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DIEGO CARNEIRO COSTA; LEANDRO REINALDO DA CUNHA

A Opinião Consultiva 24/17 da Corte IDH e seus reflexos no combate à discriminação contra pessoas trans nas relações de trabalho

A Opinião Consultiva 24/17 da


Corte Interamericana de DH
e seus reflexos no combate à
discriminação contra pessoas
trans nas relações de trabalho
§ Opinión Consultiva 24/17 de la Corte Interamericana
de Derechos Humanos y sus reflejos en la lucha
contra la discriminación contra las personas trans en
relaciones laborales

§ The Consultative Opinion 24/17 of the Inter-American


Court of Human rights and your reflections in the
fight against discrimination against trans persons in
work relations

Diego Carneiro Costa1


Leandro Reinaldo da Cunha2

Resumo: O artigo propõe analisar os possíveis reflexos da Opinião Consultiva


24/17, da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), no combate

1 Mestrando do PPGD da Universidade Federal da Bahia. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Direito e Sexualidade.
E-mail: [email protected]
2 Pós-doutor e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Professor Titular-livre de Direito
Civil da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Líder do Grupo de Pesquisa Direito e Sexualidade.
E-mail: [email protected]

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à discriminação no trabalho por motivos relacionados à sexualidade, notada-


mente em razão da identidade de gênero. Parte-se do pressuposto de que
a sexualidade é inerente ao ser humano e que se deve promover, através de
políticas públicas, a igualdade de direitos e a dignidade da pessoa humana de
todos aqueles que fogem ao binarismo convencional de gênero, sendo parce-
la mais vulnerável da população. Para tanto, inicialmente, far-se-á uma neces-
sária abordagem dos elementos distintivos da sexualidade humana, dando
maior enfoque à identidade de gênero. Em seguida, analisar-se-á a proteção
jurídica em face da discriminação sofrida nas relações de trabalho e far-se-á
uma análise da normativa internacional da Corte Interamericana, ressaltando
seus impactos nos direitos da população trans, sempre dando enfoque aos
reflexos destas decisões nas relações de trabalho. Por fim, destacar-se-á a ne-
cessidade de adoção de políticas públicas destinadas à inclusão da população
trans no mercado de trabalho, como forma de promover o direito ao trabalho
e a própria dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Identidade de Gênero. Discriminação. Corte Interamericana


de Direitos Humanos Relações de Trabalho.

Resumen: Él artículo propone analizar los posibles reflejos de la Opinión Con-


sultiva 24/17, de la Corte Interamericana de Derechos Humanos (Corte IDH), en
la lucha contra la discriminación laboral por razones relacionadas con la sexu-
alidad, especialmente debido a la identidad de género. Se basa en el supuesto
que la sexualidad es inherente a los seres humanos y que, a través de las políti-
cas públicas, la igualdad de derechos y la dignidad humana debe promoverse
para todos aquellos que escapan del binarismo de género convencional, siendo
la parte más vulnerable de la población. Con este fin, inicialmente, habrá un
enfoque necesario para los elementos distintivos de la sexualidad humana, con
un mayor enfoque en la identidad de género. Luego, se analizará la protección
legal frente a la discriminación sufrida en las relaciones laborales y se realizará
un análisis de las normas internacionales de la Corte Interamericana, destacan-
do sus impactos sobre los derechos de la población trans, centrándose siem-
pre en las reflexiones de estas decisiones en relaciones laborales. Finalmente,
se resaltará s la necesidad de adoptar políticas públicas destinadas a incluir a la
población trans en el mercado laboral, como una forma de promover el derecho
al trabajo y la dignidad de la persona humana.

Palabras clave: Identidad de Género. Discriminación. Corte Interamericana


de Derechos Humanos. Relaciones Laborales.

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Abstract: The article proposes to analyze the possible reflexes of Consultati-


ve Opinion 24/17, of the Inter-American Court of Human Rights (Inter-Ame-
rican Court), in the fight against discrimination at work for reasons related
to sexuality, notably due to gender identity. It is based on the assumption
that sexuality is inherent to human beings and that, through public policies,
equality of rights and human dignity should be promoted for all those who
escape conventional gender binarism, being the most vulnerable part of the
population. To this end, initially, there will be a necessary approach to the dis-
tinctive elements of human sexuality, with a greater focus on gender identity.
Then, legal protection will be analyzed in the face of discrimination suffered in
labor relations and an analysis of international regulations and their impacts
on the rights of the trans population will be carried out, always focusing on
the consequences of these decisions in labor relations. Finally, it will stand out
the need to adopt public policies aimed at including the trans population in
the labor market, as a way to promote the right to work and the dignity of the
human person.

Keywords: Gender Identity. Discrimination. Inter-American Court of Human


Rights. Labor Relations.

