DESTRUIDO - Trilogia CORRUPTOS, - Luiza Luz
DESTRUIDO - Trilogia CORRUPTOS, - Luiza Luz
DESTRUIDO - Trilogia CORRUPTOS, - Luiza Luz
Capa:
Larissa Chagas (@lchagasdesign)
Revisã o e Diagramaçã o:
Carla Santos (@carlafs_site)
PASSADO
Assistir Alexander afrontar Dominique, mais conhecida como sua
rival, foi uma das melhores coisas que aconteceu comigo no quesito de
entretenimento até agora. Essa mulher nã o tem medo de discutir com
meu amigo, e posso perceber que está disposta a colocá -lo em seu
devido lugar, pois nem hesitou ou muito menos pestanejou enquanto
ambos se encaravam, emitindo aquela atmosfera de ó dio por toda
cozinha, chamando a atençã o dos demais integrantes da festa. Poré m,
eu e Bryan tivemos a sorte de estar no camarote, praticamente frente a
frente de ambos, inspirando o mesmo ar odioso.
— Cara, eu achei que ela fosse te comer vivo! — comento quando a
mulher sai de perto, caminhando até suas colegas.
— Jurei que fosse arrancar sua cabeça e distribuir seu sangue como
ponche. Foi irado — acrescenta Bryan, causando-me uma gargalhada.
Seu jeito divertidamente lento, por conta da maconha, chega a ser
engraçado.
— Ela é a personi icaçã o dos meus piores pesadelos — Alex
murmura com uma careta, dando um gole na sua bebida. — E nã o uma
musa, como Bryan disse. Está mais para o capeta.
— Olha, me perdoe, mas eu nã o me importaria em ser condenado ao
inferno por essa diaba. — Ele suspira, correndo seus olhos maliciosos
pelo corpo de Dominique, mordendo o piercing.
Alexander lhe dá um tapa.
— Se liga, seu otá rio! Nã o tem nada de mais nessa mulher.
— Preciso concordar com nosso amigo. — Pisco em cumplicidade,
recebendo um soco brother com a mã o. — Ela é quente, cara. Nã o negue
isso.
— Nã o estou negando. — Dá de ombros, nã o deixando de observá -la
de longe. — Sei que Beaumont tem um corpo de tirar o fô lego, poré m
isso nã o importa. O que ela tem por dentro é podre.
— E quem vê o interior de uma pessoa quando está transando? Nã o
vejo uma boa desculpa. — Bryan continua o provocando, fazendo-me
rir alto com a feiçã o furiosa do nosso colega. — Parei, parei! Só estou te
provocando.
— Faça o que quiser, estou pouco me fodendo.
— Até parece. — Rio, dando um empurrã o leve no seu ombro. —
Bom, ela é bonita, mas nã o faz meu tipo. Entã o nã o se preocupe comigo.
— E muito menos comigo! Sou iel aos meus amigos.
— Por isso moro com você s. — Alex pisca, desencostando-se da
bancada. — En im, vou dar uma volta. Nos vemos por aı́.
Logo, acabamos nos separando por fazermos o mesmo: seguir o
nosso rumo pela casa. Caminho pelos corredores, sorrindo satisfeito ao
ouvir os murmú rios e comentá rios vindos das universitá rias ao meu
respeito. Apesar de nã o ser o tipo de cara que se gaba, sei o efeito que
causo nas garotas, principalmente levando em conta minha fama no
campus: Trenton Grant, o melhor ala-armador do basquete masculino.
Tenho posiçã o destaque no time da universidade, tendo em vista que
sou o responsá vel por marcar os pontos e roubar a bola na defesa. Nã o
é à toa que consegui obter uma boa bolsa para estudar atravé s dela,
sempre iz por merecer. Desde pequeno tenho paixã o pelo esporte, o
qual me dedico em trenos constantes, rotinas, dietas, mesmo de ser
difı́cil manter a forma morando com dois caras completamente
desleixados no quesito alimentaçã o.
Entretanto, diferente deles, nã o uso minha “fama” para me gabar ou
obter conquistas. Devo admitir que nosso trio é bastante conhecido
pela faculdade, e nã o só pelas nossas festas. Alexander e Bryan sã o a
de iniçã o exata de homens galinha. Ambos tê m o costume de levar
garotas até nossa casa, fazendo suas pró prias “festas sexuais
particulares”, chegando até mesmo a trocarem de parceira uma vez,
numa espé cie de swing estranho. Já eu, pre iro icar na minha. Nã o sou
bobo, ó bvio que sei aproveitar e curtir, mas sigilosamente, sem chamar
a atençã o ou virar motivo de fofoca.
Me assusto ao sentir um copo gelado caindo por toda minha
camiseta. No momento em que estou prestes a reclamar com grosseria
para a pessoa que está na minha frente prestar mais atençã o, perco a
oportunidade, pois a garota se apressa a falar.
— Meu Deus, me desculpa! — pede gesticulando, sem saber o que
fazer com as mã os, ainda sem me encarar. — Eu estava distraı́da, nã o te
vi andando. Merda, essa bebida mancha e sua camiseta é branca. Posso
te dar dinheiro para comprar uma nova, trouxe...
— Ei, se acalme. — Dou uma risadinha, chamando sua atençã o. Ela
logo ergue seu olhar, me fazendo perceber quem é . Eu a conheço. —
Você é a Emery, certo? Amiga da Roxy?
— Sim... sou eu — diz com as bochechas coradas, desviando para a
parede. Nã o deixo de notar o quanto sua atitude chega a ser graciosa. —
Nó s já nos cumprimentamos vá rias vezes.
— Acho que me lembro... Desculpe, sou pé ssimo com lembranças. —
Chega minha vez de icar sem graça. Odeio conversar com uma pessoa
que alega me conhecer, mas nã o me recordo. Esse é o tó pico nú mero
um da minha lista: Coisas que preciso melhorar em mim mesmo.
— Ah, tudo bem! Nã o sou o tipo de garota que chama a atençã o.
— Nã o diga isso. — Faço careta, apoiando a mã o no seu queixo
inevitavelmente. Quando observo seu rosto com exatidã o, percebo que,
de fato, já a vi antes. Alé m disso, noto o quanto Emery é bonita. Seus
olhos azuis estã o com as pupilas dilatadas, cabelos soltos batendo na
altura do ombro, lá bio inferior comprimido. Está tı́mida, sem graça, e
isso acaba me fazendo sorrir. — Você é linda.
— Ah... obrigada — agradece, engolindo em seco pela timidez. —
Mas... e sua camisa? O que posso fazer para ajudar?
— Bom, creio que nã o há nada a ser feito — respondo indiferente,
desfazendo nosso contato. — Ela é antiga, nã o vai fazer diferença. Vou
subir para me trocar.
— Tudo bem entã o... a gente se vê por aı́.
— Até mais, Emery.
— Pode me chamar de Em, é meu apelido.
— Certo. Sendo assim até mais, Em. — Sorrio, dando uma leve
piscadinha ao me virar.
Entretanto, antes que o faça, a ouço chamar meu nome:
— Espera, Trenton.
— Sim?
— Queria saber se você nã o quer depois de... você sabe, trocar as
roupas... — aponta para o meu peitoral com o olhar, dando uma
pequena risada — beber comigo. Ou sei lá , dançar. Ou nenhuma das
opçõ es, també m nã o tem problema. Sou ó tima em nã o fazer nada.
Ergo minhas sobrancelhas, tornando a me aproximar.
— Você está me convidando para um encontro em festa? —
pergunto com um sorriso travesso, utilizando o nome que damos para
aquelas pessoas que te chamam para algo mais particular durante uma
festa.
— Nã o! Claro que nã o. — Desvia do assunto, tornando a ruborizar.
— Só queria algué m para conversar. Roxy está ocupada, Ellen també m,
Dominique... bom, ela é um tanto quanto peculiar.
— Entã o sou sua ú ltima opçã o? — Finjo estar ofendido, vendo seus
lindos olhos se arregalarem em descrença.
— Nã o foi isso que eu quis dizer! — exclama, dando um leve tapa na
pró pria testa. — Esquece, inge que nã o...
— Calma, eu estava só brincando! — Solto uma gargalhada
contagiante. Ela suspira aliviada. — E fofo te ver nervosa.
— Vai se ferrar. — Revira os olhos com força. — Achei que estava
falando a verdade.
— Sou um homem brincalhã o.
— E, percebi mesmo.
— Nã o quer me acompanhar até o meu quarto? Depois podemos
descer, assim nã o desperdiçamos conversa e nã o corremos o risco de
nos perdermos. — Sugiro sem malı́cia alguma.
Ela parece analisar minhas palavras.
— Isso é um convite indireto para sexo?
— Nã o. Só se você quiser. — Flerto, prendendo uma mecha de
cabelo solto atrá s da sua orelha.
Quando penso que irei vê -la vermelha mais uma vez, me surpreendo
ao notar um princı́pio malicioso no seu olhar.
— Talvez seja uma boa opçã o.
— Pensei que estivesse conversando com uma garota tı́mida.
— Nã o te disseram que essas sã o as piores? — Sorri, perdendo a
postura de garota tı́mida em questã o de segundos.
— Só acredito vendo.
— Pague para ver. — Pisca, virando-se para a escada. — Estou te
esperando.
Apenas a sigo sem responder, andando até meu quarto. Lá , abro a
porta e acabo a trancando apenas por precauçã o, observando a garota
correr seu olhar curioso por ele, sentando-se na cama, olhando meus
quadros e trofé us de basquete.
— Muitas conquistas, eu sei. — Me gabo em tom zombeteiro,
tirando a camiseta. — Me orgulho de todas.
— Realmente, sã o impressionantes — diz pegando um trofé u,
olhando a peça. — E o destaque do basquete na faculdade, nã o me
choca essa quantidade.
— Faço apenas o meu melhor, mas cursar administraçã o me deixa
menos super icial. — Nã o me dou ao trabalho de colocar outra blusa,
sentando-me ao seu lado. — E você , faz o quê ?
— Medicina — conta, virando-se para me olhar, demorando ao
notar meu peitoral nu. — Quero ser cirurgiã .
— Nossa, é uma pro issã o incrı́vel! — exclamo admirado. — Minha
mã e é mé dica. Queria que eu tomasse o mesmo rumo de carreira, mas
nã o é para mim. Sou pé ssimo com as mã os.
— Você parece ser qualquer coisa, menos péssimo com as mãos. —
Em um gesto totalmente inesperado, Em torna a se sentar no meu colo,
apoiando as coxas na lateral da minha perna, arrancando-me um
suspiro, junto de olhos levemente arregalados. — Algum problema?
— Nenhum, eu só nã o estava esperando — admito, colocando as
mã os na sua coxa, acariciando a pele nua por estar usando saia. — Você
está me deixando cada vez mais impressionado.
— Esse é o tipo de elogio que gosto de receber. — Apoia os dedos
nos meus ombros, trilhando até meus cabelos. — O que você está
esperando para me beijar, Trenton?
— Eu també m nã o sei.
Antes que ela possa dizer algo, rir ou me impressionar novamente,
tomo seus lá bios com os meus, respirando fundo ao nos sentirmos
unidos. Emery geme baixinho, puxando meus ios enquanto peço
passagem para invadir sua boca com minha lı́ngua, fechando os olhos
com força. Nesse momento, sinto algo diferente. E inexplicá vel, mas
pode ser palpá vel. Conforme sinto seu beijo delicado, mas sexy ao
mesmo tempo, todos os pelos do meu corpo se arrepiam com a maior
facilidade do mundo, como nunca izeram antes. Enlaço sua cintura,
deitando seu corpo delicadamente na minha cama, sem desgrudar
nossos lá bios nem por um segundo sequer. Pode parecer estranho, mas
nã o sei se seria capaz de fazê -lo nem com a maior força do mundo. Seus
dedos travessos correm para brincar com a barra da minha calça,
tirando a peça com pressa, e faço o mesmo com o restante das suas
roupas. Quando percebo estamos ambos nus, sem fô lego por nã o
pararmos de nos beijar, inalmente tornando a nos encarar.
Nesse instante, sinto o meu mundo parar diante da visã o
privilegiada que estou tendo.
Suas pupilas estã o dilatadas de um jeito graciosamente diferente.
Conforme vejo seu peito subindo e descendo pela recuperaçã o do ar,
traço um carinho delicado pela lateral do seu rosto, pousando no lá bio
inferior, contornando-o. Ela beija meu dedo devagar, carinhosamente,
subindo a mã o para puxar meus cabelos na precisã o certa. E como se
estivé ssemos em uma espé cie de transe sexual, que me deixa excitado e
descontrolado ao mesmo tempo. Nunca acreditei muito no conceito de
conexã o na hora do sexo, sempre pensei que fosse bobagem, besteira.
A inal, todos os meus lances, em sua maioria, eram apenas carnais. Só
que, dessa vez, sinto algo a mais. E estranho, sei que praticamente a
conheci de fato há alguns minutos, mesmo que já tenhamos nos
encontrado antes.
Como poderia explicar o inexplicável?
Nã o sei dizer ao certo quanto tempo permanecemos nesse estado.
Fico feliz de saber que, indiretamente, estamos desfrutando de uma
troca mú tua, tendo em vista que ela acompanha todos os meus ritmos.
Balançando a cabeça levemente, estico meu corpo para pegar uma
camisinha na graveta, colocando o preservativo em seguida. Entrelaço
suas mã os acima da cabeça, penetrando lentamente, fechando os olhos
com força ao ouvir seu doce gemido invadindo meus ouvidos.
— Trenton... — sussurra, arqueando a cintura em busca de mais
contato, praticamente rebolando no meu pau. — Nã o... nã o para...
E isso seria possível?
— Nã o vou parar enquanto você nã o quiser, minha linda. — Sorrio,
reivindicando sua boca como minha novamente, libertando seus pulsos.
Em arranha minhas costas com vontade, aproximando-se para
gemer sensualmente no meu ouvido, intercalando entre morder o
ló bulo e arrastar suas unhas pelo meu peitoral. Inclino-me para
capturar um de seus mamilos com a boca, sorrindo maliciosamente ao
ouvir o grito que escapa dela, percebendo o quanto essa regiã o do seu
corpo é sensı́vel e deliciosa de se provocar.
Diferentemente de outros casos que já tive, mantemos o contato
visual. Por mais que pareça um tanto quanto constrangedor, nã o me
sinto intimidado ao ter suas ı́ris azuladas encarando as minhas,
observando o contraste das nossas peles, fechando-se apenas para me
beijar. Nã o demoramos muito para cair na redençã o do orgasmo, que
vem carregado de intensidade, fazendo-nos cair na cama, exaustos,
apó s tal ato.
— Isso foi... nossa. — Suspira, mordendo o lá bio inferior para conter
o sorriso, virando-se de lado. — Faz jus a sua fama.
Solto uma risada alta, colocando-me da mesma forma.
— Entã o você se aproveitou de mim por conta do meu pequeno
histó rico?
— Talvez. Seria algo bom ou ruim?
— Depende de quais sã o suas intençõ es — brinco, prendendo uma
mecha de cabelo loira atrá s da sua orelha. — Você també m sentiu?
— O quê ?
— Nã o sei... um lance diferente — murmuro temeroso por estar
sendo ridı́culo, poré m sem perder a postura con iante. — Sei que
realmente nos conhecemos há alguns minutos, mas gostei de você .
— Eu també m gostei de você . Gosto, na verdade. Há muito tempo. —
Dá uma risadinha tı́mida, enquanto aquele rubor torna a subir suas
bochechas. — Eu també m senti. Nã o iria falar nada por medo de você
me achar estranha.
— De todos os adjetivos que se pode nomear uma pessoa, estranha
seria o ú ltimo que eu te daria — digo puxando-a para o meu peito,
acariciando suas costas. — Me lembrei da primeira vez que nos
cumprimentamos.
— Sé rio? — Ela parece surpresa, sustentando o olhar para me
encarar. — Fazem muitos anos.
— Sei disso, só que me lembro da sua roupa. Era um casaco laranja,
calça preta e echarpe branca. Parecia uma abó bora — brinco, caindo na
gargalhada ao seu lado, recebendo mais um leve tapa. — Ai! E a
verdade.
— A Emery de vinte anos tinha um senso peculiar de moda, ok? Nã o
me julgue.
— Nã o estou julgando, apenas comentei. — Ergo as mã os em sinal
de redençã o. — De qualquer forma, lembro-me de te achar diferente
desde o princı́pio. Um pouco estranha, talvez, mas diferente. Acho que
era sua risada. Ou seu jeito tı́mido e extrovertido ao mesmo tempo. Ou...
nã o sei. Alguma coisa te destacava entre os demais.
— E nenhuma delas foi boa o su iciente para te fazer me convidar
pra sair? — rebate com um olhar afrontoso.
— Touché! O Trenton de vinte anos nã o tinha tantas atitudes.
— Uma pena. Porque isso... — aponta para nó s dois — poderia ter
acontecido antes.
— Por que você nã o me chamou naquela é poca como fez hoje?
— Vergonha — responde de imediato. — Sou tı́mida.
— Tı́mida? Emery... mentir é feio.
— Uma pessoa tı́mida pode ser safada na mesma proporçã o. Apenas
agarrei a oportunidade que me ofereceu. Nã o sou ingê nua, muito
menos boba.
— E, eu percebi. Que tal me contar mais um pouco a respeito das
suas ingenuidades e vergonhas antes de nos prepararmos para o
segundo round?
