Xxvi Encontro Nacional Do Conpedi Brasília - DF
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CONPEDI BRASÍLIA – DF
FILOSOFIA DO DIREITO
Diretoria – CONPEDI
Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP
Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS
Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM
Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN
Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP
Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC
Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie
Conselho Fiscal:
Prof. Msc. Caio Augusto Souza Lara – ESDH
Prof. Dr. José Querino Tavares Neto – UFG/PUC PR
Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches – UNINOVE
Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva – UFS (suplente)
Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG (suplente)
Secretarias:
Relações Institucionais – Ministro José Barroso Filho – IDP
Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho – UPF
Educação Jurídica – Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues – IMED/ABEDi
Eventos – Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta – FUMEC
Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMG
Profa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP
Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR
Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
F488
Filosofia do direito [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Alexandre Bernardino Costa; Leonardo Rabelo de Matos Silva; Rosângela Lunardelli
Cavallazzi - Florianópolis: CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-5505-454-9
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Desigualdade e Desenvolvimento: O papel do Direito nas Políticas Públicas
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Pensamento jurídico. 3. Justiça Social.
XXVI EncontroNacional do CONPEDI (26. : 2017 : Brasília, DF).
CDU: 34
________________________________________________________________________________________________
Apresentação
Nessa publicação veiculam-se valorosas contribuições teóricas das mais relevantes inserções
na realidade brasileira, e no campo teórico, com a reflexão trazida pelos pesquisadores,
mestres, doutores e estudantes de todo Brasil, na abordagem da Filosofia do Direito.
A Coordenação fez uma avaliação absolutamente positiva dos trabalhos, cuja relevância das
atividades desenvolvidas no âmbito do GT está cristalizada no qualificado debate com
abordagem interdisciplinar e sobre as múltiplas questões. As metas estabelecidas pelos
pesquisadores, já consolidada nos vários Encontros e Congresso do CONPEDI, no sentido
proporcionar um locus de debate acadêmico, e de ampliar a difusão do conhecimento foram ,
sem dúvida, alcançadas. O encontro interinstitucional transcorreu de forma ampla
viabilizando também futuros diálogos. Os coordenadores agradecem a oportunidade da
produtiva reunião acadêmica ressaltando a imprescindível e valiosa contribuição teórica de
todos os pesquisadores participantes.
Prof. Dr. Leonardo Rabelo, de Matos Silva - Universidade Veiga de Almeida – UVA/RJ
Resumo
Este trabalho pretende abordar a relação entre o paradigma da complexidade e a Ciência
Jurídica, traçando parâmetros de possibilidades de interação e assimilação. O método
utilizado é eminentemente indutivo, com pesquisa bibliográfica especializada sobre a
matéria. O objetivo é verificar as possibilidades de compatibilidade entre o paradigma
epistemológico da complexidade e a ciência jurídica.
Abstract/Resumen/Résumé
This work intends to approach the relation between complexity paradigm and legal science,
tracing parameters of possibilities of interaction and assimilation. The method used is
eminently inductive, with specialized bibliographic research on the subject. The goal is to
verify the compatibility possibilities between the epistemological paradigm of complexity
and the legal science.
1Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Especialista em Direito pela Damásio
Educacional. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da UFPB, concentração em
Direito Econômico.
187
1. INTRODUÇÃO
O problema que deu início às pesquisas para este trabalho foi, basicamente, verificar
as possibilidades e implicações de uma eventual relação entre o Direito, enquanto ciência
jurídica, e o Paradigma da complexidade, enquanto construção filosófica e metodológica,
analisando as implicações e possibilidades deste cotejo. Os questionamentos que guiaram a
curiosidade do estudo foram, basicamente, os seguintes: (a) é possível falar em complexidade
no âmbito das ciências jurídicas?, e; (b) quais as consequências de uma eventual aplicação do
paradigma da complexidade ao estudo das relações jurídicas?
188
no que mais se torna pertinente a este estudo, traz uma nova epistemologia. E por
epistemologia pode-se designar o estudo do conhecimento, ou, em linhas gerais, a maneira
como um indivíduo interage com o mundo à sua volta e apreende conhecimentos, a partir de
suas experiências práticas (fundo mais empírico) ou de suas cogitações e formulações de
pensamentos (fundo mais racionalista).
Ocorre que, pelo que se tem nos dias atuais, é possível esclarecer, com certa
segurança, que esta construção de conhecimentos é estabelecida através daquilo que se
convencionou chamar de “paradigma”, que pode ser entendido como um conjunto de ideias,
princípios e valores que são considerados básicos, elementares, de maneira inconsciente, ou
pelo menos inconteste, através de um consenso social estabelecido, por membros de uma dada
comunidade1. Assim, pode-se dizer o seguinte:
1
KUHN, Thomas Samuel. A estrutura das revoluções científicas. 12. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013.