1. Introdução
A sexualidade é um aspecto inerente ao ser humano, estando vincula-
da à ideia de autodeterminação da pessoa e à própria noção de dignidade. Tal
noção abrange não só o sexo atribuído à pessoa no nascimento, mas também
a identidade de gênero escolhida por cada um. Por conseguinte, toda pessoa,
independente da identidade de gênero que adotar, deve gozar de respeito e
consideração por parte do Estado e de terceiros, devendo ser protegido pelas
normas internacionais de direitos humanos e pelos direitos fundamentais de
cada país contra toda sorte de discriminação.
Nada obstante o arcabouço de proteção da pessoa humana nas nor-
mas internacionais e internas de cada país, fato é que as sociedades ociden-
tais são regidas pela heteronormatividade, a concepção das normas morais
e jurídicas voltadas para o padrão cis-heterossexual, que forma o preceito de
normalidade vigente, fazendo com que as demais expressões da sexualidade
sejam alvo de preconceito e discriminação.
Tendo por base essas premissas, o presente trabalho aborda o posi-
cionamento adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Cor-
te IDH) sobre a questão da identidade de gênero com base na interpretação

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da Opinião Consultiva (OC) 24/17, de 24 de novembro de 2017, dando maior


atenção para os possíveis reflexos desta normativa nas relações de trabalho.
Ressalta-se a importância de tratar o tema sob o aspecto laboral, tendo em
vista que o trabalho é uma das formas de o ser humano ter acesso aos bens
materiais e imateriais essenciais a uma existência digna. Nesse contexto, ob-
serva-se que as pessoas trans foram historicamente excluídas do acesso ao
emprego formal ou, quando empregadas, são marginalizadas e perseguidas
no trabalho em razão de sua identidade de gênero.
Para atingir os objetivos da pesquisa, inicialmente, será feita uma con-
textualização acerca dos elementos distintivos da sexualidade humana, com
um necessário aprofundamento sobre a categoria da identidade de gênero.
Utilizar-se-á como fonte normativa a própria OC 24/17, que trouxe um glossá-
rio acerca dos principais conceitos atinentes à sexualidade, além de doutrina
especializada referente ao tema.
Em seguida, apresentar-se-á uma análise acerca da proteção jurídica
que proíbe a discriminação contra pessoas trans nas relações de trabalho. Ato
contínuo, haverá a análise da Orientação Consultiva 24/17 e seus possíveis
reflexos nas relações laborais. Por fim, como proposta de solução ao contexto
fático de marginalização das pessoas trans, será feita uma discussão em torno
das atuais políticas públicas de inclusão social dos transgêneros no mercado
de trabalho.
A fim de se atingir o fim aqui colimado se fará uso do método científi-
co-dedutivo de pesquisa bibliográfica.

2. Elementos da sexualidade: a identidade de gênero


Desde os tempos mais remotos, a distinção dos indivíduos conside-
rando a sexualidade como um aspecto relevante, com a indicação de papeis
sociais e condutas adequadas ao gênero de cada um criou rígidos padrões
binários de conduta, por exemplo, a partir das dicotomias “homem x mulher”
e “heterossexual x homossexual” ainda hoje prevalecentes.
Nesse sentido, observa-se que a tradição judaico-cristã de dominação
masculina do tipo patriarcal foi essencial para que a heterossexualidade fosse
escolhida como o padrão de conduta sexual a ser seguido pelas sociedades
ocidentais, fazendo com que tudo que não se enquadrasse nessa condição
viesse a se tornar anormal e minoria (ARAÚJO, 2000, p. 37).
Segundo Berenice Bento (2008, p. 50), é chamada de heteronormati-
vidade a capacidade da heterossexualidade de se apresentar como norma,
como lei que regula e determina a impossibilidade da vida fora dos seus mar-

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cos. Ainda segundo a autora, é através da heteronormatividade se naturaliza


corpos/gêneros/desejos e se define o modelo hegemônico de inteligibilidade
de gênero, no qual supõe que para o corpo ter coerência e sentido deve haver
um sexo estável expresso mediante um gênero estável- masculino/homem;
feminino/mulher (BENTO, 2008, p. 51).
Entretanto, quando se amplia o horizonte para compreender a diver-
sidade humana, percebe-se que existem diversas outras concepções de se-
xualidade que desafiam a visão simplista do binarismo e o padrão hetero-
normativo. Nesse sentido, é possível se apreciar a sexualidade utilizando-se
como elementos ou categorias de análise quatro perspectivas distintas e não
excludentes: o sexo, o gênero, a orientação sexual e a identidade de gênero,
sendo essa última a que se fará relevante para a compreensão do que se ob-
jetiva apresentar aqui.
O primeiro dos elementos a ser analisado é o sexo, que nos termos da
OC 24/17 pode ser conceituado como sendo as diferenças biológicas entre
homens e mulheres, suas características fisiológicas, a soma das característi-
cas biológicas que definem o espectro das pessoas como mulheres e homens
ou a construção biológica que se refere às características genéticas, hormo-
nais, anatômicas e fisiológicas em cuja base uma pessoa é classificada como
masculina ou feminina no nascimento (CORTE, 2017, p. 15).
Observa-se, nesse ponto, que tal conceito está particularmente redu-
zido à concepção binária dominante, que permite classificar os indivíduos
apenas em homens (nascidos com pênis) e mulheres (dotadas de vagina), em
definição firmada no momento do nascimento do indivíduo3.
Por sua vez, a OC 24/17 conceitua gênero como sendo as noções de
identidades, funções e atributos socialmente construídos de mulheres e ho-
mens e do significado social e cultural atribuído a estas diferenças biológicas.
(CORTE, 2017, p.16). Sobre o tema, assevera Daniel Borrilo (2010, p. 293) que
gêneros são os comportamentos esperados por essa nomenclatura sexual
que determinam as relações sociais de sexo (o gênero), quer dizer, a referên-
cia, os protótipos de masculinidade e feminilidade, construídos pelas socieda-
des e com base nos quais se mede o conjunto de comportamentos humanos.
Já o terceiro elemento de análise é a orientação sexual, que segundo a OC
24/17 é a concepção que tem por base a destinação da atração emocional,
afetiva e sexual que um indivíduo apresenta, bem como relações íntimas e
pessoais com estas pessoas. Nesse sentido, os indivíduos podem ser heteros-

3 Vale destacar aqui a condição do intersexual, pessoa que nasce com uma anatomia, órgãos reprodutivos ou padrões
cromossômicos que não se ajustam à definição típica de homem ou mulher. A intersexualidade, pois, questiona
a categoria de análise baseada em conceituações binárias, sendo considerada, em países como a Alemanha, uma
categoria própria. (DIAS, 2018).