A gargalhada que escapa dos seus lá bios me dá a certeza de que
estou ao lado da pessoa certa. Ao contrá rio do que estava pensando,
nã o partimos para a segunda rodada. Muito pelo contrá rio. Passamos o
resto da noite desnudos, apenas conversando. Rindo, trocando
con idê ncias, nos conhecendo melhor.
No momento em que me dei conta, já eram cinco horas da manhã , e
nã o queria que ela fosse embora. Nã o toquei no assunto em momento
algum, porque sua presença me trazia um conforto indescritı́vel.
Quando vi seus olhos fechando, a respiraçã o acalmando e a voz
arrastada, percebi que Em estava prestes a cair no sono. Ao invé s de
acordá -la, oferecer carona para casa, simplesmente plantei um beijo
delicado na sua testa e a deixei dormir contra o meu peito.
Naquele dia, eu nã o sabia que estava cara a cara com o amor da
minha vida. A garota que dedicaria meus sorrisos mais sinceros, risadas
verdadeiras e beijos inesquecı́veis. Que tomaria meu coraçã o para si, e o
teria nas mã os por todo sempre.
Eu també m nã o sabia o quanto a vida seria injusta, tirando minha
amada quando eu menos esperava, deixando-me literalmente
destruı́do.
“Q ,
.
P ,
.”
(A B )
PASSADO
Eu sempre quis entender qual pensamento se passou pela cabeça do
Jacob quando ele teve um imprinting com a Renesmee, em Amanhecer
Parte II.
Como pô de simplesmente olhar para ela e sentir aquela ligaçã o
inequı́voca e afeto profundo pela ilha hı́brida da Bella e do Edward?
Nã o fazia o menor sentido! Tudo bem, sei que nã o passa de icçã o
cinematográ ica, mas gosto de coisas reais. Pessoas, situaçõ es e
sentimentos reais. Novamente, sei que se trata de um ilme sobre
vampiros, lobisomens, seus mundos e seus con litos, poré m senti falta
do senso real. Eleanor e eu somos apaixonadas por essa saga desde seu
lançamento, e toda vez que fazemos nossa festa do pijama anual de
aniversário, maratonamos todos os ilmes ao longo do dia. Sempre tive
esse questionamento, o qual rendia gargalhadas e discussõ es tortuosas
sobre a paixã o instantâ nea do rapaz pela ilha da amiga, poré m nunca
chegá vamos a uma conclusã o que ambas aceitá ssemos.
Mas agora, enquanto vejo o olhar malicioso de Trenton, um dos
amigos de Dominique, creio que estou chegando perto de usufruir
dessa sensaçã o. Nã o que eu tenha me apaixonado, como se fosse um
amor à primeira vista, poré m está perto. Muito perto. Ele é quente o
inferno, como um pecado capital proibido. Sua pele negra contrasta
com a camiseta branca usada, que se agarra levemente sobre seu corpo
escultural. Conhecido por ser um dos melhores jogadores de basquete
da Boston University nã o me impressiona seu porte fı́sico ser de causar
inveja. Os cabelos estã o no corte perfeito, cacheados, fazendo-me sentir
uma vontade inexplicá vel de puxá -los, ora lentamente, ora com força. E
o sorriso... puta merda. Deveria ser proibido por lei uma pessoa ser tã o
atraente e sorrir de uma forma tã o convidativa.
— Entã o você já encontrou sua vı́tima da noite? — Dominique
pergunta, encarando-me com malı́cia.
Solto uma risadinha, bebericando meu drink.
— Talvez. Aquele é o tal de Trenton, certo?
— O pró prio — murmura voltando seu olhar para ele. — Já te contei
sobre essa histó ria.
Inevitavelmente, acabo engolindo em seco apó s ouvir suas palavras,
chocada por ter me esquecido completamente de um detalhe tã o
crucial.
Há alguns dias, ela me contou a respeito da morte de sua melhor
amiga, Emery, a qual també m era namorada do garoto que está na
minha mira. Pode nã o ter se passado muito tempo, aproximadamente
quatro meses se nã o me engano, mas consigo imaginar o quanto a dor
do luto deve permanecer dentro do coraçã o de ambos. E nã o quero me
envolver com algué m que se encontra nesse estado.
— Ei, mas nã o estou te dizendo isso para te desencorajar. — Se
apressa em dizer, chamando minha atençã o novamente. — Se quiser,
ele é um homem livre.
— Eu sei! — Sorrio gentil para tranquilizá -la. — Só nã o quero me
envolver com algué m que irá me usar para tapar um buraco ou de
psicó loga. Já nã o basta os meus problemas, nã o posso lidar com mais.
— Você s nem se conhecem ainda, Jess! — Ri alto, empurrando meu
ombro levemente. — Dê uma chance. O tempo passou, muitas coisas
mudaram... todos somos pessoas diferentes. E seguir em frente é o
primeiro passo e o mais importante.
— Está dizendo isso sob um olhar clı́nico ou amigá vel?
— Um pouco dos dois. Agradeça que estou dedicando meu tempo
para te dar conselhos, poderia muito bem estar fodendo o
aniversariante dessa festa.
— Como se nã o fossem fazer isso mais tarde. — Rolo os olhos
inevitavelmente. — De qualquer forma, obrigada. Vou pensar no caso.
Entregando uma piscadinha, caminho propositalmente até onde
Trenton está . Vejo de longe o sorriso no rosto da minha amiga,
encorajando-me a tomar alguma atitude. Por mais que me sinta
receosa, creio que posso con iar nas suas palavras. A inal, Dominique
nã o me diria para tentar se seu amigo nã o estivesse preparado ou
disposto. E outra, nã o estou falando de um relacionamento amoroso. Na
verdade, meu ú nico objetivo é traçar todo seu corpo com a boca,
deliciando-me com cada pedacinho, tendo esse homem para mim
apenas por uma noite. Apenas isso, e nada mais.
Entro no banheiro unissex da á rea externa, apenas para ajeitar
meus cabelos e retocar o gloss labial. Entretanto, quando saio do lugar,
acabo esbarrando com um peitoral irme, musculoso, deixando meu
celular cair no chã o.
— Me desculpe, nã o estava prestando atençã o... Ah, espera. Você é a
Jessamine, nã o é ? — A voz rouca de Trenton invade meus ouvidos,
causando-me um arrepio.
Sustento meu olhar para encará -lo, notando como nossa diferença
de altura é perceptı́vel. Chutaria uns dez centı́metros, no mı́nimo.
— Sim... sou eu. — Dou um sorrisinho, me demorando em analisar
seus lá bios carnudos. — E você é o Trenton.
— O pró prio. — Sua boca toma a forma de um sorriso malicioso,
repetindo minha açã o. — Fiquei sabendo que é a nova integrante do
nosso grupo.
— Quase. Conheci Dom e Alex, acabei sendo apresentada para as
meninas, Bryan... só faltava você .
— Ah, entã o iquei por ú ltimo? — Levanta as sobrancelhas,
deixando seu corpo perigosamente pró ximo ao meu.
— Infelizmente. — Mordo meu lá bio inferior para conter o sorriso.
Ele é atraente. Inevitavelmente atraente. Sinto como se fosse uma
espé cie de imã , atraindo meu corpo para perto do seu, deixando com
que o perfume delicioso invada minhas narinas, quase me fazendo
suspirar. — Mas podemos dar um jeito nesse probleminha.
— Sem sombra de dú vidas. — Ele leva uma das mã os para enlaçar
minha cintura, prensando-me contra a parede. — Estava te procurando
há alguns minutos.
— Jura? — pergunto verdadeiramente surpresa, apoiando os dedos
contra o seu peitoral.
— Sim. Te vi conversando com as meninas, conseguiu chamar
minha atençã o de longe.
— Oh, nã o sabia desse pequeno detalhe.
— Uma pena, pois é o mais crucial de todos.
— Bom, creio que temos uma soluçã o para esse con lito.
— Concordo plenamente.
Nã o perdendo tempo, unimos nossos lá bios praticamente no
mesmo instante. Sorrio maldosa ao sentir sua lı́ngua invadindo minha
boca, pedindo passagem para brincar comigo, que logo é concedida.
Entramos no banheiro à s pressas, sem nos importarmos com as
pessoas que estã o olhando e comentando ao nosso redor, trancando a
porta em seguida. Quando menos percebo, minha blusa é jogada ao
chã o, junto do sutiã que cai rapidamente, deixando-me impressionada
com sua destreza relacionada à peça. Faço o mesmo com suas roupas,
alisando seu peitoral esculpido, mordendo seu lá bio inferior
descaradamente. Ele vira meu corpo, parando frente ao espelho. O
sorriso malicioso que domina sua boca quase faz minhas pernas
tremerem, e Trenton logo as abre, me penetrando com dois dedos.
— Puta merda! — Agarro a pia com força, agradecendo a mim
mesma por ter optado por vir de saia.
Dou uma rebolada lenta, tentando demonstrar indiretamente que
quero mais. Que preciso de mais. Sinto um beijo misturado com
mordida sendo depositado no meu pescoço, arrancando mais um
gemido alto. Só consigo abrir os olhos quando seus dedos me deixam,
resmungando pela falta de contato, mas ele logo me surpreende,
abrindo um pacote de camisinha e estocando em questã o de segundos.
— Cacete, Jessamine — geme baixinho, prendendo meus cabelos em
um rabo de cavalo, puxando na medida certa para me levar à loucura.
— Você é deliciosa.
Sou incapaz de dizer absolutamente algo, pois estou tã o absorta em
meu pró prio ê xtase, que apenas viro a cabeça de lado, tomando seus
lá bios com os meus novamente, arrepiando-me com o som das
estocadas que preenchem o cô modo.
Trent apoia as mã os na minha cintura, impulsionando seus
movimentos, metendo forte, com força, exatamente do jeito que adoro e
imploro para os meus parceiros me foderem. Caı́mos em um orgasmo
delicioso quase ao mesmo tempo, comigo chegando primeiro, poré m
continuo rebolando até o sentir se derretendo.
— Caramba, isso foi... — Respiro fundo, retomando o ar, ainda
processando os ú ltimos minutos. — Intenso.
— Sexo em festa sempre é o melhor. — Pisca enquanto se veste,
entregando minha peça de roupa de volta.
— Nunca havia transado em um banheiro antes — confesso
colocando a blusa, arrumando meus cabelos no espelho.
— Nã o é gostoso sentir a adrenalina de ser pego correndo pelas
veias?
— Um pouco... — mordo meu sorriso, o observando. Trenton está
com um sorriso preguiçoso, infelizmente totalmente vestido.
— Você quer beber alguma coisa? — pergunta, prendendo uma
mecha de cabelo atrá s da minha orelha.
Acabo sorrindo com o contato.
— Pode ser. Uma cerveja seria bom, estou com calor.
— Eu també m. Você me deixou quente.
Dou risada com seu trocadilho.
— Que piadinha horrı́vel. Brega, cafona e pé ssima.
— Me desculpe, exigente! — Ergue as mã os em defesa, abrindo a
porta do banheiro para sairmos. — Da pró xima vez, prometo me
esforçar mais.
— Pró xima vez? Entã o você vai dar em cima de mim novamente?
— Quem sabe, só o tempo dirá .
Solto uma risadinha, tentando ao má ximo nã o demonstrar o quanto
suas palavras me deixam empolgada. Mesmo nã o estando à procura de
um par româ ntico, seria bom ter algué m ixo para fazer sexo casual e
conversar de vez em quando. Como uma amizade colorida, mas que, no
nosso caso, nã o envolveria complicaçõ es, tendo em vista que possuı́mos
os mesmos objetivos.
O resto da noite se alastra de uma forma leve, tranquila e divertida.
Acabamos indo para o bar, onde bebemos alé m da conta, rindo até
perder o ar, contando sobre nossas vidas. Para minha sorte, em
momento algum, ele menciona Emery. Nã o que eu nã o queira saber a
seu respeito, entretanto, seria constrangedor ouvir sobre sua ex-
namorada falecida apó s acabarmos de fazer sexo. Ele fala sobre Alex,
Dominique, Bryan, Ellen e até mesmo de Roxy, sua melhor amiga, que,
agora, já nã o sabe mais se a quali ica como tal, pois ela anda afastada.
Rimos juntos enquanto observamos pessoas passando mal, se
pegando de maneiras engraçadas, vendo Dom brigar com uma garota
que insistia em dar mole para o seu namorado.
Dançamos. Dançamos até nos cansarmos, ora nos beijando, ora nos
provocando. Partimos para o segundo round de sexo quando todos
foram embora, na sala, com o medo de um de seus amigos descerem e
nos pegarem. Por estar levemente alcoolizada, optei por dormir ali
mesmo, com ele ao meu lado na poltrona.
Em alguns momentos, quando paro para pensar em tudo o que
aconteceu, nã o queria ter me deixado levar. Queria ter sido mais
esperta, menos ingê nua. Porque mesmo prometendo a mim mesma que
nã o o faria, acabei caindo de amores por Trenton Grant. Pelo seu
charme, palavras bonitas, sorrisos, toques. Fizemos uma promessa, e eu
nã o a cumpri.
Mais cedo ou mais tarde, ele me deixaria destruı́da.
E eu nã o estava pronta para o que o destino havia nos reservado.
“S
.”
(A B )
.”
(A B )
Eu consigo.
Eu vou conseguir sair dessa.
Testes de gravidez também dão falsos positivos, certo?
Essa é minha única esperança.
Os enjoos que tive essa semana foram por nervosismo, não por um
feto.
Por favor, Deus! Me perdoe por todos os meus pecados e me conceda
essa bênção.
Repito todas essas palavras comigo mesma conforme balanço as
pernas, olhando as pessoas ao meu redor, que em sua maioria sã o
compostas por casais felizes, e nã o por trê s amigas nervosas: uma
marrenta, uma desesperada e outra a lita. No caso, eu sou a
desesperada; Dominique a marrenta; e Ellen, a a lita.
Estamos no consultó rio esperando pela minha vez há
aproximadamente meia hora, juntas, torcendo pelo melhor: o teste ter
dado um falso positivo.
Apó s descobrir minha suposta gravidez, elas me acolheram em seu
apartamento durante toda a semana, tendo em vista que estou fugindo
de Trenton, e ambas nã o queriam me deixar só em um momento tã o
delicado.
Apesar de ser um gesto extremamente nobre, me sinto incomodada
em icar lá sem pagar nada, usufruindo de seus bens como uma visita
qualquer, mesmo com a garantia de que nã o sou nada disso. Poré m, o
meu maior problema é ele. Se icasse no alojamento, Trent iria me
encontrar fá cil, e nã o conseguiria olhar nos seus olhos escondendo uma
verdade que pode ou nã o mudar o rumo das nossas vidas.
Entã o, inventamos uma pequena histó ria: Disse para Dom contar
que fui passar a semana com minha irmã , Eleanor. Alex – o qual está por
dentro de todo o nosso esquema e nos ajudando – corroborou com a
mentira, nã o nos entregando, tendo de mentir para um de seus
melhores amigos por um bem maior. Tenho completa noçã o de que
estou tomando uma atitude errô nea, mas nã o quero preocupá -lo por
nada. Bom, nada até agora. Em alguns instantes, iremos descobrir se
devemos nos preocupar ou nã o.
— Essa clı́nica de quinta categoria está demorando para um senhor
caralho! — Dom reclama, correndo os olhos com desgosto pelo lugar,
arrancando-me uma risada. — O que foi? Esse lugar está aos pedaços!
— Mas é o que meu dinheiro paga, madame. — Rio repetindo sua
atitude. — Nã o é tã o ruim assim.
— Na verdade, é sim — Ellen intervé m. — Me desculpe, Jess, mas
nunca vi um lugar tã o fuleiro e aos pedaços.
— Se você nã o fosse tã o orgulhosa, poderı́amos estar em um lugar
melhor. Sabe que tenho contatos.
— Caso eu precise me preocupar com uma gravidez, que nã o
sabemos se é real ainda, reconsidero suas palavras. — Dou uma
piscadinha, tentando esconder o quanto estou nervosa.
— E nã o vai ser. Estou na sua torcida. — Ela segura minha mã o
antes que eu possa continuar minha mania de cravar as unhas na pele,
algo que tenho costume de fazer quando estou muito nervosa. — Nã o
quero crianças me rondando tã o cedo.
— Caso você realmente esteja, o que pretende fazer? — El pergunta
com a maior delicadeza do mundo. — Nã o precisa responder se nã o
quiser.
— Queria ter a resposta para essa pergunta. — Sorrio fraco,
mordendo o lá bio inferior. — Nã o faço a menor ideia. Sempre quis ter
ilhos, mas nã o assim. Nessas circunstâ ncias, saindo do meu ú tero e
com algué m que nã o me ama. Pensar em ter ilhos de sangue me causa
ná useas. Nã o quero uma criança nascendo como eu.
— Como assim “como você”? — Dominique questiona, entregando-
me um olhar curioso.
Engulo o nó na garganta, percebendo que falei demais.
— E modo de dizer, nã o se preocupe. Minha baixa autoestima
falando — minto descaradamente.
Ela parece acreditar.
— Hum... entendi. Entã o cale sua boca, Jessamine. Você é uma
pessoa incrı́vel! Queria ser assim.
— Dom está certa. E outra, o Trenton nã o irá te abandonar. Ele pode
ser... complicado, mas nã o é um cuzã o.
Complicado. Solto uma risada debochada ao ouvir suas palavras, me
dando conta de que essa é a palavra que mais o de ine. Complicado.
