniors
metodologia da pesquisa, que são dadas pelos natural, e é um indício que o aluno se esforçou, Uma vez que leciono na graduação da Fa- periência. Iniciou-se em fins de 1990, com alu- Internacional Privado, motivo pelo qual, em
sidade, seu interesse e vocação individual. 69 rários obrigatórios para a pesquisa ou para a e ao líder, ajudando na elaboração de seus tra-
mestrandos e professores visitantes DAAD/ está ativo, atuando, pesquisando. Só erra, quem culdade de Direito da UFRGS as cadeiras de Di- nos da minha primeira turma de Direito Interna- 1993, permiti apenas aqueles quinto-anistas, que
Neste tema ele prepara um pequeno trabalho presença do pesquisador na Universidade. A balhos, produções científicas e acadêmicas,
CAPES. faz. Quem erra, porque está iniciando e se de- reito Internacional Privado e Direito das Rela- cional Privado na Faculdade de Direito realizassem suas pesquisas nestes temas. Os
oral de 1O a 20 minutos para ser apresentado liberdade é também manifestada na presença especialmente para preparar artigos de doutri-
senvolvendo (em pesquisa), merece saber como ções Internacionais (Direito da Integração) fico UFRGS, então formandos, com o mesmo méto-' demais foram direcionados a pesquisar sobre
nos Congressos Acadêmicos do Brasilcon (Ins- não obrigatória nas reuniões do grupo. As reu- O uso positivo do interesse, das tarefas na, livros, pesquisas quantitativas de jurispru-
acertar na próxima .71 especialmente honrada com o convite da colega do proposto, mas não frutificou. Como na épo- Mercosul e/ou Direito do Consumidor no
tituto Brasileiro de Política e Direito do Consu- niões e o contato mais íntimo com os professo- e dos erros, é uma tentativa de respeitar as indi- dência, levantar novos leading cases, nova
midor), em caso de intercâmbio internacional res-orientadores e mestrandos é um oferecimen- Mais do que funcional, o grupo deve e eminente colaboradora, Profa. Dra. Nádia de ca era apenas Mestre e Especialista em Direito Mercosul. 76 Os resultados foram melhores e a
vidualidades e permitir que cada um desenvol- bibliografia e acompanhar a rapidez das modi-
(como aconteceu nos anos de 1996,97,98 e 99 servir para convívio. A aprendizagem passa Araújo, para participar das discussão do Grupo Comunitário Europeu, fazíamos parte do Grupo pesquisadora voluntária Elaine Ramos da Sil-
to. Se o aluno pode e quer aproveitar do ofere- va-se no seu ritmo e conforme suas inclinações ficações legislativas. O Grupo funciona, prin-
com congressos acadêmicos organizados na pelo convívio. É o que distingue a escola da Temático 1 "Direito Internacional e Integração de Pesquisa sobre Mercosulliderado pela Profa. va, conquistou neste ano de 1993, no V Salão
cimento, excelente, se não, poderá mesmo as- temáticas (linguísticas e ideológicas). Todos os cipalmente, como um laboratório de iniciação
Argentina e no Paraguai) e, especialmente, nos Universidade, que é fórum e lugar de convívio. Regional: os efeitos da globalização". Gostaria Dra. Martha Olivar no PPGD da UFRGS, com de Iniciação Científica UFRGS e CNPq, na Se-
sim pesquisar. pesquisadores falam pelo menos uma língua científica para os alunos, que assessoram as
Salões de Iniciação Científica da UFRGS. Os Do modelo do hiwi alemão aprendi a beleza e de colaborar tecendo algumas observações e um sub-projeto intitulado "Mercosul: Realida- ção III: Ciências Sociais Aplicadas, pela primei-
estrangeira e entendem espanhol, que é consi- pesquisas principais (exceção feita à redação
Especialmente com alunos que trabalham prazer de conhecer e conviver mais intimamen- reflexões sobre dois aspectos: 1. A possibilida- de Jurídica?", dentro da linha de pesquisa do ra vez para a Faculdade de Direito, o PRÊMIO
salões de iniciação científica realizam-se há 12 derada língua de trabalho no Rio Grande do Sul. dos trabalhos, que é exclusiva dos pesquisa-
durante a graduação, dois caminhos são possí- te com os grandes mestres. O grupo de pesqui- de que a pesquisa em Direito Internacional abre PPGD/UFRGS "Integração como tarefa para a JOVEM PESQUISADOR UFRGS, com o traba-
anos na UFRGS, sempre em setembro. Há tam- O grupo facilita o acesso dos pesquisadores dores-seniors),72 que levantam o material, dis-
bém o Salão preparatório da Faculdade de Di- veis: ou os alunos mantém a comunicação por sa é uma maneira de conviver com o professor para trabalhos conjuntos, para a produção do ciência do Direito". Visava o grupo pesquisar lho: " Sobre a necessidade da Harmonização
aos cursos de línguas, através do pedido de cutem a sua relevância, precisão, orientação e
reito da UFRGS, que se realiza, há quatro anos, e-mail e participam das demais atividades do orientador, mas principalmente de encontrar, conhecimento em grupos de pesquisa, em gru- apenas os temas momentosos de Direito Inter- das Legislações nos países integrantes do
bolsas (principalmente de alemão) e recebe a atualidade, lêem e elaboram fichas de leituras
sempre em agosto, organizado pela Comissão grupo (seminários, encontros, congressos) ou acompanhar e ajudar, durante sua estada na ci- pos interdisciplinares, interinstitucionais e inter- nacional Privado73 e do nascente MercosuJ.74 Mercosul".
colaboração constante do Instituto Goethe e individuais (do material selecionado como im-
de Pesquisa da Faculdade (que atualmente co- os alunos combinam com seus chefes poder do DAAD. 70 As tarefas são valorizadas atra- dade, os professores convidados de fora. Co- nacionais, através da análise comparativa, da pro-
portante pelos pesquisadores seniors), obser-
ordeno) e o Centro Acadêmico André da Ro- participar de algumas reuniões. Muitos pesqui- vés da explicação de sua função: o aluno sabe nhecer um importante professor estrangeiro, um dução em conjunto e na diversidade atual; 2. A
vam as técnicas de delimitação, de precisão,
cha. Este foi o pioneiro salão de uma unidade sadores voluntários não tem bolsas de pesqui- então da importância do levantamento que vai professor de uma outra Universidade, um dou- vocação intrínseca e estrutural do Direito Inter-
de clareza, de sinceridade intelectual e de re- 73
da UFRGS e tem como finalidade divulgar e sa, justamente pois fazem estágios ou já são fazer para a pesquisa guarda-chuva do profes- torando, um pesquisador associado é também nacional, como matéria, e da pesquisa realizada Este projeto de Pesquisa, na linha de pesquisa "Integração como tarefa para a ciência do Direito" e teve três fases intituladas:
flexão usadas pelos pesquisadores seniores, 1991192- Fase I: Contratos InterÍlacionais e Mercosul/Circulação de bens, 1992/93 -Fase II:Contratos Internacionais e
sor ou do grupo, sabe se está procurando uma o descortinar de novos horizontes, novos inte- neste campo do conhecimento refletir, desenvol-
assim como passam a dominar os instrumen- Mercosul/Circulação de pessoas; 1993/94- Fase ill: Proteção do Consumidor no Mercosul.
69
Como exemplo podemos observar a diversidade de temas escolhidos pelos alunos mais adiantados (pesquisado- nota de rodapé ou uma recente crítica publicada resses, novos temas, nova bibliografia, novas ver e ser instrumento da integração regional.
tos técnicos da pesquisa (fichas de leituras, 74
Este projeto de Pesquisa intitulado "Integração do Cone Sul- Realidade Juríd.ca ?"teve apenas duas fases: 1991-
res-seniôres) este ano de 2000 nos Salões de Iniciação Científica da UFRGS e da Faculdade de Direito: 1. Aspectos da posição defendida do professor, de forma a idéias, é sobretudo , importante motivação e fichas de bibliografia, desenvolvimento de fi- Como forma de unir e organizar estes dois Fase I- Mercosul- Aspectos Jurídicos; 1992-1994- Fase II- Mercosul- Realidade Jurídica.
da Harmonização do Direito Societário na União Européia: Um exemplo para o Mercosul -Lucas Faria Annes, 2. demonstrar ao aluno como ele está colaboran- modelo para se continuar a pesquisar, a querer 75
0s trabalhos individuais apresentados em 1992 tinham como temas: 1. Mercosul e Harmonização: Política
chas de análise de casos, etc.) e instrumentos temas usarei minha experiência como líder e fun-
Publicidade Abusiva: sua regulamentação no Mercosul- Daniela Correa Jacques, 3. Serviços públicos essenciais e saber sempre mais, a acompanhar este mundo de Transportes (Ana Inês Algotarta Latorre); 2. Mercosul - Realidade Jurídica (Luiz Carlos Hagmann); 3. O
do com o pesquisador-senior. Os erros são cri- materiais (domínio dos acervos das Bibliote- dadora do Grupo de Pesquisa CNPq "Mercosul
o princípio da continuidade: tutela do consumidor versus Estado-Fornecedor - Fernanda Girardi, 4. As várias Contrato de Transporte Internacional de Cargas no contexto da integração Latinoamericana (Sabina Cavalli); 4.
nuances do dever de informar no Código de Defesa do Consumidor- Fernanda Nunes Barbosa, 5. Medicamentos O papel do projeto de Código de Conduta da ONU sobre transferência de tecnologia nos países em desenvolvimen-
genéricos: a liberdade de escolha do consumidor - Laura Ederich, 6. Cláusulas abusivas na Argentina e no Brasil- 70 Em 2000, receberam as bolsas de curta do duração DAAD para cursos de verão em alemão, na Universidade de to (Elaine Ramos da Silva).
Guillermo Campbell (UFRGS!Univ. de Cordoba, Argentina), 7. Fundamentos da proteção dos direitos da persona- Heidelberg e Freiburg, Rafael Garcia e Aline J ackisch.
72
Ao não permitir que os pesquisadores juniores elaborem qualquer texto, nem que ajudem nas pesquisas de
76
Os trabalhos individuais de pesquisa apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1993, tinham
lidade: a evolução da tutela do direito de imagem na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ( Mestrado e Doutorado dos outros pesquisadores seniores, evita-se qualquer tipo de exploração de idéias e textos como títulos: 1. Sobre a necessidade da Harmonização das Legislações nos países integrantes do Mercosul (Elaine
71 Veja sobre análise do erro (Fehleranalyse) na aprendizagem, EDMONDSON, Willis e HOUSE, Juliane,Einführung
1984 a 2000) - Bruno Nunes Barbosa Miragem; 8. Internet e Direito- Antonia Espíndola Longoni Klee, 9. dos pesquisadores juniores e mantém-se a sinceridade intelectual de trabalhos exigida pelo modelo alemão, permi- Ramos da Silva); 2. Responsabilidade do Importador no Mercosul (Katia Kneipp); 3. A pessoa como consumidor
Garantia globalizada: Análise de um possívelleading case - Rafael Garcia; 10. Limitação de juros nos cartões de in die Sprachlehrforschung, Ed. Francke, Tübingen, 1993, p. 205: "Fehler sind aus dieser Sichtweise also durchaus no Mercosul (Fabiana d' Andrea Ramos); 4. Direito Internacional Privado- O casamento e as novas uniões (Ana
tindo a sua participaçao somente em algumas atividades básicas e que acompanhem os resultados e observem os
crédito- Odiléa Oliveira de Almeida Simão. etwas natürliches, namlich Indizien dafür, dass der Lerner sich aktiv mit [dem Objekt] auseinandersetzt." Inês Latorre); 5. Relações de Sucessão no Mercosul (Sabina Cavalli).
métodos de cada pesquisador senior.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
82 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 83 84 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 85

Em 1994, em virtude da saída dos quin- até março de 1996, o grupo ficou sob a coorde- caso incluindo, na área de Ciências Sociais com o trabalho individual: "Comunicação da Faculdade de Direito da UFRGS, 3 alu- 82 naco-orientação, contamos até o mês de janei- com 2 colegas professoras da Faculdade de França, com o Center of Comparative Law da
to-anistas, resolvi reformular novamente os pro- nação da Profa. Dra. Martha Olivar. A;licadas, novamente o PRÊMIO JOVEM de Massa: implicações legais das nos da Faculdade de Direito da PUC/RS, 83 ro de 2001, com um jovem professor alemão, o Direito da UFRGS. 89 Universidade de Baltimore, com o Texas
jetas direcionando-os apenas para a pesquisa PESQUISADOR UFRGS, em 1999, 81 com tecnologias emergentes". uma aluna estrangeira (convênio ) 84 , seis docente de longa duração DAAD/CAPES 86 International Law Jornal da Universidade do
Com o meu Doutorado em 1996,78 resol-
em temas envolvendo o Mercosul e o Direito vi formalizar o Grupo e minha posição de pes- 0 trabalho do Pesquisador e Bolsista O Grupo de Pesquisa CNPq mestrandos do PPGDIUFRGS, 85 que realizam na lotado na Faculdade de Direito da UFRGS e com Texas-Austin, USA.
do consumidor interno, de forma a permitir que quisador líder junto ao CNPq, dando-lhe a es- FAPERGS Fábio Costa Morosini, que mere- "Mercosul e Direito do Consumidor", atu- co-orientação do grupo, como parte de sua "ati- professores convidados estrangeiros 87 por cur- 2. Relações institucionais, O Grupo de Pesquisa participa ativamen-
alunos dos primeiros anos participassem do trutura e o nome atual "Mercosul e Direito do ceu o prêmio máximo do Salão da UFRGS almente congrega 12 alunos de graduação vidade docente", um doutorando, que oriento to período, assim como com professores brasi- te do Departamento Acadêmico do Brasilcon,
grupo. Novamente fomos premiados e o grupo Consumidor". Desde então o Grupo tem sido e uma economista, especialista em regulação, e leiros e mestrandos de outras instituições, 88 e inter-institucionais e com a Instituto Brasileiro de Política e Direito do Con-
renovou-se, 77 mas como retornei para a Alema- muito ati vo e de 1996 a 2001 79 recebeu mais
nha em fins de 1994 e lá escrevi meu Doutorado
800s prêmios recebidos pelos integrantes do Grupo, em iniciação científica, foram: 1. Pesquisadora PROPESP- sociedade sumidor, uma organização não-governamental
25 prêmios de pesquisa de iniciação científi- UFRGS Patrícia Peressutti, DESTAQUE no XI Salão de Iniciação Científica UFRGS e CNPq, Seção III, 1997 . 2. 82
Atualmente fazem parte do grupo, que se reúne sempre as terças feiras na sala de aula da Biblioteca Depositária de caráter científico, criada pelos autores do
Pesquisadora FAPERGS Giovana Maciel (PUC), DESTAQUE no IX Salão Iniciação
da Organização das Nações Unidas (ONU), na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
A UFRGS mantêm vários convênios,90 Código de Defesa do Consumidor para estudar
Seção III, 1997 . 3. Pesquisador CNPq/UFRGS Pedro Montenegro- .. PREMIO no I Salao de Ctenttfica a Faculdade de Direito 91 também, mas o grupo
77 da Faculdade de Direito/UFRGS, Bolsa de estudo do Mestrado em Dtretto/UFRGS para 1998. 4. CNPq/ os seguintes alunos: Ana Gerdau de Borja, Ana Rispoli d' Azevedo, Antonia Espíndola Longoni Klee, Laura a eficácia desta lei e controlar a sua manuten-
Os trabalhos individuais de pesquisa apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1994, tinham
como títulos: 1. A informática e o Direito à Privacidade (Angela Dumerque); 2. Direito de Arrependimento no UFRGS, Bárbara S. Garcia, DESTAQUE no I Salão de Iniciação Científica do Direito, .de Oliveira Ederich, Lucas Faria Annes, Lúcia Carvalhal Sica, Maitê de Souza Schmitz, Marília Zanchet, Odiléa mantém contatos próprios e menos formais, além ção no mercado brasileiro. A colaboração com
Código de Defesa do Consumidor (Clarissa Costa de Lima); 3. A nova concepção de oferta e cláusulas abusivas no 1998 . 5. Pesquisadora CNPq/UFRGS, Ariane Cunha Freitas, DESTAQUE no I Salão de Imciação Ctenttflca do Oliveira de Almeida Simão, Rafael Barreto Garcia, Rafael Pellegrini Ribeiro, Ricardo Medeiros de Castro, Tatiana destes já formalizados, especialmente com o
CDC (Elaine Ramos da Silva); 4. Os contratos de adesão e as cláusulas abusivas sob a perspectiva do CDC (Ana Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 1998. 6. Pesquisador voluntário Fabiano Menck, DESTAQUE o Brasilcon se concretiza de várias formas. Em
de Campos Aranovich, Thales Gonçalves Della Giustina e Thomaz Francisco Silveira de Araújo Santos. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Con-
Letícia Fialho); 5. O sistema de solução de controvérsias no Mercosul (Pedro Montenegro); 6. O dever de X Salão de Iniciação Científica UFR<}S e CNPq, Ciências So.ci.ais_ 1998 . 7. voluntána
83
primeiro lugar, através de publicações, trabalho
informar e a publicidade no CDC (Fabiana D' Andrea Ramos). Cláudia Travi Pitta Pinheiro - 2. PREMIO no III Salão de Imciaçao Cientifica da Faculdade de Dtreito/UFRGS, Ana Rispoli d' Azevedo, Lúcia Carvalhal Sica e Tatiana de Campos Aranovich, Faculdade de Direito da sumidor (São Paulo), algumas cátedras da UBA,
78 Os trabalhos individuais de pesquisa, apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1996, tinham 1999 Bolsa de estudo do Mestrado em Direito/UFRGS para 2000. 8. Pesquisadora CNPq/PIBIC Aline Jackisch, Pontifícia Universidade Católica, PUC/RS, Porto Alegre.
que foi iniciado com a organização do congres-
Co-o;ientador o Prof. Sérgio José Porto, DESTAQUE no III Salão de Iniciação Científica do Direito, de
da Universidade de Rosário e de Santa Fé (Ar- so e após do livro que coordeno "Estudos so-
como títulos: 1. O direito da Concorrência no Mercosul (Pedro Montenegro); 2.Mercosul: Arcabouço jurídico e 84
Já participaram do grupo os seguintes alunos estrangeiros: No ano letivo de 1996, o aluno alemão Christian
políticas universitárias (Fábio Morosini); 3.Meio ambiente e consumidor (Ana Letícia Fialho); 4. Importância do Direito UFRGS, 1999. 9. Pesquisadora CNPq/PIBIC Laura Oliveira Ederich, DESTAQUE no III Salão de Imciação gentina), com a UROU de Montevidéu, com o bre a proteção do Consumidor no Brasil e no
Científica do Direito, Faculdade de Direito UFRGSl 1999.10. Pesquisadora PROPE:S91UFRGS Rosaura Macagna.n Schindler, aluno então matriculado na Universidade de Heidelberg, Alemanha, hoje assistente do Prof. Dr. Erik
conceito de consumidor no Mercosul (Ariane Freitas); 5. Evolução da Família no Direito Brasileiro (Clarissa Costa Centre de Droit de la Consommation, na Mercosul", publicado em 1994 pela Editora Li-
de Lima); 6. A responsabilidade civil por dano ambiental (Jesus Tupã Silveira Gomes). Viau, DESTAQUE no III Salão de Iniciação Científica do Direito, Faculdade de Direito !999:11. Jayme, no Instituto de Direito Estrangeiro e Direito Internacional Privado da Univ. de Heidelberg, justamente
79
0s trabalhos individuais de pesquisa, apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1997, tinham como títulos:
sador PROPESQ/UFRGS Bruno Nunes Barbosa Miragem, III. ?e!mciaçao _do por seu conhecimento do Direito brasileiro. O Doutorando Schindler, que recebeu na época crédito educativo do
ca, com o Instituto de Direito Internacional Pri'-
vraria dos Advogados, de Porto Alegre.
Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 1999. 12. Pesquisadora voluntana Odtleia Ohvetra de Almeida Simao, vado da Universidade de Heidelberg, mais re-
- 1. Ilusão de Segurança Jurídica no Mercosul (Pedro Montenegro); 2. Comissão de Comércio do Mercosul (Rodrigo Cogo); 3. governo alemão para sua estada na UFRGS, é o secretário da Associação de Juristas Luso-Alemã da Univ. de
DESTAQUE no III Salão de Iniciação Científica do Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 1999. 13. Especialmente, depois volta de meu dou-
A importância do Art. 28 do COC-A Desconsideração da Personalidade Jurídica frente ao consumidor (Barbara Garcia); 4. FAPERGS Fábio Costa Morosini (PUC), DESTAQUE no XI Salão de Iniciação Científica UFRGS e CNPq, Ciências Heidelberg e coordenou a ida de alunos do grupo para a Alemanha, como o mestrado de Fabiana D 'Andrea Ramos centemente com a Universidade de Bremen na
Contratos à distância e a proteção do consumidor (Ariane Freitas); 5. Quantificação do dano moral: determinação de critérios Sociais Aplicadas, 1999 .14. Pesquisadora voluntária Fernanda Nunes Barbosa DESTAQUE no .XI Salã? de na Universidade de Heidelberg, e os cursos de verão em alemão, na Universidade de Heidelberg de Rafael Barreto Alemanha, com o Centre de Recherches torado, o grupo passou a realizar traduções do
(Patrícia Peressutti); 6. O conceito de consumidor no CDC (Fernanda Barbosa); 7. Contratos de Seguro-Saúde e o Código de
Defesa do Consumidor (Alberto Franco); 8. Direito do consumidor de serviços médicos (Giovanna Maciel); 9. Reconhecimen-
Iniciação Científica UFRGS e CNPq, Ciências Sociais Aplicadas, 1999. 15. Ahne Jackisch, Garcia e Aline Jackisch. No ano de 2000, por dois meses, duas alunas da Universidade conveniada de Santa Fé Européeennes da Université de Rennes I, na francês, 92 alemão 93 , inglês 94 e espanhol95 para
Co-orientador o Prof. Sérgio José Porto, DESTAQUE no XI Salão de Imciaçao Cientifica UFARGS e CNPq, (Argentina). Este Intercâmbio de estudantes da graduação da Faculdade de Direito da Universidad Nacional dei
to de Paternidade: Um estudo paralelo entre Brasil e Argentina (Fábio Costa Morosíni). Os trabalhos individuais de pesquisa, Ciências Sociais Aplicadas, 1999. 16. Pesquisador FAPERGS Fábio Costa Morosini (PUC), PREMIO JOVEM
apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1998, tinham como títulos: 1. A publicidade enganosa e abusiva Litoral, Argentina, por dois meses na Faculdade de Direito da UFRGS, para assistir aulas e pesquisar sobre Direito
PESQUISADOR do XI Salão de Iniciação Científica e CNPq, Ciências
no CDC e suas tendências (Aline Jackisch); 2. Consumo sustentável e o Direito do Consumidor (Bárbara Garcia); 3. Novo Pesquisadora voluntária, ex-CNPq/PIBIC, Laura Oliveira DESTAQUE no IV Salao de Cientifi- do Consumidor, em maio/junho 2000, foi uma experiência muito positiva para o grupo e foi financiando pela
regime das incorporações imobiliárias e o Coe (Fernanda Barbosa); 4. A responsabilidade civil no Coe pelo fato do produto ca do Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 2000. 18. Pesqmsador PROPESQ/UFRGS, Bruno Mtragem, DESTA- UNL, que deu prêmios de pesquisa às duas estudantes, e esperamos que se repita em 2001. Atualmente, temos
e pelo vício do produto (Fabiano Menck); 5. O atual direito do consumidor de serviços no Brasil (Giovana Maciel) 6. O QUE no IV Salão de Iniciação Científica do Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 2000.19. Pesquisa.dora volun- acompanhado a estada de Helene Heyd, aluna de Relações Internacionais da Universidade de Berlim, Alemanha. s9 As colegas que colaboram nas publicações coletivas do grupo, na organização de congressos e eventos do grupo,
consumidor equiparado: reflexos nos serviços bancários (Fábio Morosini); 7. Contratos à distância e perspectivas de harmonização tária, Daniela Jacques, DESTAQUE no IV Salão de Iniciação Científica do Direito, .de assim como acompanham o grupo em suas viagens ao exterior são as colegas Vera Jacob de Fradera (UFRGS) e
85
das leis (Ariane Freitas), 8. Atividade da Comissão de Comércio no Mercosul (Rodrigo Cogo). Os trabalhos individuais de 2000. 20. Pesquisadora voluntária, Fernanda Gíradi, DESTAQUE no IV Salão de. Imciaçao Cientifica do DI_:etto, Atualmente Fernanda Nunes Barbosa, Daniela Correa Jacques, Michele Costa da Silveira, Bruno Nubens Martha Olivar Gimenez (UFRGS-PPGD e PUC/RS). Há 4 anos contamos também com a cc-orientação de um
pesquisa, apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1999, tinham como títulos: ... Os trabalhos individuais Faculdade de Direito UFRGS, 2000. 21. Pesquisador CNPq/UFRGS, Rafael Garcia, DESTAQUE no IV Salao de Barbosa Miragem, Cristiano Heineck Schmidt e José Salvador Cabral Marks., PPGD/UFRGS. bolsista pelo Prof. Me. Sérgio José Porto (UFRGS).
de pesquisa, apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 2000, tinham como títulos: 1. Aspectos da Iniciação Científica do Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 2000. 22. voluntária, Klee, 86 90 O grupo utilizou os convênio da UFRGS até agora com a Universidade de Heidelberg, Tübingen, Kiel na Alemanha, UBA-
Harmonização do Direito Societário na União Européia: Um exemplo para o Mercosul (Lucas Faria Annes); 2. Publicidade Até o mês de janeiro do ano de 2001 tivemos o acompanhamento e orientação do Dr. Ulrich Wehner, professor
DESTAQUE no IV Salão de Iniciação Científica do Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 2000. 23. Pesqutsadora Argentina, Universidad Nacional de Córdoba e Universidad Nacional dei Litoral, na Argentina, Universidade de Baltimore, nos
Abusiva: sua regulamentação no Mercosul (Daniela Correa Jacques) 3. Serviços públicos essenciais e o princípio da continui- voluntária, ex-CNPq/PIBIC, Laura Oliveira Ederich, DESTAQUE no XII Salão de Iniciação Científica UFRGS e
convidado UFRGS, DAAD/CAPES, oriundo da Universidade de Colônia, Alemanha e indicado pela Universidade
dade: tutela do consumidor versus Estado-Fornecedor (Fernanda Girardi) 4. As várias nuances do dever de informar no Código de Heidelberg, conveniada com a UFRGS, mas antes contamos por 2 anos com o acompanhamento da Dra. EUA, Universidad Nacional de Assunción, Paraguai, e Universidad da República, Uruguai.
CNPq, Ciências Sociais Aplicadas, 2000 .24. Pesquisador Bruno DESTAQUE no XII 91 A Faculdade de Direito e o PPGD possuem convênios com a Universidade de Münster, Alemanha, Universidade
de Defesa do Consumidor (Fernanda Nunes Barbosa) 5. Medicamentos genéricos: a liberdade de escolha do consumidor (Laura Salão de Iniciação Científica UFRGS e CNPq, Ciências Aplicadas, 2000 . Harriet Christiane Zitscher, do Instituto Max-Planck em Hamburgo (Alemanha), professora convidada UFRGS/
Ederich) 6. Cláusulas abusivas na Argentina e no Brasil - Guillermo Campbell (UFRGS/Univ. de Cordoba, Argentina); 7. Rafael Garcia, DESTAQUE no XII Salão de Iniciação Cientifica UFRGS e CNPq, Ciencias Sociais Aphcadas, 2000 DAAD/CAPES, nesta cátedra alemã na Faculdade de Direito de 1998 a 1999. de Paris I (Panthéon- Sorbonne), Universidad Nacional de Rosário, Argentil,ia e USP, São Paulo.
Fundamentos da proteção dos direitos da personalidade: a evolução da tutela do direito de imagem na jurisprudência do Tribunal . Em 2001 recbemos dois destaques internacionais: primeiro lugar Brasil na nacional. realizada na 92Assim os artigos de Alfred von Overbeck (Instituto Suíço de Direito Comparado), "Eleição de Foro segundo a
87
de Justiça do Rio Grande do Sul (1984 a 2000) (Bruno Nunes Barbosa Miragem); 8. Garantia globalizada: Análise de um possível UFSC do Philip C. Jessup International Law Moot Court Competttwn/2001 1 parttctpaçao em Washmgton, D.C., Entre junho e outubro de 2000 tivemos a colaboração do pesquisador do Centre de Droit de la Consommation nova lei suíça sobre Direito Internacional Privado de 18 de dezembro de 198T', in Revista da Faculdade de Direito
leading- case (Rafael Garcia); 9. Limitação de juros nos cartões de crédito (Odiléa Oliveira de Almeida Simão). Os trabalhos Estados Unidos , com Professores Cláudio Moretti e Manoel André da Rocha), e estudantes do grupo: Ana Gerdau da Universidade Católica de Louvain-la-Neuve, Bélgica, o Mestre alemão Jens Karsten, enviado pelo Prof. Dr. da UFRGS, vo. 12, 1996, p. 7 a 18 e artigo do Prof. Bernard Dutoit.
individuais de pesquisa que serão apresentados no XIII Salão de Iniciação Científica da UFRGS, que ocorrerá entre os dias 03 de Borja ; Thomaz Francisco Silveira de Araújo Santos Maitê de Souza Schmitz , Ricardo Medeiros. de Castro. Thierry Bourgoignie para pesquisar sobre a proteção do consumidor no Mercosul. Tentamos enviar nossos 93 Tradução do artigo de Michael R. Will (Instituto Europa, Saarbücken), A experiência de harmonização das
e 07 de dezembro próximo, têm como títulos: 1. A Homologação de Sentenças Arbitrais Estrangeiras pelo Supremo Tribunal Prêmio de Melhor Delegado, representando o Canadá, no Comitê de Direitos Humanos, no IV Amencas. Model
Federal: comércio Brasil-Alemanha (Ana Gerdau de Botja); 2. Dever de Informação e os Produtos Transgênicos (Ana Rispoli mestrandos para o mesmo intercâmbio no Centre, mas não obtivemos financiamento. O Intercâmbio de Mestrandos legislações na Europa-Harmonização Autônoma?, executada por Elaine Ramos da Silva e publicada na Revista da
United Nations (AMUN), realizado em Brasília, D.F, entre 14 e 19 de julho de 2001 para Thomaz Francisco de do Grupo de Pesquisa CNPq "Mercosul e Direito do Consumidor"IUFRGS com pesquisadores do Centre de Droit Faculdade de Direito da UFRGS, vol. 13, 1997, p. 207-234. e tradução executada pela líder do grupo do capítulo
d'Azevedo); 3. A Proteção dos Consumidores nos Contratos Eletrônicos (Antonia Espíndola Longoni Klee); 4. Alimentos Araújo Santos.
Transgênicos: Ética, Consumo e Meio Ambiente (Laura Oliveira Ederich); 5. Aspectos Jurídicos do "Recai!'' e sua Introdução de La Consommation da Universidade de Louvain-la-Neuve, Bélgica, em estágios de pesquisa de 4 meses, iniciou- do livro de Eike von HIPPEL, "Verbraucherschutz" e publicada na Revista Direito do Consumidor, São Paulo, vol.
no Direito Brasileiro (Lucas Faria Annes); 6. Análise Crítica do Caso Colgate/Kolynos (Lúcia Carvalhal Sica); 7. Aspectos 81 Os trabalhos individuais de pesquisa apresentados no Salão Iniciação da •. em 199?, tinham se com a vinda do Me. Jens Karsten. 1, pg. 7 a 15:"A proteção do consumidor-comprador" e também a tradução de artigo do alemão para o português
Jurídicos da Proteção aos Programas de Computador com Código-Fonte Aberto no Brasil (Maitê de Souza Schmitz); 8. O como títulos: 1. A cláusula de indexação no contrato de leasmg e o consumidor- Laura Oliveira Edench; 2. A 88
do Prof. Dr. Dr. h.c. Erik Jayme, com 31 pgs., publicada na Revista dos Tribunais nr. 759,janeiro 1999, p.24 a 40,
Código de Defesa do Consumidor enquanto Lei de Função Social (Man1ia Zanchet); 9. Os Contratos de Previdência Privada garantia como pós-venda no direito do consumidor- Rafael B. 3. C? prazo de nos de 0s hoje jovens professores das Faculdades de Direito de Porto Alegre, os hoje mestrandos e especializandos,que
sobre o tema:"Visões para uma teoria pós-moderna do Direito Comparado".
e o Código de Defesa do Consumidor (Odiléa Oliveira de Almeida Simão); 10. O Uso da Internet para a Aquisição de Bens e incorporação imobiliária - Fernanda Nunes Barbosa; 4. A prestaçao de serviços a luz do do tem sua origem como pesquisadores do grupo, costumam acompanhar as reuniões do grupo e colaborar na 94Tradução do artigo de J.H.A. van Loon, do inglês para o português, "Os Aspectos Legais da Adoção internaci-
Serviços: alternativa segura? (Rafael Barreto Garcia); 11. Posição Imutável do Superior Tribunal de Justiça: A Questão da consumidor- Carina Bonzanini da Silva; 5. O Bug do milênio e seus reflexos para o consunndor - Roberto Silva da orientação dos mais jovens em seus temas de especialização, assim hoje colaborarm com o Grupo as professoras onal e a proteção da criança- Relatório da Associação de Direito Internacional", publicada no livro : -Homenagem
Importação de Merluzas (Rafael Pellegrini Ribeiro); 12. Comparação Principiológica entre a Affirrnative Action e o Código Rocha; 6. Multi propriedade - Rosaura Macagnan Viau; 7. A. problemática se:viços através das linhas Fabiana D' Andrea Ramos (PUC/RS), Elaine Ramos da Silva (UFSMIRS), Sandra Lima Alves (CEUB/Brasilía),
de Defesa do Consumidor (Ricardo Medeiros de Castro); 13. Responsabilidade do Transportador Aéreo por Extravio de
à Carlos Henrique de Carvalho, Ed.Revistas dos Tribunais, São Paulo, 1995, pg. 241ss
0900 - Odiléia Oliveira de Almeida Simão; 8. O Plano NaciOnal de Desestattzaçao e o consunndor - Bruno Nunes
Sabina Cavalli (Católica!CE). Assim também colaboram os especializandos: Fabiano Mencke, Roberto Silva, 95 Veja tradução executada pela líder do grupo, para o português de artigo em espanhol do Prof. S. Stiglitz
Bagagem (Tatiana de Campos Aranovich); 14. O Cartel de Preços e a Defesa do Consumidor (Thales Gonçalves Della Barbosa Miragem; 9. A agência estadual de regulação dos serviços públicos do Rio do Sul -
Giustina); 15. As linhas gerais da responsabilidade pelo fato do serviço no coe e sua recepção ou não pelo Tribunal de Justiça AGERGS e o consumidor- Cláudia Travi Pitta Pinheiro;lO. As sociedades comerciais no Mercosul - Simone Stabel Gustavo Aguiar, Alberto Franco, os mestrandos Cláudia Pitta Pinheiro (UFRGS) e Evelena Boenning (UFRGS) e (Universidad de Buenos Aires), publicado na Revista Direito do Consumidor, São Paulo, vol. 13, Janlmarço 1995,
do Rio Grande do Sul - (Thomaz Francisco Silveira de Araújo Santos) Daudt. 11. Comunicação de Massa: implicações legais das tecnologias emergentes - Fábio Costa Morosini. o doutorando Fábio Costa Morosini, University of Texas, Austin. pg. 5 a 11, com o título: "Aspectos Modernos do Contrato e da Responsabilidade Civil"

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
87 88 Cláudia Lima Marques
86 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação científica na pós-modernidade "Sprechstunde" e a iniciação científica na pós-modernidade 89

os trabalhos de nossos correspondentes. 99 de saúde, coordenada nacionalmente pelo Prof. Em matéria de relações interdisciplinares UFRGS), coordenados pela Profa. Dra. Maria A pesquisa em Direito internacional é um
o português e publicar na Revista do Basilcon inicialmente, de 1992 a 1998, ajudamos o ceram várias publicações conjuntas, na Argen-
A pesquisadora líder é correspondente in- Dr. José Reinaldo de Lima Lopes (USP). Tive a e interinstitucionais, mister destacar que o gru- Suzana Arrosa Soares, uma vez que os alunos
(Revista Direito do Consumidor) e também na trabalho pioneiro e inovador de Antônio tina107 e no Brasil. 108 Assim também mantêm o caminho aberto para o trabalho conjunto,
ternacional da Revista argentina, "Revista oportunidade de coordenar a pesquisa no Rio po possui uma interface muito importante com de iniciação científica lá realizam suas pesqui- de criação e evolução do pensamento e da
Revista da Faculdade de Direito UFRGS. Tam- Herman Benjamin, presidente e fundador do grupo colaboração com a cátedra do Prof.
de Responsabilidad civil y seguros", cujo Grande do Sul e Paraná, realizada no Rio Gran- o Juizado de Pequenas Causas da Faculdade sas e todos os professores envolvidos no gru- doutrina Latino-americana. A colaboração
bém organizamos e publicamos colabora- Brasilcon, 98 na editoração da Revista Di- Ricardo Lorenzetti, da UBA e Prof. Gabriel
ções em espanhol de nossos "correspon- rei to do Consumi dor. Ao assumir a Diretor é o Prof. Atílio Alterni, publicado por La de do Sul com a ajuda da Docente convidada de Direito da UFRGS, uma vez que geralmente o po, ministram aulas neste curso, 103 assim como Stiglitz, uni v. de La Plata, com a Uni v. de Rosá- com a sociedade c i vil organizada não pos-
Ley, Buenos Aires e da revista belgo/inglesa, alemã, Dra. Harriet Zitscher e contando no mestrando em estágio docente do Grupo coor- com o Curso de Especialização da Faculdade sui apenas o caminho da extensão, também
dentes estrangeiros" ,96 especialmente nos- editoração da Revista, em 1998, criamos uma rio e Uni v. Nacional dei Litoral, Santa Fé.
Consumer Law Jornal, que tem como editores Paraná com a contribuição no levantamento dos dena tal posto do J uizado ou lá realiza suas pes- de Direito da UFRGS "O Novo Direito Interna- pode ocorrer através da pesquisa acadêmi-
sos professores visitantes argentinos. 97 seção especial para doutrina internacional,
gerais Thierry Bourgoignie (Uni v. de Louvain- casos da acadêmica da PUC/PR, Caroline Araú- quisas de Mestrado em Direito do Consumidor, cional".104 O grupo também coopera com o pro- ca e publicações direcionadas para a solu-
Quanto à editoração de Revistas Jurídicas, onde continuamos a publicar, em espanhol,
la-Neuve) e Geraint Howells (Uni v. of Sheffield), jo, também co-autora do relatório do Grupo. com a FEE-Fundação de Economia e Estatística jeto TERMISUL, na elaboração de um dicioná- ção dos problemas regionais ou setoriais.
publicada pelo Centre de Droit de la O Grupo fornece jurisprudência atu-
do Estado do Rio Grande do Sul, uma vez que rio de termos do Direito Ambiental Internacio- Conclusão A Universidade Brasileira evoluiu muito no
contamos com um economista da FEE acompa-
Consommation-CDC .100 nal, coordenado pela Profa. Dra. Maria da Gra-
96
Assim publicamos os trabalhos dos jovens professores e pesquisadores estrangeiros que se correspondem que concerne a pesquisa de iniciação cien-
alizada para a Revista do Instituto, Revista Como se observa, é possível realizar
com o grupo, Diego Fernandez Arroyo, argentino, professor na Univ. de Autonoma Madri (Sobre Ia nhando e orientado os trabalhos sobre ça Krieger. 105 tífica e este tem se mostrando um caminho
existência de una família jurídica latinoamericana, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 12, Outro exemplo de colaboração com o Direito do Consumidor, que atualmente co- regulação, agências reguladoras e outros tra- pesquisa em grupo,, frutífera e séria, em Direito.
ordeno, revista especializada considerada Em matéria de relações internacionais, 106 O método aqui retratado é apenas um, muitos positivo para alunos e professores-pesqui-
1996, p. 93 a 110), Gilles Cistac, francês, Diretor da Univ. de Maputo, Monçambique (Poder Legislativo Brasilcon foi a elaboração e a publicação do balhos voltados para o estudo do impacto das
e Poder regulador na Constituição Moçambicana de 30 de novembro de 1990, in Revista da Faculdade de a 3a Revista mais vendida pela Editora Re- o grupo mantém contato com a Universidade outros podem ser desenvolvidos e aperfeiçoa- sadores também no Direito. Esperamos que
relatório de pesquisa exaustiva sobre seguro- desestatizações frente as consumidores e com
Direito da UFRGS, vo. 12, 1996, p. 148-160), Christoph Benicke, alemão, assitente na Universidade de vista dos Tribunais e editada em São Pau- de Buenos Aires, com a cátedra da Carlos dos pelos colegas interessados em pesquisa. este testemunho possa motivar e ajudar.
saúde realizado pelo grupo no TJ/RS da entra- a AGERGS, uma vez que vários egressados do
Heidelberg ( La convención sobre los derechos dei nino de las naciones unidas y la reforma dei derecho lo. Da mesma forma, a professora alemã Dra. Alberto Ghersi (Direito Civil: Obrigações e Con-
de custodia y de visita en Alemania, , in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 13, 1997, p. 51- da em vigor do CDC até a elaboração da lei de grupo trabalham e assessoram a Agência Re-
seguro-saúde, de 1996 a 1998. Este relatório foi Harriet Zitscher publicou pelo Brasilcon, guladora do Estado do Rio Grande do Sul. tratos), sendo que vários alunos do grupo pu-
70), Erasmo Marcos Ramos, brasileiro, mestrando na Universidade de Heidelberg, Alemanha (A influên-
cia do BGB na parte geral do novo Código Civil português, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, publicado na Revista do Instituto (Revista Di- com apresentação minha, seu livro deram participar de Congressos na Argentina
vol. 15, 1998, p. 75-98). reito do Consumidor/RT) 101 e no livro do Insti- "Metodologia do ensino com casos práti- Na UFRGS, o grupo mantém contatos em 1993, 1994, 1997 e 1998, os professores do
tuto "Saúde e Responsabilidade" em 1998 e fa- cos- Exemplos do Direito do Consumi- com o CEDEP, Centro e Biblioteca especializa- grupo são convidados anualmente a palestrar
97
Yeja os artigos de Carlos Alberto Ghersi (UBA) publicados na Revista da Faculdade de Direito da
zia parte de uma pesquisa do Brasilcon sobre a dor"102, inaugurando uma nova linha de pu- da em Integração e seu curso de Especialização na Argentina e os professores da cátedra no
UFRGS (La contracción entre la reformulación de la categoria jurídica dei dano resarcible y ele acceso ai
dano resacible en el final dei siglo XX, in vol. 11,1996, p. 24-39 e Posmodernidad jurídica- el analisis blicações do Brasilcon/MG. Interdisciplinar "Mercosul e Integração" (IFCH/ Brasil. Da colaboração destes dois grupo nas-
jurisprudência brasileira em seguros e planos
contextuai dei Derecho como contracorriente a la abstracción jurídica, in vol. 15, 1998, p. 21-32 ) e na
Revista Direito do Consumidor, de Ricardo Lorenzetti (UBA), publicados na Revista da Faculdade de
Direito da UFRGS (La descodificación y fractura dei Derecho Civil, in vol. 11,1996, p. 78-93 e Redes
Contractuales, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 16, 1999, p. 161-202) e na Revista 99 Assim foram publicados, na Revista Direito do Consumidor, os trabalhos de nossos correspondentes da
Direito do Consumidor e apresentação do livro de Lorenzetti publicado pela Editora Revista dos Tribu- Argentina: Gabriel Stiglitz- Modificaciones a la ley argentina de defesa dei consumidor y su influencia en el
nais (Fundamentos do Direito Privado), Maria Blanca Noodt Taquela (UBA), publicado na Revista da mercosur, RDC n.29- jan./mar. 1999, p. 9/20; Carlos Alberto Ghersi- La caracterización de los servicios
Faculdade de Direito da UFRGS, vol. 15, 1998, p. 181-192, Atílio Alterini (UBA), Informe sobre la professionales de la abogacia. El poder cultural y la desigualdad en la formación contractual. RDC n.25- jan./mar
Responsabilidad Civil en el Proyecto de codigo Civil de 1998,vol. 17, 1999, p. 3 e seg. e os publicados 1998, p. 9/18 e Consumo sustentable y medio ambiente, RDC n.31- jul./set. 1999, p. 971103; Medida anticipativa.
na Revista Direito do Consumidor. Prevención de agravamiento del dano a la persona, RDC n.32- out./dez. 1999, p. 1491154 e Esquema de una teoria
98
Assim foram publicados de nossos correspondentes, por inicativa do Dr. Benjamin, na Revista Direito sistemica del contrato, Revista n.33- jan./mar. 2000, p. 51177; Ricardo Lorenzetti- Redes Contractuales: 107
Em 1993 veja capítulo de Livro publicado na Argentina, "MERCOSUL - Perspectivas desde el Derecho
do Consumidor (RT, São Paulo), os seguintes trabalhos: Gabriel Stiglitz "O direito contratual e a prote- Conceptualización jurídica, relaciones internas de colaboración, efectos frente a terceros, RDC n.28- out./dez.
Privado", Carlos Alberto Ghersi(Director), Editorial Universidad, Buenos Aires, 1993, p. 167 a 209: Cap.VIII-
ção jurídica do consumidor". RDC n. 01, p. 184-199, "O Direito do Consumidor e as práticas abusivas- 1998, p. 22/58, Esquema de una teoria sistemica del contrato, RDC 33, jan/mar. 2000, p. 51177; Atilio Aníbal
"Tranferencia de Tecnología." e 1996 - Parte Brasileira do Capítulo IX do Livro coletivo publicado na Argentina,
Realidade e perspectivas na Argentina" RDC n.03, set/dez 1992, p. 27-35 e "Las acciones colectivas en Alterini- Tendencias en la contratación moderna, RDC n.31- jul./set. 1999, p. 104/114 e Roberto M. Lopez
,,MERCOSUR- Perspectivas desde el derecho privado- Segunda Parte", org. Ghersi, Carlos Alberto, Editorial
proteccion dei consumidor"RDC n. 15,jul/set 1995, p. 20-27. Rúben S. Stiglitz "Aspectos modernos do Cabana- Defesa jurídica de los más débiles, RDC n.28- out./dez. 1998, p. 7/21.
Universidad, Buenos Aires, 1996, tradução para o espanhol de Carlos Alberto Ghersi, pg. 199 a 226: Cap.IX-"Los
contrato e da responsabilidade civil" RDC n. 13, jan/mar 1995, p. 5-11. Ricardo Luiz Lorenzetti 100 Veja Informações sobre jurisprudência e legislação brasileira, artigos de Claudia Lima Marques, no "Consumer
derechos del consumidor. Una visión comparativa entre el Brasil y la Argentina. A) El Código Brasilefío de
"Analisis crítico de la autonomia privada contractual" RDC n. 14, abr/jun 1995, p. 5-19. Atílio Aníbal Law Jornal" (CDC Publications, Bélgica), vol. 7 (1999), p. 108-109 e p. 119-120 :"Consumer car leasing 103
Defensa dei Consumidor y el Mercosrn'' e em 2000 , capítulo de Livro publicado na Argentina, "Los Nuevos
São professores do Curso, além da autora, as professoras Vera Fradera, Martha Olivar e Fabiana Ramos, além
Alterini "Os contratos de consumo e as cláusulas abusivas", in RDC n. 15, jul/set 1995, p. 5-19 e contracts- Repayment indexed in dollars -Currency devaluation - Court applies principies of Consumer code" e do professor convidado DAAD/CAPES, Ulrich Wehner. Danos- Soluciones modernas de reparación", vol. 2, Carlos Alberto Ghersi (Director), Editorial Hammurabi,
"Control de la publicidad y comercialización"RDC n. 12, out/dez 1994, p. 12-16; Roberto M. López "Brazil- New healph insurance law", no vo1.8 (2000), com Gabriel Stiglitz: "New Consumer Protection Laws in 104 Buenos Aires, 2000, traduzido para o espanhol, pg. 69 a 105: Cap.IV-"Contratos de Time-Sharing en Brasil y la
Cabana "Ecología y consumo" RDC n. 12, p. 25-28 e, após, 1994: Gabriel A. Stiglitz - Danõ moral Mercosur" e a aparecer: "The cigarette industry have the burden of proving that nicotine is not addictive to São professores do Curso do Departamento, além da autora, que o coordena junto com o Prof. Manoel André
protección de los consumidores: critica ai Derecho Civil en tiempos posmodernos".
individual y colectivo, medioambiente consumidor y danosidad coletiva, RDC n.l9- jul./set. 1996, p. consumers". da Rocha, as professoras Vera Fradera, Martha Olivar e Fabiana Ramos, além do professor convidado DAAD/
CAPES, Ulrich Wehner. 108
Assim foram publicado os artigos dos Assistentes da Cátedra de Carlos Alberto Ghersi, Manuel Cunha Rodriguez
68176, Atilio Aníbal Alterini- Bases para armar la teoría general del contrato em el derecho moderno,RDC 101 Relatório de Pesquisa quantitativa e qualitativa de jurisprudência gaúcha sobre seguro-saúde e o CDC, realizada
n.19- jul./set. 1996, p. 7/24; Rubén S. Stiglitz- Seguro contra la responsabilidad civil. Control estatal de
105
Cooperaram com o Projeto os alunos Fábio Morosini e Fernanda Barbosa, além da líder do grupo. (El Sistema de Franchising y la tutela de los consumidores y usuários en el derecho argentino, in Revista da
pelo Grupo de Pesquisa CNPq "Mercosul e Direito do Consumidor", coord. Claudia Lima Marques e Harriet C.
las condiciones generales de la poliza- estado actual en los países del mercosul, RDC n.20- out./dez. 106 Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 13, 1997, p. 147-172), GracielaLovece (El tiempo compartido,, in Revista
Zitscher, conjuntamente com estudantes, publicado na Revista Direito do Consumidor (São Paulo), vol. 29, jan/ Como conclama FERNADEZ ARROYO, Diego, Propuestas para la enseiíanza y la investigación deZ Derecho
1996,p. 9114; Ricardo Lorenzetti- La relación de consumo: conceptualización dogmática en base al da Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 13, 1997, p. 131-146), Eduardo Barbier (La tutela dei cliente bancaria
mar 1999, p. 88 a 105:"Relatório BRASILCON sobre seguro-saúde no TJRS, de 1991 até maio de 1998" Internacional Privado en América Latina, no livro "Jornadas de Derecho Internacional', Ed. OEA/Sec. de
derecho del mercosur, RDC n.21- jan./mar 1997, p. 9/31; Rubén S. Stiglitz- La obligación precontractual desde Ia Iey de defensa dei consumidor en el derecho argentino, , in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v o.
102Livro de Bolso, "Metodologia do ensino com casos práticos- Exemplos do Direito do Consumidor" Ed. Del Asuntos Jurídicos, 2000, p. 93 a 112, há que se criar um "jurista americano abierto ai mundo",p. 96 e especialmen-
y contractual de información. El deber de conseso, RDC n.22- abr./jun. 1997, p. 9/25; Carlos Alberto 13, 1997, p. 99-116), Célia Weingarten (Estado de la doctrina y jurisprudencia en la responsabilidade medica, in
Rey, Belo Horizonte, 1999. Apresentação de Cláudia Lima Marques, p. 1 a 19. te frisar os estudos e pesquisas na "integración Iatinoamericana", p. 97.
Ghersi- Los profesionales y la posmodernidad- los abogados, RDC n.23/24- jun./dez. 1997, p. 9118. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 13, 1997, p. 39-50).
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Iniciação Científica CESUMAR
28 Estratégias de Leitura e Estudo no Curso de Direito
Jan./Jun. 2008, v. 10, n.01, p. 27-34

ESTRATÉGIAS DE LEITURA E ESTUDO NO CURSO DE DIREITO Buscou-se explorar o desenvolvimento de estratégias de leitura Diante deste estado de coisas, é preciso agir, buscar novos
que levassem o acadêmico do primeiro ano de Direito a tomar contato paradigmas, o que passa pela concepção de língua como discurso
com as leituras do universo jurídico e algumas boas obras da literatura que se efetiva nas diferentes práticas sociais, cabendo à escola
Judith Apda de Souza Bedê*
nacional, aprimorando-lhe o gosto e incentivando a perspicácia e agudeza oportunizar o contato com textos literários que aprimorem o
RESUMO: Abundam na mídia informações sobre o desempenho brasileiro nos testes internacionais de leitura, inferior ao de países com economia de sentidos, assim como a argumentação a partir de determinados pensamento crítico e a sensibilidade estética dos alunos; fomentando
muito menos avançada. Também não faltam comentários sobre a proliferação de cursos de Direito com baixa qualidade. De um lado, professores pontos de vista. Boa literatura é como uma obra de arte: vem carregada o espaço dialógico e polissêmico da Literatura.
do ensino fundamental e médio trabalham em péssimas condições, com remuneração, no mínimo, vexatória; de outro, professores do ensino de prazer estético, primordial à humanidade. Assim, o problema em torno do qual se firma esta pesquisa é o do
superior estarrecidos com a “qualidade” do novo acadêmico. Em meio a tudo isso fica o alunado: “mal lê, mal fala, mal ouve e mal vê”. Nesta Toda área dispõe de mestres, pesquisadores, estudiosos que, através resgate da leitura como forma de subsidiar o aluno no trato da vivência
conjuntura sobressai a questão da leitura, que há muito tem preocupado os educadores e a sociedade em geral. É fato que os alunos pouco ou de seu trabalho, ofereceram valioso contributo às ciências às quais se coletiva a partir da cosmovisão artística e interdisciplinar, visto que a Literatura
nada lêem durante todo o processo de escolarização, deficiência que persiste mesmo diante do prejuízo para sua formação profissional. Quando filiaram; nos bancos universitários são eles chamados de clássicos. dialoga, em suas variadas interfaces, com diversas outras áreas do
lêem, restringem-se a um baixo nível de compreensão das informações contidas em textos simples. Assim, o problema em torno do qual se firma Entretanto, com o passar do tempo e as mudanças sociais e idiomáticas, conhecimento. Para tanto, haverá o estudo de questões relacionadas à
esta pesquisa é o do resgate da leitura nos bancos universitários, a partir da vivência coletiva e da cosmovisão artística e interdisciplinar, visto que o acesso àquele saber fica mais “difícil”, falta intimidade com os termos leitura do texto literário, a partir do qual se pretende desenvolver práticas de
a leitura permite dialogar com diversas outras áreas do conhecimento, em suas várias interfaces. Para tanto, este projeto, posto em prática na técnicos, faltam pré-requisitos cognitivos, são escassas as habilidades de estudo que conduzam à dinamização do processo de leitura com a
disciplina de Comunicação e Investigação Científica, tem por escopo explorar questões relacionadas à leitura aliando-a à expressão oral, com vista leitura e muito daquilo que é valioso, motivador e interessante, perde-se. conseqüente formação do aluno como leitor, sobretudo um leitor do universo
à expansão e aprimoramento do conhecimento acadêmico. Pretende-se dinamizar o processo de leitura, com a conseqüente transformação do Quando se trata de uma ciência milenar como o Direito, a compreensão jurídico, e também da arte da palavra: a Literatura.
aluno em cidadão, em falante e em leitor da sua própria língua e da ciência jurídica. do desenvolvimento histórico-social e da evolução do pensamento jurídico O fracasso escolar, desde as séries iniciais, tem sido associado, de
em muito pode contribuir para a formação do acadêmico. Não obstante, a acordo com Magnani (1989, p.10), à falta de leitura, e isso se agrava quando
PALAVRAS-CHAVE: Direito; Leitura; Oralidade; Clássicos jurídicos. leitura dos clássicos da área, da boa literatura, das matérias bem redigidas se fala de formação profissional, pois existe o pressuposto da leitura para
dos melhores jornais, habilita o aluno a conviver com o outro de modo aprimoramento, complementação e descoberta de conhecimentos através
mais abrangente, tornando-o homem mais completo, cidadão cônscio de do ato de ler. À deficiência da leitura da palavra junta-se a falta de leitura de
READING AND STUDYING STRATEGIES IN LAW SCHOOL
seus direitos e deveres, profissional apto a diligenciar em favor do direito mundo, como diria Paulo Freire, e o resultado é um acadêmico que se ilude
de seu cliente ou a aplicar a melhor interpretação da lei ao caso concreto. acerca do desenvolvimento de seus conhecimentos - além de um professor
ABSTRACT: There are, inside the media, a lot of information about the Brazilian performance in international tests of reading, which is lower than Ler, para o acadêmico de Direito, é pressuposto fundamental. desestimulado, pois sente estar sempre voltando a etapas iniciais, dizendo o
countries with its economy less advanced comparing to Brazil. Also comments about the Law schools proliferation with low quality exist. On the dito. A conseqüência disso é o fracasso do cidadão, uma vez que sua
one hand, teachers of the elementary and high school works in poor conditions with remuneration at least embarrassing; on the other hand, 2 DESENVOLVIMENTO compreensão fica turvada, sua ação não tem objetivo, se é que se pode falar
college teachers astounded with the “quality” of the new college student. Among all of this, there are the learners: barely read and speak; barely de ação. Forma-se um homem pela metade: alijado do poder da arte literária
hear and see. In this context, the issue of the reading highlights, once it has been concerning the educators and the society in general for a long 2.1 LEITURA, LITERATURA E ARTE e da força dos argumentos e inconsciente da potência do discurso, vai
time. It is a fact that the students do not read or do it very bad during the whole learning process, a deficiency that persists even standing the sendo engolido por ele. Mostrar ao aluno que a leitura está ligada ao prazer
damage for its own professional formation. When read, restrict itself to a low level of comprehension of the information founded in simple texts. No intuito de buscar soluções para o déficit de leitura demonstrado estético e à arte de dizer, em muito contribui para que ele veja o mundo que
Thus, the problem around this research is the recover of the reading at the university field, starting from living as a group and from the artistic and pelos alunos do curso de Direito, buscou-se a melhor teoria sobre os o cerca. A esta idéia se filia Fischer (2002, p. 19):
interdisciplinary cosmovision, once reading allows to dialogue with many other areas of knowledge in its various interfaces. This project, put into problemas da leitura na escola. O ponto de partida está no próprio homem.
practice at the Communication and Scientific Investigation subject, aims at exploring questions related to the reading, working together with the oral O ser humano, à semelhança das formigas, símios e cupins, vive em O poder educacional e social das palavras e
expression, aiming the expansion and improvement of the student knowledge. It intends to improve the reading process with the consequent sociedade; no entanto, diferentemente dos animais, não apenas se das imagens é pacifica-mente reconhecido.
transformation of the student into a citizen, a speaker and into a reader of its own language and of the juridical science. Uma obra de arte é encarada não como um
movimenta em meio à natureza, mas age motivadamente, visando atingir acontecimento efêmero, mas como uma ação
um objetivo; transforma a natureza, a si mesmo e aos outros a partir de cujas conseqüências alcançam muito longe:
KEYWORDS: Law; Reading; Orality; Juridical classics. seus atos; como ser social, precisa conviver. Aliás, já dizia Aristóteles: “O nascida do real, ela reage sobre a realidade.
homem só ou é um bruto ou é um deus”. Ocorre que, desde a Revolução
INTRODUÇÃO Industrial até nossos dias, houve um processo crescente de mecanização A leitura, assim, transmuta-se em meio de difusão da arte, da cultura,
mação do gosto é retomar as relações entre leitura, literatura e escola do
da vida, e a sociedade, dividida em classes, gera um homem insociável, do saber acumulado. Alfredo Bosi (2002, p. 109) defende a idéia de que,
ponto de vista das possibilidades políticas do movimento no sentido de de-
Já dizia Monteiro Lobato: “Um país se faz com homens e livros”. No en- ou seja, desligado do compromisso de conviver. em tempos de televisão e cinema muito evoluídos, a leitura, sobretudo
sestabilização da dicotomia entre prazer e saber”. (MAGNANI, 1989, p. 27-
tanto, deve-se destacar que, além dos livros, é preciso avaliar algumas con- A grande expansão do mercado livreiro deixa entrever que o problema dos textos clássicos, parece ter perdido o fascínio, sendo fulminada pela
29). Desta feita, pensar os problemas, estudar teorias e desenvolver estratégias
cepções pelas quais se opta, como as de sociedade, de educação, de lin- da leitura encontra ainda outro percalço: a massificação e a crise da boa comodidade da imagem pronta.
para minimizar problemas com a leitura, a oralidade e a compreensão de
guagem, de leitura e de literatura, além da formação do gosto. “E falar em for- leitura. Para Alfredo Bosi (1999, p. 108), o indivíduo foi massificado. A Não se advoga contra os recursos tecnológicos, mas há que se
textos do universo jurídico foi o objeto de trabalho desta pesquisa.
complexidade da leitura dá lugar ao folhetim de qualidade duvidosa e ao compreender que, se o aluno de outras épocas chegava aos bancos
apelo aos sentidos, perdem-se valores e padrões estéticos. A leitura universitários com poucas leituras, isso se devia, muitas vezes, à falta
*
Docente da disciplina de Comunicação e Investigação Científica no curso de Direito no Centro Universitário de Maringá – CESUMAR; Mestranda em Direito da Personalidade
no Centro Universitário de Maringá – CESUMAR; Licenciada em Letras e em Direito pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail: [email protected] passou a ser mercadoria vendida no shopping neste século de extremos. de acesso ao livro, ao passo que o acadêmico de hoje tem o acesso,