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sexuais, caso apresentem desejo por alguém do sexo oposto; homossexuais,


caso direcionem seus desejos para alguém do mesmo sexo; bissexuais, quan-
do sentir atração por ambos os gêneros e ainda assexuais, quando não se
sentirem atraídos sexualmente.
Por fim, o quarto elemento de análise, a identidade de gênero, se mos-
tra conexo com a percepção de pertencimento do indivíduo em relação ao
seu gênero, conceito no qual se inserem os cisgêneros (aqueles que expres-
sam gênero compatível com a sua condição física de nascimento) e os trans-
gênero - pessoas que se entendem pertencentes a um gênero distinto do seu
sexo de nascimento- (CUNHA, 2018, p. 49).
No presente trabalho importa destacar a figura do transgênero, que
encontra uma definição ampla e cuidadosa na OC 24/17, in verbis:

Transgênero ou pessoa trans: quando a identidade ou expressão de


gênero de uma pessoa é diferente daquela que normalmente está
associada ao sexo atribuído no nascimento. As pessoas trans cons-
troem sua identidade independentemente do tratamento médico
ou intervenções cirúrgicas. O termo trans é um termo “guardachu-
va” usado para descrever as diferentes variantes da identidade de
gênero, cujo denominador comum é a não conformidade entre o
sexo atribuído ao nascimento da pessoa e a identidade de gênero
tradicionalmente atribuída a ela. Uma pessoa transgênero ou trans
pode se identificar com os conceitos de homem, mulher, homem
trans, mulher trans e pessoa não binária, ou com outros termos
como hijra, terceiro gênero, biespiritual, travesti, fa’afafine, queer,
transpinoy, muxé, waria e meti. A identidade de gênero é um con-
ceito diferente da orientação sexual (CORTE, 2017, p.17).

Como se nota, dentro do amplo conceito de pessoa trans, podem enqua-


drar-se, por exemplo, os transexuais e travestis, bem como todas aquelas identi-
dades que não se identificam com qualquer gênero, chamados de não específi-
cos, gênero fluído, não conformes, andróginos ou queer. (CUNHA, 2018, p.16).
Nesse sentido, aduz Berenice Bento que essas múltiplas expressões da
sexualidade demonstram que o sistema binário e heterossexista não podem
mais se sustentar, pois há corpos que escapam ao processo de produção dos
gêneros inteligíveis e, ao fazê-lo se põem em risco, porque desobedecem às
normas de gênero (BENTO, 2008, p. 38).
A título de exemplo, dentro da categoria dos transgêneros, cita-se o
transexual, pessoa que rejeita sua identidade genética e a própria anatomia,
identificando-se psicologicamente com o gênero oposto. Nesse sentido, a ex-
periência da transexualidade demostra que, de fato, a sexualidade humana
está em constante mutação e ressignificação, não podendo ser concebida
como algo perfeito e acabado.
Sendo assim, no atual estágio da evolução humana, é de se entender
que todas as expressões da sexualidade devem ser reconhecidas pela socie-

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dade como formas de os indivíduos construírem sentidos às suas vidas, não


podendo tais pessoas serem invisibilizadas ou excluídas apenas por não ado-
tarem um suposto padrão de normalidade pré-concebido por determinada
maioria, tal como sói ocorrer com as pessoas trans.

3. A proibição de discriminação em razão da identidade


de gênero nas relações de trabalho
O princípio da igualdade é considerado um dos alicerces dos moder-
nos Estados de Direito, estando ainda intrinsecamente ligado ao princípio da
não discriminação, que na contemporaneidade passou a considerado como
uma verdadeira dupla-face do preceito isonômico, cujo conteúdo determina
que o pleno exercício dos direitos e liberdades fundamentais pertence a to-
das as pessoas, indistintamente.
Tal constatação remonta às diversas normas internacionais sobre a ma-
téria, tais como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art.2, item I);
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art.2, item II)
e, também, na Declaração Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San
José da Costa Rica), que estampa logo no seu artigo 1º a vedação de qualquer
forma de discriminação, tais como as relacionadas à raça, cor, sexo, idioma, reli-
gião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou so-
cial, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
Ademais, o princípio da igualdade também pressupõe o direito às di-
ferenças, que corresponde à moderna concepção de justiça baseada no re-
conhecimento de status social de indivíduos ou grupos vulneráveis. Nesse
sentido, Maria Berenice Dias (2016, p. 133):

Classicamente é dito – mas pouco praticado – que a igualdade é


assegurar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, em
conformidade com a sua desigualdade. Deste modo, a igualdade
configura direito à diferença. Em lugar de se reivindicar uma iden-
tidade humana comum, são contempladas as diferenças existentes
entre as pessoas. A humanidade é diversificada e multicultural. As-
sim, é mais útil procurar compreender e regular conflitos inerentes
a essa diversidade do que buscar uma falsa – porque inexistente –
identidade (grifos do original).