2
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Lisboa: Piaget, 2001. (pp. 14-15).
3
DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
189
às demais formas de conhecimento por um processo metodológico que se baseava na
observação de um fenômeno experimental. Além do empirismo que pautava o procedimento,
o gesto de observar precisaria ser realizado nos termos em que o observador se afastasse do
objeto analisado, para que o seu envolvimento não afetasse, de nenhuma forma, a
imparcialidade que levaria a uma produção livre de juízos de valor (marca do senso comum
ao qual Descartes fortemente se opunha). Atualmente, muitos autores abordam
pejorativamente, em certa medida, esta noção, em muito pela impossibilidade real desta
neutralidade sem envolvimento por parte do observador, como se observa, por exemplo, em:
(...).
Tal método, que encerra uma concepção epistemológica onde seria possível a
observação imparcial e equidistante de um objeto (disjunção, dualismo, separação entre
observador e objeto), em um processo eminentemente empírico, onde o observador seria
dotado com conhecimentos pré-existentes e especializados para a tarefa, formulou um
paradigma que dominou a modernidade e, talvez em algum grau e importantes escalas, tem
sido vigente até os dias atuais.
Esta construção, entretanto, não foi aceita apenas pelos cientistas, que produziam
conhecimentos especializados, mas também pela comunidade em geral, dotando o saber
científico de um grau de autoridade e certeza que, inclusive, já foi objeto de debates e
reformulações5. O ponto é que, ao longo dos últimos séculos, a ciência se tornou política e
socialmente relevante, em muito aliada ao projeto político típico da modernidade. Assim, tem-
se que:
4
DAMÁSIO, Antônio R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996. (pp. 279-280).
5
POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 2007.
190
Ao longo de toda a era moderna, a razão legislativa dos filósofos combinou bem
com as práticas demasiadamente materiais dos Estados. O Estado moderno nasceu
como uma força missionária, proselitista, de cruzada, empenhado em submeter as
populações dominadas a um exame completo de modo a transformá-las numa
sociedade ordeira, afinada com os preceitos da razão. A sociedade racionalmente
planejada era a causa finalis declarada do Estado moderno. (...). Ele (Estado
moderno) deslegitimou a condição presente (selvagem, inculta) da população e
desmantelou os mecanismos existentes de reprodução e auto – equilíbrio. Colocou
em seu lugar mecanismos construídos com a finalidade de apontar a mudança na
direção do projeto nacional.6
6
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1999. (p. 29).
7
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006. (p. 77).
191
Com base nestas observações, a disjunção original assume outra dimensão, passando
a classificar o mundo ao redor, etiquetando-o com formulações advindas das conclusões
obtidas através do paradigma supra mencionado. Sobre este problema específico, já se disse
que:
Classificar algo significa separar, segregar. Significa primeiro postular que o mundo
consiste em entidades discretas e distintas; depois, que cada entidade tem um grupo
de entidades similares ou próximas ao qual pertence e com as quais conjuntamente
se opõe a algumas outras entidades; e por fim tornar real o que se postula,
relacionando padrões diferenciais de ação a diferentes classes de entidades (a
evocação de um padrão de comportamento específico tornando-se a definição
operacional de classe). Classificar, em outras palavras, é dar ao mundo estrutura:
manipular probabilidades, tornar alguns eventos mais prováveis que outros,
comportar-se como se os eventos não fossem causais ou limitar ou eliminar sua
causalidade.
8
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1999. (pp. 9-10).
192
Para Morin, o pensamento complexo já traz em sua designação um termo importante.
Portanto, “complexidade”, para este autor, consiste em:
9
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Lisboa: Piaget, 2001.
10
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Lisboa: Piaget, 2001. (pp. 8-9).
193
Da mesma forma, a validade do conhecimento científico e a certeza de suas
asserções são relativizadas, em um confronto ao primado da certeza científica, releitura da
falseabilidade do que o próprio Karl Popper já havia feito11.
(...).
11
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. (pp. 37-40).
12
MORIN, Edgar. O método 3: conhecimento do conhecimento. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008. (p. 96).
13
MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008. (p. 135).
194
Para articular esta nova construção, que busca aglutinar conhecimentos em sistemas
complexos, que incluem a diversidade, em oposição à forma excludente de classificação e
sistematização tradicionais, é preciso romper com a organização de conteúdos a partir da
lógica moderna linear de causalidade. Assim é que Morin constrói dois princípios básicos,
entre outros que os integram, denominados dialógico e recursivo.