Iniciação Científica CESUMAR - jan./jun. 2008, v. 10, n.1, p. 27-34

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BEDÊ, J.A.S. 29 30 Estratégias de Leitura e Estudo no Curso de Direito

as condições e até facilidades, mas não se interessa por um meio Assis, além de diversos excertos de textos interessantes, promoveu-se professores, o que demonstra compreensão, interesse e, sobretudo, 3 ALGUNS ROTEIROS DE TRABALHO
menos imediatista que os jogos eletrônicos, filmes e programas, em amplo debate sobre a natureza humana do ponto de vista dos autores dos aprimoramento da capacidade de leitura e interpretação, bem como
que se torna mero ouvinte, platéia muda. A leitura exige participação. textos. Seguiu-se a leitura do clássico jurídico “Como nasce o Direito”, de habilidade para a abstração. Nesta fase, foram acrescentados recursos 3.1 “COMO NASCE O DIREITO”
Desta feita, novos tempos exigem novos paradigmas, cabendo Francesco Carnelutti, em consonância com os conteúdos abordados na tecnológicos para enriquecer as apresentações e evidenciou-se o
aos operadores da educação superior oportunizar o contato com textos disciplina de Economia Jurídica. Eram freqüentes os debates, a produção interesse e a melhoria do nível de leitura No nível universitário, o material lido precisa passar por um processo de
literários, com doutrinas clássicas, com obras de relevo, aprimorando de parágrafos de forma individual, em duplas e equipes, o que favorece a O trabalho, embora tenha sido pensado e parcialmente aplicado em registro, que tornará possível sua posterior retomada, daí a necessidade de
o pensamento crítico e a sensibilidade estética dos alunos; fomentando troca de idéias e amplia a compreensão a partir da visão do outro, 2006, sofreu mudanças para aprimoramento, e em 2007 encontra-se em escrever, anotar, elaborar fichas de resumo sobre o que se lê. Apenas
um espaço dialógico e polissêmico, que estimule a leitura e a reflexão acrescentando-se, neste ponto, a necessidade de exercitar o respeito à curso; mas tanto no ano anterior como agora, tem apresentado excelentes aplicar o questionário pode ser uma prática, mas pode-se ir além: proporcionar
sobre ela. O ato da leitura é complexo, exigindo amadurecimento do diversidade na convivência social necessária. resultados, pois os acadêmicos têm demonstrado interesse, desem- com ele a releitura necessária, favorecer uma discussão posterior acerca
leitor, ainda mais quando o texto tem alto padrão e valor estético O passo seguinte, já no segundo bimestre, exigiu uma leitura mais penhando seu papel de forma respeitosa e responsável, havendo, inclusive, do que foi perguntado e do que foi respondido, realizar a troca de i-déias que
A sociedade cria o homem a partir de um modelo preexistente, complexa, recheada de termos técnicos e conceitos jurídicos: o livro de aumento da média bimestral. Muitos trabalhos deixam claro que houve levam à reflexão. Embora bastante antigo, o recurso do questionário pode
impondo ideologias, por isso não é neutra, mas plena de significado. Roberto Lyra Filho “O que é Direito”. Em sala de aula, após a leitura, pesquisa para além do que se pediu como leitura obrigatória, chegando a se tornar válido, sobretudo quando se está diante de uma situação de pouco
Desse modo, não pode a academia deixar o indivíduo à mercê das realizada pela maioria dos acadêmicos, aliou-se à compreensão básica envolver clássicos da literatura nacional, com a obra “Morte e vida Severina” contato com a leitura, como é o caso da maioria dos nossos jovens.
ideologias dominantes, mas deve oferecer-lhe os meios para compreender a exposição de técnicas de resumo e fichamento. Primeiramente, de João Cabral de Melo Neto, além de músicas e filmes relacionados aos
o universo no qual se insere. Para Bordini e Aguiar (1993, p.11-12), é comentou-se em sala a obra como um todo, colhendo-se dúvidas temas trabalhados. Para o quarto bimestre, será explorada a técnica da QUESTIONÁRIO
inegável o prestígio conferido ao texto escrito e a desvalorização daqueles surgidas durante a leitura. Posteriormente, a professora releu com os pesquisa com produção de um trabalho, sendo que cada equipe escolheu 1.O que diferencia o direito dos juristas, de acordo com Carnelutti?
que não dominam o código. O livro, detentor por excelência do texto alunos o capítulo inicial, marcando trechos de destaque e registrando- um tema ligado ao Direito e já começou a ler e a fichar. Também será feito 2.Quando estudamos em sala os universos cultural e natural,
escrito em código verbal, é o mediador do conhecimento e pertence à os no quadro. Para o capítulo segundo, os trechos de destaque foram um júri simulado a partir dos livros de Lon Füher “O caso dos exploradores vimos que o homem convive. É nesse meio social que atua, trava
classe dominante, que veicula apenas a sua versão da realidade. De dados pelos alunos seguindo-se um roteiro oral, do tipo perguntas e de cavernas” e “O caso dos denunciantes invejosos”. conhecimento com os outros, buscando atender seus anseios.
acordo com as autoras supracitadas, o ser humano busca dar sentido à respostas, dado pela professora. Para os dois últimos capítulos, os A universidade e todo o ensino superior não podem se render à Carnelutti também trata das necessidades humanas, relacionando-
sua existência e ao mundo que o cerca, e o livro pode ser o veículo para alunos elaboraram o resumo e realizaram o fichamento para estudo da dinâmica do mercado e deixar tudo como está; é preciso que o as com outro ramo do conhecimento. Que ramo é este? Qual o ponto
este diálogo, e mais ainda aqueles livros que, por sua abrangência, atingem obra. A fim de exercitar o raciocínio lógico e a capacidade de comparação, homem retome sua identidade e sua humanidade, e isto se faz pela de encontro entre esta outra ciência e a ciência do Direito?
uma significação mais ampla. explorou-se a música “O meu país”, cantada por Zé Ramalho, leitura, pela arte, pelo diálogo e pela qualidade que se busca oferecer 3.No contexto do capítulo, fala-se do contrato como fenômeno
Desse modo, o primeiro aspecto a ser considerado é o da leitura-frui- estabelecendo-se relações entre a teoria do direito e sua prática na e adquirir nos bancos universitários. Observa-se que o acadêmico, econômico e jurídico: qual o papel dele na sociedade, de acordo
ção, tentando provocar no aluno a emoção do belo; para tanto, serão pro- sociedade brasileira contemporânea. Na ocasião, casos recentes de desacostumado à leitura freqüente, de início apresenta dificuldades, com Francesco Carnelutti?
movidos cotejamentos de textos variados, filmes, dramatizações. A leitura crime e corrupção foram analisados a partir de noticiários de TV e mas adapta-se às exigências das disciplinas. É preciso incentivá-lo e 4.Em determinado ponto do capítulo II, o autor cita o filósofo Kant,
será tomada como espectro de possibilidades a partir da exploração de reportagens do jornal escrito. Diante da superação de muitas das cobrar resultados. Muitos dos nossos acadêmicos podem reclamar dizendo que a base da razão moral é a capacidade do homem de agir
textos variados (no sentido mais abrangente que a palavra texto possa dificuldades iniciais, introduziram-se, no terceiro bimestre, as aulas de de falta de tempo, excesso de trabalho, dificuldades de concentração, racionalmente. Assim, a paz social seria obtida quando cada o indivíduo
comportar, significando todo material visual, audiovisual, verbal ou não- teatro e a solicitação de leitura de uma obra de fôlego “A cidade antiga”, mas a prática tem demonstrado a superação de tais obstáculos e se comportasse com o outro do mesmo modo como gostaria que as
verbal). O intuito é desenvolver, reavaliar, aplicar e criar técnicas de mo- de Fustel de Coulanges. Em consonância com a disciplina de Ciência ótimos resultados, que revertem em benefício dele mesmo e de sua outras pessoas se comportassem com ele. Nessa linha estreita-se a
tivação da leitura que efetivem a melhora da leitura e da qualidade do leitor. Política, foi recomendada a leitura do livro “O povo brasileiro”, de Darci vida profissional e pessoal. Outro fator preponderante é que o professor relação entre Direito e Moral, e pergunta-se: Direito e Moral confundem-
Ribeiro, além de termos assistido partes do documentário de mesmo seja leitor, sempre em busca de novidades na sua área ou de se? Se sim, de que modo? Se não, como estão ligados?
2.2 ESTRATÉGIAS DE ESTUDO E TRABALHO nome, o qual prendeu muito a atenção de todos, gerando reflexão. Nas disposição para resgatar antigas práticas. Somente o professor leitor 5.Qual o papel da sanção de acordo com Carnelutti? Estaria ela
aulas de teatro, exploram-se a expressão corporal, a concentração, a é capaz de formar leitores. O professor pesquisador incentivará a ligada mais à Moral ou mais ao Direito?
A fim de dar conta dos objetivos a que o projeto se propôs, atacou-se a dicção, a postura, o volume adequado à exposição oral de conteúdos, pesquisa entre seus alunos, pois o acadêmico de hoje é o profissional 6.De acordo com o autor, o delito é resultado dos tempos de
capacidade de compreensão de textos escritos curtos, chegando-se até os enfim. Ainda no terceiro bimestre, desenvolveu-se a idéia de um de amanhã, que trabalhará, no caso do Direito, com nossos litígios e guerra ou dos tempos de paz? Por quê?
mais longos e finalizando-se com a leitura completa de obras ligadas ao uni- seminário dramatizado, a saber, a junção de teoria e prática, um recurso pendências, com nossos direitos e deveres, por isso este acadêmico 7.Diferencie sanção penal de sanção civil seguindo os
verso jurídico. Para tanto, foram usados os recursos de análise lingüística, criado pela professora para que os alunos leiam, escrevam, expliquem precisa de uma formação ampla e voltada para o convívio em parâmetros dados pelo autor.
gramática aplicada e exposição de conceitos jurídicos e idiomáticos funda- e dramatizem capítulos da obra de Coulanges, o que lhes oferece a sociedade. Nesse ponto, houve total apoio dos colegas de trabalho, 8.No livro, o que distingue os delitos dolosos dos culposos? Os
mentais à compreensão dos textos, trabalhando com acadêmicos de pri- oportunidade de trabalhar individualmente enquanto leitores e que exploraram obras clássicas da Filosofia e até da tragédia grega. omissivos dos comissivos?
meiro ano de Direito dos períodos diurno e noturno - por volta de 200 alunos. coletivamente, na qualidade de componentes de um grupo que deverá Entendo que, uma vez no mercado, o bom profissional colhe frutos 9.Em que consistem a prevenção geral e a prevenção especial
Os métodos utilizados são os mais comuns em pesquisa jurídica: o explanar um tema. É obrigatória a pesquisa sobre a situação do Direito para si, mas também traz ganhos para a instituição que o formou, pois previstas no ordenamento?
indutivo, o dialético e o sistêmico. Foram utilizados testes de concursos na Antigüidade e atualmente, comparando-se práticas sociais e jurídicas; esta lhe ofereceu o suporte necessário para desenvolvimento de 10.O que vem a ser direito objetivo? E direito subjetivo?
públicos, inicialmente, partindo-se para a leitura do livro de Paulo Freire: “A o que lhes exige pesquisa e leitura da legislação e da doutrina, além do suas potencialidades. Não apenas em Direito este trabalho é possível, 11.Como se explica que a propriedade tenha passado de instituto
importância do ato de ler”, com destaque para as idéias principais nele que lhes é dado no primeiro ano. Foi freqüente a relação estabelecida, mas em todas as áreas, afinal, conhecer da leitura, explorar a oralidade, econômico a instituto jurídico, e mais, alçado à qualidade de direito?
contidas. Em seguida, com o conto “A igreja do diabo”, de Machado de pelos próprios alunos, com conteúdos ministrados pelos demais conviver em sociedade é tarefa de todos nós.

Iniciação Científica CESUMAR - jan./jun. 2008, v. 10, n.1, p. 27-34 Iniciação Científica CESUMAR - jan./jun. 2008, v. 10, n.1, p. 27-34

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BEDÊ, J.A.S. 31 32 Estratégias de Leitura e Estudo no Curso de Direito

12. Explique com suas palavras como Carnelutti desenvolve a e adequação” e escapam ao que é “verdadeiro e correto” a partir da explanação de cada um dos participantes. Já uma a) ajudar o aluno a compreender os conteúdos veiculados por
idéia de que pela propriedade chegou-se ao direito de crédito, juridicamente”. O que ele quis dizer? Você concorda? Por quê? dramatização tem por escopo tornar ou procurar tornar interessantes diversas fontes de pesquisa;
ressaltando a importância deste instituto para o direito. 5) Gramsci, importante líder marxista italiano, defendia: “a visão (curiosos, dramáticos ou comoventes) fatos, situações, problemas, b) explorar o trabalho em grupo como ferramenta do profissional
13.Explique a seguinte assertiva: “Pode-se comparar a dialética precisa alargar o foco do Direito”. Qual a abrangência deste narrativas (HOLANDA, 1998). do Direito;
economia à terra sobre a qual a ética espalha sua semente; sobre posicionamento? Explique o que ele quis dizer. A modalidade seminário dramatizado foi desenvolvida pela c) favorecer a oralidade, muito negligenciada no ensino
essa terra e dessa semente nasce, cresce e agiganta-se o direito. 6) Dentro da temática da ideologia abordada no livro, explique a assertiva: professora com o objetivo de reunir os dois elementos, portanto, a fundamental e médio e essencial para a nossa área;
Por analogia, não há, no complexo ordenamento jurídico, uma “O ‘discurso competente’, em que a ciência se corrompe a fim de servir à partir do estudo do grupo, haverá a explicação de um dos conteúdos d) oportunizar situações de postura pública com certa carga de
vegetação mais luxuriante do que a do contrato”. dominação, mantém ligação inextrincável com o discurso conveniente”. previamente selecionados, juntamente com a dramatização dos estresse;
14.O que é e como deve ser o ler, de acordo com Carnelutti? 7) Quais os principais modelos de ideologia jurídica citados no início fatos que envolvem o citado conteúdo. e) por meio da discussão em grupo e da elaboração de material
15.Existe, para Carnelutti, relação entre o progresso da do segundo capítulo? Como se caracterizam? Que autores são citados? Assim, os grupos estão cientes de que deverão apresentar-se a ser repassado aos colegas, aprimorar a prática da pesquisa e da
sociedade e o número de leis criadas para ela? Quais as palavras-chave para estes modelos? Há uma subdivisão nesses contemplando os dois requisitos. escrita em língua padrão;
16.O que vem a ser a “Lei das XII Tábuas”? E o “Código de modelos? Seja abrangente na resposta, mas sem copiar do livro. Para o seminário, considera-se correto que a equipe escolha f) o aluno se fazer entender oralmente e por escrito;
Hamurabi”? ou combine alguns dos elementos abaixo: g) completar o entrosamento entre colegas a partir da base do
17. Qual a concepção de juízo defendida pelo autor? 3.3 SEMINÁRIO DRAMATIZADO a) cartazes; respeito mútuo, havendo situações de embate, discussão e
18. Explique a evolução do Estado a partir da célula familiar, b) lâminas de transparência; concórdia a serem resolvidas internamente;
ressaltando pontos relevantes desse desenvolvimento histórico A leitura do livro “A cidade antiga” foi solicitada com bastante antecedência, c) eslaides do power point; h) gerar um ambiente de parceria responsável, uma vez que
explicitados no capítulo VIII do livro mas contando-se com as dificuldades de compreensão e concentração e d) material fotocopiado; todos os conteúdos poderão ser objeto de avaliação escrita posterior.
19. Pode-se dizer que a “previsão” de Victor Hugo (1851) realizou-se? com a possível resistência à leitura de uma obra de mais de quatrocentas e) banner;
20.Se Estado e Direito se encontram tão intimamente páginas, optou-se por um trabalho em grupo. A fim de deixar claros os f) apostilas; Enfim, como podem ver, o presente trabalho é um recurso
relacionados que um pressupõe a existência do outro, seria correto objetivos do trabalho e o processo de desenvolvimento, foi dado ao aluno um g) imagens e textos variados. didático muito valioso e que não deve ser negligenciado.
afirmar que a globalização atual poderia corresponder a um Estado roteiro com as regras do trabalho a ser desenvolvido.Além disso, as equipes
Internacional? Explique de acordo com o seu entendimento do texto. puderam marcar horário para atendimento com a professora, a fim de Para a parte a ser dramatizada, o grupo deverá atentar para a 3.Como deverá ocorrer?
21. Direito e justiça são a mesma coisa, de acordo com o autor? sanar dúvidas e discutir idéias. O roteiro não foi discutido em sala, mas presença de: Uma vez organizados os grupos, com as devidas datas
Explique. disponibilizado no sistema aluno on line. O intuito deste ato foi, justamente, o a) cenário mínimo; agendadas, cada equipe terá em torno de 20 minutos para se
22. “Se o Direito é um instrumento da justiça, nem a técnica nem a de promover a leitura, uma leitura que, para o acadêmico, se tornaria b) caracterização das personagens; apresentar (não menos que 10 nem mais que 30 minutos).
ciência bastam para saber manejá-lo. (...) mas qualquer um de nós fundamental.As perguntas direcionadas à professora deixaram claro quais c) diálogos claros e compreensíveis; Durante a apresentação, a equipe deverá observar os critérios
tem o dever de fazer o quanto puder para alcançar esse objetivo (a os problemas mais comuns no campo da compreensão de textos d) fala audível para todos os presentes; salientados nos itens anteriores, sempre respeitando colegas e
justiça)”. O que você compreende desta afirmação de Carnelutti? instrucionais, os quais são comuns no cotidiano de todos os indivíduos e) obediência aos conteúdos do livro; professores e tentando ser o mais clara possível nas suas explanações.
letrados, da receita de bolo à receita de remédio, passando pelos manuais f) relação com a atualidade. O grupo que, por qualquer motivo, não se apresentar no dia e
3.2 “O QUE É DIREITO” dos utensílios da casa e os cadastros em sites, onde seguir instruções é Os alunos podem optar por registrar previamente em material local marcados, sofrerá como sanção a perda total dos pontos do
fundamental. Eis as instruções dadas: audiovisual seu trabalho, mas este deve obedecer aos mesmos trabalho (4,0, a saber).
Considerando a complexidade da leitura do livro “O que é Direito”, o critérios acima, assumindo a equipe a responsabilidade por Nos casos legais previstos pela instituição para faltas, o grupo
professor deve retomar alguns conceitos, até mesmo discutir a SEMINÁRIO DRAMATIZADO_ORIENTAÇÕES GERAIS eventuais problemas técnicos. deverá encaminhar requerimento escrito e documentado para a
organização do livro, que pode ser feita oralmente, mas seguindo um 1. O que é? professora com, no mínimo, 24 horas de antecedência, solicitando
roteiro que leve o aluno a compreender a leitura, a assimilar os conteúdos 2. Para que serve? Pressupostos mínimos: nova data para apresentação.
ali veiculados. Um exemplo de questões a serem vistas é o que segue: 3. Como deverá ocorrer? a) leitura do capítulo com o qual se comprometeu; Caso seja marcada nova data, esta NÃO se prenderá a dias de
4. Quem participará? b) compreensão suficiente para solidarizar as informações mais aula da disciplina ou a dias letivos.
1) A organização topográfica proposta pelo autor (colocação de 5. Quanto vale? relevantes, interessantes, curiosas; Se apenas um elemento do grupo enquadrar-se numa das
capítulos, itens, seqüência) favoreceu a leitura? Seguiu uma ordem c) pesquisa em outros materiais como forma de enriquecer sua situações anteriores (abandono ou falta justificada), deverão os
de complexidade? Propôs retomadas de temas citados em capítulos Caros alunos, penso que alguma(s) pergunta(s) acima ainda possa(m) apresentação, compreensão e repasse para os colegas; demais integrantes substituí-lo como possível, a fim de não se
antecedentes ou exigia conhecimento sobre teorias jurídicas? estar ecoando na cabeça de muitos; assim, aproveito o serviço do aluno on d) ambos – seminário e dramatização - serem trabalhados, prejudicarem ou trazerem prejuízo aos colegas.
Explique como você realizou a leitura. line, que a instituição oferece, para trazer, por escrito, mais detalhes. não importando a ordem em que apareçam; Ao final da apresentação do seminário dramatizado, os alunos
2) Existe diferença entre lei e direito? e) fazer a relação da Antigüidade com a atualidade. poderão fazer perguntas aos colegas para o esclarecimento de
3) Seria correto afirmar que da lei emana o Direito? 1. O que é? eventuais dúvidas. O fato de o grupo, porventura, não saber
4) Roberto Lyra, autor do livro estudado, afirma na p. 09 que Um seminário é um trabalho acadêmico que tem como meta a 2. Para que serve? responder a alguma questão, não trará prejuízo à equipe.
também no Socialismo “surgem leis que carecem de “autenticidade exposição e o debate de assuntos explorados por grupos de estudos O presente trabalho servirá para:

Iniciação Científica CESUMAR - jan./jun. 2008, v. 10, n.1, p. 27-34 Iniciação Científica CESUMAR - jan./jun. 2008, v. 10, n.1, p. 27-34

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BEDÊ, J.A.S. 33 34 Estratégias de Leitura e Estudo no Curso de Direito

4. Quem participará? 2. Quais informações são muito importantes e quais dados são buscando soluções para os problemas que o atingem, está-se COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto,
Participam do evento todos os acadêmicos de primeiro ano de secundários? cumprindo o papel social da educação. o direito e as instituições da Grécia e de Roma. Tradução de Edson
Direito, matutino e noturno, regularmente matriculados no Cesumar. 3. Qual é o problema a ser resolvido? Ainda que os resultados só sejam percebidos a longo prazo, não é Bini. São Paulo: Edipro, 1998.
Os alunos em dependência ou adaptação poderão anexar-se a 4. Esquematize todos os elementos do problema. recomendável desistir, porque se a leitura é relevante para o acadêmico
qualquer grupo ou entrar em contato com a professora para fazerem 5. Registre tudo até aqui. do curso de Direito, ainda é mais importante para o homem que, convivendo FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. Tradução de Leandro
o trabalho correspondente. 6. Extraia informações de um documento e tome notas de com outros homens, transforma tudo o que o cerca. A percepção estética, Konder. 9. ed. Rio de Janeiro: Guababara Koogan, 2002.
comunicação oral. o trato com o próximo, as lições de solidariedade, o companheirismo
5. Quanto vale? desenvolvido, a responsabilidade cobrada e assumida trarão ao aluno FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três volumes
A apresentação (seminário dramatizado), juntamente com o APRENDER A SINTETIZAR mais que um diploma para o exercício profissional, pois o estudo, a leitura, que se completam. 42. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
respectivo resumo, valerá 4,0 (quatro) pontos, sendo 3,0 (três) para 7. Estruture a resolução do problema; a pesquisa e a prática do raciocínio lógico são recursos que possibilitarão
o dia do evento (apresentação) e 1,0 (um) para a parte escrita, que 8. organize informações sobre o tema; ao acadêmico acesso a uma formação em humanidades capaz de FÜHER, Lon. O caso dos exploradores de cavernas. São Paulo:
deverá estar em conformidade com as regras para trabalhos científicos transformar sua vida e a dos que o cercam. É esse o maior papel da RT, 2005.
da instituição disponíveis no site. Por isso, todos da equipe devem APRENDER A DEDUZIR (apoiar-se em princípios e deles educação: favorecer o pleno desenvolvimento das potencialidades do
“falar” no dia e escrever bem o texto!!! extrair conseqüências para um fato) homem a fim de fazê-lo conviver com outros homens segundo os preceitos ________ . O caso dos denunciantes invejosos. Tradução de
Para a apresentação serão observados: empenho, desenvoltura, 9. Quais conclusões lógicas poderiam ser feitas? de justiça, honradez, dignidade e sabedoria; enfim, fornecer-lhe os meios Dimitri Domoulis. São Paulo: RT, 2005.
domínio do assunto, dicção, clareza na exposição de idéias, recursos de acesso aos instrumentos de uma vida feliz.
utilizados e demais elementos que possam ser explorados pelo APRENDER A COMUNICAR-SE HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário eletrônico Aurélio.
grupo para transmitir o conteúdo do seu trabalho. 10. Conte a história com outras palavras: REFERÊNCIAS Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
6.No dia da apresentação, já marcado, a equipe deverá entregar a) deixando a situação melhor;
o resumo impresso da parte que lhe coube, incluindo as falas de b) deixando a situação pior. ASSIS, Machado de. A igreja do diabo. In: OBRA COMPLETA de LIRA FILHO, Roberto. O que é Direito. São Paulo: Brasiliense,
encenação e detalhes pertinentes da apresentação, indicando a Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. II. 1996. (Coleção Primeiros Passos).
função de cada elemento da equipe. Ao final, deverá ser anexada APRENDER A DECIDIR (julgar e estabelecer planos de ação) Disponível em: < http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/diabo.html>
uma conclusão da equipe. Este trabalho será, em seguida, enviado APRENDER A AGIR (a partir dos planos, dar vida aos projetos) Acesso em: 20 fev. 2007. MAGNANI, Maria do Rosário Mortatti. Leitura, Literatura e
por e-mail para a professora, no formato de documento do Word e APRENDER A REFAZER (fazer ajustes nos planos ou decisões) escola: sobre a formação do gosto. São Paulo: Martins Fontes,
disponibilizado para os colegas no aluno on line. Dadas as bases para o raciocínio dos casos, a turma é dividida BORDINI, Mª da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira. Literatura e 1989.
7. Alunos de DP e ADAP deverão procurar a professora para em equipes: formação do leitor: alternativas metodológicas. 2. ed. Porto Alegre:
fazerem o respectivo trabalho; 1. Defesa; Mercado Aberto, 1993. MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina. Rio de
8. Caso ainda restem dúvidas, por favor, entrar em contato com 2. Acusação; Janeiro: Editora Sabiá,1969.
a professora no horário de aula. 3. Magistrados; BOSI, Alfredo. Literatura na Era dos Extremos. In: AGUIAR, Flávio.
Sucesso! Beijo carinhoso, abraço apertado! Profª Judith Bedê 4. Jurados; Estudos em Homenagem a Antônio Cândido. São Paulo: RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro: a formação e o sentido do
Invoca-me no dia da angústia, e eu te livrarei, e tu me 5. Réus e testemunhas; Humanitas, 1999. Brasil. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
glorificarás” Salmos 50:15 “ 6. Dois indivíduos para registro do evento.
CARNELUTI, Francesco. Como nasce o Direito. Tradução de
3.4 JÚRI SIMULADO Definidas as funções, são discutidas com a turma as condições Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel, 2004.
de uso da palavra, o tempo de intervenção, o devido respeito aos
O recurso do júri simulado como técnica de trabalho traz resultados colegas, a forma de votação. Tenta-se seguir, ao máximo, o rito do
muito alentadores, porque o aluno de Direito vivencia, pelos meios de tribunal do júri, fazendo as adaptações necessárias.
comunicação de massa, sobretudo a televisão, situações em que o Direito O resultado é uma turma comprometida com a argumentação,
é discutido. Pelo fato de ser ligada à sua opção profissional, essa é uma lendo teses sobre as obras, buscando soluções em códigos e minúcias
atividade que lhe desperta interesse e para a qual ele já vem motivado. do texto escrito que poderão ajudá-los no deslinde da situação.
Assim, o roteiro básico de trabalho envolve algumas etapas, a saber:
Pede-se que leiam os livros:”O caso dos exploradores de 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
cavernas” e “O caso dos denunciantes invejosos” de Lon Füher e
refletam seguindo os passos dados: Favorecer a leitura, estimular a oralidade, proporcionar
APRENDER A VER + APRENDER A INFORMAR-SE crescimento e emancipação são papéis da escola em todos os
1. Qual a situação? níveis, e quando o ensino superior se propõe a resgatar alunos,

Iniciação Científica CESUMAR - jan./jun. 2008, v. 10, n.1, p. 27-34 Iniciação Científica CESUMAR - jan./jun. 2008, v. 10, n.1, p. 27-34

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

Tópicos de Fundamentos e Formação em e porque fazê-lo, quando lhe for solicitado um fichamento,
Biblioteconomia e Ciência da Informação uma resenha ou um resumo, cabe ao estudante perguntar ao
professor sobre o modelo que será usado na apresentação do
trabalho.
Fichamento como método de Em síntese, podemos dizer que o fichamento é um mé-
documentação e estudo todo de pesquisa pessoal, portanto pode ser realizado de vá-
rias maneiras como veremos mais adiante. Sua função é de
organizar ideias através do material consultado para a reali-
Marivalde Moacir Francelin zação de uma pesquisa. Não há limite para se fazer fichamen-
tos, mas isso depende de coerência. Não se pode fichar tudo
1. Introdução sobre um assunto e, geralmente, não usamos todo o material
Apesar de o enfoque deste capítulo ser o fichamento, que levantamos e fichamos, mas teremos uma fonte de infor-
destacamos que as três formas básicas de apresentação de mação organizada para consultas posteriores.
análise do texto acadêmico podem ser: fichamentos, resumos Os resumos já seguem, por exemplo, parâmetros pré
e resenhas. Entre os manuais metodológicos é comum dizer -estabelecidos como as normas da ABNT (Associação Brasi-
que fichar, resumir e resenhar documentos fazem parte dos leira de Normas Técnicas). A função do resumo, muitas ve-
métodos de [1] estudo do pesquisador iniciante. Na verdade zes, é de divulgação, ou seja, não serve apenas como método
fazem parte dos métodos de quase todo pesquisador que lida pessoal de pesquisa. Vocês verão muitos resumos e resenhas
com fontes e registros de informação. publicados mas, dificilmente, verão um fichamento em algu-
Esses elementos do processo da documentação e da ma publicação.
pesquisa não são estanques e nem se isolam em suas etapas Um resumo tem extensão limitada e não comporta,
e formas de desenvolvimento. Pode-se fichar um documento como em resenhas e fichamentos, citações e comentários e,
e, logo em seguida, usar o fichamento para confeccionar um muito menos menciona outras obras. Geralmente, os resu-
resumo ou uma resenha. mos trazem informações sobre o conteúdo de uma obra. Tais
Além de recursos essenciais para estudantes e pesqui- informações devem ser claras e objetivas, representando o
sadores, fichamentos, resumos e resenhas acadêmicos tam- tema da obra, a metodologia utilizada, as hipóteses levanta-
bém são parte das atividades cotidianas de trabalhos em das, metodologias e conclusões. Em fichamentos e resenhas
disciplinas e relatórios de pesquisa. Portanto, podem ser con- estes itens não são obrigatórios, a não ser que sejam a temá-
siderados etapas de investigação acadêmico-científica. tica da pesquisa empreendida e/ou da obra que está sendo
No caso dos trabalhos acadêmicos não há um único analisada.
método de desenvolvimento ou padrão de apresentação. Pro- Outra coisa importante sobre os resumos está no fato
fessores requisitam esses trabalhos como atividade e podem de existirem vários tipos deles, mas não estamos falando ape-
se apoiar em concepções e formatos distintos de fichamentos, nas de resumos críticos, informativos e descritivos como as
resumos e resenhas. Dessa maneira, mesmo sabendo como

121 122
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

normas sugerem. Estamos falando de resumos acadêmicos e resenha é, portanto, uma atividade mais complexa, porém
resumos documentários. Qual é a diferença entre eles? torna-se mais fácil quando o hábito de fazer fichamentos e
Os resumos acadêmicos são feitos como atividades de resumos são familiares ao pesquisador.
análise de textos para as disciplinas de graduação. Possuem Bem, chega de teoria e vamos aos exemplos. Por outro
linguagem menos formal e objetiva e não se baseiam, neces- lado, devemos lembrar que a teoria é extremamente impor-
sariamente, em normas. Os resumos acadêmicos são aqueles tante, pois, é a partir dela que refletimos sobre o que estamos
que os professores requisitam como atividade de análise de fazendo e sobre o que pretendemos fazer. Lembrem-se que
textos. Assim como na linguagem, também não há uma for- saber e fazer andam juntos! Se não pensamos, estaremos ape-
matação para o texto do resumo acadêmico e nem mesmo nas copiando modelos mecanicamente e voltamos à estaca
critérios quanto à sua extensão. Eles podem ser apresenta- zero em termos de pesquisa e desenvolvimento de conheci-
dos em espaços duplos, com parágrafos e em mais de uma mento. Pesquisa é um ir e vir constantes. Então, ao entrarem
página, desde que mantenham as informações essenciais do em contato com os exemplos abaixo, sempre procurem con-
documento. sultar o que está escrito acima como indicativo, e obras de
A resenha comporta alguns elementos do fichamento e referência para maiores detalhes, ou seja, as próprias fontes
do resumo. Sendo um texto informativo e crítico ao mesmo citadas e o material de apoio relacionado na bibliografia.
tempo, a resenha, invariavelmente, pode intercalar comentá-
rios e citações (diretas e indiretas), fazer referências a outros 2. Formas de análise
textos, constituindo já um exercício de produção textual. As Salomon (2001, p.91) diz que resumir faz parte da vida
resenhas não possuem número máximo de páginas, mas de- dos estudos, porém, esse exercício intelectual torna-se evi-
vem respeitar alguns limites para não ser confundida com dente, e frequente, na universidade, seguindo também como
um ensaio ou um artigo ou com um resumo. uma necessidade na vida profissional.
Não vamos nos estender muito nestas observações, O autor revela ainda que os estudantes têm dificulda-
mas é importante ter em mente que: des em resumir, encontrar as ideias centrais e detalhes do
texto lido. Assim, Salomon (2001, p. 92-94), indica duas “fon-
1. O fichamento é o primeiro passo na realização de uma tes” principais dessas dificuldades.
pesquisa, portanto, quase sempre fazemos fichamentos,
independentemente do tipo da pesquisa. Dificuldades do estudante: alguns têm facilidade em
encontrar semelhanças (processo de síntese), outros, diferen-
2. O resumo é uma atividade, um exercício de raciocínio que ças (processo de análise). O principal problema, no entanto,
visa entendimento e síntese de uma obra a partir de regras reside no fato de, diante da necessidade de identificar o que
pré-estabelecidas ou não. é “fundamental, integrante ou acessório”, acaba-se agindo
3. Já a resenha é uma atividade de análise e síntese que per- de forma apressada e retirando, de forma irrefletida, partes
mite maior elasticidade na abordagem, porém, exige, além e mais partes do texto. “Antes tudo do que nada.”, conforme
das características já mencionadas, um certo domínio so- diz o autor.
bre assunto tratado na obra que está sendo resenhada. A

123 124
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

Dificuldades do texto: estilo e temática podem interfe- lógica que permita que essa forma de estudo e pesquisa seja
rir na leitura e compreensão de um texto. Assim como a difi- incluída nos afazeres diários da academia.
culdade anterior, entendimento, base de leitura, domínio do Entendendo que há um propósito na leitura para um
vocabulário corrente e conhecimento do assunto são ques- fichamento, um resumo ou uma resenha, evita-se o desperdí-
tões que se impõem ao estudante. O resultado é o mesmo: cio de tempo e outros aborrecimentos que aparecem quando
“Antes tudo do que nada.” É fato, podemos acrescentar, que não se vê sentido naquilo que está sendo feito. Para Salomon
a linguagem usada e a terminologia especializada também (2001, p. 95),
dificultam a compreensão do texto. Mas, nesse caso, existe
ainda a possibilidade de se encontrar diante de um texto es- O estudante que tem o hábito de ler sem um propó-
sito determinado assenta-se e simplesmente lê; ao término
crito por um autor que não estava muito preocupado com a diz: ‘Pronto, já li.’ Assim o faz com todas as matérias, no
comunicação de suas ideias. São minoria em boa parte das mesmo ritmo de leitura, e reage da mesma maneira diante
áreas do conhecimento, mas é bom saber que, esses autores, de qualquer assunto. Tal estudante tem muito a aprender,
que escrevem de maneira complexa, truncada e, muitas ve- pois este não é o modo correto de agir.
zes, incompreensível, provocam enorme desgaste naqueles É preciso ter um propósito inicial e ler em função
que precisam resumir ou resenhar seus textos. dele. Um propósito inicial pode ser o de ter ideia do assun-
Cabe destacar que essas dificuldades não se restringem to. Outro pode ser o de tirar a essência ou o mais impor-
ao resumo, elas fazem parte dos fichamentos e das resenhas. tante do que se vai ler.
Dessa maneira, é importante que se esteja preparado para “Por que estou lendo esse documento?” e “Do que se
momentos em que tais dificuldades surgirem. Com paciên- trata esse documento?” são perguntas que sevem, primeiro,
cia, aplicação e insistência elas serão superadas. Os resultados como ponto de partida, motivação, compreensão de uma
são motivadores quando se consegue superar tais obstáculos. ação diante de um documento e, segundo, como integração
Referindo-se às resenhas, Létourneau (2011, p. 19), diz que com o conteúdo do documento e a apropriação de suas in-
As vantagens desse exercício são numerosas: ele pos-
formações. Antes de passar ao tópico seguinte, destaca-se
sibilita descobrir as obras de um autor, apreciar as sutile- que essa apropriação de informações segue objetivos prévios
zas de sua reflexão, afinar-se com o diapasão da ciência, do estudante pesquisador, mas, também, é influenciada pe-
assimilar novos conhecimentos e familiarizar-se com téc- los objetivos do próprio documento. Reflete, portanto, um
nicas, métodos de trabalho e procedimentos de análise. processo dialético, de extrema importância, pois, conduzirá
leitor e documento para novas sínteses, conclusões, análises,
Quando novos conhecimentos são assimilados, a per-
perguntas e relações.
cepção que se tem de determinados tipos de textos pode mu-
dar, justificando um esforço maior de leitura daqueles docu- 3. Etapas da análise do Documento Acadêmico
mentos que parecem mais uma obrigação disciplinar do que
Indicados esses momentos de encontro com alguns
uma etapa no processo de aprendizado. Busca-se, como diz
obstáculos nos estudos e compreendido que esses obstáculos
Létourneau na citação acima, uma familiarização metodo-
quase sempre se apresentarão, às vezes perceptíveis, outras

125 126
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

não, pois, são parte do processo de conhecimento e o objetivo incorporando a ele elementos históricos e contextuais enri-
é superá-los, passa-se agora para a apresentação das etapas quecedores, porém, ao mesmo tempo, subjetivos.
básicas de análise do documento acadêmico. São esses elementos que podem ser trazidos à tona com
Na esfera da leitura do documento acadêmico, na Figu- a leitura analítica (Figura 1). Por outro lado, nosso foco prin-
ra 1, seguem as etapas propostas por Antônio Joaquim Seve- cipal é, justamente, o registro das leituras enquanto registros
rino, no livro “Metodologia do Trabalho Científico”. de informação.
É importante que, desde o primeiro texto lido, um ar-
Figura 1. Etapas da leitura analítica.
quivo para anotações seja aberto. Mas, como fazer tais ano-
tações? Geralmente, elas podem ser feitas por meio de ficha-
mentos.
O fichamento é o primeiro exercício que fazemos quan-
do entramos em contato com novos ambientes de pesquisa,
quando temos novas ideias e/ou quando precisamos “esca-
var” subsídios para sustentar pontos de vista.

4. Observações sobre os fichamentos


Como já mencionado na introdução, o fichamento é
um método de pesquisa e de documentação pessoal, portanto,
pode ser realizado de várias maneiras. Sua função é de orga-
nizar ideias a partir do estudo do material de pesquisa.
Fonte: Severino (2010, p. 64). Não há limite para se fazer fichamentos, mas isso de-
Para Macedo (1994, p. 34-35), “[...] o pesquisador é um pende de coerência. Não se pode fichar tudo sobre um tema
homem como qualquer outro; pensa numa língua dada, cujas e, geralmente, não usamos todo o material que levantamos.
categorias lhe foram introjetadas através da educação, que é Mas será que o simples ato de produzir fichas é tão im-
um processo social; possui uma visão de mundo socialmente portante assim? Quer dizer que “copiar” trechos de textos é
condicionada pela sua realidade histórica concreta [...]”, ou uma tarefa fundamental?
seja, possui uma memória de saberes contextuais e afetivos. Três pontos podem ser observados em relação às pergun-
Dessa maneira, segundo a autora, “O discurso ‘objetivo’ su- tas acima:
põe sempre o ponto de vista acerca da objetividade de quem
o emite, calcado no grupo a que pertence, no momento his- 1. Fazer um fichamento não é um ato mecânico e isolado.
tórico no qual vive, na ‘verdade’ que elegeu ou que lhe foi im- Não é uma questão de quantidade de registros, mas de
posta.” Isso quer dizer que mesmo um texto objetivo tem sua pesquisa. Quando falamos em pesquisa temos que ter em
objetividade analisada de um determinado ponto de vista, mente que a perspectiva reflexiva e crítica deve sobressair,
em tese, à característica da mensuração. Entender um

127 128
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

assunto é, na maioria das vezes, mais importante do que No fichamento é possível registrar as anotações em fi-
compilar muitos assuntos mecanicamente. chas, cadernos, blocos de anotações; também pode digitar no
2. Quando fazemos algum fichamento devemos ter claro computador, montar pastas e fazer arquivos online.
qual é o seu objetivo. Por que fazer um fichamento? Qual Vejamos agora como é um fichamento na prática:
o seu objetivo? Qual o tema ou ideia que será usada para Antônio Joaquim Severino divide os fichamentos em:
selecionar os trechos para o fichamento? Assim, não são temáticos, bibliográficos e biográficos. Lembremos que há
apenas trechos que “copiamos”, mas ideias que vamos dis- uma certa liberdade nesta atividade, pois é um método pes-
pondo de forma ordenada para organizar nosso raciocí- soal de estudo.
nio, permitindo sua recuperação.
3. Se pensarmos nossa atividade de documentar como uma
forma de pesquisa e de geração de novos conhecimentos,
não veremos o fichamento como um simples “copiar-co-
lar”, mas como uma base confiável e coerente para dar sus-
tentação às nossas ideias.
Orientações gerais:
t Todo fichamento deve conter a referência completa da
obra;
t Os trechos literais extraídos dos textos devem aparecer
como citações;
t Toda citação direta ou indireta deve seguir uma normali-
zação;
t Dispor coerentemente o texto;
t Incluir todas as informações necessárias sobre o tema fi-
chado;
t Ter objetividade, respeitando os dois itens anteriores;
t Seja coeso na construção textual;
t Se possível, use suas próprias palavras entre as citações (o
fichamento reelabora ideias);
t Sempre que possível, procure fazer uma síntese geral no
início ou no final do fichamento.

129 130
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

a] Ficha de documentação temática Notem que não há um padrão. O que é importante


num fichamento é coletar elementos, de maneira coerente,
ESPISTEMOLOGIA retratando o conteúdo de um texto e/ou de um tema. Mas,
Conceituação atenção, o que deve ser levado em consideração também é a
estrutura e não somente a formatação. Geralmente, os ma-
Segundo Lalande, trata-se de uma filosofia das ciências, mas de
modo especial, enquanto “é essencialmente o estudo crítico dos prin- nuais de metodologia estão desatualizados e/ou imprimem
cípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências, destinado uma interpretação própria. Assim, a primeira citação do
a determinar sua origem lógica (não psicológica), seu valor e seu al- exemplo a] ficaria da seguinte maneira:
cance objetivo”. Para Lalande, ela se distingue, portanto, da teoria do
conhecimento, da qual serve, contudo, como introdução e auxiliar b]
indispensável.
“[...] é essencialmente o estudo crítico dos princípios, das hipóteses
LALANDE, Voc. Tecn., 293 e dos resultados das diversas ciências, destinado a determinar sua
origem lógica (não psicológica), seu valor e seu alcance objetivo.”
“Por Epistemologia, no sentido bem amplo do termo, podemos (LALANDE, ano, p. 293).
considerar o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organiza-
ção, de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento
Vejam também que o fichamento do exemplo a] traz,
e de seus produtos intelectuais.”
no final, uma síntese do conteúdo que interessa ao autor.
JAPIASSU, Intr., 16. Nestes casos não é necessário indicar páginas, pois o que está
Japiassu distingue três tipos de Epistemologia: sendo tratado é o conteúdo global da obra.
1. a Epistemologia global ou geral que trata do saber global-
Nos fichamentos, assim como em qualquer outro tex-
mente considerado, com a virtualidade e os problemas do to, as citações diretas devem aparecer entre aspas, acompa-
conjunto de sua organização, quer sejam especulativos, quer nhadas de sobrenome do autor, ano e página (exemplo b]).
científicos; Quando a citação tiver mais que três linhas, deve ser deslo-
2. a Epistemologia particular que trata de levar em considera- cada, sem espacejamento e com a letra menor que o resto do
ção um campo particular do saber, quer seja especulativo, texto. As citações indiretas não precisam de aspas, mas de-
quer científico; vem trazer autoria, ano e página, se for o caso. Aconselha-se
3. a Epistemologia específica que trata de levar em conta uma
consultar as NBRs 6023 (referência), 10520 (citação) e 14724
disciplina intelectualmente constituída em unidade bem de- (apresentação de trabalhos).
finida do saber e de estuda-la de modo próximo, detalhado Saber usar as normas não é um simples requisito aca-
e técnico, mostrando sua organização, seu funcionamento dêmico e/ou profissional, mas é uma obrigação daqueles que
e as possíveis relações que ela mantém com as demais dis-
ciplinas. trabalham com textos e estão comprometidos com a qualida-
de do que produzem, fazendo justiça aos autores utilizados.
Obs.: Conteúdo global da obra. Existem muitos manuais que trazem roteiros para o uso das
Fonte: Severino (2010, p.75). normas da ABNT. Eles podem ser encontrados com facilida-
de na internet.

131 132
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

Continuemos com os exemplos. No caso acima c], a estrutura está bem definida e as
indicações de conteúdo também, porém é de difícil identi-
c] Ficha de documentação bibliográfica
ficação a obra que é objeto do fichamento. Há um conjun-
EPISTEMOLOGIA
to desordenado de elementos bibliográficos no início do fi-
chamento, mas não há nenhuma menção do porque estão
JAPIASSU, Hilton F. ali. Também não há uma referência correta de acordo com
O mito da neutralidade científica a NBR 6023. Porém, olhando com mais atenção, podemos
Rio, Imago, 1975 (Série Logoteca), 188p. verificar que o fichamento é sobre o livro O mito da neutrali-
Resenhas: Reflexão I (2): 163-168. abr. 1976. dade científica. Na sequência, Severino indica duas resenhas
Revista Brasileira de Filosofia 26 que estão, respectivamente, nas revistas Reflexão e Revista
O texto visa fornecer alguns elementos e instrumentos introdutó- Brasileira de Filosofia. Na verdade, a referência do exemplo
rios a uma reflexão aprofundada e crítica sobre certos problemas c] seria a seguinte:
epistemológicos (p.15) e trata da questão da objetividade científica,
dos pressupostos ideológicos da ciência, do caráter praxiológico das d]
ciências humanas, dos fundamentos epistemológicos do cientificis-
mo, da ética do conhecimento objetivo, do problema da cientificida- JAPIASSU, Hilton F. O mito da neutralidade científica. Rio de Ja-
de da epistemologia e do papel do educador da inteligência. neiro: Imago, 1975.
Embora se trate de capítulos autônomos, todos se inscrevem dentro
de uma problemática fundamental: a das relações entre ciência obje- É importante que, no âmbito do fichamento pessoal,
tiva e alguns de seus pressupostos. todas as informações necessárias sejam incorporadas e de
O primeiro capítulo, “Objetividade científica e pressupostos axio- maneira correta, principalmente, no caso de referências bi-
lógicos” (p.17-47), coloca o problema da objetividade da ciência e bliográficas relacionadas. Deve-se dizer porque foram rela-
levanta os principais pressupostos axiológicos que subjazem ao pro- cionadas, pois, muitas vezes, é comum se esquecer o motivo
cesso de constituição e de desenvolvimento das ciências humanas. de elas estarem ali, perdendo alguma informação importante
No segundo capítulo, “Ciências humanas e praxiologia” (p.49-70), para trabalhos posteriores. Dessa maneira, mesmo com a li-
é abordado o caráter intervencionista destas ciências: elas, nas suas
condições concretas de realização, apresentam-se como técnicas de
berdade de se realizar um fichamento no âmbito da docu-
intervenção na realidade, participando ao mesmo tempo do descri- mentação pessoal, é necessário o uso de algum padrão para o
tivo e do normativo. registro das informações.
No terceiro capítulo, “Fundamentos epistemológicos do cientificis-
mo” (p.71-96), o autor busca elucidar os fundamentos epistemoló-
gicos responsáveis pela atitude cientificista e mostra como o méto-
do experimental, racional e objetivo, apresentando-se como único
instrumento particular da razão, assumiu um papel imperialista, a
ponto de identificar-se com a própria razão.

Fonte: Severino (2010, p.76).

133 134
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

e] Ficha de documentação biográfica do literário/científico de um autor/pesquisador é tão impor-


tante quanto conhecer uma única obra sua em profundidade.
JAPIASSU É comum escrevermos usando outros autores, por vezes, nos
Hilton Ferreira Japiassu detemos demoradamente sobre ideias alheias, porém, pouco
sabemos sobre quem as escreveu.
1934-
Apresentamos trabalhos e seminários, nos baseamos
Licenciou-se em Filosofia pela PUC do Rio de Janeiro, em 1969; for- em outras obras para fazer isso, mas, na maioria das vezes,
mou-se em Teologia, pelo Studium Generale Santo Tomás de Aqui-
mal sabemos o primeiro nome ou o sobrenome dos autores
no, de São Paulo. Fez o mestrado em Filosofia, na área de Epistemo-
logia, na Université des Sciences Sociales, de Grenoble, na França, dessas obras. Muitas vezes nos referimos a um texto ou autor
em 1970; nessa mesma Universidade, doutorou-se em Filosofia, em como “aquele que trata de tal assunto”, ignorando até mesmo
1973. Fez pós-doutorado em Strasbourg, no período 84/85, também seu título.
na área de Epistemologia.
É importante conhecer as pesquisas de determinado
Atualmente é docente de Epistemologia e de História das Ciências e autor. É importante saber qual a sua formação. São informa-
de Filosofia da Ciência, nos cursos de pós-graduação em Filosofia, ções que nos ajudam a compreender o itinerário de pensa-
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. mento do próprio autor, suas predileções e principalmente, a
Desenvolve suas pesquisas nas áreas de epistemologia, investigando escola de pensamento a qual segue.
as relações entre ciência e sociedade, o sentido da interdisciplinari- Claro que, sempre que tivermos que fichar um mate-
dade e o estatuto epistemológico das Ciências Humanas em geral, e
da Psicologia em particular.
rial, não iremos fazer fichas “temáticas”, “bibliográficas” e
“biográficas”, mas podemos incluir, em um mesmo ficha-
Além da tradução de vários textos filosóficos e da publicação de mento todos esses elementos e ter outros resultados como
muitos artigos, Japiassu já lançou os seguintes livros: Introdução ao
pensamento epistemológico, 1975; O mito da neutralidade científica,
uma resenha ou o início de uma revisão bibliográfica.
1975; Interdisciplinaridade e patologia do saber, 1976; Para ler Ba- Para finalizar, tente fazer um exercício de fichamento
chelard, 1976; Nascimento e morte das ciências humanas, 1978; Intro- unindo a], c] e e], não necessariamente nesta ordem, para ver
dução à epistemologia da Psicologia, 1978; A psicologia dos psicólo- como isso se daria na prática.
gos, 1979; Questões epistemológicas, 1981; A pedagogia da incerteza,
1983; A revolução científica moderna, 1985; As paixões da ciência,
1991; Francis Bacon: o profeta da ciência moderna, 1995.

Fonte: Severino (2010, p.77).

A partir do exemplo acima poderíamos levantar a se-


guinte questão: por que devemos fazer um fichamento sobre
um autor?
Claro que escrever sobre autores não parece comum,
talvez desnecessário, mas isto é um engano. Conhecer o lega-

135 136
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

Exemplos de fichas

Fonte: Eco (2014, p. 123).Fonte: Eco (2014, p. 124).

Fonte: Eco (2014, p. 78).Fonte: Eco (2014, p. 114).

137 138
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta

Referências
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Tradução Gilson Cesar
GÊNEROS TEXTUAIS PRÓPRIOS DA COMUNIDADE DISCURSIVA FORENSE
Cardoso de Souza. 25. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014.
LÉTOURNEAU, Jocelyn. Como fazer uma resenha de leitura. Viviane Raposo PIMENTA
In:_________. Ferramentas para o pesquisador iniciante. São (Universidade Federal de Uberlândia)

Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 19-35.


MACEDO, Neusa Dias de. Iniciação à pesquisa bibliográfica: ABSTRACT: This work aims the investigation of the several criminal suit court record text categories: types,
genres and species (according to TRAVAGLIA, 2003a) which are used in our society in the criminal court.
guia do estudante para a fundamentação do trabalho de pes- Therefore, our intention is to verify the existence of these several categories of texts and verify in the genre
“sentence” the reflexes, by means of linguistic marks, of those text genres which were used in criminal processes
quisa. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1994. and motivated the judge to make up his decision and declare his “sentence”. Once the law science depends

SALOMON, Délcio Vieira. Como resumir. In:________. Como


substantially on the language which can not nominate different institutes with the same name neither can it
nominate the same institutes with different names. Such analyses and characterizations are based on the
fazer uma monografia. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes, foundations of the Text Linguistics, the Theory of the Speech Acts (AUSTIN, 1962), The Communicative Action
Theory (HABERMAS, 1983), as well as the postulate of Discourse Communities (SWALES, 1990).
2001. p. 91-120.
KEYWORDS: criminal suit; genres; sentence; text.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científi-
co. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
1. Introdução

Este estudo tem como finalidade investigar as várias categorias de texto forenses da
área criminal: tipos, gêneros e espécies (segundo TRAVAGLIA, 2003a) que circulam em
nossa sociedade. Destarte, é necessário contemplar a idéia de que grande é o número das
categorias de texto que circulam em nossa sociedade e que cada época vive um complexo de
regras que lhe são próprias, ou seja, não desprezam o passado, não rompem com as tradições,
contudo, modelam ou disciplinam os fatos humanos, segundo as exigências do seu momento.
Norteia-se, este estudo, teoricamente pelos estudos da Lingüística Textual e pelas
reflexões sobre as mais variadas categorias de texto presentes no nosso dia a dia forense,
sobre as quais manuais de advogados ora se referem como peças processuais, ora como
processo, ou simplesmente pela terminologia jurídica proposta na legislação, que muitas vezes
leva ao erro, uma vez que não possui um rigor da terminologia na linguagem jurídica. Haja
vista, que o rigor da ciência jurídica depende substancialmente da linguagem, não devendo
designar com um nome comum institutos diversos, nem institutos iguais com nomes
diferentes. O legislador não abraçou, porém, critério lingüístico e divorciado de qualquer
preocupação científica ou sistemática, preferiu, em cada lei, as soluções meramente empíricas.
As análises dos gêneros textuais que mais influenciam o juiz ao proferir sua sentença
norteiam-se, também, pelos pressupostos teóricos da Teoria dos Atos de Fala (AUSTIN,
1962), da teoria da Ação Comunicativa (HABERMAS, 1983), assim como do postulado
teórico de Comunidades Discursivas (SWALES, 1990).
Sobre o ato de fazer pesquisa e sobre as conseqüências éticas das escolhas envolvidas
na pesquisa. Em consonância com Cameron et al (1992), entendemos que os pesquisadores
são pessoas posicionadas socialmente, e assim, trazem, inevitavelmente, seus pensamentos e
tudo o que constitui sua subjetividade para dentro dos processos de pesquisa com os quais se
envolvem. No entanto, segundo os mesmos autores, essa subjetividade não deve ser vista
como algo negativo, mas como “um elemento presente nas interações humanas que incluem o
objeto de estudo” (CAMERON et al, 1992, p.5).
Assim, estando na posição de pesquisadora de um tema interdisciplinar, crítico (não
ingênuo)1 não podemos ignorar “as condições afetivas, sociais e históricas, sob as quais
1
Entendemos que a interdisciplinaridade é uma questão de atitude, está longe de ser apenas fusão de conteúdos
ou métodos, e, ao invés de se prender nos elementos, busca sempre as relações entre eles, ou seja, trabalha-se
sempre com uma estrutura de relações. Não se realiza sob ordens/decretos, nem tampouco tem etapas definidas

2028

139 Paula Paes Martins Souza - 03833817542


Paula Paes Martins Souza - 03833817542
existem e funcionam a ciência e o homem de ciência contemporâneos” (CASTORIADIS, formam as peças processuais) pode exercer influência direta no processo jurídico, inclusive na
apud SIQUEIRA, 2003, p. 1). Sendo assim, o estudo que estamos propondo diz respeito às sentença jurídica proferida. É por meio da redação desses gêneros textuais que os fatos serão
inúmeras interações e interferências em vários campos do saber, dentre eles: a Lingüística narrados e descritos e, ao serem narrados e descritos (serão reconstituídos; verdades serão
(sobretudo os Estudos sobre Texto e Discurso e especialmente a Lingüística Textual), o reconstruídas) e os fatos interpretados pelas partes envolvidas nos processos. Cabe ressaltar,
Direito, o Direito Penal e Processual Penal, a Filosofia, a Filosofia da Linguagem e a que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, o juiz deve se ater apenas às peças que
Hermenêutica. compõem o processo (apresentadas por meio dos diferentes gêneros de texto) para julgar e
É preciso explicar que optamos por utilizar o termo “comunidade discursiva proferir a sentença. Não cabe ao juiz julgar “extra petita” nem “ultra-petita”3. Daí a
forense” e não “comunidade discursiva jurídica” por acreditarmos que os textos redigidos importância desses textos constitutivos de um processo.
por esta encampariam todos os textos jurídicos, de todas as áreas do Direito, ou seja, apenas a Não se trata aqui de “encapsulamento” dos textos, pois sabemos que a língua é
título de ilustração: do Direito Civil, Comercial, Financeiro, Administrativo, Penal, dinâmica, trata-se de uma tentativa de organização destes textos, uma vez que, como podemos
Tributário, do Trabalho, Internacional Público e Privado, Agrário, do Meio Ambiente, do ver em nossas considerações teóricas, vários são os estudiosos que procuram uma explicação
Consumidor, dos Direitos Difusos e Coletivos, dentre outros, além daqueles que não têm a ver para o assunto ora tratado. E nesta tentativa de organização destes textos, acreditamos que a
com áreas específicas do Direito. proposta de Travaglia (2003a) é a que melhor nos atente, uma vez que, embora não tenhamos
Desta forma, tivemos que fazer um recorte e por questões de interesse e curiosidade da encontrado em nosso estudo nenhuma espécie do tipo, várias foram as espécies do gênero que
população em geral (muitas vezes quando se fala em Direito e Advogado, logo se pensa em encontramos no corpus analisado, apenas a título de ilustração encontramos o gênero auto de
Crime e Direito Penal – senso comum2). Também por se tratar de uma área que, para atender prisão em flagrante e as espécies que dele derivam por apresentarem características formais
a própria legislação, possui características muito próprias e peculiares optamos pelo estudo de estrutura e da superfície lingüística e/ou por aspectos de conteúdo que resultarão em “ação
das categorias de texto: tipos, gêneros e espécies, redigidos pelos “operadores do Direito” penal pública incondicionada”, “ação penal pública condicionada à representação” e “ação
que, por não encontrarmos em nossa metalinguagem nenhuma expressão sobre o tema, penal condicionada à representação”.
optamos por chamar de “comunidade discursiva forense” de acordo com o conceito de Entendemos que trabalhar com taxonomia não é tarefa fácil, classificar textos é muito
‘Comunidade discursiva’ de Swales (1990), conforme explicaremos em nossa mais complexo do que se imagina e só conseguimos entender a amplitude do trabalho quando
fundamentação teórica. colocamos “a mão na massa”.
Chamamos aqui “operadores do Direito” todos aqueles que atuam na atividade O juiz pode, no final do processo, deixar de julgar uma causa alegando que os fatos
adjudicante: (advogados, defensores públicos, o representante do ministério público); o juiz, o não lhe foram trazidos de forma tal que ele possa motivar sua sentença. Isto implicará na não
oficial de justiça, o escrivão/escrevente, e os serventuários da justiça que trabalham nas realização do Direito material e na frustração, por parte das partes envolvidas e da sociedade,
secretarias das varas criminais. Por se tratar de Direito Penal, estaremos considerando também quanto à justeza do Direito.
os textos redigidos pelo Delegado de Polícia, seus auxiliares e policiais (embora eles, de Baseamos nosso levantamento das categorias de textos forenses criminais, sua
acordo com o conceito por nós adotado, não pertençam à comunidade discursiva forense, mas caracterização e estudo da relação de outros gêneros com o estabelecimento da sentença, na
sim à comunidade discursiva policial judiciária). análise de 10 (dez) processos penais, sendo: 5 (cinco) sobre o tipo penal: crimes dolosos,
Observamos que a comunidade discursiva forense, ao redigir seus textos, recorre a contra a vida e os outros 5 (cinco) sobre outros tipos penais dolosos ou culposos
modelos, exemplos e fórmulas já preparadas, o que induz ao erro e à má redação destes textos.
Sabemos que muitos membros desta comunidade discursiva não se sentirão representados 2. Fundamentação teórica
aqui, mas, nos referimos a uma grande maioria.
Devido a este problema é que realizamos este estudo, com intuito de alertar aqueles 2.1. Sobre comunidades discursivas.
que desconhecem a ciência cujo objeto de estudo é seu instrumento de trabalho (a língua/
linguagem) e de melhor compreendermos e utilizarmos os conceitos oriundos da Lingüística Swales (1990) aponta que nem todas as comunidades serão necessariamente
com a finalidade de melhor operacionalizar nosso trabalho, conscientes das contribuições que comunidades discursivas e que então, faz-se necessário o estabelecimento de critérios para
tal ciência pode nos oferecer. Uma vez que já pesquisamos, nos mais diversos anais eliminar as controvérsias e a circularidade entre comunidade e discurso. Swales (1990) propõe
científicos sobre as categorias de texto próprias da comunidade científica jurídica, e não então a diferenciação entre ‘comunidade de fala’ e ‘comunidade discursiva’ a fim de eliminar
encontramos nenhum trabalho nesta área, acreditamos ser este um estudo relevante não só as controvérsias.
para nós operadores do Direito, mas também para os estudos lingüísticos. Segundo Swales (1990) a comunidade de fala compartilha formas lingüísticas, regras e
Podemos dizer que os variados gêneros textuais, característicos da área do Direito, são conceitos culturais. Para o autor em uma comunidade de fala sócio-lingüística, as
instrumentos sem os quais não pode haver a operacionalização do trabalho forense. Isto pode necessidades de socialização ou solidariedade do grupo tendem a predominar no
se tornar um problema grave, uma vez que o mau desenvolvimento desses gêneros (que desenvolvimento e na manutenção de suas características discursivas. Assim, o autor afirma
que o que determina primariamente o comportamento lingüístico é o social, enquanto que em
uma comunidade discursiva retórica o que determina o comportamento lingüístico está ligado
que possam ser aplicadas indiscriminadamente, é um processo que se desenvolve de acordo com as necessidades
específicas de cada contexto e estudo. ao funcional. Para Swales (1990):
2
"Senso comum", seria, na nossa opinião, uma analogia com a formulação de Bakhtin (1997) sobre a
circularidade da cultura, em que existe uma influência recíproca entre a cultura das classes subalternas e a 3
O juiz não pode julgar fora do que foi apresentado nos autos do processo mesmo que ele tenha conhecimento
cultura hegemônica. As formas ideativas do "senso comum" concebido para analisar como determinadas "idéias de algo que não foi citado no processo ‘extra petita’. Também não pode julgar além do que foi pedido ‘ultra
e noções" científicas são apropriadas pelo conhecimento ordinário. petita’.