Insuperável. Destruído. Ele nã o gosta de mim. Assim, no sentido de
amizade, acredito que sim, poré m nã o na questã o amorosa, a qual eu
mais desejo. Nã o posso ser hipó crita e dizer que nã o fomos claros a
respeito de nosso acordo, porque fomos. Entretanto, caı́ nos meus
pró prios conceitos e acabei criando uma certa paixão por ele. Nã o sei
dizer se estou apaixonada, creio que é uma palavra muito forte, mas
sinto algo. Algo que faz meu coraçã o errar as batidas quando vejo seu
sorriso. Que me faz suspirar com seus beijos, toques. Que me faz torcer
para icarmos abraçados depois do sexo, um acontecimento raro, poré m
grati icante quando é realizado. Pequenos detalhes nã o correspondidos.
Porque Trenton pode nã o admitir para mim, poré m sei que ainda está
de luto. Sei que ainda ama Emery, e nã o pretende deixar de amá -la tã o
cedo. Agora imagine o impacto que um ilho causaria na sua vida? E
demais para mim. Para nós dois.
— Jessamine Lanoie? — Uma enfermeira chama.
Levanto-me apressadamente, caminhando em sua direçã o.
— Sou eu. — Tento entregar meu melhor sorriso simpá tico, apesar
da mulher estar me olhando com desgosto. Ela deve ter
aproximadamente uns sessenta anos, voz rouca pelo cigarro, cabelos
ruivos puxados para o vermelho.
— Você é a pró xima a se consultar com a doutora Vanessa. — Olha
para uma prancheta. — Faz uso constante de algum remé dio?
— Nã o.
— Tem histó rico de problemas mentais na famı́lia?
— També m nã o.
— Alguma doença ou problema que possa afetar diretamente sua
gravidez?
— Eu nem ao menos sei se estou grá vida. — Rio, tentando fazer
uma brincadeira. Nã o dá certo. — Mas nã o.
— E o pai?
— Como?
— Onde está o pai, querida. — Ri, olhando pela sala à procura de um
homem. — Ou você faz parte da grande porcentagem de mulheres que
nã o sabem quem é ?
— Olha, você deveria ter um pouco de...
— Eu sou o pai. — Arregalo meus olhos ao ouvir Dominique se
aproximando, entrelaçando sua mã o na minha. — E um prazer estar ao
lado da minha mulher, apenas nã o me atentei.
— Eu també m sou! — Ellen logo se põ e ao nosso lado, segurando
minha outra mã o.
O que elas estão fazendo?
— Isso nã o é possı́vel. — A senhora nos encara com nojo, forçando-
me a controlar a gargalhada. — Biologicamente impossı́vel. Você s trê s
sã o mulheres.
— Já ouviu falar da fertilizaçã o in vitro? Ela salva vidas.
— Com toda certeza. Assim, casais que vivem em trisal como nó s
tê m a oportunidade de gerar crianças. Nã o acha isso um milagre?
— A doutora está te esperando. — Ela muda de assunto,
desfazendo-me do enlaço de ambos os braços. — Vou te acompanhar
até a sala.
Despeço-me das garotas com um breve aceno de cabeça, andando
até a sala em silê ncio. Quando entro, vejo uma mulher negra, de olhos
verdes e sorriso acolhedor, arrancando-me um suspiro aliviado pela sua
presença um tanto quanto acolhedora.
— Você deve ser a Jessamine. — Sorri, erguendo a mã o para me
cumprimentar. — Sou a doutora Vanessa.
— E um prazer te conhecer — digo com sinceridade, sentando-me
na sua frente.
— Entã o, o que te trouxe até aqui? Bom, tenho uma ideia, mas
gostaria de ouvir a histó ria completa. Se nã o for te incomodar, é claro.
— Acho que contar tudo o que aconteceu é minha menor
preocupaçã o. — Rio nervosa, controlando o impulso de apertar as
mã os. — O meu... icante se chama Trenton. Nó s temos uma relaçã o boa.
Quer dizer, acho que estou começando a gostar dele e ele nã o sente o
mesmo, pois ainda está de luto pela ex-namorada, que morreu em um
acidente de carro no ano passado. Eu o entendo, sabe? Nã o consigo
imaginar como deve ser perder uma pessoa amada. O mais perto que já
cheguei de usufruir desse sentimento foi quando meu hamster morreu.
Minha mã e nã o me deixou enterrá -lo, entã o tive que jogar na privada.
Assistir Zed ir por á gua abaixo foi...
— Jess, estou me referindo à gravidez — interrompe com uma
risadinha.
Minhas bochechas fervem como o inferno.
— Oh, certo! Me desculpe, só estou um pouco nervosa. Talvez muito.
— Tudo bem, é normal mã es de primeira viagem se sentirem assim.
— Mas esse é o problema. Nã o sei sou mã e. O teste pode ter dado
um falso negativo, nã o é ? E achei melhor marcar uma consulta direto,
porque sempre desmaio ao fazer exames de sangue.
— As probabilidades sã o poucas, poré m acontecem.
— En im, vamos direto ao ponto: Trent e eu nã o costumamos usar
camisinha. Faço uso de contraceptivos, ele é limpo, entã o nã o vı́amos
muitos motivos para usar. Bobagem, eu sei. Inconsequentes, també m
sei. Mas no ú ltim0 mê s... eu acabei me esquecendo de tomar. E esqueci
de avisar.
— Se esqueceu de tomar?
— E... esqueci. — Desvio o olhar, envergonhada. Deveria ser sincera.
Deveria contar o real motivo para isso ter acontecido, mas nã o consigo.
— Nã o foi de propó sito. Na noite de Ano-Novo comecei a pensar no
assunto, e me bateu uma paranoia fora do comum, entã o acabei
comprando um teste. Mesmo bê bada, dei conta de fazer xixi no potinho
e, bum, vi dois traços me encarando. Só quero saber se é real, doutora.
Para ser sincera, estou na torcida para que nã o seja.
Ela me encara num misto de curiosidade e compreensã o.
— Certo. Deite-se na maca e levante sua camiseta, vamos fazer um
ultrassom.
Apenas concordo com a cabeça, cumprindo suas ordens de
prontidã o. Vanessa passa um creme gelado e transparente pela minha
barriga, o qual me faz soltar uma pequena risada pelas có cegas.
— E gelado — comento para tentar quebrar o clima. Odeio silê ncio.
Nos momentos de a liçã o, costumo falar mais do que a boca me
permite.
— Nesse caso, acho que você deveria ir se acostumando com a
sensaçã o — diz em um rompante, olhando para a tela. Arregalo os
olhos, vendo uma pequena mancha no lugar, sentindo meu mundo cair.
— Está vendo essa manchinha?
— Sim... — Preciso controlar a voz embargada, mas as lá grimas se
formam do mesmo jeito.
— E um bebê de oito semanas, aproximadamente. Ainda nã o
conseguimos ouvir os batimentos cardı́acos, só daqui algumas
consultas.
Bebê de oito semanas.
Algumas consultas.
Não tenho dinheiro para pagar tudo isso.
Bebê. Um bebê dá um custo muito maior do que consultas.
Deus, eu estou fodida!
Muito fodida!
— Eu tenho outra opçã o? — pergunto praticamente ignorando suas
palavras, tentando absorver tudo aos poucos. — Assim, caso nã o... caso
nã o queira ter o bebê ?
— Pode fazer um aborto — responde simplesmente, e me pego
grata por nã o sentir nenhum resquı́cio de julgamento sair da sua voz.
— Conheço ó timas clı́nicas que fazem esse procedimento. Você ainda
tem um tempo para tomar sua decisã o, Jess. Apenas nã o demore muito,
senã o se torna ilegal. E, caso queira prosseguir com a gravidez em um
lugar de melhor qualidade... — Ela olha pela sala aos pedaços. —
També m trabalho em uma clı́nica particular. Vou te deixar meu cartã o.
A doutora o entrega para mim, onde vejo seu nome, nú mero e
endereço na clı́nica. Agradeço a consulta, voltando para a sala de
espera, onde minhas amigas me encaram com expectativa. Sinalizo um
“sim” com a cabeça, poré m logo estendo a mã o para mostrar que nã o
quero conversar. Retornamos para casa em um silê ncio ensurdecedor.
Quando chego, corro até “meu quarto”, que, na verdade, era o de
Roxy e me deito na cama, permitindo-me chorar tudo o que nã o chorei
até agora, pensando que diabos irei fazer com essa criança que habita o
meu ventre.
.”
(A B )
“Trenton,
A Ellen acabou chegando nesse tempo em que vocês estiveram lá fora,
e decidimos levar os adolescentes, que se dizem semiadultos, para tomar
sorvete. Ou melhor, para ver se a Eleanor esfria a porra da cabeça.
Não vou te julgar antes de conversarmos, mas saiba que você foi o
maior babaca do mundo e, por enquanto, está na minha lista de inimigos.
Converse com Jessamine, nunca a vi tão chateada.
Com ódio,
Dominique.”
— Entã o você vai ser pai? — Bryan repete a mesma frase pela
terceira vez apó s eu contar tudo o que aconteceu nos ú ltimos dias,
provavelmente absorvendo o tanto de informaçõ es.
— Exatamente — digo apreensivo, tentando analisar suas
expressõ es. Por estar chapado na maior parte do tempo, é difı́cil
decifrar quando ele está só brio ou nã o. Poré m agora, vendo seus olhos
verdes arregalados em puro choque, creio que nã o há nenhuma droga
no seu corpo.
— De uma criança.
— Um bebê , para ser mais especı́ ico.
— Um bebê ! — resmunga, levando as mã os até os cabelos que estã o
quase na altura do ombro. — Aqueles que choram?
— Que choram alto, praticamente berram.
— E cagam?
— Principalmente cagam.
— E vomitam?
— Com todas as caracterı́sticas citadas acima.
— Isso é ... eu... eu nã o sei o que te dizer. — Suspira, tornando a me
encarar. — Sã o muitas informaçõ es. Prefere um sinto muito? Ou
parabé ns?
Solto uma risada alta, dando um tapa amigá vel nas suas costas.
— Parabé ns seria o mais adequado agora. Há alguns dias, diria
“sinto muito”, só que agora estou com minha cabeça no lugar.
— Parabé ns entã o, cara. — Ele ri, puxando-me para um abraçado
exageradamente longo. Típico do Bryan. — Como você está se sentindo
com isso? Nã o posso imaginar. Acho que se uma garota batesse na
minha porta e dissesse estar grá vida de mim, me atiraria no primeiro
ô nibus que passasse na rua. Mas nã o me leve a mal, curto crianças. Só
sou meio... eu demais para ser pai.
— Te entendo perfeitamente. — Sorrio, esticando-me para pegar
minha lata de refrigerante. — Estou conformado, eu acho. Nã o posso
a irmar que me sinto empolgado ou animado, pois seria mentira, mas
sei que estou disposto a assumir esse papel com toda responsabilidade
e amor. Ainda é tudo muito recente, vou acompanhar Jess na pró xima
consulta... Acredito que, quando eu vir o feto no monitor do ultrassom,
tudo vai icar um pouco mais real.
— Ah, com certeza. Algumas coisas só acreditamos vendo. — Ri,
tirando um baseado do bolso. Como ele consegue carregar tanta droga
consigo?
— Ainda sã o trê s da tarde, cara. — Olho com repulsa para o cigarro.
— Você nã o dá um tempo nunca?
— Acabei de descobrir que um dos meus melhores amigos vai ser
pai, e que em poucos meses terá um bebê andando sob esse teto.
Mereço um desconto — rebate com bons argumentos. — O que você s
pretendem fazer? Alugar uma casa?
— Está me expulsando?
— Provavelmente sim — brinca, fazendo meus olhos rolarem no
mesmo instante. — Brincadeiras à parte, penso que os dois nã o
queiram dividir seu ambiente com demais pessoas. Nã o é por mal, mas
cuidar de um minihumano exige privacidade, calma, paciê ncia para
perder noites de sono... é uma batalha.
— Ainda nã o pensei nisso — falo re lexivo. — Na verdade, pensei
em chamá -la para icar por aqui durante a gestaçã o, poré m nã o sei se é
uma boa ideia.
— Por que nã o seria?
— Primeiro porque nã o moro aqui sozinho, preciso da sua
permissã o e a do Alex.
— Por mim nã o há problema algum. — Dá de ombros apó s um
longo trago. — E tenho certeza de que para ele també m nã o. A inal,
estamos cansados de ouvir seus gemidos enquanto fode Dominique.
Quem sabe, com uma grá vida em casa, ele nã o aprende a ser mais
silencioso.
Nã o consigo conter a gargalhada com suas palavras.
— Pensando por esse lado, até que soa como uma boa escolha.
Retomando: Segundo, porque nã o sei se ela aceitaria. Fui o mais claro
possı́vel quando expliquei nã o ter intençõ es amorosas. Tenho medo de
o fato de morarmos juntos por nove meses atrapalhar tudo.
— Essa pode ser uma chance de você olhar Jessamine com outros
olhos — diz cautelosamente. Logo, recaio meu olhar ligeiramente
inconformado para ele. — Nã o me interprete errado, Trenton, mas
talvez você s dois possam se entender. Ela está carregando o seu ilho,
somente ela, e nenhuma pessoa mais no mundo. Nã o estou te
aconselhando a se apaixonar ou alguma merda do tipo, mas se dê uma
chance de ser feliz. Nem que seja por alguns momentos. Tente olhar por
uma perspectiva boa, nã o ruim.
— Te ouvindo, parece ser fá cil de fazer. — Sopro desviando o olhar.
— Prometo me esforçar para te ouvir, sá bio Bryan.
— Sá bio é uma palavra muito forte. Pre iro chapado.
— Se insiste, chapado Bryan. — brinco, rindo. — Só é um pouco
difı́cil esquecer tudo o que aconteceu e seguir em frente, sabe? Emery
ainda é dona do meu coraçã o.
— Você nã o precisa esquecê -la para seguir com sua vida — declara
sé rio. — Ningué m se esqueceu dela. Porra, é impossı́vel esquecer uma
garota tã o marcante, só que tocamos nossas vidas. Imagino que, no seu
caso, seja mil vezes mais difı́cil, entã o apenas tente. Se dar uma nova
chance nã o é sinô nimo de esquecimento. Talvez você a ame por toda a
vida, mas vai conhecer um outro algué m que també m poderá amar sem
culpa, pois sã o sentimentos diferentes. Apenas tente nã o se privar de
ser feliz, irmã o. Porque você é a pessoa mais merecedora da felicidade
que eu conheço. — Por im, dá dois tapinhas no meu ombro. — Vou
subir para o meu quarto. Convide Jess para vir até aqui. Por favor, se for
possı́vel, nã o transe no nosso sofá . Odeio sentir cheiro de boceta suada
quando vou me deitar.
A facilidade com que esse garoto tem de me deixar emocionado para
um estado de explosã o em risadas me impressiona. Apenas aceno com
a cabeça, garantindo que nã o farei nada que infrinja suas regras,
pegando meu telefone e mandando uma mensagem para Jessamine,
combinando um horá rio para nos encontrarmos hoje.
.”
(A B )
— Estou nervosa pra cacete — Emery murmura pela quarta vez após
eu estacionar meu carro na frente de casa. Hoje, a trouxe para conhecer
minha mãe. Um dos maiores passos do nosso relacionamento, pois nunca
cheguei a fazer isso com outra garota. E quando contei para ela, acabou
a deixando mais nervosa ainda.
— Não precisa disso, meu amor. — Sorrio com sua timidez,
entrelaçando nossos dedos. — Minha mãe está doida para te conhecer.
— E se ela não gostar de mim? E se achar que sou uma péssima
pessoa para estar do seu lado?
— Primeiro, você é a melhor e a única pessoa que quero ao meu lado
pelo resto da vida — garanto, arrancando-lhe um sorriso bobo, beijando
seus lábios suavemente. — Segundo, eu prometo que ela vai te amar.
Esther Grant pode ser exigente, mas é a melhor mãe do mundo.
— Eu não duvido que seja. A inal, ela fez o melhor homem do mundo
— diz apoiando a cabeça no meu ombro. — Me promete que não vai
soltar minha mão nem por um segundo?
— Nunca. Mesmo tendo quase certeza de que ela irá te roubar de
mim. — Dou uma risadinha, saindo do carro. Abro sua porta e então
caminhamos até a entrada, onde toco a campainha. — Preparada?
— Nunca estarei. Acho que preciso de um tempinho a mais para...
— Trenton! Meu ilho, como estava com saudades. — Minha mãe abre
a porta em um rompante, puxando-me para um abraço. No canto do olho,
vejo Emery surpresa, com seus lindos olhos azuis arregalados.
— Também estava, minha coroa. — Beijo o topo da sua testa,
inspirando seu perfume familiar que me remete à sensação de lar.
— Coroa o cacete! — ralha em um tom zombeteiro, rindo junto
comigo. Ela volta o seu olhar para a minha garota, que está com suas
bochechas levemente coradas, brincando com os próprios dedos. Linda. A
porra do amor da minha vida. — E você deve ser a Emery.
— Sim, senhora, Emery Price. — Estica sua mão levemente trêmula
formalmente.
Minha mãe ri, mas aperta do mesmo jeito.
— Nada de senhora, querida. Pode me chamar de Esther ou sogra.
Venha cá, me dê um abraço. É o mínimo que mereço por escutar esse
garoto por horas, dizendo que eu estava prestes a conhecer o amor da
vida dele.