O princípio dialógico vem a ser uma expansão do anterior princípio dialético. Se bem
que Hegel de fato tenha feito esforços no sentido de contemplar, no método científico, a
integração do elemento antagônico, e admitindo que este elemento, de fato, atua sobre e
imbrica em um resultado final, a lógica utilizada pelo autor ainda é, na visão de Morin, muito
limitada.
Por este caminho é que Morin, partindo da análise do cérebro humano com os
avanços tecnológicos de que se dispõe atualmente, chega à conclusão de que entre os fatores
de constituição independente que sejam de alguma forma associados para a existência de um
todo, deve haver aprioristicamente a possibilidade de uma relação complexa, que contemple
não apenas o antagonismo e a síntese, mas também variáveis como os sentidos de
complementaridade ou de concorrência. Assim, dito de uma melhor forma, nota-se que “O
princípio dialógico pode ser definido como a associação complexa (complementar /
concorrente / antagônica) de instâncias necessárias em conjunto à existência, ao
funcionamento e ao desenvolvimento de um fenômeno organizado”15.
14
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. Parte I. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1992.
15
MORIN, Edgar. O método 3: conhecimento do conhecimento. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008. (p. 110).
195
uma relação causal, linear. Pelo contrário, o resultado desta interação ganha vida própria, e
pode continuar sendo afetado por um dos fatores originais, tornar-se independente ou, até
mesmo, incidir e ser a causa do fator original. Ou seja, a relação de causa e efeito linear é
superada pelo princípio recursivo, que admite que os fatores atuem em afetações múltiplas e,
ainda que em algum nível um resulte em causa de outro, o efeito pode, até mesmo, tornar-se
causa do fator que lhe deu origem. Neste aspecto:
Assim é que, por um lado, a lógica tradicional moderna concebe um sistema como a
soma de seus componentes, a interação entre fatores como dialética que produz, em relação
linear de causa e efeito, uma síntese que supera as suas causas.
Por outro lado, para o paradigma da complexidade, o raciocínio pode ser organizado
em sistemas que guardam, quanto a seus componentes, uma relação paradoxal, de existência
mútua e autônoma para fins didáticos (o que varia é meramente o prisma da análise, o ângulo
que se enxerga), cujos elementos interagem através dos princípio dialógico (que concebe
várias possibilidades, como complementaridade, concorrência, etc.), onde resultados (efeitos)
não superam as causas, e podem inclusive ser causas das causas originais, em um circuito
retroativo, que não elimina os seus elementos, nem os posiciona definitivamente em um dado
ponto da cadeia, mas admite vários reposicionamentos e imbricações múltiplas ao longo de
um fluxo.
Desta forma é que as análises parciais (das partes, locais) e universais (do todo,
global) possuem inter-relações recursivas, de mútua afetação, mas uma não exclui a outra, e o
todo e as partes guardam cada uma em si a própria existência paradoxal e independente,
consubstanciando a construção denominada pelo autor como Unitas multiplex.
É que, na verdade, mais do que envio mútuo, a inter-relação que liga a explicação
das partes à do todo e vice-versa é de fato um convite a uma descrição e a uma
explicação recursivas: a descrição (explicação) das partes depende da do todo que
16
MORIN, Edgar. O método 3: conhecimento do conhecimento. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008. (p. 113).
196
depende da das partes, e é no circuito “partes / todo” que se forma a descrição ou
explicação.17
A unidade dos sistemas – o ponto que os une – seria, na verdade, o que Morin chama
de princípio hologramático, que se consubstancia através das características ou partes do todo
que são inscritas, ou ínsitas, na parte. Desta forma, o raciocínio é que:
O que não quer dizer – como já observado nas objeções apriorísticas – que o sistema
tradicional e moderno seja refutado, mas apenas que ele é uma entre inúmeras hipóteses de
relações entre fatores a ser consideradas. Da mesma forma, o conhecimento extraído deste
método não significa – tanto quanto suas inter relações – uma forma unívoca, exclusiva e
definitiva de explicação de um fato, concebendo a interação com outros dados e outras formas
de conhecer.
Tem sido recorrente o debate acerca da natureza científica do Direito. Contudo, tal
discussão seria mais pertinente a uma noção de ciência mais formal e estrita. Atualmente,
parece seguro afirmar a cientificidade dos ramos jurídicos, a partir dos critérios de
falseabilidade e do caráter não dogmático do seu conteúdo. Neste sentido, tem-se que “Se a
cientificidade hoje decorre da possibilidade de falseamento ou do caráter não dogmático do
conhecimento, consistindo nos caracteres da relatividade e da provisoriedade, não há porque
17
MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008. (p. 158).