Sob este prisma, considerando-se que a sexualidade é um dos caracte-


res inerentes ao ser humano, fica evidente que qualquer discriminação que te-
nha por fulcro a sexualidade humana, compreendida aí a identidade de gênero,
deve ser proscrita e duramente combatida pelas normas de direitos humanos.
Nesse ínterim, compreender a igualdade, como pressuposto do direito às dife-
renças, é contribuir para a criação de uma sociedade mais diversificada e plural,

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capaz de reconhecer as diversas formas de expressão da sexualidade.


Como forma de conceituar a discriminação por motivos relacionados à
identidade de gênero, pode-se extrair seu significado dos Princípios de Yogyakar-
ta, originados na apreciação de diversos especialistas de 25 países do mundo, em
encontro realizado na Universidade Gadjah Mada, em Yogyakarta, na Indonésia,
que discorreram sobre a aplicação da legislação internacional de direitos huma-
nos em relação à orientação sexual e à identidade de gênero, in verbis:

A discriminação com base na orientação sexual ou identidade gê-


nero inclui qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência
baseada na orientação sexual ou identidade de gênero que tenha
o objetivos ou efeito de anular ou prejudicar a igualdade perante
à lei ou proteção igual da lei, ou o reconhecimento, gozo ou exer-
cício, em base igualitária, de todos os direitos humanos e das liber-
dades fundamentais. A discriminação baseada na orientação sexual
ou identidade de gênero pode ser, e comumente é, agravada por
discriminação decorrente de outras circunstâncias, inclusive aquelas
relacionadas ao gênero, raça, idade, religião, necessidades especiais,
situação de saúde e status econômico.

Demais disso, utilizando-se dos ensinamentos de Roger Raupp Rios


(2002, p.136), pode-se dizer que, em cada uma das questões onde surgir a
indagação sobre a possibilidade da equiparação ou diferenciação em razão
da identidade de gênero, é de rigor a igualdade de tratamento, a não ser que
fundamentos racionais possam demonstrar suficientemente a necessidade
de tratamento desigual. Desse modo, são inadmissíveis tratamentos desi-
guais sem fundamentação razoável, baseados em preconceitos ou pontos de
vista particulares, ainda que compartilhados por uma maioria.
Nesse sentido, observa-se que a própria OC 24/17 fez uma interpreta-
ção da Convenção Interamericana, de forma a construir uma verdadeira rede
de proteção contra qualquer norma, ato ou prática discriminatória baseada
na identidade de gênero de uma pessoa. Por conseguinte, nenhuma regra,
decisão ou prática de direito interno no âmbito regional interamericano pode
diminuir ou restringir, de qualquer forma, os direitos de uma pessoa com base
na identidade de gênero (CORTE, 2017, p. 38).
Do mesmo modo, a Corte IDH considerou que os critérios de análise
para determinar se houve violação do princípio da igualdade e da não discri-
minação em um caso concreto devem ser realizados com base no princípio da
proporcionalidade e nos subcritérios da adequação, necessidade e proporcio-
nalidade em sentido estrito (CORTE, 2017, p. 40). Trata-se da aplicação da cha-
mada teoria dos limites aos limites (Schranken-Schranken) que não permite
que haja violação ao núcleo ineliminável de um direito humano e fundamen-
tal, como são a igualdade e a não-discriminação.
Porém, nada obstante todo esse arcabouço normativo de proteção

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ao ser humano, os indivíduos transgêneros, assim como as demais minorias


sexuais, ainda se encontram particularmente submetidos à maior vulnerabi-
lidade social, sendo vítimas de uma discriminação estrutural advinda de uma
histórica estigmatização que marginalizou indivíduos simplesmente por estes
não se enquadrarem nas normas binárias de gênero.
A título de exemplo, pode-se extrair do texto da OC 24/17 algumas das
situações de discriminação a que historicamente foram submetidos os indiví-
duos transgêneros, que os impediram de obter igualdade de oportunidades no
mercado de trabalho, como a existência de leis e políticas estatais que proibiram
o exercício de determinados empregos ou a percepção de prestações estatais
vinculadas ao trabalho, como os benefícios previdenciários (CORTE, 2017, p. 23).
No que se refere mais especificamente ao Direito do Trabalho, as nor-
mas que vedam a discriminação nesta seara estão veiculadas nas Convenções
da Organização Internacional do Trabalho – OIT, sendo a mais importante a
Convenção no 111, promulgada no Brasil como Decreto no 62.150, de 19 de
janeiro de 1968, que conceitua a discriminação laboral como sendo:

Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo,


religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social,
que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunida-
des ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão (BRASIL,
2019).