Rindo, Em acaba se rendendo ao encanto, a abraçando. Sorrio
satisfeito ao ver as mulheres que quero carregar comigo por todo o
sempre juntas, conversando. Mamãe faz o máximo para não deixar
Emery desconfortável, mantendo a conversa leve, amigável. Contando
sobre minha infância, trapalhadas, até mesmo situações vergonhosas,
mas que não me importei de serem ditas, pois a faziam rir do jeito que eu
tanto adorava. Falando sobre seu trabalho como médica, explicando
sobre a pro issão, deixando minha garota cada vez mais feliz com sua
escolha de carreira.
Naquele momento, eu soube que havia tomado a decisão certa. Que
inalmente, depois de tanto tempo, havia encontrado uma garota que
seria minha eterna companheira.
É .O , .
T , 00:38 AM
E a vigé sima vez que ligo para Jessamine. Estou tentando entrar em
contato com ela há aproximadamente trê s dias, e nunca recebo uma
resposta. Ellen está preocupada, disse que ela mal sai do quarto, mal se
alimenta, nã o dá explicaçõ es. Apenas murmura um “estou bem” e volta a
se isolar. Dominique se encontra no mesmo estado, alegando que quase
arrombou a porta, apenas lhe faltou força. Eu estou preocupado como
jamais iquei. Nã o entendo o que está acontecendo, o porquê de ela nã o
querer se comunicar com ningué m. Tentei até mesmo falar com
Eleanor, sua irmã , mas nã o obtive uma resposta signi icante.
A preocupaçã o martela meu peito conforme envio o que deve ser a
centé sima mensagem de texto. Tı́nhamos uma consulta ontem, poré m
tive que desmarcar eu mesmo, já que a mé dica me ligou por nã o
conseguir contatá -la. Inventei uma desculpa qualquer, alegando que
irı́amos na pró xima. Nã o consigo entender absolutamente nada. Sei que
magoei seus sentimentos de uma forma horrı́vel, mas quero uma
chance para me desculpar e consertar tudo. Nã o imaginei que fosse
receber um balde tã o grande de á gua fria e preocupaçã o.
— Cara, do tanto que estou te vendo puxar seus cabelos, vai acabar
sem — Alex diz, entrando na sala, onde me encontro. Tentei assistir
televisã o para me distrair, poré m todas as minhas tentativas foram
estupidamente falhas.
— Nada que um implante capilar nã o resolva. — Me esforço para
soar o mais leve possı́vel, mesmo sabendo que será em vã o. Ele sabe o
quanto estou preocupado com Jess.
— Ela ainda nã o apareceu?
— Nã o. Nem por mensagens, á udios, ligaçõ es. Apesar de saber que
Jessamine está na casa das meninas, sinto como se nã o soubesse o seu
real paradeiro.
— Porque você nã o sabe. O problema nã o é ela estar lá , é nã o saber
o que está se passando aqui. — Aponta o indicador para a cabeça. — E
aqui. — Apoia a mã o no coraçã o.
— Essa é a parte mais complicada. — Mordo o lá bio inferior para
conter o nervosismo. — Dom nã o te disse absolutamente nada?
— Dominique nã o costuma conversar quando está preocupada. —
Suspira, dando um longo gole na sua cerveja. — O que, inclusive, se
tornou um dos pontos que queremos mudar no nosso relacionamento.
Ela se isola. Pensa e sofre sozinha. Talvez tenha falado com Ellen.
— Parece que estou vivendo uma maldita montanha-russa. Uma
hora, tudo está bem. Na outra, meu mundo cai por á gua abaixo.
— Os melhores relacionamentos sã o assim. — Me entrega um
sorriso reconfortante. — Obvio que manter a estabilidade é
recomendado, mas precisamos de um pouco de drama. Emoçã o. Senã o
as coisas icam monó tonas demais.
— O problema é que estamos lidando com esse drama e emoçã o há
quase um mê s. E ela está grá vida. Precisa tomar certos cuidados. Posso
estar soando cafona, mas quero acompanhar tudo de perto e garantir
que sou um algué m com quem contar. Me sinto um merda nã o podendo
fazer absolutamente nada.
— Você estar se esforçando já é um grande passo, cara. — Ele apoia
a mã o no meu ombro em um gesto carinhoso. — Algumas pessoas
precisam de mais tempo do que as outras. Agora, o que te resta é esp...
Meu telefone começa a tocar antes que ele termine sua frase. No
instante em que pego o aparelho, franzo o cenho ao ver o nome da tela.
Eleanor.
Por que diabos ela está me ligando?
— E a irmã da Jess — informo ao meu amigo, que me encara tã o
confuso quanto eu. Atendo em seguida. — Oi, Elean...
— Você é um merda! — grita do outro lado da linha, provocando-me
um sobressalto. — O maior merda de todos os tempos! Na verdade,
merda é pouco para te de inir!
— Do que você está falando? — questiono confuso pela sua revolta.
Ok, sei que ela me odeia, mas por qual motivo me ligou apenas para
depositar sua raiva?
— Minha irmã merece alguém melhor! Meu sobrinho merece um pai
melhor! — continua gritando. — Olha, Brenton, se você não quer nada
com ela, apenas diga! Não ique a deixando depressiva!
— E Trenton — corrijo-a automaticamente. — Sei que me odeia, só
que nã o estou entendendo o motivo dessa ligaçã o.
— Como não entende? Jessamine está no hospital porque você, seu
desgraçado, provocou um episódio depressivo nela!
Nã o faço a menor ideia de como mantenho meu celular em mã os.
Pisco uma, duas, trê s, quatro vezes com força, tentando absorver cada
palavra que acabei de ouvir.
Jessamine.
Hospital.
Episódio depressivo.
É possível todo o seu mundo cair diante dos seus olhos duas vezes?
Resposta: sim.
— Eu... eu nã o... n-nã o en-entendo — gaguejo, me levantando
apressadamente, sem perceber que peguei as chaves e estou andando
até o meu carro. Alexander me segue, tomando posse do banco do
motorista, apenas esperando por ordens. — Como assim, hospital?
Episó dio depressivo? Ela... ela estava bem... por que você me diz isso
como se nã o fosse nada?
— Ah... merda. Ela não te contou. — Ouço um suspiro pesado
escapando da sua boca. — Porra, Jess!
— Nã o me contou o quê ? — digo com a voz pesada, sé ria. Engolindo
em seco por dentro, tremendo de medo, mas nã o rebaixando a postura.
— Pelo amor de Deus, Eleanor! Eu sei que você me odeia. Eu nã o te
culpo por me odiar. Mas, por favor, seja lá o que for, me fale. A vida do
meu ilho també m está em jogo. Pode nã o gostar de mim o quanto
quiser, mas, no fundo, sabe que tenho o direito de saber de algo. A vida
deles també m me diz respeito.
Ela suspira pesadamente, antes de enfatizar uma ú nica palavra que
mudaria tudo:
— A Jess é bipolar, Trenton. E não está tomando seus remédios da
maneira adequada.
“T
,
.”
(A B )
Me lembro exatamente do dia em que me dei conta de que
Jessamine é bipolar.
Na verdade, nã o foi um dia em especı́ ico. Era um episó dio, como
sã o chamadas suas crises. Eramos pequenas. Bom, eu era pequena,
tendo em vista que nossa diferença de idade é de cinco anos, algo que
pesou muito na é poca. Tinha oito, ela treze. Jess chegou em casa
chorando, alegando que seus colegas de classe – os maiores escrotos
que já tive o desprazer de conhecer – estavam zoando com sua cara,
dizendo palavras ofensivas, de baixo calã o.
Nossa mã e pode nã o ser a melhor do mundo, mas tentou ajudar,
mesmo sendo em vã o. Ela se trancou no seu pró prio quarto por dias. Só
saı́a para ir à cozinha, pegar um pacote de salgadinhos e voltar. Nã o me
deixava entrar por nada no mundo. Quando me aproximava da porta, a
ouvia gritar: “Saia da merda do meu quarto, Eleanor! Me deixe em paz,
caralho!”. Santo Cristo, ela falava muitos palavrõ es durante esse
perı́odo.
Nã o entendı́amos o que estava acontecendo. Nossos pais achavam
que era drama, coisa adolescente, mas eu sabia que tinha algo mais
profundo. Minha irmã nã o era assim. Ela era uma garota doce, gentil,
animada e tagarela. Nã o grosseira e com uma boca cheia de palavras
sujas. O á pice foi quando se passaram dois dias sem sua saı́da
costumeira para comer. Papai arrombou a porta e a encontramos
dormindo. Ou melhor, sedada, pois na sua mã o havia um frasco de
remé dios para dormir.
Aquele foi um dos dias em que mais chorei na minha vida. Ver
minha irmã sendo levada por uma ambulâ ncia, fraca, quase sem sinais
vitais, me fez querer morrer no mesmo instante. Porque ela era minha
outra metade. Pensava “o que vai ser de mim sem ela?”. Depois que
Jessamine passa pela sua vida, você nã o se imagina sem a sua
companhia.
No momento em que chegamos no hospital, ela teve de fazer uma
lavagem para retirar a medicaçã o do estô mago. E, quando acordou, nã o
se lembrava de absolutamente nada. Nossos pais acharam que era
mentira para se acobertar, poré m eu via nos seus olhos o quanto Jess
estava assustada, apavorada, sem entender o que estava acontecendo.
Entã o, o doutor Jordan, o homem que nunca esqueci o nome, já que
ainda me sinto extremamente grata, a encaminhou para a ala
psiquiá trica. No dia seguinte, descobrimos qual o problema: minha
irmã mais velha era bipolar.
Ficamos todos confusos. De onde havia surgido? Era hereditário? Foi
desenvolvido? Ou Jess era apenas azarada? Como um estalo na cabeça,
nosso pai se lembrou de que seu pai possuı́a a doença. Mas, como nã o a
desenvolveu, essa hipó tese nunca se passou pela sua mente. Naquele
dia, amaldiçoei meu avô com todas as letras por ter deixado minha irmã
“quebrada”. Errado, eu sei, só era o meu jeito criança de pensar.
Com o passar do tempo, aprendemos a lidar com a condiçã o. Jess
tinha muitos episó dios, ora manı́acos, ora depressivos em grande parte
do tempo. Meus pais nã o sabiam muito bem como lidar com eles. Na
verdade, acredito que ambos nã o possuı́am muita paciê ncia. Hoje em
dia, acredito que esse foi um dos motivos que levou nossa mã e a
desenvolver uma espé cie de rancor por ela. Cuidar de uma ilha bipolar
nã o é fá cil. Ela nã o queria comprar esse “pacote”. Sendo assim, me
encarreguei de cuidar do seu bem-estar. Nas demais crises, era por mim
quem ela chamava. Papai e mamã e nã o podiam entrar no quarto,
apenas eu. E quando minha vida foi por á gua abaixo, ela esteve lá por
mim. Mesmo nos piores momentos. Mesmo quando o mundo caı́a
diante dos seus olhos, minha sis abandonou suas tristezas para cuidar
de mim.
E é por isso que estou aqui, embarcando no aviã o apó s telefonar
para Trenton, agradecendo pelo voo nã o ser longo. Christopher está do
meu lado, com os dedos entrelaçados aos meus, itando-me com seu
olhar de: “Eu sei que você está mal, mas vou esperar me dizer algo porque
não quero te incomodar”.
— Nã o consigo mais sentir raiva do Trenton — bufo, brincando com
o nó dos seus dedos. — Ainda acho ele um babaca. Mas ele... ele
simplesmente nã o sabia. Nã o sabia que minha irmã é bipolar. Nã o sabia
como cuidar dela. Nã o que Jessamine precise de cuidado especial, sei
que pode se virar sozinha e ser independente, mas porra, ela está
grá vida. Cheia de hormô nios que mexem com a cabeça. Tomando
remé dios que mexem com esses hormô nios e deixando os que lidam
com suas emoçõ es de lado. Estou tã o confusa. Nã o sei o que sentir.
— Você pode sentir o que quiser, minha linda. — Ele faz um carinho
na minha bochecha, arrancando-me um sorriso bobo. — Raiva, tristeza,
fú ria. Bom, raiva e fú ria sã o parecidas, mas nã o deixam de ser um
direito. E uma situaçã o complicada, envolve muitos sentimentos e
emoçõ es.
— Qual a sua opiniã o sobre tudo isso? E seja sincero. — Cerro meus
olhos em um tom zombeteiro. — Nã o diga apenas o que acha que vai
me agradar.
— Eu nã o sou esse tipo de cara. — Dá uma risadinha, ajeitando a
postura antes de começar a falar. — Nã o sei ao certo, El. De verdade.
Achei uma atitude injusta da parte de sua irmã esconder esse segredo.
A inal, Trenton é o pai do bebê . Como futura mé dica, você sabe o quanto
doenças mentais podem afetar uma gravidez, principalmente esses
episó dios. Se ele soubesse, teria uma noçã o maior do que fazer nessa
situaçã o.
— Isso nã o anula o fato de que ele é um baba...
— Shhh... Que ele é um babaca, já sei. — Ri, depositando o dedo no
meu lá bio para me calar. — E tem razã o. Nada justi ica suas atitudes,
poré m pense comigo: se coloque no lugar dele. Imagine sua vida
virando do avesso em questã o de dias. E normal nos apavorarmos.
Mesmo nã o concordando com as atitudes, consigo compreendê -las.
— Entã o, se eu engravidasse, você iria surtar e ser um babaca
comigo?
— Eleanor... pare de entrar na defensiva e usar palavras contra mim.
— E a sua vez de cerrar os olhos, mas sua voz nã o está carregada de
bronca. Uma das coisas que mais amo em Christopher é a sua
capacidade de tornar qualquer conversa leve e com um clima agradá vel,
mesmo sendo um assunto difı́cil.
— Só queria te provocar um pouquinho. — Mostro a lı́ngua.
— Gosto de ser provocado de outro jeito. — Pisca descaradamente.
— Voltando ao assunto: pense que, agora, ele sabe a verdade. E vai
ajudá -la a se recuperar. E nó s també m estaremos lá , certo? Nã o me
importo em icar por dias, semanas. Sua famı́lia també m é a minha.
— Deus, o que eu iz pra te merecer? — Sorrio, apoiando a cabeça
no seu ombro, suspirando o perfume delicioso e familiar que invade
minhas narinas. — Obrigada, Chris. Você me faz pensar com mais
sanidade.
— Esse é o meu papel no mundo. — Deposita um beijo na minha
testa, acariciando meus cabelos. — Mas falando sé rio, linda. Tente nã o
se intrometer no relacionamento deles. Ela é sua irmã , sei que o
instinto protetivo fala mais alto, só que ambos precisam se acertar sem
ter uma doidinha xingando horrores e tentando socar as pessoas.
— Promete segurar minha mã o e me impedir de fazer besteiras?
— Prometo. Ah, e só para constar: se você engravidasse, eu te daria
todo apoio do mundo, do começo ao im. Como sou completamente
apaixonado por você , acredito que adiaria o meu pedido de casamento.
Comprarı́amos um apartamento, porque saberia que minha namorada,
ou melhor, noiva, tem pavor de casas grandes, entã o seria a melhor
escolha. Irı́amos pintar o quarto de amarelo porque você odeia rosa e
acha azul uma cor estranha. E serı́amos assim... felizes. Sendo apenas
nó s trê s, e nã o dois. Esse parece o plano perfeito para mim.
— Eu te amo tanto, Chris — dig9 emocionada, abraçando seu corpo,
enchendo sua bochecha de beijos. — Obrigada por tudo. Me parece o
plano perfeito, mas só para daqui alguns anos, ok?
Ele dá uma risadinha, beijando o topo da minha testa.
— Eu també m te amo, El. Agora descanse, em breve precisamos
gastar nossas energias.
Respirando fundo, me ajeito em seu ombro da maneira mais
confortá vel possı́vel. Em algumas horas, estarei cara a cara com minha
irmã que está doente e seu... o pai do seu ilho.
Estou decidida a ter uma conversa calma e respeitosa com Trenton.
Pois, apesar de concordar com todas as palavras de Chris, ainda tenho o
direito de saber que ele é o cara certo. Que é o homem merecedor de
todo amor da pessoa mais bondosa que já tive a honra de conhecer. Ele
nã o sabe, mas, quando o primeiro episó dio depressivo acontece, tende
a se tornar mais comum no caso de Jess. E nã o posso voltar para casa
sem ter a certeza de que ela icará bem.
“P , .
E .”
(A B )
.”
(A B )
— Ela ainda nã o acordou — Eleanor diz apó s sair do quarto, por
incrı́vel que pareça, sentando-se ao meu lado. — Dormiu a noite inteira,
mas ainda deve estar muito cansada.
— Certo. — Solto o ar pesadamente, ajeitando a postura. Essas
cadeiras de hospitais sã o mais desconfortá veis do que aparentam. —
Obrigado por me avisar, vou continuar aqui.
— Você passou mesmo a noite inteira aqui? Tipo... o tempo todo?
— Claro. — Faço careta pelo modo como ela está incré dula. — Por
que nã o passaria?
— Sem querer ofender, pois sei que o nome dela está no seu plano
de saú de, mas as cadeiras desse lugar sã o horrı́veis. Duras feito pau. —
Olha-as com desdé m, arrancando-me uma risada. — Estou falando
sé rio!
— Eu sei disso. — Rio, percebendo que, desde sua chegada, El nã o
abriu a boca para me xingar. Na verdade, nã o abriu para me dizer nada.
— Mas nã o vou sair daqui enquanto nã o ver Jess e levá -la para casa.
— Você sabe que Jessamine está realmente apaixonada, nã o é ? —
Ergue apenas uma sobrancelha, lançando um olhar de preocupaçã o. —
Nã o só pelo bebê . Obvio, isso é um acré scimo, mas escuto seu nome
saindo da boca dela há muito tempo.