2029 2030

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
“. uma ‘comunidade discursiva’ consiste em um grupo de pessoas que se unem com absolutos, mas que são pertinentes tendo em vista um projeto maior de construção de uma
objetivos que estão acima dos objetivos de socialização e solidariedade, mesmo que teoria geral de tipologia que possua parâmetros lingüísticos de análise do corpus.
estes também ocorram. Numa ‘comunidade discursiva’ as necessidades de
comunicação de seus objetivos tendem a predominar no desenvolvimento e
Travaglia (1991) apresenta três tipologias textuais, a saber:
manutenção de suas características discursivas.”4 (SWALES, 1990, p. 24) Conforme Travaglia (1991) na primeira classificação temos o tipo descrição, em
que o enunciador se coloca na perspectiva do espaço em seu conhecer, o que se quer é
Finalmente Swales (1990) esclarece que as comunidades de fala são centrípetas, pois caracterizar, dizer como é, o interlocutor é percebido como um “voyeur” do espetáculo.
tendem a absorver as pessoas enquanto que as comunidades discursivas são centrífugas e Na narração o que se pretende é dizer os fatos, contar os acontecimentos, o
tendem a separar as pessoas em termos de ocupação ou grupos de interesses. O autor advoga enunciador se coloca na perspectiva do tempo e a narração instaura o interlocutor como o
que uma ‘comunidade de fala’ herda sua participação por meio do nascimento, por acidente assistente, “o espectador não participante”. Sobre este tipo gostaríamos de ressaltar que nos
ou por adoção enquanto que uma ‘comunidade discursiva’ recruta seus membros por meio de textos forenses as narrativas se mostram muito argumentativas e podemos perceber o
persuasão, treinamento ou qualificação. enunciador como emissor de argumentos no ato de narrar. Voltaremos a esta questão ao
Swales (1990) apresenta seis características que considera suficientes para identificar discutirmos a segunda tipologia proposta por Travaglia (1991).
um grupo como sendo uma ‘comunidade discursiva’. Para o autor uma ‘comunidade Na dissertação a atitude do enunciador em relação ao objeto é a de explicar, avaliar,
discursiva’: refletir, conceituar, expor idéias, associando-se à análise e à síntese de representações. Neste
“1. Possui um conjunto de objetivos públicos comuns; tipo o enunciador se coloca na perspectiva do conhecer abstraído do tempo e do espaço e o
2. Possui mecanismos de inter comunicação entre seus membros; interlocutor é o ser pensante que raciocina. A dissertação no texto forense é muito utilizada
3. Utiliza seus mecanismos de participação para oferecer informação e feedback;
4. Utiliza e possui um ou mais gêneros na função comunicativa de seus objetivos;
logo após a narrativa dos fatos quando o enunciador utiliza os fatos narrados para avaliar e
5. Além de possuir gêneros, uma comunidade discursiva possui um léxico expor idéias no sentido de convencer o juiz e/ou o tribunal.
específico; O quarto tipo proposto na primeira tipologia é a injunção na qual o enunciador se
6. Possui um nível de membros com uma formação própria de conteúdo relevante e coloca na perspectiva do fazer posterior ao tempo da enunciação, trata-se da ação requerida,
uma expertise em discurso.”5(SWALES, 1990, p.24 - 27). desejada, o que e/ou como fazer. Este tipo é muito comum nas categorias de texto forenses
uma vez que o juiz é aquele que determina o que deve ser feito, como e quando e em muitas
O autor finaliza com algumas questões ainda restantes, mostrando que o uso da
peças processuais as partes também requerem ações futuras.
linguagem é uma forma de comportamento social, e o discurso mantém e aumenta o
Dentro desta perspectiva temos textos descritivos, dissertativos, narrativos e
conhecimento do grupo segundo os critérios utilizados por ele para definir ‘comunidade
injuntivos que se caracterizam por uma tendência que estabelece uma dominância. É sabido
discursiva’.
que existem tipos puros, porém os textos que apresentam os diferentes tipos cruzados,
Para Swales (1990) por várias razões, é possível negar a premissa de que a
articulados aparecem em maior freqüência.
participação leva à assimilação, de que a participação não é tão incomum, e toma um contexto
A segunda tipologia proposta por Travaglia (1991) é chamada de “discurso da
relativamente inócuo. Assim, um indivíduo pode participar de várias comunidades
transformação” e “discurso da cumplicidade”.
discursivas, os indivíduos podem variar de comunidades de acordo com os gêneros que eles
No primeiro, o discurso da transformação o enunciador tem o seu alocutório e/ou
comandam.
interlocutor como alguém que deve ser convencido, persuadido, influenciado, o enunciador
utiliza o texto para fazer com que o seu alocutário ou interlocutor receba suas idéias e
2.2. Sobre tipologia textual.
opiniões e as aceite. Aqui o interlocutor ou alocutário é visto como um adversário que deve
ser convencido. O texto resultante do discurso da transformação é chamado por Travaglia
Para fins deste trabalho sobre os gêneros textuais próprios da comunidade discursiva
(1991) de argumentativo “stricto sensu”: são textos nos quais a argumentação se apresenta de
forense, adotamos a proposta de tipologia textual advogada por Travaglia (1991, 2001 e
maneira explícita e atinge o seu grau máximo.
2003a) que afirma que os tipos e as espécies compõem os gêneros, ou seja, os tipos e
Já no discurso da cumplicidade o enunciador se coloca numa situação mais
espécies não se apresentam sozinhos, necessitam dos gêneros para tomarem forma. Assim, a
confortável, pois, tem o seu interlocutor como seu cúmplice, alguém que já compartilha de
título de ilustração, não encontramos uma narrativa solta no espaço e no tempo se auto-
suas idéias e opiniões. Neste caso o enunciador sustenta, reforça e acrescenta novos
denominando ‘sou uma narrativa’, mas a encontramos no gênero DENÚNCIA, mais
argumentos. O texto resultante do discurso da cumplicidade é chamado de argumentativo não
especificamente na parte do texto que trata do relato dos fatos.
“stricto sensu”6, uma vez que, nesta perspectiva, todo texto seria argumentativo, mesmo
Devemos ressaltar que, como toda tipologização, a proposta por nós adotada deve ser
quando a intenção do enunciador é a de reforçar, sustentar ou acrescentar novos argumentos.
entendida como uma proposta que possui critérios que não devem ser vistos como únicos e
O autor advoga que a argumentação é feita através de descrições, dissertações,
injunções e narrações de diferentes formas. Nos textos forenses a argumentação se apresenta
4
Tradução nossa para o seguinte trecho: “a discourse community consists of a group of people who link up in de forma muito clara, até mesmo nos textos injuntivos que deferem ou indeferem um
order to pursue objectives that are prior to those of socialization and solidarity, even if these latter should determinado agravo com intenção meramente procrastinatória, isto é postergação.
consequently occur. In a discourse community, the communicative needs of the goals tend to predominate in the
development and maintenance of its discoursal characteristics.”
5
Tradução nossa para os trechos: “1. A discourse community has a broadly agreed set of common public goals.
2. A discourse community has mechanisms of intercommunication among its members. 3. In addition to owing
6
genres, a discourse community has acquired some specific lexis. 6. A discourse community has a threshold level Esta denominação é ligeiramente diferente da proposta por TRAVAGLIA (1991) e foi proposta pelo autor em
of members with a suitable degree of relevant contents and discoursal expertise.” comunicação pessoal em sala de aula.

2031 2032

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
A terceira tipologia proposta apresenta os textos “preditivos” e “não-preditivos”, . Nesta sua análise, Austin recorre a uma série de exemplos tirados não só da prática
sendo que nos preditivos o enunciador faz uma antecipação no seu dizer, está pré-dizendo cotidiana do uso lingüístico, como também de processos criminais8 em que alguém
foi ou não responsabilizado por uma ação.” (SOUZA FILHO, Danilo Marcondes de.
algo, enquanto que nos não preditivos não há antecipação, previsão ou anúncio antecipado. Apresentação: A filosofia da Linguagem, 1990, p. 9. In: AUSTIN (1962). Quando
Em 1998, Travaglia estabelece a hipótese de que haveria “elementos tipológicos Dizer é fazer: palavras e ação).
fundamentais” (TRAVAGLIA, 2002a, p.2), ou seja, elementos tipológicos que estariam
presentes na composição de todos ou da maioria dos textos existentes em nossa Austin (1962) fizera a separação entre atos locucionários, ilocucionários e
cultura/sociedade, independentemente da classificação tipológica desses textos, Na busca dos perlocucionários; entre enunciados constatativos – afirmações com valores semânticos de
elementos tipológicos fundamentais, o autor pôde encontrar fatos sobre tipologização que verdade ou falsidade – e performativos, aqueles que não visam descrever um estado de coisas,
sugeriam a necessidade e a validade de se distinguir três “elementos tipológicos” (categorias porém realizar uma ação no mundo, como nomeações, ordens, promessas, declarações, juras,
de texto) de naturezas diferentes. Para o autor a não distinção desses três elementos perguntas etc. que são chamados de atos ilocucionários. Todo enunciado pode produzir efeitos
tipológicos seria responsável pela criação de mal entendidos por um lado no estabelecimento perlocucionários, os enunciados produzem efeitos nos ouvintes o que Austin chama de atos
de tipologia e da relação entre elas e por outro na classificação tipológica de textos e em como perlocucionários como ofender, estimular, convencer, dissuadir, entre outros. Os atos
relacionar diferentes classificações que um mesmo texto pode receber. ilocucionários dependem de um assentimento do ouvinte quanto a sua satisfação ou
adequação, segundo as circunstâncias em que foram proferidos.
2.3. Tipelementos: tipos, gêneros e espécie. No entanto, nos parece que na XII conferência, Austin chega à conclusão de que todo
ato de fala possui uma força performativa. Exemplificando, podemos dizer que no gênero
Travaglia (2002b) propõe a distinção de três naturezas diferentes de categorias de QUALIFICAÇÃO, por mais inocente que seja a descrição de uma parte como “do lar”,
texto que julgamos interessante considerar ao tratar dos textos redigidos pela comunidade “desempregada”, “divorciada”, numa ação de alimentos, por exemplo, esta descrição terá sua
discursiva forense, pois, nestes textos, podemos encontrar e distinguir os três tipelementos força performativa e, sobretudo perlocucionária. O mesmo pode ocorrer num crime de furto, a
propostos por Travaglia (2001 e 2003a) que propôs o termo tipelementos como um termo descrição, “desempregado”, “sem residência fixa estabelecida” também implicará em um
genérico para os elementos tipo, gênero e espécie de texto. fazer.
Assim, o primeiro “elemento tipológico” é o tipo e este comporá os gêneros Entendemos que na XII conferência apresentada em “How to do Things with words”
juntamente com as espécies. Para o autor o tipo se caracteriza por instaurar uma forma de (1962), Austin resume suas conferências e nos parece que chega à conclusão de que o que sua
interação, de interlocução, segundo perspectivas que podem variar e constituir critérios para teoria apresenta de novo e relevante seria a visão performativa presente em todos os atos de
se estabelecer tipologias diferentes. fala e que, mesmo uma declaração, por ter sido feita, não seria somente um ato de fala mais
O segundo “elemento tipológico” proposto é o gênero de texto caracterizado por sim um fazer.
exercer uma função sócio-comunicativa específica que embora sejam vivenciadas não são de Com a débâcle da razão prática, i.e., desse resoluto estado interno centrado na boa
fácil explicitação e o terceiro tipelemento é a espécie7, definido e caracterizado por aspectos vontade, (HABERMAS 1983, p. 19) propõe que ela seja recolhida e em seu posto fique a ação
formais de estrutura e da superfície lingüística e/ou por aspectos de conteúdo. Finalmente, comunicativa, por esta se apresentar mais adequada do ponto de vista da moral e
queremos registrar que, o “gênero pode se vincular a vários tipos diferentes em termos de especialmente por permitir a reflexão e a própria meta-reflexão.
dominância, assim o gênero pode ser de um ou outro tipo. Quanto às espécies, algumas Embora só desenvolvida em plenitude na década de 80, já (HABERMAS 1989, p. 41)
podem ser vinculadas a um tipo ou gênero sendo que não possuem realização independente, e sobretudo (HABERMAS 1983, p. 31) acenam com a ação comunicativa como capaz de
ou seja, estão sempre na composição de um gênero. Desta forma, o que funciona na sociedade ocupar o vazio conceitual/teórico que razão prática e mesmo o trabalho e a produção haviam
e na cultura são os gêneros que são compostos por tipos e espécies, sendo que as espécies deixado via materialismo dialético.
estabelecem variedades de um tipo ou gênero necessárias à interação. A ação comunicativa pertence à faculdade da linguagem ou a este processador neuro-
cortical humano, capaz de combinar conceitos e expressões simbólicas articuladas
2.4. As teorias dos atos de fala e da ação comunicativa linearmente, capazes de sustentar o pensamento conceitual e proposicional. Por ser
extremamente econômica em seu trabalho, a faculdade da linguagem estabelece
Neste momento gostaríamos de sinalizar que para verificarmos a influência ou não de representações do mundo na fôrma de conceitos e na forma de símbolos estruturalmente
determinados gêneros na sentença proferida pelo juiz, temos a intenção de utilizar as seqüencializados.
propostas de Austin (1962) em sua obra “How to do things with words”, traduzida por Danilo Neste sentido, não é a realidade que deve estar em jogo durante o ato de comunicação,
Marcondes como “Quando dizer é fazer – palavras e ações”, para podermos apreender o mas dois pontos de vista em questão. Assim, entender-se é uma questão primordial na ação
significado de atos locucionários, ilocucionários e perlocucionários. Uma vez que sabemos comunicativa. A referência como um acordo entre emissor/receptor.
Austin tinha um interesse peculiar pelo crime, conforme Marcondes (1990): Encaixada dentro da racionalidade, a ação comunicativa, que é função da linguagem,
“.a questão da ética, a questão da responsabilidade que decorre de uma ação. e a que não escapa à normatividade, porque ela mesma, a linguagem, é constituída de normas
razão de assim proceder radica-se no fato de as condições de possibilidade de convencionais. Uma convenção conceitual/expressiva combina com outra, para formar uma
emprego desses termos revelarem as circunstâncias que permitem ao falante usá-los
para justificar, desculpar ou eximir-se da responsabilidade de seu ato.
proposição, capaz de aproximar intersubjetividades discursivamente.

7 8
Travaglia (2001 e 2002a) utilizou o termo “subtipo”, para o que hoje chama de espécie. Grifo nosso.

2033 2034

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
A ação comunicativa ocorre principalmente por meio da proposição. Base na Enfim, entendemos que John Langslaw Austin assim como Jürgen Habermas não
estruturação da proposição, os conceitos/categorias a constituem. podem ser esgotados prematuramente e muito menos serem recebidos de maneira imprópria
Um aspecto da linguagem, ou mais precisamente da lógica, que merece destaque é o pela academia, especialmente fazendo-os dizer o que nunca pretenderam dizer. Este cuidado
fato da proposição assertiva ser verdadeira ou falsa. A referência nem sempre é um problema temos de ter.
lingüístico, porque a linguagem opera com conceitos que são construtos da realidade. O
consenso de verdade depende muito mais do entendimento da comunidade lingüística, e mais 3. Gêneros textuais próprios da comunidade discursiva forense criminal
ainda, a proposição não depende também da realidade a que se refere, para ser válida ou não
válida. Como já mencionamos um dos objetivos da Lingüística Textual é definir e classificar
(HABERMAS, 2003, p. 35) considera o "agir comunicativo" capaz de coordenar o os mais diferentes tipos de textos, e, segundo Travaglia (1991), a tipologização de textos
processo de entendimento entre os agentes sociais. Como parte fundamental da racionalidade, ainda se encontra em fase de controvérsias e faltam critérios adequados para a descrição
em exercício, a ação comunicativa permite que emissor e receptor elaborem e re-elaborem global das diversas categorias de texto, uma vez que, para esta classificação, as propostas
mensagens na interação social. apresentadas variam de acordo com o objetivo de análise.
Parte decisiva na manutenção da ordem normativa e na integração social, a ação O fato de termos diversas propostas no sentido de construir uma teoria tipológica de
comunicativa é fator fundamental no estabelecimento da conduta humana. Na verdade, ela textos não torna o estudo menos interessante, ao contrário, nos mostra que fazer ciência é um
não só é decisiva na integração social, mas também na própria desintegração social. Sem ser ato que deve ser exercitado, de acordo com Kuhn (1989), as ciências não evoluem de forma
causa direta de uma ou de outra, ela é parte integrante do sucesso ou do insucesso do linear, mas se desenvolvem após crises às quais o autor denominou crises de paradigmas. O
entendimento intersubjetivo. autor também refere-se a métodos em ciências, como um conjunto de processos pelos quais se
O poder do mundo da vida é enorme no dia-a-dia e no entendimento entre as pessoas. torna possível chegar ao conhecimento de algo, o que depende do objeto da pesquisa, do
Sob seu horizonte, as pessoas se aproximam e se distanciam; aceitam-se ou não se aceitam; problema ao qual se propõe resolver e do objetivo da pesquisa.
auxiliam-se ou não se auxiliam; são amigos, são indiferentes ou são mesmo inimigos. No Ora, o objetivo de toda ciência é o conhecimento, porém, para se possuir
mundo da vida, os sentimentos e emoções têm espaço e pertinência. conhecimento, particularmente científico, é preciso deter algum tipo de justificação para
Quando o mundo da vida é marcado por circunstâncias sociais de desigualdade, a ação sustentar o que acreditamos, e o tipo de justificação nem sempre é o mesmo. Assim sendo, o
comunicativa encontra resistências para alcançar o consenso desejado. Nesse caso, mundo da conhecimento nas ciências, segundo (KUHN, 1989), é a “crença” verdadeira e justificada, de
vida e a ação comunicativa mantêm estreitas relações entre si. tal modo que o conhecimento encontra-se correlacionado com a “verdade”.
Na passagem do direito natural para o direito positivo, o Estado assumiu o papel de A ciência hoje, não é considerada algo pronto, acabado ou definitivo. Não é a posse de
regulador e mantenedor da ordem jurídica. A norma torna-se um fato e sua validade uma “verdades absolutas e imutáveis”, mas sim a busca constante de explicações e soluções e de
questão do Estado, como forma de garantir a organização social e a liberdade individual e revisão de seus resultados.
coletiva. Neste sentido para ser aceita como paradigma, uma teoria deve parecer melhor que
Na sociedade democrática, com a liberdade de imprensa, escrita, falada e televisada, à suas competidoras, mas não precisa explicar todos os fatos com os quais pode ser
facticidade da norma acresceu-se não só a validade oficial, mas também a validade emergente confrontada. O novo paradigma implica uma definição nova e mais rígida do campo de
da ação comunicativa. Os cidadãos, ao se tornarem esclarecidos e críticos, podem rever estudos.
normas, entendê-las de maneira diferente bem como criar outras, desde que sejam A título de exemplo, podemos citar o fato de, recentemente, termos sido surpreendidos
transformadas em consensos junto da maioria social. com a notícia de que astrônomos, de todo o mundo, haviam se reunido e decidido que o
Enfim, (HABERMAS, 2003) propõe novas alternativas para problemas antigos da planeta Plutão havia deixado de ser um planeta, ficando assim, o sistema solar com apenas 8
teoria da sociedade. A razão prática é substituída pela razão comunicativa; a ação (oito) planetas. Ou seja, o que acreditávamos como se tratando de uma “verdade” na área da
comunicativa faz a razão prática se expressar; e o direito natural, já convertido em positivo e Astronomia, devido a novas pesquisas, após tanto tempo, novos critérios foram definidos e
administrado pelo Estado, mantém-se como facticidade normativa, mas à procura da validade estabelecidos e, sem demérito para o que se pensava anteriormente, uma nova “verdade” foi
social conferida pela permeabilidade da sociedade democrática. estabelecida nesta área de conhecimento.
Contudo por não ser natural, ou seja, por ser uma construção social, o direito positivo, Assim, sendo na Lingüística e no Direito ciências não prontas, não definitivas e nem
com sua facticidade normativa, na sociedade democrática carece da validação social, para acabadas, mas sim, ciências em constante evolução, a cada atividade de análise surgem novas
exercer na plenitude seu papel de integrador social. propostas, novos olhares, novos paradigmas.
A possibilidade de entendimento que Habermas alcança com a ação comunicativa e E é neste sentido que fizemos a leitura do nosso corpus de pesquisa, segundo os
com a validade social versus a facticidade das normas, não são horizontes claros, pois a critérios teóricos por nós adotados, ou seja, a partir do conceito de categorias de textos que
comunicação, embora de natureza argumentativa, nem sempre se estriba em proposições possuem uma função social e fazem parte da esfera da atividade humana forense criminal; e,
assertivas. E mais que isso, na maioria das vezes, não é o conteúdo das proposições que leva baseando-nos em nossa carta magna Constituição Federal de 1988, na lei penal e processual
ao entendimento, mas sim a intenção de busca de entendimento. penal, em relação ao produtor do texto, a quem o texto se dirige e à função básica comum de
Em outros termos, a intenção de entendimento precede ao conteúdo proposicional, cada texto, encontramos 130 (cento e trinta) gêneros de textuais que pertencem à comunidade
contido nos argumentos utilizados na ação comunicativa. Pai e filho, independente do discursiva forense criminal que, por questão de delimitação, apenas as relataremos abaixo:
problema existente e que os perturba, procuram se entender, porque o entendimento vital é 1) Noticia- crime; 2) boletim de ocorrência; 3) Qualificação; 4) Auto de prisão em
vital para a relação familiar que procuram mantêm. flagrante; 5)Nota de culpa; 6) Despacho de deferimento de pedido de fiança; 7) Termo de

2035 2036

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
fiança; 8) Despacho que determina ordem de serviço; 9) Ordem de serviço; 10) Relatório de Num primeiro momento, o juiz faz uma exposição do histórico do processo, um
ordem de serviço; 11) Portaria; 12) Auto de busca pessoal; 13) Auto de busca e apreensão; resumo. Neste momento o juiz já mostra indícios de quais peças processuais – gêneros
14) Termo de representação; 15) Termo de representação, ofendida menor; 16) Termo de forenses criminais - que o levaram a tomar sua decisão, já demonstra quais provas
representação apresentado ao promotor de justiça; 17) Termo de representação apresentado apresentadas lhe pareceram pertinentes, verdadeiras, melhor redigidas, com argumentos
para o juiz de direito; 18) Termo de representação, ofendida menor ao juiz de direito por seu lógico-racionais bem encadeados e elaborados no sentido de convencê-lo. Neste momento
representante legal; 19) Termo de representação, ofendida menor ao promotor de justiça por observamos que a comparação da pretensão deduzida com a norma que constitui o direito
seu representante legal; 20) Termo de representação, por escrito, por advogado com poderes objetivo se transforma numa arena na qual nem sempre o direito objetivo se realiza via
que lhe foram outorgados pela ofendida ou, se for o caso de menor, por seu representante processo, uma vez que, como já mencionamos “os fatos serão tantos quantas forem suas
legal; 21) Requisição de Instauração de Inquérito Policial, pelo promotor; 22) Requisição de narrativas e descrições”.
Instauração de Inquérito Policial, pelo juiz de direito; 23) Procuração; 24) Assentada; 25) O texto melhor elaborado e melhor redigido por profissionais experts se faz presente,
Relatório; 26) Distribuição; 27) Despacho de expediente; 28) Despacho, decisões talvez daí o fato de ‘pobres mortais’, pessoas que possuem baixo poder aquisitivo,
interlocutórias; 29) Exceção de suspeição e de impedimento; 30) Exceção de suspeição e de acreditarem que “a justiça só é feita para os pobres, ladrões de galinha”.
impedimento, pelas partes; 31) Conclusão dos autos; 32) Resposta do excepto; 33) Liminar Entendemos que, de alguma forma, cada juiz empresta às suas sentenças as marcas de
que rejeita a resposta do excepto; 34) Decisão que reconhece a argüição de suspeição; 35) seu temperamento e as dominantes de sua formação. No entanto, não vemos este fato de
Acórdão; 36) Exceção de incompetência do juízo, pelas partes; 37) Exceção de litispendência; forma pejorativa, ao contrário, acreditamos que aquele que tem autoridade para fazê-lo indica
38) Exceção de coisa julgada; 39) Exceção de ilegitimidade de parte; 40) Autuação; 41) com excelências supremas do julgado a concisão que não argua pobreza ou dê ao estilo
Termo de recebimento dos autos, pelo ministério público; 41) Termo de arquivamento dos ‘supremas do estilo do julgado’ a concisão que não abastarde em vulgaridade, a clareza. O
autos do inquérito policial, pelo ministério público; 42) Pedido de arquivamento do inquérito que podemos exigir do juiz, como já relatamos, é que dê os fundamentos da sua convicção.
policial, pelo ministério público; 43) Remessa dos autos à procuradoria geral da justiça; 44)
Denúncia; 45) Intimação para comparecer em juízo; 46) Citação; 47) Intimação de decisão do 4. Considerações finais.
juiz; 48) Rejeição da denúncia; 49) Despacho recebendo a denúncia; 50) Termo de audiência
de interrogatório do réu; 51) Pregão; 52) Assentada em juízo; 53) Defesa prévia; 54) Termo Partindo do pressuposto de que os gêneros se caracterizam por exercer uma função
de audiência de inquirição das testemunhas; 55) Abertura de vista; 56) Pedido de vista; 57) sócio-comunicativa que podem revelar atividades profissionais específicas, admitimos que os
Termo de vista; 58) Alegações finais; 59) Sentença penal; 60) Absolvisão sumária; 61) gêneros textuais produzidos por profissionais que atuam na esfera forense, que denominamos,
Desclassificação; 62) Impronúncia; 63) Pronúncia; 64) Conclusão ao juiz presidente do de acordo com o postulado por Swales (1990), de ‘comunidade discursiva forense’, possuem
tribunal do júri; 65) Libelo crime acusatório; 66) Contrariedade do libelo crime acusatório; funções rígidas, organização textual própria, estrutura composicional que os diferem
67) Julgamento pelo tribunal do júri; 68) Queixa crime; 69) Audiência de reconciliação; 70) facilmente dos textos redigidos por profissionais de outras áreas, estilo altamente formal, um
Exceção da verdade; 71) Contestação da exceção da verdade; 72) Pedido de perdão; 73) variado leque de léxico próprio que é dificilmente compreendido por senão por seus pares,
Aceitação do pedido de perdão; 74) Oferta de perdão ao querelado; 75) Reconvenção; 76) dentre outros, acreditamos ter confirmado nossa hipótese e alcançado o nosso objetivo de
Queixa crime, ação subsidiária da pública; 77) Remessa dos autos; 78) Recurso em sentido fazer um levantamento e breve caracterização destes gêneros textuais que consideramos
estrito; 79) Apelação; 80) Contra razões de apelação; 81) Hábeas Corpus; 82) Hábeas Corpus próprios desta comunidade discursiva.
Preventivo; 83) Protesto por novo júri; 84) Revisão criminal; 85) Embargos divergentes e Na área da Lingüística Textual, afirmar que é possível encontrar mais de cem
infringentes; 86) Embargos de declaração; 87) Embargos de divergência; 88) Carta categorias de texto distintas entre si, ora devido ao seu produtor, ora devido às suas condições
testemunhável; 89) Recurso especial; 90) Agravo; 91) Recurso ordinário constitucional; 92) de produção, ora devido as suas conseqüências jurídicas futuras, não é tarefa fácil.
Recurso extraordinário; 93) Correição parcial; 94) Embargos infringentes ou de nulidade; 95) Acreditamos que esta definição e caracterização só é possível baseada numa teoria de
Suspensão Condicional da Pena (SURSIS); 96) Requisição; 97) Traslado; 98) Atestado de tipologização de textos que estabeleça critérios bem definidos para a sua realização. Neste
antecedentes; 99) Ofício; 100) Pedido de habilitação de assistente; 101) Rol de testemunhas; sentido, acreditamos que a proposta de Travaglia (2003a) “Dos Tipelementos” nos forneceu os
102) Recibo ao testemunhante; 103) Autenticação; 104) Graça; 105) Indulto; 106) Termo de critérios adequados para a realização do trabalho.
acareação; 107) Pedido de liberdade provisória; 108) Alvará de soltura; 109) Carta precatória; Quanto ao nosso objetivo de fazer um estudo mais detalhado da ‘sentença judicial’ e
110) Edital; 111) Ofício de mandado de prisão; 112) Ofício ao diário oficial para publicação dos gêneros que a influenciam e que, portanto, merecem maior atenção por parte dos
de edital; 113) Termo de apensação; 114) Termo de compromisso aos peritos; 115) Petição operadores do Direito, entendemos que em relação à estrutura composicional da ‘sentença
interlocutória; 116) termo de recebimento; 117) termo de recurso; 118) Parecer do ministério judicial’ foi possível percebermos que, embora tenhamos analisado sentenças do mesmo juiz,
público; 119) Argüição de conflito de competência; 120) Decreto de revelia; 121) Decreto cada julgado recebe por parte do juiz tratamento diferenciado e único, afinal trata-se de fatos
deferindo pedido de devolução do valor da fiança – réu absolvido; 122) Termo de ocorrência sociais diferentes, e que, embora o juiz tenha que atender o dispositivo no art. 381 do CPP em
e deliberação; 123) Relatório médico; 124) Exame de corpo delito; 125) Laudo de exame relação ao que deve conter a sentença, o juiz prima pela fundamentação de sua sentença.
cadavérico; 126) termo de compromisso de perito ad-hoc; 127) Laudo de exame de veículo; Nesta parte do texto, o juiz argumenta consigo mesmo, se convence, trava uma batalha interna
128) Declaração; 129) Atestado; 130) Certidão. com intuito de promover a justiça.
Quanto à sentença proferida pelo juiz, as sentenças por nós estudadas apresentam as Procuramos fazer uma análise da ‘sentença judicial’ enquanto ‘acontecimento’ como a
seguintes características formais escritas. exterioridade que não está fora e que representa o lugar de ruptura com os sentidos

2037 2038

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
estabelecidos, e também como ‘estrutura’, o sujeito, a ideologia e o próprio discurso, como CAMERON, D. et al. Researching languague: uisssues of power and method. London:
sistemas cujas fronteiras não são fechadas e cujo princípio de organização não está no centro. Routledge, 1992.
Ora, o texto redigido pelo juiz no gênero ‘sentença judicial’ já no inicio, quando faz o HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução:
breve relatório dos fatos que lhe foram trazidos, já demonstra como será o seu julgado. As SIEBENEICHLER, F. B. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
escolhas lingüísticas feitas pelo juiz possuem papel fundamental no texto, o que corrobora _____. El discurso filosófico de la modernidad. Tradução: REDONDO, M. J. Madrid: Altea,
nossa hipótese de não haver texto neutro, imparcial nem inocente. Dessa forma, o juiz não Taurus, Alfaguara S. A. 1989.
está no centro de si mesmo e tampouco é a fonte do sentido; e o lugar onde está não tem _____. Conciência moral e agir comunicativo. Tradução: SIEBENEICHLER, F. B. Rio de
centro, mas é uma estrutura. Janeiro: Tempo Brasileiro,1983.
As técnicas argumentativas implícitas na estrutura textual podem construir verdades KUHN, T. S. A Estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva S.A. 1975.
que nem sempre visam o auditório universal, por se tratarem de ‘verdades’ ‘construtos’ SWALES, J. English in academic and research settings. Cambridge: Cambridge University
localizadas no tempo e no espaço, são ‘verdades’ baseadas naqueles ‘fatos’ específicos e que Press, 1990.
portanto estão voltadas para um auditório particular. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Tipologias textuais literárias e lingüísticas. In: Abordagens
Percebemos que para proferir a sentença judicial, o juiz se baseia na comparação, transdisciplinares de língua e literatura”, Revista Scripta. MG: PUC/MG. 2003b
principalmente, daqueles gêneros que lhe trazem as várias versões do fato, buscando assim _____. Tipelementos e a construção de uma teoria tipológica geral de textos. In: Língua
um meio que o conduz para sua decisão. Portuguesa e Ensino. (Org.) FÁVERO, Leonor Lopez; BASTOS, Neusa M. de Oliveira B., et
Neste sentido, entendemos que nossa hipótese de que alguns gêneros exercem maior al. São Paulo: Cortez/EDUC, 2003a
influência para a sentença judicial se confirma. Esses gêneros são aqueles cuja função sócio- _____. Gêneros de texto definidos por atos de fala. In: ZANDWAIS, Ana (org.) Relações
comunicativa é a de trazer a versão das partes para o fato, tornando o fato em tantos fatos entre pragmática e enunciação. Porto Alegre: Sagra Luzatto, 2002b. Pp. 129 – 153.
quantas forem suas narrativas, descrições e argumentos nelas apresentadas. Ganha o melhor _____, Tipos gêneros e subtipos textuais e o ensino de língua materna. In: BASTOS, Neuza
argumento, o mais articulado, o mais convincente, o que menos dúvida deixa sobre a sua Barbosa (org.) Língua Portuguesa: uma visão em mosaico. São Paulo: TIP – PUC – SP/
veracidade. EDUC, 2002a. Pp. 201 – 214.
Assim, quanto ao nosso objetivo específico de fazer uma caracterização mais _____. Da Distinção entre tipos, gêneros e subtipos de textos. In: Estudos Lingüísticos XXX.
detalhada do gênero textual ‘sentença’ na tentativa de encontrar os gêneros ‘outros’ que a Art. 200. Marília: SP/ Fundação de Ensino Eurípedes Soares da Rocha, 2001, artigo 200.
afetam, reconhecemos que este estudo só é possível com o estudo sobre as teorias da (Revista em CD-ROM). 2001. Pp. 01-06.
argumentação, dos atos de fala e da ação comunicativa que entendemos estão de alguma _____. Um estudo textual-discursivo do verbo no Português do Brasil. Tese de Doutorado.
forma relacionadas. UNICAMP/ILEL Campinas, 1991. Pp. 46 – 306.
Não temos a intenção de mudar o panorama da Lingüística Textual no que se refere a
um de seus objetivos que é o de definir e classificar os diferentes tipos de textos encontrados
na sociedade atual. Mas, baseado no aparato teórico que adotamos e no estudo aqui
apresentado, gostaríamos de poder somar, no sentido de contribuir para a construção de uma
teoria tipológica geral de textos. Pesquisa, que devido à sua dimensão e grandeza, requer
muito mais.
Esperamos ter conseguido mostrar como o estudo das categorias de textos redigidos
por membros da ‘comunidade discursiva forense’ pode servir como meio para uma
abordagem mais ampla destes e, ao mesmo tempo, servir como uma sugestão na classificação
e tipologização de textos.

Referências

AUSTIN, J. L. How to do things with words. London/Oxford/ New York, 1962.


_____, Quando Dizer é fazer: palavras e ação. Tradução: SOUZA FILHO, D. M. de.
Apresentação: A filosofia da Linguagem, 1990, p.9. Porto Alegre, Artes Médicas, 1990.
BAKHTIN, Michail. Estética da criação verbal. Trad. PEREIRA, M. E. G. G. São Paulo:
Martins Fontes, 1997. Pp. 275-326.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
1988.
_____. Código Penal (1940), Legislação brasileira. Org. dos textos, notas remissivas e
índices por OLIVEIRA, j de. São Paulo: Saraiva, 1992.
_____. Código de Processo Penal (1940), Legislação brasileira. Org. dos textos, notas
remissivas e índices por OLIVEIRA, j de. São Paulo: Saraiva, 1992.

2039 2040

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
O JURIDIQUÊS E A LINGUAGEM JURÍDICA: ser feito por qualquer pessoa, entre outras realidades virtuais que estão se inserindo
no mundo jurídico. É bem verdade que o processo de inserção dessas “novidades” é
O CERTO E O ERRADO NO DISCURSO
lento, entretanto é real e tangível.

Valdeciliana da Silva Ramos Andrade1


A única área que resiste a essas mudanças é a do Direito, mas muito pior que
resistir é cometer o desvio, o exagero. É exatamente isso que é o juridiquês – um
O Direito, como qualquer outro ciência – matemática, biologia, economia, medicina,
desvio da linguagem jurídica. Isso se dá de duas formas, a saber: o preciosismo
informática, etc –, tem uma linguagem técnica que lhe é peculiar, a qual deverá será
empregado na linguagem jurídica e os problemas que rondam a construção textual
empregada sempre que for preciso. Contudo, o problema do juridiquês não se refere
na área do direito.
ao uso comedido e necessário de termos técnicos.

Infelizmente, cumpre destacar que a prática do juridiquês não é restrita somente a


1 O JURIDIQUÊS NAS PALAVRAS E NAS EXPRESSÕES
magistrados, como acreditam algumas pessoas, mas também é uma prática de
muitos advogados, procuradores, promotores, enfim de muitos profissionais do
Antes de tratarmos acerca do que seja “preciosismo” no âmbito jurídico, é
Direito.
importante, antes, prestar um esclarecimento. Juridiquês não é tecnicismo, como já
dissemos, muitas vezes, o emprego de termos técnicos será necessário, mas nada
É claro que o profissional do Direito não pode se esquecer nunca da função social
impede que o profissional esclarecido utilize recursos para esclarecer tal linguagem
da linguagem nesta área, pois muito mais do que produzir uma peça o profissional
técnica. Preciosismo é um desvio que contempla o uso descomedido de latinismo,
deve ter em foco o outro o qual é destinatário de sua mensagem deseja saber que
de termos ou expressões arcaicas ou mesmo rebuscadas e de neologismos. Tais
direitos estão sendo defendidos ou violados. Assim, o operador do Direito precisará
recursos impedem a compreensão adequada do está sendo proferido, deste modo o
dosar o seu texto, de forma que a linguagem técnica não deverá sacrificar nunca a
processo de comunicação fica prejudicado. Parece que há um prazer em se eleger
clareza do que está sendo dito. Não é um campo fácil, mas é algo que se pode
um léxico que não seja acessível ao cidadão comum.
realizar.

Infelizmente, há profissionais do âmbito jurídico que acreditam que escrever bem é


Voltando ao juridiquês, este não surgiu por causa da linguagem técnica, mas, sim,
escrever difícil – ISSO NÃO É VERDADE! Um bom texto não é medido pela
por causa do excesso de formalismo na área jurídica, que é visto até hoje nos
quantidade de palavras latinas, arcaicas ou rebuscadas que se utiliza. Além disso,
pronomes de tratamento, mesmo fora do âmbito forense entre os pares, nos trajes,
parece que o uso de um vernáculo mais elitizado demonstra cultura – ledo engano,
na burocracia que envolve o processo, nas formas de acesso à justiça.
isso hoje é burrice!

Convém esclarecer somente que vivemos em um mundo globalizado, onde o tempo


Apenas para perceber como isso ocorre, vejamos alguns exemplos desse desvio
da informação é instantâneo – tudo ocorre no tempo real. Já existe o processo on-
que está exposto em um site (http://www.paginalegal.com/categoria/juridiques). Para
line, as decisões estão disponíveis em rede, o acompanhamento processual pode
designar “petição inicial” (peça que se inicia uma ação – petição ! pedir), como é

1
Doutora em Língua Portuguesa pela UERJ, mestre em Linguística e Filologia pela UNESP,
professora de Linguagem Jurídica da Faculdade de Direito de Vitória – FDV.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
previsto pelo art. 282 do Código de Processo Civil, foram encontradas 23 • Caderno indiciário: inquérito policial
ocorrências, como vemos: • Cártula chéquica: folha de cheque
• Consorte virago: esposa
• peça atrial • Digesto obreiro: Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
• peça autoral • Ergástulo público: cadeia
• peça de arranque • Exordial increpatória: denúncia (peça inicial do processo criminal)
• peça de ingresso • Repositório adjetivo: Código de Processo, seja Civil ou Penal
• peça de intróito
• peça dilucular Os problemas do juridiquês não residem apenas nisso, visto que essa ânsia de
• peça exordial trazer para língua portuguesa um status de erudição em nome da “clareza jurídica”,
• peça gênese pois os que defendem tal tese asseguram que os termos técnicos não dão margem
• peça inaugural à ambigüidade (quem assegura isso é está extremamente equivocado). Muitas
• peça incoativa vezes, os profissionais criam códigos que são só conhecidos por eles, inclusive as
• peça introdutória abreviações são, quase sempre, incógnitas. Isso pode ser visto em
• peça ovo
• peça preambular [...] que o d. Juízo de V.Exa. omitiu-se acerca do que deveria se pronunciar, d.m.v.,
como se sustenta nas razões que se seguem:[...]
• peça prefacial
• peça preludial O que será “d. Juízo de V.Exa”? Será que é uma homenagem à inteligência do juiz?
• peça primeva Como disse Shakespeare – “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha
• peça primígena nossa vã filosofia”. Ademais, ninguém sabe informar, de fato, o que seja “D.M.V.”.
• peça prodrômica Por curiosidade, apenas para verificar, indaguei o que seria a possível sigla para
• peça proemial alguns juízes – nem eles mesmos sabem. Quem dirá então o cidadão comum. Isso
• peça prologal não é linguagem jurídica, mas é pura e simplesmente ERRO de língua portuguesa.
• peça pórtico
• peça umbilical No tocante a isso, o ministro Edson Vidigal, do Superior Tribunal de Justiça,
• peça vestibular
[...] compara o “juridiquês” ao latim em missa, acobertando um mistério que amplia
a distância entre a fé e o religioso; do mesmo modo, entre o cidadão e a lei. Ou
Não raro, o que se vê aqui são neologismos, os quais se constituem em erros seja, o uso da linguagem rebuscada, incompreensível para a maioria, seria também
uma maneira de demonstração de poder e de manutenção do monopólio do
crassos em se tratando de língua portuguesa. Sejamos técnicos, por que não utilizar conhecimento. (apud ALVARENGA, 2005)
“petição inicial”, mas não é só isso. Há mais.
Isso é presente não só em termos ou expressões do âmbito jurídico, está permeado
• Alvazir de piso: o juiz de primeira instância em construções marcadas pela falta de clareza, como se vê nos exemplos2 a seguir:
• Aresto doméstico: alguma jurisprudência do tribunal local
• Autarquia ancilar: Instituto Nacional de Previdência Social (INSS) 2
Exemplos disponíveis em: < www.gazetadotriangulo.com.br>. Acesso em: 16 fev. 2008.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
V. Exª., data máxima venia não adentrou às entranhas meritórias doutrinárias e Ainda é muito comum vermos termos ou expressões em latim no Direito, isso ocorre
jurisprudenciais acopladas na inicial, que caracterizam, hialinamente, o dano
sofrido. em virtude de alguns tentarem demonstrar que sabem latim. Aqui convém um
Com espia no referido precedente, plenamente afincado, de modo consuetudinário, pequeno esclarecimento – praticamente a maioria dos que empregam
por entendimento turmário iterativo e remansoso, e com amplo supedâneo na Carta
Política, que não preceitua garantia ao contencioso nem absoluta nem ilimitada,
constantemente latinismos em seus textos não sabem latim de fato. Decoram
padecendo ao revés dos temperamentos constritores limados pela dicção do expressões ou brocardos e passam a utilizá-los indistintamente.
legislador infraconstitucional, resulta de meridiana clareza, tornando despicienda
maior peroração, que o apelo a este Pretório se compadece do imperioso
prequestionamento da matéria alojada na insurgência, tal entendido como
expressamente abordada no Acórdão guerreado, sem o que estéril se mostrará a Apesar disso, é verdade também que a língua portuguesa já incorporou algumas
irresignação, inviabilizada ab ovo por carecer de pressuposto essencial ao
desabrochar da operação cognitiva. expressões latinas, inclusive há dicionários que trazem expressões acentuadas (algo
que não existe na língua latina), como exemplo, temos: habeas corpus – que é uma
Em todas essas ocorrências, não há emprego de linguagem técnica, só há ação judicial com o objetivo de proteger o direito de liberdade de locomoção lesado
juridiquês. Conseguir traduzir o juridiquês é uma arte de muito mau gosto. É melhor ou ameaçado por ato abusivo de autoridade3 –; habeas data (que já traz acento
desprezar construções que não trazem beleza, nem elegância para o texto, apenas habeas no dicionário Houaisss) – é uma ação que assegura o livre acesso de
afastam as pessoas da compreensão de seus direitos. Apenas para perceber, é qualquer cidadão a informações a ele próprio relativas, constantes de registros,
possível fazermos uma “tradução” do que está posto nos parágrafos anteriores. fichários ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público4 –;
Assim, temos: data venia – em língua portuguesa, corresponde a uma locução adverbial, que
remete a uma expressão respeitosa com a qual se inicia uma argumentação,
! 1º exemplo – V. Exª. Não abordou devidamente a doutrina e a jurisprudência contrariando a opinião de outrem, uma possível tradução seria “com a devida
citadas na inicial, que caracterizam, claramente, o dano sofrido. licença” ou “com o devido respeito”5.

! 2º exemplo – Um recurso, para ser recebido pelos tribunais superiores, deve Nota-se que, nesses casos, o emprego da expressão latina é mais sucinta e precisa
abordar matéria explicitamente tocada pela instância inferior ao julgar a causa. Se que o equivalente em língua portuguesa, em virtude disso tais expressões (assim
isto não ocorrer, será pura e simplesmente rejeitado, sem exame do mérito da como outras – “per capita”, “vide”, “vade mecum”, “versus”, “corpus”, “supra”,
questão. “status”, etc) têm sido incorporadas na língua portuguesa. Tal processo de
incorporação de palavras de outras línguas à nossa língua mãe é algo comum.
Parece ser absurdo isso – mas pode ter certeza de que não é!!! Apenas para exemplificar, basta lembrarmo-nos de algumas palavras, tais como:
show, abajur, entre outras.
Outro aspecto do juridiquês é o emprego de latinismos. Neste sentido, cabe uma
explicação. A língua portuguesa, conquanto tenha sua origem no latim, evoluiu Nossa crítica ao latinismo não se refere a este tipo de emprego de palavras ou de
assim como ocorreu com as demais línguas neolatinas. Tal evolução não significa expressões, mas tão somente se refere àquelas que têm um equivalente apropriado
que desprezamos nossas raízes, mas é não é possível utilizar, a todo momento, em língua portuguesa e não é observado. Em geral, o uso descomedido do latim
expressões ou termos que possuem equivalentes em língua portuguesa e são mais visa denotar uma falsa cultura, que, em geral, funciona como elemento de
comunicativos.

3
Definição trazida pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
4
Ibidem.
5
Ibidem.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
distanciamento entre o operador do Direito e o homem comum o qual, muitas vezes, A empresa-ré, possui no Estado do Espírito Santo, 02 (duas) gerências
INDIVIDUALIZADAS [...]. (Contestação, n° 0029.2002.005.17.00-8, grifo nosso)
é uma pessoa culta, com curso superior, entre outros predicativos. Tais absurdos
podem ser vislumbrados nos exemplos seguintes: Este cenário é paradoxal – a pessoa emprega a língua latina com tantos cuidados,
que não é a nossa língua oficial, nem mesmo é falado por comunidades lingüísticas
Ad argumentandum tantum considerando que ao adentrarmos na res in juditio (trata-se, para muitos, de uma língua morta), no entanto é incapaz de empregar
deducta, o contestante nada trouxe de espeque para inviabilizar [...]
corretamente, de acordo com a norma padrão, a língua portuguesa que é o
Na construção acima, as expressões “ad argumentandum tantum” e “res in juditio instrumento diário de interação do profissional da área jurídica no Brasil.
deducta” significam “apenas para argumentar” e “coisa ou questão trazida a juízo”.
São expressões que apenas complicam o processo de compreensão e não trazem Parece que alguns profissionais do Direito se esquecem do que está posto no art.
clareza ao texto, ao contrário somente dão a sensação de que quem lê não sabe 156 do Código de Processo Civil – “Em todos os atos e termos do processo, é
nada. Deste modo, uma possível tradução seria – Apenas para argumentar, obrigatório o uso do vernáculo”. Ora o vernáculo a que se refere o art. 156 é a língua
considerando que, ao adentrarmos na questão trazida a juízo, o contestante (ou réu) portuguesa de acordo com o padrão da norma culta.
não trouxe nada como apoio (arrimo, amparo) para inviabilizar [a ação ...].

Há um aspecto pior, a expressão “res in juditio deducta” não se encontra grafada 2 O JURIDIQUÊS NA PRODUÇÃO TEXTUAL
nos dicionários desta forma, mas como “res in iudicium deducta”. É muito provável
que o autor tenha copiado de algum lugar e foi reproduzindo sem observar a grafia Há que se acrescentar que juridiquês não é só o uso de arcaísmos, palavras
adequada. Ademais, o autor desconhece regras básicas do emprego da vírgula, rebuscadas, neologismos, latinismos e o uso inadequado da língua portuguesa, mas
basta ver a “tradução”. também contribui para a existência do juridiquês a produção textual truncada,
extensa.
A falsa cultura disseminada por aqueles que utilizam o latim como forma de tornar o
texto mais claro e mais culto revela, geralmente, uma falta de conhecimento da Em nome do rigor e do formalismo jurídico, a produção textual jurídica passa muito
língua portuguesa, pois, com freqüência, erram o uso da vírgula e de outros sinais longe dos princípios básicos que regem a boa escrita. Aliás, os textos jurídicos
de pontuação, empregam inadequadamente o gerúndio entre tantos outros erros parecem não só ter parado no tempo, mas ter regredido, pois, além de os textos
comuns.6 O descaso com a língua atinge todos os âmbitos gramaticais serem extensos, são difíceis de serem compreendidos.
(concordância, regência, ortografia, etc)7. Como se vê nos exemplos8 a seguir:

É comum ver textos permeados de citações, sem qualquer relação textual.


Brasileiro, casada de fato, garson, CTPS [...] (RT, n° 0420.2005.013.1700-2, grifo
Esclarecendo melhor, os textos processuais trazem uma espécie de “colagem” de
nosso)
[...] intenta a presente reclamatória, afim de que seja a reclamada compelida [...] diversas citações, não há, em geral, qualquer comentário acerca do que foi citado, o
(RT, n° 01535.2004.005.17.0-9)
[...] pois o que levou a empresa nessa situação foi concorrências acirradas texto trazido é como se fosse uma espécie de apêndice, pois a citação está ali para
supermercados [...]. (Contestação, n° 00736.2003.006.17.0-4, grifo nosso)
“enfeitar” o texto.
6
Para ter mais informações acerca de problemas em textos jurídicos, ver a pesquisa desenvolvida pelo
advogado, especialista em Direitos Humanos, Daniel Roepke Viana, cujo título é “DIREITO E LINGUAGEM: OS
ENTRAVES LINGÜÍSTICOS E SUA REPERCUSSÃO NO TEXTO JURÍDICO PROCESSUAL”.
7
Para se ter mais informações acerca desses problemas, verificar a monografia de Daniel Roepke Viana.
8
Os exemplos foram retirados da monografia de Daniel Roepke Viana.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Este é um dos grandes problemas do texto jurídico – a falta de objetividade. Há um parágrafo. O que vemos ultimamente são parágrafos longos em que as idéias não
equívoco disseminado no meio jurídico de que é preciso falar muito, citar muito para são claras e redundantes, isto é, muitas vezes, os profissionais do Direito não
se ter um bom texto. Isso transgride as normas de conduta de um bom texto, conseguem ser claros em um parágrafo e acabam repetindo o mesmo assunto em
primeiro porque não pelo muito falar que um texto será bom – a qualidade de um outros parágrafos. Isso, não raro, faz com que as pessoas se percam no
texto está no desenvolvimento de habilidades textuais –; segundo porque o fato de emaranhado de informações. Como se vê no fragmento a seguir, o qual retirado de
citar não garante cientificidade, nem qualidade textual. uma petição inicial.

Vivemos uma época em que tempo é algo precioso, portanto não adianta se produzir [...] Cabe ressaltar, como cediço, que o trabalho dignifica o homem, de forma
que a sociedade e o Estado não podem mais ficar assistindo inertes ao
textos extensos, redundantes, pois os mesmos não serão lidos nem mesmo pelos aumento assustador da legião de pessoas que estão sendo aleijadas,
mutiladas e mortas por falta de proteção e segurança no trabalho, face
magistrados. É época de se primar pela economia lingüística, de se primar pela costumeiramente à omissão das empresas em cumprirem com as normas de
segurança e medicina do trabalho e a imprudência de prepostos mal eleitos
clareza, pela objetividade, pela concisão e porque não dizer pela cientificidade. para o exercício de certas funções.

Como dito, a Autora depois de ocorrido o fato, tem dificuldade até mesmo
A grande questão é como conseguir esses atributos para um texto. Para conseguir para andar, o que somente consegue realizar com o auxílio de muletas, fato
este que se soma as enormes dores físicas que vem sentindo desde então e
isso, é preciso que o profissional do Direito se esforce para melhorar sua produção que somente são amenizadas com os remédios que se vê obrigada a
adquirir.
textual jurídica. É importante, então, que se desfaçam os conceitos preconcebidos, a
Desta forma, mister se faz uma indenização à Autora como forma de
fim de se obter melhor qualidade do que será produzido. reparação a dor íntima, tanto física como psicológica e, ao fato de conviver
com limitações que outrora não possuía, fazendo-se assim mais do que justa
a indenização também por danos morais.
O texto deve ter apenas o essencial, falar o que deve ser dito, argumentar com
No caso em tela a culpa da ré é evidente, já que foi negligente em não
coerência e precisão, averiguar o veículo adequado da comunicação e vislumbrar o cumprir com as normas de trânsito, medicina e segurança do trabalho e por
empregar como motorista indivíduo que se mostrou imprudente ao imprimir
destinatário, sabendo que, muitas vezes, este nem sempre coincide com ao ônibus velocidade incompatível com o local (culpa in eligendo), fazendo
com que o corpo da Autora fosse arremessado de encontro a lataria interna
interpretante real. O desafio está posto. do ônibus no qual eram transportados, tendo como conseqüência os citados
danos a sua perna.

Assim, passemos a alguns aspectos que merecem destaque. Ao falarmos em Assim, o prejuízo moral sofrido pela Autora está amplamente comprovado,
pois a sua paz, tranqüilidade de espírito, saúde física, honra e moral foram
economia lingüística, falamos em objetividade, quanto a isso devemos seguir uma violentamente abaladas.

máxima de Winston Churchil – “Das palavras, as mais simples: das mais simples, a Além disso, se deve ter em mente que a Autora é mulher, divorciada,
possuindo atualmente apenas 37 (trinta e sete anos) de idade, tendo tais
menor”. Isso significa que devemos primar sempre por palavras que trazem maior danos prejudicado sua estética, posto que como dito somente se locomove
clareza para o texto e, sempre que possível, pelas que são de menor tamanho. Tais com o auxílio de muletas, trazendo assim danos à sua beleza exterior que
outrora não possuía.
dicas são importantes, pois elas determinam a escolha do léxico a ser utilizado no
Ao sofrer tais danos torna-se a Autora merecedora de uma reparação através
texto, que pode contribuir ou não para a compreensão textual. Infelizmente, o que de um valor compensatório e satisfatório para que possa abrandar a dor
moral suportada, podendo estes, como sabido, se cumularem aos danos
encontramos hoje no discurso jurídico são palavras empoladas que não trazem luz materiais acima descritos, de acordo com a súmula 37 do Superior Tribunal
de Justiça que assim determina [...]
ao que se está dizendo.

Além dos problemas de língua portuguesa (uso da vírgula, gerundismo,


Outro aspecto importante no processo textual é a clareza, a objetividade e a
concordância, etc.), há problemas sérios de coerência que, muitas vezes, é causado
concisão. Tais elementos conduzem-nos a uma estruturação adequada do

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
por causa da repetição de idéias ou mesmo do uso inadequado do pronome relativo, " Só pode haver o reforço da tese que perpassa o texto e não de um
como se tem em: “somente se locomove com o auxílio de muletas, trazendo assim argumento específico que pode cansar. Tal reforço é a retomada da idéia
danos à sua beleza exterior que outrora não possuía”. central que está sendo defendida.
" Falar apenas o necessário – nada mais.
A repetição é tão notória que, em 7 parágrafos, há 4 expressões que remetem ao " Evite o excesso de predicativos.
que já foi mencionado. Na verdade, a falta de objetividade faz com que o produtor do " Evite as generalizações, mas não se prenda excessivamente aos detalhes de
texto fale a mesma coisa até perder o rumo do texto, pois, em geral, começa a forma que o leitor possa perder o foco do que está sendo dito.
empregar argumentos que não são muito plausíveis – a autora é mulher e possui 37 " Observe as normas gramaticais – isso pode depor contra a pessoa.
anos – o que isso significa exatamente? O autor não deixa claro. " Nunca utilize o juridiquês!!!

Parece que, quando faltam argumentos e quando falta clareza acerca do que será Verificados esses aspectos, cabe ressaltar apenas mais um – a cientificidade. O uso
dito, o profissional do Direito passa a andar em círculos em seu próprio texto – na indiscriminado de citações só produz textos longos que nunca são lidos por
verdade, quando falta argumentação, sobra “enrolação”. ninguém, nem mesmo por quem produz, visto que, invariavelmente, a pessoa “copia
e cola” o texto citado de algum lugar. O emprego de citações deve ser
Em oposição a esta cultura do juridiquês, falar, falar e não dizer nada, é importante extremamente comedido, USE APENAS O ESSENCIAL para fundamentar a tese.
que exista uma atenção especial à produção dos parágrafos. Neste sentido,
apresentamos a seguir alguns princípios que devem ser observados, a saber: Além disso, deve ser referenciado adequadamente, quando se tratar de texto
processual ou de texto que não tenha referência bibliográfica, em nota de rodapé.
" Todo parágrafo deve ter apenas uma idéia básica que deve ser expressa em Se se tratar de outros tipos de texto jurídico em que é possível haver, no final,
uma frase. referências, é facultativo o tipo de chamada, isto é, a chamada da citação pode ser
" A frase que contém a idéia básica (tópico frasal) deve ser grafada no início do autor-data (FULANO DE TAL, ano, p.11) ou pode ser numérica (nota de rodapé).
parágrafo (topicalização), pois, se alguém ler o texto superficialmente, lerá a Isso é importante para denotar que houve uma preocupação científica por parte de
primeira frase de cada parágrafo. Neste caso, o autor do texto já cumprido quem produziu o texto.
com seu objetivo (ao menos em parte) comunicacional.
" O parágrafo não deve ser longo – máximo entre 8 a 10 linhas. Não mais que Há ainda que se informar que não é só pôr a citação, fazer referência, é preciso
isso. muito mais. É preciso que tal citação seja fundamental e que ela seja explorada por
" Os parágrafos devem promover uma continuidade textual – quando o leitor quem está argumentando, deste modo reforça a tese à luz de outros textos que
terminar de ler o texto, deve conseguir percorrer mentalmente os argumentos conferem credibilidade que se está defendendo.
elencados pelo autor.
" Os parágrafos devem ser encadeados adequadamente – empregar as Tais dicas não são regras infalíveis para abolir o juridiquês, mas são um bom
relações textuais necessárias para promover a progressão textual e, desta caminho para que tenhamos um texto mais limpo, claro, conciso e coerente.
forma, a continuidade do que se está tratando no texto.
Por fim, usar a linguagem técnica não é nem pode ser pressuposto para o emprego
do juridiquês. É possível usar a linguagem técnica jurídica e ser claro e objetivo.