Nesse sentido, oportuno mencionar que o Brasil é membro integrante


tanto da Organização Internacional do Trabalho- OIT quanto da Organização
dos Estados Americanos - OEA, razão pela qual, nos termos do artigo 5º, §2º,
todos os direitos e garantias constantes dos mencionados tratados interna-
cionais vinculam o estado brasileiro à sua observância, sendo vedada qual-
quer discriminação no trabalho em razão da identidade de gênero.
Trata-se de uma lembrança necessária, tendo em vista que compreen-
sões, básicas e elementares em outras searas, precisam ser constantemente re-
afirmadas quando se trata da sexualidade diante da assustadora resistência de
grande parte da sociedade em aceitar a existência de realidades diversas daquela,
que ela vivencia ou entende ser a correta ou adequada (CUNHA, 2018, p. 7).
Há ainda que se mencionar que a Constituição Federal de 1988 trouxe,
desde o preâmbulo, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade pluralista e sem preconceitos, expressamente trazendo como ob-
jetivo fundamental da República a eliminação dos preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e, como cláusula aberta, quaisquer outras formas de dis-
criminação (art. 3º, inciso IV). Também consagrou a igualdade perante a lei
(art.5º, caput) e determinou a punição por qualquer discriminação atentatória
dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, inciso XLI).

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É de se destacar ainda que sob o pálio da Carta Social desenvolveu-


se a teoria da dimensão objetiva dos direitos humanos e fundamentais, que
traz no seu bojo a ideia de obrigação de respeito e promoção de tais direitos
não só pelo Estado, mas também por particulares, naquilo que é denominado
pela doutrina de eficácia horizontal. Assim, nas relações sociais privadas onde
há exercício de poder, como, por exemplo, as relações de trabalho, em que
existe uma assimetria de forças na relação entre capital e trabalho, devem ser
aplicadas todas as normas de direitos humanos e fundamentais previstas na
Carta de 1988, inclusive aquela que veda a discriminação.
Há de se ter em mente que o poder diretivo empresarial, fundado na proprie-
dade privada e na livre iniciativa, encontra sérios limites na dignidade da pes-
soa humana, nos valores sociais do trabalho e na função social da proprieda-
de, de forma a proteger o trabalhador contra quaisquer atos discriminatórios
ou ingerências arbitrárias, sejam estes praticados pelo próprio empregador
ou por terceiros no âmbito das relações de labor.
Nesse compasso, resta incontestável que a aplicação e interpretação
dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas devem ser realizadas em
sintonia com os valores imanentes à dignidade. Por isso, deve-se trazer à baila
a ideia do que o trabalho deve servir como instrumento de inclusão social do
trabalhador transgênero, possibilitando-o gozar de uma vida plena.
No tópico seguinte, serão analisados os questionamentos que deram
origem à OC 24/17, o posicionamento adotado pela Corte IDH perante o caso,
os dispositivos da Convenção Interamericana em que se apoia e as recomen-
dações que foram feitas, com reflexões necessárias sobre os impactos do do-
cumento nas relações de trabalho.

4. A opinião consultiva 24/17 e seus reflexos nas rela-


ções de trabalho
A OC 24/17 é a resposta apresentada pela Corte IDH ao pleito formu-
lado pela Costa Rica, composto de questionamentos relativos aos direitos das
pessoas trans.4
Em síntese, a pergunta inicial da Costa Rica foi sobre a possibilidade
de mudança de nome de quem apresenta desconformidade entre o sexo as-
sinalado nos documentos ao nascimento e a sua identidade de gênero. Já um
segundo questionamento está assentado à forma pela qual tal mudança de

4 Salienta-se que, como este trabalho optou pelo recorte específico da identidade de gênero, além de ter por objetivo
analisar os possíveis reflexos nas relações laborais, as limitações inerentes à pertinência temática não permitiram a
inclusão dos questionamentos relativos às uniões entre pessoas do mesmo sexo.

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nome há de ser realizada (se por via administrativa ou judicial).


Quanto ao primeiro questionamento, é de se destacar que a Corte IDH
deu primazia ao chamado direito à identidade, o qual se encontra intimamen-
te vinculado à dignidade da pessoa humana, e que engloba em si o direito
à identidade de gênero e à identidade sexual, como assentado na OC 24/17
(CORTE, 2017, p. 46).
E é exatamente nesse contexto que se enquadra a figura do nome, elemento
nuclear da identificação da pessoa natural e que, como expressão da perso-
nalidade humana, cabe ao Estado a prerrogativa de facilitar e garantir que a
pessoa tenha um nome que expresse a sua identidade (CUNHA, 2018, p. 8).
Com base em tais premissas, em resposta à primeira questão apresentada
pela Costa Rica sobre a proteção oferecida pelos artigos 11.2, 18 e 24 em re-
lação ao artigo 1.1 da Convenção para o reconhecimento da identidade de
gênero, asseverou a Corte IDH:

A mudança de nome, a adequação da imagem, assim como a retifi-


cação à menção do sexo ou gênero, nos registros e nos documentos
de identidade, para que estes estejam de acordo com a identida-
de de gênero autopercebida, é um direito protegido pelo artigo
18 (direito ao nome), mas também pelos artigos 3° (direito ao re-
conhecimento da personalidade jurídica), 7.1 (direito à liberdade) e
11.2 (direito à vida privada), todos da Convenção Americana. Conse-
quentemente, em conformidade com a obrigação de respeitar e ga-
rantir os direitos sem discriminação (artigos 1.1 e 24 da Convenção),
e com o dever de adotar as disposições de direito interno (artigo 2°
da Convenção) , os Estados estão obrigados a reconhecer, regular e
estabelecer os procedimentos adequados para tais fins.