— Eu sei — repito minhas palavras, segurando-me para nã o morder
o lá bio inferior. Tocar nesse assunto com sua irmã é estranho. —
També m estou tentando me apaixonar.
— Esse é o problema. Tentar pode nã o ser o su iciente.
Francamente, Trenton, nã o quero ver minha irmã doente por um amor
nã o correspondido. Ela nã o tem idade e muito menos condiçõ es para
isso.
— Quem tem de tomar essa decisã o é ela. — Tento soar o mais
gentil possı́vel, apreciando sua preocupaçã o. — Nã o tenho a intençã o
de machucar seu coraçã o. Faço besteiras. Escolho palavras erradas.
Mas, pelo menos, estou tentando. Eu nã o sabia sobre a bipolaridade. —
Ela abre a boca para dizer algo, poré m logo a interrompo, pressupondo
mentalmente o que seja. — E nã o, eu nã o a trataria e nã o vou tratar
como uma pessoa doente. Sem querer ofender, mas você nã o me
conhece. Nã o sabe quem sou. Nã o sabe o inferno que passei pela minha
vida há meses. De repente, em uma noite, tudo virou de cabeça para
baixo. Um babaca qualquer fugiria. Negaria o pró prio ilho, se mudaria
e esqueceria o assunto. Nã o que eu esteja querendo tirar algum mé rito,
mas estou aqui. E nã o pretendo ir para lugar nenhum. Se ela nã o quiser
se envolver comigo romanticamente, tudo bem. Ainda estarei aqui.
Pronto para dar todo o suporte necessá rio. Seja com amor, ou apenas
com ajuda. Ou com os dois. Tudo o que for preciso.
— Está icando cada vez mais difı́cil continuar te odiando. — Me
entrega um sorriso triste. — Jessamine nã o é só minha irmã . E minha
melhor amiga. A ú nica pessoa que icou do meu lado quando o meu
mundo virou do avesso. Quando descobri que ela nã o tinha te contado,
iquei com raiva. Muita raiva. Porque pensava: “Como esse desgraçado
pode agir assim com ela, sabendo de tudo?”. Entã o, do nada, recebo uma
ligaçã o onde, nitidamente, ningué m sabia de nada. Ningué m sabia que
ela havia parado com a medicaçã o. Eu nã o sabia. Porra, Jess pô s sua
vida em risco! E nã o só a dela! Pensei que fosse quebrar a merda do
aviã o em mil pedaços. Mas cheguei aqui, a vi deitada em uma cama,
presa em vá rios ios e... nossa, palavras nã o sã o capazes de descrever o
meu alı́vio. Porque o meu maior medo era chegar aqui e nã o encontrar
ningué m. Só que você estava aqui. E Dominique, Alexander, Ellen,
Bryan.
— Sua irmã tem um time inteiro para contar. — Apoio uma mã o em
seu ombro para tentar lhe passar conforto. A vulnerabilidade vinda de
terceiros ainda me assusta. — Sempre terá . Nó s somos assim, uma
famı́lia. Problemá ticos, estranhos, um pouco quebrados, mas nos
amamos e fazemos funcionar.
— Meu maior medo sempre foi me mudar, deixando-a sozinha por
consequê ncia. Ela passou muitos anos se sentindo só , mesmo comigo
ao seu lado, tentando provar o contrá rio. Jess merece uma vida rodeada
de amor, Trenton. Por favor, estou te pedindo, dê isso para ela. Nã o
costumo pedir coisas. Odeio, para ser sincera. Poré m, agora você sabe.
Sabe que deve ajudá -la a se sobressair.
— Eu prometo, El, que irei fazer tudo o que estiver ao meu alcance
para dar essa vida a Jessamine — falo olhando bem fundo nos seus
olhos, realizando duas promessas. Tanto para a garota que está na
minha frente, quanto a mim mesmo. — Ela é uma mulher incrı́vel.
Forte, determinada, ú nica. Nã o sã o todas as pessoas que possuem um
coraçã o tã o puro. Quando você voltar a nos visitar, estarei aqui. No
nascimento do nosso ilho, continuarei aqui. Em jantares de Natal, Ano-
Novo, aniversá rios. Acho bom tentar parar de me odiar.
Ela solta uma risada alta, dando um empurrã ozinho amigá vel no
meu ombro.
— Tentar é para os fracos. Vou conseguir. Sou uma futura mé dica,
terei de lidar com pacientes que irei odiar. Posso lidar com nossa
convivê ncia.
— Entã o acredito que izemos as pazes. Toca aqui?
— Nã o, isso é coisa de criança! — Ri, mas acaba se rendendo,
esticando a mã o para bater na minha. — Nã o vamos tornar isso uma
tradiçã o.
— Talvez iremos sim.
— En im, preciso voltar para o hotel. Tomar um banho, comer
alguma coisa, me sentir viva — grunhe, pegando sua bolsa. — Pode
icar no quarto, já avisei as enfermeiras. Volto mais tarde. Qualquer
coisa me ligue.
— Pode deixar, cunhada.
— Sem exageros, Trenton!
— Ok, passei do limite! — Levanto as mã os em redençã o. — E bom
te ouvir pronunciando meu nome do jeito certo.
— Nã o se gabe, ainda posso voltar a te chamar de Brenton.
Rolo os olhos apó s ouvir suas palavras, ainda rindo. Acalmo meus
â nimos antes de me levantar e caminhar até o quarto de Jess, temeroso
com o rumo que nossa conversa pode tomar. Mantenho a postura
enquanto entro no cô modo, quase soltando um suspiro aliviado ao vê -la
acordada. Ela me parece... está vel, na medida no possı́vel. Deve ter
acordado há alguns minutos, já que seus olhos continuam levemente
inchados. Ao me ver, um sorriso mı́nimo domina seus lá bios, se
contagiando até mim.
Aproximo-me, sentando na cadeira ao lado.
— Oi.
— Oi — repete meu cumprimento, provavelmente tã o nervosa
quanto eu. — Hum... nã o faço a menor ideia de como começar essa
conversa. Porque vamos ter uma conversa, né ? Daquelas longas,
dolorosas, tristes. Nã o queria icar triste.
— Entã o nã o ique. — Procuro pela sua mã o, segurando-a
cuidadosamente. — Nã o precisamos falar sobre coisas tristes. A ú nica
coisa que te peço é para me contar a verdade.
— Esse é o problema. A verdade envolve coisas tristes e dolorosas.
Quer que eu comece por onde? Infâ ncia? Diagnó sticos? Outros
episó dios.
— Nã o, Jess. Nã o quero nada disso agora — declaro com irmeza. —
Meu ú ltimo desejo é te deixar desconfortá vel. Quero descobrir sobre
esses detalhes, mas com o passar do tempo e quando você se sentir
bem. Só gostaria de entender o porquê de ter escondido e parado com a
medicaçã o.
— Ah, essa é a pergunta mais simples de todas. — Solta uma risada
sarcá stica antes de começar a se explicar. — Eu nunca quis que as
pessoas gostassem de mim por pena. Por ser a pobre coitada doente da
cabeça. Esse foi o olhar que recebi por anos. Na escola, na minha antiga
faculdade, até mesmo em casa. Porque, inevitavelmente, tinha de contar
para as pessoas do meu ciclo, para evitar que os episó dios
acontecessem. Era sempre a mesma coisa. Meus “amigos” — faz aspas
com os dedos — falavam comigo por pena. Os remé dios me deixavam
agitada, sem sono, absorta antes de começarem a fazer efeito. Quando
me mudei para cá , iria começar com a medicaçã o, mas entã o... entã o
conheci você s. Por um momento, senti que poderia ser uma pessoa
normal. Que nã o precisaria depender de drogas, porque, pela primeira
vez na vida, tive pessoas ao meu redor que nã o sabiam nada ao meu
respeito, e me faziam bem. Pensei que havia conseguindo me
autocontrolar de alguma forma milagrosa. Poré m, como sempre, estava
muito enganada. A inal, uma hora ou outra, o pior viria a acontecer. Nã o
sei com que cara vou olhar para Dominique e pedir desculpas. Preciso
fazer isso com todos você s. E nã o sei descrever em palavras o quanto
me sinto envergonhada por deixar a situaçã o sair do controle. Eu nã o...
eu nã o sabia o que es-estava fazendo — gagueja chorosa, puxando suas
pernas para pró ximo do peito, abraçando-as. — Me desculpe, Trenton.
Me desculpe por fazer esse estrago na sua vida...
— Ei, nã o diga um absurdo desses. — Sem pensar duas vezes, me
ponho ao seu lado na cama, trazendo-a para o meu peito, envolvendo
seu corpo trê mulo em um abraço delicado e apertado ao mesmo tempo.
— Você pode ter feito qualquer coisa, menos ter estragado a minha
vida.
— Nã o queria que você se sentisse preso a mim por conta do bebê .
E menos ainda por conta da bipolaridade. No começo, nã o queria dar
seguimento a gravidez por medo do nosso ilho també m ser assim. Nã o
é fá cil conviver com isso. E difı́cil pra cacete, principalmente para as
pessoas ao meu redor. Mesmo com medicaçã o, os episó dios podem
tornar a acontecer. Se você quiser pular fora, eu entendo...
— Jamais faria isso — interrompo-a mais uma vez, afagando os ios
de cabelo macios. — Nã o vou a lugar nenhum. Fiquei chateado por nã o
ter me contado, algumas coisas poderiam ter sido diferentes, mas nã o
vou te culpar. Me desculpe pelo que aconteceu, eu só ... é difı́cil para mim
ainda. Estou tentando, mas també m sou uma pessoa falha. Vou errar,
fracassar, temos um longo caminho pela frente. Entretanto, farei tudo o
que estiver ao meu alcance para que isso nã o se repita. Nã o somente
pela bipolaridade, por nó s. Quero fazer dar certo. Estou disposto a fazer
dar certo. A ú nica coisa que preciso saber é se você ainda me quer.
— Seria possı́vel nã o querer? — Ri fraco, ajeitando-se contra o meu
peitoral. — Muito obrigada, Trent. Obrigada por olhar alé m daquilo que
penso ser. Vou melhorar. Falarei com minha mé dica e vamos dar
seguimento ao tratamento correto.
— Estamos nessa juntos, ok? Nã o vou te deixar sozinha. — Trago
sua mã o para meus lá bios, depositando um beijo leve. — Só te peço
uma ú nica coisa: um pouco mais de compreensã o.
— Prometo que irei me esforçar para ser mais compreensiva. —
Sorri, recostando a cabeça contra meu ombro. — Entã o... ainda vamos
tentar? Digo, no sentido româ ntico da coisa. Só para ter certeza de que
estamos falando do mesmo assunto.
— Claro, minha linda. — Ajeito uma mecha de cabelo atrá s da sua
orelha. — Vamos tentar.
— Hum, ok. O que fazemos agora? Nunca cheguei nesse “depois”.
— Agora, esperamos sua alta, acredito que nã o vá demorar muito.
Podemos passar esse tempo conversando. Me conte como está sendo
sua experiê ncia nesse hospital.
— Já estive em piores. — Meneia a cabeça de um lado para o outro,
observando o lugar. — Esse é de primeira linha. Nã o tem baratas
andando pelas paredes nem ratos tentando roubar sua comida.
— E você já foi em um desses?
— Nã o pode imaginar as loucuras que já iz, lindinho.
Rio comigo mesmo ao perceber que ela está certa. Por mais que
tenhamos passado as ú ltimas semanas juntos, sempre ao lado um do
outro, nã o conheço a verdadeira Jessamine. Nã o sei sobre suas histó rias,
loucuras, vivê ncias, amores fracassos. Todavia, estou ansioso para
conhecer todos os seus lados, e me afeiçoar por cada um deles.
“A
.”
(A B )
.”
(A B )
Talvez eu tenha mentido para Trenton quando disse que nã o estava
nervosa sobre essa nossa pequena viagem para conhecer seus pais. Em
minha defesa, nã o foi uma mentira ruim. Apenas estava tentando
transparecer plenitude para nã o o deixar assustado, pois sei o quanto
esse passo será signi icativo. Poré m, conforme percebo que falta apenas
uma hora para chegarmos ao destino, sinto meu estô mago revirar. Creio
que os enjoos de gravidez ocupem oitenta por cento da
responsabilidade, mas os outros vinte sã o totalmente entregues à
minha ansiedade. Nunca conheci os pais de ningué m antes. Nem em um
milhã o de anos imaginei que estaria prestes a conhecer uma mulher
que será avó do meu ilho. Na minha cabeça adolescente, jurava que
seguiria os “passos corretos”: Conheceria um cara legal na faculdade.
Namorarı́amos por um bom tempo, e nesse perı́odo conheceria seus
pais. Depois, ele me pediria em casamento, para inalmente
construirmos nossa famı́lia. Só que o destino – e minha falta de
responsabilidade – me izeram pular todas as etapas e partir para a
ú ltima.
Consequências, não é mesmo?
De qualquer forma, é tarde para voltar atrá s. E nem quero. Respiro
fundo pela dé cima vez, concentrando-me para nã o vomitar enquanto
ele dirige, falando sobre algum assunto o quanto nã o estou prestando
muita atençã o, pois meu foco é nã o vomitar.
“Não vomite”, repito para mim mesma.
Você já o fez três vezes. Se izer mais uma, ele vai icar preocupado.
Apenas relaxe. Trenton tem uma família normal, e não perturbada
como a sua.
— Jess, está tudo bem? — Seu tom calmo me traz de volta a
realidade. — Estou falando com você há uns trê s minutos, e nã o te vejo
tirar os olhos do painel.
Preciso balançar a cabeça para recobrar a sanidade.
— Tudo! Só estava pensando um pouco, me desculpe. Pode repetir?
— Pensando no quê ? — questiona curioso, apoiando a mã o na
minha coxa gentilmente. — Me diga o que está te a ligindo.
— Nã o é nada de mais... só me sinto enjoada. Um pouco nervosa por
esse lance de pais, festa de bairro, famı́lias felizes e crianças correndo
por toda parte. — Resolvo ser sincera. Se teve uma coisa que aprendi
nos ú ltimos meses, foi que mentiras nã o nos levam para lugar nenhum.
— Nunca tive nenhuma dessas coisas.
— Oh, entendi. Seus pais eram mais caseiros? Do tipo que nã o
gostavam de confraternizar com vizinhos?
Meus pais. Solto uma risada interna ao me lembrar deles. Sempre
considerei nossa relaçã o mais ou menos. Nã o é ramos pró ximos, mas
també m nã o muito distantes. Desde pequena, era considerada como
uma garota independente. Nã o gostava de depender de ambos para
conseguir minhas coisas. Arrumei meu primeiro emprego aos quinze.
Fui pulando de restaurantes em lojas dos mais variados tipos, nã o
posso negar que tenho um currı́culo vasto de experiê ncias. Tanto que,
no meu atual emprego, consigo pegar algumas folgas a mais por ter
trabalhado muito quando cheguei. O apelo de grá vida també m funciona
muito. Minha chefe, Suzanna, é uma senhora rabugenta de sessenta e
cinco anos, que manté m aquela lanchonete apenas por diversã o, já que
nã o precisa disso. E tem mania de contratar mais funcioná rios do que o
necessá rio – o que, na minha opiniã o, é uma desculpa para nã o se sentir
muito sozinha, pois seus ilhos a abandonaram por seu tom amargo –,
entã o por enquanto estou dando sorte, mesmo indo todos os dias e
cumprindo meu turno de seis horas e meia sem falta.
Voltando ao assunto principal: Meus pais nã o sã o pessoas má s. Só ...
só nã o sabem como criar seus ilhos com o que eles precisam: apoio.
Pelo que me lembro, apenas ouvi palavras de conforto deles quando fui
demitida do meu primeiro emprego. Na é poca, achei que sentiam muito
por eu estar triste. Hoje em dia, vejo que era por conta da renda extra.
Mamã e nã o queria ter engravidado tã o jovem. Fui um acidente. O fruto
indesejado de um amor condenado ao fracasso. Meu pai consegue ser
mais esforçado. Eles tentaram de tudo, mas conforme fomos crescendo
e criando independê ncia, meio que nos “deixaram de lado”. Alé m do
mais, minha bipolaridade foi um acré scimo para suas vidas,
principalmente a de minha mã e. Ela nunca soube lidar com o fato de ter
gerado uma ilha mentalmente debilitada. No im, ambos nã o tiveram
um motivo especı́ ico para serem tã o... escrotos. Somente nã o estavam
dispostos a ter ilhos.
Meu amargor cresceu no dia em que a vida de Eleanor mudou por
completo. Quando ela, minha irmã mais nova, vı́tima de um crime
hediondo, cruel e sujo, nã o recebeu nenhum apoio dos pais. Ao invé s
deles lhe apoiarem, garantirem que tudo icaria bem, resolveram
mandá -la para outra cidade. “Recomece sua vida, Eleanor. E tente não
errar mais uma vez”, foram suas ú ltimas palavras no aeroporto. Foi o
meu im. Acredito nunca ter soltado tantos palavrõ es como na noite em
que discutimos o assunto. Consequê ncia: fui expulsa de casa. Poré m,
nã o quis segui-la. El queria um tempo sozinha. Ou seja: vim parar em
Boston, onde minha vida mudou da noite para o dia. O sangue dos
Lanoie está envenenado de azar.
— Eles nã o gostavam de muita coisa. — Forço um sorriso.