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/

Direito & Justiça : http://dx.doi.org/10.15448/1984-7718.2015.2.21432


v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015
Basta que se prime por empregar uma linguagem culta, num texto com parágrafos
concisos e bem estruturados, nos quais a idéia básica esteja evidente. Além disso,
sempre que for necessário, o autor do texto pode recorrer ao aposto (expressões ou A medida acautelatória de indisponibilidade de bens
frases explicativas) para explicar acerca do trata determinado termo ou expressão. particulares dos sócios, administradores e conselheiros
na sociedade anônima aberta
Na verdade, o emprego do juridiquês é uma forma de afastar o cidadão da
The precautionary measure for the unavailability of the assets of the controlling
comunicação de seus direitos e de seus deveres, este recurso visa tornar o
shareholders, directors and advisers of the Publicly-Held Company
processo mais moroso e, em conseqüência, a justiça mais lenta. Decididamente,
empregar juridiquês é estar na contra mão da história e é ir de encontro com a Jorge Luiz Lopes do Cantoa

evolução real e natural da língua. Por isso, ABAIXO O JURIDIQUÊS e VIVA A


LINGUAGEM JURÍDICA, clara, correta e concisa!
RESUMO
O presente estudo visa perscrutar os pressupostos processuais para concessão da cautela preparatória de
indisponibilidade de bens particulares dos sócios controladores, administradores e dos conselheiros de
sociedade anônima aberta, bem como os efeitos jurídicos daí decorrentes, à luz da doutrina e jurisprudência.
Palavras-chave: Cautelar Preparatória. Indisponibilidade de bens. Sociedade Anônima. Capital Aberto. Sócios. Controlador.
Administrador. Conselheiro.

ABSTRACT
This research aims to examine the procedural prerequisites for granting the preparatory precautionary measure
of the unavailability of the assets of the controlling shareholders, directors and advisers of the Publicly-Held
Company, as well as the legal consequences arising therefrom, within the doctrine and jurisprudence spectrum.
Keywords: Preparatory Precautionary Measure. Unavailability of Assets. Joint-Stock Company. Publicly-Held Company.
Shareholders. Controlling Shareholder. Director. Advisers.

INTRODUÇÃO na sociedade anônima de capital aberto, a fim de


possibilitar eventual responsabilidade pessoal destas.
O presente estudo se trata de breve escorço sobre Por sua vez, a responsabilização pessoal desses atores
a repercussão jurídica da indisponibilidade de bens da companhia aberta tem por finalidade assegurar aos
no patrimônio particular daquelas pessoas que detêm, demais sócios e a terceiros a obtenção de eventual
em algum grau, a responsabilidade de gerir, bem ressarcimento decorrente da má fé e culpa lato sensu
administrar e fiscalizar uma sociedade anônima de (dolo e culpa).
capital aberto. O estudo precitado começou a ser desenvolvido
A sociedade anônima de capital aberto é um nos idos de 1996, quando da discussão e elaboração
ícone do sistema capitalista, no sentido que se trata da atual lei de falência e recuperação de empresas,
da personificação de direitos, interesses jurídicos passando a existir regulação específica a esse respeito
e patrimônio autônomo distinto da personalidade por ocasião da edição deste diploma (art. 83, § 2º, da
daqueles que, individualmente, tem poder decisório de Lei nº 11.101/2005). Entretanto, o primeiro texto legal
administrar a mesma, em prol da concretização de seu que regulamenta de forma expressa esta possibilidade
objeto estatutário. jurídica no país é o fiscal, mediante o art. 4º, § 1º, da
A medida processual preparatória visa garantir Lei nº 8.397/92, de acordo com a redação dada pela
a solvabilidade de determinadas pessoas que atuam Lei nº 9.532/97.

a
Desembargador do TJRS. E-mail: <[email protected]>.
Exceto onde especificado diferentemente, a matéria publicada neste periódico é licenciada
sob forma de uma licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Paula Paes Martins Souza - 03833817542

Paula Paes Martins Souza - 03833817542


196 Canto, J. L. L. A medida acautelatória de indisponibilidade de bens particulares ... 197

Cabe mencionar que na década de 90 já havia Neste caso, em face da dispersão dos tomadores se é adotada a teoria da responsabilidade subjetiva ou sobre os atos e negócios jurídicos da sociedade anônima
decisões na seara falimentar a esse respeito, com base de valores mobiliários emitidos pela companhia, que objetiva, pois, sob o ponto de vista que se analisar, há aberta.
no poder geral de cautela do juiz da falência (art. se presume incapazes de formar uma comunidade apta necessidade de averiguar se houve a prática de ilicitude, A partir de tal premissa, conclui-se que não se
14, VI, da Lei nº 7.661/45, atual 99, inc. VII, da Lei a defender eficazmente seus interesses perante aquela, de má-gestão ou de atos contrários ao estatuto social. sujeita ao bloqueio de seu patrimônio o mero sócio
nº 11.101/2005). seus controladores e administradores, a lei estabelece Portanto, a medida acautelatória de indisponi- capitalista que não disponha dos poderes precitados,
O primeiro ponto a ser abordado no presente um regime especial de tutela do Poder Público em bilidade de bens particulares do sócio, administrador estando restrita a sua participação ao capital investido
trabalho diz respeito à sociedade anônima de capital favor dessa coletividade de acionistas, debenturistas e ou mesmo conselheiro decorre do exame prévio e a perceber os frutos civis daí decorrentes.
aberto, esta, em apertada síntese, é aquela que admite demais portadores de títulos acionários. da responsabilidade destes pela prática dos atos Igualmente, também não se submete a este tipo
a captação de recursos mediante negociação de ações precitados, que importem em prejuízo da companhia de medida o conselheiro que não participa relações
no mercado mobiliário, ou seja, bolsa de valores ou Se a sociedade logra ou não colocar seus títulos aberta considerada, dos sócios desta, ou de terceiro que jurídicas precitadas, ou cuja aprovação destas esteja em
mercado de balcão. em consequência da oferta, pouco importa. Basta investiu ou negociou com aquela. consonância com a ordem jurídica vigente, inexistindo
Sob esse viés é que há o interesse jurídico de que haja a oferta junto ao público investidor para omissão que caracterize culpa e possa importar em
proteger acionistas e terceiros, no caso, aplicadores que, sobre a sociedade, incida o regime especial de a) Extensão de cautela inerente à patrimônio responsabilidade civil.
no mercado de ações, como os debenturistas, quanto tutela estatal previsto em lei. distinto daquele pertencente à sociedade Estabelecidos estes parâmetros, resta claro que
à malversação dos recursos de companhia aberta, anônima de capital aberto o denominado sócio controlador, assim como seus
resultante do controle exercido, da má administração Não obstante isso, resta indubitável no art. 4º da A extensão dessa cautela preparatória de indis- presentantes ou representantes, estão sujeitos à
ou da conivência com esta. Lei das Sociedades Anônimas que há intervenção do ponibilidade de bens visa garantir a solvabilidade cautela de indisponibilidade de seus bens particulares,
Por fim, o último tópico a ser tratado no presente Estado na regulação deste mercado, diante da previsão de sócio controlador, gestor, administrador ou de sendo necessário para tanto investigar se houve
trabalho é quanto às questões de ordem processual, que de que a empresa deve registrar-se na Comissão de conselheiro da referida sociedade, que tenha o locupletamento ilícito em virtude de seu poder de
exsurgem da cautela de indisponibilidade de bens, no Valores Mobiliários para negociar suas ações na Bolsa dever de responder pelos atos praticados e ressarcir mando na realização de determinado ato ou negócio
que tange aos seus efeitos em função de sua natureza de Valores. Destaque-se que o prévio registro mostra- os prejuízos causados, enquanto presentante ou jurídico, o qual resulte em prejuízo da sociedade
jurídica e requisitos necessários para concessão da se essencial quando a sociedade anônima de capital representante daquela, em função de ter se beneficiado controlada, da coletividade que participa (acionista,
mesma, além do prazo razoável pela qual esta pode aberto é de economia mista, uma vez que o prevalente economicamente dos mesmos, direta ou indireta- etc.) ou mantém relação negocial com aquela.
vigorar. interesse público se faz presente. mente. O culto doutrinador Comparato2 traça com precisão
Desta forma, a complexidade deste tema, diante Em qualquer destas hipóteses há que se levar A responsabilização do patrimônio pessoal dos o perfil de quem é o controlador numa sociedade
da interpolação de questões de direito material e em conta o interesse do particular, na condição de sócios controladores, administradores, gestores ou anônima, como se vê a seguir:
processual, privado e público, bem como garantias investidor, e o interesse público, no sentido de preservar conselheiros de uma sociedade anônima aberta é
de ordem constitucional, assim como, a prevalência a coletividade que atua na economia para consecução exceção, pois se trata aqui de patrimônios distintos e Na economia da nova sociedade anônima o
controlador se afirma como seu mais recente órgão,
entre interesses distintos, no caso o particular e o de um fim determinado, ao mesmo tempo que busca o autônomos, cada qual respondendo, como regra, pelas
ou se preferir a explicação funcional do mecanismo
coletivo, é que torna fascinante este estudo, diante desenvolvimento desta e o avanço econômico-social obrigações que assumem em suas relações jurídicas. societário, como o titular de um novo cargo social.
dos mais diversos matizes jurídicos a serem exami- daí decorrente. Assim, a responsabilidade pessoal em questão recai Cargo, em sua mais vasta acepção jurídica, designa
nados. Desse modo, imprescindível voltar a atenção para sobre o patrimônio pertencente à determinada pessoa, um centro de competência, envolvendo uma ou
este tipo de sociedade de capital, sem olvidar-se daqueles seja ela natural ou jurídica, que pratique os atos ou mais funções. O reconhecimento de um cargo, em
1 SOCIEDADE ANÔNIMA DE que a controlam, gerem ou administram, bem como as negócios jurídicos que causem lesão à sociedade, qualquer tipo de organização, faz-se pela definição
CAPITAL ABERTO pessoas que atuam em seus conselhos de administração aos sócios ou a terceiro, cujo nexo causal deve estar de funções próprias e necessárias. Ora, tais funções
ou fiscal, as quais podem ser consideradas, no mínimo, perfeitamente delineado. existem vinculadas à pessoa do controlador. No
A companhia aberta é a que melhor personifica o coniventes com a má administração deste tipo de Desse modo, é possível a ampliação da medida vigente direito acionário brasileiro, elas podem
resumir-se no poder de orientar e dirigir, em
sistema capitalista, pois se trata de sociedade de capital, sociedade em prejuízo da coletividade. processual de indisponibilidade dos bens ao patrimônio
última instância, as atividades sociais; ou como
cuja formação gira em torno da obtenção de recursos de pessoa diversa da sociedade anônima em questão,
1.1 Os sócios, administradores e conselheiros se diz no art. 116, alínea “b” da Lei nº 6.404, no
no mercado para constituição desta, a fim de alcançar de sorte a bloquear este e permitir, durante lapso de poder de “dirigir as atividades sociais e orientar o
a justa remuneração do investimento feito mediante a da companhia aberta tempo certo, o exame dos atos e negócios jurídicos funcionamento dos demais órgãos da companhia”
realização do objeto social, sendo mais evidente aqui o A responsabilidade dos sócios, administradores que teriam ocasionado danos à companhia em questão (com o reconhecimento implícito de que o acionista
intuito de obter o lucro almejado, sob o ponto de vista e conselheiros na sociedade anônima aberta não ou a terceiros, que mantiveram relação jurídica com controlador é um dos órgãos da companhia).
econômico. decorre de causa indistinta ou de razão jurídica que esta, a fim de permitir a justa reparação dos prejuízos Trata-se de um feixe de funções indispensáveis
O insigne jurista Modesto Carvalhosa1, a meu não esteja subsumida na forma de participação nesta, causados. ao funcionamento de qualquer entidade coletiva –
ver, é quem melhor define este tipo de sociedade, ao pelo contrário, estão sujeitos à indisponibilidade de como assinalamos anteriormente – e especialmente
lecionar que: bens apenas aqueles atores que atuarem na gestão ou b) As pessoas passíveis de atingimento pela da sociedade anônima. Poderia, sem dúvida, o
administração da referida companhia, ou ainda, que cautela de indisponibilidade de bens legislador manter essas prerrogativas diluídas
– Sujeito Passivo no corpo acionário, tal como ocorria no passado.
Quando, por outro lado, a companhia procura forem coniventes com os atos praticados por estes, Preferiu, no entanto, desde a Lei n. 6.404, localizá-
recursos de capital próprio (ações) ou de terceiros como na hipótese dos conselheiros fiscais. Ressalte-se que as pessoas que se sujeitam a este las no “titular de direitos de sócio que lhe assegurem,
(debêntures) junto ao público, oferecendo a Igualmente, há que se sopesar a prática de conduta tipo de cautela preparatória são exclusivamente os de modo permanente, a maioria dos votos nas
qualquer pessoa desconhecida ações e debêntures ilícita e o nexo causal entre esta e o dano ocasionado, sócios, administradores, gestores e conselheiros que deliberações da assembleia geral e o poder de eleger
de sua emissão, temos uma companhia aberta. para que surja o dever de reparação, aqui independe detêm poder de gestão, administração e fiscalização a maioria dos administradores da companhia”.

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
198 Canto, J. L. L. A medida acautelatória de indisponibilidade de bens particulares ... 199

Igualmente, os sócios administradores ou gestores administradores e conselheiros, como analisado daqueles que respondem com o patrimônio particular 2.1 A tutela de indisponibilidade de bens
da companhia aberta, assim como aqueles designados anteriormente, a eficácia pretendida e a medida pelo prejuízo ocasionado à sociedade anônima de do sócio controlador, administradores e
para administrá-la ou geri-la, se sujeitam à medida preparatória em questão decorrem de justa causa e capital aberto, aos sócios destas e mesmo a ter- conselheiros da sociedade anônima aberta
acautelatória em questão, a fim de aferir a prática de estão, necessariamente, vinculadas a ato ou a negócio ceiros, que mantêm relação jurídica com a referida
ato ou negócio lesivo aos interesses da mesma, quer em jurídico certo, bem como possuem caráter excepcional, companhia. O bom direito alegado decorre da possibilidade
razão da ilicitude da conduta adotada, quer em função pois o bom direito alegado na cautela proposta deve jurídica de existir o dever de reparar ou de pagar
de ser o ato praticado contrário à lei ou aos estatutos estabelecer o nexo causal entre aquela e o resultado b) Direito de uso, gozo e fruição dos dívida exequível por parte do sócio controlador,
daquela. Em qualquer destas hipóteses responderiam descrito, isto é, o prejuízo econômico determinado ou proprietários na vigência da medida administrador e conselheiro pela prática de conduta
os sócios controladores, administradores ou gestores da determinável. cautelar de indisponibilidade ilícita, consubstanciada em abuso de poder, ato ou
companhia aberta com o patrimônio particular. Ainda, é preciso delimitar qual o patrimônio será É de se destacar que a indisponibilidade de bens negócio contrário à ordem jurídica ou aos estatutos da
Note-se que a responsabilidade aqui é solidária e atingido, que parcela deste é economicamente útil para alcança apenas uma das faculdades do domínio e, empresa.
ilimitada, conforme conclusão do enunciado nº 59 reparar o prejuízo ocasionado e o lapso temporal que ainda, de forma parcial, pois o proprietário do bem Ao passo que o perigo da demora na prestação
do CEJ – CJF, devendo os sócios controladores, admi- os bens submetidos a esta medida de indisponibilidade atingido pela medida em questão tem restringido o seu jurisdicional está adstrito ao risco de insolvabilidade do
nistradores ou gestores reparar a integralidade do deverá ser considerado para tanto, ou seja, o prazo no direito de transmitir para outrem o domínio sobre a proprietário dos bens precitados, o que inviabilizaria
prejuízo ocasionado à referida sociedade, aos sócios qual ficarão adstritos à averiguação da responsabilidade coisa, corpórea ou incorpórea (bens ou direitos), sujeita eventual excussão destes para satisfazer o débito
desta e a terceiros, em função dos atos ou negócios dos sócios controladores, administradores e conse- a cautela analisada. decorrente da ação principal declinada na mesma.
jurídicos realizados da forma preconizada anteriormente. lheiros. Desse modo, é atingido parte do direito de dis- É de se elucidar que tal cautela também pode
Há que se distinguir aqui duas espécies de con- posição, permanecendo o proprietário, sujeito a esta ser incidental, o que seria possível em dois tipos de
selheiros: a) os que integram o denominado conselho a) Impossibilidade temporária de transmissão medida cautelar, com a posse da coisa, uso, gozo, execução: a) a coletiva falimentar; e b) a fiscal. A
de administração; e b) os que compõem o conselho dos bens pertencentes ao sócio controlador, fruição e o direito reipersecutório atinente ao bem primeira, ocorrerá na falência como medida preparatória
fiscal da companhia aberta. administradores e conselheiros da companhia indisponível, podendo adotar todas as medidas para apurar a responsabilidade do sócio controlador ou
Na primeira hipótese os conselheiros respondem O primeiro ponto a ser abordado neste tópico diz necessárias à conservação do mesmo, bem como administrador pela quebra, isto é, se esta decorreu da
também pelo excesso, tanto de poder, como por respeito à duração dos efeitos da medida acautelatória perceber os frutos relativos a este, o que cessará malversação do patrimônio da empresa. Já a segunda,
ultrapassar o objeto social, além das circunstâncias sobre os bens particulares das pessoas antes referidas. mediante a excussão da coisa (corpórea ou incorpórea) dar-se-á no executivo fiscal com o fim de garantir o
elencadas anteriormente. À toda evidência, este interregno de tempo não é através de ação própria. proveito econômico pretendido, coibindo o dolo, a
Já no que diz respeito ao conselheiro fiscal o patri- indefinido, ao contrário, está sujeito a termo final. Portanto, trata-se a indisponibilidade de bens de fraude ou a má fé daquele tipo de ator da sociedade
mônio particular deste estará sujeito a eventual medida A questão a ser definida é qual é este prazo? A medida cautelar temporária de restrição de uma das anônima de capital aberto.
de indisponibilidade, caso tenha se omitido, ainda que resposta a esse questionamento parece óbvia. A medida faculdades do domínio, no caso, o direito de dispor Note-se que a tutela cautelar em questão destina-
por culpa strictu sensu (negligência, imprudência e impe- cautelar preparatória em questão deve perdurar até ser livremente daquele patrimônio, até que seja apurada a se a efetividade da prestação jurisdicional, na medida
rícia), de se manifestar específica e circunstanciadamen- solvida a ação principal indicada nesta, que visa apurar responsabilidade dos atores precitados pelos prejuízos em que objetiva manter incólume o patrimônio do
te sobre a ocorrência de algum dos atos ou negócios a responsabilidade dos sócios, dos administradores ou que deram causa. devedor, a fim de que os credores exerçam o seu direito
jurídicos passíveis de gerar a responsabilização dos dos conselheiros. de reparação mediante a liquidação judicial deste.
administradores ou gestores da sociedade em tela, sendo A razão da referida limitação temporal decorre 2 A CAUTELA DE INDISPONIBILIDADE
ou não, neste caso, detentores da condição de sócio. do fato de que na hipótese de ser comprovada a a) Hipóteses de incidência e solução
DE BENS jurisprudencial
Aqui há que se ter em mente a denominada omissão responsabilidade de reparar o prejuízo causado
prejudicial, que sonega o direito de informação dos por parte do sócio controlador, administrador ou A cautela de indisponibilidade de bens é pre- O direito pátrio estabelece expressamente a
demais acionistas ou investidores a dado sigiloso ou conselheiro, estar-se-ia diante do fumus boni juris paratória, ou seja, trata-se de medida acessória, indisponibilidade de bens, tanto no art. 4º, § 1º, da Lei
reservado que seria decisivo para prática de determinado alegado na cautelar de indisponibilidade de bens desprovida de caráter satisfativo, não prescindindo da n. 8.397/92, como no art. 83, § 2º, da Lei n. 11.101/2005,
ato ou negócio, ou que causaria dano à companhia em daqueles, bem como do periculum in mora de não ser indicação da demanda principal a ser dirimida, bem regulando as condições para obtenção da referida
função de retirar desta determinada oportunidade de adotada esta medida de urgência, pois haveria o risco como se destina a garantir a solvabilidade do sócio cautela acessória.
negócio que lhe seria vantajosa. deles se desfazerem de seu patrimônio e se reduzirem controlador, administrador, gestor ou conselheiro de Inicialmente, passa-se a abordar a matéria que
Conclui-se que a medida cautelar em análise a insolvabilidade. sociedade anônima de capital aberto, a fim de que seja diz respeito a indisponibilidade de bens decorrente de
inerente às pessoas anteriormente elencadas decorre Contudo, encerrado o prazo para apurar a referida apurada a responsabilidade daqueles pelos prejuízos medida cautelar que precede o executivo fiscal, cuja
do direito subjetivo de reparação dos danos que deram responsabilidade, desaparece a possibilidade jurídica que deram causa à sociedade, aos demais sócios desta aparência de bom direito – fumus boni juris – está
causa, em decorrência da própria Lei especial das de obter o ressarcimento do prejuízo causado, quer em ou a terceiros. consubstanciada na existência de obrigação líquida e
Sociedades Anônimas (art. 158) ou das regras gerais função da prescrição ou da decadência, quer resultando A incidência daquela medida ocorre sobre a exigível, bem como na possibilidade jurídica de existir
dispostas no estatuto civil. da inexistência do dever de reparar o dano ocasionado faculdade de disposição do domínio de determinada a prática de determinada conduta ilícita por parte do
por parte daqueles, conclusão que se deduz, em função coisa, de acordo com o esclarecido anteriormente, sócio controlador, administrador ou conselheiro que
1.2 Efeitos sobre os bens particulares daqueles da improcedência da ação principal ajuizada, que tinha bem como vigora temporariamente até ser sol- implique no dever de reparação a pessoa certa, física
que atuam na gestão, administração e por escopo alcançar a responsabilização das pessoas vida a ação principal que visa à indenização dos ou jurídica.
fiscalização da sociedade anônima aberta supracitadas sujeitas à medida acautelatória em tela. prejuízos causados pelas pessoas supracitadas, O segundo requisito a ser examinado para concessão
É oportuno destacar que para surtirem efeitos Assim, a referida medida cautelar vigora por prazo as quais respondem com o seu patrimônio parti- da referida cautela preventiva é o risco de dano grave
sobre os bens particulares dos sócios controladores, certo, ou seja, até a apuração da responsabilidade cular. ou de difícil reparação – periculum in mora –. Aqui há

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
200 Canto, J. L. L. A medida acautelatória de indisponibilidade de bens particulares ... 201

que se ater à possibilidade daquelas pessoas, em face Nesse diapasão é entendimento jurisprudencial do indisponibilidade patrimonial poderá ser estendida resultar na efetividade do provimento, é salutar
das quais se busca a reparação, estarem em situação Superior Tribunal de Justiça4, cujo precedente delimita em relação aos bens adquiridos a qualquer título que se fundamente a determinação, a fim de que na
de déficit econômico. Note-se que neste caso deve o uso da referida cautela preventiva, que colaciono a do requerido ou daqueles que estejam ou tenham condenação haja meio necessário ao pagamento do
se atentar a duas circunstâncias fáticas específicas: a seguir: estado na função de administrador’. prejuízo imposto.
Em se tratando de responsabilidade subjetiva, é Singularmente, andou bem o legislador ao
primeira, a identificação do prejuízo no que concerne
mister que lhe seja imputada a autoria do ato ilegal, estabelecer o primado da compatibilidade entre a
a sua extensão; a segunda, a proporção suficiente PROCESSUAL TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAU-
o que se mostra inviável quando o sócio sequer era reserva e o valor exigido na demanda proposta contra
do patrimônio particular do sócio controlador, do TELAR FISCAL. INDISPONIBILIDADE DOS
administrador da sociedade à época da ocorrência os responsáveis. Assim, supõe-se um lineamento
administrador e conselheiro da companhia aberta que BENS DOS SÓCIOS INTEGRANTES DO CON-
do fato gerador do débito tributário pendente que possa respaldar o efeito de se alcançar um nexo
seja útil à reparação pretendida. SELHO DE ADMINISTRAÇÃO. LEI 8.397/92.
de pagamento. (...)” (REsp 197278/AL, Relator causal entre ambos.
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. AUSÊN-
A proporcionalidade aqui é essencial, pois se de Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ de Perdurará a indisponibilidade até o sentencia-
CIA DE COMPROVAÇÃO DE EXCESSO DE
um lado o bloqueio autorizado não pode impedir o 24.06.2002) mento do feito; porém, sendo acolhida a pretensão,
MANDATO, INFRAÇÃO À LEI OU AO REGU-
prosseguimento da atividade mercantil de determinada LAMENTO.
7. In casu, verifica-se que a decretação da evidente que a medida se manterá incólume, e na
sociedade, de outro, quando incidir sobre coisa atinente indisponibilidade dos bens dos sócios baseou-se, hipótese diversa quando for julgada improcedente,
1. É assente na Corte que o redirecionamento
ao patrimônio de pessoa natural, não deve reduzir esta tão-somente, no fato de integrarem o Conselho isso não exige necessariamente sua desconsideração,
da execução fiscal, e seus consectários legais,
ao estado de miserabilidade, atentando a dignidade da de Administração da Olvepar S.A. – Indústria e até em virtude da sujeição recursal no duplo efeito.
para o sócio-gerente da empresa, somente é
Comércio, “com competência para fiscalizar a Realça-se o color da indenização como
pessoa humana, ou a impeça de prosseguir em suas cabível quando reste demonstrado que este agiu
gestão dos diretores, através de exame de livros e pressuposto da ação, daí por que a indisponibilidade
atividades profissionais habituais. com excesso de poderes, infração à lei ou contra
documentos da sociedade, bem como, para solicitar visa prestigiar a regra da existência de bens que
A esse respeito é oportuno trazer à baila as lições o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular
informações sobre contratos celebrados, incluin- possam ser constritados no tempo adequado e que
do jurista Humberto Theodoro Jr.3 que seguem: da empresa (Precedentes: REsp nº 513.912/MG,
do-se o presente Contrato de Benefício Fiscal se mostrem compatíveis com os danos exigidos na
Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 01/08/2005;
concedido à referida empresa por intermédio do lide.
É fácil verificar, portanto, que a proibição REsp nº 704.502/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ
PRODEI (Programa de Desenvolvimento Industrial O caráter acautelatório da media se reveste de
de dispor, regulada pela Lei 8.937/92, não é de 02/05/2005; EREsp nº 422.732/RS, Rel. Min.
do Estado)”, o que configura ofensa ao artigo 135, substancial relevância por vários motivos: permite
automática, nem muito menos pode ser imposta João Otávio de Noronha, DJ de 09/05/2005; e AgRg do CTN. congelamento e subsunção do patrimônio, da
discricionariamente pelo juiz. Tal como fez o Có- nos EREsp nº 471.107/MG, deste relator, DJ de 8. Ressalva do ponto de vista no sentido informes suficientes à ação de responsabilização
digo de Processo Civil (LGL/1973/5), em relação 25/10/2004). de que a ciência por parte do sócio-gerente do e, por derradeiro, evita eventuais fraudes com a
ao arresto, a lei especial também sujeitou a medida 2. Os requisitos necessários para a imputação inadimplemento dos tributos e contribuições, transferência antes da propositura, facilitando assim
cautelar fiscal a requisitos que obrigatoriamente da responsabilidade patrimonial secundária na ação mercê do recolhimento de lucros e pro labore, o ingresso de valores na massa falida.
devem ser demonstrados pela parte promovente principal de execução são também exigidos na ação
e que, dentro da técnica geral, da tutela cautelar, caracteriza, inequivocamente, ato ilícito, porquanto
cautelar fiscal, posto acessória por natureza. há conhecimento da lesão ao erário público.
correspondem ao fumus boni iuris e ao periculum 3. Medida cautelar fiscal que decretou a De igual modo, trago a esse estudo jurisprudência
in mora: o primeiro localiza-se na comprovação 9. Recursos especiais providos. (REsp 722.998/
indisponibilidade de bens dos sócios integrantes do MT, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
de existência de obrigação líquida e certa, Conselho de Administração da empresa devedora, julgado em 11/04/2006, DJ 28/04/2006, p. 272) Sul, cujo voto condutor foi de minha lavra6, conforme
documentalmente revelada (caput do art. 2º) com base no artigo 4º, da Lei 8.397/92.
e o segundo situa-se na conduta do devedor ina- se vê abaixo:
4. Deveras, a aludida regra deve ser interpretada Por fim, há que se examinar a cautela preventiva
dimplente que põe em risco a exeqüibilidade do cum grano salis, em virtude da remansosa
crédito fazendário, diante do fundado receio de de indisponibilidade de bens particulares dos sócios APELAÇÃO CÍVEL. FALÊNCIA. MEDIDA
jurisprudência do STJ acerca da responsabilidade CAUTELAR DE SEQUESTRO. AÇÃO DE RES-
que irá fazer desaparecer os bens que, a seu tempo, controladores, administradores e conselheiros da
tributária dos sócios. PONSABILIZAÇÃO DOS SÓCIOS DA FALIDA.
deverão suportar a penhora no processo de execução
5. Consectariamente, a indisponibilidade patri- companhia aberta na execução coletiva falimentar, cuja
fiscal (incs. I a V do art. 2º). aparência de bom direito – fumus boni juris – decorre RESTRIÇÃO JUDICIAL DE INDISPONIBILI-
monial, efeito imediato da decretação da medida DADE DOS BENS. POSSIBILIDADE JURÍDICA.
É sempre bom lembrar a insuperável lição do exame de eventual abuso de direito ou da infração
cautelar fiscal, somente pode ser estendida aos bens
de Calamandrei de que todos provimentos à lei ou ao estatuto social por parte daqueles, que
do acionista controlador e aos dos que em razão Da preliminar de nulidade da sentença
jurisdicionais existem como “instrumento do
do contrato social ou estatuto tenham poderes implique no dever de indenizar o prejuízo ocasionado. 1. Não há que se falar em nulidade da sen-
direito material, que por intermédio deles atua”.
Nos provimentos cautelares, porém, “verifica-se para fazer a empresa cumprir suas obrigações O segundo pressuposto a ser examinado para o tença por desrespeito ao devido processo legal
uma instrumentalidade qualificada, ou seja, elevada, fiscais, desde que demonstrado que as obrigações deferimento da cautela preparatória em questão é o em função de que supostamente não teriam sido
por assim dizer, ao quadrado: eles são, de fato, tributárias resultaram de atos praticados com risco de dano grave ou de difícil reparação – periculum analisadas as provas dos autos, ou em função de
inquestionavelmente, um meio predisposto para excesso de poderes ou infração de lei, contrato in mora –, aqui há que se ater à possibilidade daquelas ausência de fundamentação, quando atendido
a melhor eficácia do provimento definitivo, que a social ou estatutos (responsabilidade pessoal), pessoas, em face das quais se busca a reparação, serem o ordenamento jurídico vigente, que adotou o
sua vez é um meio para a atuação do direito; isto é, nos termos do artigo 135, do CTN. No caso de princípio do livre convencimento motivado ou
reduzidos à insolvabilidade (carência econômica), em
são eles, em relação à finalidade última da função liquidação de sociedade de pessoas, os sócios são persuasão racional do Juiz.
virtude de se desfazerem de seu patrimônio por estarem
jurisdicional, instrumento do instrumento”. Vale “solidariamente” responsáveis (artigo 134, do CTN) 2. Assim, todas as decisões judiciais devem
nos atos em que intervieram ou pelas omissões que no exercício do jus abutendi. ser assentadas em razões jurídicas, cuja invalidade
dizer: os provimentos cautelares nunca são um fim
em si mesmos, e surgem sempre “da existência de lhes forem atribuídas. No que diz respeito a essa matéria merece trans- decorre da falta destas, consoante estabelecem
um perigo de dano jurídico, derivado do atraso de 6. Precedente da Corte no sentido de que: crição os ensinamento do jurista Abrão5 a seguir: os artigos 93, inc.IX da Constituição Federal e
um provimento jurisdicional definitivo (periculum “(...) Não deve prevalecer, portanto, o disposto 458 do Código de Processo Civil, o que inocor-
in mora)” (apud Clayton Maranhão, in Rev. Direito no artigo 4º, § 2º, da Lei 8.397/92, ao estabelecer Na medida em que a indisponibilidade patri- reu no presente feito, logo, rejeita-se a prefacial
Processual – Genesis, Curitiba, 1996, v. I, p. 134). que, na concessão de medida cautelar fiscal, ‘a monial dos sócios ou antigos administradores suscitada.

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
202 Canto, J. L. L. A medida acautelatória de indisponibilidade de bens particulares ... 203

Mérito do recurso sócio controlador, administrador e conselheiro, seja bloqueio da possibilidade jurídica de transmissão do Ainda, há que se aplicar a esse tipo de cautela
3. Denota-se dos autos que em abril de 2002 pertencente ao conselho administrativo ou fiscal domínio de determinada coisa, corpórea ou incorpórea, preparatória o princípio da proporcionalidade, isto é,
o Síndico da Massa Falida apelada ajuizou ação da companhia aberta, na ação de responsabilização ou a cessão dos direitos desta. atenta-se aqui a limitação do estado-juiz, detentor do
de responsabilidade contra os sócios da falida, em pessoal prevista na lei de falências, a contar do trânsito É necessário que seja intentado o feito principal poder público, no sentido de que a restrição do direito
virtude dos desmandos apurados em relatório do em julgado da decisão que decreta a quebra. do qual a medida acautelatória precitada é acessória, de propriedade precitada não importe em ônus maior
Banco Central do Brasil, em perícia criminal e em
Ademais, a indisponibilidade de bens precitada a fim de que seja solvida a questão de direito material do que o objetivo perseguido, qual seja de garantir
processo crime, para tornar juridicamente possível
a responsabilização pessoal e solidária destes pelas
poderá ser concedida com base no poder de cautela pertinente aquele, qual seja, o bom direito alegado na patrimônio suficiente para eventual reparação de
dívidas da sociedade. geral da lei processual civil, conforme disposto no cautelar, assim como aferir o risco de ocorrer prejuízo prejuízo causado.
4. Na presente ação cautelar de seqüestro foi art. 798, a fim de prevenir a ocorrência de lesão grave grave (irreparável) ou de difícil reparação devido à Aliás, a esse respeito à doutrinadora Taíza Ribeiro7
determinada, liminarmente, a restrição judicial de ou de difícil reparação, a qual pode se dar tanto de demora da prestação jurisdicional. tece os comentários pertinentes quanto ao tema
indisponibilidade sobre os bens dos sócios da falida, forma incidental quanto preparatória. Logo, havendo Assim, os requisitos exigidos para apreciação da discutido abaixo:
a qual foi definitivamente confirmada na sentença a possibilidade jurídica de responsabilização daqueles cautela preparatória de indisponibilidade de bens dos
de primeiro grau. com base, por exemplo, na Lei especial das Sociedades agentes antes mencionados, que atuam na companhia Os princípios da proporcionalidade e razoabi-
5. O Juiz pode determinar a restrição judicial lidade, nas palavras de Fabrício dos Reis Brandão
Anônimas, cujo prazo de prescrição é o trienal, na aberta, são: o fumus boni juris e o periculum in mora.
de indisponibilidade sobre o bem imóvel da contém elementos intrínsecos para sua utilização
forma do art. 287, inc. II, do referido diploma legal, A primeira questão a ser analisada para con- na solução dos conflitos, que se dividem em
embargante com base no artigo 14, VI, do Decreto- o tempo de duração da medida poderá ser este, na cessão da tutela de indisponibilidade de bens é a
Lei 7.661/45, aplicável ao caso em tela, a teor do subprincípios, quais sejam: adequação, exigibilidade
hipótese de incidência em discussão. existência de direito plausível, no sentido de que e proporcionalidade em sentido estrito”. Nesse
que estabelece o art. 192 da Lei 11.101/2005.
Não obstante isso, a regra é que, a medida cautelar o sócio controlador, administrador ou conselheiro liame, extrai-se que a proporcionalidade subdivide-
6. Ressalte-se que a providência adotada
encontra amparo atualmente no artigo 99, inciso
perdura até a fluência do prazo de exercício do direito da possam ter adotado conduta, comissiva ou omissiva, se em três aspectos: a adequação, a necessidade e a
VII, da novel Lei de Falências e Recuperação de ação principal indicada para responsabilizar civilmente abusiva, contrária à lei ou ao estatuto da sociedade proporcionalidade estritamente. A adequação refere-
aqueles atores que têm atuação na companhia aberta, anônima de capital aberto, que resulte no dever de se à escolha de uma medida coerente e propícia a
Empresas, visto que se trata do poder geral de
ou quando decaia aquele direito, em qualquer hipótese responder civilmente perante a sociedade, seus sócios alcançar o fim almejado. Por sua vez, a necessidade
cautela, a fim de garantir a isonomia de tratamento
sempre haverá prazo certo de vigência da referida ou terceiros com o patrimônio particular, em função do diz respeito à escolha do meio estritamente
entre os credores.
necessário e imprescindível para a consecução do fim
7. O Síndico tem o direito, em tese, de tutela jurisdicional vinculado ao tipo de pretensão a ser referido comportamento antijurídico.
objetivado, sem exceder os limites indispensáveis.
propugnar pela declaração de ineficácia dos atos deduzida e a eficácia sentencial preponderante desta. Por fim, o último requisito a ser considerado para E, por fim, a proporcionalidade em sentido estrito
praticados pelo falido que resultem na alienação a concessão da cautela preventiva de indisponibilidade
2.2 Questões de ordem processual da significa que o ônus, o sacrifício gerado ao valor
de bens em flagrante prejuízo à massa, bem como, dos bens daqueles agentes é ocorrência de perigo efetivo sacrificado deve ser menor do que as vantagens
pleitear responsabilização direta dos sócios por indisponibilidade de bens de retardo na prestação jurisdicional, o qual importaria advindas do valor preponderante.
eventual ilícito praticado por estes, cuja reparação No presente estudo é oportuno que se esclareça que em prejuízo grave ou de difícil reparação, decorrente
repercuta em proveito da massa subjetiva.
a indisponibilidade de coisa, corpórea ou incorpórea, da insuficiência patrimonial resultante do exercício do Desse modo, a cautela preventiva em questão não
Negado provimento ao apelo.
pertencente ao patrimônio do sócio controlador, direito de disposição dos bens particulares dos mesmos, pode desbordar da extensão do prejuízo que se pretende
administrador ou conselheiro, é uma medida cautelar cuja medida restritiva a ser adotada deve se limitar a reparar, devendo guardar relação e proporcionalidade
b) Efeitos patrimoniais e vigência temporal assecuratória da reparação civil, mas não sujeita ao exata proporção dos prejuízos que se pretende ressarcir a este, de sorte que a medida imposta assegure o
O principal efeito sobre o patrimônio particular perdimento de pronto do referido bem, importando na ação principal indicada. direito vindicado, sem importar em ônus desmedido
do sócio controlador, administrador ou conselheiro da apenas em eventual ineficácia relativa à transmissão ao proprietário da coisa sujeita a esta restrição que
companhia aberta é no que tange à faculdade de dispor do domínio deste ou cessão dos direitos atinentes ao b) Consequências de ordem processual ultrapasse o objetivo a ser alcançado na demanda
do proprietário de determinada coisa afeta aquele, mesmo. O primeiro corolário processual que decorre da principal.
ainda que de forma parcial, isto é, restrita a transmissão Por conseguinte, não é possível suprimir garantias medida de indisponibilidade dos bens é o de que
do domínio ou a cessão dos direitos deste, a qual fica constitucionais do exercício da ampla defesa (art. 5º, descabe este tipo de cautela se não há plausibilidade CONCLUSÃO
bloqueada provisória e temporariamente. LV, da CF), do direito ao devido processo legal (art. 5º, do direito alegado como bom, nem existe o risco de
O efeito acessório patrimonial daí decorrente é a LIV, da CF), nem do direito à propriedade privada (art. ocorrer dano grave ou de difícil reparação, pois se há A natureza jurídica da tutela de indisponibilidade
possibilidade jurídica de que, caso seja transferido o 5º, XXII, da CF), cuja eventual perda desta decorre de patrimônio suficiente e a alienação de determinado de bens é de cautelar preventiva, que visa garantir a
domínio de determinado bem, ou cedido os direitos regular provimento judicial e do reconhecimento da bem não desfalca este, a ponto de reduzir o devedor à solvência patrimonial para hipótese de ser respon-
sobre este, o referido ato ou negócio será ineficaz frente responsabilidade civil de reparar os prejuízos causados insolvabilidade, carece o pleito de causa jurídica para sabilizado pessoalmente o sócio controlador, adminis-
aos credores, caracterizando fraude à execução, por à companhia aberta, aos sócios desta ou a terceiro que conceder aquela. trador ou conselheiro, seja fiscal ou administrativo, pela
exemplo, na hipótese do executivo fiscal, caso aquela mantenha relação jurídica com a referida empresa. Outra consequência que exsurge da cautela de prática de conduta lesiva à sociedade anônima aberta,
medida processual seja anterior essa relação jurídica e indisponibilidade de bens em exame, é que ela importa em decorrência do poder de gestão, administração ou
a esta execução. a) Natureza jurídica e requisitos em mera restrição parcial da faculdade de disposição de fiscalização sobre os atos e negócios jurídicos desta.
Frise-se que a vigência temporal está adstrita à Trata-se aqui de matéria de ordem pública, pois atinente ao direito de propriedade, provisória e É oportuno destacar que para surtirem efeitos
prescrição quinquenal da dívida ativa na hipótese da processual, cuja natureza jurídica é de cunho cautelar temporária, cuja deliberação final a esse respeito se dará sobre os bens particulares dos sócios controladores,
execução fiscal, bem como da decadência no lapso preventiva, ou seja, a prestação jurisdicional não apenas quando houver a decisão no feito principal do administradores e conselheiros, como analisado ante-
de dois (02) anos do direito de responsabilizar por se exauriu com a eventual concessão provisória da qual a mesma serve apenas para garantir e efetividade riormente, a eficácia pretendida e a medida preparatória
eventual prejuízo ocasionado à empresa falida pelo tutela de indisponibilidade de bens, isto é, mediante o desta. decorrem de justa causa e estão, necessariamente,

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
204 Canto, J. L. L.

Revista Brasileira de História & Ciências Sociais


vinculadas a ato ou a negócio jurídico certo, que se O último requisito a ser considerado para a con- Ano I - Número I - Julho de 2009
mostraram danosos aos interesses da companhia cessão da cautela preventiva de indisponibilidade dos www.rbhcs.com
ISSN: 2175-3423
aberta, demais sócios ou a terceiro. Aliado ao fato de bens daqueles agentes é ocorrência de perigo efetivo
que a tutela em questão possui caráter excepcional, de retardo na prestação jurisdicional – periculum in Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas
pois o bom direito alegado na cautela proposta deve mora –, o qual importaria em prejuízo grave ou de difí-
estabelecer o nexo causal entre a conduta antijurídica cil reparação, decorrente da insuficiência patrimonial
praticada e o resultado descrito, isto é, o prejuízo resultante do exercício do direito de disposição dos bens Documentary research: theoretical and methodological clues
econômico determinado ou determinável. particulares dos mesmos, cuja medida restritiva a ser
Assim, a referida medida cautelar vigora por prazo adotada deve se limitar a exata proporção dos prejuízos Jackson Ronie Sá-Silva1
certo, ou seja, até a apuração da responsabilidade que se pretende ressarcir na ação principal indicada. Cristóvão Domingos de Almeida2
daqueles que respondem com o patrimônio particular Joel Felipe Guindani3
pelo prejuízo ocasionado à sociedade anônima de REFERÊNCIAS
capital aberto, aos sócios destas e mesmo a terceiros, Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar alguns apontamentos teóricos e
que mantêm relação jurídica com a referida companhia. ABRÃO. Carlos Henrique. In: TOLEDO, Paulo F. C. Salles;
Trata-se a indisponibilidade de bens de cautela ABRÃO, Carlos Henrique (coord.). Comentários à lei de metodológicos sobre a pesquisa documental. Ao fazermos essa exposição pública, por meio
recuperação de empresas e falência. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
provisória de restrição de uma das faculdades do 2009. p. 251-252. de ensaio bibliográfico, queremos provocar o debate sobre a utilização desse procedimento
domínio, no caso, o direito de dispor livremente daquele CARVALHOSA, Modesto, Comentários à Lei de Sociedades no cotidiano das pesquisas de estudantes, professores e pesquisadores. Primeiramente,
patrimônio, até que seja apurada a responsabilidade Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1997. Vol. 1: arts. 1º a 74, p. 31-32.
dos atores precitados pelos prejuízos que deram causa. COMPARATO, Fábio Konder, O poder de controle na sociedade conceituamos a pesquisa documental, apresentando as similaridades e diferenças entre
A primeira questão a ser analisada para concessão anônima. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 107. esta e a pesquisa bibliográfica, para, em seguida, discutirmos o conceito de documento. Na
RIBEIRO, Taíza Irene de Haro Pouchain. A indisponibilidade dos
da tutela de indisponibilidade de bens é a existência bens na cautelar fiscal e sua extensão ao ativo circulante. Revista seqüência, abordamos os critérios metodológicos de pré-análise do documento escrito e,
de direito plausível – fumus boni juris –, no sentido de da PGFN, p. 161-184.
que o sócio controlador, administrador ou conselheiro por fim, apresentamos as etapas da análise documental.
THEODORO JÚNIOR, Humberto, medida cautelar fiscal –
possam ter adotado conduta, comissiva ou omissiva, responsabilidade tributária do sócio-gerente (CTN, art. 135). Palavras-chave: Pesquisa documental; Metodologia; Documentos escritos.
abusiva, contrária à lei ou ao estatuto da sociedade Revista dos Tribunais, São Paulo v. 739 p. 115, maio 1997.
Doutrinas essenciais de Direito Tributário, v. 6, p. 453, fev. 2011.
anônima de capital aberto, que resulte no dever de
STJ, PRIMEIRA TURMA, REsp 722.998/MT, Rel. Ministro LUIZ Abstract: This paper presents some theoretical and methodological notes on the
responder civilmente perante a sociedade, seus sócios FUX, julgado em 11/04/2006, DJ 28/04/2006, p. 272.
ou terceiros com o patrimônio particular, em função do TJRS, 5ª Câmara Cível, processo nº 70036298545, julgado em documentary research. By making this public exposure, through bibliographic essay, we
referido comportamento antijurídico. 26.01.2011.
want to lead the debate on the use of this procedure in daily researches of students,
teachers and researchers. First, we define the documentary research, showing the
similarities and differences between this research and the literature research, and then we
discuss the concept of document. Next, we accost the methodological criteria for pre-
NOTAS 4
STJ, PRIMEIRA TURMA, REsp 722.998/MT, Rel. Ministro LUIZ FUX,
julgado em 11/04/2006, DJ 28/04/2006, p. 272. analysis of the written document, and, finally, we present the steps of the documentary
1 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 5
ABRÃO. Carlos Henrique. In: TOLEDO, Paulo F. C. Salles; ABRÃO,
São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1: arts. 1º a 74, p. 31-32.
2 COMPARATO, Fábio Konder, O poder de controle na sociedade
Carlos Henrique (coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas analysis.
e falência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 251-252.
anônima, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 107. 6
TJRS, 5ª Câmara Cível, processo nº 70036298545, julgado em Key-words: Documentary research, Methodology, Written documents.
3 THEODORO JÚNIOR, Humberto, medida cautelar fiscal – responsa-
26.01.2011.
bilidade tributária do sócio-gerente (CTN, art. 135). Revista dos 7
RIBEIRO, Taíza Irene de Haro Pouchain, A indisponibilidade dos bens
Tribunais, São Paulo, v. 739, p. 115, maio 1997. Doutrinas Essenciais na cautelar fiscal e sua extensão ao ativo circulante. Revista da PGFN,
de Direito Tributário, v. 6, p. 453, fev. 2011. p. 161-184.
Notas introdutórias
Recebido em: 30/10/2014; aceito em: 04/11/2014.
Ao conhecer, caracterizar, analisar e elaborar sínteses sobre um objeto de
pesquisa, o investigador dispõe atualmente de diversos instrumentos metodológicos. Sendo

1
Professor Assistente da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e Doutorando em Educação
pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS-RS). E-mail: [email protected].
2
Doutorando em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) e bolsista CAPES. E-mail: [email protected].
3
Mestrando em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS-RS) e bolsista
CAPES. E-mail: [email protected].

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015


Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Revista Brasileira de História & Ciências Sociais Revista Brasileira de História & Ciências Sociais
Ano I - Número I - Julho de 2009 Ano I - Número I - Julho de 2009
www.rbhcs.com www.rbhcs.com
ISSN: 2175-3423 ISSN: 2175-3423
assim, o direcionamento do tipo de pesquisa que será empreendido dependerá de fatores Pesquisa, método, análise ou técnica documental?
como a natureza do objeto, o problema de pesquisa e a corrente de pensamento que guia o
Como classificar o trabalho acadêmico com documentos? Os pesquisadores
pesquisador. Goldenberg (2002: 14) sintetiza esse pensamento: “o que determina como
realizam pesquisa documental ou análise documental? Ou seria uma técnica de pesquisa
trabalhar é o problema que se quer trabalhar: só se escolhe o caminho quando se sabe
com documentos? May (2004: 206) chama esse procedimento de Pesquisa Documental e
aonde se quer chegar”.
reconhece a dificuldade de lidar com o tema:
Inúmeros são os autores que se dedicam às categorizações e classificações de
Não é uma categoria distinta e bem reconhecida, como a pesquisa survey e
tipologias de pesquisa. A literatura é vasta e rica. Nesse ensaio não é nosso objetivo
a observação participante. Dificilmente pode ser considerada como
discorrer sobre os principais tipos de pesquisas utilizadas no campo das ciências sociais. constituindo um método, uma vez que dizer que se utilizará documentos é
Faremos um recorte e aqui será destacada a pesquisa documental. Colocar em destaque a não dizer nada sobre como eles serão utilizados.
pesquisa documental implicar trazer para a discussão uma metodologia que é “pouco Ao tentarem nomear o uso de documentos na investigação científica os
explorada não só na área da educação como em outras áreas das ciências sociais” (LÜDKE pesquisadores pronunciam palavras como pesquisa, método, técnica e análise. Então
e ANDRÉ, 1986: 38). teríamos as seguintes denominações: pesquisa documental, método documental, técnica
O uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado. A riqueza documental e análise documental. Vejamos como alguns autores se expressam: “A análise
de informações que deles podemos extrair e resgatar justifica o seu uso em várias áreas das documental busca identificar informações factuais nos documentos a partir de questões e
Ciências Humanas e Sociais porque possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja hipóteses de interesse” (CAULLEY apud LÜDKE e ANDRE, 1986:38); “Uma pessoa que
compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural. Por exemplo, na deseja empreender uma pesquisa documental deve, com o objetivo de constituir um corpus
reconstrução de uma história vivida, satisfatório, esgotar todas as pistas capazes de lhe fornecer informações interessantes”
[...] o documento escrito constitui uma fonte extremamente preciosa para (CELLARD, 2008: 298); “A técnica documental vale-se de documentos originais, que ainda
todo pesquisador nas ciências sociais. Ele é, evidentemente, insubstituível
não receberam tratamento analítico por nenhum autor. [...] é uma das técnicas decisivas
em qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante,
para a pesquisa em ciências sociais e humanas” (HELDER, 2006:1-2). E por fim temos o
pois não é raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da
olhar de Kelly apud Gauthier (1984: 296):
atividade humana em determinadas épocas. Além disso, muito
Trata-se de um método de coleta de dados que elimina, ao menos em parte,
freqüentemente, ele permanece como o único testemunho de atividades
a eventualidade de qualquer influência – presença ou intervenção do
particulares ocorridas num passado recente (CELLARD, 2008: 295).
pesquisador – do conjunto das interações, acontecimentos ou
Outra justificativa para o uso de documentos em pesquisa é que ele permite
comportamentos pesquisados, anulando a possibilidade de reação do
acrescentar a dimensão do tempo à compreensão do social. A análise documental favorece
sujeito à operação de medida.
a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos,
Pimentel (2001: 179) mescla esses termos quando aborda o tema do trabalho
conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, entre outros. (CELLARD, 2008).
acadêmico com documentos. No artigo O método de análise documental: seu uso numa
O que é a pesquisa documental? O que é um documento? Como se constitui
pesquisa historiográfica, a autora nos apresenta as possibilidades para o uso desse
uma análise documental? Estes são os questionamentos centrais que conduzirão as nossas
procedimento metodológico:
reflexões. Utilizando os princípios da pesquisa bibliográfica e tendo como material de apoio Com o intuito de contribuir para a utilização da análise documental em
investigativo livros e artigos que enfocam o campo da pesquisa documental, pretendemos: pesquisa esse texto apresenta o processo de uma investigação. [...] São
1. Conceituar e caracterizar a pesquisa documental; 2. Discutir o conceito de documento; e descritos os instrumentos e meios de realização da análise de conteúdo,
3. Demonstrar os procedimentos da análise documental. Reconhecendo as limitações em apontando o percurso em que as decisões foram sendo tomadas quanto às
abordar a totalidade da metodologia de trabalho com os diversos tipos de documento, técnicas de manuseio de documentos: desde a organização e classificação

priorizamos a discussão da análise documental com o texto escrito ou impresso. do material até a elaboração das categorias de análise.