18
MORIN, Edgar. O método 3: conhecimento do conhecimento. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008. (pp. 113-
114).
197
não se atribuir tais características ao estudo do Direito (MACHADO SEGUNDO, 2010, p.
117), que também é ciência, e que se contamina pela incerteza”19.
Portanto, pensa-se não haver muito fundamento para a posição que sustenta a não
cientificidade de um empreendimento tal como a ciência jurídica. Razão assiste, de fato, à
crítica tradicional, ao afirmar que o objeto de estudo do Direito não se comporta de maneira
muito científica, e que tampouco se amolda às conclusões extraídas dos sábios desta área, ou
que seu método na verdade seria em muitas ocasiões puramente nominalista e auto referente.
Nesse sentido, veja-se, por exemplo, que:
Apesar da critica pertinente, parece bastante razoável afirmar que as objeções são
mais dirigidas ao objeto de estudo – à prática cotidiana de se aplicar uma regra a um caso, de
decidir uma lide, de formular uma lei –, do que propriamente ao esforço cognitivo, empírico
ou teórico, que procura sistematizar e subsidiar a construção de um ordenamento jurídico
mais condizente com os princípios extraídos dos paradigmas epistemológicos de cada época.
19
BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Fundamentos epistemológicos do direito ambiental. José Rubens
Morato Leite (orientador). Tese apresentada ao Curso de Doutorado, do Programa de Pós-Graduação em Direito
da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, 2015. (p. 49).
20
MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. (pp. 19-20).
198
tipicamente científico na orientação de um intérprete, na atuação de um advogado, na
elaboração de uma lei.
199
análises são afetadas com a adoção de uma nova epistemologia. E este ponto também não é
nenhuma novidade para a ciência jurídica.
O que se demonstra é que esta alteração substancial no método – que atingiu em boa
medida todas as ciências sociais, e o Direito de modo particular – era uma alteração
paradigmática proeminente na produção do saber. Buscar para as ciências sociais uma análise
puramente dogmática, que não admitisse a projeção de valores do pesquisador sobre a
realidade pesquisada, era algo muito drástico. Para se ter uma noção do quanto o positivismo
jurídico era um reflexo desta visão filosófica sobre a epistemologia geral, é interessante a
abordagem do trecho adiante:
Essas tendências ideológicas, cujas intenções e efeitos políticos são evidentes, ainda
prevalecem na dominação da atual ciência do direito, mesmo na aparente superação
da Teoria do Direito Natural.
É contra ela que se insurge a Teoria Pura do Direito, a qual apresenta o direito como
ele é, sem legitimá-lo como justo ou desqualificá-lo como injusto; ela indaga do real
e do possível, e não do direito justo. Nesse sentido, é uma Teoria do Direito justo e
também uma Teoria do Direito radical-realista. Aproxima-se do direito positivo para
avaliá-lo. Porta-se como ciência, sem compromisso com nada, como direito positivo,
que procura entender sua existência e, através de uma análise, compreender-lhe a
estrutura.22
A preocupação excessiva com a segurança jurídica, que nada mais era do que a
ênfase que o Direito elaborara em correspondência à certeza científica aspirada pelo
21
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. (p. 239).
22
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito: introdução à problemática científica do direito. 6. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009.
200
positivismo filosófico, é apenas um entre tantos exemplos de como mudanças paradigmáticas
significativas na epistemologia afetam a ciência jurídica, e até mesmo a prática do Direito.
Deve-se dizer, no entanto, que Perelman não torna simplesmente sua reflexão um
pensamento antiformalista, no sentido da destruição do raciocínio lógico-formal. Ele
esforça-se, sim, por definir as bases de uma lógica jurídica específica, de uma lógica
que não se vale somente do raciocínio dedutivo, mas que se vale também, entre
outras coisas, do raciocínio dedutivo. O que se procura identificar é a não – redução
do raciocínio jurídico, sobretudo o judicial, com o raciocínio dedutivo.
Perelman assinala que, para além de a pesquisa sobre o raciocínio jurídico deter-se
sobre seu desenrolar dedutivo (premissa maior – premissa menor – síntese), deve
antes verificar que a própria atividade de definição do conteúdo das premissas do
raciocínio é uma atividade complexa para o juiz; a lógica judiciária não se resume à
mera dedução de conclusões extraídas do texto da lei.25.
23
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. (p. 242).