Eles não gostavam de nada.
Não deveriam nem gostar de mim.
Tenho meus defeitos. Não posso reclamar tanto. Era tratada pelos
melhores médicos e tomava os melhores remédios que nosso convênio
conseguia pagar.
Mas eles não estiveram lá quando precisei.
Quando El precisou.
E não vão estar quando descobrir que estou grávida...
Porcaria. No momento em que menos espero, a bile sobe com tudo
pela minha garganta. Em um gesto rá pido, consigo alcançar uma sacola
de papel dentre as demais que trouxe para a viagem como garantia,
vomitando com tudo, fechando os olhos ao sentir o ardor me
corroendo.
— Vamos parar um pouco. — Ele recosta o carro no acostamento,
tirando o cinto, acariciando minhas costas gentilmente. — Respire,
minha linda.
— Falar sobre meus pais me deixa um pouco nervosa. — Inspiro e
expiro o ar lentamente, jogando a sacola nojenta fora. — Tá , muito
nervosa. Estar enjoada nã o me ajuda muito a controlar os sentimentos.
— Quer mudar de assunto? Posso te entreter com ó timas piadas.
— Eu te adoro, Trent, mas odeio suas piadas. — Rio fraco, me
livrando do cinto, encostando a cabeça no seu peito. — Me dê um
chiclete e tentarei contar sobre minha famı́lia. Você s precisarã o se
conhecer uma hora ou outra.
— Como quiser, francesa. — Pega um no porta-luvas, entregando-
me em seguida. — E sabor menta.
— Hummm... meu favorito. Obrigada, odeio icar com gosto de
vô mito na boca.
— Pensei que nã o gostasse desse apelido. — Une as sobrancelhas
em descon iança. — Na verdade, achei que odiasse.
— Qual? Francesa?
— Sim. Nas vezes que te chamo assim, nunca a ouço reclamar. Mas
já te vi xingando Alex e Bryan por fazerem o mesmo.
— Gosto de ouvir quando sai da sua boca. — Controlo minhas
emoçõ es para nã o corar. Desde quando iquei tão vulneravelmente
sincera? — E um apelido carinhoso, fofo. Quando sai da boca dos seus
amigos trogloditas, me soa como insulto. Nada contra, gosto de
provocá -los na mesma intensidade.
— Bom saber disso. Irei pedir para eles pararem, agora quero o
apelido só para mim.
— Que tó xico! — brinco, acariciando seus cabelos encaracolados. —
Tem que aprender a dividir.
— Até poderia, poré m recuso a oferta. Obrigado.
— Ainda quer saber sobre meus pais de merda?
— Com certeza, francesa. — Usa o apelido mais uma vez, em um tom
provocativo. — Viu só ? Até rimou.
— Vai se ferrar. — Rolo os olhos, rindo. — Pais de merda talvez seja
um termo exagerado. Eles nã o sã o tã o ruins. Quando é ramos crianças,
tudo parecia à s mil maravilhas. Depois do meu diagnó stico, tudo
começou a se complicar. Eu ouvia algumas conversas deles dizendo que
nã o queriam ter ilhos, que eu fui erro, Eleanor també m... era difı́cil. O
tempo foi passando, o amor parecia estar acabando... você nã o faz ideia
do quanto um casal sem amor afeta diretamente seus ilhos. Pelo
menos, no meu caso. Mamã e começou a perder ainda mais a paciê ncia
comigo. Meu pai, o mesmo. Nas minhas crises, Eleanor me confortava
em cerca de noventa e cinco por cento delas. Ambos foram icando
distantes, ausentes. Se esforçavam de vez em quando, poré m tudo
piorou depois de uma coisa, que nã o contarei o que é por ser pessoal da
minha irmã , aconteceu. E ao invé s dela receber carinho, recebeu
palavras de ó dio, culposas, como se ela tivesse feito algo de errado. Ah,
aquilo foi a gota d’á gua para mim. Os dois praticamente a expulsaram
de casa por um “erro” que ela nã o cometeu, entã o decidi ir embora. Já
nã o é ramos uma famı́lia, de qualquer jeito. El partiu para uma cidade
em busca do seu recomeço, nã o quis segui-la, e aqui estou. Em busca do
meu recomeço.
— Entendi. Bom, alguns recomeços sã o necessá rios, certo? — Me
lança um olhar esperançoso, acariciando a lateral do meu rosto. —
Sinto muito que você nã o tenha tido uma famı́lia boa, Jess. Que fosse
boa o su iciente para o seu patamar. Mas veja o lado positivo: tanto você
quanto Eleanor estã o bem. Felizes, eu espero.
— Somos muito felizes — enfatizo com um sorriso tranquilo pelo
seu toque acolhedor. — Nunca precisamos de muitas coisas. Temos a
nó s mesmas. Ela tem o Chris, eu tenho você . E o nosso ilho. Nã o preciso
de mais nada. Estou longe de ser aquela tı́pica ilha carente e
amargurada. Meu ú nico desejo é dar ao nosso bebê tudo o que nunca
tive.
— E prometo fazer de tudo para o seu desejo se tornar realidade. —
Planta um beijo casto na minha testa, afastando-se, tornando a colocar
o cinto. — Podemos seguir o caminho? Ou quer falar mais sobre o
assunto?
— Nã o, estou farta de falar sobre minha vida. Quero conhecer sua
mã e logo, ela deve ser incrı́vel.
— Olha, nã o é porque ela é minha mã e... mas essa é uma das
melhores caracterı́sticas de Esther Grant.
— Entã o vamos logo.
Esse bairro exala uma energia familiar idê ntica à de ilmes
americanos. Imagine comigo: uma rua fechada, mesas postas diante das
casas, carro com som leve, crianças correndo e brincando em pula-
pulas, barracas in lá veis. Adultos conversando, rindo, bebendo cerveja
enquanto observam seus pequenos se divertirem. Os mais variados
tipos de comidas divididos em cada “setor”, como resolvi apelidar. E
como um cená rio hollywoodiano.
Conforme vamos andando, e cumprimentando vá rias pessoas,
percebo o quanto esse foi um bom ambiente para Trenton crescer. As
pessoas sã o simpá ticas, sorridentes. Nã o tem como icar de cara
fechada aqui.
Começamos a nos aproximar ainda mais do seu lar, que ica
exatamente no meio da rua. Sorrio ao ver o quanto a fachada da sua
casa parece ser reconfortante: pintada de um tom bege puxado para o
marrom, dois andares, acredito ser a maior de todo o bairro,
transmitindo aquela energia de famı́lia. Sua mã e, Esther, está postada
em sua mesa, servindo alguns convidados. No momento que seu olhar
recai sobre nó s dois, congelo. Entretanto, o grande sorriso que
preenche seus lá bios me faz soltar um suspiro internamente aliviado.
— Estava pensando que você s dois haviam me dado um bolo! —
Sorri, abrindo seus braços para abraçar o ilho. — Me segurei para nã o
te ligar. Fiquei preocupada.
— A Jess passou um pouco mal no caminho, resolvemos parar para
ela respirar um pouco.
— Assumo toda a culpa. — Levanto as mã os em forma de redençã o,
brincando, tentando ser comunicativa e nã o tı́mida. — Nã o imaginei
que viajar de carro fosse me deixar tã o enjoada.
— Nã o tem problema, querida! Eu estava doida para te conhecer.
Venha cá . — Ela me puxa para um abraço apertado. Reconfortante,
transmitindo aquela energia de mã e. — Como você é bonita!
Exatamente como Trenton descreveu.
— Oh, nã o sabia que ele tinha me descrito para a senhora. — Olho
para ele com uma sobrancelha erguida.
— Senhora nã o, por favor! Me sinto velha. Pode me chamar de
Esther.
— E claro que descrevi. Queria que ela pudesse te imaginar antes de
ver. — Pisca, dando um beijo leve na minha testa. — Vou cumprimentar
o resto dos vizinhos, ver se acho o pirralho do Christian. Você s icam
bem aqui?
— Claro. Ele está louco para te ver, depois nos encontramos aqui
novamente.
— Até mais, Trent.
Ele sorri para nó s duas antes de sair. Nos sentamos em uma mesa
estilo piquenique, que está com alguns pratos de comida dispostos em
cima dela.
— Talvez eu tenha me empolgado demais na hora de preparar meus
pratos — comenta olhando para eles, servindo-se. — Gosto de cozinhar.
Pode icar à vontade.
— Obrigada. — Me sirvo com uma porçã o de arroz, carne, salada e
alguma coisa que nã o faço ideia do que seja, mas aparenta estar boa
igual ao cheiro. — Você fez algum curso de culiná ria ou algo do tipo?
— Quem me dera ter esse tempo! Meu serviço consome todas as
horas na semana. Consigo aprender durante os dias de folga, assistindo
tutoriais no YouTube. A internet també m salva vidas.
— Concordo plenamente. — Sorrio antes de dar uma garfada na
comida, gemendo com o sabor delicioso. — Uau, o sabor está divino!
Meus parabé ns.
— Obrigada! — Ela sorri gentilmente. — Sã o os pratos favoritos do
Trenton. Sei que ele ainda nã o comeu, muito menos reparou, mas gosto
de fazê -lo se sentir em casa quando vem me visitar.
— Ele adora esse lugar. Durante boa parte do caminho icou me
falando sobre sua infâ ncia, vizinhos, colegas. Me parece ser um bom
lugar para se morar.
— Tivemos muita sorte. Na verdade, nã o sei se “sorte” seria a
palavra certa, porque batalhei como nunca para conquistar o que temos
hoje, entã o acho que mereço um pouco de cré dito. De qualquer forma,
adoro essa cidade. E tudo tã o familiar.
— Você s me passam essa sensaçã o de famı́lia — digo enquanto
observo as demais pessoas ao nosso redor. Casais juntos, curtindo com
amigos, ilhos. Crianças correndo para todos os lados. Grupos de idosos
conversando. Uma comunidade perfeita. — Parece até que estou vendo
um ilme da Net lix.
Esther solta uma risada alta.
— O pior é que parece mesmo. Mas me conte mais sobre você !
Quando Trent me disse que estava saindo com uma pessoa nova, quis
pular de alegria. Imagino que saiba sobre...
— Sobre a Emery. — Minha fala sai em um tom mais cortante do
que o esperado. Gatilho dos infernos. — Sim, já ouvi falar.
Ela parece notar minha amargura.
— Me desculpe, nã o sabia que nã o gostava de falar sobre esse
assunto...
— Nã o, nã o! — interrompo-a, sentindo o arrependimento pesar na
cabeça. — Eu é quem te peço desculpas. Só ... é difı́cil, entende? Eu
nunca quis que isso acontecesse. Nã o me arrependo, foi minha decisã o
continuar com a gravidez e quero ter o nosso ilho sem precisar me
preocupar com os fantasmas do passado. Pode soar egoı́sta, mesquinho,
mas nunca fui tã o sincera. Meu maior medo era Trenton estar comigo
apenas pelo bebê . Nã o por mim. Nã o por gostar de mim. Já vi casais
acreditando que uma criança poderia sustentar um amor. Spoiler: ela
nã o pode. Nada pode. Estamos em uma espé cie de recomeço depois de
algumas coisas darem errado. Mas toda vez que ouço o nome dela, que
penso nela, que penso que ele está pensando nela... Deus, minha cabeça
para. Todo meu corpo para. E ridı́culo, sei muito bem...
— Jess, se acalme. — Apoia a mã o em meu ombro delicadamente.
Quando pisco os olhos rapidamente, percebo que cumpri com minha
mania autodestrutiva: falar tudo o que penso quando me sinto nervosa.
— Está tudo bem. Nã o queria te deixar dessa forma.
— O problema nã o é você . Literalmente, sou eu. — Entrego um riso
triste, baixando o olhar. — Falo muito quando ico nervosa. Nã o quis te
deixar assustada ou preocupada.
— E nã o deixou. Ok, talvez um pouco preocupada, mas nã o
assustada. Gosto de pessoas que falam o que sentem.
— Esses hormô nios estã o me deixando maluca. E meus remé dios
para... para uma coisa que preciso tratar. — Por um breve momento,
penso em contar a verdade sobre meu transtorno. Poré m, ainda nã o me
sinto con iante o su iciente para tocar no assunto.
Por sorte, a mulher ignora as ú ltimas palavras.
— Grá vidas sã o assim. Me lembro de nã o conseguir parar de chorar
por nada nesse mundo. Chorava por nã o conseguir almoçar no meu
restaurante favorito, chorava quando nã o conseguia atender um
paciente. Caramba, eu chorei até quando um residente nã o entregou o
exame de urina no horá rio correto! — Ri, e o som da sua risada me
contagiou. — E uma fase difı́cil. Ardua, complicada. Mas você s estã o
indo bem. E nã o querer pensar em Eme... naquela pessoa — corrige
automaticamente, fazendo-me sentir grata por esse pequeno feito — é
completamente normal.
— Me sinto culpada por carregar esse sentimento. Nã o sei se raiva,
ciú mes seriam as palavras certas, porque nunca a conheci. Todos falam
que era uma pessoa boa, e nã o duvido disso. Apenas quero ser o
presente e o futuro, sem precisar me preocupar com o passado. Ao
mesmo tempo, queria ser aquela pessoa que o apoiaria nos momentos
difı́ceis.
— Esse nã o é o seu papel — declara com irmeza. — Está longe de
ser, querida. Como mã e, entendo perfeitamente o lado de Trenton. Foi o
primeiro amor dele. A primeira garota que me conheceu, que conheceu
nossa famı́lia... e foi uma morte trá gica. Mas eu estou aqui por ele. Os
amigos també m. Se quer um conselho de uma mulher com quase
cinquenta e cinco anos de experiê ncias e vivê ncias é : nã o se machuque
por algo que você nã o está disposta a enfrentar. Você está grá vida.
Provavelmente tem outros problemas da vida para lidar. Ele nã o deve
ser mais um.
— De todos os meus problemas, seu ilho é com certeza o melhor de
todos. — Dou uma risadinha cú mplice. — Ele é incrı́vel, está se
esforçando para ser um bom... namorado, eu acho? Nã o de inimos
ró tulos ainda.
— Ró tulos sã o para adolescentes, adultos apenas juntam as escovas
de dentes. — Pisca, segurando minha mã o. — Tente nã o remoer o
passado. Nunca poderemos voltar atrá s e mudar o que aconteceu.
Devemos seguir em frente e aceitar nosso destino. E o seu destino é me
dar um netinho ou uma netinha para mimar! Estou com saudades de
ter um bebê em casa, chorando com muitas fraldas sujas.
Gargalho com suas palavras.
— Prometo me esforçar para que ele ou ela seja gracioso.
— Nã o precisa. Olhe para o meu ilho, se olhe... você s sã o lindos!
Tomara que tenha a cor dos seus olhos.
— E os cabelos do Trent. Adoro aqueles cachos.
— Uma obra-prima, nã o? Iguais os meus. — Balança os cabelos no
ar, causando-me uma pequena risada feliz. Ela e Trenton sã o muito
parecidos. O tom de pele negro, cabelos escuros, olhos tom de mel.
Esther Grant é uma mulher de tirar o fô lego. — Ele nã o puxou muitas
coisas do pai, felizmente. Apenas porte fı́sico e sexo.
— E que porte fı́sico — falo sozinha. Entretanto, vejo sua risada de
canto de olho, pegando-me no lagra. — Entã o... o que era aquela geleia
vermelha? — Desvio do assunto rapidamente, sentindo as bochechas
corarem.
— Pasta de tomate com tempero e uma pitada leve de alho. —
Ignora meu breve comentá rio com um olhar de parceria. Ainda bem. —
Uma das minhas especialidades. Venha, vou te mostrar o resto das
barracas. — Nos levantamos, prestes a caminhar. Entretanto, quando
levanto, seus olhos se arregalam como duas bolas de cristal. —
Jessamine... você está sangrando?
— O quê ? — Recaio meu olhar para o seu, congelando no mesmo
instante.
Estou usando um vestido bege. E, onde eu estava sentada, há uma
mancha de sangue. Pequena, mas está lá . Sinto-o escorrer levemente
pelas minhas pernas. Meu coraçã o para, meus pulmõ es imploram por
ar e meus olhos quase saltam para fora dos globos oculares.
Não.
Isso não pode estar acontecendo.
Não pode ser o que estou pensando.
— Certo... calma, tudo bem? Muita calma. — Permanece com a voz
tranquila, guiando-me para a sua casa. Estou tã o petri icada pelo
momento, que nã o consigo nem ao menos responder. — Vamos ao
hospital, mas sangramentos pequenos acontecem em algumas
gestaçõ es.
— Algumas... — As palavras saem em sussurro marejado pelas
minhas lá grimas. — Nã o pode ser o que estou pensando, Esther. Eu
nã o... eu nã o posso...
— Respire fundo, Jess. Comigo. Um, dois, respire...
Tento seguir seus passos, mas simplesmente nã o consigo. Sinto meu
corpo icar fraco, minha cabeça pesar e a visã o icar escura. Mil e um
pensamentos circundam minha cabeça ao sentir minha calcinha suja, ao
me sentar no banco de trá s e me perguntar onde está Trenton, onde
está o pai do meu ilho quando mais preciso da sua ajuda. Por que
diabos isso está acontecendo comigo? O que iz de errado? Qual remédio
tomei na hora errada? Se essas são as consequências de ter mentido no
começo da gravidez? Se são as consequências pelas merdas que iz no
passado? Só nã o consigo questionar em voz alta. O estado de choque me
engole.