2 3

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Revista Brasileira de História & Ciências Sociais Revista Brasileira de História & Ciências Sociais
Ano I - Número I - Julho de 2009 Ano I - Número I - Julho de 2009
www.rbhcs.com www.rbhcs.com
ISSN: 2175-3423 ISSN: 2175-3423
Os termos “processo de investigação” e “percurso”, usados pela autora, lembram pesquisa documental é um procedimento que se utiliza de métodos e técnicas para a
a palavra “metodologia”. Já as palavras “instrumentos e meios” nos fazem pensar em apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais variados tipos.
“procedimentos técnicos”. Vale lembrar que alguns autores usam essas palavras quase que
como sinônimas quando abordam o uso de documentos em pesquisas. Lüdke e André Pesquisa documental ou pesquisa bibliográfica?
(1986: 38) falam sobre a importância do uso de documentos em investigações educacionais:
Alguns autores divulgam que pesquisa documental e pesquisa bibliográfica são
“Que é análise documental? Quais as vantagens do uso de documentos em pesquisa?
sinônimas. Appolinário (2009), no Dicionário de Metodologia Científica descreve o seguinte:
Quando é apropriado o uso dessa técnica?”. Dizem também: “Como uma técnica
pesquisa documental: [bibliographical research,; documental research]; pesquisa
exploratória, a análise documental indica problemas que devem ser mais bem explorados
bibliográfica: [bibliographical research,; documental research]. Pesquisa que se restringe à
através de outros métodos”.
análise de documentos. Além disso, ele faz a indicação para ver também as estratégias de
Qual seria o termo que melhor traduz esse tipo de investigação? Pesquisa,
coleta de dados (p.152). Seguindo as recomendações do autor citado buscamos
método, técnica ou análise? Será que os dicionaristas nos ajudariam com suas definições?
compreender o sentido desses termos e chegamos à definição estratégia de coleta de
No dicionário Houiss, por exemplo, pesquisa significa: investigação científica, artística,
dados. No verbete, Estratégia de coleta de dado, ele nos informa que:
escolar; método: 1) procedimento, técnica ou meio para atingir um objetivo; 2) processo
Normalmente, as pesquisas possuem duas categorias de estratégias de
organizado de pesquisa; 3) modo de agir; metodologia: conjunto de métodos, princípios e
coleta de dados: a primeira refere-se ao local onde os dados são coletados
regras empregados por uma atividade ou disciplina e técnica: 1) conjunto de procedimentos (estratégia-local) e, neste item, há duas possibilidades: campo ou
ligados a uma arte ou ciência; 2) maneira própria de realizar uma tarefa; análise: 1) estudo laboratório. [...] A segunda estratégia refere-se à fonte dos dados:
de diversas partes de um todo; 2) investigação; exame. documental ou campo. Sempre que uma pesquisa se utiliza apenas de
Quando um pesquisador utiliza documentos objetivando extrair dele fontes documentais (livros, revistas, documentos legais, arquivos em mídia
informações, ele o faz investigando, examinando, usando técnicas apropriadas para seu eletrônica, diz-se que a pesquisa possui estratégia documental (ver

manuseio e análise; segue etapas e procedimentos; organiza informações a serem pesquisa bibliográfica). Quando a pesquisa não se restringe à utilização de

categorizadas e posteriormente analisadas; por fim, elabora sínteses, ou seja, na realidade, documentos, mas também se utiliza de sujeitos (humanos ou não), diz-se
que a pesquisa possui estratégia de campo (APPOLINÁRIO, 2009: 85).
as ações dos investigadores – cujos objetos são documentos – estão impregnadas de
Tanto a pesquisa documental como a pesquisa bibliográfica têm o documento
aspectos metodológicos, técnicos e analíticos:
como objeto de investigação. No entanto, o conceito de documento ultrapassa a idéia de
Para pesquisar precisamos de métodos e técnicas que nos levem
criteriosamente a resolver problemas. [...] é pertinente que a pesquisa textos escritos e/ou impressos. O documento como fonte de pesquisa pode ser escrito e não
científica esteja alicerçada pelo método, o que significa elucidar a escrito, tais como filmes, vídeos, slides, fotografias ou pôsteres. Esses documentos são
capacidade de observar, selecionar e organizar cientificamente os caminhos utilizados como fontes de informações, indicações e esclarecimentos que trazem seu
que devem ser percorridos para que a investigação se concretize (GAIO, conteúdo para elucidar determinadas questões e servir de prova para outras, de acordo com
CARVALHO e SIMÕES, 2008: 148). o interesse do pesquisador (FIGUEIREDO, 2007). Tendo em vista essa dimensão fica claro
Buscando elementos que possibilitem compreender melhor o que aqui foi existir diferenças entre pesquisa documental e pesquisa bibliográfica.
exposto sobre método, técnica, análise e pesquisa e relacionando esses conceitos ao Oliveira (2007) faz uma importante distinção entre essas modalidades de
campo da pesquisa documental, encontramos o posicionamento de Minayo (2008) que, ao pesquisa. Para essa autora a pesquisa bibliográfica é uma modalidade de estudo e análise
discutir o conceito e o papel da metodologia nas pesquisas em ciências sociais, imprime um de documentos de domínio científico tais como livros, periódicos, enciclopédias, ensaios
enfoque plural para a questão: “a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, críticos, dicionários e artigos científicos. Como característica diferenciadora ela pontua que é
o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade e também o potencial um tipo de “estudo direto em fontes científicas, sem precisar recorrer diretamente aos
criativo do pesquisador” (MINAYO, 2008: 22). Esse fundamento se aplica às pesquisas de fatos/fenômenos da realidade empírica” (p. 69). Argumenta que a principal finalidade da
um modo geral e no campo da utilização de documentos não é diferente. Portanto, a pesquisa bibliográfica é proporcionar aos pesquisadores e pesquisadoras o contato direto

4 5

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Revista Brasileira de História & Ciências Sociais Revista Brasileira de História & Ciências Sociais
Ano I - Número I - Julho de 2009 Ano I - Número I - Julho de 2009
www.rbhcs.com www.rbhcs.com
ISSN: 2175-3423 ISSN: 2175-3423
com obras, artigos ou documentos que tratem do tema em estudo: “o mais importante para (VIEIRA, PEIXOTO e KHOURY, 1995). Os historiadores Seignobos e Langlois, no século
quem faz opção pela pesquisa bibliográfica é ter a certeza de que as fontes a serem XIX, fizeram do documento o principal elemento de discussão de uma obra de metodologia
pesquisadas já são reconhecidamente do domínio científico” (p. 69). Ela se posiciona sobre que influenciou inúmeros pesquisadores – Introduction aux études historiques. Esses
a pesquisa documental: “a documental caracteriza-se pela busca de informações em célebres historiadores deram início ao desenvolvimento da História como ciência, todavia o
documentos que não receberam nenhum tratamento científico, como relatórios, reportagens conceito de documento se aplicava quase que exclusivamente ao texto, e, particularmente,
de jornais, revistas, cartas, filmes, gravações, fotografias, entre outras matérias de aos arquivos oficiais. Tal definição decorria principalmente da abordagem histórica praticada
divulgação” (p. 69). por quase todos os investigadores da época: “uma abordagem conjuntural, focada,
A pesquisa documental é muito próxima da pesquisa bibliográfica. O elemento sobretudo, nos fatos e gestos dos políticos e dos ‘maiorais’ desse mundo” (CELLARD, 2008:
diferenciador está na natureza das fontes: a pesquisa bibliográfica remete para as 296).
contribuições de diferentes autores sobre o tema, atentando para as fontes secundárias, A valorização do documento como garantia de objetividade, marca indelével dos
enquanto a pesquisa documental recorre a materiais que ainda não receberam tratamento historiadores positivistas, exclui a noção de intencionalidade contida na ação estudada e na
analítico, ou seja, as fontes primárias. Essa é a principal diferença entre a pesquisa ação do pesquisador, sendo esse processo construído historicamente. A palavra documento
documental e pesquisa bibliográfica. No entanto, chamamos a atenção para o fato de que: com o sentido de prova jurídica, representação que se mantém até a atualidade, já era
“na pesquisa documental, o trabalho do pesquisador (a) requer uma análise mais cuidadosa, usada pelos romanos, tendo sido retomada na Europa Ocidental no século XVII. Assim, os
visto que os documentos não passaram antes por nenhum tratamento científico” (OLIVEIRA, historiadores positivistas, ao se apropriarem do termo, conservam-lhe o sentido de prova,
2007: 70). agora não mais jurídica, e sim com status científico. O próprio fato de nomear a palavra
É fundamental que os (as) cientistas sociais entendam o significado de fontes documento aos testemunhos históricos traduz uma concepção de história que confunde o
primárias e fontes secundárias. As fontes primárias são dados originais, a partir dos quais se real com o documento e o transforma em conhecimento histórico. Captar o real nessa lógica
tem uma relação direta com os fatos a serem analisados, ou seja, é o pesquisador (a) que cartesiana seria conhecer os fatos relevantes e fundamentais que si impõem por si mesmos
analisa. Por fontes secundárias compreende-se a pesquisa de dados de segunda mão ao conhecimento do pesquisador. Como resultado desse pensamento, só se considerava
(OLIVEIRA, 2007), ou seja, informações que foram trabalhadas por outros estudiosos e, por relevante para o campo da História aquilo que estava documentado, dando privilégio para os
isso, já são de domínio científico, o chamado estado da arte do conhecimento. termos e ações da política governamental: ações do governo, atuações de personalidades,
O conceito de documento questões ligadas à política internacional, e outros assuntos. (VIEIRA, PEIXOTO e KHOURY,
O que é um documento? Para Cellard (2008: 296) não é tarefa fácil conceituá-lo: 1995).
“definir o documento representa em si um desafio”. Recuperar a palavra “documento” é uma Este conceito de documento será profundamente modificado devido à evolução
maneira de analisar o conceito e então pensarmos numa definição: “documento: 1. da História enquanto disciplina e método, tendo como principal impulsionador o movimento
declaração escrita, oficialmente reconhecida, que serve de prova de um acontecimento, fato feito pela Escola de Annales.
ou estado; 2. qualquer objeto que comprove, elucide, prove ou registre um fato, Para esses historiadores o acontecer histórico se faz a partir dos homens.

acontecimento; 3. arquivo de dados gerado por processadores de texto” (HOUAISS, 2008: Daí o documento histórico se produzir com tudo o que, pertencendo ao

260). Phillips (1974: 187) expõe sua visão ao considerar que documentos são “quaisquer homem, depende do homem, exprime o homem, demonstra a presença, a
atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem. Nesse caso, ao
materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre o
documento incorporam-se outros de natureza diversa, tais como objetos,
comportamento humano”.
signos, paisagens, etc. (VIEIRA, PEIXOTO e KHOURY, 1995: 14-15).
As definições acima mostram com muita clareza a representação do documento
A Escola de Annales ao privilegiar uma abordagem mais globalizante amplia
como material escrito. No final do século XIX com a escola positivista, o registro escolhido
consubstancialmente o conceito de documento: “tudo o que é vestígio do passado, tudo o
pela maioria dos historiadores era o documento escrito, sobretudo o oficial. Esse documento
que serve de testemunho, é considerado como documento ou ‘fonte’” (CELLARD, 2008, p.
assumia o peso da prova histórica e a objetividade em garantia pela fidelidade ao mesmo
296). E mais: “pode tratar-se de texto escritos, mas também de documentos de natureza

6 7

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Revista Brasileira de História & Ciências Sociais Revista Brasileira de História & Ciências Sociais
Ano I - Número I - Julho de 2009 Ano I - Número I - Julho de 2009
www.rbhcs.com www.rbhcs.com
ISSN: 2175-3423 ISSN: 2175-3423
iconográfica e cinematográfica, ou de qualquer outro tipo de testemunho registrado, objetos conjuntura socioeconômico-cultural e política que propiciou a produção de um determinado
do cotidiano, elementos folclóricos, etc” (p. 297). No limite, poder-se-ia até qualificar de documento. Tal conhecimento possibilita apreender os esquemas conceituais dos autores,
documento um relatório de entrevista, ou anotações feitas durante uma observação. seus argumentos, refutações, reações e, ainda, identificar as pessoas, grupos sociais,
(CELLARD, 2008). locais, fatos aos quais se faz alusão, etc. Pela análise do contexto, o pesquisador se coloca
Appolinário (2009: 67), amplia a definição de documento: “Qualquer suporte que em excelentes condições até para compreender as particularidades da forma de
contenha informação registrada, formando uma unidade, que possa servir para consulta, organização, e, sobretudo, para evitar interpretar o conteúdo do documento em função de
estudo ou prova. Incluem-se nesse universo os impressos, os manuscritos, os registros valores modernos. Tal etapa é tão mais importante, que não se poderia prescindir dela,
audiovisuais e sonoros, as imagens, entre outros”. E, de acordo com o conceito técnico da durante a análise que se seguirá.
Associação de Arquivistas Brasileiros, o documento defini-se como qualquer informação
fixada em um suporte (AAB, 1990). O autor (ou os autores)
Preparando um documento para análise: a ritualística necessária
Não se pode pensar em interpretar um texto, sem ter previamente uma boa
Quem trabalha com documentos deve superar alguns obstáculos e desconfiar de
identidade da pessoa que se expressa, de seus interesses e dos motivos que a levaram a
determinadas armadilhas, antes de estar apto a fazer uma análise de seu corpus
escrever. Uma questão é fundamental: “esse indivíduo fala em nome próprio, ou em nome
documental. Inicialmente deve localizar os textos pertinentes e avaliar a sua credibilidade,
de um grupo social?”. Cellard (2008) acreditar ser “bem difícil compreender os interesses
assim como a sua representatividade. O autor do documento conseguiu reportar fielmente
(confessos, ou não!) de um texto, quando se ignora tudo sobre aquele ou aqueles que se
os fatos? Ou ele exprime mais as percepções de uma fração particular da população? Por
manifestam, suas razões e as daqueles a quem eles se dirigem” (p. 300).
outro lado o investigador deve compreender adequadamente o sentido da mensagem e
Elucidar a identidade do autor possibilita, portanto, avaliar melhor a credibilidade
contentar-se com o que tiver na mão: eventuais fragmentos, passagens difíceis de
do texto, a interpretação que é dada de alguns fatos, a tomada de posição que transparece
interpretar e repletas de termos e conceitos que lhes são estranhos e foram redigidos por
de uma descrição, as deformações que puderam sobrevir na reconstituição de um
um desconhecido. É impossível transformar um documento; é preciso aceitá-lo tal como ele
acontecimento. Na mesma ordem de idéias, é salutar nos questionarmos por que esse
se apresenta, às vezes, tão incompleto, parcial ou impreciso. No entanto, torna-se, essencial
documento, preferencialmente a outros, chegou até nós, foi conservado e publicado. Muitas
saber compor com algumas fontes documentais, mesmo as mais pobres, pois elas são
vezes, sobretudo num passado relativamente distante, uma única categoria de indivíduos,
geralmente as únicas fontes que podem nos esclarecer sobre uma determinada situação.
ou seja, os que pertenciam à classe instruída podiam expressar seus pontos de vista por
Desta forma, é fundamental usar de cautela e avaliar adequadamente, com um olhar crítico,
meio da escrita. É preciso, então, poder ler nas entrelinhas, para compreender melhor o que
a documentação que se pretende fazer análise.
os outros viviam, senão as interpretações correm o risco de serem grosseiramente
Listamos abaixo as orientações dadas por Cellard (2008) sobre a avaliação
falseadas.
preliminar dos documentos. Tal avaliação constitui a primeira etapa de toda a análise
documental que se aplica em cinco dimensões:
A autenticidade e a confiabilidade do texto
O contexto
É primordial em todas as etapas de uma análise documental que se avalie o Cellard (2008: 301) nos lembra que “é importante assegurar-se da qualidade da
contexto histórico no qual foi produzido o documento, o universo sócio-político do autor e informação transmitida”. Para ele, não se deve esquecer de verificar a procedência do
daqueles a quem foi destinado, seja qual tenha sido a época em que o texto foi escrito. documento. Em alguns casos, é também necessário considerar o fato de que alguns
Indispensável quando se trata de um passado distante, esse exercício o é de igual modo, documentos nos chegam por intermédio de copistas que tinham, às vezes, de decifrar
quando a análise se refere a um passado recente. No último caso, no entanto, cabe admitir escritas quase ilegíveis. Por outro lado, é importante estar atento à relação existente entre o
que a falta de distância tenha algumas implicações na tarefa do pesquisador, mas vale autor e o que ele escreve. Ele foi testemunha direta ou indireta do que relatou? Quanto
como desafio. O pesquisador não pode prescindir de conhecer satisfatoriamente a tempo decorreu entre o acontecimento e a sua descrição? Ele reportou as falas de alguma

8 9

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Revista Brasileira de História & Ciências Sociais Revista Brasileira de História & Ciências Sociais
Ano I - Número I - Julho de 2009 Ano I - Número I - Julho de 2009
www.rbhcs.com www.rbhcs.com
ISSN: 2175-3423 ISSN: 2175-3423
outra pessoa? Ele poderia estar enganado? Ele estava em posição de fazer esta ou aquela chave” (CELLARD, 2008: 303). O pesquisador poderá, assim, fornecer uma interpretação
observação, de estabelecer tal julgamento? coerente, tendo em conta a temática ou o questionamento inicial.
A análise é desenvolvida através da discussão que os temas e os dados
A natureza do texto suscitam e inclui geralmente o corpus da pesquisa, as referências bibliográficas e o modelo
teórico. No caso da análise de documentos recorre-se geralmente para a metodologia da
Na análise de um documento deve-se levar em consideração a natureza do
análise do conteúdo:
texto, ou seu suporte, antes de tirar conclusões. Efetivamente a abertura do autor, os
Conjunto de técnicas de investigação científicas utilizadas em ciências
subentendidos, a estrutura de um texto pode variar enormemente, conforme o contexto no
humanas, caracterizadas pela análise de dados lingüísticos. [...]
qual ele é redigido. Cellard (2008) cita um exemplo para facilitar a compreensão dessa Normalmente, nesse tipo de análise, os elementos fundamentais da
dimensão: “é o caso, entre outros, de documentos de natureza teológica, médica, ou comunicação são identificados, numerados e categotizados. Posteriormente
jurídica, que são estruturados de forma diferente e só adquirem um sentido para o leitor em as categorias encontradas são analisadas face a um teoria específica
função de seu grau de iniciação no contexto particular de sua produção” (p. 302). (APPOLINÁRIO, 2009: 27).
Ressalta-se que a análise de conteúdo é uma dentre as diferentes formas de
Os conceitos-chave e a lógica interna do texto interpretar o conteúdo de um texto, adotando normas sistemáticas de extrair significados
temáticos ou os significantes lexicais, por meio dos elementos mais simples do texto.
Delimitar adequadamente o sentido das palavras e dos conceitos é, aliás, uma
Consiste em relacionar a freqüência da citação de alguns temas, palavras ou idéias em um
precaução totalmente pertinente no caso de documentos mais recentes nos quais, por
texto para medir o peso relativo atribuído a um determinado assunto pelo seu autor.
exemplo, utiliza-se um “jargão” profissional específico, ou nos que contém regionalismos,
Pressupõe, assim, que um texto contém sentidos e significados, patentes ou ocultos, que
gíria própria e meios particulares, linguagem popular, etc. Deve-se prestar atenção aos
podem ser apreendidos por um leitor que interpreta a mensagem contida nele por meio de
conceitos-chave presentes em um texto e avaliar sua importância e seu sentido, segundo o
técnicas sistemáticas apropriadas. A mensagem pode ser apreendida, decompondo-se o
contexto preciso em que eles são empregados. Finalmente, é útil examinar a lógica interna,
conteúdo do documento em fragmentos mais simples, que revelem sutilezas contidas em
o esquema ou o plano do texto: Como um argumento se desenvolveu? Quais são as partes
um texto. Os fragmentos podem ser palavras, termos ou frases significativas de uma
principais da argumentação? Essa contextualização pode ser um apoio muito importante,
mensagem (CHIZZOTTI, 2006).
quando, por exemplo, comparam-se vários documentos da mesma natureza.
A análise qualitativa do conteúdo começa com a idéia de processo, ou contexto
social, e vê o autor como um auto-consciente que se dirige a um público em circunstâncias
A análise documental
particulares. A tarefa do analista torna-se, nas palavras de May (2004), uma “leitura” do
A etapa de análise dos documentos propõe-se a produzir ou reelaborar texto em termos dos seus símbolos. Com isso em mente, o texto é abordado a partir do
conhecimentos e criar novas formas de compreender os fenômenos. É condição necessária entendimento do contexto da sua produção pelos próprios analistas. Devemos então estar
que os fatos devem ser mencionados, pois constituem os objetos da pesquisa, mas, por si atentos para o fato de que a análise de conteúdo pode caracterizar-se como um método de
mesmos, não explicam nada. O investigador deve interpretá-los, sintetizar as informações, investigação do conteúdo simbólico das mensagens. Essas mensagens podem ser
determinar tendências e na medida do possível fazer a inferência. May (2004) diz que os abordadas de diferentes formas e sob inúmeros ângulos.
documentos não existem isoladamente, mas precisam ser situados em uma estrutura teórica O processo de análise de conteúdo dos documentos tem início quando tomamos
para que o seu conteúdo seja entendido. a decisão sobre a Unidade de Análise. Ludke e André (1986) dizem que existem dois tipos
Feito a seleção e análise preliminar dos documentos, o pesquisador procederá à de Unidade de Análise: a Unidade de Registro e a Unidade de Contexto. Na Unidade de
análise dos dados: “é o momento de reunir todas as partes – elementos da problemática ou Análise o investigador pode selecionar segmentos específicos do conteúdo para fazer a
do quadro teórico, contexto, autores, interesses, confiabilidade, natureza do texto, conceitos- análise, determinando, por exemplo, a freqüência com que aparece no texto uma palavra,
um tópico um tema uma expressão, uma personagem ou um determinado item (operação

10 11

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Revista Brasileira de História & Ciências Sociais Revista Brasileira de História & Ciências Sociais
Ano I - Número I - Julho de 2009 Ano I - Número I - Julho de 2009
www.rbhcs.com www.rbhcs.com
ISSN: 2175-3423 ISSN: 2175-3423
que usa a quantificação dos termos). No entanto, dependendo dos objetivos e das Lincoln (1981), se uma categoria abrange um único conceito, todos os itens nessa categoria
perguntas de investigação, pode se mais importante explorar o contexto em que uma devem ser homogêneos, ou seja, devem estar coerentemente integrados. Além do mais, as
determinada unidade ocorre, e não apenas sua freqüência. Assim, o método de codificação categorias devem ser mutuamente exclusivas, de modo que as diferenças entre elas fiquem
escolhido vai depender da natureza do problema, do arcabouço teórico e das questões bem claras. Espera-se, de acordo com esses pesquisadores, que grande parte dos dados
específicas de pesquisa. seja incluída em uma ou em outra categoria.
Realizado a codificação da Unidade de Análise, o passo seguinte no processo O processo de análise documental tem um desenvolvimento concatenado.
de análise documental é caracterizar a forma de registro. Alguns pesquisadores preferem Depois de obter um conjunto inicial de categorias, a próxima fase envolve um
fazer anotações à margem do próprio material analisado, outros fazem esquemas, enriquecimento do sistema mediante um processo divergente, incluindo as seguintes
diagramas e outras formas de síntese. Tais anotações como um primeiro momento de estratégias: aprofundamento, ligação e ampliação. Baseado naquilo que já obteve, o
classificação dos dados podem incluir o tipo de fonte de informação, os tópicos ou temas pesquisador volta a examinar o material no intuito de aumentar o seu conhecimento,
tratados, o momento e o local das ocorrências e a natureza do material coletado. Após descobrir novos ângulos e aprofundar a sua visão. Pode também explorar as ligações
organizar os dados, num processo de numerosas leituras e releituras, o investigador pode existentes entre os vários itens, tentando estabelecer relações e associações e passando
voltar a examiná-los para tentar detectar temas e temáticas mais freqüentes: “esse então a combiná-los, separá-los ou reorganizá-los. Finalmente, o investigador procurará
processo, essencialmente indutivo, vai culminar na construção de categorias ou tipologias” ampliar o campo de informações identificando os elementos emergentes que precisam ser
(LUDKE e ANDRÉ, 1986: 42). mais aprofundados (LUDKE e ANDRÉ, 1986).
Construir categorias de análise não é tarefa fácil. Elas surgem, num primeiro A etapa final consistirá num novo julgamento das categorias quanto à sua
momento, da teoria em que se apóia a investigação. Esse conjunto preliminar de categorias abrangência e delimitação. Ludke e André nos dão a seguinte orientação:
pode ser modificado ao longo do estudo, num processo dinâmico de confronto constante Quando não há mais documentos para analisar, quando a exploração de

entre empiria e teoria, o que dará gênese a novas concepções e, por conseqüência, novos novas fontes leva à redundância de informação ou a um acréscimo muito

olhares sobre o objeto e o interesse do investigador. Sobre a construção de categorias pequeno, em vista do esforço despendido, e quando há um sentido de
integração na informação já obtida, é um bom sinal para concluir o estudo
analíticas vale lembrar os seguintes ensinamentos:
(Ludke e André (1986: 44).
Não existem normas fixas nem procedimentos padronizados para a criação
de categorias, mas acredita-se que um quadro teórico consistente pode
auxiliar uma seleção inicial mais segura e relevante. [...] Em primeiro lugar
Considerações finais
[...] faça o exame do material procurando encontrar os aspectos relevantes.
Verifique se certos temas, observações e comentários aparecem e A pesquisa documental é um procedimento metodológico decisivo em ciências
reaparecem em contextos variados, vindos de diferentes fontes e diferentes humanas e sociais porque a maior parte das fontes escritas – ou não – são quase sempre a
situações. Esses aspectos que aparecem com certa regularidade são a base do trabalho de investigação. Dependendo do objeto de estudo e dos objetivos da
base para o primeiro agrupamento da informação em categorias. Os dados
pesquisa, pode se caracterizar como principal caminho de concretização da investigação ou
que não puderem ser agregados devem ser classificados em um grupo à
se constituir como instrumento metodológico complementar. Apresenta-se como um método
parte para serem posteriormente examinados (Ludke e André ,1986: 43).
de escolha e de verificação de dados; visa o acesso às fontes pertinentes, e, a esse título,
Com as categorias iniciais organizadas é necessário que se faça uma avaliação
faz parte integrante da heurística de investigação. Deve muito à História e, sobretudo aos
desse conjunto. Guba e Lincoln (1981) argumentam que as categorias devem antes de tudo
seus métodos críticos de investigação sobre fontes escritas. Isso por que a investigação
refletir os propósitos da pesquisa. Eles apontam alguns critérios que podem auxiliar o
histórica ao pretender estabelecer sínteses sistemáticas dos acontecimentos históricos
investigador a avaliar com mais segurança as categorias que foram originadas do material
serviu, sobretudo, às ciências sociais, no sentido da reconstrução crítica de dados que
documental: a homogeneidade interna, a heterogeneidade externa, inclusividade, coerência
permitam inferências e conclusões. Enfim, a possibilidade que se tem de partir de dados
e plausibilidade. O que eles querem propor com a introdução desses critérios? Para Guba e
passados, fazer algumas inferências para o futuro e, mais, a importância de se compreender

12 13

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Revista Brasileira de História & Ciências Sociais Revista Brasileira de História & Ciências Sociais
Ano I - Número I - Julho de 2009 Ano I - Número I - Julho de 2009
www.rbhcs.com www.rbhcs.com
ISSN: 2175-3423 ISSN: 2175-3423
os seus antecedentes numa espécie de reconstrução das vivências e do vivido. Portanto, a Aprovado em 18/06/2009
pesquisa documental, bem como outros tipos de pesquisa, propõe-se a produzir novos
conhecimentos, criar novas formas de compreender os fenômenos e dar a conhecer a forma
como estes têm sido desenvolvidos. Ao apresentar esse panorama metodológico queremos
provocar a reflexão de estudantes, professores e pesquisadores que utilizam documentos
como método investigativo para o desvelamento de seus objetos de estudo e
problematização das suas hipóteses. Acreditamos que as pistas elencadas neste artigo são
elementos essenciais para todos que se aventuram em produzir conhecimento no campo da
pesquisa documental.

Bibliográficas

ASSOCIAÇÃO DOS ARQUIVISTAS BRASILEIROS (AAB). Dicionário brasileiro de


terminologia arquivística: contribuição para o estabelecimento de uma terminologia
arquivística em língua portuguesa. São Paulo, CENEDEM, 1990.
APPOLINÁRIO, F. Dicionário de metodologia científica: um guia para a produção do
conhecimento científico. São Paulo, Atlas, 2009.
CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa:
enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, Vozes, 2008.
CHIZZOTTI, A. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis, Vozes,
2006.
FIGUEIREDO, N.M.A. Método e metodologia na pesquisa científica. 2a ed. São Caetano
do Sul, São Paulo, Yendis Editora, 2007.
GAIO, R.; CARVALHO, R.B.; SIMÕES, R. Métodos e técnicas de pesquisa: a
metodologia em questão. In: GAIO, R. (org.). Metodologia de pesquisa e produção de
conhecimento. Petrópolis, Vozes, 2008.
GUBA, E.G.; LINCOLN, Y.S. Effective evaluation. San Francisco, Jossey-Bass, 1981.
HAUAISS, A. Minidicionário Hauaiss. 3a ed. Rio de Janeiro, Objetiva, 2008.
HELDER, R. R. Como fazer análise documental. Porto, Universidade de Algarve, 2006.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São
Paulo, EPU, 1986.
MAY, T. Pesquisa social: questões, métodos e processo. Porto Alegre, Artmed, 2004.
MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11a ed. São
Paulo, HUCITEC, 2008.
OLIVEIRA, M. M. Como fazer pesquisa qualitativa. Petrópolis, Vozes, 2007.
PHILLIPIS, B.S. Pesquisa social: estratégias e táticas. Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora,
1974.
PIMENTEL, A. O método da análise documental: seu uso numa pesquisa histórica.
Cadernos de Pesquisa, n.114, p.179-195, nov., 2001.

Recebido em 27/05/2009

14 15

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Dez coisas que você deveria saber sobre o Qualis A primeira classificação adotada dividia os periódicos em três grupos com três
estratos em cada grupo. Os grupos separavam os periódicos segundo a circulação –
Rita de Cássia Barradas Barata* internacional, nacional ou local –, e, em cada grupo, as revistas científicas eram
classificadas nos estratos A, B e C, conforme seu impacto ou relevância para um
determinado campo científico.
Dada a heterogeneidade de tradições científicas existentes nas diversas áreas
de avaliação, cada uma delas teve a liberdade de eleger os critérios segundo os quais
Resumo
procederia à classificação da produção em sua área. Nas grandes áreas de Ciências
Este artigo trata de dez pontos essenciais para se compreender o Qualis Periódicos e,
Exatas, Ciências Biológicas, Ciências Agrárias e Ciências da Saúde, a tendência
assim, dirimir as dúvidas frequentemente apresentadas aos coordenadores de área por
predominante foi a de construir a classificação considerando as bases de indexação e
editores científicos, docentes e alunos de programas de pós-graduação. As questões
as medidas de impacto bibliométrico. Nas grandes áreas de Ciências Sociais e
serão apresentadas de modo a esclarecer aspectos aplicáveis a todas as áreas de
Humanas, a tendência foi a de utilizar um conjunto de aspectos formais dos
avaliação sempre que possível. Alguns aspectos particulares terão por base a
periódicos científicos, normalmente empregados pelas bases indexadoras para a
experiência da área de Saúde Coletiva.
aceitação da indexação, para realizar a classificação.
Durante dez anos, essa classificação foi adotada no processo de avaliação,
Palavras-chave: Produção Científica. Avaliação de Programas. Classificação de
sofrendo diversos ajustes a cada período avaliativo. Após a trienal de 2007, a
Periódicos. Ferramentas de Avaliação.
Diretoria de Avaliação propôs ao CTC-ES a reformulação do Qualis com base em
uma avaliação quantitativa que mostrava o uso inadequado da classificação e a perda
progressiva do poder discriminatório ao longo dos anos. Muitas áreas acabavam
1 PRIMEIRO PONTO: O QUE É O QUALIS PERIÓDICOS?
efetivamente utilizando três ou quatro estratos na avaliação, e poucas eram aquelas
que usavam os nove estratos previstos (BARATA, 2015).
O sistema de avaliação dos programas de pós-graduação no país foi instituído
Após praticamente um ano de intensas discussões, o CTC-ES aprovou a nova
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes) em
classificação contendo sete estratos: A1, A2, B1, B2, B3, B4 e B5. Há ainda um
1977, ocasião em que foram criadas as comissões de assessores por área, para a
estrato C, destinado a publicações que não constituem periódicos científicos ou não
avaliação e o acompanhamento dos cursos, e foi estabelecido o Conselho Técnico-
atendem aos critérios mínimos estabelecidos em cada área para ser classificado.
Científico da Educação Superior (CTC-ES). Nesse primeiro momento, o resultado da
O Qualis Periódicos, portanto, é uma das ferramentas utilizadas para a
avaliação realizada não tinha divulgação pública, sendo informado apenas às
avaliação dos programas de pós-graduação no Brasil. Sua função é auxiliar os comitês
instituições. A avaliação era expressa em conceitos: A (muito bom), B (bom), C
de avaliação no processo de análise e de qualificação da produção bibliográfica dos
(regular), D (fraco) e E (insuficiente) (FERREIRA; MOREIRA, 2001; CAPES,
docentes e discentes dos programas de pós-graduação credenciados pela Capes. Ao
2011).
lado do sistema de classificação de capítulos e livros, o Qualis Periódicos é um dos
Em 1990, sob a presidência da Profa. Eunice Durham, os conceitos foram
instrumentos fundamentais para a avaliação do quesito produção intelectual,
substituídos por notas de 1 a 5, e passaram a ser incluídos no processo de avaliação
agregando o aspecto quantitativo ao qualitativo.
alguns indicadores quantitativos, entre os quais a quantidade de artigos publicados
pelos programas (FERREIRA; MOREIRA, 2001; CAPES, 2011). Em 1998, ocorreu
2 SEGUNDO PONTO: O QUE O QUALIS PERIÓDICOS NÃO É?
mudança substancial no processo, com a padronização da ficha de avaliação, que
incluía sete quesitos: a proposta do programa, o corpo docente, as atividades de
Saber o que o Qualis não é parece tão importante quanto saber o que ele é,
pesquisa, as atividades de formação, o corpo discente, as teses e dissertações e a
pois muitos dos usos inadequados e das incompreensões em torno dessa ferramenta
produção intelectual. Todas as áreas de avaliação deveriam analisar os mesmos
resultam justamente da pouca compreensão sobre esse ponto. O Qualis não é uma
quesitos embora pudessem utilizar, no processo, diferentes tipos de indicadores
base de indexação de periódicos – este é o ponto que provavelmente gera maior
(BARATA, 2015).
confusão entre os editores científicos e é fonte de inúmeras consultas aos
Nesse momento, o CTC-ES sentiu a necessidade de qualificar a produção dos
coordenadores de área.
programas e não mais apenas contabilizar o número de artigos publicados. Já então, o
Vários são os editores que solicitam a inclusão, vale dizer a indexação, de seus
número de artigos publicados nos programas, em cada triênio de avaliação, era
periódicos na lista do Qualis. Entretanto, tal solicitação não tem sentido visto que o
bastante expressivo, tornando impraticável qualquer tentativa de avaliar a qualidade
Qualis só existe como ferramenta para a avaliação de programas. Estar ou não na lista
de cada um desses produtos do trabalho científico. Diante dessa impossibilidade, a
do Qualis significa tão somente que algum dos alunos ou professores dos programas
opção adotada foi a classificação dos veículos de divulgação da produção científica,
credenciados publicaram artigos naqueles periódicos. Do mesmo modo, o Qualis
pressupondo-se que a aceitação de um artigo por periódico indexado e com sistema de
Periódicos não é uma base bibliométrica e não permite o cálculo de nenhuma medida
peer review garantia, de certo modo, a sua qualidade. Por outro lado, considerou-se
de impacto dos periódicos nele incluídos. Sendo assim, o Qualis Periódicos não deve
que periódicos com circulação internacional e maior impacto na comunidade
ser considerado como uma fonte adequada de classificação da qualidade dos
acadêmica teriam processos de seleção mais competitivos e, portanto, os artigos por
periódicos científicos para outros fins que não a avaliação dos programas de pós-
eles selecionados teriam qualidade e relevância (LINDSEY, 1989).

RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
graduação. Por uma série de características que serão destacadas a seguir, a classificação manual, utilizando exatamente os mesmos critérios usados para os
classificação de uma revista no Qualis não pode ser usada fora de seu contexto, sob demais periódicos.
pena de produzir mais problemas do que soluções. Outra dúvida frequente entre docentes e discentes surge quando da escolha de
O Qualis Periódicos não é uma classificação absoluta, estando sujeita a uma revista científica para a submissão de um artigo, diante da constatação de que
revisão permanente. Tendo em vista que a classificação é sempre feita a posteriori, esta ainda não se encontra na listagem da área. Evidentemente, por tudo que já ficou
conforme será detalhado em outro item, não é aconselhável que a lista sirva de dito, tal revista científica passará a figurar na lista desde que, aceito o artigo, seja a
referência para ações futuras, tais como a escolha de periódicos para submissão de publicação informada por meio da plataforma Sucupira.
artigos. A escolha de um periódico para a submissão deveria levar em conta, entre
outros aspectos, o público-alvo do próprio artigo, o escopo dos diversos periódicos 4 QUARTO PONTO: CLASSIFICAÇÃO EXAUSTIVA
em um mesmo campo científico, a credibilidade, a rapidez no processo de julgamento
e de publicação, a competitividade expressa pela taxa de rejeição, a circulação que os Tendo em vista o processo de geração da lista anteriormente descrito e a
periódicos têm na comunidade de interesse e seu prestígio, o que pode ser finalidade precípua do Qualis Periódicos, cada área de avaliação deverá classificar
indiretamente avaliado por diferentes medidas de impacto. todos os títulos constantes de sua lista. Nenhum dos títulos listados poderá ficar sem
Finalmente, o Qualis Periódicos não é uma ferramenta que possa ser utilizada classificação, uma vez que isso significaria a exclusão a priori de determinados
em avaliações do desempenho científico individual de pesquisadores, visto que não produtos informados pelos programas.
foi desenvolvido com essa finalidade. Sua aplicação faz sentido para a análise coletiva Para que essa regra básica seja cumprida, foi proposto o estrato C, que pode
da produção de um programa, cumprindo requisitos específicos do processo de ser utilizado de diferentes maneiras para garantir a exaustividade da classificação.
avaliação comparativo estabelecido pela Capes. Em avaliações orientadas por Muitos programas informam como produção intelectual bibliográfica produtos que
princípios essencialistas, os instrumentos usados para comparações relativas nem não se qualificam como artigos científicos, tais como matérias ou entrevistas em
sempre se mostrarão adequados. jornais ou revistas destinados ao público leigo, textos elaborados para blogs e outras
mídias eletrônicas, boletins, material de propaganda como posters, folders e outros,
3 TERCEIRO PONTO: A GERAÇÃO DA LISTA material didático e artigos técnicos. Nesses casos, de acordo com a definição de cada
área de avaliação, essas entradas na listagem do Qualis podem ser classificadas como
Como mencionado anteriormente, a classificação dos periódicos não é C, separando-as dos demais artigos científicos produzidos pelo programa. Geralmente
duradoura. A cada ano uma listagem de periódicos é gerada a partir dos dados sobre a esse tipo de material pode ser informado corretamente como produção técnica, ou
produção científica publicada sob a forma de artigos informados pelos programas nos seja, não deve ser informado como artigos completos em periódicos científicos. Esses
aplicativos da Capes. Os programas enviavam anualmente suas informações por meio produtos podem ser excluídos da classificação por meio de uma opção disponível no
do Coleta Capes; mais recentemente, com a introdução da plataforma Sucupira, os aplicativo que permite identificá-los como não sendo artigos científicos.
dados podem ser permanentemente incluídos durante o desenrolar das atividades dos Algumas áreas de avaliação utilizam o estrato C para desconsiderar os artigos
programas. Essa forma de geração da listagem faz com que ela seja sempre um retrato científicos publicados em periódicos não indexados ou que não atendam aos critérios
a posteriori, pois é sempre referente aos anos anteriores cujos dados já foram mínimos estabelecidos pela comissão de avaliação. Assim, aquela produção
informados para a Capes. Assim, por exemplo, a classificação de 2014 divulgada em classificada no estrato C estaria automaticamente glosada. Há, ainda, algumas poucas
2015 se refere aos artigos publicados em 2014. áreas que utilizam o estrato C para glosar toda a produção divulgada em periódicos
O desconhecimento sobre esse mecanismo de geração da lista é outro motivo que, por seu escopo, não pertencem à área de conhecimento sob avaliação. Esse é um
de inúmeras consultas aos coordenadores de área. Editores científicos encaminham recurso discutível, tendo em vista o fato de que a ciência atual é cada vez mais
exemplares de suas publicações e solicitações de inclusão, alegando que suas interdisciplinar, e os limites disciplinares estreitos muitas vezes não refletem
publicações abrangem temáticas daquela área do conhecimento. No entanto, se corretamente o que está sendo produzido. Felizmente, poucas são as áreas de
nenhum docente ou discente de um programa de pós-graduação credenciado tiver avaliação que adotam visão tão exclusivamente disciplinar. Afinal, uma deliberação
publicado um artigo naquela revista, não há nenhum sentido em incluí-la na lista, uma como essa por parte do coordenador de área ou de sua comissão de avaliação pode ter
vez que a única finalidade do Qualis Periódicos é classificar os artigos produzidos efeitos deletérios sobre as possibilidades de cooperação interdisciplinar.
pelos programas. Além dos problemas já mencionados, a decisão de classificar no estrato C
Docentes e discentes apresentam dois tipos de preocupações que também não periódicos considerados “fora de área” ou que não apresentem pelo menos
procedem, desde que se conheça o mecanismo de geração da listagem. O primeiro determinado fator de impacto gera muito ruído entre a comunidade, pois revistas bem
receio é o de não encontrar na lista o periódico no qual acabaram de ter um artigo classificadas em alguma das áreas podem estar classificadas como C em outras,
publicado. Evidentemente, se o artigo for informado na plataforma Sucupira, no ano sugerindo que a classificação é desprovida de sentido e feita de forma totalmente
subsequente, o periódico estará incluído automaticamente na listagem. O segundo aleatória. Para evitar esse tipo de situação seria recomendável que todas as áreas de
questionamento, decorrente do anterior, diz respeito à consideração ou não dessa avaliação reservassem o estrato C apenas para publicações que não pudessem ser
produção para efeito de avaliação. Novamente, trata-se de uma precipitação. Mesmo classificadas como científicas, independentemente da área de conhecimento.
que, no último ano do período de avaliação, alguns periódicos não estejam incluídos Para o caso de haver ocorrido falha no processamento dos dados completos
como resultado de falhas no processamento dos dados, as comissões procederão à sua dos programas no momento de geração da listagem, o processamento dos cadernos de

RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
indicadores ou dos relatórios da produção classificará cada produto em um dos Com relação ao Qualis Periódicos, as regras comuns a todas as áreas são três,
estratos do Qualis, separando em um bloco à parte aqueles que ficarem sem além daquela já apresentada da obrigatoriedade de classificar todos os títulos da
classificação. Esses produtos poderão ser classificados manualmente de acordo com a listagem da área. Na tentativa de preservar o caráter classificatório e a capacidade de
disponibilidade de tempo dos membros das comissões de avaliação. Para evitar que discriminação entre produções de maior ou menor “qualidade”, foram estabelecidas
essa produção seja desconsiderada na avaliação, é importante que o preenchimento essas regras que forçam as comissões de área a serem bastante seletivas. A primeira
dos dados relativos aos artigos seja o mais completo e correto possível, com especial regra estabelece que no máximo 50% dos títulos presentes em cada lista podem ser
atenção para o número correto do ISSN e para o título correto e atualizado da revista classificados nos três estratos mais altos da classificação: A1, A2 ou B1. Ou seja,
científica. Outros dados importantes são o ano, o volume e o fascículo da publicação. qualquer que seja a área de conhecimento, apenas metade dos periódicos utilizados
pelos docentes e discentes para veicular suas publicações pode ser classificada entre
5 QUINTO PONTO: REGRAS COMUNS A TODAS AS ÁREAS DE os de excelência (estratos A) ou de maior qualidade (B1). A segunda regra estabelece
AVALIAÇÃO que apenas 25% dos títulos em cada lista podem ser considerados de excelência e,
portanto, classificados nos estratos A. Ou seja, dentro do conjunto, apenas um quarto
A avaliação dos programas de pós-graduação está sempre tensionada pela dos títulos usados em cada área pode ser classificado como excelente. A terceira regra
necessidade de ter uma base comum para avaliar o conjunto dos programas estabelece que, entre os títulos classificados no estrato A, aqueles inseridos no estrato
independentemente das áreas de conhecimento e pelas evidências de que diferentes A1 têm de, necessariamente, ser em menor proporção do que os classificados no
áreas de conhecimento têm diferentes tradições de produção científica, e suas estrato A2.
especificidades precisam ser levadas em conta para que a avaliação seja justa e Essas regras, embora tenham sido propostas para garantir alguma
apropriada. comparabilidade entre as diferentes áreas do conhecimento, ignoram o fato de que os
Do ponto de vista estrito de cada programa, não haveria problema em que os critérios de classificação são bastante diferentes entre elas e permitem apenas uma
critérios avaliativos fossem totalmente diferentes entre as diversas áreas de avaliação, comparação relativa, na medida em que as mesmas proporções se aplicam a
uma vez que em cada uma delas o processo é comparativo e, assim, só importaria totalidades muito diversas.
garantir que os mesmos critérios fossem aplicados, da mesma maneira, para todos os
programas em uma determinada área.
No entanto, os programas existem em unidades acadêmicas dentro de Quadro 1 – Número de títulos e aplicação das regras comuns à listagem de cada
faculdades, centros universitários ou universidades onde avaliações muito área de avaliação, Qualis 2014
discrepantes podem gerar dificuldades e problemas. Assim, tanto o CTC-ES quanto o
Conselho Superior da CAPES sempre se preocuparam em ter alguns parâmetros que Área de Avaliação Títulos A1+A2 A1+A2+B1 C
pudessem tornar a avaliação minimamente comparável entre as áreas. CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
Nesse sentido, são utilizados basicamente três mecanismos: as portarias e Astronomia e Física 739 18,8 41,8 20,0
Ciência da Computação 636 17,3 36,9 22,2
resoluções da Presidência, do Conselho Superior, da Diretoria de Avaliação ou do Geociências 565 23,4 47,3 5,3
Conselho Técnico-Científico da Educação Superior; a padronização da ficha de Matemática, Probabilidade e Estatística 563 23,4 47,2 0,9
avaliação e as regras de construção do Qualis Periódicos e da classificação de livros. Química 1.088 18,8 40,3 17,9
As portarias, resoluções e outros atos normativos visam estabelecer diretrizes que ENGENHARIAS
devem ser seguidas em todo o sistema nacional de pós-graduação (SNPG), Engenharias I 866 19,7 34,3 14,1
Engenharias II 966 26,1 50,0 0,0
conferindo-lhe unidade e organicidade. Engenharias III 1.375 23,9 45,7 4,1
A padronização da ficha de avaliação visou estabelecer os quesitos e os itens Engenharias IV 844 23,8 48,2 3,2
indispensáveis e comuns a todas as áreas no processo de avaliação. Ao longo dos anos MULTIDISCIPLINAR
foram sendo modificados esses componentes na medida em que a evolução do SNPG Biotecnologia 1.528 21,9 42,6 11,7
foi superando certos problemas e gerando outros. Atualmente, a ficha está composta Ciências Ambientais 1.396 22,9 47,5 5,0
Ensino 686 9,3 23,5 3,4
por cinco quesitos: proposta do programa, corpo docente, corpo discente, produção Interdisciplinar
intelectual e inserção social; e 17 itens comuns distribuídos entre esses quesitos. As Materiais 602 18,4 40,5 13,0
áreas de avaliação têm a liberdade de propor itens adicionais e definir os indicadores e CIÊNCIAS AGRÁRIAS
critérios que serão utilizados na avaliação de cada item. Desse modo, pretende-se Ciência de Alimentos 621 19,2 39,1 18,2
garantir a comparabilidade sem perder a flexibilidade necessária para abarcar toda a Ciências Agrárias I 1.601 19,6 46,2 7,4
Medicina Veterinária 749 21,9 45,5 0,0
diversidade contida nas 48 áreas de avaliação. O instrumento de classificação de Zootecnia e Recursos Pesqueiros 670 16,7 34,6 26,3
capítulos e livros também contém elementos mínimos e outras variáveis de modo que CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
diversas áreas do conhecimento possam utilizá-lo. Nesse caso, há inclusive a opção de Biodiversidade 1.539 16,0 36,1 23,5
não considerar a produção de capítulos e livros na produção científica dos programas, Ciências Biológicas I 1.520 23,4 47,8 0,5
a critério de cada área de avaliação. Ciências Biológicas II 1.564 21,6 43,4 13,2
Ciências Biológicas III 895 18,5 34,1 22,0
CIÊNCIAS DA SAÚDE

RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Educação Física 772 24,5 47,9 0,0 enquanto no segundo grupo ainda predominam publicações vinculadas aos próprios
Enfermagem 573 24,1 46,8 2,4 programas acadêmicos.
Farmácia 1.199 22,3 44,5 10,9
Medicina I 2.084 24,0 47,9 3,2
Medicina II 1.984 23,9 47,5 4,1 6 SEXTO PONTO: CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS
Medicina III 711 22,2 45,3 9,1
Nutrição 479 21,3 48,2 3,5 Conforme assinalado anteriormente, cada área de avaliação tem a liberdade de
Odontologia 946 25,7 42,3 1,2 estabelecer seus próprios critérios classificatórios desde que as regras comuns de
Saúde Coletiva 1.177 22,0 40,4 5,0 construção do Qualis sejam cumpridas. Ainda que os indicadores utilizados pelas
CIÊNCIAS HUMANAS
Antropologia 270 11,5 27,8 5,9 diferentes comissões variem, 31 (65%) áreas de avaliação compreendidas nas grandes
Ciência Política e Relações Internacionais 391 15,9 25,3 16,1 áreas de Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas, Engenharias, Ciências da
Educação 1.333 9,4 19,5 34,9 Saúde, Ciências Agrárias e Multidisciplinar utilizam critérios que combinam aspectos
Filosofia 304 14,5 35,2 14,8 da circulação, avaliada por meio das bases de indexação às quais os periódicos
Geografia 488 18,9 32,0 14,5 pertencem, e aspectos relativos aos impactos bibliométricos, avaliados por intermédio
História 682 14,5 28,0 17,0
Psicologia 895 23,6 46,4 2,3 de um ou mais indicadores obtidos em uma ou mais fontes de informação.
Sociologia 664 8,4 18,8 16,1 As fontes de dados bibliométricos mais utilizadas são JCR (Journal Current
Teologia 142 11,3 26,1 19,7 Report), Scopus e SciELO. Cada uma delas fornece indicadores um pouco diferentes
CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS e valores distintos para indicadores equivalentes porque possuem em sua base um
Administração e Turismo 1.054 19,6 32,5 2,5 número variável de periódicos. A base mais ampla é a Scopus, portanto, os
Arquitetura, Urbanismo e Design 311 21,2 27,7 8,7
Ciências Sociais Aplicadas I 477 9,9 28,3 19,7 indicadores calculados por ela tendem a ser mais altos do que nas outras duas. A
Direito 657 11,4 22,8 41,4 menor é a SciELO, e os fatores de impacto medidos nessa base serão todos menores
Economia 504 11,3 25,0 11,3 do que nas outras duas. O JCR possui uma base um pouco menor que a da Scopus e,
Planejamento Urbano e Regional/Demografia 481 17,9 39,9 2,5 além disso, adota uma definição pouco clara e polêmica do que considera documentos
Serviço Social 197 10,7 20,3 24,9 citáveis, podendo assim subestimar ou superestimar o fator de impacto (BARRETO,
LINGUÍSTICA, LETRAS E ARTES
Artes /Música 346 11,0 21,7 31,5 2013).
Letras e Linguística 890 13,8 24,4 32,9 Os indicadores mais usados são o fator de impacto, as citações por documento
Fonte: elaboração própria. citável e o índice “h”. Algumas áreas utilizam ainda a vida média ou o fator de
“imediatez” para ponderar as medidas de impacto. A combinação de fontes e
Em 2014, o número de títulos variou entre 142 (Teologia) e 2.084 (Medicina indicadores é uma forma de balancear as características e fragilidades de cada um
I). A proporção de periódicos classificados no estrato A1 foi de 0,7%, na área de deles isoladamente.
Teologia, a 13,1%, na área de Engenharia II, enquanto a proporção de periódicos no Quinze (31%) áreas de avaliação incluídas nas grandes áreas de Artes e Letras,
estrato A2 foi de 4,8%, na área de Ensino, a 15,1%, na área de Psicologia. O valor Ciências Sociais Aplicadas e Ciências Humanas utilizam um conjunto de critérios
mediano para a proporção de periódicos no estrato A1 foi de 8,5% e, para o estrato formais (tais como periodicidade, regularidade, corpo editorial diversificado, revisão
A2, 11,5%. por pares, distribuição, indexação) e um “ranqueamento” estabelecido pelas
A somatória entre os dois estratos superiores variou de 8,4%, na área de comissões avaliadoras quanto à relevância de cada revista para o campo.
Sociologia, a 26,1%, na área de Engenharias II. A parcela dos três estratos superiores Finalmente, as áreas de Economia e Administração e de Turismo utilizam
apresentou o menor valor na área de Sociologia, com apenas 18,8%, e o maior na área critérios mistos, combinando aspectos dos dois anteriormente descritos. É facultado
de Engenharias II, com exatos 50%. aos coordenadores de área e a suas comissões de revisão do Qualis optar por atribuir
Houve também grande variação na proporção de periódicos classificados no uma classificação mais elevada para um pequeno número de revistas nacionais que
estrato C. Algumas áreas não tiveram nenhum título classificado no estrato C, sejam consideradas relevantes. Esse recurso tem ajudado diversas revistas nacionais a
enquanto outras apresentaram valores bastante altos. A área do Direito foi a que mais receber um número maior de artigos; assim, elas podem selecionar os melhores e,
classificou títulos no estrato C, chegando a 41,4%. Ou seja, mesmo em relação à com isso, aumentar o fator de impacto. O mecanismo chamado de “indução” deve
aplicação das regras gerais, observa-se grande variação entre as áreas, embora possam estar claramente explicitado no documento de atualização do Qualis e ser aprovado
ser notadas algumas tendências. A grande área das Ciências da Saúde é a que pelo CTC-ES.
apresenta maior homogeneidade. De modo geral, as Ciências da Vida e as Ciências
Exatas apresentam proporções maiores de revistas classificadas nos três primeiros 7 SÉTIMO PONTO: ATUALIZAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO
estratos e nos estratos A, enquanto as Humanidades tendem a mostrar menores
proporções de periódicos nesses estratos, refletindo uma tradição diferente de A atualização do Qualis Periódicos é feita anualmente, cerca de um a dois
publicações. No primeiro grupo de Ciências predominam periódicos editados por meses após a data de chancela dos dados dos programas. A Diretoria de
editoras comerciais ou associações científicas de grande prestígio acadêmico, Avaliação da Capes estabelece um período para que o Qualis seja atualizado por todas
as áreas de avaliação.

RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
A área interdisciplinar é a única que realiza a atualização do Qualis em data Astronomia - A1 -
separada porque, dadas as características de seus programas, habitualmente sua Biodiversidade A1 A1 -
Biotecnologia A1 A1 -
classificação é construída com base na combinação das classificações realizadas pelas Ciências Agrárias A1 A1 A1
áreas disciplinares. Essa atualização ocorre quase sempre no mês de julho, quando o Ciência de Alimentos - - B2
JCR divulga os fatores de impacto relativos ao ano anterior. Desse modo a nova Ciências Ambientais A1 A1 B1
classificação pode refletir o desempenho dos periódicos no ano da publicação dos Ciências Biológicas I A1 A1 -
artigos. No entanto, devido a problemas de calendário da própria DAV, algumas Ciências Biológicas II A1 - B4
Ciências Biológicas III A1 - -
vezes a atualização é feita antes que essas informações estejam disponíveis e, nessa Engenharias II - A1 -
hipótese, são utilizados os indicadores do ano anterior. Eventualmente, no caso de Geociências - A1 B1
revistas que vêm apresentando mudança acelerada de indicadores, tal procedimento Medicina I - - B2
pode ser prejudicial. Medicina II - A1 B2
Uma vez realizada a atualização e chancelada a nova classificação, não é Medicina Veterinária - - B2
Química - A1 B2
possível realizar correções até o ano seguinte. Esse é um motivo constante de Zootecnia - - B1
reclamações de coordenadores de programas e de editores científicos sempre que
Fonte: Webqualis Capes. Disponível em: <www.sucupira.capes.gov.br>. Acesso em: out. 2015.
consideram ter havido erro por parte da comissão ou uso de dados desatualizados. Em
geral, quem não conhece de perto o funcionamento da agência não consegue entender
O Quadro 2 mostra a classificação de três periódicos científicos que não são
por que não é possível fazer uma correção em um banco de dados eletrônico assim
dedicados a uma disciplina ou campo científico em particular. Os três são dedicados a
que um erro é detectado. No entanto, devido à sobrecarga que os sistemas
todos os campos científicos. Evidentemente, periódicos com fatores de impacto tão
informatizados apresentam e à própria escassez de funcionários da área técnica,
altos quanto os da revista Science ou Nature garantem que qualquer que seja a área de
operacionalmente torna-se inviável realizar modificações fora do período de
conhecimento, ela será classificada no estrato A1. Já os Anais da Academia Brasileira
atualização.
de Ciências, embora com um fator de impacto bom para uma revista brasileira,
dependendo dos pontos de corte utilizados em cada área de avaliação, teve
8 OITAVO PONTO: POR QUE UMA MESMA REVISTA POSSUIU
classificações bastante diferentes, variando entre o estrato A1 e o B4.
CLASSIFICAÇÃO TÃO VARIADA ENTRE AS ÁREAS?
Quadro 3 – Exemplos de classificações heterogêneas para periódicos brasileiros
Como cada uma das áreas de avaliação possui seus próprios critérios
de escopo multidisciplinar, Qualis 2014
classificatórios e deve classificar todos os periódicos que constem em sua lista, a
mesma revista científica pode ter classificações bastante distintas em cada uma das
Cadernos de Dados – Revista de Ciência & Saúde
áreas de avaliação. Além disso, para cumprir as regras comuns, dando destaque aos Saúde Pública Ciências Sociais Coletiva
periódicos do próprio campo de conhecimentos, várias áreas rebaixam periódicos de (FI=1,097) (FI= 0,327) (FI=0,761)
outros campos, mesmo que eles cumpram os critérios para uma melhor classificação. Área de avaliação
Esse aspecto do Qualis é fonte de inúmeros mal-entendidos entre coordenadores de Direito A1 A1 -
programas, docentes e editores científicos. Ciência Política - A1 -
História - A1 -
Do ponto de vista dos editores é sempre difícil de compreender como o Planejamento Urbano, Regional e A1 - A2
mesmo periódico pode assumir classificações tão diferentes. Se os critérios usados Demografia
para a classificação são baseados em características do periódico, não é fácil aceitar Sociologia - A1 -
que a mesma revista possa ser classificada em praticamente qualquer dos estratos, Administração e Turismo A2 A2 -
dependendo da área de avaliação. Essas discrepâncias podem ter a ver com diferentes Antropologia A2 - -
Ciências Ambientais A2 B1 -
pontos de corte adotados para a classificação com base nos indicadores de impacto, Ciências Sociais Aplicadas I A2 - -
uma vez que a distribuição desses valores é variável conforme a área de Enfermagem A2 - B1
conhecimento; mas também podem resultar de julgamentos da relevância do Ensino A2 - A2
periódico para determinada área do conhecimento aliados, geralmente, a concepções Odontologia A2 - B1
fortemente disciplinares. Psicologia A2 - A2
Saúde Coletiva A2 - B1
Serviço Social A2 A2 -
Quadro 2 – Exemplos de classificação homogênea e heterogênea de periódicos Ciências Agrárias B1 B2 -
nas diferentes áreas de avaliação, Qualis 2013-2014 Educação Física B1 - B1
Engenharias III B1 - -
Área de Avaliação Science Nature Anais da Academia Nutrição B1 - -
(FI = 17,710) (FI = 42,351) Brasileira de Ciências Economia B2 B2 -
(FI = 1,065) Educação B2 - -
Engenharias IV B2 - -

RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Medicina I B2 - B3 Conforme já mencionado anteriormente, há uma preocupação constante no
Medicina II B2 - B3 CTC-ES, no Conselho Superior e nas pró-reitorias de pós-graduação e pesquisa das
Medicina Veterinária B2 - - universidades com a comparabilidade dos resultados da avaliação dos PPGs, visto que
Biodiversidade B3 - -
Biotecnologia B3 - - esses resultados são utilizados para orientar uma série de ações e políticas no interior
Farmácia B3 - B3 das universidades e no país em geral.
Medicina III B3 - - Apesar da padronização dos instrumentos de avaliação, será que um PPG nota
Ciências Biológicas I B4 - - 5, 6 ou 7 em uma dada área de avaliação é comparável com outro PPG nota 5, 6 ou 7
Ciências Biológicas II B4 - - em outra área de avaliação? Esta pergunta não tem, evidentemente, uma resposta
Ciências Biológicas III B4 - -
Ciência da Computação C - - simples. A tendência do sistema de avaliação da pós-graduação tem sido a de adotar o
Fonte: WebQualis Capes. Disponível em: <www.sucupira.capes.gov.br>. Acesso em: out. 2015.
princípio do “ranqueamento” em vez do princípio essencialista. Ou seja, os programas
são avaliados em cada uma das áreas, e as notas são atribuídas não a partir de
O Cadernos de Saúde Pública, editado pela Escola Nacional de Saúde características essenciais, mas, antes, pela posição relativa daquele programa no
Pública, da Fiocruz, é o periódico que aparece referido em maior número de áreas de conjunto dos programas da área. Desse modo, pode-se dizer que a comparação entre
avaliação (30) e também o que apresenta a maior diversidade de classificações, indo programas com a mesma nota em áreas de avaliação diferentes indicaria apenas que
de A1 a C, com exceção do estrato B5. Como uma revista que atende a todos os eles ocupam a mesma posição relativa nos PPGs da área sem, contudo, significar que
requisitos formais, arbitrada, indexada nas mais importantes bases bibliográficas e têm qualidade equivalente quanto aos quesitos avaliados.
com fator de impacto acima de 1 pode ser classificada no estrato C? Ocorre que o Algumas áreas de avaliação tentam adotar o princípio essencialista definindo
documento do Qualis da área de Ciência da Computação informa que utiliza o fator “tipos ideais” para cada uma das notas, isto é, definindo que características, em
de impacto normalizado e introduz um deflator de dois níveis para periódicos de relação a cada um dos quesitos, um PPG deve ter para receber determinada nota.
outras áreas do conhecimento. Supondo que a normalização seja feita com base na Entretanto, essa postura acaba sendo pressionada pela ideia de que, assim, as
média e no desvio-padrão do fator de impacto dos periódicos da área, isso explicaria a comissões de avaliação estariam “prejudicando” a própria área na comparação com
posição do Cadernos de Saúde Pública no estrato C. outras áreas de conhecimento.
A revista Dados, publicada pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos, da Focando especificamente o Qualis como um desses instrumentos de
UERJ, é a revista de Ciências Sociais mais bem indexada e com o maior fator de padronização da avaliação, é frequente ouvir de membros do Conselho Superior ou de
impacto entre as brasileiras nesse campo. Nesse caso, as classificações vão de A1 a coordenadores de programas menos afeitos aos estudos bibliométricos que tal ou qual
B2, refletindo a relevância atribuída ao periódico nas diferentes áreas em que ele é área não é rigorosa na atribuição de suas notas porque os pontos de corte que utiliza
utilizado. para construir os estratos do Qualis são inferiores àqueles usados por áreas
Finalmente a revista Ciência & Saúde Coletiva, publicada pela Associação consideradas como de referência (geralmente as Ciências Exatas ou Biológicas). Ou
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), apresenta classificações nos estratos A2, B1 ainda, em se tratando das Ciências Humanas e Sociais, que é inaceitável ter
ou B3 nas dez diferentes áreas em cujos programas os autores estão inseridos como classificados nos estratos superiores periódicos publicados exclusivamente em
docentes. português, portanto, com circulação internacional limitada.
A única maneira de solucionar essa contradição entre diferentes classificações É sabido que os fatores de impacto são influenciados por muitos aspectos que
para as mesmas revistas seria a adoção de uma lista única, na qual cada periódico não estão diretamente relacionados com a qualidade da produção, tais como o
fosse classificado apenas pela área ou pelas áreas de conhecimento incluídas em seu tamanho da comunidade científica em cada área, o prestígio de subáreas do
escopo de publicação. Revistas dedicadas à ciência em geral, tais como Science, conhecimento dentro de um mesmo campo, o número médio de autores por artigo, a
Nature, Anais da Academia Brasileira de Ciências, Annals of the New York Academy língua da publicação, o país de residência dos autores, entre outros (LEEUWEN et al.,
of Sciences, Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of 2001; WALTER et al., 2003; TAYLOR; PERAKAKIS; TRACHANA, 2008;
America, poderiam ser classificadas pela área interdisciplinar. Periódicos cujo escopo RUANO-RAVINA; ALVAREZ-DARDET, 2012).
abrangesse mais de uma área de avaliação seriam classificados em comum acordo. As diferentes áreas do conhecimento têm distribuições específicas e não
Desse modo, o Qualis Periódicos poderia ser uma listagem livre de contradições e, comparáveis (GLÄNZEL; MOED, 2002). Análise de todos os periódicos indexados
desde que cada área, ao classificar seu conjunto de periódicos, adotasse as regras na base Scopus, segundo as áreas do conhecimento e com indicadores de impacto do
comuns, a listagem final também cumpriria os mesmos requisitos. Uma vantagem ano de 2012, mostra que a distribuição dos fatores de impacto é muito variável.
adicional dessa alternativa seria aprimorar o processo de classificação, uma vez que Considerando apenas as Ciências Exatas e da Terra, observa-se que o valor máximo
cada área teria uma lista menor de periódicos para analisar, podendo dedicar maior do fator de impacto chega a 14,88 para os periódicos da Matemática e Ciência da
tempo e cuidado à tarefa de avaliação. Computação, 26,13 para os de Geociências, 39,73 para os de Química e 41,56 para os
de Astronomia e Física. Na área das Ciências Médicas, o maior valor passa de 100.
Portanto, não se pode simplesmente comparar valores do fator de impacto dos pontos
9 NONO PONTO: COMENSURABILIDADE ENTRE AS ÁREAS DE de corte de cada estrato.
AVALIAÇÃO Do mesmo modo, é sabido que nas áreas de Ciências Humanas e Sociais até
recentemente havia um número reduzido de periódicos indexados em bases

RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
bibliométricas; portanto, para a maioria dos veículos não havia nenhuma medida de Somente dessa forma, será possível dar maior visibilidade à produção científica do
impacto disponível, sem contar o fato de que parte da publicação nessas áreas se faz país e incentivar a publicação de pesquisas de qualidade em todas as áreas do
preferencialmente por meio de livros e coletâneas. Essa tradição começa a mudar conhecimento.
pressionada pelo uso crescente desses indicadores em diversos processos de avaliação
do desempenho acadêmico. Hoje é possível encontrar na base SCImago um número Quadro 5 – Fatores de impacto correspondentes a percentis selecionados da
considerável de periódicos classificados em Ciências Sociais (5.092), inferior apenas distribuição dos periódicos das áreas de Ciências Sociais e Humanas, 2012
ao número dos periódicos da área médica. Assim, em médio prazo seria possível
pensar em um uso crescente desses indicadores abarcando todas as áreas de avaliação. Percentil Economia Administração Educação Geografia Direito
Esse problema requer dois conjuntos de soluções, uma aplicável àquelas áreas de P25 0,193 0,240 0,160 0,090 0,130
avaliação que utilizam medidas de impacto para a construção do Qualis Periódicos; P50 0,515 0,580 0,460 0,315 0,380
outra, aplicável àquelas áreas que não utilizam nenhuma medida de impacto por não P75 1,130 1,230 0,940 0,733 0,870
ser tradição em suas áreas de conhecimento. P90 1,980 2,229 1,500 1,236 1,314
Para as 31 áreas de avaliação que utilizam medidas de impacto na construção P95 2,833 3,170 2,052 1,787 1,701
do Qualis, a opção de tornar as classificações comensuráveis, ou seja, capazes de Fonte: elaboração própria.
expressar grandezas diferentes, porém com o mesmo significado relativo em cada
campo, seria a adoção de percentis preestabelecidos para cada um dos estratos O Quadro 5 mostra a distribuição dos fatores de impacto para cinco áreas
(BORNMANN, 2013). Por exemplo, se todas as áreas adotassem como ponto de corte selecionadas das Ciências Sociais e Humanas. O mesmo princípio discutido
para o estrato A1 o percentil 95 da distribuição de um determinado indicador ou anteriormente se aplicaria neste caso. Atualmente na base SCImago estão listadas
conjunto de indicadores de impacto, seria imediatamente comparável a produção cinco revistas brasileiras de Administração, sete de Economia, três de Direito, seis de
qualificada nesse estrato para as diferentes áreas do conhecimento, visto que os Geografia e 18 de Educação. Destas, tomando por base os pontos de corte
periódicos aí classificados corresponderiam aos 5% superiores, isto é, aos 5% com apresentados na tabela, três seriam classificadas no estrato B5, 25 no estrato B4 e 11
maior impacto em cada uma das áreas. no estrato B3, pois nenhuma delas apresenta fator de impacto acima do valor
mediano. Entretanto, uma vez que na atualidade os artigos produzidos na pós-
graduação brasileira não se destinam a essas publicações, seria necessário estabelecer
Quadro 4 – Fatores de Impacto correspondentes a percentis selecionados da alguns critérios comuns que permitissem estipular a equivalência entre as
distribuição dos periódicos das áreas de Ciências Exatas e da Terra, 2012 classificações das diferentes áreas. Por exemplo, para ser classificada no estrato A1, a
revista deveria estar indexada em pelo menos uma base bibliométrica, ter impacto
Percentil Matemática Computação Física Química Geociências diferente de zero e ter artigos publicados em outra língua além do português. E assim,
P25 0,380 0,430 0,340 0,530 0,240 sucessivamente, poderiam ser determinados critérios qualitativos para o
P50 0,645 1,010 0,850 1,310 0,750 preenchimento de cada estrato. Se esses esforços, por um lado, restringem a
P75 1,118 1,920 1,790 2,640 1,690 flexibilidade de cada área no estabelecimento de suas próprias regras, por outro,
P90 1,900 3,158 3,266 4,286 2,661 poderiam contribuir para um sistema mais coeso e racional de avaliação.
P95 2,441 4,032 5,926 5,906 3,290
Fonte: elaboração própria. 10 DÉCIMO PONTO: USOS INDEVIDOS DO QUALIS PERIÓDICOS

Esses poderiam ser os pontos de corte para os estratos, de tal modo que, em O Qualis Periódicos, como anteriormente assinalado, é um dos instrumentos
qualquer área de avaliação, os periódicos classificados no estrato B5 fossem aqueles utilizados na avaliação dos programas de pós-graduação, tendo sido introduzido
com fator de impacto igual a zero ou sem fator de impacto medido; no estrato B4 fundamentalmente para qualificar a produção bibliográfica sob a forma de artigos dos
estariam os periódicos com fator de impacto maior do que zero e inferior ou igual ao mencionados programas. Há, no entanto, usos indevidos ou inadequados desse
valor do percentil 25; no estrato B3 ficariam as revistas com impacto entre o percentil instrumento, seja no processo de avaliação, seja em outros âmbitos da política
25 e a mediana (P50); no estrato B2, aquelas com impacto entre a mediana e o acadêmica ou científica.
percentil 75; no estrato B1, os periódicos com impacto entre o percentil 75 e o Apesar das tentativas da Diretoria de Avaliação de estabelecer regras comuns,
percentil 90; no estrato A2, as revistas com impacto entre o percentil 90 e o 95, e, nem todas as áreas do conhecimento fazem um uso adequado desse instrumento. A
finalmente, no estrato A1, aquelas acima do percentil 95. intenção inicial de utilizar os estratos para efetivamente discriminar de forma
Assim, o Qualis das áreas seria imediatamente comparável, e a produção dos adequada os distintos tipos de produtos pode ficar seriamente comprometida se no
PPGs poderia ser avaliada com base na proporção de artigos em cada estrato, pois eles processo de construção os estratos não forem exaustivos e mutuamente exclusivos.
teriam todos o mesmo sentido. Para as demais áreas que ainda não utilizam medidas Além disso, a proposta original pressupunha que a produção seria avaliada por meio
de impacto, seria necessário estabelecer critérios de transição e políticas de incentivo da pontuação obtida pela multiplicação do número de artigos em cada estrato pelo seu
aos periódicos nacionais para que busquem a indexação nas bases bibliométricas; e, peso ou fator de ponderação. Assim, se em uma área for atribuído o peso 10 aos
aos autores, para que comecem a publicar em periódicos já indexados nessas bases. artigos no estrato A1 e o peso 5 aos artigos no estrato B1, haveria equivalência entre

RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
um artigo A1 e dois artigos B1. Entretanto, nem todas as áreas vêm utilizando o acadêmicas, o problema se torna ainda maior exatamente pela incomensurabilidade
Qualis dessa forma, preferindo simplesmente comparar proporções de artigos nos das classificações.
estratos superiores ou acima de um determinado estrato. Desse modo, os sete estratos
não são efetivamente utilizados.
Há, contudo, outros usos indevidos do Qualis fora do âmbito da avaliação dos 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
programas que deveriam ser evitados. Entre esses possíveis usos, três serão aqui
destacados: pelos editores científicos, pelos comitês de assessoramento do CNPq e Como todo instrumento de classificação utilizado em processos avaliativos, o
pelas próprias universidades ou institutos de pesquisa na avaliação de docentes e Qualis Periódicos apresenta uma série de vantagens, mas traz também uma série de
pesquisadores. O uso da classificação do Qualis pelos editores científicos para dificuldades e problemas. Há margem para vários desenvolvimentos dessa ferramenta,
obtenção de fomentos e pelas agências para aprová-los é bastante discutível em se tornando-a mais apropriada para a finalidade que motivou sua criação.
tratando da competição entre periódicos dos diferentes campos científicos, na medida E, para que esse processo de desenvolvimento e aprimoramento ocorra, é
em que as classificações são incomensuráveis, como anteriormente demonstrado. As necessário que exista melhor compreensão sobre os diferentes aspectos envolvidos.
características da classificação com suas regras de proporções pré-fixadas para os Em primeiro lugar, é preciso compreender os motivos e os pressupostos por trás do
estratos superiores, e os diferentes critérios classificatórios usados pelas diferentes instrumento. Em segundo lugar, é essencial ter clareza sobre os princípios
áreas, além da possibilidade do recurso à indução ou sobrevalorização de classificatórios adotados. Em seguida, é necessário combinar diferentes fontes de
determinados periódicos, tornam seu uso como aferidor da qualidade do periódico, informação e indicadores de impacto, buscando minimizar as limitações inerentes a
fora do âmbito da avaliação de programas, bastante discutível. Um periódico pode ter cada um, e, finalmente, é importante desenvolver um sistema que permita a
qualidade e atender a todos os critérios formais desejáveis, mas, por ser publicado em comparação entre diferentes áreas e elimine as contradições atualmente existentes no
português e receber poucas citações nas bases internacionais, estar classificado em um sistema.
estrato como B3 ou B4. Isso não significa que não deva receber o fomento adequado,
inclusive para superar essa situação, podendo, por exemplo, traduzir todos os artigos
para o inglês e, assim, aumentar sua probabilidade de receber citações. Ten things you should know about the Qualis
Nas avaliações dos pesquisadores feitas pelos comitês assessores do CNPq
para a concessão de bolsas de produtividade, de auxílios diversos ou de fomento à Abstract
pesquisa, o uso do Qualis para avaliar a produção científica individual é bastante This article aims to address ten key points to understand the Qualis (classification of
incorreto e inadequado. Os comitês deveriam analisar detidamente os critérios usados journals) and thus answer questions that are often presented to area coordinators by
em cada área de avaliação e adaptá-los para as finalidades da avaliação da produção scientific editors, teachers and students of graduate programs. The questions will be
individual. Diversas áreas, como, por exemplo, a Saúde Coletiva, classificam no presented in order to clarify aspects applicable to all areas of evaluation whenever
estrato B2 periódicos com impacto acima da mediana da área, portanto, todos os possible. Some particular aspects will build on the experience of Public Health area.
artigos publicados em periódicos B2 ou superiores poderiam ser considerados de
qualidade equivalente. Tendo em vista as travas representadas pelas regras comuns da Keywords: Scientific Production. Graduate Course Evaluation. Journals
classificação, o que diferencia os periódicos classificados nos quatro primeiros Classification. Assessment Tools.
estratos é apenas o valor dos indicadores de impacto, sem que, necessariamente, essas
diferentes quantitativas remetam a diferenças fundamentais na qualidade da pesquisa
publicada. Muitas vezes, a diferença tem mais a ver com o tema da pesquisa do que
Diez cosas que vosostros debeis saber acerca del Qualis
com a qualidade intrínseca, dados os diferentes padrões de citação observados nas
subáreas de um mesmo campo científico. Do ponto de vista das avaliações do CNPq
Resumen
para a área de Saúde Coletiva, por exemplo, faria mais sentido separar os artigos
Este artículo trata de abordar diez puntos clave para entender el Qualis periódicos y
usando apenas três estratos do Qualis, e não os sete originais. Os artigos publicados
así responder a las preguntas que a menudo se presentan a coordinadores de área por
em periódicos classificados nos estratos B2 a A1 formariam um grupo, aqueles
editores científicos, profesores y estudiantes de los programas de postgrado. Los
publicados em periódicos dos estratos B3 e B4 formariam outro grupo, e o terceiro
tópicos se presentarán a fin de aclarar los aspectos aplicables a todos los ámbitos de la
seria formado pelos artigos publicados em periódicos do estrato B5.
evaluación siempre que sea posible. Algunos aspectos particulares se basarán en la
As mesmas limitações apontadas para a avaliação da produção individual dos
experiencia de la área de Salud Colectiva.
pesquisadores se aplicam à avaliação da produção docente para fins de promoções na
carreira acadêmica ou para definição de incentivos financeiros definidos pelas
Palabras clave: Producción Científica. Evaluación de Posgrados. Clasificación de
universidades e outras instituições de ensino superior. Os comitês acadêmicos
Periódicos Científicos. Herramientas de Evaluación.
encarregados dessas avaliações teriam de adaptar o Qualis de cada uma das áreas de
avaliação antes de aplicá-lo indiscriminadamente. Nesse caso em particular, como as
avaliações, muitas vezes, implicam a comparação entre as diferentes unidades

RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
SJR – Journal Search – Scimago Journal & Country Rank. Disponível em:
<www.scimagojr.com/journalsearch.php>. Acesso em: out. 2013 e out. 2015.
Notas
* Doutora em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo (USP) e TAYLOR, M.; PERAKAKIS, P.; TRACHANA, V. The siege of science. Ethics in
professora-adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Science and Environmental Politics, v. 8, p. 17-40, 2008.
São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected].
WALTER, G. et al. Counting on citations: a flawed way to measure quality. Medical
Journal of Australia, v. 178, n. 17, p. 280-281, March 2003.
Referências
WEBQUALIS CAPES. Disponível em: <www.sucupira.capes.gov.br>. Acesso em:
BARATA, R. B. A ABRASCO e a pós-graduação stricto sensu em Saúde Coletiva. out. 2015.
In: LIMA, N. T.; SANTANA, J. P.; PAIVA, C. H. A. (Eds.) Saúde Coletiva: a
ABRASCO em 35 anos de história. Rio de Janeiro: Fiocruz/Abrasco, 2015 Recebido em 28/03/2016
Aprovado em 27/06/2016
BARRETO, M. L.; ARAGÃO, E.; SOUSA, L. E. P. F.; SANTANA, T. M.;
BARATA, R. B. Diferenças entre as medidas do índice h geradas em distintas fontes
bibliográficas e engenho de busca. Revista de Saúde Pública, São Paulo, SP, v. 47,
n. 2, p. 231-238, 2013.

BORNMANN, L. How to analyze percentile citation impact data meaningfully in


bibliometrics: the statistical analysis of distributions, percentil rank classes and top-
cited papers. Journal of the American Society for Information Science and
Technology, Carolina do Norte, USA, v. 64, n. 3, p. 587-595, 2013.

COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL


SUPERIOR – CAPES. CAPES 60 anos. Revista Comemorativa 2011. Disponível
em: <https://www.capes.gov.br/images/stories/download/Revista-Capes-60-
anos.pdf>. Acesso em: 5 out. 2015.

FERREIRA, M. M.; MOREIRA, R. L. Capes. 50 anos. Depoimento ao


CPDOC/FGV. Brasília, 2002. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001600.pdf>. Acesso em: 5
out. 2015.

GLÄNZEL, W.; MOED, H. F. Journal impact measures in bibliometric research.


Scientometrics, v. 53, n. 2, p. 171-193, 2002.

LEEUWEN, T. H. et al. Language biases in the coverage of the Science Citation


Index and its consequences for international comparison of national research
performance. Scientometrics, v. 51, n. 1, p. 335-346, 2001.

LINDSEY, D. Using citations counts as a measure of quality in science measuring


what’s measurable rather than what’s valid. Scientometrics, v. 15, n. 3-4, p. 189-203,
1989.

RUANO-RAVINA, A.; ALVAREZ-DARDET, C. Evidence-based editing: factors


influencing the number of citations in a national journal. Annals of Epidemiology, v.
22, n. 9, p. 649-653, 2012.

RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates RBPG, Brasília, v. 13, n. 1, janeiro/abril 2016 | Debates

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO

DIREITO & JUSTIÇA Brazilian legal system, as well as its history and changes over time. Still, developing the
A revista da Escola de Direito da PUCRS
discussion on the practice of abortion in parental rights on such rights. Among those
mentioned and highlighted assumptions are the fundamental right to life, the principle of
e-ISSN: 1984-7718 DIREITOS FUNDAMENTAIS | BIODIREITO freedom of choice, and abortion institute analyzed in line with the principle of human dignity
which is the pillar of the Constitution..
Keywords: Fundamental Right to Life; Principle of Freedom of Choice; Abortion.
Direito Fundamental à vida e o Princípio da Autonomia da Vontade: uma visão
histórica diante das práticas abortivas INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem por base examinar mesmo que de forma sucinta o
Fundamental right to life and the principle of autonomy of will: an historical view direito fundamental à vida e o princípio da autonomia da vontade, tendo como
forward practices abortifacient balizador o princípio da dignidade humana, tratando todos os direitos expressos e
implícitos na Constituição Brasileira de 1988 com o mesmo grau de hierarquia, ou
BAEZ, Narciso Leandro Xavier seja, verticalizados.
Stephani Elizabeth Steffen O estudo norteia-se pelo instituto do aborto, tema bastante controverso e
polêmico, enraizado culturalmente nas sociedades desde a antiguidade sob
DOI: 10.15448/1984-7718.2016.2.24691
diferentes aspectos. Embora a legislação brasileira venha evoluindo em que pese
alguns posicionamentos no que tange ao direito fundamental à vida e o princípio da
RESUMO: A presente pesquisa versa sobre o direito fundamental à vida e o princípio da
autonomia da vontade no ordenamento jurídico brasileiro, em que faz referência a uma autonomia da vontade, no entanto ainda atrelados a tabus que não mais condizem
discussão em face do aborto analisado sob uma perspectiva histórica. Os estudos realizados
têm por objetivo dissertar de forma breve sobre o significado e entendimentos doutrinários com a sociedade contemporânea.
do direito fundamental a vida e do princípio da autonomia da vontade. Pretende-se também Diante da vasta bibliografia produzida a respeito desses temas e das
explicar quais são as espécies de abortos permitidos e proibidos no ordenamento jurídico
pátrio, bem como sua história e alterações através dos tempos. Ainda, desenvolver a diferentes vertentes teóricas que problematizam os assuntos, sem, no entanto,
discussão sobre a prática do aborto no direito pátrio diante dos direitos supramencionados.
Entre os pressupostos mencionados e destacados estão o direito fundamental a vida, o alcançarem consenso, adota-se a postura científica de simplificar a sua abordagem,
princípio da autonomia da vontade, e o instituto do aborto analisados em consonância com dividindo-a em partes.
o princípio da dignidade humana que é o pilar da Constituição Federal.
Palavras-chave: Direito Fundamental a Vida; Princípio da Autonomia da Vontade; Aborto. Primeiramente estudam-se o conceito de direitos fundamentais, para tanto,
analisa-se os direitos e princípios fundamentais, mais especificamente o princípio da
ABSTRACT: This research is about the fundamental right to life and the principle of freedom
dignidade humana, seus entendimentos sob o enfoque doutrinário. Além disso,
of choice in the Brazilian legal system, which refers to a discussion in the face of abortion
analyzed from a historical perspective. The studies aim to expound briefly on the meaning aborda-se o direito fundamental a vida e o princípio da autonomia da vontade. Após,
and doctrinal understanding of the fundamental right to life and the principle of freedom of
choice. It also intends to explain what kinds of allowed and prohibited abortions in the disserta-se a respeito do instituto do aborto, tanto do ponto de vista histórico,
filosófico quanto jurídico, para enfim verificar a tutela jurídica do direito
Coordenador Acadêmico-Científico do Centro de Excelência em Direito e do Programa de
Mestrado em Direito da Universidade do Oeste de Catarina; Pós-Doutor em Mecanismos de
fundamental à vida e do princípio da autonomia da vontade diante das práticas
Efetividade dos Direitos Fundamentais pela Universidade Federal de Santa Catarina; Doutor em abortivas.
Direitos Fundamentais e Novos Direitos pela Universidade Estácio de Sá, com estágio bolsa
PDEE/Capes, no Center for Civil and Human Rights, da University of Notre Dame, Indiana, Estados O aporte teórico deste estudo pauta-se na pesquisa bibliográfica,
Unidos; Mestre em Direito Público; Especialista em Processo Civil; Juiz Federal da Justiça Federal
de Santa Catarina. Email: [email protected] . consubstanciada na leitura crítica de obras doutrinárias e julgados do Supremo
Graduanda em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC Chapecó. Bolsista
FAPE do Programa Mestrado em Direitos Fundamentais. Contato: [email protected] . Tribunal Federal, utilizando-se da abordagem qualitativa para a consecução dos

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 255 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 256

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO

objetivos propostos. se autodetermina, dessa forma vive de acordo com as leis que ele mesmo produz
sendo um fim em si mesmo o que o diferencia dos seres irracionais que apenas
1 DIREITO FUNDAMENTAL A VIDA E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE: servem como meio sendo considerados como meras coisas. O fato de possuir
ASPECTOS CONCEITUAIS dignidade impede substituição, logo não possui valor.
A grande problemática do direito fundamental à vida refere-se Dessa forma, o ser humano por ser possuidor de razão e detentor de
principalmente ao conflito de interesses e consequentemente a colisão de princípios, autonomia de vontade, consciente de seus atos possui dignidade, diferentemente de
pois embora o direito a liberdade, autonomia da vontade e o direito à vida estejam seres irracionais tratados como meras coisas, objetos, ou seja, passíveis de
dispostos na Constituição Pátria com o mesmo grau de hierarquia existe substituição, coisificação. Dito isso, percebe-se que a dignidade está acima de
entendimentos que o direito à vida possua uma valoração superior e por vezes qualquer preço, sendo exclusiva ao ser humano (BAEZ, 2010), e não somente por sua
inferioriza o direito a autonomia da vontade do indivíduo, ou seja, o direito a condição humana, mas pelo fato de viver de acordo com seus próprios parâmetros e
liberdade da pessoa. decisões (COMPARATO, 2003).
Visto sob uma perspectiva histórica os direitos fundamentais sempre O direito à vida é característico dos direitos de personalidade, sendo
estiveram ligados ao aspecto político de cada sociedade tendo por principal objetivo indisponível pelo fato de ser direito à vida e não direito sobre a vida, bem como um
romper com a ideia de poderes ilimitados do Estado (GALINDO, 2003) buscando a direito de ordem negativa, pois não se pode dispor da vida com ou sem
proteção do indivíduo, ou seja, a autonomia do cidadão em face do governo consentimento, sendo de valor supremo tutelado pelo Estado (Ó CATÂO, 2004).
restringindo assim sua intromissão na vida social (THEODORO, 2002). Considerado também um direito de primeira dimensão1, nasceu com o advento das
Assim, os direitos fundamentais se tornaram basicamente instrumentos de revoluções francesas e norte-americanas, onde a burguesia reclamava por liberdades
efetividade e garantia de concretização de uma vida digna tendo em vista que o fato individuais bem como a limitação dos poderes tidos pelos governos absolutistas.
de existirem em inúmeras constituições ao redor do mundo contribuiu para a Mas a proteção do direito à vida começou a ser realmente vista e tutelada
concretização dos direitos humanos, bem como possibilita por meio de ações com maior rigor com o advento da Segunda Guerra Mundial, a partir de todas as
judiciais devido à vinculação do Estado a defesa contra arbitrariedades. Portanto, os atrocidades e desrespeitos cometidos nos campos de concentração nazista, gerando
direitos fundamentais são a positivação dos direitos humanos dentro de cada Estado assim a consciência da proteção da dignidade humana a qualquer custo (PIOVESAN,
tendo por objetivo a realização da dignidade da pessoa humana (BAEZ, 2010). 2011).
A dignidade da pessoa humana foi consagrada como condição de A Organização das Nações Unidas - ONU órgão criado com o intuito de
fundamento do nosso Estado Democrático (SARLET, 2012), considerada como um de celebrar e promover internacionalmente a paz e a segurança mundial teve como
seus sustentáculos (PEIXINHO, 2003), sendo a Constituição Federal de 1988 precursora a Liga das Nações estabelecida em 1919 durante a Primeira Guerra
entendida por excelência como garantidora desse instituto tido como elemento Mundial que possuía previsões genéricas relativas a Direitos Humanos, embora
basilar e informador dos direitos e garantias fundamentais (SARLET, 2012). somente com a ONU em meados do século XX que ocorreu a verdadeira
Hodiernamente, a tese sobre a dignidade da pessoa humana desenvolvida
1
Direitos fundamentais de Primeira Dimensão são os direitos conquistados pelo indivíduo em face do
por Immanuel Kant (1980) é referência para a maioria dos doutrinadores, nela Kant Estado, consagrados no período do liberalismo e implantados nas primeiras constituições. Os Direitos
contemplados são: direito a vida, direito a liberdade, direito a propriedade e igualdade formal.
afirma que o ser humano por ser possuidor de razão possui autonomia da vontade, (GALINDO, 2003)

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 257 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 258

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO

consolidação dos Direitos Humanos. Seu principal instrumento, a Declaração liberdade ao seu povo, para que com ela busque sua felicidade plena (BOBBIO,
Universal dos Direitos Humanos estabeleceu no Art. III “que toda pessoa tem direito 1992). Nesse sentido menciona que o homem é um fim em si mesmo não podendo
à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. A partir disso, diversos pactos e tratados ser coisificado, sendo um fim e não um meio, pois não possui um preço, possuindo
foram firmados em todo o mundo (PIOVESAN, 2011). assim dignidade.
O Brasil no que tange a proteção ao direito à vida somente trouxe De acordo com Berlim (1981), muitas são as perspectivas que a ideia de
especificamente positivado no texto constitucional de 1988 na chamada Constituição liberdade pode trazer, a liberdade individual pode ser considerada como conclusiva e
Cidadã, que prevê no artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de de acordo com essa tese ninguém poderia simplesmente retirá-la por ser intrínseca,
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no visto de forma adaptada como liberdade institucional que prevê a máxima de não
País a inviolabilidade do direito à vida”, bem como dos demais direitos que dela trate os outros como não gostaria de ser tratado, considerada como uma das bases
nascem (SARLET, 2012). O direito à vida foi inserido no rol dos direitos fundamentais, da moralidade liberal, e dessa forma a liberdade institucional é considerada como
assumindo posição de valor superior em relação aos demais direitos de acordo com um dos objetivos do homem.
diversos doutrinadores, assegurando desta forma não só o direito à vida dos A liberdade em si, apresenta-se num primeiro momento em uma dicotomia:
nacionais como também dos estrangeiros, e dos seres humanos de forma geral. liberdade interna e liberdade externa. A primeira é subjetiva, a liberdade moral, é o
Dentre as sete constituições do Brasil, a constituição de 1988, foi pioneira livre-arbítrio, como simples manifestação da vontade no mundo interior do homem,
no que diz respeito a Direitos Humanos, embora as demais Constituições não a outra liberdade é objetiva, e consiste na reprodução externa do querer pessoal, é a
trouxessem expressamente à proteção a vida, esta era tida como inata, pois liberdade de poder fazer, mas esta liberdade implica o afastamento de obstáculo ou
indiretamente se referia nas leis infraconstitucionais, assim passou a sua positivação coações, de modo que o homem possa agir livremente (SILVA, 2002).
diretamente no texto constitucional em 1988 para que não houvesse mais dúvidas A liberdade só existe, sempre e onde quer que se aproveite a oportunidade
da posição do país em que pese à dignidade humana e o respeito ao próprio ser de auto-realização, adquirindo forma na conduta efetiva dos homens. Portanto, a
humano. A partir de então as monstruosidades da Segunda Guerra Mundial e os principal ideia consiste em eliminar toda espécie de coação que se oponha no
trinta anos de ditadura que o Brasil havia acabado de “superar” ficariam para trás de caminho da liberdade. Nada deve restringir a auto-realização do homem no aspecto
acordo com o novo texto constitucional. de sua vida, restando apenas à sociedade preservar seus principais interesses em
Enquanto que a idéia de liberdade tornou-se mais forte com o advento da prol da coletividade (DAHRENDORF, 1981).
revolução francesa ocorrida em 1789 em que o povo passa a se autodeterminar, A liberdade não pode ser conceituada por fórmulas simples ou conceitos
exercer sua autonomia da vontade sob a forma de legislar suas próprias leis e assim anárquicos, mas pelo estudo dos limites e das condições que, num campo e numa
findando uma era dos governos despóticos (BOBBIO, 1992). situação determinada, podem tornar efetiva e eficaz a possibilidade de auto-
Kant (2004) desde a revolução francesa defende a tese da realização do homem. Laski (1934) afirma que por liberdade pode-se entender como
autodeterminação, onde o princípio da autonomia da vontade é a capacidade que a ávida manutenção daquela atmosfera através da qual os homens têm
somente os seres racionais têm de se auto-determinar e agir de acordo com a oportunidade de ser o melhor de si.2
representação de certas leis, visto ser um princípio norteado pela dignidade da
natureza (SARLET, 2011). Assim, acredita que a verdadeira finalidade do Estado é dar 2
“By liberty I mean the eager maintenance of that atmosphere in which men have opportunity to be
their best selves.”

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 259 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 260

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO

Sarmento (2005) exara que “É certo que a autonomia privada recebe norteadores da ordem econômica e da ordem social brasileira acolhido pelo
proteção da ordem constitucional, também está fora de dúvida que, dentro do constituinte (SARMENTO, 2005).
quadro axiológico delineado pela Constituição de 1988, essa tutela não é uniforme, Mas poder ponderar entre o direito à liberdade, autodeterminação,
sendo muito mais intensa no plano concernente às escolhas existenciais da pessoa autonomia das escolhas frente ao também direito fundamental, o direito à vida é
humana do que no campo da sua vida patrimonial e econômica. Por outro lado, demasiadamente complicado. Tendo em vista que o direito à vida é bastante
considerando a noção de pessoa subjacente à ordem constitucional brasileira, é fácil difundido na legislação vigente e aos poucos supera a ideia do divino ou do
inferir que a proteção da autonomia privada, em cada caso, não pode prescindir de entendimento do direito a vida como algo intocável, faz-se necessário o
considerações a propósito das condições efetivas de liberdade do sujeito de direito entendimento que o princípio da inviolabilidade à vida tornou-se insuficiente e o ser
no mundo da vida”. humano cada vez mais governa sua vida com autodeterminação, sendo autor e
O Ordenamento jurídico brasileiro prestigia o direito a liberdade no inciso X responsável de sua própria existência, dessa forma usufruindo do seu direito de
do artigo 5º da Constituição Federal em que menciona que “são invioláveis a autonomia (JUNGES, 2005).
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, dessa forma, 2 ABORTO: UMA VISÃO HISTÓRICA
autorizando as pessoas como seres individuais a se auto-reger, com poder de A palavra aborto tem origem no latim abortacus, derivado de aboriri
decisão sobre suas próprias vidas. (perecer), e oriri (nascer). Significa a interrupção do processo natural de gestação,
Portanto, conforme explanado por Sarmento (2005) “Não cabe ao Estado, a resultando em morte pré-natal da vida humana intra-uterina (SILVA , 2002).
qualquer seita religiosa ou instituição comunitária, à coletividade ou mesmo à Conforme ensina Hungria (1955), a prática do aborto nem sempre foi
Constituição estabelecer os fins que cada pessoa humana deve perseguir, os valores criminalizada, pois era comum nas civilizações gregas e hebraicas. De acordo com a
e crenças que deve professar, o modo como deve orientar sua vida, os caminhos que lei das XII tábuas na Roma antiga, o produto da concepção era considerado somente
deve trilhar. Compete a cada homem ou mulher determinar os rumos de sua como parte integrante do corpo da mulher onde ela poderia dispor conforme sua
existência, de acordo com suas preferências subjetivas e mundividências, vontade. Após, com os imperadores Adriano, Constantino, e Teodósio, a partir do
respeitando as escolhas feitas por seus semelhantes, pois os particulares são cristianismo é que o aborto passou a ser reprovado por ser uma lesão ao direito do
titulares de uma esfera de liberdade juridicamente protegida, que deriva do marido em que pese sua descendência.
reconhecimento da sua dignidade”. Na idade média o teólogo Santo Agostinho com base na doutrina de
Dessa forma, basta percorrer e analisar com a mínima atenção a Aristóteles datada do século XIII, que considerava o aborto justificável, o considerava
Constituição de 1988 para verificar que a liberdade que ela pretende assegurar não é crime apenas quando o feto tivesse recebido alma, o que se julgava correr quarenta
a mera liberdade formal ou negativa, circunscrita à ausência de constrangimentos ou oitenta dias após a concepção segundo se tratasse de varão ou mulher “quod
externos ao comportamento dos agentes. Pois, é flagrante no discurso constitucional hominem e quod feminam”, não considerando criminoso o aborto praticado antes do
a preocupação com a efetividade da liberdade, e com a garantia das condições decurso de tais períodos. A Igreja católica passou a adotar tal tese, mas após com os
materiais indispensáveis ao seu exercício, o que se evidencia diante do generoso conhecimentos biológicos e falta de certezas oferecida pela ciência, passa-se a
preâmbulo, do amplo rol de direitos sociais consagrado, e ainda dos princípios

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 261 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 262

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO

considerar aborto a destruição do embrião, pois era já considerado sagrado As espécies de aborto permitidas no ordenamento jurídico brasileiro,
(WARNOCK , 2004). previstas como excludente de ilicitude são o aborto intitulado terapêutico que
Muito embora essa prática fosse corroborada na Grécia antiga pela grande ocorre quando a vida da gestante corre risco de morte e o Aborto Humanitário,
maioria de pensadores, sendo utilizado em grande escala, Hipócrates 460 a.C, também chamado de sentimental sendo outro caso de excludente de ilicitude. Essa
considerado o pai da medicina era severamente contra a qualquer médico ensinar modalidade de aborto surgiu quando alguns países da Europa, na Primeira Guerra
ou fornecer ajuda para práticas abortivas (ALMEIDA, 2000), legado esse deixado em Mundial tiveram suas mulheres violentadas por invasores, diante da indignação
seu juramento difundido até os dias atuais. patriota, criou-se a figura do aborto sentimental, para que essas mulheres não
Assim, com o passar dos tempos, o aborto foi sendo muito discutido na fossem obrigadas a carregar no ventre os filhos de seus agressores.
sociedade contemporânea, onde diversas nações optaram por sua regulamentação Nos casos previstos como excludentes de ilicitude a mulher pode optar pelo
cada qual com suas peculiaridades, tais como os Estados Unidos, França, Itália, aborto ou não, somente nos casos de aborto por motivo de estupro que são exigidos
Alemanha, Portugal, Espanha entre diversos outros enquanto outros se mantêm alguns requisitos tal como se a progenitora for menor de idade ou incapaz o
terminantemente contra como o Chile (SARMENTO, 2007). consentimento dar-se-á por seu representante legal. Nos casos de violência sexual, a
Roxin aduz sobre o fato de países como a Alemanha ser favorável a prática realização do aborto é praticada pela rede pública de saúde com a apresentação do
do aborto em fetos que apresentam severas lesões hereditárias, dessa forma não boletim de ocorrência juntamente com a declaração da gestante (BRAUNER, 2003).
obrigando coercitivamente a genitora a suportar os encargos devidos aos problemas Recentemente pacificado pelo Supremo Tribunal Federal por meio da ADPF-
ocasionados pelas deficiências do feto. O Brasil por sua vez é severamente contrário Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 que alega ofensa à
a essa perspectiva (ROXIN, 2008). dignidade humana da mãe, que se vê obrigada a carregar no ventre um feto que não
Apesar de figurar entre as nações contrárias a prática, admite algumas teria condições de sobreviver após o parto, pois a tese adotada pelo relator consiste
exceções, muito embora possua uma das legislações mais severas do mundo, sendo na má formação do tubo neural, caracterizando-se pela ausência parcial do encéfalo
tratado na legislação brasileira desde o Código Criminal de 1830. O auto-aborto não e do crânio, resultante de defeito no fechamento do tubo neural durante a formação
era previsto como crime nem se atribuía à mulher qualquer atitude criminosa pelo embrionária. Dessa forma, segundo a ciência médica, causa-se morte em 100% dos
consentimento para o aborto praticado por terceiros, sendo o bem tutelado a casos, o feto se alcançar o final da gestação, sobrevive minutos ou dias no máximo,
segurança da pessoa e da vida. Dessa forma veio o código de 1890, derrogando o visto que para o direito é um natimorto cerebral (STF, 2012).
anterior e trazendo como conduta tipificada o auto-aborto, mas somente em 1940 O voto do relator trouxe como dado relevante o fato do Brasil figurar em
com atual Código que nos rege que o legislador deixou o tema mais claro e quarto colocado em que pese casos de fetos anencefálicos, ficando atrás apenas do
específico (SARMENTO, 2007). Chile, do México e do Paraguai, alem de trazer o direito à vida não como um direito
O referido Código Penal do Império de 1890 então ampliou a imputabilidade intocável e absoluto, mas sim, ganhando contornos mais amplos e atraindo proteção
do crime de aborto punindo o auto-aborto, embora nos casos de desonra não fosse estatal de forma mais intensa, a medida que ocorre o seu desenvolvimento (STF,
tão rígido, pois ainda era visto como meio de ocultar desonra própria. A grande 2012).
importância desse código foi à introdução da noção de aborto legal ou necessário, Visto que não se coaduna com o princípio da proporcionalidade proteger
usado em casos onde não houvesse outro meio de salvar a vida da gestante. apenas um dos seres da relação, privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 263 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 264

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO

tem sequer expectativa de vida extra-uterina, aniquilando, em contrapartida, os 3 A TUTELA JURÍDICA DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E OS LIMITES DO
direitos da mulher, sendo que o resultado final será a morte do feto, indo de PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE DIANTE DAS PRÁTICAS ABORTIVAS
encontro aos princípios basilares do sistema constitucional, mais precisamente à A vida é tratada e entendida por diversas perspectivas nas mais diversas
dignidade da pessoa humana, à liberdade, à autodeterminação, à saúde, ao direito civilizações, bem como divergente dentro de uma mesma sociedade ao ponto de
de privacidade, ao reconhecimento pleno dos direitos sexuais e reprodutivos de proteger o embrião fecundado no corpo da genitora com extrema rigidez ou
milhares de mulheres (STF, 2012). simplesmente ser favorável ao aborto até o momento do nascimento. Ocorre, que a
O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma simbiose no corpo da mãe pode vir a gerar colisões de interesse que somente serão
espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de resolvidas por meio de ponderações (ROXIN, 2008).
autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não Embora a vida intrauterina goze de proteção constitucional o grau de sua
pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido (STF, 2012). intensidade é menor em comparação ao nascituro, mas é percebido que a proteção
Em 1994, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento dada desde o embrião aumenta consubstancialmente ao passo de seu
realizada no Cairo o aborto foi considerado como um grave problema de saúde desenvolvimento, portanto não se equipara a vida intrauterina e a extrauterina
pública, e em 1995 na Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher realizada em (SARMENTO, 2007).
Beijing, adotou-se a recomendação que fosse revista às leis que punem as mulheres O Código Penal Brasileiro não se preocupou necessariamente com uma
que recorrem à interrupção voluntária da gravidez, sendo importante frisar que o expressa posição referente ao início da vida, portanto é possível sustentar em tese
Brasil é signatário sem reservas de ambos os programas implantados nas diversos posicionamentos, tais como o entendimento que o embrião não pode gozar
conferências. Dessa forma é nítido que o Brasil está violando direitos humanos da mesma proteção que um homem já nascido, bem como nos casos de embriões
internacionalmente protegidos (PIOVESAN, 2007). que se encontram extra uterinamente, casos esses crescentes hodiernamente
Visto que devido a estas conferências a comunidade internacional por meio (ROXIN, 2008).
dos comitês da ONU sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, sobre a Ó Catão (2004) diz que o direito a vida propriamente dito está condicionado
Eliminação da Discriminação contra a Mulher e sobre Direitos Humanos ao nascimento com vida, sendo que o nascituro apenas possui uma mera expectativa
recomendaram ao Brasil uma revisão na legislação vigente para que possam garantir de direito à vida. Dessa forma ao analisar a diferença entre “vida humana e pessoa
os direitos inerentes às mulheres e que principalmente passem a tratar a entidade humana” ao passo que são dois institutos diferentes, vê-se que o embrião é humano,
do aborto como um grave problema de saúde pública (PIOVESAN, 2007). pois pertence à espécie homo sapiens sendo dotado de identidade própria e mesmo
Visto isso, é propício que se discorra sobre a tutela jurídica do direito dentro da gestante é um ser único, mas ainda não é pessoa, somente em potencial,
fundamental à vida e do princípio da autonomia da vontade diante das práticas com seus direitos tutelados, mas não podendo ser equiparado ao tratamento dado à
abortivas, analisando os aspectos tanto dos direitos dados as mulheres quanto o pessoa (SARMENTO, 2007).
direito a vida do embrião/feto, onde busca-se enfim encontrar alternativas para que Sarmento (2007) acrescenta que esta visão intermediária que reconhece os
todos os interessados tenham seus direitos assegurados. direitos dados à vida intrauterina atribuindo a ela proporção ligeiramente inferior à
dada a extra-uterina é amplamente aceita em que pese às demais Nações, sendo

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 265 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 266

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO

praticado por diversos tribunais inclusive estando em harmonia com a ordem consideração o que move tal conduta, se é exclusivamente por razões públicas ou se
constitucional brasileira, visto que acima de tudo possui respaldo científico. deixar ser afetada por questões externas como a religiosa (SARMENTO, 2007).
Importante ressaltar que esta é a análise de apenas um dos lados em suas Na Alemanha, por exemplo, o aborto deve ser realizado por médico a
diversas perspectivas, mas quando entra-se no mérito do direito à vida em si, é requerimento da gestante no lapso temporal de 12 semanas desde a concepção,
perceptível que inúmeros outros direitos fundamentais são afetados. Feriria o direito tendo sido submetida a orientação da "repartição de aconselhamento em casos de
a saúde da mulher, obrigá-la a conviver com o fruto traumático de um estupro ou conflitos na gravidez" em pelo menos três dias anteriores a cirurgia. Esse
com a gravidez de anencéfalo que não teria chances de sobrevivência pós-útero, aconselhamento tem um viés de encorajamento a gestante com o propósito de
seria um natimorto visto do ponto de vista jurídico. manter a gestação responsável e consciente, entendendo que a decisão final só cabe
A grande questão versa sobre se o feto tem direito intrínseco a vida ou não a ela (ROXIN, 2008).
e se a mulher grávida possui direitos menos relevantes em comparação, pergunta Roxim (2008) assevera que os interesses vitais da mulher devem prevalecer
esta extremamente complicada, tendo em vista o fato de ter-se interiorizado a ideia sobre os do embrião,mas que de qualquer forma o Tribunal constitucional alemão
de que tirar uma vida é algo ruim ou mau, mesmo embora no caso concreto não seja peca no mundo dos conceitos jurídicos, pois admitir um aborto até os três primeiros
ruim. Assim, acredita-se que mesmo que o feto não tenha direitos ou interesses eles meses de gestação trata-se de unilateralidade, além de fazer referência apenas a
não podem de forma alguma ser violados, ou seja, acredita-se verdadeiramente na realidade do ponto de vista social, embora a solução do aconselhamento traga do
ideia que a vida é sagrada independentemente de qualquer coisa (DWORKIN, 2009). ponto de vista prático maior efetividade, muito embora uma mulher decidida a um
Para uma possível resolução desse impasse, Roxim admite duas hipóteses aborto possivelmente não retroagirá.
que denomina como "solução de indicações" e "solução de prazo". Em princípio as O embrião tanto do ponto de vista brasileiro quanto do alemão é similar,
"solução de indicações" são entendidas como havendo punibilidade para o aborto, pois é protegido somente contra o homicídio doloso, por meio da incriminação do
contudo, pode vir a ser justificado e impunível desde que realizado por um médico a aborto. Tendo em vista que o momento específico do nascimento não é tratado com
requerimento da gestante baseado em situações como perigo de vida à gestante, exclusividade pelo direito brasileiro sendo apenas registrado no Código Civil com a
gravidez decorrente de abuso sexual entre outros. Enquanto, a "solução de prazo" menção ao nascimento com vida, enquanto a Alemanha aduz já no início do
permite dentro de determinado prazo, geralmente um lapso temporal de três meses nascimento com as dores do parto, com isso, entende-se que lesões provocadas
a requerimento da mãe interromper a gestação sem qualquer justificativa, muito esporadicamente durante o processo de nascimento deixariam de ser puníveis caso
embora após esse prazo somente com prescrição médica (ROXIN, 2008). fossem entendidas como conduta culposa (ROXIN, 2008).
Cabe mencionar que as divergências entre a proibição e a liberação do Em que pese os direitos encontra-se de um lado a sociedade buscando
aborto basicamente são fundadas em valores morais, filosóficos e, sobretudo proteger a todos que nela façam parte, independente se for de forma subjetiva com
religiosos e no que se refere ao direito à vida, necessário se faz questionar os direitos mera expectativa de vida ou de outros direitos das mulheres e seus interesses reais
do indivíduo de forma ampla, pois todos de forma geral são tutelados igualmente devendo ser respeitada sua dignidade. Dessa forma encontra-se o conflito de
pelo Estado, mas ao passo que exista uma busca de obrigar este sem considerar os inúmeros direitos fundamentais envolvendo a dignidade humana, o usufruto da vida,
demais vieses, perde-se o princípio basilar da igualdade, isto levando em a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 267 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 268

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO

individuais, especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos de milhares de A sociedade de forma geral continua sofrendo modificações, mudando
mulheres (STF, 2012). valores, o que é percebido claramente em que pese à entidade do aborto que
Dessa forma se faz necessário o entendimento que em nenhuma hipótese deveras foram às alterações sobre suas possibilidades, tanto de cunho filosófico,
um direito fundamental deve suprimir outro numa colisão, isso porque os princípios religioso, social ou jurídico. E não pode-se deixar de mencionar que o Código Penal
não são eliminados como as normas que estão em desacordo com o ordenamento vigente é datado do ano de 1940, deixando assim a letra da lei mais dura e em
jurídico. E com base nisso se entende que se deve sacrificar o mínimo para que o descompasso com a realidade social. Bem como, considerando o fato do aborto não
máximo de direitos fundamentais possa vigorar (FREITAS, 2005). ser novidade na contemporaneidade possuindo registros de sua prática nas mais
Portanto, a liberdade e a igualdade, direitos estes tidos como fundamentais longínquas civilizações.
são condições de convivência dos demais valores inexistindo hierarquia entre eles, Ressalta-se ainda o fato do Brasil ser signatário de tratados internacionais
dessa forma devem ser vistos e usados como vetores para uma vida digna para todos de proteção às mulheres e violá-los constantemente, apesar das recomendações dos
e não somente para os que compartilham dos mesmos pressupostos (STF, 2012). órgãos competentes que solicitaram uma legislação mais branda e adequada de
Com isso, nota-se que o direito a vida e o direito a autonomia do corpo da acordo com a realidade atual que levasse em consideração o problema social
mulher dentre os outros princípios atingidos entram em colisão quando o tema do vivenciado.
aborto é iniciado, mas visto que esses princípios podem ser sopesados aplicando o Logo, não se trata de ser favorável ou estar em desacordo com a prática do
princípio da proporcionalidade buscando uma ponderação em que o resultado possa aborto, se trata da possibilidade de ponderação entre os princípios fundamentais em
ser visto em análise ao caso fático e jurídico trazendo uma maior justiça para os que passe a ser analisado e respeitado o direito de todos os envolvidos de acordo
interessados, visto que na seara da vida tudo está em constante desenvolvimento e com sua relevância, sem negligenciar o princípio da dignidade humana em favor de
ocorrem mudanças instantâneas não podendo permanecer reféns de um direito ou tabus ou preceitos religiosos, entendendo que ter direito a uma vida digna é não a
reféns de um direito estático. proteção concedida à vida do embrião, mas também os direitos das mulheres em
Com isso o direito de forma alguma deve manter-se engessado visto a todas as suas concepções respeitando o ideário de um Estado laico e pluralista.
medida da complexidade da sociedade que diverge muito da estabelecida pelo
código penal de 1940. Logo, não se aconselha manter o direito à vida como um REFERÊNCIAS
direito intocável, mas admitir a harmonização dos direitos fundamentais de acordo ALMEIDA, A. M de. Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000.

com o princípio da dignidade humana. BAEZ, N. L. X. Direitos Humanos, Direitos Do Homem e a Morfologia dos Direitos Fundamentais. In;
BAEZ, N. L.X.; LEAL. R. G.; MEZZAROBA, O. (Coord). –Dimensões Materiais e Eficaciais dos Direitos
Fundamentais. São Paulo: Conceito, 2010.
CONCLUSÃO BERLIM, I. Quatro Ensaios sobre a Liberdade. Tradução de Wamberto Hudson Ferreira-Brasília: Ed.
Embora a Constituição Federal ratifique a posição nacional no que tange ao Universidade de Brasília, 1981.

direito à vida como direito fundamental, nota-se que o direito a liberdade e em BOBBIO, N. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. – Rio de Janeiro: Campus, 1992.

consequência a autonomia da vontade também direito fundamental mantém-se em BRAUNER, M. C. C. Direito, Sexualidade e Reprodução Humana: Conquistas médicas e o debate
bioético. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
constante colisão ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo este
COMPARATO, F. K. A Afirmação histórica dos Direito Humanos. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
norteador da legislação brasileira.

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 269 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 270

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO BAEZ, N. F. X. | STEFFEN, S. E. – Direito Fundamental à vida e o Princípio da... BIODIREITO

DAHRENDORF, R. Sociedade e liberdade: para uma análise sociológica do presente. Trad. Vamireh SILVA, R. P. Introdução ao Biodireito: Investigações político-jurídicas sobre o estatuto da concepção
Chacon. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981 (Coleção Pensamento Político). Título original: humana. São Paulo: Lrt, 2002.
Gesellschaft und Freiheit: soziologischen Analyse der Gernwant.
o
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADPF n 54/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno. J.
DWORKIN, R. Domínio da Vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. 2 ed. São Paulo: Martins 12/04/2012. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em: 15 março. 2016.
Fontes, 2009.
THEODORO, M. A. Direitos Fundamentais e sua Concretização. Curitiba: Juruá, 2002.
FREITAS, J – O Estado, a responsabilidade extracontratual e o princípio da proporcionalidade. In;
SARLET, I. (Orgs). – Jurisdição e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Ajuris, 2005. WARNOCK, B. A ética reprodutiva e o conceito filosófico do pré-embrião. In; GARRAFA, V; PESSINI, L
(Org.). Bioética: Poder e Injustiça. São Paulo: Edições Loyola. 2004.
GALINDO, B. Direitos Fundamentais: Análise de sua Concretização Constitucional. Curitiba: Juruá,
2003.

HUNGRIA, N. Comentários ao Código Penal, 3ª. ed, v. 5, Rio de Janeiro: Forense, 1955.
JUNGES, J. R. Bioética. Perspectivas e Desafios. São Leopoldo: Unisinos, 2005.

Kant, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. In: Os Pensadores-Kant. Trad. de Paulo


Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

KANT, E. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret,
2004.

LASKI, H. J.H. A Grammar of Politics. 6.ed. Londres, 1934.

Ó CATÂO, M. do. Biodireito: Transplante de órgãos humanos e direito de personalidade. São Paulo:
Madras, 2004.

PEIXINHO, M. M. Teoria Democrática dos Direitos Fundamentais. In; VIEIRA. J. R. (Org). Temas de
Constitucionalismo e Democracia. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar. 2003.

PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª Ed ver e atual. São
Paulo: Saraiva 2011.

PIOVESAN, F. – Direitos Sexuais e Reprodutivos: Aborto inseguro como violação aos Direitos
Humanos. In; SARMENTO, D; PIOVESAN, F. (Orgs). – Nos Limites da Vida: Aborto, Clonagem Humana
e Eutanásia sob a perspectiva dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.

ROXIN, C. Estudos de Direito Penal. Tradução Luis Greco. 2ªed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

SARLET, I. W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de


1988. 9 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2012.

SARLET, I. W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de


1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

SARMENTO, D. Os princípios constitucionais da liberdade e da autonomia privada. B. Cient. ESMPU,


Brasília, a. 4 - n.14, p. 167-217 - jan./mar. 2005. Disponível COMO CITAR ESTE ARTIGO
em:<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:rxirAkb5hB8J:boletimcientifico.escola.
mpu.mp.br/boletins/boletim-cientifico-n.-14-2013-janeiro-marco-de-2005/os-principios- BAEZ, N. F. X.; STEFFEN, S. E. Direito Fundamental à vida e o Princípio da Autonomia da Vontade: uma
constitucionais-da-liberdade-e-da-autonomia-privada/at_download/file+&cd=7&hl=pt- visão histórica diante das práticas abortivas. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, p. 254-272,
BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 25 mar. 2016. jul./dez. 2016.

SARMENTO, D – Direitos Sexuais e Reprodutivos: Aborto inseguro como violação aos Direitos
Humanos. In; SARMENTO, D; PIOVESAN, F. (Orgs). – Nos Limites da Vida: Aborto, Clonagem Humana
e Eutanásia sob a perspectiva dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. Exceto onde especificado diferentemente, a matéria publicada neste periódico é licenciada sob forma
de uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 271 Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 272

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

Abstract: The research deals with the relationship between Law and
Language, because the language is materialized through the word
which is the main tool of the Law professionals. It observes how the
linguistic and grammatical obstacles affect the reading comprehension
DIREITO E LINGUAGEM: OS ENTRAVES and hinder the procedural progress, It also seeks to diagnose to what
LINGUÍSTICOS E SUA REPERCUSSÃO NO extent these barriers affect the legal communication, produced in
TEXTO JURÍDICO PROCESSUAL procedural texts, in addition to observe what is the responsibility of the
Law professional in this area. Therefore, the most common problems
were checked, through the analysis of procedural documents, and
problems were observed both from the perspective of structural and
grammatical construction of meanings of legal text.
Daniel Roepke Viana*
Keywords: Legal Text. Juridiquês. Lawyer.
Valdeciliana Da Silva Ramos Andrade**
INTRODUÇÃO

Resumo: A pesquisa aborda a relação entre Direito e Linguagem,


visto que a linguagem se materializa por meio da palavra que é a
A linguagem é o instrumento de trabalho do operador do
Direito. Logo, o profissional da área jurídica deve dominar
o seu instrumento de trabalho – a língua portuguesa, neste estudo
ferramenta mor do profissional da área jurídica. Observa como os especificamente, a modalidade escrita. Além dos conhecimentos
entraves linguístico-gramaticais interferem na compreensão textual e gramaticais, é importante saber articular as palavras e materializar
dificultam o andamento processual, busca-se também diagnosticar em argumentos em um texto de forma coerente, além de ser capaz de
que medida tais entraves interferem na construção da comunicação transmitir a mensagem ao receptor de forma clara e concisa.
jurídica, produzida em textos processuais, além de se observar qual a Assim, Direito e linguagem são indissociáveis, mantém uma
responsabilidade do profissional de direito nesta área. Assim, foram relação de interdependência, visto que o direito se concretiza
verificados os problemas mais correntes, por meio da análise de peças efetivamente por meio da linguagem, neste sentido Calmon de Passos
processuais, e foram verificados problemas tanto da perspectiva (2001, p.63-64) declara que:
gramatical quanto da perspectiva estrutural de construção de sentidos
do texto jurídico.
[...] o Direito, mais que qualquer outro saber, é servo da
Palavras-chave: Linguagem Jurídica. Juridiquês. Advogado. linguagem. Como Direito posto é linguagem, sendo em
nossos dias de evidência palmar constituir-se de quanto
editado e comunicado, mediante a linguagem escrita,
* Advogado, Especialista em Direitos Humanos pela Faculdade de por quem com poderes para tanto. Também linguagem
Direito da Universidade de Coimbra, ex-aluno da FDV, bolsista é o Direito aplicado ao caso concreto, sob a forma de
de iniciação científica. E-mail: [email protected]. decisão judicial ou administrativa. Dissociar o Direito da
Linguagem será privá-lo de sua própria existência, porque,
** Doutora em Língua Portuguesa pela UERJ, mestre em Linguística ontologicamente, ele é linguagem e somente linguagem.
e Filologia pela UNESP.

38 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

Importante esclarecer que o texto jurídico sempre foi marcado por Nesse sentido, a pesquisa documental é constituída por petições
construções fraseológicas complexas e por um elevado grau de conhecimento e contestações, as quais formam um corpus de análise. Neste, foram
da língua, não só no processo de estruturação textual, mas também no catalogadas 138 ocorrências, que foram selecionadas a partir da análise
conhecimento profundo da gramática da língua portuguesa. Em virtude dos entraves gramaticais e dos casos de transgressão à coerência.
disso, o profissional do Direito destacou-se, por séculos, como referência
na tradição de produzir bons textos e na tradição de ter amplo domínio A PALAVRA
da norma culta, no entanto essa imagem positiva tem sido depreciada por
uma vasta quantidade de erros básicos referentes à utilização da língua
e à estruturação da linguagem. Não bastassem os percalços decorrentes A palavra é um signo linguístico artificial que é um representante.
Para cumprir essa sua função, o signo se compõe de duas
partes, quais sejam, significante e significado. O primeiro diz respeito
dos vícios de linguagem, eles estão sendo potencializados devido ao uso
indiscriminado de arcaísmos e de latinismos. à forma como o signo se materializa (que pode ser sonora, visual,
olfativa, dentre outras) e o segundo refere-se à imagem mental que
Na verdade, os textos jurídicos têm sido afetados pela “fraseomania”
se forma a partir deste significante e essa imagem é uma convenção.
dos operadores do direito, que possuem o vício de formular frases
Assim, as palavras são signos linguísticos e, como expõe José Carlos
rebuscadas sem conteúdo relevante. Isso remete ao tão falado “juridiquês”
de Azevedo (2004, p. 139), são “[...] o mais elaborado, o mais versátil,
que, ao invés de aproximar o jurisdicionado, cria um abismo entre quem
o mais abrangente instrumento de criação, circulação e assimilação
busca seus direitos e a concretização do direito em si. Na verdade, esse
de representações do conjunto de nossas experiências da realidade”
prejuízo não é só para o cidadão comum que se vê distante do direito
e, em sua peculiaridade, permite aos homens materializar conceitos
almejado, mas também é para o profissional do direito, visto que há o
que povoam as suas mentes e vestir de significados e características os
descrédito da justiça e, por consequência, do próprio operador jurídico.
objetos que os cercam. Além disso, elas são capazes de retratar todos
Essas falhas inviabilizam destroem a estrutura textual e, os demais signos, revestindo-os de conceitos.
consequentemente, a coerência no texto. Logo, ao se empregar entraves
A palavra, como signo, seja na forma escrita ou na falada, evoca
gramaticais e linguísticos, o profissional do Direito inviabiliza a compreensão
em nossa mente, quando a lemos ou ouvimos, um conceito, ou seja,
textual, ou permite uma versão às avessas do que foi enunciado.
um significado. Um mesmo vocábulo, no entanto, pode ter vários
Esta pesquisa, financiada pela Faculdade de Direito de Vitória, significados convencionados em dicionário. Um exemplo típico
como atividade de Iniciação Científica, averigua a relação entre Direito e e oportuno de se mencionar é a palavra justiça. Manifestamente
linguagem, neste processo, busca vislumbrar se há entraves linguísticos polissêmico, o termo pode, dentre as suas diversas acepções, significar
no texto jurídico. Para tanto, emprega o método de abordagem hipotético- equidade, honestidade e até mesmo o próprio poder judiciário.
dedutivo (LAKATOS, 1991, p. 95), pois pressupõe um problema
Da mesma forma, um significado pode ser representado por mais
– os textos jurídicos processuais apresentam entraves linguísticos e
de um significante. Nesse caso, está-se diante de palavras sinônimas,
gramaticais – para o qual se ofereceu uma solução provisória – nos textos
ou quase sinônimas. Embora sejam palavras fisicamente diferentes,
jurídicos processuais, há determinadas construções que são exigidas pela
podem, em determinado casos, evocar a mesma ideia, como ocorre
linguagem jurídica clara, objetiva e bem estruturada –, disso produzimos
com os vocábulos pensar, arrazoar, refletir, raciocinar e ponderar.
um falseamento – como deve ser a estrutura textual da linguagem
jurídica em textos processuais e qual é o papel do advogado no processo Para sabermos qual o significado pretendido pelo escritor do
de produção de um texto jurídico-processual. Isso é o que se pretende texto, ao escrever a palavra, é imprescindível considerar o contexto
averiguar por meio da pesquisa documental. em que ela se encontra inserida. Levar em consideração o contexto

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 39 40 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

implica, necessariamente, compreender as demais palavras com as todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo”. O
quais a palavra em questão se relaciona no texto, pois umas fornecem termo vernáculo, utilizado no referido dispositivo legal, alude à pureza
elementos para a compreensão das outras e todas unidas formam o idiomática, à clareza e à correição no falar e no escrever pertinentes ao
texto. Com isso, também se pretende dizer que o significado do texto texto jurídico processual.
é depreendido do todo, levando em consideração todas as palavras O art. 156 do Código de Processo Civil, por si só, já é suficiente
que o constroem. Assim, o texto só pode ser compreendido em sua para justificar o zelo que profissional do Direito deve ter pelo uso
plenitude, quando todas as palavras que o compõem interligam seus correto das palavras. Além disso, soma-se a essa exigência legal a
significados, formando uma rede, enfim, um todo significativo. própria realidade vivida por esses profissionais, uma vez que, em seu
Como uma única palavra pode ensejar diversos significados, é de cotidiano, lidam com interpretação de textos, problemas de linguagem
suma importância que o escritor seja prudente ao escrever seu texto. e polissemia de palavras.
Ele deve tomar todas as precauções necessárias para que as palavras Ao advogado, destaque-se, é devido um esmero maior ao lidar
sejam compreendidas. Isso significa que o texto deve ser o mais claro com as palavras, pois ele tem por dever legal e ético defender o(s)
possível para que as palavras contidas no mesmo sejam claras. Na direito(s) de seu(s) cliente(s). Assim, a produção textual, além de fazer
verdade, isso é o que possibilita ao destinatário alcançar a mensagem parte essencial de seu dia a dia, é um instrumento de se fazer justiça, na
transmitida pelo texto, na forma mais próxima da que foi concebida medida em que os seus textos visam garantir à pessoa por ele defendida
pelo emissor. em juízo a proteção/reivindicação de seu(s) direito(s).
Desta forma, é imprescindível que o receptor conheça as Nesse ponto, é importante ressaltar que a própria Constituição
palavras utilizadas pelo emissor e tenha possibilidade de aferir-lhes confere às pessoas direitos que lhes são fundamentais e que, devido a
os significados que lhes são apropriados, a fim de que a mensagem isso, não são passíveis de disposição. Tais direitos, como a liberdade, a
seja apreendida adequadamente. Do contrário, haverá significante, vida e a dignidade do indivíduo são oponíveis contra qualquer pessoa
uma vez que as palavras estão postas no texto, no entanto o outro não que os infrinja.
abstrairá delas o significado ou, então, poderá conferir-lhes significado
O advogado, como procurador de seu cliente, é responsável por
diverso do idealizado pelo produtor do texto.
impedir que o direito de seu cliente seja ameaçado ou, em caso de já
Tendo em vista que o texto é um todo significativo, construído pelos haver ameaça, que esta cesse de imediato para que, na medida do
significados entrelaçados das palavras que o compõem, a presença de possível, não agrave mais o seu cliente. Para tanto, o advogado deve
termos desconhecidos do leitor ou inadequados torna a compreensão utilizar todo o seu conhecimento jurídico e legal, bem como de sua
do texto lenta e incompleta. Em determinados casos, tais palavras desenvoltura linguística, para que possa produzir um texto apto a
mal empregadas são capazes de tornar o texto incompreensível por atingir aos objetivos pretendidos. Dessa forma, apenas conhecimento
completo para o leitor. do Direito não é o bastante para refutar os argumentos contrários aos
seus e convencer o magistrado de que o direito pertence ao seu cliente.
Pode haver diversas provas e argumentos que defendam o direito
O advogado e a palavra ameaçado, porém só há um meio de se convencer o juiz de que o seu
posicionamento está correto. Essa via é a palavra.
O profissional do Direito é, por excelência, o profissional da
As palavras são, portanto, imprescindíveis ao advogado, na
palavra. Ela é o seu instrumento de trabalho, conforme se depreende da
medida em que elas, bem selecionadas e devidamente agrupadas,
própria Lei, no artigo 156 do Código de Processo Civil Brasileiro: “Em
interligam seus significados e transmitem ao magistrado a narração

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 41 42 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

dos fatos, as provas e os argumentos capazes de possibilitar ao juiz a Consciente da relevância da atividade que exerce, o advogado
compreensão dos fatos e dos motivos pelos quais ele alega ter o seu deve saber manusear adequadamente o seu instrumento de trabalho,
cliente o direito. Elas conferem ao advogado poder de persuasão, de ou seja, a palavra, e empenhar-se no seu aperfeiçoamento. Neste
convencimento e, de certa forma, até mesmo de sedução no processo, sentido, dispõe o Código de Ética e Disciplina da OAB, no art. 2°,
a partir do momento em que ele consegue tornar o seu texto aceitável parágrafo único, IV: “São deveres do advogado: [...] empenhar-se,
e aprazível ao seu destinatário. Enfim, o saber jurídico aliado ao bom permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional.”
manejo do vernáculo, por parte do advogado, são instrumentos capazes Destaca-se que o referido dispositivo legal não faz referência apenas
de transpor a barreira da imparcialidade do juiz, conduzindo-o ao ao aperfeiçoamento jurídico. O artigo utiliza o termo aperfeiçoamento
convencimento de que há um direito e de que esse direito pertence ao profissional, de modo que abrange também o aprimoramento linguístico
seu cliente. e a prudência na produção do texto adequado ao ato processual. Tal
zelo é indispensável, visto que a palavra, no cenário de tessitura textual,
possibilita ao advogado defender, acusar, afirmar, instigar, indagar,
O MAU USO DA PALAVRA PELO ADVOGADO sugerir, persuadir e convencer. Enfim, é o seu instrumento de trabalho,
de modo que a sua má utilização pode depreciar consideravelmente o
“Ai, palavras, ai, palavras, Que estranha potência, a vossa!”. Este seu trabalho.
é um verso de Cecília Meireles (1967, p.560), em seu poema Romance das
Vale frisar que a Lei impõe determinados deveres, como o
Palavras Aéreas, o qual trata da importância das palavras no contexto da
aprimoramento e o esmero linguístico, em virtude disso também
Inconfidência Mineira, de como elas são poderosas, sendo capazes de
estabelece sanções em caso de descumprimento. Nesse sentido, dispõe
determinar o destino de um homem. Na conjuntura da Inconfidência,
o art. 32 do Estatuto da Advocacia e da OAB: “O advogado é responsável
foram suficientes para levar Tiradentes à forca. O mesmo poema, trazido ao
pelos atos que, no exercício profissional, pratica com dolo ou culpa.” O
mundo jurídico, serve de base para justificar a prudência, imprescindível
referido artigo faz alusão à responsabilidade do advogado pelos atos
ao advogado, no momento de elaborar um texto jurídico processual.
por ele praticado, com dolo ou culpa, que resultem em dano para o
Palavras são armas. Bem manejadas levam à vitória, mal empregadas à
cliente ou para o processo. Isso significa que a responsabilidade do
derrota. O advogado hábil no seu manejo é capaz de defender seu cliente
advogado é subjetiva, de modo que depende de verificação de culpa,
com eficácia. Todavia, o advogado desleixado, que negligencia o cuidado
conforme dispõe o art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor:
devido com a linguagem, prejudica por completo a defesa de seu cliente e
“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada
terá, por consequência, a ruína e o descrédito de suas alegações.
mediante a verificação da culpa.”
Desta forma, o advogado deve primar pela linguagem que utiliza,
Portanto, para que o advogado seja responsabilizado, é necessária
pois ele exerce uma função pública essencial à administração da Justiça,
a comprovação de que a sua conduta lesiva esteve eivada de culpa.
nos termos do artigo 2° da Lei 8906/94 (Estatuto da Advocacia e da
Cumpre esclarecer que a culpa, em seu sentido amplo, pode se
OAB) – “O advogado é indispensável à administração da Justiça” – e
manifestar na forma de dolo ou de culpa em sentido estrito. O ato
do art. 2° do Código de Ética e disciplina da OAB:
lesivo praticado com dolo é aquele que se comete tencionando o dano
O advogado, indispensável á administração da justiça, é defensor ou simplesmente assumindo o risco de que ele pode vir a ocorrer. Por
do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, sua vez, o ato perpetrado com culpa no sentido estrito não tem por
da justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu ministério finalidade ocasionar o dano. Este ocorre involuntariamente devido
privado à elevada função pública que exerce.