Quanto ao segundo questionamento, que tratou da regulação do pro-


cedimento de mudança de nome, adequação da imagem e retificação da re-
ferência ao sexo ou gênero nos registros e nos documentos de identidade, a
Corte IDH opinou no sentido da remoção de quaisquer obstáculos das normas
internas dos Estados quanto ao procedimento, que deve se dar através de sim-
ples verificação da manifestação da vontade do solicitante. Segundo a Corte:

Os Estados têm a possibilidade de estabelecer e decidir sobre o pro-


cedimen to mais apropriado de acordo com as caracte-
rísticas de cada contexto e sua legislação nacional, os trâmites ou
procedimentos para mudança de nome, adequação de imagem e
retificação da referência ao sexo ou gênero, nos registros e nos do-
cumentos de identidade para que estejam de acordo com a identi-
dade de gênero autopercebida, independentemente de sua nature-
za jurisdicional ou materialmente administrativa, devendo cumprir
os requisitos indicados nesta opinião, a saber: a) deve estar focado
na adequação integral da identidade de gênero autopercebida; b)
deve estar baseado unicamente no consentimento livre e informa-
do do solicitante, sem que se exijam requisitos como as certificações
médicas e/ou psicológicas ou outros que possam resultar não razoá-

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veis ou patologizantes; c) deve ser confidencial. Além disso, mudan-


ças, correções ou adequações nos registros e em documentos de
identidade não devem fazer menção às mudanças que decorreram
da alteração para se adequar à identidade de gênero; d) devem ser
expeditos, e na medida do possível, gratuitos, e e) não devem exigir
a certificação de operações cirúrgicas e/ou hormonais.

Destarte, em virtude do controle de convencionalidade, a Corte IDH de-


cidiu que a legislação costa-riquenha deve ser interpretada em conformidade
com os parâmetros previamente estabelecidos para que as pessoas que dese-
jem adequar integralmente os registros e/ou documentos de identidade à sua
identidade de gênero autopercebida possam gozar efetivamente do direito hu-
mano reconhecido nos artigos 3°, 7°, 11.2, 13 e 18 da Convenção Americana.
Esta decisão da Corte IDH constituiu importante precedente no siste-
ma interamericano, abrindo caminho, por exemplo, para que o Supremo Tri-
bunal Federal (STF), em 2018, julgasse a ADI 4275, decidindo que a mudança
de prenome e sexo nos documentos dos transgêneros independe da realiza-
ção de qualquer intervenção cirúrgica prévia.
Antes desse julgado da Corte maior, a ausência de reconhecimento do
direito ao nome segundo a sua identidade de gênero constituía-se num obs-
táculo quase insuperável às pessoas trans no mercado de trabalho do Brasil.
Em razão da negativa de mudança de nome, as pessoas trans historicamente
foram impedidas de ter acesso igualitário às oportunidades de emprego, o
que gerou um ciclo de perpetuação de pobreza para este grupo social, priva-
do de buscar as condições materiais necessárias para uma vida digna.
Dessa forma, a possibilidade de mudança do nome, reconhecida ini-
cialmente pela OC 24/17 foi um grande passo dado para a inclusão do traba-
lhador transgênero no mercado de trabalho, mas ainda há muito a caminhar
nesse sentido. Isto porque a realidade social mostra que as pessoas trans ain-
da sofrem de segregação horizontal, haja vista que continuam relegados a
determinados nichos de atividade que, majoritária ou tradicionalmente, são
piores remunerados e socialmente desvalorizados. É também comum que
os postos de trabalho destinados às pessoas trans sejam aqueles em que há
como ocultar a sua condição, como se dá, por exemplo, nas atividades de te-
lemarketing.
Sobre as mulheres trans, Ewerton Nascimento (2003, p. 37) destaca
que a possibilidades de inserção no mercado de trabalho são mínimas; mes-
mo nas situações em que estas executem atividades tidas como femininas,
não são consideradas mulheres e pela ambiguidade são alvos de preconcei-
tos por parte da sociedade.
De mais a mais, outro progresso bastante relevante que se pode extrair da OC
24/17 para a inserção das pessoas trans no mercado de trabalho diz respeito à

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confidencialidade do procedimento de mudança de nome (item c da resposta


ao segundo questionamento), capaz de proteger a intimidade e vida privada
do indivíduo.
Nas relações laborais, faz-se imprescindível essa confidencialidade,
uma vez que a publicidade da mudança de nome ensejaria mais um obstá-
culo ao acesso pleno ao mercado de trabalho às pessoas trans. Trata-se, pois,
de mecanismo capaz de preservar a intimidade do trabalhador e minimizar
a ocorrência de atos discriminatórios em razão da identidade de gênero. Isto
porque a aceitação dos transgêneros se dá conforme o grau de “passabilida-
de”: quanto mais o transgênero se parecer com um cisgênero, menos discri-
minação irá sofrer, inclusive no ambiente de trabalho.
É um exemplo de como a confidencialidade do procedimento teria
sido essencial, o caso da jogadora de vôlei Tiffany Abreu, que teve a sua inti-
midade devassada pela mídia nacional pelo fato de ser mulher trans. Apesar
de ter conseguido liberação da Confederação Nacional de Vôlei em 2017, a
atleta ainda convive com manifestações públicas de discriminação das pró-
prias colegas de trabalho em razão da sua condição física, que supostamente
lhe traria superioridade sobre as demais mulheres que praticam o esporte.
Outro exemplo de discriminação nas relações de trabalho se deu nos Estados
Unidos (posteriormente à edição da OC 24/17), quando motoristas trans da
plataforma Uber foram suspensos porque o aplicativo de autenticação da em-
presa, baseado num software de análise facial, não reconhecia a identidade
deles. Os trabalhadores relataram que precisaram recorrer ao atendimento
presencial do centro de suporte da Uber, expor sua identidade de gênero para
justificar a modificação da aparência e ainda enviar selfies para o aplicativo
(SATURNO, 2018).
No caso acima relatado, pode-se utilizar do princípio da proporciona-
lidade como critério de análise para determinar se houve ou não violação aos
princípios da igualdade e da não discriminação, conforme mencionado pela
própria Corte IDH. Nesse contexto, nada obstante o envio de selfies e imagens
dos motoristas trans para aferir a identidade seja um meio adequado à prote-
ção dos usuários da plataforma e à gestão célere e eficaz do empreendimen-
to, observa-se que a medida adotada pela Uber não passa pelo subcritério da
necessidade.
Isto porque existem outros meios idôneos e menos invasivos à priva-
cidade e intimidade dos motoristas, tais como o reconhecimento através da
impressão digital ou mesmo o simples envio de documentos informando a
mudança de prenome e sexo, nos termos do que foi decidido pela OC 24/17.
Por fim, importante salientar que a Corte IDH deixa claro que o pro-
pósito e a razão das normas internacionais sobre direitos humanos é ajudar