Me engole tanto que, quando menos percebo, estou apagada
enquanto o carro se manté m em movimento.
E nã o sei se quero lidar com a realidade quando acordar.
“P
?”
(A B )
— Pode icar à vontade. Por favor, nã o repare nas minhas fotos de
criança. Estã o todas lindas demais para serem apreciadas — ironizo
apó s abrir a porta, agradecendo aos cé us por esse lugar estar
arrumado.
— Ah, pode apostar que o que eu mais vou fazer é reparar nessas
fotos! — Ela ignora completamente meu comentá rio, pegando o
primeiro quadro que vê à sua frente: nele, estou sentado no colo da
minha mã e, segurando nosso falecido cachorro, com ela beijando minha
bochecha. — Own, que gracinha! Esse era o seu cachorrinho? Bobby?
— Que memó ria boa. — Ergo as sobrancelhas, nitidamente
impressionado. Apenas o mencionei uma vez, em um de nossos
pequenos encontros. — Sim, o pró prio.
— Guardo algumas coisas com mais facilidade. Apenas nã o conte
comigo para aniversá rios. — Sorri, pegando outro e se sentando na
cama – que, para minha sorte, é de casal. Nessa foto, me encontro
sentado na primeira bicicleta que ganhei. — Você parecia ser uma
criança muito feliz.
— Tive uma infâ ncia boa.
— Deu para perceber.
— En im, como você está , linda? — Prendo uma mecha de cabelo
atrá s da sua orelha, analisando cada detalhe do seu rosto. A meu ver,
Jess parece melhor. Mais leve. Calma, tranquila. — Está sentindo alguma
dor? Alguma vontade? Li que grá vidas sentem desejos constantes.
Estou esperando pelo seu.
— Esse foi o presente mais ú til que já te deram em tempos. Me
lembre de agradecer o Bryan depois. — Dá uma risadinha, deitando-se
na cama. — Estou bem, eu acho. Ainda um pouco assustada, mas o
calmante que me deram foi bom. Nã o um dos melhores que já tomei,
mas serviu de algo.
— Um dos melhores? Desculpe, francesa, mas você nã o tem cara de
que usufrui desse tipo de medicamento.
— Ah, sã o meus favoritos. Principalmente quando tenho crises.
Preciso segurar para nã o abrir a boca. A bipolaridade nem se passou
pela minha cabeça.
— Me desculpe, eu nã o me lembrei da...
— Ei, nã o tem problema. — Segura minha mã o em um gesto
carinhoso, trazendo-me para perto, deitando no meu peito. — Eu meio
que gosto disso.
— Do quê ?
— De você nã o se lembrar.
— E por que você gosta? Me parece um pouco estranho. Sem
ofensas.
— Porque é bom estar do lado de algué m que nã o mede palavras
para falar comigo. — Suspira, brincando com minha corrente, caindo o
olhar sobre o cruci ixo de ouro. — Que nã o pensa no que dizer, como
dizer, pois tem medo de me afetar de alguma forma. Obvio, nã o sã o
todas as coisas que gosto de ouvir, e algumas sim precisam de cuidado,
poré m é legal ver que você nã o pensa nisso com frequê ncia. Na minha
condiçã o. Já nã o basta ter de conviver com isso todos os dias, seria um
saco ter de te ver todo preocupado sem motivo. O mal de algumas
pessoas é achar que a bipolaridade me faz ser como um caco de vidro.
Que precisa ser delicadamente cuidado, com palavras certas,
meticulosas. Mas nã o. Eu nã o sou assim. Meu maior medo era te contar
e ver seus olhos mudarem. Eu percebo, Trenton. Percebo como algumas
pessoas me olham quando sabem do meu transtorno. Eleanor, por
exemplo, ainda me olha como se pudesse partir no meio a cada minuto.
— Ela é sua irmã , conviveu com você por anos e deve te amar acima
de qualquer coisa. A preocupaçã o deve ser mil vezes maior.
— Eu sei, e aprecio seu cuidado comigo. Só que eu sou a irmã mais
velha. Deveria estar cuidando dela, nã o o contrá rio. E meio chato nã o
poder assumir sua pró pria funçã o na escala familiar.
Meneio a cabeça de um lado para o outro, rindo de suas palavras.
— De qualquer forma, saber sobre a bipolaridade nã o me faz te ver
de outro jeito. Nã o mudou quase nada, para ser sincero. Apenas tomo
mais cuidado com alguns assuntos.
Jessamine parece entender a ê nfase na ú ltima frase.
— Te agradeço por esse esforço. E meio estranho descrever como
me sinto. Sã o dias e dias, entende? Uns sã o ó timos, outros pé ssimos.
Terrı́veis. Meu humor varia da á gua pro vinho em questã o de segundos.
Me sinto exausta sem fazer nada. Pelo menos, tenho a lanchonete para
me distrair.
— Nã o pensa em sair de lá ? Sei lá , procurar algum outro emprego?
— questiono curioso, afagando seus ios castanhos. — Nã o querendo
desmerecer, poré m você tem muito talento na moda para desperdiçar
anotando pedidos e lidando com os adolescentes idiotas que
frequentam aquele lugar.
— Penso todos os dias, para ser sincera — bufa, sustentando o olhar
para me encarar. — Nã o gosto de lá .
— Entã o por que nã o pede demissã o?
— Por que vamos ter um ilho? — retruca como se fosse ó bvio. —
Crianças exigem mais dinheiro do que pensamos. E muita grana, Trent.
Muita mesmo.
— Você sabe que nã o precisa se preocupar com isso. — Franzo o
cenho. — Meu salá rio como treinador é ó timo. Tirando minhas
economias...
— Nã o vou te deixar pagar tudo sozinho. — interrompe-me. — Nem
fodendo. Ele é nosso bebê .
— Tudo bem, tudo bem! — Ergo as mã os em redençã o, sabendo que
nã o ganharei essa discussã o. — Mas assim, supondo que se demita, o
que faria em seguida?
— Investiria na minha pró pria marca — fala sem pensar duas vezes.
— Na verdade, esse era o meu principal motivo de trabalhar naquele
lugar. Estava guardando dinheiro para fazer esse investimento. Mas...
imprevistos acontecem, nã o é mesmo?
— Sim. Eles apenas nã o deveriam ser um empecilho para
conquistar seu sonho— digo sincero. Nã o queria que Jessamine
precisasse abrir mã o do seu maior investimento por conta do nosso
ilho. Ela nã o precisa disso.
— Ei, ainda tenho tempo para realizar essa conquista. Nã o ligo de
adiar. — Dá de ombros, passando a mã o em uma carı́cia pela minha
feiçã o preocupada. — Nã o precisa se preocupar.
— Nã o estou, linda — minto, depositando um beijo na sua testa. —
Apenas quero te ver conquistando todos os seus objetivos, e, se
possı́vel, te ajudar com isso.
— No momento nã o é . Obrigada pelo apoio. — Me rouba um beijo
inesperado, se aninhando contra meu peitoral em seguida. — Podemos
dormir? Esse dia foi exaustivo.
— E coloque exaustivo nisso — brinco para quebrar o clima,
ajeitando-me na cama. — Podemos. Boa noite, Jess.
— Boa noite, Trenton. Obrigada por cuidar de mim.
— Nã o precisa agradecer. Sempre estarei aqui para cuidar de você .
Sorrindo, ela deposita um ú ltimo beijo na lateral do meu maxilar
antes de se acomodar mais uma vez. Ambos caı́mos no sono
rapidamente, cansados pela exaustã o do dia, aliviados pelo pior nã o ter
acontecido.
“U
.”
(A B )
— Por Deus, Jessamine! Por que você não atende a porcaria desse
telefone?! — Eleanor exclama do outro lado da linha.
Quando pego o celular, percebo que essa já era a quinta ligaçã o.
Tudo bem, já sã o duas horas da tarde, eu deveria estar acordada, mas
que diabos ela quer comigo?
— Experimente icar grá vida e enjoada — resmungo, sentando-me
na cama lentamente. — Sabe, me disseram que os enjoos passariam.
Pura bobagem! E claro que eu faria parte do time das grá vidas que
demoram para pararem de enjoar.
— Oh, me desculpe! — Posso imaginá -la batendo na sua pró pria
testa pelo esquecimento. — Eu me esqueço de que você está carregando
o próximo amor da minha vida.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, nã o conseguindo
controlar o sorriso apó s ouvir suas palavras.
Na semana passada, onde tive minha consulta mais recente,
descobrimos que é uma menina. Menina. Minha intuiçã o e de Trenton
nos diziam que era um menino, poré m os planos do destino
conseguiram nos trapacear mais uma vez. Mas eu seria muito hipó crita
se dissesse que nã o amei saber que é uma garotinha. Minha, ou melhor,
nossa garotinha. Trent está nos cé us. Ele nã o cansa de dizer para todos
os seus amigos que teremos uma ilha, já está pensando nas roupinhas,
acessó rios que teremos de comprar. Escolhendo nomes. Chegou mesmo
até a fazer uma lista, onde passamos horas tentando encontrar um que
nos agradasse, sem sucesso até agora. Tudo está indo bem.
Finalmente, depois de meses, sinto que as coisas estã o se
encaixando no rumo que deveriam ser. Somos um bom casal. Nos
gostamos. Fazemos um sexo de tirar o fô lego todos os dias. Mais de uma
vez. Minha vida nã o poderia estar melhor.
Então por que, no fundo, sinto que algo de ruim vai acontecer?
— Nã o tem problema, maninha. Nó s te perdoamos.
— De qualquer forma, precisamos conversar. Assunto sério, então, se
for vomitar, ique perto da privada.
— Nã o me sinto enjoada há um bom tempo, mas vou me prevenir —
digo me levantando da cama apó s me espreguiçar, indo até o banheiro,
sentando-me no chã o pró xima à privada. — Pode falar.
— Eu acho que a nossa mãe sabe que você está grávida.
Meu mundo para por uma fraçã o de segundo. Quando menos
percebo, sinto meus olhos arregalarem, quase saltarem da ó rbita. Como
ela sabe? Como poderia descon iar? Nã o contei para mais ningué m.
Obvio, eu planejava e ainda planejo contar, mas quando me sentir
pronta. E ainda nã o me sinto.
Estou fodida.
— Por que você acha isso? — pergunto com a voz trê mula,
segurando o celular com força. — Alguma razã o especı́ ica? Ela disse
algo?
— Não necessariamente. Mas ela me ligou dizendo que estava com
um pressentimento a seu respeito. Contou que você não atende mais as
ligações e as mensagens são curtas. Ela nos convidou para ir passar o im
de semana lá na próxima semana...
— Nã o. Nem fodendo. — corto-a. — Nã o posso aparecer em casa
com essa barriga de grá vida. Por mais que nã o esteja enorme, nã o
consigo mais esconder com facilidade.
— Jess... não quero que pareça que estou do lado dela, porque nunca
estarei, mas não acha que está na hora de contar a verdade de uma vez?
— Nã o.
Ela bufa.
— Qual é, sis. Uma hora ou outra o assunto viria a calhar. Ela pode
ser uma vaca, só que ainda é nossa genitora. O que pode acontecer de
pior além dela dizer que não irá te dar apoio?
— E... isso é o pior que pode acontecer? — Devolvo o ó bvio. — Olha,
El, eu sei que mamã e errou feio com você . Poré m, ainda sinto aquela
vontade completamente chata de querer deixá -la orgulhosa. De querer
fazer com que ela sinta orgulho de mim. Aparecer com um ilho que
nem sequer foi planejado nã o vai me ajudar.
— Ah, vai se foder! — rosna, provavelmente revirando os olhos. —
Essa foi a merda mais absurda que escutei saindo da sua boca. E nem
tente culpar os hormônios.
— Eleanor...
— Não, Jessamine. Agora você vai me escutar — interrompe-me,
fazendo com que eu cale minha boca no mesmo instante. — Nossa mãe
é uma vaca. Não digo apenas pelo que aconteceu comigo, mas sabemos
que ela é. Você não pode esconder isso até o bebê nascer. Bom, até pode.
Só que eu te conheço e sei que não é sua escolha. Você está com medo.
Medo da rejeição. Medo dela fazer você se sentir sozinha como fazia na
sua infância, quando eu não tinha idade o su iciente para te mostrar que
estava lá.
— Você sempre mostrou, irmã zinha — falo chorosa, misturando
meus hormô nios com gatilhos familiares. — Sempre. Nunca duvidei do
seu amor por mim.
— Ainda não era o su iciente. Por Deus, Jessamine. Você é uma mulher
adulta incrível. Responsável. Que vai ser uma mãe extraordinária. Se ela
ousar discordar, eu estarei lá para discutir.
— Nã o quero te ver brigando com a mamã e por minha causa.
— Nada que nunca tenha feito por mim. Tô falando sério, pense no
assunto.
— Se eu recusar, vai icar ainda mais ó bvio que estou escondendo
algo, nã o é mesmo?
— É. Ela não é boba, muito menos ingênua. Infelizmente. — Soltamos
uma risadinha ao mesmo tempo. — Tome um tempo e decida o que
fazer. Traga o Trenton, vocês dois podem icar aqui comigo e com o Chris
por uns dois dias antes de irmos para o inferno.
— Jura? Nã o iremos incomodar?
— Nunca, sister. Todos precisam de um preparo básico antes de irem
à nossa casa.
— Tudo bem... vou pensar. Obrigada, Eleanor. Por tudo.
— Não agradeça. Eu te amo, nos falamos depois.
— Eu també m te amo. Até .
Em um suspiro pesado, numa tentativa boba de aliviar um pouco do
peso do peito, encerro a ligaçã o. Por sorte, nã o vomitei. Ainda. Levanto-
me lentamente, com medo de sentir a pressã o caindo e caminho até a
cozinha. A casa está vazia, levando em consideraçã o que Trenton saiu
para trabalhar nos treinos, Alexander está com Dominique, e Bryan...
bom, nunca sabemos onde ele está .
Abro a geladeira, pegando um pedaço de melancia e um copo de
á gua. Sento-me no sofá , zapeando pelos canais da televisã o em uma
tentativa de distrair a cabeça, mesmo sabendo que estou fazendo em
vã o. Simplesmente nã o consigo parar de sofrer por antecipaçã o. De
pensar nas mil e uma possibilidades que me cercam. Como será sua
reaçã o? Mamã e irá surtar, com certeza. E me xingar. Ah, como ela vai me
xingar! Talvez na presença de Trenton ela se comporte. Ou nã o. Sejamos
francos: claro que nã o. Ela vai xingá -lo també m. Culpá -lo pelo “estrago”,
nome prová vel que irá dar para o meu ilho. Entretanto, nã o irei
aguentar calada. Sinto-me pronta para discutir. Para enfrentar esse
demô nio.
Falando desse jeito, parece que minha mã e é a pior mulher do
mundo. E nã o é . Ellis Lanoie tentou por muito tempo. Todavia, para ser
sincera, acredito que ela nunca quis ter ilhos. Duas, ainda por cima. E
suas tentativas de ser uma boa mã e apenas a frustraram. Pelo menos,
meu pai poderá apaziguar. Ou manter sua postura de cachorrinho da
dona e icar calado, como no acontecimento de Eleanor. Em suma, tudo
pode acontecer, apenas indo até lá para descobrir.
Quando sinto meu corpo relaxar, quase pegando no sono pelo efeito
do pico de ansiedade ter passado, ouço a porta se fechar bruscamente.
Assustada, sento-me no sofá em um pulo, vendo Bryan andar a passos
pesados até a cozinha. Ele nem ao menos nota a minha presença,
retirando uma garrafa de cerveja do congelador, apenas me olhando
quando se vira para vir até a sala.
— Ah, merda. Me desculpe, Jess. Pensei que estivesse sozinho — diz
com a voz levemente... embargada? Nã o, devo estar icando maluca.
— Sem problemas. — Lhe entrego um sorriso gentil. — Você está
bem?
— Sinceramente? Nã o. — Ele sorri fraco, sentando-se ao meu lado.
— Estou chapado, só para constar.
— E quando você nã o está ? — Rolo os olhos dando uma risadinha,
voltando a atençã o para o rapaz. — Quer me contar o que aconteceu?
— Nã o sei... está disposta a ouvir minhas asneiras que podem ou
nã o fazer sentido.
— Nã o tenho muito o que fazer no momento. — Dou de ombros. —
Trenton está trabalhando e precisarei ter uma longa conversa familiar
quando ele voltar, entã o... sou toda ouvidos.
— Certo. — Bryan suspira pesadamente, apoiando os cotovelos no
joelho, sem me encarar. — O que fazer quando se pega nitidamente
apaixonado por uma pessoa, mas o sentimento nã o é correspondido?
Por essa eu nã o esperava.
— E... acredito nã o ser a melhor para te ajudar nesse quesito. E
basicamente minha histó ria de vida atual.
— Oh, verdade. Me desculpe. — Solta uma risada nervosa. — Mas o
Trent se esforça para corresponder o sentimento, nã o é mesmo? Nã o
como se fosse uma obrigaçã o ou algo do tipo, mas ele tenta porque quer
fazer dar certo.
— Sim, nã o posso negar. O amor é uma via de mã o dupla. Ou as duas
pessoas estã o envolvidas, ou nada funciona. Ningué m deveria amar
sozinho.
— Uau. Isso é tã o... real.
— Pois é , meu amigo. Me pego cada vez melhor em lidar com a
realidade.