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 43 44 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

à conduta viciosa do agente e pode ser praticado nas modalidades: Vale dizer que se trata de imperícia e não de simples negligência,
negligência (quando se omite a praticar um ato que deveria, a fim decorrente de omissão, pois o advogado, no seu exercício profissional,
de evitar a ocorrência do dano); imprudência (ocasião em que se age necessita de uma habilidade específica no que concerne à linguagem,
precipitadamente, sem as devidas cautelas, ocasionando o dano) ou tal qual o domínio da gramática pátria e de técnicas de argumentação,
imperícia (quando o dano é provocado em virtude da inabilidade o que o diferencia dos profissionais de outras áreas. Logo, assim
técnica do profissional na realização do ato). como um cirurgião plástico necessita de aptidão para o manejo de um
A responsabilidade do advogado se dá, deste modo, mediante a bisturi, analogicamente, o advogado precisa dominar a palavra, que
comprovação de existência de culpa, haja vista que a sua obrigação é o seu instrumento de trabalho, sem o qual o seu serviço não pode
para com o cliente é de meio, via de regra. Nesse sentido, entendem ser prestado. O manejo inadequado da palavra, desta maneira, é a
Gagliano e Pamplona Filho (2003, p. 252): exteriorização da falta de habilidade técnica do profissional do Direito,
ou seja, manifesta imperícia.
A prestação de serviços de serviços advocatícios é, em regra, Um exemplo incontroverso de imperícia decorrente de inabilidade
uma obrigação de meio, uma vez que o advogado não tem linguística é a peça processual que se segue, redigida abaixo em sua
como assegurar o resultado da atividade ao seu cliente. íntegra2:

Assim, da mesma forma como o ofício do médico, demanda uma MAXLENE DOS SANTOSE WARLEY DOS SANTOS,
responsabilidade civil subjetiva, com fundo contratual que, no caso do SÃO FILHOS DE GEDALVA M DOS SANTOS
processo judicial, decorre do mandato. BRASILEIRA, VIÚVA, DO LAR, RESIDENTE da
DOMICILIADA A RUA GUARAPES NUMERO 258
Afirmar que o advogado exerce atividade-meio implica dizer ALECRIM VILA VELHA por sua advogada abaixo
que ele não tem o compromisso de obter o êxito da causa, até mesmo assinada inscrita na OAB/ES sob o n. ___ com escritório
porque a decisão final acerca do provimento dos pedidos formulados na rua _________________________ Vila Velha, onde
é atribuição exclusiva do magistrado. A sua obrigação é ser diligente receberá as intimação.
na utilização dos expedientes para alcançar o objetivo final, ou seja, a A requerente IRMÃ do WARLEY DOS SANTOSCARLOS
vitória em prol do seu cliente no pleito judicial, que não necessariamente ,falecido no dia 11 DE NOVEMBRO DE 2003, nesta cidade
Vila Velha.
acontecerá. Portanto, a obrigação do advogado é fazer uso adequado
2- Entretanto GERDALVA É PENSIONISTA CVRD,
dos instrumentos judiciais, sob pena de, se comprovado o seu agir
ENTÃO MAXLENE DOS TEM O DIREITO DE RECBER
com culpa, ser responsabilizado na esfera civil e ser condenado a O IMPOSTOS DE RENDA QUE ESTADEPOSITADO
pagar indenização ao seu cliente. Soma-se a isso o dever do operador NO BANCO DO BRASIL DE VILA VELHA., PODENDO
do Direito de manejar adequadamente a linguagem, pois, conforme já VERIFICADO DOCUMENTO ANEXO..
explicitado, a palavra é o instrumento profissional do advogado, sem a QUE REQUERENTE ESTA PASANDO POR
qual seria impossível a realização de qualquer atividade jurídica. DIFICULDADE FINANCEIRA
No caso de falha grotesca relativa á utilização da palavra por ENTÃO RAZÃO DO EXOSTOREQUERA VOSSA
EXCELENCIA QUE APÓS DE OUVISUA FILHA MAXLENE
parte do advogado, que ocasiona lesão à administração da justiça, DOS SANTOS, A REQUERENTE MINISTÉRIO PÚBLICO
está-se diante de manifesta imperícia1, visto que se trata de deficiência PETICIONARÁ AUTORIZAÇÃO , VIA DE ALVARÁ
no aperfeiçoamento técnico-linguístico do profissional, que torna JUDICIAL E LEVANTAR A IMPORTÃNCIA R$484,33..
deficitária a prestação de seu serviço. ASSIM DOCUMENTO A TRI BUIDO PARA E FEITO.

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 45 46 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

QUE A REQUERENTE VEM PEDIR AUXILIO A peça processual acima constitui aglomerado de palavras e
ASSSISTENCIA JUDICIARIA BASEADA NA LEI de frases desconexas. O fragmento seguinte é um claro exemplo
NUMERO 1060/50 .
disso: “A REQUERENTE MINISTÉRIO PÚBLICO PETICIONARÁ
AUTORIZAÇÃO , VIA DE ALVARÁ JUDICIAL E LEVANTAR A
VALOR DASCUSTA R $100,00 IMPORTÃNCIA R$484,33”. Ante a leitura do seguimento acima, é
difícil (se não impossível) extrair um significado.
VILA VELHA , 29 DE JANEIRO DE 2005.
Erros crassos concernentes à linguagem, como os cometidos
Com a leitura desta peça processual, percebe-se o quanto um pelo advogado acima, infelizmente não são tão raros como se pode
texto mal redigido pode atravancar a atividade jurídica e prejudicar o imaginar. Eles acontecem com frequência e ocasionam dano para o
cliente. O texto encontra-se de tal modo mal redigido, que é plausível cliente e para o processo. Tal inabilidade linguística, além de gerar
questionar se o profissional responsável pelo escrito acima de fato responsabilização civil por parte do advogado junto ao cliente, pode
cursou cinco anos de Direito e foi aprovado no exame da OAB. Pela resultar em responsabilização junto à Ordem dos Advogados do Brasil,
leitura, é praticamente impossível identificar com clareza o autor da conforme foi notícia no Fantástico, programa dominical da Rede Globo,
ação, os fatos, os argumentos jurídicos e os pedidos. do dia 20 de outubro de 2002. Na reportagem foi relatado o caso de um
Logo de início, percebe-se a imprecisão quanto ao requerente que advogado que, devido à inadequação gramatical de suas petições, teve
figura na peça. Primeiramente, o advogado posta no sentido de que seu registro suspenso pela OAB, sendo obrigado a fazer outro exame
Maxlene dos Santos e Warley dos Santos são os autores. Depois, no da Ordem para recuperar o direito de advogar.
segundo parágrafo, é dado a entender que Warley (que já não é mais Um dos problemas mais frequentes referente ao uso inadequado
apenas Warley dos Santos, mas Warley dos Santos Carlos) é falecido e da linguagem, diz respeito a termos e a expressões ambíguas e
que a sua irmã seria a requerente. vagas. As palavras, como signos, evocam um ou diversos conceitos.
Mas não é só isso, o texto segue num processo desenfreado de erros A multiplicidade de significados que cada palavra possibilita deve
em todos os níveis gramaticais – regência, concordância, ortografia, ser restringida no texto em concreto para evitar ambiguidades e a
etc. Além disso, parecer que a própria inabilidade não atinge só a vagueza de sentidos. Há de se destacar que essas duas palavras não
parte gramatical e a parte estrutural, que abarca a coesão e a coerência, são sinônimas. A vagueza é caracterizada pela imprecisão de sentido
mas também atinge a própria apresentação do texto, uma vez que, deixado por uma palavra ou expressão.
o autor do texto prossegue num processo descomedido de engolir A ambiguidade, por sua vez, está contida na vagueza, porém com
letras – recber (“receber”), pasando (“passando”) e velh (“velha”) – e de ela não se confunde. Enquanto uma palavra vaga traz um número
espaços entre as palavras – Santose (“Santos e”), SantosCarlos (“Santos de significados indeterminados, uma palavra ou expressão ambígua
Carlos”), estadepositado (“está depositado”), exostorequera (presume-se evoca significados determinados, passíveis de aplicação no texto. Na
significar “pelo exposto requer a”), ouvisua (“ouvir sua”), dascusta (“das realidade, enquanto na vagueza é impossível assegurar se a postura de
custas”). Em alguns desses casos, a compreensão da expressão resulta A ou de B é que está correta; na ambiguidade, é possível dizer que A
prejudicada, como é o caso da sequência de letras exostorequera. Não está correta do mesmo modo que B também está.
bastasse o advogado ter juntado três palavras (“exposto” e “requer a”), É importante ressaltar que a utilização de palavras vagas
também omitiu duas letras (“p” e “i”). e ambíguas pode prejudicar por completo a peça processual,
desvirtuando a narração dos fatos, retirando as forças dos argumentos
e deixando os pedidos imprecisos. No caso de petições iniciais, pode

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 47 48 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

ensejar a inépcia da peça e seu consequente indeferimento, neste Ortografia


sentido dispõe o art. 295, inc. I, do CPC.
A ortografia é um elemento gramatical básico da língua, sendo objeto
de estudo, nas escolas primárias, logo no início, antes de se aprender a
ANÁLISE: O TEXTO JURÍDICO PROCESSUAL formar e a pontuar as frases. Em virtude disso, cometer deslizes graves
concernentes à grafia das palavras manifesta o reduzido conhecimento

C abe alertar os advogados sobre o descaso para com a linguagem


jurídica, despertando-os para os problemas decorrentes
dessa negligência, que, ao afetar a compreensão do texto, desencadeia
lexical do advogado, o que é inaceitável para um profissional do Direito,
que cursou a disciplina de língua portuguesa por, pelo menos, oito anos
no ensino fundamental e três anos no ensino médio, além, obviamente,
diversos prejuízos: o fracasso no pleito do cliente, a mácula na imagem de ter cursado cinco anos do curso de Direito.
do advogado e a contribuição para a lentidão do trâmite processual. Apesar de todos esses anos de estudo, palavras escritas com grafia
É necessário que a imagem distorcida, que muitas pessoas trazem errada nos textos processuais são mais comuns do que se esperava, o que
consigo, acerca do advogado, seja desfeita. O caminho propício a demonstra despreparo técnico do advogado, como podemos ver em:
desmistificar essa má impressão é a linguagem. Em outras palavras,
ao invés de buscar palavras bonitas e pomposas para impressionar Brasileiro, casada de fato, garson, CTPS [...] (Reclamação
o leitor da peça processual, o advogado deve procurar empregar as trabalhista, proc. n° 0420.2005.013.1700-2, grifo nosso)
palavras adequadas ao que ele pretende comunicar. A linguagem
ostentosa pode atravancar a compreensão textual e denotar arrogância, Esses entraves, quando permeiam o texto jurídico-processual,
enquanto que a linguagem clara e acessível favorece a comunicação e mesmo que não atrapalhem a compreensão do texto, maculam a
é mais atrativa ao leitor. imagem do advogado e comprometem seus argumentos.
Diante disso, a análise dos textos jurídico-processuais contempla
problemas linguístico-gramaticais e de coerência, que podem levar à
alteração do sentido da informação a ser transmitida ou à completa Regência
inviabilidade da comunicação.
Um dos problemas mais usuais, concernentes à regência verbal,
OS ENTRAVES LINGUÍSTICO-GRAMATICAIS no texto forense, é escrever “residente à”. Das dez peças processuais
examinadas, oito foram perpassadas por esse equívoco. O verbo
residir pede o uso da preposição “em”, pois essa preposição serve
Eles correspondem a 69% dos entraves vistos e são diversos: para indicar localizações exatas. Em contrapartida, a preposição “a”
grafia errada; má disposição de palavras na frase; omissão de termos; indica localização aproximada. Assim, este tipo de regência, com a
imprecisão vocabular; pontuação incorreta; excesso de intercalações; preposição “a”, indica que a localização não é precisa, ou seja, que fica
ambiguidades, etc. – por isso serão abordados apenas alguns que nas imediações do endereço dado e não é essa a intenção pretendida
foram mais frequentes. pelo advogado ao redigir a peça.
A importância da regência se deve ao fato de ela ser responsável
por estabelecer a relação de dependência gramatical entre os termos
de uma sequência frásica. Por essa razão, nas frases com problemas de

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 49 50 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

regência, em diversas ocasiões, as palavras ficam desconectadas, o que A empresa-ré, possui no Estado do Espírito Santo, 02
pode gerar a incompreensão do texto. (duas) gerências INDIVIDUALIZADAS [...]. (Contestação,
proc. n° 0029.2002.005.17.00-8, grifo nosso)
Concordância
Importante deixar claro que nunca se deve separar o sujeito
Assim como a regência, a concordância é de grande essencial ao “Empresa-ré” do verbo “possui”. Na dúvida, é sempre conveniente
texto, pois auxilia, em sua organização, sentido e clareza. Com relação consultar as regras gramaticais.
a esse item, a gramática especifica diversos casos de concordância, de
maneira que o elevado número de hipóteses dificulta a assimilação das
regras. Cumpre advertir, todavia, que os problemas averiguados na Latinismo
presente análise não são de grande complexidade, mas de conhecimento
primário, como a concordância entre sujeito e verbo ou substantivo e O discurso jurídico, por se tratar de um discurso técnico, exige
adjetivo, tal qual o exemplo a seguir: um acervo terminológico próprio. Sendo assim, algumas palavras e
expressões estrangeiras, especialmente em latim, são úteis ao texto
[...] pois o que levou a empresa nessa situação foi jurídico, em virtude de não haver, na língua portuguesa, vocábulos
concorrências acirradas supermercados [...] (Contestação, que exprimam os significados de tais termos com a perfeição e com a
proc. n° 00736.2003.006.17.0-4, grifo nosso) concisão das palavras latinas. São exemplos de expressões latinas úteis:
erga omnes, corpus, habeas corpus, habeas data, ex nunc, ex tunc e outras.
Neste caso, o correto seria que estivesse escrito “foram A utilidade dessas expressões/termos é evidente, pois tais vocábulos
concorrências”, desta forma o verbo concordaria com o sujeito estão presentes nos bons dicionários de língua portuguesa não só com
“concorrências”. a definição desses termos, mas também com a transcrição fonética que
permite a pronúncia adequada.
Contudo, muitos advogados têm cometido excessos no uso
Pontuação de termos em latim. No corpus em análise, foram encontradas vinte
e nove ocorrências desnecessárias de expressões latinas, como ad
A pontuação é fundamental para que o autor expresse suas ideias argumentandum tantum, in casu, in fine, ad cautelan, ab ovo. Não há
de forma correta e precisa. Em virtude disso, erros desta natureza são motivo real para usá-las no texto jurídico, pois tais expressões possuem
responsáveis por causar graves entraves na redação forense, como equivalentes na língua portuguesa, que exprimem o mesmo sentido
mistura de ideias, períodos muito complexos devido ao tamanho da com perfeição. Veja que muito distinto das demais expressões aduzidas
frase, quebra de encadeamento lógico, dificuldade no ritmo de leitura, anteriormente estas expressões não trazem nenhuma informação
dentre outros. nova ou mesmo técnica para o texto, possuem somente o objetivo de
É oportuno fixar que o emprego de vírgulas não deve seguir obscurecer o que se está proferindo no texto.
a respiração, como preconizam algumas pessoas. Este é um dos
equívocos mais comuns e que acarretam, algumas vezes, na separação
entre sujeito e verbo pela vírgula, como neste exemplo:

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 51 52 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

OS ENTRAVES NA COERÊNCIA Na realidade, quando um texto atinge este propósito de tornar


claros os objetivos a que se propôs, ele caminha no sentido de se tornar
No universo discursivo-textual, o qual é construído pelo produtor mais acessível para o receptor. Em suma, a coerência é, de fato, um
e reconstruído pelo receptor, a coerência é um elemento basilar, princípio de interpretabilidade, uma vez que o texto incoerente impede
pois é ela que permite a percepção adequada do texto por parte do a adequada reconstrução dos sentidos por parte do receptor.
receptor. Daí advir a afirmação de que a coerência como um princípio Concernente à existência da coerência em textos, Charolles (2002,
básico de textualidade se constitui num elemento fundamental para a p. 49 e seguintes) menciona quatro metarregras que revelam os traços
interpretabilidade do texto. de coerência em uma realidade textual. Assim, para que um texto seja
Neste sentido, a coerência ultrapassa a mera junção de frases considerado coerente, o mesmo deve conter:
corretas do ponto de vista da língua, ela ultrapassa a noção gramatical a) REPETIÇÃO: elementos de recorrência estrita (pronominali-
e mesmo a noção coesiva de um texto, pois a função dela é justamente zações, referências dêiticas, substituições lexicais, etc.)
transformar as sequências frasais em texto com unidade de sentido,
b) PROGRESSÃO: contribuição semântica constantemente ren-
por isso que ela é um pilar fundamental em um texto.
ovada.
Com vistas a isso, Mira Mateus (2003, p.115) aduz que a coerência
c) NÃO-CONTRADIÇÃO: ausência de elemento semântico que
é “um factor de textualidade que resulta da interacção entre os
contradiga o conteúdo posto ou pressuposto por uma ocorrên-
elementos cognitivos apresentados pelas ocorrências textuais e o
cia anterior.
nosso conhecimento do mundo. Assim, uma condição cognitiva sobre
a coerência de um texto é a suposição da normalidade do(s) mundo(s) d) RELAÇÃO: fatos que se denotam no mundo representado de-
criado(s) por esse texto”. vem estar relacionados com aquilo que nos cerca.
Além disso, Costa Val (1994, p.5) também a vê como um fator
fundamental da textualidade, visto que ela determina o sentido Notamos que tais metarregras trazem em si todos os aspectos
do texto. Além disso, ela envolve não somente “aspectos lógicos e pragmáticos que abarcam a construção do discurso. Por isso, é possível
semânticos, mas também cognitivos, na medida em que depende do dizer que a coerência não pertence ao texto, mas aos usuários do texto,
partilhar de conhecimento entre os interlocutores”. visto que ela pode estar pautada na adequação do que é comunicado
Assim, é necessário que se ressalte que a coerência não é um mero em cada fragmento do texto associado à intenção comunicativa. Assim,
traço presente nos textos, mas, sim, o resultado de processos cognitivos quando há falha na coerência do texto, podemos ter obras totalmente
entre produtor e receptor. Isso ocorre porque ela é construída por uma incompreensíveis.
operação de inferência, uma vez que o texto não tem sentido em si, O número de trechos incoerentes constatados nas peças processuais
mas faz sentido pela interação entre os conhecimentos que apresenta e examinadas corresponde a 31% do total das ocorrências que compõem
o conhecimento de mundo de seus usuários. a presente análise. Isso evidencia que o texto jurídico-processual dos
Desta forma, a coerência é imprescindível ao texto, pois todo leitor advogados tem sido severamente prejudicado pela deficiência na
espera que o texto se desenvolva, mantenha uma continuidade temática construção de sentidos. Ao se considerar a coerência um fator essencial
e apresente uma sequência de ideias, de forma a atingir um objetivo pré- para a interpretabilidade do enunciado, sem a qual não há veiculação de
estabelecido. Ela se manifesta no texto por meio dessas características e é sentido, tem-se que a quantidade de incoerências levantada evidencia
exatamente isso que proporciona a unidade de sentido no texto. que 31% das petições são impróprias à comunicação eficiente, em

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 53 54 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

outras palavras, 31% desses textos é descartável. Vale esclarecer que - Que os pagamentos eram efetuados sempre com atraso de
os problemas referentes à coerência foram separados de acordo com 5 dias ou mais, tendo que assinar a data de lei, concluindo
que o Rte. pagava suas dívidas com atraso. (Reclamação
a proposta de análise preconizada por Charolles, a saber: relação, não trabalhista, RT 0420.2005.013.1700-2)
contradição, progressão, repetição.
Assim, pautados nestes princípios de análise, podemos vislumbrar
O texto apresentado deixa claro que a falta de relação nem
o seguinte quadro, que será visto especificamente nos itens a seguir:
sempre é fruto do pequeno conteúdo informativo a ser comunicado.
Muitas vezes, como ocorre nesse caso, existem diversas informações a
serem repassadas, no entanto o advogado não é capaz de organizá-las
estabelecendo, entre elas, um elo que as disponham em forma de texto
inteligível. Nem mesmo que tenham relação coerente com o mundo
externo.

Progressão
Um texto processual, para ser bem sucedido, deve apresentar
uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão. Trazendo
para o contexto processual, deve apresentar os fatos, progredir na
Relação argumentação e finalizar com a formulação de pedidos. Para tanto,
é necessário que o texto evolua em seu conteúdo, com a adição de
Das metarregras de coerência apresentadas por Charolles, a informações novas. Não basta que sejam acrescentadas palavras novas,
que apresentou mais problemas foi a relação, representando 59% do essas palavras devem servir com uma contribuição semântica nova. Na
total das ocorrências referentes aos problemas de coerência. Tal fato ocorrência seguinte, não bastasse a ausência de renovação semântica, o
demonstra que os advogados encontram dificuldades para expor as
advogado reproduz as mesmas palavras:
ideias e articular os argumentos, conforme destaca o exemplo a seguir:

O horário contratual do reclamante é de 12:00 às 18:00 hs,


HORÁRIO : Cumpria horário das 15:00 AS 22,30 de
2ªfeira a sábado, Domingo das 11 hs as 23hs., recebia Adc todavia na realidade chega em média às 11:30 e sai por
Noturno com 25%., teve folga 07 de setembro. volta das 18:30 hs.
Pra efeito de horário de descanso, tinha que assinar Todavia, trabalha diariamente de 11:30 hs às 18:30 hs...
ponto das 19hs as 20hs, sem gozar de tal horário integral, (Reclamação trabalhista, proc. n° 109.2005.013.17.0-3).
porem subia para fazer as refeições no piso superior
da loja,setor de produção, em 10 a 15 minutos, sem o
Neste caso, o segundo fragmento repete as mesmas palavras
devido descanso, continuando a trabalhar, atento ao
atendimento da clientela, reclamando nos termos do contidas no primeiro e não acrescenta nenhum dado novo que
art 71 as horas de descanso a serem apuradas em todo o contribua para a progressão textual. Assim sendo, o referido segmento
período trabalhado, assi como as horas extras trabalhadas é completamente dispensável.
com 50%, a serem apuradas.

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 55 56 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

Não-contradição Acima, encontram-se três parágrafos curtos subsequentes, mas


que não apresentam elementos de recorrência restrita que estabeleçam
Esse tipo de entrave consiste em permear o texto com elementos uma sequência entre eles. Está-se diante, portanto de três parágrafos
que contradigam um conteúdo posto pressuposto ou dedutível. É soltos, desconectados, sem a existência de uma unidade temática que
preciso que se diga que o ato de se contradizer revela despreparo garanta a continuidade do que se está discutindo.
argumentativo – capacidade que se pressupõe que qualquer
profissional do direito deva possuir, afinal a linguagem jurídica é,
por excelência, o campo da argumentação, da dialética. Ora, se o CONSIDERAÇÕES FINAIS
operador jurídico é incapaz de construir uma proposição e depois
desconstruir o que ele mesmo enunciou, isso se avulta como uma
incapacidade notória de ser representante de alguém. Este realidade
pode ser vista no exemplo seguinte:
E ste estudo confirma o imprescindível papel que a linguagem
exerce no Direito. Para o advogado exercer sua profissão
adequadamente, não basta o conhecimento técnico para produzir uma
peça processual. Ele deve ter o conhecimento das estruturas linguístico-
No que respeita ainda ao dano moral, temos por fim que gramaticais para a produção de um texto coerente.
autor teria sido caluniado, o que também se repele e nega A deficiência na linguagem do advogado foi confirmada
com vigor”. (Contestação, proc. 0029.2002.005.17.00-8)
pela quantidade exorbitante de entraves que permeiam as peças
processuais que foram o objeto do diagnóstico realizado. Essa carência
Inicialmente, o advogado diz que o autor foi caluniado, no denota o descaso do advogado com a linguagem, o que constitui um
momento seguinte, nega o que acabou de afirmar. Assim, o advogado desrespeito ao magistrado, que terá que ler um texto escrito de forma
levanta uma proposição e a desmente na mesma frase. Como não pode lamentável, e ao cliente, que sofrerá as consequências do despreparo
haver, no texto, uma proposição que seja ao mesmo tempo verdadeira linguístico de seu patrono. Na verdade há um abismo linguístico que
e falsa, está-se diante de um vício. coíbe o processo comunicacional pleno, impede o acesso à justiça e
desqualifica os profissionais envolvidos no ato de comunicação.
Consoante os dados desta análise, nenhuma das peças processuais
Repetição saiu ilesa aos problemas linguísticos e gramaticais. Tal realidade é
inaceitável, pois não se trata de produções realizadas por amadores,
Um dos casos encontrados é o que se segue:
mas por profissionais da palavra.
Esse diagnóstico deve servir de alerta à OAB e às faculdades de
Venia concessa, tal comportamento não reflete aquele do
Direito em geral. Na tentativa de reverter esse quadro, a OAB deve
ser humano normal.
tomar providências para aperfeiçoar os seus filiados e também para
Que se resista à investidas e insinuações, segundo o autor,
“com medo de ser demitido”, ainda é plausível. evitar que bacharéis despreparados linguisticamente adentrem ao rol
Mas que com elas aquiesça e sabe-se lá por quanto tempo, de advogados. As faculdades, ao visar à qualidade dos profissionais,
posto que não informado na inicial, vai de encontro ao precisam reformular o ensino da linguagem, firmando a disciplina de
comportamento normal de qualquer pessoa... (contestação, linguagem jurídica como uma das prioridades do curso.
proc. n° 0029.2002.005.17.00-8). Sobretudo, deve haver um repensar do profissional acerca da
necessidade de aprimoramento da linguagem, numa busca incessante

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 57 58 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

de sempre atualizar-se. É preciso que o profissional do direito entenda NOTAS


que o processo de produção e de correção gramatical é inesgotável 1
De acordo com Gagliano e Pamplona Filho, a imperícia “[...] decorre
e que o conhecimento obtido pelo operador jurídico nunca é demais
da falta de aptidão ou habilidade específica para a realização de uma
para a consolidação do conhecimento e de maturidade na linguagem.
atividade técnica ou científica.” (2003, p. 144)
2
O nome, o endereço, o número da OAB do advogado, bem como o
REFERÊNCIAS número da petição foram omitidos por questões éticas.

AZEREDO, J. C. S.. Texto, sentido e ensino de português. In: Claudio


Cezar Henriques; Darcília Simões. (Org.). Língua e cidadania: novas
perspectivas para o ensino. 1 ed. Rio de Janeiro: Europa, 2004, Artigo recebido em: 02/06/2009

CALMON DE PASSOS, J. J. Instrumentalidade do processo e devido Aprovado para publicação em: 10/06/2009
processo legal. Revista de processo, v. 102, São Paulo, 2001.

COSTA VAL, Maria das Graças. Redação e Textualidade. São Paulo:


Martins Fontes, 1994.

CHAROLLES, Michel. Introdução aos problemas da coerência dos


textos. In: ______. O texto: leitura e escrita. 3. ed. Campinas: Pontes,
2002.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso


de direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos


de metodologia científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.

MEIRELES, Cecília. Obra Poética. 2 ed. Rio de Janeiro: José Aguilar Editora,
1967.

MIRA MATEUS, Maria Helena et. al. Gramática da Língua Portuguesa.


5.ed. rev. e aument. Lisboa: Editorial Caminho, 2003.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Coerência


Textual. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2001.

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 59 60 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011

Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Organização Comitê Científico
Double Blind Review pelo SEER/OJS
Recebido em: 09.07.2018 Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb
Revista de Direito de Família e Sucessão Aprovado em: 11.08.2018
1. INTRODUÇÃO

No Brasil há quatro regimes típicos de bens, quais sejam: o regime de separação de


bens, que se divide em separação obrigatória e convencional; regime de participação final nos
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO
CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS aquestos; regime de comunhão universal de bens e; regime de comunhão parcial de bens.
DESCENDENTES DO “DE CUJUS” Excetuado o regime de comunhão parcial de bens e o de separação obrigatória de bens, todos
os demais regimes devem ser escolhidos por meio de pacto antenupcial. Cada um desses
1
Ilton Garcia Da Costa regimes de bens possuem regras diferenciadas no momento da dissolução da sociedade
Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb 2
conjugal, seja pelo divórcio, seja pela morte, sendo o estudo desta última modalidade a proposta
Resumo: O escopo deste trabalho é apresentar os entendimentos do Superior Tribunal de do presente trabalho.
Justiça sobre o regime de separação convencional de bens. Referido Tribunal, em 2009,
A atual interpretação da doutrina e da jurisprudência, sob a análise da simples
entendeu pela não concorrência em tal regime, com alteração oposta em 2015. A primeira parte
do artigo apresenta conhecimentos sobre os regimes de bens. A segunda parte apresenta o literalidade do artigo 1.829, inciso I, combinado com o artigo 1.845 do Código Civil, não
regime de separação convencional de bens e as decisões do Superior Tribunal de Justiça e seu
restringe a concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do “de cujus” em
atual posicionamento criticado a luz da autonomia da vontade. Como fonte de pesquisa utilizou-
se da doutrina, jurisprudência, legislação e periódicos na internet. determinados regimes de bens do casamento, tendo em vista a consideração de que o mesmo
foi alçado a herdeiro necessário.
Palavras-chave: Regime de bensseparação convencional de bensSuperior Tribuna de
justiçaautonomia da vontade A discussão doutrinária e jurisprudencial em relação aos efeitos patrimoniais do
casamento após a morte reside na possibilidade ou não da concorrência do cônjuge sobrevivente
com os descendentes do falecido.
O Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2009, interpretando os dispositivos da
THE REGIME OF CONVENTIONAL SEPARATION OF GOODS AND matéria, entendeu que o cônjuge sobrevivente casado no regime de separação convencional de
THE NON-COMPETITION OF THE SUPÉRSTITE SPOUSE WITH THE
bens não concorre com os descendentes do falecido. No entanto, referido Tribunal no ano de
DESCENDANTS OF "DE CUJUS"
2015 proferiu entendimento em sentido oposto, afirmando que no regime de separação
Abstract:
convencional de bens o cônjuge deve concorrer com os herdeiros do “de cujus”.
The scope of this work is the understandings of the Superior Court of Justice on the regime of
conventional separation of goods. Referred Court in 2009, understood by non-competition in Os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça recebem criticas a favor e contra
such a scheme, with opposite view in 2015. The first part of the article presents knowledge
por parte da doutrina, diante da polêmica causada. É que a interpretação conferida pelo Superior
about the regimes of goods. The second part presents the regime of conventional separation of
assets and the decisions of the Superior Court of Justice and its current position criticized in the Tribunal de Justiça, doravante influenciará nas decisões das cortes inferiores, repercurtindo na
light of the autonomy of the will. As a source of research was used doctrine, jurisprudence,
vida daqueles que convolarem núpcias pelo regime de separação convencional de bens.
legislation and periodicals on the internet.
Não fosse a falta de técnica legislativa, não haveria margem para interpretações
Keywords: Regime of goods conventional separation of goodsSuperior Court of
divergentes, o que conferiria maior segurança jurídica.
justiceautonomy of the will
Como informado, o Código Civil de 2002 elevou o cônjuge a qualidade de herdeiro
necessário de terceira classe, porém a disciplina conferida ao mesmo no art. 1.829, inciso I,
1
Doutor e mestre em Direito pela PUC-SP. Professor do programa de mestrado e doutorado da UENP-PR.
2
Mestrando em Ciência Jurídica pela UENP-PR.

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018 Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

71 72
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
deu-lhe tratamento vantajoso, posto que é chamado a concorrer com os herdeiros de primeira e Pela nova disposição legal, o cônjuge herda juntamente com os
descendentes, salvo se casado este com o falecido no regime da
de segunda classe, a depender do regime de bens estabelecido. comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens, ou se, no
O objetivo geral do presente trabalho é discutir os aspectos patrimoniais sucessórios regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado
bens particulares. Ou seja, herda o cônjuge se for casado com o regime
do cônjuge sobrevivente em concorrência com os descendentes do “de cujus” nos diversos de separação total (convencional) de bens, participação final nos
regimes de bens, sendo o objetivo específico demonstrar que o cônjuge casado no regime de aquestos ou, não havendo bens particulares, comunhão parcial de bens.
(NETO, 2008, p. 128).
separação convencional de bens não deve concorrer com os descentes do falecido, posto que
esta não foi a intenção da norma, sendo este também a problematização do tema proposto. “Não é sempre que o sobrevivente recebe um naco do quinhão dos descendentes.

Volta-se particular atenção de que o regime da separação convencional de bens é Depende do regime de bens que os cônjuges elegeram antes do casamento” (DIAS, 2008, p.

escolhido por meio de pacto antenupcial voluntaria e livremente entre os nubentes, a qual a lei 154).

não deve contrariar o que em vida optaram deixar separado. Entendimento diverso certamente O ordenamento jurídico brasileiro estabeleceu como regimes de bens o regime da

viola o princípio da autonomia da vontade. comunhão universal, da comunhão parcial, da separação convencional, da separação obrigatória

Para a elaboração e conclusão deste trabalho, optou-se como método de pesquisa o e da participação final nos aquestos.

dedutivo, pois por meio da análise da doutrinária e jurisprudência, bem como da legislação No que se refere ao regime de comunhão universal de bens, afirma o Código Civil que

pertinente, foi possível teorizar o entendimento quanto a concorrência do cônjuge supérstite nos os bens presentes e futuros serão comunicáveis entre os nubentes, salvo hipóteses especificas

diversos regimes de bens. A técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica, legislativa e de de não comunicabilidade. (art. 1.667 e 1.671)

decisões judiciais. Em tal regime, quando da ocorrência da morte de um dos nubentes, “inexiste direito
de concorrência, isso porque o sobrevivente tem o direito de meação sobre todo o acervo

2. DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE EM CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES patrimonial” (DIAS, 2008, p. 154). A regra é a meação da totalidade dos bens.

NOS DIVERSOS REGIMES DE BENS A meação em nada tem haver com o direito das sucessões, pois este instituto pertence
ao direito de família, posto decorrer do regime de bens escolhido pelos nubentes no momento

Sabe-se que o atual Código Civil abordou a concorrência do cônjuge sobrevivente do matrimonio.

tanto com os descendentes quanto com os ascendentes do “de cujus”. No entanto, o presente
trabalho tem como finalidade abordar a concorrência do cônjuge apenas com os descendentes Dentre os direitos patrimoniais do cônjuge, distinguem-se a meação e a
herança. Uma coisa é a meação, que decorre do regime de bens e
do “de cujus”, superficialmente nos diversos regimes de bens, conferindo maior ênfase ao preexiste ao óbito do outro cônjuge, devendo ser apurada sempre que
regime de separação convencional de bens, posto este ser o objeto central do tema. dissolvida a sociedade conjugal. Diversamente, herança é a parte do
patrimônio que pertencia ao cônjuge falecido, transmitindo-se aos seus
“A concorrência com o descendente permite ao cônjuge receber uma parte de herança sucessores legítimos ou testamentários (AMORIM, p. 94).
que na época do Código Civil de 1916 era destinada exclusivamente ao descendente,
independentemente da sua meação” (NETO, 2008, p. 106). “Meação não é herança, pois os bens comuns são divididos, visto que a porção ideal

O art. 1.829 do Código Civil afirma que o cônjuge concorrerá com os descendentes do deles já lhe pertencia” (DINIZ, 2008, p. 124)

“de cujus”, a depender do regime de bens estabelecido.


O cônjuge supérstite já terá direito à meação e, por essa razão, o
legislador entendeu que não haverá o direito à concorrência, já que o
sobrevivente terá bens próprios suficientes para garantir o seu sustento.

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018 Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

73 74
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
Note-se que, pela comunhão universal, os bens que pertencem ao terá direito a concorrência sobre os bens particulares do “de cujus”, ainda que gravados com
marido em regra, também pertencem à esposa e vice-versa. Assim, clausula de incomunicabilidade.
estará garantida ao sobrevivente sua meação e seu amparo (TARTUCE,
SIMÃO, p. 167). Em relação ao regime de comunhão parcial de bens, verifica-se uma maior gama de
divisão do patrimônio entre os nubentes, posto que há possiblidade da existência de bens
Portanto, no regime de comunhão universal de bens, o cônjuge sobrevivente não comuns, de bens apenas do marido e bens apenas da mulher. Neste regime, comunicam-se
herdará em concorrência com os descendentes do “de cujus”, posto que já terá direito a metade entre os cônjuges os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, excluindo da
dos bens a título de meação, estando economicamente amparado. comunhão os bens particulares, considerando estes como os que cada cônjuge possuía ao se
“Entretanto, um aspecto interessante de ressaltar é que mesmo no regime de comunhão casar e os incomunicáveis constantes no art. 1.659 do Código Civil.
universal podem existir bens que não são comuns, mas que pertencem a apenas um dos No regime de comunhão parcial de bens, segundo o art. 1.829, I, do Código Civil, o
cônjuges, sendo, portanto, bens particulares” (TARTUCE, SIMÃO, p. 168). cônjuge concorre com os descendentes quando houver bens particulares. Sob este prisma, a
A esse respeito, a doutrina tem afirmado que o cônjuge terá direito a concorrência com doutrina debate se o cônjuge concorre sobre todo o acervo hereditário ou se apenas em relação
os descendentes em relação aos bens particulares, caso não haja patrimônio comum. Assim, em aos bens particulares.
sendo o matrimônio contraído sob o regime de comunhão universal de bens e não havendo bens Quando não houver bens particulares de cada cônjuge, o sobrevivente não herdará,
em comum, havendo somente bens particulares com clausula de incomunicabilidade, como as possuindo direito apenas a meação, sendo este o entendimento consolidado na doutrina e
do art. 1.668 do Código Civil, o cônjuge sobrevivente tocará parte desses bens a título de jurisprudência.
herança. Isso porque se não há bens particulares de cada cônjuge, o cônjuge sobrevivente será
meeiro da totalidade do que houver, já que a partilha ocorrerá apenas em relação aos bens
Não é outra a opinião de Francisco José Cahali, para quem “haverá de comuns. A interpretação do art. 1.829, inciso I, do Código Civil, é no sentido de que se o autor
se questionar se terá o viúvo direito sucessório, quando casado no
regime da comunhão universal de bens, ou qualquer outro regime da herança não deixou bens particulares, o cônjuge sobrevivente terá direito a sua meação,
convencional, e o falecido possuir apenas bens particulares (p. ex. sendo que a meação do “de cujus” será partilhada exclusivamente entre seus descendentes.
gravados por cláusula de incomunicabilidade na doação ou por
testamento). A coerência recomenda seja deferida a sucessão ao Assim, não há que se falar em concorrência sucessória do cônjuge sobrevivente quando o autor
cônjuge sobre os bens particulares, se a estes for restrita a herança do da herança não houver deixado bens particulares no regime de comunhão parcial de bens.
viúvo, a despeito da literalidade do texto ser de diverso conteúdo
(TARTUCE, SIMÃO, apud CAHALI, p. 168). No entanto, a questão polêmica que suscita debate na doutrina é em relação à
concorrência do cônjuge no regime de comunhão parcial de bens quando o autor da herança
Com este entendimento, mesmo em havendo clausula de incomunicabilidade dos bens houver deixado bens particulares. Atualmente há três correntes doutrinárias a respeito.
particulares do “de cujus”, tal condição não possui validade quando a divisão decorrer da Para a primeira corrente, em havendo meação o cônjuge só concorrerá em relação aos
morte, posto que a incomunicabilidade deve ser aplicada apenas quando houver o fim do bens particulares.
vinculo matrimonial pelo divórcio.
Verifica-se, portanto, a possibilidade de ocorrência de duas situações quando o regime Essa parece ser a mais correta interpretação do dispositivo na opinião
patrimonial do casamento for o da comunhão universal de bens. Primeiro quando houver bens dos coautores Flávio Tartuce e José Fernando Simão. Se o regime da
comunhão universal de bens não há concorrência em razão da meação
comuns, hipótese em que não haverá concorrência do cônjuge sobrevivente, tendo este direito existente, com relação à comunhão parcial de bens a concorrência só
apenas a meação; segundo quando não houver bens comuns, sendo que o cônjuge sobrevivente pode se verificar quanto aos bens particulares, mas jamais com relação
aos bens comuns (TARTUCE, SIMÃO, 2008, p. 179).

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018 Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

75 76
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
apenas a sua meação e parte dos bens particulares, mas sim sua meação e parte de todo o acervo

Para este entendimento, o cônjuge só concorrerá quanto aos bens particulares, posto hereditário.

que os bens comuns o mesmo é meeiro.


Importante destacar que esta corrente deriva do Enunciado 270, da III Jornada de Havendo patrimônio particular, o cônjuge sobrevivente receberá sua
meação, se casado sob o regime de comunhão parcial de bens, e uma
Direito Civil, organizada pela Justiça Federal, que assim dispõe: parcela sobre todo o acervo hereditário. Concorre, no nosso entender,
em regra, em igualdade de condições com os descendentes do falecido,
e tem direito à meação em face do regime matrimonial de bens. Como
Enunciado 270: Art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente ocorre, no de comunhão parcial, pois além de receber sua meação, terá
o direito a concorrência com os descendentes do autor da herança um aparte sobre toda a herança. (DINIZ, 2008, p. 124).
quando casados no regime da separação convencional de bens, ou, se
casados nos regime da comunhão parcial ou participação final nos
aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a Assim, pela segunda corrente, o cônjuge sobrevivente herdará todo o acervo
concorrência se restringe a tais bens devendo os bens comuns (meação) hereditário. Portanto, receberia a meação dos bens comuns, mais uma parcela dos bens
ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.
particulares e uma parcela da meação que cabia ao “de cujus”.
Portanto, pelo enunciado 270, a concorrência do cônjuge sobrevivente restringe-se Ao que parece, esta segunda corrente não é a mais acertada, já que o cônjuge
apenas aos bens particulares do autor da herança, sendo que os bens comuns serão partilhados sobrevivente sairia com vantagem excessiva em desfavor dos herdeiros que, muitas vezes,
entre os descendentes. sequer é herdeiro comum de ambos os cônjuges.
Ainda, nítido é o bis in idem nesta segunda corrente, tendo em vista que o cônjuge
São adeptos desta corrente Flávio Monteiro de barros, Eduardo de sobrevivente a ele tocará metade do que já tem, e ainda concorrerá com os descentes na metade
Oliveira Leite, Christiano Cassettari, Francisco José Cahali, Gustavo
Rene Nicolau, Jorge Shiguemitsu Fujita, Mario Delgado, Euclides de dos bens comum pertencente ao “de cujus”. Apenas para frisar, está segunda corrente defende
Oliveira, Sebastião Amorim, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno tal forma de entendimento quando houver bens particulares pelo “de cujus”, de modo que
e Zeno Veloso (TARTUCE, SIMÃO, 2008, p. 179).
ausente estes bens, ao cônjuge sobrevivente tocará apenas a sua meação, em nada tendo que

Se o falecido deixou bens particulares, o cônjuge participa da herança somente a estes falar em concorrência com os descendentes.

bens, excluindo-se os adquiridos na constância do casamento, posto que estes são objetos de Há quem faça a interpretação invertida das duas correntes anteriores, fazendo,

meação, em decorrência do regime do matrimonio, e não sucessório. De modo diverso, quando portanto, com que nasça a terceira corrente. Quem defende a interpretação invertida, sustenta

não houver bens particulares deixados pelo “de cujus”, o cônjuge sobrevivente terá direito que o cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes do “de cujus” quando houver

apenas a meação. bens particulares do morto.

Questão diversa é a hipótese daqueles que defendem que o cônjuge sobrevivente


Não se pode olvidar que a regra é a concorrência. Esse direito se
herdará não apenas os bens particulares, mas sim todo o acervo hereditário, fazendo, portanto, sujeita a exceções, limitações de caráter restritivo. O legislador
com que surja a segunda corrente. identifica as hipóteses em que o direito é afastado: (1) no regime da
comunhão universal de bens e (2) no regime da separação obrigatória.
“A posição majoritária, entretanto, não é pacifica e há argumentos favoráveis à ideia No regime da comunhão parcial, a lei aponta a hipótese em que o
de que o cônjuge participaria da sucessão no tocante à totalidade da herança, surgindo aqui a direito é assegurado (3): quando houver bens particulares. A ressalva
última decorre da duplicidade de situações que este regime contém
segunda corrente” (TARTUCE, SIMÃO, 2008, p. 180). Para este entendimento, o cônjuge (existência ou não de bens exclusivos), o que impõe tratamento
casado sob o regime de comunhão parcial de bens onde houver bens particulares, não recebe diferenciado a cada modalidade. Em respeito à natureza mesma do

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018 Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

77 78
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
regime legal, o direito à concorrência só pode ser deferido se não “Como o regime de participação final nos aquestos não esta referido entre as exceções
houver bens particulares no acervo hereditário. (DIAS, 2010). que afastam o direito de concorrência, ao cônjuge sobrevivente é assegurada parcela da
herança” (DIAS, 2008, 159).
“Por essa terceira corrente, a concorrência sucessória entre cônjuge e descendentes só
No entanto, como no regime de participação final dos aquestos existem três massas de
ocorre com relação aos bens comuns e não com relação aos bens particulares” (TARTUCE,
bens (bens comuns, bens particular da mulher e bens particular do marido), poderão ocorrer
SIMÃO, 2008, p. 182).
diversas situações na concorrência do cônjuge.
A primeira situação é aquela em que todos os bens deixados pelo
Enquanto os defensores da primeira e da segunda correntes apenas cônjuge falecido são bens particulares. Nessa hipótese o cônjuge
reconheciam, ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de supérstite não terá direito à participação sobre eles, mas apenas direito
bens, o direito á sucessão na hipótese de o falecido ter deixado bens sucessório em concorrência com os descendentes.
particulares, esta terceira linha de pensamento defende que só há A segunda esta presente quando todos os bens deixados pelo falecido
sucessão na hipótese em que ele não os deixou, concorrendo o cônjuge são bens aquestos. Nessa hipótese o cônjuge supérstite terá direito à
sobrevivente com os descendentes, na herança dos bens comuns. participação sobre todos eles em decorrência do regime, mas não terá
(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2009). direito sucessório em concorrência com os descendentes. Havendo
participação em vida, não haverá concorrência quando da morte.
Deste modo, no que se refere ao regime de comunhão parcial de bens, há três Por fim, pode-se falar da situação em que o falecido deixa aquestos em
que há participação do cônjuge viúvo e bens particulares em que não há
posicionamentos, sendo que o mais vantajoso ao cônjuge sobrevivente é o da segunda corrente, participação. Nesse caso, quanto aos aquestos, em que há participação
posto que receberá sua meação e parte de todo o restante do acervo hereditário. em razão do regime, não terá o viúvo direito sucessório em
concorrência com os descendentes; quanto aos demais bens, como não
No entanto, no regime de comunhão parcial de bens, entendemos que o tem direito á participação, terá a concorrência sucessória (TARTUCE,
posicionamento que traz maior justiça aos descentes é o da primeira corrente, na qual o cônjuge SIMÃO, 2008, p. 185).

sobrevivente terá a sua meação e concorrerá com os descendentes apenas em relação aos bens
Ademais, importante destacar que o exposto entendimento decorre do já citado
particulares, sendo que a meação pertencente aos “de cujus” será partilhada apenas entre os
Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal.
descendentes deste.
Assim, ocorrendo a situação de haver apenas bens particulares do falecido, o cônjuge
Em relação ao regime de participação final nos aquestos, haverá comunicação dos bens
terá direito a concorrência com os descendentes, e jamais direito a meação; de outro modo
apenas no momento da dissolução da sociedade conjugal, sendo que, na constância do
ocorre quando houver apenas bens comuns deixados pelo falecido, nesta hipótese o cônjuge
casamento, haverá uma separação de bens. Conforme o art. 1.673 do CC, integram o patrimônio
terá direito a meação destes bens, não concorrendo os descendentes quanto a outra parte; no
próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na
mais, se houver bens comuns e bens particulares deixados pelo “de cujus”, o cônjuge concorrerá
constância do casamento. (TARTUCE, SIMÃO, 2008, p. 184)
quanto a estes bens e terá direito a meação quanto aqueles.
Outro regime adotado pelo Código Civil é o da separação de bens, que pode ser o
A regra de que o cônjuge é herdeiro (CC 1830 e 1845), para os fins do
CC 1829 I, se aplica ao cônjuge sobrevivente casado sob o regime da convencional e a obrigatória. O regime da separação convencional decorre única e
participação final nos aquestos. Morto seu par, o sobrevivente continua exclusivamente da vontade das partes, ao passo que o obrigatório decorre da vontade da Lei
titular de seu patrimônio próprio, recebe a meação verificada em virtude
do regime de bens adotado (CC 1674 a 1684) e participa como herdeiro (BRASIL, Código Civil, 2002). Para a maioria da doutrina, cada qual desses regimes terão
necessário da herança deixada pelo morto (CC 1685 c/c 1829 I a III, efeitos diferentes no momento da dissolução da sociedade conjugal pela morte.
1832 a 1835). (JUNIOR, NERY, 2006, p. 987).
O regime de separação obrigatória de bens é aquele que decorre da Lei quando os
nubentes se encontrarem em uma das situações previstas no art. 1.641, I, II e III, do Código

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018 Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

79 80
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
Civil. Assim, impõe-se este regime àqueles que convolarem núpcias pendendo causas O último regime pesquisado e que é o ponto central do presente artigo é o regime de

suspensivas, com pessoa maior de setenta anos e de todos que dependerem para casar de separação convencional de bens, merecendo tópico próprio, para melhor elucidação.

suprimento judicial (BRASIL, Código Civil, 2002). Pela única e exclusiva interpretação do art. 1.829, I do Código Civil, as exceções a

O regime de separação obrigatória de bens, o cônjuge sobrevivente, em regra, não terá concorrência do cônjuge com os descendentes do “de cujus” são quando o casamento se der

direito a concorrência com os descendentes do “de cujus”. pelo regime de comunhão universal de bens, separação obrigatória de bens e comunhão parcial
de bens, sendo este quando não houver bens particulares. Nestes citados regimes, o cônjuge ora

Não se aplica ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da é apenas meeiro, ora nada recebe.
separação obrigatória, a regra geral sobre sucessão legítima do cônjuge Para a maioria da doutrina, o cônjuge casado no regime de separação convencional de
(CC 180 e 1845), mas sim a exceção do CC 1829 I. Havendo herdeiros
descendentes, o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação bens terá direito a concorrência com os descendentes do “de cujus”.
obrigatória de bens não é herdeiro necessário. No caso de haver apenas Fica definitivamente superada a questão e não haverá a comunicação de
herdeiro ascendente, o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de nenhum bem adquirido durante o casamento, se os cônjuges optarem
separação obrigatória é herdeiro em concorrência com os mesmos pelo regime de separação convencional de bens. Consequentemente, ao
ascendentes do de cujus (CC 1829 II) (JUNIOR, NERY, 2006, p. 987). final do casamento, o cônjuge sobrevivente pode ficar desamparado.
Não havendo meação, haverá sucessão com os descendentes.
No entanto, embora o cônjuge sobrevivente casado sobre o regime de separação (TARTUCE, SIMÃO, 2008, p. 174).

obrigatória de bens não tenha direito a concorrência, a Súmula 377 do Supremo Tribunal
Pensando em proteger o cônjuge sobrevivente, acreditando que o mesmo pode ficar
Federal veio abrandar o dispositivo que impõe este regime. Pela citada súmula, o regime de
desamparado, alguns doutrinadores são coniventes com o entendimento de que o mesmo deve
separação obrigatória de bens transmuda-se para o regime de comunhão parcial de bens. É que
ser herdeiro em concorrência com os descendentes do “de cujus”, mesmo se casado no regime
no regime de separação obrigatória de bens, comunicam-se os bens adquiridos onerosamente
de separação convencional de bens.
na constância do casamento. “Ainda bem que Súmula do STF alterou este perverso regime para
“Havendo herdeiros descendentes, o cônjuge sobrevivente casado sob o regime da
o da comunhão parcial, e a jurisprudência vem declarando a inconstitucionalidade do malsinado
separação convencional de bens é herdeiro em concorrência com os mesmos descendentes do
dispositivo legal” (DIAS, 2008, p. 156).
de cujus” (JUNIOR, NERY, 2006, p. 987).
Em suma, verifica-se que no ordenamento jurídico brasileiro os efeitos sucessórios em
Pode-se dizer, portanto, que haverá concorrência do cônjuge sobrevivente com os
face do cônjuge sobrevivente, quando em concorrência com os descendentes do falecido, terão
descendentes do “de cujus” quando o casamento se der pelo regime de participação final nos
repercussões diversas, a depender do regime de bens adotado, ora lhe conferindo direito a
aquestos, separação convencional de bens e comunhão parcial de bens quando houver bens
concorrência, ora denegando este direito. Questão de maior atenção, e que é o tema central do
particulares; por outro lado, não haverá concorrência quando o regime de bens for o de
presente trabalho, é a concorrência ou não dos cônjuges casados no regime de separação
comunhão universal, separação obrigatória e comunhão parcial de bens quando não houver bens
convencional de bens, a qual merece tópico em separado.
particulares.
No entanto, em dezembro de 2009, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça,
3. A SUCESSÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE NO REGIME DE SEPARAÇÃO
no Recurso Especial n. 992.749/MS, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, proferiu
CONVENCIONAL DE BENS, DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
entendimento diverso do da doutrina majoritária em relação ao casamento contraído no regime
E CRITICAS A LUZ DA AUTONOMIA DA VONTADE
de separação convencional de bens (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2009).

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018 Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

81 82
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
Ao julgar um caso que envolvia herdeiros, cônjuge sobrevivente e Este entendimento supostamente pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça viola
regime de bens, o referido Tribunal atendeu os anseios de uma sensata frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade, posto que
maioria ao determinar não subsistir ao cônjuge casado sob o regime da
separação convencional de bens, direito à concorrência sucessória, se em vida os cônjuges optaram pela não comunicabilidade de bens, a lei não deveria na morte
privilegiando assim a autonomia da vontade privada em detrimento da interferir em tal escolha.
ordem de vocação hereditária imposta pelo novo diploma civil.
(GEROTI, 2010).
De fato, a opção paternalista do legislador em equiparar o cônjuge a herdeiro
Como informado, o casamento sob o regime de separação convencional de bens, independentemente de ele, no exercício de sua autonomia de vontade, ter
segundo a doutrina majoritária, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do “de optado pela separação absoluta de bens, ocasionou o extermínio do regime da
separação convencional de bens na hipótese de falecimento de um dos
cujus”. No entanto, com o Recurso Especial nº. 992.749/MS, da Terceira Turma do Superior cônjuges (GEROTI, 2010)
Tribunal de Justiça, no ano de 2009 proferiu entendimento no sentido de que, sob pena de acabar
com a função do regime de separação convencional de bens, bem como violentar o princípio da A primeira posição do Superior Tribunal de Justiça, do ano de 2009, de relatoria da

dignidade da pessoa humana, sob a ótica da autonomia da vontade, o cônjuge não deveria Ministra Nancy, parece ser a mais acertada, posto que coaduna com a autonomia da vontade no

concorrer em referido regime. momento do casamento e nas relação privadas.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo, 2007) Se este entendimento não prevalecer, temos que o legislador, ao mesmo tempo em que

e o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná também se pronunciaram no sentido de que o “concede com a mão direita o direito de livre escolha sobre o patrimônio no casamento, com a

cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens não é herdeiro, mão esquerda retira a sua eficácia no momento da morte”. (FARIAS, ROSENVALD, 2017, p.

portando não deve concorrer. (BRASIL, Tribunal de Justiça do Paraná, 2007). 317).