24
BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Fundamentos epistemológicos do direito ambiental. José Rubens
Morato Leite (orientador). Tese apresentada ao Curso de Doutorado, do Programa de Pós-Graduação em Direito
da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, 2015. (pp. 58-59).
25
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2006. (p. 413).
201
substancial, a associação da teoria da complexidade à racionalidade ambiental e a influência
destes vetores sobre o Direito ambiental. Sobre este aspecto, nota-se que:
(...).
As inquietações são várias, mas é a busca pela resposta que permite conhecer algo
além do que se esperava descobrir, talvez até mais encantador, desconstruidor e
envolvente. Como dizia Heidegger, quem pensa grande, erra grande. Para tanto,
vários barcos foram destruídos e uma nova barca se reergue.26
O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas
que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das
possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte,
mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em
graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende
somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. (...).
Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma
regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem
menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e
juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma
distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou
um princípio.27.
26
BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Fundamentos epistemológicos do direito ambiental. José Rubens
Morato Leite (orientador). Tese apresentada ao Curso de Doutorado, do Programa de Pós-Graduação em Direito
da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, 2015. (pp. 64-65).
27
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. (pp. 90-91).
202
Por onde é nítido que a centralidade da argumentação no raciocínio jurídico, pautado
em normas que podem ser ou regras ou princípios, dá azo para que a ética e a axiologia
penetrem as discussões, abrindo um campo de possibilidades que permite a ampliação das
construções teóricas eminentemente legalistas e positivistas, constantes da modernidade
tradicional. Por outro lado, o diálogo das fontes é uma alternativa ao silogismo formal e
positivista, concebendo as possibilidades de aplicação de normas jurídicas diversas para o
mesmo caso, o que visualiza o ordenamento jurídico como um todo formado por vários
diplomas legais, recheados de regras e princípios que não se excluem por um critério de
fixação de validade, mas que se relacionam e dialogam entre si, em um sistema de
coordenação que possui como centro a Constituição. Sobre esta questão, pode-se afirmar que
“O diálogo das fontes é método de interpretação sistemática do direito que se fundamenta na
possibilidade de aplicação coordenada das variadas fontes legais e normativas, considerando o
efeito útil da interpretação jurídica a partir dos valores e normas constitucionais.”28.
Portanto, a partir destas construções, é possível inferir que o próprio Direito já não se
adéqua totalmente a um paradigma moderno de ciência, e já se tem, ele próprio, em uma
transição paradigmática que vai ao encontro da transição operada pela construção paralela e
incidental do paradigma da complexidade.
3. CONCLUSÕES
28
AZEVEDO, Fernando Costa de. A proteção dos consumidores – usuários de serviços públicos no Direito
brasileiro: uma abordagem a partir do diálogo das fontes. In: Revista de Direito do Consumidor (Coord.:
MARQUES, Claudia Lima). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Ano 24, vol. 102, nov.-dez., 2015. p.
123-137 (pp. 130-131).
203
associado, em termos de referencial teórico, a construções típicas de retórica e argumentação,
em um primeiro momento. Explica-se: uma boa parte das considerações neste item reside em
desconstruir o raciocínio simplificador e linear, que no Direito teve sua maior manifestação
no Positivismo Jurídico, o que associa a guinada epistemológica, muito embora de maneira
indireta e não necessária, ao postulado de contingência e precariedade da realidade dos fatos,
construção atinente às formulações argumentativas, típicas das teorias pós-positivistas.
Desta forma é que, pelo exposto acima, as análises de complexidade têm sido
pertinentes às teorias argumentativas (centralidade da argumentação no raciocínio jurídico)
que possuem em seu âmago a normatividade de princípios e o debate transdisciplinar
envolvendo conteúdos jurídicos e éticos.
REFERÊNCIAS
ADEODATO, João Maurício. Ética & Retórica: para uma teoria da dogmática jurídica.
5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.
204
AZEVEDO, Fernando Costa de. A proteção dos consumidores – usuários de serviços
públicos no Direito brasileiro: uma abordagem a partir do diálogo das fontes. In: Revista
de Direito do Consumidor (Coord.: MARQUES, Claudia Lima). São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, Ano 24, vol. 102, nov.-dez., 2015. p. 123-137.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1999.
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do
direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
FOLLONI, André. Reflexões sobre complexity science no direito tributário. In: MACEI,
Demetrius Nichele et. al. (coord.). Direito tributário e filosofia. Curitiba: Instituto Memória,
pp. 24-37, 2014.
205
KUHN, Thomas Samuel. A estrutura das revoluções científicas. 12. ed. São Paulo:
Perspectiva, 2013.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008.
POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 2007.
206