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os Estados para que definam e desenvolvam políticas públicas que possam


fortalecer o sistema de proteção de direitos humanos, o que merece especial
atenção na seara laboral, de forma a incluir pessoas trans no mercado de tra-
balho.

5. Da necessidade de políticas públicas destinadas à in-


clusão da população trans no mercado de trabalho
A situação de vulnerabilidade e exclusão social dos transexuais encon-
tra eco numa exclusão jurídica que se também se manifesta no mundo do
trabalho, formando um círculo vicioso de ocupações informais, pouco remu-
neradas e de alta rotatividade, tornando praticamente inexistente qualquer
forma de ascensão social.
Além da segregação horizontal, que tratamos no tópico precedente, a
prostituição também é uma forma de garantir o mínimo necessário à sobrevi-
vência. Numa estimativa feita pela Associação Nacional de Travestis e Transe-
xuais - ANTRA, com base em dados colhidos nas diversas regionais da entida-
de, aponta que 90% das pessoas trans recorrem à prostituição ao menos em
algum momento da vida. (CUNHA, 2017).
Destarte, a prostituição e a vivência nas ruas são alguns dos principais
fatores que, associados ao preconceito, fazem com que as pessoas trans sejam
uma das mais vulneráveis de toda a sociedade. Segundo levantamento da or-
ganização Transgender Europe, 868 pessoas foram mortas em crimes motiva-
dos por transfobia no Brasil entre 2008 e 2016, o que coloca o país no primeiro
lugar entre as nações com maior número de mortes de transexuais do mundo
no período. Já em 2018, ocorreram 163 assassinatos de pessoas trans, sendo
que 65% dos assassinatos foram direcionados a profissionais do sexo e 60%
deles aconteceram nas ruas. (BRUNELLI, 2019).
Além disso, há uma elevada incidência de tentativa de suicídios no im-
porte de 41% (quarenta e um por cento) dos transgêneros nos Estados Unidos
da América e 56% (cinquenta e seis por cento) no Chile, considerando que
entre os cisgêneros esse número é de 1,6% (um vírgula seis por cento). Ain-
da nesse mesmo contexto é de se considerar que a expectativa de vida dos
transexuais no Brasil é aproximadamente de 35 anos, equivalente a cerca da
metade da constatada para a população cisgênero, considerando dados do
IBGE (CUNHA, 2019, p.11).
Como forma de mitigar os impactos sociais da discriminação estrutu-
ral decorrente do longo histórico de marginalização das pessoas trans, a OC
24/17 conclamou todos os Estados da região a implementarem políticas pú-
blicas capazes de prevenir ou erradicar as violações das quais são vítimas os

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indivíduos LGBTI (CORTE, 2017, p. 26).


Utilizando-se da conceituação de Rosângela Rodrigues de Lacerda
(2011, p. 85), é possível definir políticas públicas como programas de ação
estatal, sob a forma de processo e com participação popular, para concreti-
zação de direitos fundamentais sociais, sempre sob a égide dos parâmetros
constitucionais.
Tais direitos fundamentais sociais, em sua dimensão positiva, surgem
como direitos a prestações materiais em face do Estado (status positivus de
Jellinek), enquanto atos administrativos coordenados com objetivo de presta-
ção de serviços à população, geralmente através da implementação dos direi-
tos sociais, como é o caso da inclusão no mercado de trabalho.
É de se destacar que no próprio texto da OC 24/17, a Corte IDH ressal-
tou que no Brasil já existem políticas públicas que visam beneficiar os trans-
gêneros quanto a sua inclusão no mercado de trabalho. Destaca a Corte IDH
que, desde 2010, o Brasil criou um Conselho Nacional de Combate à Discrimi-
nação-CNCD/LGBT, subordinado à Secretaria de Direitos Humanos, cujo obje-
tivo é formular e propor “diretrizes para a ação governamental a nível nacional
para combater a discriminação e promover a defesa dos direitos de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais”. (CORTE, 2017, p. 26).
Nesse diapasão, mesmo diante da leniência do Poder Legislativo,
quanto à edição de normas de combate à discriminação contra os transgê-
neros, o Brasil é referência no âmbito interamericano no tocante às atividades
promocionais do Estado desde o lançamento do Programa “Brasil sem Ho-
mofobia”, em 2004. Além disso, a 1ª Conferência Nacional LGBT, em junho de
2008, foi um evento referencial na luta pelos direitos humanos no país, cujo
tema foi “Direitos humanos e políticas públicas: o caminho para garantir a ci-
dadania LGBT” e que propiciou espaço para a discussão dos rumos das polí-
ticas públicas voltadas para a população LGBT, subsidiando a elaboração do
Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (BRASIL, 2009).
Além dos programas já citados, interessante destacar, mais recen-
temente, o programa Transcidadania da Secretaria de Direitos Humanos
da cidade de São Paulo: projeto que visa promover a reintegração social e
o resgate da cidadania para travestis, mulheres e homens trans em situação
de vulnerabilidade. Por meio do referido projeto, as pessoas trans recebem
a oportunidade de concluir o ensino fundamental e médio, ganhando qua-
lificação profissional. Também recebem uma bolsa no valor de R$ 1.047,90,
condicionada à participação em atividades relacionadas à conclusão da esco-
laridade básica, preparação para o mundo do trabalho, formação profissional
e formação cidadã.