Porém, a mesma Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça esboçou o “O legislador, numa demonstração inequívoca de invasão dos limites da autonomia

entendimento divergente do proferido no Recurso Especial nº. 992.749/MS, pois no ano de individual por parte da norma jurídica, desvirtuou por completo a essência do regime da

2015 decidiu que o cônjuge sobrevivente deveria ser herdeiro e concorrer com os descentes nos separação absoluta”. (GEROTI, 2010).

bens deixados pelo “de cujus”, quando casado no regime de separação convencional de bens, O grande empecilho encontrado pela doutrina e pelos Tribunais era a respeito da

conforme Agravo Regimental no Recurso Especial nº. 1.334.340/MG, de relatoria do Ministro interpretação isolada do indigitado art. 1.829, I, do Código Civil de 2002. O cerne da questão

Marco Aurélio Bellizze. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2015). está na interpretação dos dispositivos legais do Código Civil que tratam da ordem de vocação

Ao que se observa, no interior da mesma Turma do Superior Tribunal de Justiça hereditária (artigo 1.829), e do regime da separação de bens entre os cônjuges (artigo 1.687).

haviam entendimentos em sentido totalmente opostos, o que somente veio a ser pacificado por O legislador, no art. 1.829, I c/c com art. 1.845 do Código Civil, ao fazer com que o

meio do Recurso Especial n. 1.382.170/SP, de relatoria do Ministro Mauro Ribeiro (BRASIL, cônjuge sobrevivente seja herdeiro necessário, mesmo casado no regime de separação

Superior Tribunal de Justiça, 2015) . Neste julgado, parece ter ocorrido a pacificação do convencional de bens, contrariou norma que vem desde a época do reinado no Brasil, pois,

entendimento, ao afirmar que o cônjuge casado sob o regime de separação convencional de naquela época, todos os casamentos eram feitos por carta de ametade, salvo quando entre as

bens é herdeiro, apenas sendo afastando se o regime for o da separação obrigatória de bens, na partes outra coisa for acordada. (MIRANDA, 2001, p. 148). Assim, hodiernamente, parece que

forma do artigo 1.640 do Código Civil. o legislador ignorou a vontade das partes, destoando o regime da separação convencional de

Constata-se que, atualmente, prevalece na doutrina e na jurisprudência do Superior bens.

Tribunal de Justiça que no regime de separação convencional de bens o cônjuge sobrevivente Para se chegar à conclusão de que o cônjuge casado no regime de separação

deve sim ser herdeiro necessário e concorrer com os descendentes do “de cujus”. convencional de bens não concorre com os descendentes do falecido, deve-se realizar a

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018 Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

83 84
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
interpretação sistemática dos art. 1.829, I, e do art. 1.687 do Código Civil, conforme asseverou
Miguel Reali, bem lembrado por Celina Goes, em artigo publicado pelo IBDFAM. Esta é a melhor interpretação e a mais justa solução para aqueles que se
casam pelo regime da separação total pactuada já que, se as partes
pactuaram a separação de bens, muito provavelmente não gostariam
Assim, somente a análise dos dispositivos legais referente à matéria que o cônjuge supérstite fosse seu herdeiro em concorrência com os
colocada poderia conduzir à correta interpretação do dispositivo no art. descendentes e, se às partes interessar tal concorrência, poderão fazer
1.829, I, do Código Civil. Assim, o Professor Miguel Reale, em artigo doação em vida ao cônjuge ou testamento deixando o disponível para o
publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, em 12 de abril de 2003, cônjuge. (GOES, 2007)
analisou o disposto no art. 1.829, inciso I, do Novo Código Civil,
entendendo que tanto o cônjuge casado pelo regime de separação Caso o cônjuge casado sob o regime convencional de bens queira assegurar certa parte
convencional de bens, quanto aquele casado pelo regime de separação
obrigatória de bens, não são herdeiros necessários na hipótese de de seu patrimônio a seu consorte, que faça doação ou testamento da parte disponível da herança.
concorrência com os descendentes. A análise do Prof. Reale é baseada Cabe ao cônjuge utilizar-se desses institutos para deixar bens a seu consorte, quando casado no
no princípio primordial de hermenêutica jurídica, que consiste na
interpretação de um artigo em harmonia com os demais contidos regime de separação convencional de bens. Não deve o Estado interferir e impor que o cônjuge
naquela codificação. Assim, a análise isolada do art. 1829, I, do Código seja herdeiro necessário no regime de separação convencional, eis que evidente violação a
Civil, pode levar a uma conclusão equivocada; devendo, ao contrário,
situar o referido dispositivo no contexto do conjunto das regras relativas autonomia da vontade.
à questão examinada. (GOES, 2007). Se em vida os cônjuges resolveram, de forma voluntaria e livre, adotar o regime de
separação total de bens, certamente na morte pretendem que assim seja mantido.
Para o professor Reali, a interpretação para chegar a conclusão deve ser feita entre os
O Código Civil decidiu que os cônjuges casados pelo regime de separação
dispositivos da matéria examinada, quais sejam: o de que trata da concorrência do cônjuge e o
convencional de bens possuem total liberdade na administração de seus bens e separação do
de que dispõe sobre o regime de separação convencional de bens. Assim, conclui:
patrimônio em vida. Portanto, não cabe ao legislador contrariar o disposto no art. 1.687 do

Nessa ordem de ideias, duas são as hipóteses de separação obrigatória: referido diploma legal, afirmando que o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário no regime
uma delas é a prevista no parágrafo único do art. 1.641, abrangendo de separação convencional de bens, ou seja, não cabe ao mesmo misturar os bens no momento
vários casos; a outra resulta da estipulação feita pelos nubentes, antes
do casamento, optando pela separação de bens. A obrigatoriedade da da morte.
separação de bens é uma consequência necessária do pacto concluído
pelos nubentes, não sendo a expressão “separação obrigatória”
aplicável somente nos casos relacionados no parágrafo único do art. Ora, se o novo Código Civil, ao disciplinar o regime da separação legal
1.641. Essa minha conclusão ainda mais se impõe ao verificarmos que e convencional de bens decidiu pelo total isolamento do patrimônio dos
– se o cônjuge casado no regime de separação de bens fosse considerado cônjuges, dispensando a outorga uxória e afastando inclusive a
herdeiro necessário do autor da herança – estaríamos ferindo comunhão de aquestos, não se pode conceber o entendimento de que
substancialmente o disposto no art. 1.687, sem o qual desapareceria cônjuges casados sob o regime de separação voluntária ou convencional
todo o regime separação de bens em razão do conflito inadmissível de bens seriam herdeiros necessários, concorrendo com os
entre esse artigo e o de n. 1.828, I, fato que jamais poderá ocorrer numa descendentes, sob pena de clara violação ao disposto no art. 1.687 do
codificação à qual é inerente o princípio da unidade sistemática. referido diploma legal (GOES, 2007).
(REALI, p. 2).
Considerar que o cônjuge sobrevivente casado no regime de separação convencional
Ao verificar a obrigatoriedade do regime de separação de bens, deve se ter em mente
de bens concorre com os descendentes do falecido, viola o art. 1.687 do Código Civil. De mais
que esta obrigatoriedade deve ocorrer tanto no regime de separação de bens convencionada por
a mais, caso os cônjuges casados no regime de separação convencional de bens queiram que
meio de pacto antenupcial, quanto para o regime de separação imposto pela Lei. É que a
um deles seja herdeiro necessário, basta alterar o regime de bens, posto que vigora no Brasil o
obrigatoriedade da separação de bens ora decorre da Lei, ora decorre da vontade das partes.

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018 Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

85 86
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
princípio da mutabilidade do regime de bens. Logo, se em vida o morto não quis alterar o regime Portanto, não deve a Lei infringir a vontade livre estipulada por meio de pacto

de bens, nem fazer doações ou testamento a seu consorte, não cabe ao legislador impor o antenupcial, sob pena de não conferir segurança jurídica aos atos dotados de publicidade

cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário em concorrência com os descendentes. oponível “erga omnis”.

Ao Estado não é lícito interferir na vida exclusiva do casal, sob pena de violar o A intenção dos cônjuges que escolhem, livre e reciprocamente, o regime de separação

disposto no art. 1.513 do Código Civil, que determina que é vedada a intervenção publica ou absoluta é de clareza solar: estabelecer uma relação afetiva sem interseções patrimoniais,

privada na comunhão de vida instituída pela família. (BRASIL, Código Civil, 2002). apenas afetiva e amorosa. (FARIAS, ROSENVALD, 2017, p. 316).

Além disso, contrariar a vontade dos nubentes no momento da morte viola também o A gravidade do problema reside em situações na qual o falecido possui filhos

princípio da dignidade da pessoa humana, de onde decorre a autonomia da vontade. “Por tudo exclusivos que não é filho do cônjuge sobrevivente. Nesta situação, adotar que o cônjuge

isso, a melhor interpretação é aquela que prima pela valorização da vontade das partes na sobrevivente deve concorrer com os filhos exclusivos do falecido, evidentemente altera toda a

escolha do regime de bens, mantendo-a intacta, assim na vida como na morte dos cônjuges”. lógica do sistema. Imagine-se que a viúva também tenha filhos exclusivos. Deste modo, os bens

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2009). que o cônjuge sobrevivente recebeu em concorrência com os descendentes do falecido será

Uma vez estipulado o regime de casamento como o de separação convencional de posteriormente transmitido aos seus descendentes exclusivos, que nada tem haver com o

bens, esta estipulação deve prevalecer na constância do casamento, bem como em sua proprietário originário.

dissolução por divórcio ou por morte. Veja que a situação certamente gera discórdia, pois que é incompreensível imaginar
que pessoa estranha ao afeto e a consanguinidade possa receber o patrimônio que deva pertencer

Dessa forma, não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação aos herdeiros verdadeiros.
de bens, direito á meação, salvo previsão diversa em pacto antenupcial, O que causa maior estranheza ao entendimento de que o cônjuge sobrevivente casado
tampouco á concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens
estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, no regime de separação convencional de bens deve concorrer, é o fato de se estar diante de
portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário. relações privadas, na qual o Estado não deve intervir, sendo que toda e qualquer intervenção
Entendimento em sentido diverso suscitaria clara antinomia entre os
arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra da torna-se absurda e excessiva.
unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do regime O sentido lógico da existência do regime de separação convencional de bens é
de separação de bens. Por isso, entre uma interpretação que torna
complementares os citados dispositivos, não é crível que seja conferida justamente o de separar o patrimônio dos consortes, para que cada cônjuge tenha seus bens
preferência a primeira solução (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, exclusivamente. Assim, entender que neste regime o cônjuge sobrevivente deva concorrer
2009).
esvazia e torna inócua a sua adoção, principalmente quando o proprietário do patrimônio já

O ato de se convencionar o regime de separação convencional de bens é um ato antevia nada deixar para seu consorte.

realizado a dois, o qual o direito sucessório não cabe impor limitações. Com isso, o entendimento favorável a concorrência ignora o regime escolhido
voluntariamente pelo casal, afrontando a autonomia da vontade. (FARIAS, ROSENVALD,

Assim, a regra que confere o direito hereditário de concorrência ao 2007, p. 322).


cônjuge sobrevivente não alcança nem pode alcançar os que têm e O Superior Tribunal de Justiça, no acórdão capitaneado pela Ministra Nancy Andrighi,
decidiram ter patrimônios totalmente distintos, sob pena de clara
violação ao art. 1.687 do CC/02, notadamente quando a demonstrou a decisão mais acertada, ao decidir afastar o cônjuge sobrevivente casado sob o
incomunicabilidade resulta da estipulação feita pelos nubentes, antes do regime de separação convencional de bens da concorrência com os descendentes do falecido,
casamento. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2009)
posto que entendimento em sentido diverso contraria a sistemática da matéria. Assim, tal

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018 Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

87 88
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
entendimento esta em consonância com os demais dispositivos legais e principiológicos, O entendimento do Superior Tribunal de Justiça, proferido no Recurso Especial n.

merecendo criticas a decisão proferida no Recurso Especial n. 1.552.553/RJ/SP. 992.749, no sentido de que aqueles que manusearam pacto antenupcial, fazendo a escolha pelo

A par disto, embora supostamente o Superior Tribunal de Justiça tenha pacificado o regime de separação convencional de bens, não deverão concorrer com os descendentes do “de

entendimento, espera-se que novos casos concretos cheguem em referida Corte, para que ao cujus”, parece ser o mais acertado, a luz da autonomia da vontade e intervenção minima na

final possa proferir julgamento coadunado com os princípios da autonomia da vontade, relações privadas. Deste modo, o melhor entendimento e que deve ser defendido é o de que o

dignidade da pessoa humana e intervenção mínima do Estado nas relação privadas. cônjuge sobrevivente que optar pelo regime de separação convencional de bens, nada deve
herdar, sendo afastado de qualquer tipo de herança.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ressalte-se que é o entendimento que se coaduna com a sociedade atual, posto que há
casamentos em que os nubentes possuem filhos exclusivos e patrimônio antes das nupcias.

O regime de comunhão parcial de bens traz discuções doutrinárias, sendo que alguns Entendimento diverso viola evidentemente o princípio da dignidade da pessoa humana, posto

defendem que o cônjuge sobrevivente herdará somente os bens particulares, outros dizem que que entre suas vertentes encontra-se o principio da autonomia da vontade. Não cabe ao Estado

herdará os bens particulares e a meação do falecido e, ainda, há quem defenda que o cônjuge interferir em regramentos que dizem respeito apenas a vontade dos nubentes, notadamente em

sobrevivente não herdará caso haja bens particulares do “de cujus”. se tratando de direitos disponíveis, como é o caso do patrimônio.

No regime de participação final nos aquestos os bens se comunicarão somente no Incompreensivel seria a situação da pessoa que contrair nupcias, realizar pacto

momento da dissolução da sociedade conjugal, sendo que na constância desta vigora verdadeira antenupcial em que estipula o regime de separação convencional de bens e, ao final da vida, ver

separação de bens. No entanto, como no regime de participação final dos aquestos existem três sua escolha ser desrespeitada por vontade do legislador, o que acarreta verdadeira

massas de bens (bens comuns, bens particular da mulher e bens particular do marido), poderão desistimulação para muitos.

ocorrer diversas situações na concorrência do cônjuge. Conferir a concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido fará

O regime de separação de bens se subdivide em convencnional e obrigatório. O regime com que o regime de separação convencional de bens deixe de existir, fazendo com que a regra

de separação obrigatória de bens decorre da Lei quando os nubentes se enquadrarem nas do art. 1.687 e 1.688 se torne letra morta.

hipoteses do art. 1.641 e incisos, do Código Civil, sendo certo que, neste regime, o cônjuge Importante ressaltar que, caso o falecido tenha a intenção de contemplar seu parceiro

sobrevivente não receberá nada como herança, possuindo, pela súmula 377 do Supremo com algum patrimonio, basta o mesmo realizar doações ou pactuar regime de bens diverso do

Tribunal Federal, direito apenas a parte dos bens adquiridos na constância do casamento. Já o da separação obrigatória.

regime de separação convencional de bens deve ser escolhido por meio de pacto antenupcial. Há de se atentar que aqueles que pactuam pela separação de bens, terão mais

Neste regime, parte da doutrina, interpretando o art. 1.829, inciso I, do Código Civil, defende a consciência da divisão do patrimônio do que aqueles que são levados a tal situação de forma

concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido. obrigatória.

O Superior Trbunal de Justiça, no ano de 2009, proferiu entendimento de que cônjuge Portanto, o que deve prevalecer, a luz da dignidade da pessoa humana, autonomia da

sobrevivente não deve herdar no regime de separação convencional de bens. Porém, poucos vontade e intervenção minima do Estado, é o entendimento de que no regime de separação

anos depois, o mesmo Tribunal decidiu de forma totalmente oposta ao entendimento anterior, convencional de bens o cônjuge sobrevivente nada herda. Entendimento diverso deve ser

concedendo ao cônjuge sobrevivente o direito a herdar juntamente com os descendentes do “de rechaçado.

cujus” no regime de separação convencional de bens.

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018 Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

89 90
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
5. REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais,

AMORIM, Sebastião Luiz. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Inventários e Partilhas: Direito 2008

das Sucessões. São Paulo: Universitária de Direito, 2006.


____________________. Ponto Final. Disponível em: <

BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_785)2__ponto_final.pdf > acesso em 06
de abril de 2018.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 992.749. Relatora Ministra Nancy
Andrighi. 21 de dezembro de 2009. Disponível em: DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 22ª ed. São Paulo:

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=992749&b=ACOR&p=true&t=JUR Saraiva, 2008.

IDICO&l=10&i=7> acesso em 06 de abril de 2018.


Enunciado 270. III Jornada de Direito Civil. Coordenador Geral Ministro Ruy Rosado de

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.382.179/SP. Relator Ministro Aguiar. Disponível em:< http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/531>. Acesso em 05 de

Mauro Ribeiro. 26 de maio de 2015. Disponível em: abril de 2018.

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1382170&b=ACOR&p=true&t=J
URIDICO&l=10&i=9> acesso em 06 de abril de 2018. FARIAS, Cristiano Chaves, ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direito das
sucessões. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.334.340/MG. Relator Ministro


Marcos Aurélio Bellizze. 08 de outubro de 2015. Disponível em: GEROTI, Caires Cristiane. O cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário e a limitação da

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1334340&b=ACOR&p=true&t=J autonomia da vontade privada. Disponível em:

URIDICO&l=10&i=2> acesso em 06 de abril de 2018. <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=581> acesso em 24 de maio de 2011.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Recurso de Agravo de Instrumento n. 0316946-4. Rel. GOES, Celina de Sampaio. Sucessão: Cônjuge Casado no Regime da Separação de Bens não

Desembargador Cunha Ribas, 14 de dezembro de 2007. concorre com os descendentes. Disponível em:

Disponívelem:<http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/Jurisprudencia <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=313> acesso em 05 de março de 2018.

Detalhes.asp?Sequencial=1&TotalAcordaos=1&Historico=1&AcordaoJuris=555696>.
Acesso em 03 março de 2018. JUNIOR, N. Nelson. NERY, M. A. Rosa. Código Civil comentado. 4ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006.

BRASIL. Tribunal de Justiça d e São Paulo. Recurso de Apelação n. 535.332.4/6-00. Rel.


Desembargador Beretta da Silveira, 14 de dezembro de 2007. NETO, Inácio de Carvalho. Direito sucessório do cônjuge e do companheiro. São Paulo:

Disponível.em:<https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=2395835&vlCaptcha= Método, 2007.

yhtyb> acesso em 03 de abril de 2018.

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018 Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

91 92
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 Paula Paes Martins Souza - 03833817542
Organização Comitê Científico
Double Blind Review pelo SEER/OJS
Recebido em: 02.07.2018
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO Aprovado em: 11.07.2018
Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
MIRANDA, Pontes de.Tratado de Direito de Família. Campinas: Bookseller, 2001. p. 148
A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO
INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO
TARTUCE, Flavio, SIMÂO, José Fernando. Direito civil: direitos das sucessões. 2ª ed. São BPC (BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA)

Paulo: Método, 2008. Vagner dos Santos Teixeira 1


José Guilherme Ramos Fernandes Viana2

REALE, Miguel. O Estado de São Paulo: São Paulo, 12 de abril de 2003. RESUMO
Este artigo trata das questões atinentes ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) previsto
na Lei Orgânica da Assistência Social. No cerne desta análise, está a renda per capita familiar
do requerente limitada a ¼ do salário mínimo que, por vezes, impede a concessão deste
benefício, pois a autarquia (INSS) não analisa outros critérios sociais para auferir condição de
hipossuficiência do necessitado, desprezando, as decisões dos Tribunais Superiores que vem
adotando outros critérios sociais para a concessão do amparo estatal.

Palavras-Chave: Direitos Humanos; Renda Familiar; BPC, Lei Orgânica Da Assistência


Social.

THE INAPLICABILITY OF FUNDAMENTAL HUMAN RIGHTS BY THE


NATIONAL INSTITUTE OF SOCIAL SECURITY (INSS) IN THE CONCESSION OF
THE BPC (CONTINUED BENEFIT OF SUPPLY)

ABSTRACT
This article deals with the issues related to the BPC (Continuous Benefit Benefit) provided for
in the Organic Law of Social Assistance. At the heart of this analysis is the per capita family
income the applicant limited to ¼ the minimum wage, which sometimes prevents the grant
this benefit, since the (INSS) does not analyze other social criteria to obtain a condition
hyposufficiency the needy, despising, are the decisions of the High Courts that have adopted
other social criteria allowing the granting state protection.

Keywords: Human Rights; Family Income; BPC; Organizational Law Of Social Assistence

INTRODUÇÃO
Em um Estado Democrático de Direito, o princípio da igualdade e da dignidade da
pessoa humana são e devem ser indissociáveis, pois por meio deles é que se pode promover o
bem estar de todos os necessitados, o equilíbrio econômico e social para suplantar as
desigualdades.

1
Especialista em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale. (2016). Especialista em Direito Penal pela
Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus. (2017) . Graduado em Direito pelo Centro Universitário da
Fundação de Ensino para Osasco – UNIFIEO. (2010). Advogado. – [email protected]
2
Mestre em Direitos Humanos Fundamentais pelo Centro Universitário da Fundação de Ensino para Osasco-
UNIFIEO. (2016). Especialista em Comércio Exterior Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas
Unidas (UNIFMU). Graduado em Direito pelo Centro Universitário da Fundação de Ensino para Osasco -
UNIFIEO. (2010). Advogado. – [email protected]
Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018
Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p.
93 01 – 17 | Jan/Jun. 2018
Paula Paes Martins Souza - 03833817542 1 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza
A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO INSTITUTO
Vagner dos Santos Teixeira & José Guilherme Ramos Fernandes Viana NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)
Desde a Revolução Francesa, ocorrida entre os anos de 1789 a 1799, já se apregoava
No estudo utilizamos a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial e o método dedutivo
os princípios da Liberté, Égalité, Fraternité (liberdade, igualdade e fraternidade) que mais
para se chegar à conclusão de que limitar a concessão do benefício de prestação continuada
tarde deram origem a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que transformaram
apenas com análise do requisito objetivo da lei, qual seja, a renda per capita igual ou inferior
tais princípios em direitos.
a ¼ do salário mínimo é desprezar o preceito fundamental da dignidade humana insculpidos
Estes princípios ganharam força e atuaram como verdadeiras molas propulsoras para em todos os dispositivos Constitucionais de garantia dos Diretos Fundamentais da Pessoa
a afirmação da Revolução Americana, liderada por Thomas Jefferson em quatro de julho de Humana.
1779, que juntamente com os representantes dos trezes estados deram o esteio à igualdade
entre homens. 1 O SURGIMENTO E A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE

No âmbito dos Direitos Humanos, a Carta das Nações Unidas, promulgada no ano de SEGURIDADE SOCIAL.
1945, reafirmou a fé nos direitos fundamentais, na dignidade e na igualdade de direitos dos Narra a bíblia que o povo Hebreu quando se viu sem fé e sem acreditar nas
homens e das mulheres. O legislador brasileiro instituiu na Constituição da República promessas divinas passou a guardar o maná (pães que caiam do céu) para satisfazer a fome
Federativa do Brasil, de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana previsto no artigo dos dias que viriam. As benesses ocorrem por longos seis dias, nas manhãs o povo recebia os
1, inciso III e a igualdade de todos os cidadãos perante a lei sem distinção de qualquer pães e pela tarde as carnes, contudo, Deus irado pela rebeldia de Seus escolhidos permitiu o
natureza no “caput” do artigo 5º. apodrecimento de todo o alimento estocado. (NOVA VERSÃO INTERNACIONAL, 2010,

Nesse diapasão, temos que a Constituição Federal Brasileira, de 1988, consagrou os pp. 75/77)

direitos sociais como uma prestação legal imposta ao Estado. O ônus estatal, por meio de O instinto de sobrevivência é intrínseco a natureza humana, comportamento que
políticas sociais e participação privada, possibilita melhoria das condições de vida daqueles pode ser analisado também no mundo animal. Naturalmente, o instinto de sobrevivência do
que são considerados hipossuficientes, vez que, a estes atribui o direito à alimentação, homem foi aperfeiçoado na medida em que ao longo de sua existência descobriu e dominou
trabalho, saúde e a própria manutenção da vida, alicerces intrínsecos no princípio da novas técnicas e habilidades, certamente, fatos que o diferenciam das demais espécies.
igualdade e da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, Ibrahim (2015, p.2), afirma:
Alicerçado nessas ideias, o presente trabalho foi dividido em três capítulos. No
primeiro capítulo abordamos a gênese da ideia de seguridade social, desde a história do A preocupação com infortúnios da vida tem sido uma constante da
humanidade. Desde os tempos remotos, o homem tem se adaptado, no
homem primitivo, que após dominar as técnicas de conservação de alimento, passou a estocá- sentido de reduzir os efeitos das adversidades da vida, como fome, doença e
los na tentativa de prevenir eventos futuros e, por fim, as transformações após a Segunda velhice, etc.

Guerra Mundial consolidadas pela OIT (Organização Internacional do Trabalho).


O conceito de proteção social teve sua gênese no seio das famílias primitivas, pois no
No segundo capítulo, analisamos os aspectos históricos da Seguridade Social no
passado era comum o aglomerado de pessoas de laços consanguíneos. Nestas comunidades
Brasil. Ao longo de décadas, as caixas de assistência foram crescendo e abrangendo diversas
familiares, cada indivíduo possuía uma responsabilidade, ficando a cargo dos mais jovens em
classes de trabalhadores até formarem um grande sistema de caixas assistenciais sem
pleno vigor físico, a missão de cuidar dos mais idosos e incapacitados. Nesse sentido, o
conexões entre si e, por fim, a criação do Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS no
homem médio sempre procurou meios de garantir sua alimentação e de sua família quando
ano de 1990.
exposto a carência econômica, enfermidade, incapacidade laboral, diminuição ou perda de
No terceiro capítulo, destacamos o critério da renda per capita de ¼ do salário
renda. Tais fatores levaram a necessidade de criação de instrumentos de proteção para
mínimo utilizada pelo INSS e a posição dos Tribunais Superiores acerca deste parâmetro
confrontar as mazelas sociais, refletindo no mundo jurídico (IBRAHIM, 2015, p.2).
como requisito para concessão do benefício de prestação continuada.

Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p.
01 – 17 | Jan/Jun. 2018 01 – 17 | Jan/Jun. 2018
2 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza 3 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza
A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO INSTITUTO
Vagner dos Santos Teixeira & José Guilherme Ramos Fernandes Viana NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)
O assistencialismo, por assim dizer, inicia-se com o conceito de caridade, movimento
protegessem dos “perigos sociais”, ou seja, dos riscos incertos e futuros, tais como: doença,
criado pelas igrejas cujo objetivo era incentivar os mais abastados a socorrer aqueles que se
velhice, invalidez e morte. (KERTZAMAN, 2015, p.45)
encontravam em estado de indigência (IBRAHIM, 2015, p.2)
Durante o século XX, a sistemática Bismarckiana estendeu-se pela Europa, contudo,
Em sua obra, dos Santos (2013. p.34) afirma que:
sucumbiu diante das consequências causadas pela Primeira Guerra Mundial. Naturalmente, o
número de órfãos, viúvas e combatentes feridos consumiram toda e qualquer reserva
Nessa fase, não havia direito subjetivo do necessitado à proteção social, mas
mera expectativa de direito, uma vez que o auxílio da comunidade ficava financeira principalmente na Alemanha e Áustria. (DOS SANTOS, 2013, p.38).
condicionado à existência de recursos destinados à caridade.
Em 1919, com a assinatura do Tratado de Versalhes, surgiu o a primeira tentativa de
se implantar um regime universal de justiça social.Com a Fundação do Bureau International
O conceito de caridade e auxílio ao necessitado começou a perder o vínculo na
Du Travia (BIT) – Repartição Internacional do Trabalho – realizou-se a 1ª Conferência
Inglaterra por volta do ano de 1601. A proteção aos necessitados ganhou maior dimensão com
Internacional do Trabalho, que atribuiu o desenvolvimento da previdência social e a
a atuação do Poder Público, ou seja, o Estado criou mecanismos sociais que permitiram o
implantação em todas as nações do mundo civilizado. Como resultado dessa conferência,
verdadeiro assistencialismo. O primeiro passo foi dado pela Rainha Isabel I, conhecida
surgiu a primeira Recomendação para o seguro desemprego. A 3ª Conferência, realizada no
também como a “Rainha Gloriana”, que editou o Act of Relief of the Poor – Lei dos Pobres,
ano de 1921, recomendou a extensão do seguro social aos trabalhadores da agricultura. A 10ª
imputando ao Estado a responsabilidade em amparar os comprovadamente necessitados. Com
Conferência, realizada em 1927, estendeu as demais Convenções e Recomendações sobre o
essa lei origina-se a assistência social ou assistência pública, propriamente dita. (DOS
seguro desemprego aos trabalhadores das indústrias do comércio e da agricultura. Em 1933 e
SANTOS, 2013,. p.35)
1934 foram realizadas a 17ª e 18ª Conferências respectivamente. Suas recomendações
A lei dos pobres impôs a igreja a responsabilidade em administrar um fundo que era
consolidaram e regularam o seguro contra o desemprego. (DOS SANTOS, 2013, p.39)
formado pela arrecadação de uma taxa obrigatória oriunda da classe rica. Assim, o Poder
A Segunda Guerra Mundial foi responsável por grandes transformações no conceito
Público implantava o binômio da igualdade solidária. A partir desse conceito surgiram as
de proteção social. Em 1941, o governo Inglês, empenhando na reconstrução do país, formou
empresas de seguros de fins lucrativos garantidoras da proteção em situações de necessidades.
uma Comissão liderada por Sir Willian Beveridge. ( BBC, 2018, p.1)
Uma das primeiras formas de seguro surgiu no século XII o chamado seguro marítimo -
O plano analisou o seguro social e seus serviços abrangendo as necessidades dos
reinvindicação promovida pelos italianos. O desenvolvimento das bases técnicas de seguro
fundos e as previsões. Beveridge teve papel importante no desenvolvimento da legislação
deu origem a criação de novos segmentos tais como: seguro saúde, de vida, contra invalidez,
social na Europa e na América. (DOS SANTOS, 2013, p.40)
danos e acidentes, contudo, era privilégio de uma minoria que possuía subsídios para quitar os
Foi em 1944, que a OIT3 (Organização Internacional do Trabalho) adotou a
prêmios, excluindo assim a proteção da grande massa de trabalhadores. A ausência de
orientação para unificação dos sistemas de seguro social estendendo a todos os trabalhadores
proteção a grande classe de proletariados, bem como, a revolução industrial, nos séculos
rurais e urbanos, inclusive seus familiares. Somente em 1952, na 35ª Conferência
XVIII e XIX impulsionaram a criação de um sistema de seguros cuja fiança da efetividade
Internacional foi que a OIT aprovou a Convenção nº 102, denominada “Norma Mínima em
estava atrelada a distribuição dos riscos dos segurados deu a ideia de Seguridade Social. (DOS
Matéria de Seguridade Social”, cuja aprovação ocorreu na 35ª reunião da Conferência
SANTOS, 2013, p.36)
Em 1883, nasce na Prússia, o seguro social fruto da proposta do Alemão Bismarck
conhecido também como “chanceler de ferro”. Esta proposta resultou na Lei do Seguro 3
SITE OIT, disponível em: http://www.oitbrasil.org.br - OIT: foi criada em 1919, como parte do Tratado de
Doença, que mais tarde deu origem ao Seguro Enfermidade, cujo objetivo principal era a Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Fundou-se sobre a convicção primordial de que a paz
universal e permanente somente pode estar baseada na justiça social. É a única das agências do Sistema das
proteção dos trabalhadores com as mesmas bases tal e qual é o seguro privado. Por esta razão, Nações Unidas com uma estrutura tripartite, composta de representantes de governos e de organizações de
empregadores e de trabalhadores. A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do
à classe operária era imposta a obrigatoriedade de contratação de um seguro que os trabalho (convenções e recomendações) As convenções, uma vez ratificadas por decisão soberana de um país,
passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico. Acesso em: 14 de fevereiro de 2018.

Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p.
01 – 17 | Jan/Jun. 2018 01 – 17 | Jan/Jun. 2018
4 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza 5 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza
A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO INSTITUTO
Vagner dos Santos Teixeira & José Guilherme Ramos Fernandes Viana NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)
Internacional do Trabalho em Genebra 1952 e, entrou em vigor no plano internacional em 27
gradativamente, foram surgindo outras caixas de assistência de segmentos econômicos
de abril de 1955. Foi Aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº
diversos, merecendo destaque:
269 de 19 de setembro de 2008 e ratificado em 15 de Junho de 2009. ( BBC, 2018, p.1)
A Lei 5.109 /1926, estendeu os direitos aos trabalhadores portuários e marítimos.
Aos trabalhadores dos serviços telegráficos e radiotelegráficos foram estendidos os mesmos
2 OS ASPECTOS HISTÓRICOS DA SEGURIDADE SOCIAL NO
benefícios por meio da Lei 5.485/1928. (CASTRO, LAZZARI, 2017, p.56)
BRASIL. Nesse diapasão, o Decreto 5.128, de 31 de Dezembro de 1926, criou o Instituto da
Durante o período colonial, tiveram início as benesses assistenciais aos Previdência dos Funcionários Públicos da União; O Decreto 19.433, de 26 de Novembro de
necessitados. Em 1543, ocorreu o surgimento das Santas Casas de Misericórdia na cidade de 1930, criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio com objetivo de fiscalizar e
São Vicente e em 01 de outubro de 1821, O Príncipe Regente Dom Pedro de Alcântara orientar a Previdência Social, inclusive, como órgão de recursos das decisões das Caixas de
expediu Decreto que concedia aposentadoria aos mestres e professores após 30 de anos de Aposentadorias e Pensões. (CASTRO, LAZZARI, 2017, p.56)
efetivo serviço, assegurando o abono de ¼ (um quarto) dos ganhos aos trabalhadores que Em 1930, O governo Getúlio Vargas suspendeu por meio do Decreto nº 19.540 de
optassem pela continuidade laboral. (CASTRO, 2017, p.55) 17 de dezembro a concessão de qualquer aposentadoria e determinou a revisão geral dos
No ano de 1888, o Decreto 9.912-A, de 26 de março, estabeleceu o direito de benefícios face as inúmeras denúncias de corrupção nas concessões, marcando a primeira
aposentadoria aos empregados dos Correios que completassem 30 anos de efetivo trabalho e crise no sistema previdenciário. (NETO, 2013, p.51)
idade mínima de 60 anos. (CASTRO,2017, p.55) Em 1960, foi criado o Ministério do Trabalho e Previdência Social e promulgada a
Os trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil também foram Lei nº 3.807 – LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social, cujo projeto tramitava desde o ano
contemplados com o direito de aposentadoria cujos termos estavam estabelecidos no Decreto de 1947, contudo, não teve o condão de unificar as caixas existentes, todavia, estabeleceu
221, de 26 de fevereiro de 1890, sendo o mesmo direito, estendido aos demais trabalhadores normas uniformes para o amparo a segurados e dependentes de vários Institutos existentes.
ferroviários do Estado em 12 de junho do mesmo ano, por meio do Decreto nº (CASTRO, LAZZARI, 2017, p.57)
565.(KERTZAMAN, 2017,p.47) Foi em 1º de Janeiro de 1967, que os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs)
As aposentadorias concedidas a estes trabalhadores não tinham caráter contributivo, foi unificado por meio do Instituto Nacional da Previdência Social – INPS, criado pelo
ou seja, tais trabalhadores não contribuíam para o regime, vale dizer, que tais benesses eram Decreto – Lei nº 72, de 21 de Novembro de 1966 e, ao longo dos anos passou a incorporar
deliberadamente concedidas pelo Estado, sem a necessidade de contribuição do segurado. outros benefícios que foram sendo criados tais como: o auxílio desemprego (1967), o seguro
(KERTZAMAN, 2017, p.47). acidente de trabalho estabelecido pela Lei 5.316, de 14 de setembro do mesmo ano,
A obrigatoriedade das contribuições ganhou força com a publicação do Decreto (CASTRO, LAZZARI, 2017, p.58)
Legislativo nº 4.682 de 24 de Janeiro de 1923, mais conhecido como Lei Eloy Chaves que, A Lei nº 6.439/1977, trouxe importante transformação administrativa
por meio deste Decreto, criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões das empresas de organizacional ao modelo previdenciário por meio do SINPAS – Sistema Nacional de
construção de estradas de ferro existentes, assegurando o direito de aposentadorias aos Previdência e Assistência Social, que distribuiu as atribuições entre diversas autarquias,
trabalhadores e pensões aos seus dependentes, considerado pela doutrina majoritária o marco surgindo assim, o IAPAS – Instituto de Administração Financeira da Previdência Social, cujo
inicial da Previdência Social no Brasil. (CASTRO, LAZZARI, 2017, p.55) objetivo era arrecadar e fiscalizar o contribuinte e o Instituto Nacional de Assistência Medica
O sistema Eloy Chaves possuía semelhança ao modelo previdenciário alemão de da Previdência Social – INAMPS, cujo papel era de atender os segurados e seus dependentes
1883. Suas características essenciais eram a obrigatoriedade de contribuições dos na área da saúde.(CASTRO, LAZZARI, 2017, p.59)
trabalhadores; a regulamentação e administração de competência do Estado e a cobertura dos Ao instituto Nacional Previdência Social – INPS coube a responsabilidade pelos
eventos prevista em lei, tais como as incapacidades, mortes e assistência a subsistência que, pagamentos e manutenção dos benefícios previdenciários e à Fundação do Bem Estar do

Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p.
01 – 17 | Jan/Jun. 2018 01 – 17 | Jan/Jun. 2018
6 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza 7 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza
A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO INSTITUTO
Vagner dos Santos Teixeira & José Guilherme Ramos Fernandes Viana NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)
Menor - FUNABEM – o atendimento e amparo aos menores carentes infratores (CASTRO,
O inciso V do artigo 203 da Constituição Federal Brasileira de 1988, garante o
LAZZARI, 2017, p.60)
pagamento de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
Em 1990, foi criado o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS para
idoso que fizerem prova de não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
substituir o INPS, IAPAS e, desde então, importantes alterações foram realizadas dentro da
provida por sua família nos termos da Lei. (BRASIL, CF, 2018, p.79)
seguridade social tais como: a publicação da Lei nº 8.212/1991 que disciplina o plano de
custeio da Seguridade Social, da Lei 8.213/1991 e Decreto 3.048/1999, ambos dispõem os Nesse diapasão, em 07 de Dezembro de 1993, foi promulgada a Lei 8.742 que dispõe

Planos de Benefícios da Previdência Social e, por fim, a Lei 8.742 de 07 de Dezembro de sobre a organização da Assistência Social no Brasil. Como premissa, a referida lei estabeleceu

1993 que dispõe sobre a organização da Assistência Social Nacional. (CASTRO, LAZZARI, o dever do Estado de garantir a assistência aos hipossuficientes com o objetivo de Justiça

2017, p.61) social. (CASTRO, LAZZARI, 2017, p.574)


Em seu texto original, a mencionada Lei, trazia estampado em seu artigo 20 o direito
de percepção de um salário mínimo ao idoso com 70 anos de idade e a pessoa com deficiência
3 RENDA PER CAPITA x PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
incapaz de prover a sua própria manutenção ou de ser provida por sua família, desde que a
PESSOA HUMANA NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE
renda mensal familiar per capita fosse inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo,
PRESTAÇÃO CONTINUADA. entendimento que vigorou até o final de 1997. (BRASIL, 2018, p.28)
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também conhecida como Entre 01/01/1998 até 31/12/2003, houve mudança na faixa etária, passando a idade
Constituição Cidadã, consagrou a seguridade social no campo dos direitos sociais. mínima de 70 para 67 anos. Em 2003, com a promulgação do Estatuto do Idoso por meio da
Ensina Waleska Cariola Viana que: Lei 10.741/2003, a idade mínima foi reduzida de 67 anos para os atuais 65 anos,
permanecendo este requisito inalterado até os dias atuais. (KERTZAMAN, 2017, p.457)
A Previdência Social integra o grandioso sistema da Seguridade Social que Afirma Frederico Amado:
reúne ações nas áreas da Saúde, Previdência Social e Assistência Social[...]
A ideia é a proteção do trabalhador idoso em razão deste estar mais
suscetível a sofrer com a incapacidade fisiológica, a doença, a invalidez e o
A redução da idade mínima para a concessão deste benefício assistencial
desemprego, o que faz com que a “idade avançada” seja um fator de risco. decorre da concretização do Princípio da Universalidade de Cobertura e do
(CARIOLA VIANA, 2015, p. 203). Atendimento, pois apesar do crescimento da expectativa de vida dos
brasileiros, houve uma extensão da proteção social em favor dos
necessitados, na medida em que surgiram mais recursos públicos
Diferentemente das outras áreas do sistema, a assistência social não possui fonte de disponíveis. (AMADO, 2015, pp.45/46)
custeio própria. O segurado não está submetido a regra da contrapartida, ou seja, não realiza
contribuições, contudo, possui o direito de ser amparado pelo sistema no caso de evento Já o conceito de deficiência foi amplamente consolidado por meio do Decreto
futuro que o impeça de promover sua própria subsistência ou de tê-la por meio da família. Legislativo nº 186/2008 – Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência cujo
(CASTRO, LAZZARI, 2017, p.574) protocolo facultativo foi assinado na cidade de Nova Iorque em 30/07/2007. (AMADO, 2015,
Prevê o artigo 203 da Constituição Federal Brasileira de 1988, que a assistência pp.48/49)
social será custeada pela seguridade social. A seguridade Social, por sua vez, é financiada por A lei 12.435, de 06 de Julho de 2011, após sua publicação alterou a Lei 8.742/1993
toda a sociedade direta e indiretamente mediante recursos oriundos dos orçamentos da União, – Lei Orgânica da Assistência Social, estabeleceu ao conceito de incapacidade um limite
dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, nos moldes do artigo 195 da Carta Magna. temporal de no mínimo 02 anos de natureza física, intelectual ou sensorial que impeça o
(BRASIL, CF, 2018, p.78) deficiente de participar e interagir plenamente com a sociedade. (BRASIL, LEI 12.435/2011,
2018, p.10)

Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p.
01 – 17 | Jan/Jun. 2018 01 – 17 | Jan/Jun. 2018
8 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza 9 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza
A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO INSTITUTO
Vagner dos Santos Teixeira & José Guilherme Ramos Fernandes Viana NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)
Fábio Zambitte Ibrahim, afirma:
No ponto central do tema está a seguinte indagação: O critério da renda individual
Há clara intenção de adequar a legislação interna a Convenção de Nova dos membros familiares pode ser flexibilizado? Deve o julgador ficar restrito ao critério da
Iorque, o que é acertado, embora desnecessário, pois o Decreto Legislativo
nº 186/08, a previsão da LOAS já havia sido tacitamente derrogada. renda per capita na concessão do Benefício de Prestação Continuada?
(IBRAHIM, 2015.p.15) O tema em questão foi pouco a pouco sendo enfrentado pelo Poder Judiciário. Nesse
sentido, a TNU – Turma Nacional de Uniformização editou a Súmula nº 79 com o seguinte
Em seu bojo, a lei 12.435 trouxe uma significativa alteração no tocante ao cálculo da enunciado:
renda familiar apresentando um amplo rol de parentes que passou a considerar cônjuge ou Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a
companheiro, pais e, na ausência destes, madrastas ou padrastos, irmãos solteiros, filhos e comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de
assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou,
enteados solteiros desde que estejam sob o mesmo teto. Embora a lei 8.213/1991, em seu sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal. (BRASIL,
artigo 16 trouxesse a previsão similar, na prática, gerava divergências de entendimentos, por 2018, p.19) .

exemplo quando o filho maior de 21 anos, mesmo ajudando no sustento da família não era Diante da controvérsia que se estabeleceu, o Superior Tribunal de Justiça, firmou
considerado no computo da renda familiar por não constar no rol de dependentes do regime entendimento de que os magistrados não estão sujeitos somente a apreciação da renda
geral da previdência social RGPS. (IBRAHIM, 2015.p.15) familiar, pois a delimitação de valor da renda per capita do núcleo familiar não deve ser o
Em 31 de Agosto de 2011, foi sancionada a Lei 12.470, que alterou a recente regra único meio de prova da condição de miserabilidade do requerente. (CASTRO, LAZZARI,
prevista na Lei 12.435 do mesmo ano. Pela nova legislação (Lei 12.470/2011) a restrição 2017, p.578)
temporal limitada a dois anos permaneceu, contudo, ocorreu a inserção do termo impedimento
Relata Frederico Amado:
o que permitiu uma ampliação na concessão do benefício a outros segurados, até pelo fato de
que o termo incapacidade é mais adequado à aptidão para o trabalho, o que não faria sentido
No dia 10 de Agosto de 2011, a 3º Seção do Superior Tribunal de Justiça –
para as crianças. (IBRAHIM, 2015.p.15) STJ, firmou entendimento no sentido de admitir que o benefício
O Decreto 8.805, de 7 de Julho de 2016, em seus artigos 12 e seguintes, trouxeram previdenciário no valor de um salário mínimo recebido por maior de 65
(sessenta e cinco) anos deve ser afastado para fins de apuração de renda
dois novos requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada quais sejam: a mensal per capita objetivando a concessão de benefício de prestação
continuada. Outrossim, em 25 de Fevereiro de 2015, no julgamento do
manutenção e a inscrição no Cadastro de Pessoa Física – CPF e no CadÚnico – cadastro único RESp. 1.355.052, decidiu em repetitivo a 1ª Seção do STJ que aplica-se o
para Programas Sociais do Governo Federal. (BRASIL, DECRETO 8.805/2016, 2018, p.05) parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (lei 10.741/2003), por
analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência
O CadÚnico é procedimento realizado pelo CRAS – Centro de Referência de a fim de que o benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um
Assistência Social ligado as Secretarias de Assistências Sociais Municipais, destinadas salário mínimo, não seja, computado no cálculo da renda per capita prevista
no artigo 20 § 3º da Lei 8.742/1993. (AMADO, 2015, p.58)
especificamente à articulação dos serviços socioassistencias, programas sociais e proteção
básicas as famílias com maior potencial de vulnerabilidade. (IBRAHIM, 2015.p.16) Por ser um tema pra lá de polêmico, o Supremo Tribunal Federal já havia enfrentado
Embora, todo o ordenamento jurídico pátrio ao longo dos anos tenha ampliado e a questão de forma parcial. Em 27 de agosto de 1998, o STF julgou a ADI 1.232, trazia a baila
definido novos conceitos que possibilitaram contemplar o maior número de incapazes e a questão do critério de ¼ de salário mínimo como requisito limitador de concessão do
impedidos possíveis, o critério da renda per capita de ¼ de salário mínimo ainda é o principal benefício assistencial. Naquela época, o STF validou abstratamente o critério sob o
óbice na concessão do benefício assistencial no rito administrativo do INSS. (AMADO, 2015, fundamento de que cabia ao legislador infraconstitucional a competência para fixar critérios
p.53) de concessão do referido benefício. Embora, a Suprema Corte tenha se pronunciado acerca do
critério objetivo, não houve a manifestação expressa sobre a possibilidade de se utilizar de
outros critérios para apuração do estado do segurado. (AMADO, 2015, p.58)

Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p.
01 – 17 | Jan/Jun. 2018 01 – 17 | Jan/Jun. 2018
10 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza 11 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza
A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO INSTITUTO
Vagner dos Santos Teixeira & José Guilherme Ramos Fernandes Viana NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)
A Suprema Corte só se pronunciou em abril de 2013, ao julgar os Recursos
Nacional, sendo válida a postura da autarquia previdenciária até que haja
Extraordinários 567.985 e 580.963 – Tema 27 (meios de comprovação do estado de novidade legislativa sobre o tema.
miserabilidade do idoso para fins de percepção de benefício de assistência continuada). Por Para conferir um mínimo de segurança jurídica ao INSS ou ao Poder
Judiciário na aferição concreta da Miserabilidade, é necessário que o
maioria dos votos, o STF decretou a inconstitucionalidade material incidental do § 3º do Congresso atue rapidamente na votação de um novo critério para substituir o
§3º do artigo 20, da lei 8.742/1993, observados os limites orçamentários da
artigo 20 da Lei 8.742/1993 (LOAS) que prevê o critério legal da renda per capita familiar
União à Luz do princípio da Precedência da Fonte de Custeio. (AMADO,
inferior a ¼ do salário mínimo para a caracterização da miserabilidade. (GOES, 2016, p.788) 2017, p.55)
Porém, o STF com objetivo de conceder um prazo razoável para que o Congresso
Acerca do tema Marisa Ferreira dos Santos ponderou:
Nacional aprovasse novo regramento para concessão do benefício tentou buscar o efeito ex
nunc ou pro futuro fixando a data de 31/12/2015 para eficácia de sua decisão, todavia, não
A melhor forma de avaliar a situação de necessidade ainda é por meio do
alcançou o quórum de 2/3(oito votos) para aprovar a referida modulação. (AMADO, 2015, montante que dos ganhos do grupo familiar caberá a cada um de seus
p.59) integrantes.
Na linha desse entendimento, pensamos que o valor per capita a ser
Fábio Zambitte Ibrahim afirma que: considerado, no caso, deverá ser o de um salário mínimo, pois esse é o valor
escolhido pela Constituição para qualificar e quantificar o bem-estar social,
assegurando os mínimos vitais à existência com dignidade. (DOS
Ainda que o legislador frequentemente utilize-se de parâmetros objetivos SANTOS, 2013, p.155)
para a fixação de direitos, a restrição financeira pode e deve ser a ponderada
característica do caso concreto, sob pena de condenar-se à morte o
necessitado. Ainda que a extensão de benefício somente possa ser feita por A decisão do Supremo Tribunal Federal, bem como, do Superior Tribunal de Justiça
lei, não deve o intérprete omitir-se à realidade social. A Concessão do
não obrigou o INSS a adotar os critérios de avaliação das condições sociais na concessão do
benefício assistencial, nestas hipóteses, justifica-se a partir do Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, o qual possui, com núcleo essencial, Benefício de Prestação Continuada, motivo pelo qual, segue a Autarquia na utilização do
plenamente sindicável, o mínimo existencial, isto é, o fornecimento de
recursos elementares para a sobrevivência digna do ser humano . critério da renda per capita fixada em ¼ do salário mínimo reforçada pelo recente Decreto nº
(IBRAHIM, 2015, p.25) 8.805, de 7 de Julho de 2016 que alterou o Decreto 6.214 de 26 de setembro de 2007
incluindo o parágrafo 5º no artigo 15 para estabelecer o critério da renda per capita familiar
Importante registrar que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal não é mensal.
vinculante, ou seja, não proíbe a Autarquia (INSS) de utilizar o critério da renda per capita de
¼ do salário mínimo como requisito, motivo pelo qual, até hoje este critério vigora na Assim, por falta de uma legislação capaz de alterar os pressupostos legais exigidos
concessão realizada no âmbito administrativo. (IBRAHIM, 2015, p.25) na atual legislação, notadamente, na contramão do entendimento doutrinário e jurisprudencial
Nesse sentido, o Decreto 8.805, de 07 de Julho de 2016 em seu artigo 14 parágrafo 5º segue o INSS aplicando o critério da renda familiar estabelecidas nas Instruções Normativas e
estabelece que: Portaria conjuntas, motivo pelo qual, há considerável aumento das demandas no Poder
Na hipótese de ser verificado que a renda familiar mensal per capita não Judiciário que transformam esta Justiça Especializada quase que em uma extensão do balcão
atende aos requisitos de concessão de benefício, o pedido deverá ser
indeferido pelo INSS, sendo desnecessária a avaliação da deficiência. de atendimento da Autarquia. (DOS SANTOS, 2013, p.155)
(BRASIL, DECRETO 8.805/2016, 2018, p.07) A proteção da dignidade da pessoa humana, insculpido como princípio fundamental
no artigo 1º da Constituição Federal Brasileira de 1988, é considero alicerce e fonte de todos
Em sentido contrário, Frederico Amado afirma:
os direitos fundamentais, portanto, deve ser a luz norteadora da ordem social e política de um
Estado Democrático de Direito.
Que se o INSS afastasse o critério legal invalidado pelo STF, não haveria
outro critério legal a adotar, haja vista a sua não aprovação pelo Congresso

Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p.
01 – 17 | Jan/Jun. 2018 01 – 17 | Jan/Jun. 2018
12 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza 13 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza
A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO INSTITUTO
Vagner dos Santos Teixeira & José Guilherme Ramos Fernandes Viana NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)
Nesse sentido, Anna Cândida da Cunha Ferraz e Valdir dos Santos Pio dissertaram,
em artigo publicado pela Revista Mestrado em Direito da Edifieo, sobre os aspectos históricos garantia da sua sobrevivência e do seu bem estar social como o mínimo de dignidade, ou seja,
e atuais quanto a positivação dos direitos fundamentais, destacam que: Segurança Humana. (OLIVEIRA, 2018, p.134)
Nesse sentido, a ONU – Organização das Nações Unidas definiu Segurança Humana
como a proteção contra ameaças sistêmicas que podem atingir o cerne de todas as vidas
O constitucionalismo pode ser identificado em quatro modelos, em que o
primeiro corresponde às declarações de direito que antecederam às próprias humanas, cabendo ao Estado o ônus de fomentar tais condições por meio de políticas públicas
constituições dos Estados, citando por exemplo o caso da França, cuja
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, precede a (OLIVEIRA, 2018, pp.135).
constituição de 1971. O segundo modelo é caracterizado pela sucessão das
declarações às constituições dos Estados, citando como exemplo o que
ocorreu nos Estados Unidos da América, na ocasião da sua fundação, em que CONCLUSÃO.
a Constituição é de 1787, a qual não afirmou, inicialmente, no seu contexto
constitucional a declaração de direitos, mas esta veio a ser posteriormente, Concluímos que os procedimentos adotados pela Previdência Social na análise
em 1791, com a aprovação das dez primeiras emendas à Constituição. O
terceiro modelo, já no século XIX, é caracterizado em razão da declaração, a dos requisitos previsto na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, para concessão do
proclamação ou positivação dos direitos passar a integrar os textos Benefício de Prestação Continuada, embora fundamentada na lei ordinária, não se coadunam
constitucionais em forma de tópicos, ainda sob a ótica do Iluminismo do
século XVIII, voltados aos direitos individuais, a exemplo das Constituições aos Princípios Constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana.
do Uruguai de 1830, Argentina 1853. No qual o modelo, que representa um
desdobramento do anterior, verificado a partir do século XX, a característica Os Direitos Fundamentais e a Segurança Humana devem pautar o ônus estatal de
está no fato de que as declarações de direitos vão se constituir como títulos prestar a assistência social à aqueles que estão mais vulneráveis e suscetíveis aos malgrados
ou capítulos iniciais ou mesmo preambulares das constituições a nortear a
atuação e organização dos Poderes do Estado, com vista à consagração dos que a vida lhes reserva.
direitos, liberdades e garantias da pessoa humana positivados na carta
política (FERRAZ, 2012, pp.251/252)
A Carta Magna positivou a proteção ao idoso e ao deficiente (físico e mental),
portanto, ao legislador infraconstitucional coube a missão de regulamentar os procedimentos
O envelhecimento e incapacidade física, intelectual e sensorial é direito
que viabilizem a concessão de tais amparos assistências.
personalíssimo, devem ser interpretados de maneira extensiva e, em conjunto com o vasto
Em um Estado Democrático de Direito, cujo ordenamento jurídico tem seu
ordenamento jurídico pátrio que permitam a proteção, a igualdade, o acesso, a inclusão e
aprimoramento no reconhecimento da igualdade, fraternidade, no exercício dos direitos
assistência a este grupo de desamparados, ou seja, deve o operador do direito interpretar o
sociais individuais, no desenvolvimento da harmonia social e na busca de uma sociedade mais
conjunto de direitos positivados como instrumento capaz tutelar à dignidade e propiciar o
justa, é essencial que critérios rígidos e ampliados como o da renda per capita sejam cada vez
mínimo de vida e desenvolvimento da personalidade humana. (MORAES, 2000, p.39)
mais flexibilizados sob a Luz dos Direitos Humanos Fundamentais.
O maior desafio que se apresenta nos dias de hoje, não é fundamentar os direitos
O tratamento igualitário, digno da pessoa humana concernentes a verificação da
intrínsecos ao ser humano, e sim de protegê-los.(BOBBIO, 2006, p.25) Trata-se de segurança
miserabilidade ou estado de vulnerabilidade não está atrelado a constitucionalidade ou
humana, conceito amplamente consolidado no Programa das Nações Unidas para o
inconstitucionalidade da norma legal. Cabe ao operador do direito aplicar a hermenêutica
Desenvolvimento (PNUD) que elegeu sete componentes centrais (Segurança Econômica,
Constitucional ao caso concreto, ou seja, o operador do direito deve se pautar pelos princípios
Segurança Alimentar, Segurança Saúde, Segurança Ambiental, Segurança Cidadã, Segurança
fundamentais humanos e, levar em conta o objetivo que o legislador buscou atender quando
Comunitária, Segurança Política Jurídica), que se interligam e viabilizam o desenvolvimento e
positivou a norma.
enriquecimento de indivíduos como pessoa. (OLIVEIRA, 2018, pp.131/133)
Dessa forma, não há outro meio de se analisar o critério da renda per capita senão
Este componentes devem ser norteadores na garantia dos direitos fundamentais,
pela ótica da situação fática do jurisdicionado aferindo o grau de sua vulnerabilidade social,
portanto, o critério da renda per capita, a Luz destes componentes, deve permitir ao
ou seja, para concessão do benefício de prestação continuada é fundamental a análise mais
necessitado capacidade de subsidiar alimentos, saúde e outros elementos fundamentais na
extensiva dos fatores subjetivos do hipossuficiente tais como: idade, nível de escolaridade,

Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p.
01 – 17 | Jan/Jun. 2018 01 – 17 | Jan/Jun. 2018
14 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza 15 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza
A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO INSTITUTO
Vagner dos Santos Teixeira & José Guilherme Ramos Fernandes Viana NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)
profissão, local da residência, além de outros fatores socioeconômicos e culturais que
KELLY, Paul. O Livro da Política, São Paulo. Globo Livros, 1 ed., São Paulo: 2013.
resultam na sua incapacidade social valorizando, acima de tudo, a Dignidade Humana.
Como um dia mencionou Émile Durkheim: “É preciso sentir a necessidade da LAZZARI, João Batista, Manual de Direito Previdenciário.20 ed. FORENSE: Rio de Janeiro:
2017.
experiência, da observação, ou seja, a necessidade de sair de nós próprios para aceder à escola
das coisas, se as queremos conhecer e compreender”. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. Atlas, 3.ed.São Paulo: 2000.

OIT. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/- Acesso em: 14 de fevereiro de 2018.


REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Edmundo. O Universo da Segurança Humana. Coplad- Ilanud Publication. San
AMADO, Frederico. Direito Previdenciário. 7 ed. Salvador. JusPODIVM.2015. José – Costa Rica: 2018.

BBC. Disponível em: http://www.bbc.co.ukl/. Acesso em: 14 de fevereiro de 2018. TNU- Súmula nº 79. Disponível em: http://www. cjf.jus.br/ - Acesso em 27/02/2018.

BIBLIA SAGRADA, Nova Versão Internacional. 14 ed. São Paulo: Vida Nova, 2010.

BOBBIO, Norberto. Era dos Direitos. Campus. Rio de Janeiro:2006.

BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 16 de


Fev.de 2018.

BRASIL. Decreto 8.805/2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 23 E


24 de Fev. de 2018.

BRASIL. Lei 12.435/2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 10 de


Fev. de 2018.

BRASIL. Lei 8.742/1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 19 E 20


de Fev. de 2018.

CARIOLA VIANA, Waleska, Capítulo VII Da Previdência Social (artigos 29 a 32). In


FERRAZ, Ana Cândida da Cunha; BAPTISTA, Fernando Pavan; PINTO FILHO, Ariovaldo
de Souza. Comentários ao Estatuto do Idoso: efetivação legislativa, administrativa e
jurisdicional. Osasco: Edifieo, 2015.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista Manual de Direito Previdenciário.
20 ed. Rio De Janeiro: Forense, 2017.

DOS SANTOS, Marisa Ferreira, Direito Previdenciário Esquematizado. 3ed. São Paulo:
Saraiva. 2013.

FERRAZ, ANNA Candida da Cunha; PIO, Valdir dos Santos. O direito à saúde como direito
fundamental social e sua concretização. Revista Mestrado em Direito. Edifieo; Osasco: 2012.

GOES, Hugo. Manual de Direito Previdenciário.11ed. Rio de Janeiro. Ferreira. 2016.

IBRAHIM, Fábio Zambitte, Curso de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Impetus.2015.

KERTZAMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 12 ed. Salvador:


JusPODIVM.2015.

Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social | e-ISSN: 2525-9865 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p.
01 – 17 | Jan/Jun. 2018 01 – 17 | Jan/Jun. 2018
16 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza 17 - 03833817542
Paula Paes Martins Souza

Você também pode gostar