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Já em Minas Gerais, no âmbito da Secretaria de Estado de Direitos Hu-


manos, Participação Social e Cidadania, existe a Coordenadoria Especial de
Políticas de Diversidade Sexual, com a finalidade de, dentre outras atividades,
realizar a capacitação profissional de transgêneros, além de servir de fomento
à elaboração de políticas públicas de promoção de direitos e proteção social
a essa parcela da população.
Também merece destaque o projeto “Empregabilidade de Pessoas
Trans – Cozinha & Voz”, ação conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT)
e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que promove, desde 2017,
a inclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade no mercado de traba-
lho formal através de cursos de assistente de cozinha. (OIT e MPT, 2018).
Por fim, destaca-se o Centro Latino-Americano em Sexualidade e Di-
reitos Humanos- CLAM, criado no âmbito do Programa em Género, Sexualida-
de e Saúde do Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade do Estado
do Rio de Janeiro), tendo como objetivos, dentre outros, o desenvolvimento
de pesquisas para a formulação de políticas públicas através da produção e
divulgação de dados comparativos sobrea sexualidade no Brasil e na América
Latina e a capacitação de profissionais LGBTI para atuar nas áreas da saúde,
direito, educação e ciências sociais.
Porém, de nada adianta apenas os poderes públicos e as universidades
se engajarem em promover a inclusão das pessoas trans no mercado de tra-
balho se não contarem com a adesão da sociedade como um todo, sobretudo
das empresas. Em matéria publicada em 2016 pelo jornal Correio Braziliense,
mostrou-se que não havia nenhuma empresa brasileira entre as participantes
do Fórum de Empresas e Direitos LGBT, iniciativa que é apoiada pela Organi-
zação Internacional do Trabalho – OIT. No país, apenas as multinacionais (tais
como Google, Carrefour, Facebook etc.) seguiam as orientações das sedes e
contratam trabalhadores transgêneros (MAIA, 2016).
Portanto, as políticas públicas são ações necessárias que revelam a im-
portância do trabalho como instrumento de mobilidade social e de combate
à discriminação. Tais ações, todavia, demandam um conjunto integrado de
ações de iniciativa dos Poderes Públicos e de toda sociedade, promovendo a
transferência direta de renda, implementação e conquista de direitos, visando
trazendo dignidade e cidadania à população trans.

6. Conclusão
As questões relativas à sexualidade têm ganhado cada vez mais espa-
ço no âmbito internacional, tendo em vista que muitos países ainda adotam,
na sua legislação pátria, uma concepção heteronormativa, que exclui e mar-

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ginaliza quem não faz parte desse padrão.


As discussões travadas em sede de direitos humanos levadas à apre-
ciação da Corte IDH merecem especial atenção, tendo em vista que o Brasil
está inserido no sistema regional de proteção dos direitos humanos através
da sua vinculação à OEA e seus principais instrumentos, como o Pacto de San
José da Costa Rica.
As questões relacionadas à discriminação por motivos de identidade
de gênero são objeto de ampla discussão e debate por diversos países e ór-
gão internacionais, como é o caso da Corte IDH, que tem se posicionado de
forma bastante firme pela proteção aos direitos humanos das pessoas LGBTI+.
Neste trabalho analisamos os possíveis reflexos da OC 24/17 da Corte IDH nas
relações de trabalho, como a possibilidade de reconhecimento do direito ao
nome segundo a identidade de gênero e o sigilo do procedimento como meio
capaz de fomentar a inserção da pessoa trans no mercado de trabalho do país.
Evidenciamos também a necessidade de políticas públicas em matéria
de inclusão e proteção das pessoas trans no mercado de trabalho como for-
ma de quebrar o ciclo de marginalização e pobreza que atinge a vida dessas
pessoas, trazendo-lhes oportunidades de viver de forma digna e potencializar
seus projetos de emancipação social.
Trata-se de um direito de toda pessoa e um dever do Estado a proteção da
dignidade da pessoa humana, a concessão de igual de oportunidades para
todos os indivíduos, o combate às práticas discriminatórias nas relações de
trabalho e a consagração do respeito às diferenças e peculiaridades existen-
tes em cada ser humano, fazendo com que os transgêneros possam gozar de
uma vida plena.

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Recebido em: 29 de fevereiro de 2020.

Aprovado em: 25 de maio de 2020.

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