— En im, voltando ao meu problema: estou completamente
apaixonado por uma garota. Ela é ... indescritı́vel. Eu poderia passar
horas te falando de cada detalhe a seu respeito. Cada curva que
memorizei. Cada risada, sorriso, conversas sinceras, absolutamente
tudo. Poré m, o sentimento nã o é correspondido. Porque ela nã o pode
me amar.
— Como assim, “não pode te amar”? — Encaro-o sem entender. —
Todos somos capazes de amar.
— Eu sei. Mas é complicado. Nã o posso te contar, porque alé m de
ser algo que nã o me diz respeito, nã o faço ideia do que seja. Apenas sei
que é algo que a impede de fazer tal ato.
— A melhor soluçã o, nesse caso, seria partir para a pró xima. Se ela
nã o pode corresponder o sentimento, encontrará algué m que consiga.
— Esse é o problema: nã o quero parar. Nã o quero me
“desapaixonar”. Pelo simples fato de saber que posso dar o mundo para
ela, se for permitido.
— Nem todas as pessoas querem o mundo. Poré m, se você nã o quer
parar... tente demonstrar com sutileza. Sem grandes gestos exagerados.
Apenas se for do gosto dela, é claro. Faça-a a se sentir segura. Você é um
menino bom, Bryan. De bom coraçã o. Merece algué m que te valorize na
mesma intensidade.
Ele sorri, atento as minhas palavras.
— Obrigado, Jess. Você é uma menina muito sá bia. E boa també m.
— Preciso ser um pouco mais responsá vel, nã o é mesmo? — Apoio
uma das mã os na barriga, indicando minha ilha. — Ela precisará de
mim pelo resto da vida.
— Falando nela, já escolheram o nome?
— Ainda nã o, estamos num impasse dos infernos. Nã o imaginei que
fosse ser tã o difı́cil e divertido escolher um nome. A inal, ele de inirá
tudo. Nomes deveriam ser mais importantes.
— Bom, sugeri Bryanna, mas nã o quis aceitar...
— Bryan! — Des iro um tapa levemente brincalhã o no seu ombro, e
caı́mos na gargalhada. — Nã o vamos homenagear a nossa ilha com seu
nome. Desista, lindinho.
— Uma pena. Ficaria lindo. — Faz um bico exageradamente
tristonho. — Vou subir, te deixar em paz com seus pensamentos. Boa
conversa sobre questõ es familiares com o Trenton.
Faço uma careta ao me lembrar do assunto. Por um momento, havia
me esquecido.
— Obrigada, vou precisar. Nos vemos no jantar.
Meu amigo acena com a cabeça antes de se retirar até seu quarto.
Tento relaxar a cabeça no sofá , balançando incessantemente meus pé s,
pensando em como contar a Trenton que precisaremos fazer uma
viagem familiar, onde contarei toda a verdade a minha mã e, que pode
ou nã o surtar e perder o controle.
.”
(A B )
Meu histó rico com surpresas chega a ser tã o trá gico quanto triste.
Certa vez, no meu aniversá rio de quinze anos, Eleanor resolveu me
presentear com uma festa surpresa, convidando as duas pessoas que eu
considerava como meus amigos e alguns de seus colegas para irem até a
nossa casa. E eu não compareci. E, isso mesmo. Dei o bolo na minha
pró pria festa surpresa, porque simplesmente decidi que seria uma
melhor opçã o passar meus quinze anos em um bar qualquer, usando
minha identidade falsa, lertando com velhos pingados e deixando meu
telefone desligado.
Até hoje, pergunto o porquê iz aquilo. Devia estar triste no dia,
levemente – ou brutalmente – abalada. Aniversá rios nunca foram muito
a minha praia. Na verdade, acho um dia triste. Sem graça, sem propó sito
para tanta comemoraçã o. De qualquer forma, essa foi minha primeira
gafe com surpresas.
Outra vez, meu primeiro namorado, Landon, tentou me
surpreender, levando-me para um jantar especial, sem contar quais
eram os ingredientes do prato. Tinha camarã o. Sou alé rgica a camarã o.
Passamos a noite inteira en iados no hospital, ouvindo mamã e
murmurar mil e um xingamentos, reclamaçõ es, todas as palavras de
baixo calã o por estar perdendo sua noite de sono devido a um descuido
vindo de um rapaz que, supostamente, deveria me conhecer ao ponto
de saber sobre a alergia.
Mas, dessa vez, nã o sinto medo de ser surpreendida. Na verdade, o
que se passa no meu coraçã o é o contrá rio. Mesmo vendada, estou
animadamente curiosa para ver qual é a surpresa de Trenton. Sei que
nã o envolve camarõ es, pois lhe contei sobre minha alergia repetidas
vezes. També m nã o é meu aniversá rio, sendo assim nã o preciso me
preocupar com esse detalhe. Então que diabos deve ser?
— Olha, eu nã o quero ser chata, só que nã o sou uma grande fã de
surpresas — digo apreensiva, ouvindo o barulho de uma porta sendo
aberta. Em seguida, entramos no que parece ser uma espé cie de quarto.
— E essa venda me deixa levemente apreensiva. Você nã o me trouxe
para um abatedouro, né ?
Ele solta uma gargalhada.
— Nã o! Por Deus, Jessamine. Que tipo de cara pensa que sou? Tenho
jeito de assassino?
— Os melhores psicopatas agem como pessoas normais — provoco.
— Boa sorte se tentar me matar. Eleanor te caça até no inferno.
— Nã o sou louco de enfrentar aquele um metro e meio de puro ó dio
no coraçã o.
— Que bom. Porque meu espı́rito con inado també m te caçará .
— Nã o vou te matar, linda. — Sinto a venda sendo retirada dos meus
olhos lentamente. — Apenas quero te manter relaxada antes dos
pró ximos dias que serã o difı́ceis.
Quando abro meus olhos, preciso de alguns segundos para absorver
a visã o que tenho. Esse é o quarto mais bonito que já vi em toda a
minha vida.
Estamos no que deve ser uma pousada, nã o um hotel, já que é
inteiramente revestido com madeira. Possui uma cama branca bem ao
centro do quarto, que me parece ser a mais confortá vel que minhas
costas irã o se deitar algum dia. Ao lado, consigo ver o que parece ser
uma espé cie de ofurô , que inclusive já está cheio, com bolhas de sabã o
borbulhando sobre a á gua.
Conforme caminho, correndo meu olhar curioso por tudo lugar, vou
até a sacada, sentindo o ar escapar de meus pulmõ es mais uma vez com
a vista de um lindo jardim pitoresco, iluminado por algumas luzes
douradas.
— Trenton... esse lugar é incrı́vel — digo em meio a um suspiro de
admiraçã o, andando em sua direçã o. — Nã o tenho outra palavra para
descrevê -lo. Onde você o encontrou?
— Eleanor foi minha grande cú mplice. — Sorri, nos guiando em
direçã o a cama, onde nos deitamos. Nã o consigo deixar de gemer
baixinho com a sensaçã o do colchã o macio. — Disse que queria te fazer
uma surpresa, mas nã o tinha ideia de como executá -la. Entã o, recorri a
pessoa que mais te conhece no mundo, e ela me apresentou esse lugar.
Foi amor à primeira vista.
— Digo o mesmo — murmuro contente, espreguiçando-me. Ao abrir
os olhos, o vejo sorrindo. E o sorriso de Trenton Grant é capaz de fazer
meu coraçã o ir de um a um milhã o sem muito esforço. — Nã o sei
descrever o quanto eu amei esse lugar. E simplesmente...
— Incrı́vel — ele repete minhas palavras, puxando-me para perto.
— Adivinhei?
— Nã o vale! Foi a primeira palavra que usei para descrever.
— Mas era o que ia dizer, certo?
— Sim — admito, rolando os olhos enquanto rio. — Obrigada por
estar se esforçando tanto.
— Nã o diria que é um esforço. — Trent planta um beijo delicado no
meu pescoço. — Faço isso porque você merece, Jess. — Seus lá bios
traçam um caminho delicioso entre meu maxilar, bochecha, ombro,
enquanto ele coloca seu corpo por cima do meu. — Você merece todo o
amor do mundo.
— Trenton, eu...
— Nã o diga nada. — Apoia o polegar no meu lá bio inferior, calando-
me no mesmo instante. — Absolutamente nada. Me deixe expressar o
que nã o consigo te dizer em palavras.
Apenas aceno com a cabeça, e ele toma meus lá bios com os seus.
Nosso beijo é lento, intenso. Como estar descobrindo algo novo. Tem
alguma coisa de diferente no seu toque. Uma coisa que nã o sei ao certo
decifrar o que é . Paixã o. Carinho. Amor. Talvez seja amor.
Talvez, ele esteja tentando demonstrar que está começando a se
apaixonar por mim. Porque os meus sentimentos sã o claros.
Sou perdidamente apaixonada por esse homem. Pelo seu sorriso,
seu jeito delicado de nã o ser um babaca, seus olhos cor de mel
apaixonantes. Tudo nele me envolve como as ondas abraçam a areia do
mar.
Nessa noite, alguma coisa está mudando na nossa atmosfera. Poré m,
nã o quero e nã o pretendo dizer absolutamente nada. Nos ú ltimos
tempos, aprendi que em determinadas situaçõ es, palavras nã o
precisam ser ditas. Um olhar vale mais do que elas. Um toque, uma
carı́cia, uma surpresa.
Sendo assim, fecho meus olhos, me deliciando com suas mã os
percorrendo meu corpo, tentando nã o demonstrar o quanto estou feliz
por ele me fazer sentir absolutamente tudo sem precisar expressar nem
uma palavra.
.”
(A B )
Jessamine,
Você me disse algumas vezes, ainda que indiretamente, que se sentia
sozinha nessa casa. Imagino o quanto é di ícil passar grande parte do dia
sem ninguém por perto, mesmo com os meninos chegando mais cedo do
que eu. Então, para te fazer sentir menos só, adotei essa cachorrinha. Não
me pergunte a raça, não entendo sobre essas coisas. Apenas sei que ela
será sua iel companheira e protegerá tanto você quanto Aurora da
solidão. Escolha o nome, também sou péssimo com essas coisas. Espero
que goste da minha surpresa.
Com amor, Trenton.
.”
(A B )
Pisar na bola nã o era uma coisa que eu fazia com frequê ncia. Pelo
menos, me esforçava ao má ximo todos os dias para nã o o fazer. Apesar
do meu jeito ser espirituoso, alegre, divertido, e em grande parte do
tempo levemente – ou muito – drogado, carrego comigo o peso do
mundo nas costas. Todos os dias, sem exceçã o. Entã o, minha saı́da ó bvia
para as desgraças e monstros que me cercam é dar o melhor de mim
para aqueles que estã o ao meu redor. Ser o amigo engraçado, que
raramente é levado a sé rio.
Quando comentei sobre Emery no jantar, nã o imaginei que fosse
tomar uma proporçã o gigantesca. Nunca passou pela minha cabeça que
poderia afetar os sentimentos de Jessamine de maneira negativa.
Mesmo sabendo que a morte da nossa amiga foi um grande ı́mpeto
para Trenton nã o querer se permitir viver à lor da pele os sentimentos
que estava nutrindo pela garota, pensei que fosse parte do passado. Que
ela já havia “superado” esse “obstá culo” e nã o se importaria de ouvir
algumas palavras boas a seu respeito. Pelo visto, eu estava
completamente enganado. E nã o o deixaria limpar a sujeira que iz.
Gosto muito de Jess, da sua companhia na casa, da presença feminina
que ela representa. Entã o farei ao má ximo para consertar o erro
cometido.
Bato na porta de seu quarto pelo menos quatro vezes. Nada adianta.
“Ela pode estar querendo privacidade, seu babaca”, penso comigo
mesmo enquanto estico o braço para bater na quinta tentativa.
— Eu nã o quero conversar agora, Trenton — murmura do outro
lado. — Por favor, me deixe sozinha.
— Hum... nã o é o Trenton. — Tento soar o mais pacı́ ico possı́vel. —
E o Bryan. E nã o vou sair até você me deixar entrar.
Ouço uma risadinha abafada.
— Talvez eu queira conversar com você .
— Isso é bom, eu acho. — Meneio a cabeça de um lado para o outro.
— Signi ica que ainda nã o tenho o seu ó dio.
— Por que teria? — Ela me pega de surpresa quando abre a porta.
Meu coraçã o se parte ao ver seus olhos inchados, rosto corado. —
Entre.
— Obrigado. — Lhe entrego um sorriso mı́nimo, adentrando o
quarto, sentando-me no pufe que já estou familiarizado.
— Entã o, por qual motivo eu deveria te entregar meu ó dio?
— Porque eu comecei aquele assunto sobre a Emery. — Engulo em
seco, vendo a garota a minha frente fazer o mesmo. — Nã o foi minha
intençã o te magoar, Jess. Nã o queria te deixar triste, muito menos
chateada. Foi apenas um comentá rio despretensioso que saiu da minha
boca repentinamente, sem pensar no quanto poderia te afetar. Me
desculpe.
— Nã o precisa pedir desculpas. — Suspira, pegando o seu pufe cor-
de-rosa, sentando-se ao meu lado. — Eu nã o deveria ter feito aquele
show. Sou incapaz de dizer em palavras o quanto me sinto
envergonhada pela forma como agi, pelas palavras que disse para
Trenton antes de me retirar. Você sabe que sou bipolar, certo?
— Sei.
— Mesmo tomando meus remé dios, existem algumas palavras e
situaçõ es que sã o consideradas como um gatilho mental para mim.
Talvez Alex e Dominique entendam melhor por serem psicó logos, mas
simpli icando com um exemplo: ainda nã o consigo ouvir o nome de
Emery sem associar ao fato dela ter sido a mulher que Trenton, meu
namorado, amou por tanto tempo. E egoı́sta? Muito, e trabalho todos os
dias para conseguir me livrar desse ressentimento, poré m é algo que
nã o evapora da noite pro dia. Ainda a vejo como um empecilho no meu
relacionamento. Detesto ouvir seu nome. Detesto pensar na sua
imagem. Poe mais infantil que soe, detesto saber que você s gostam
mais dela do que de mim.
— Ningué m gosta mais dela do que de você — asseguro com meus
olhos ixos nos seus. — Sã o sentimentos diferentes. Ela era uma de nó s,
entende? Somos todos uma famı́lia. Quando perdemos um membro,
icamos abalados. Se acontecesse com qualquer um, icarı́amos assim.
— Eu sei! E saber é o que me deixa mais irritada comigo mesma. —
Apoia as mã os no rosto, quase abraçando seus joelhos. — Se pudesse,
nã o sentiria esse ciú me doentio e infantil. Sou uma mulher adulta,
prestes a ter uma ilha. Esse nã o é o exemplo que quero passar para
Aurora. Nã o quero ser a mã e perturbada e ciumenta, que nã o consegue
superar algué m que nunca nem ao menos conheceu.
— Ei, nã o diga esses absurdos de si mesma. — Puxo-a para um
abraço lateral, afagando seus cabelos enquanto ouço-a fungar. — Você
nã o será uma mã e perturbada e ciumenta. Bom, ciumenta eu nã o
prometo, porque é sua primeira ilha, mas um ciú me saudá vel. Se eu
estivesse no seu lugar, també m me sentiria ameaçado. Chegar de
supetã o num grupo de pessoas estranhas e problemá ticas é assustador.
Poré m, posso te garantir que todos nó s gostamos da sua companhia.
Gostamos de ver o quanto você faz bem para o Trenton. Sendo bem
sincero, eu achei que ele fosse morrer sozinho.
— Por quê ?
— Achei que ele nunca seria capaz de superar tudo o que aconteceu.
— Sou sincero. — Imagino que nã o falem muito sobre esse assunto,
digo por mim e pelo que vi acontecer com Trenton nos primeiros
meses. Ele icou inconsolá vel. Tempo vai, tempo vem, você s se
conheceram e tudo foi acontecendo... agora, vejo que você é a esperança
de que meu amigo tanto precisava.
— Esperança. Nunca pensei que algué m me veria dessa forma.
— Mas ele te vê , Jess. Nã o deve ser possı́vel observar a olho nu, mas
falo como o amigo que assistiu seu inferno pessoal: Ele te vê como a
chama da luz que precisava iluminar o seu coraçã o. Trent está
completamente apaixonado por você , e nã o por outra pessoa, e muito
menos por conta do bebê . Ele se apaixonou pelas suas caracterı́sticas,
pelo seu carisma, literalmente pela sua pessoa.
Ela seca uma lá grima solitá ria que insiste em escorrer pelo seu
rosto.
— E se for um amor ilusó rio? E se eu for um tapa buraco?
— Ele nã o é esse tipo de cara. Os olhos nã o mentem, lindinha. Eles
sã o as janelas da nossa alma. Acredite em mim quando digo que ele só
quer o seu amor, e o de mais ningué m.
Jessamine começa a chorar desesperadamente. Assustado, ico sem
saber o que fazer. No momento em que penso em me afastar,
acreditando que toquei na ferida mais profunda do seu coraçã o, ela
puxa minha camiseta como um pedido para que eu ique. Sendo assim,
ico apenas parado no meu lugar, acariciando seu braço, deixando-a
liberar todos os sentimentos que estã o presos dentro do peito.
— Obrigada, Bryan. — Seca o rosto com ambas as mã os, limpando
na minha blusa sem se importar. Rio internamente por esse feito tã o
espontâ neo. — Muito obrigada, de verdade. Esse choro foi bom,
libertador. Nã o de tristeza.
— Ainda bem, eu já estava querendo chorar junto de peso na
consciê ncia. — Rimos juntos, quebrando o clima. — Nã o precisa
agradecer, cunhadinha. Conte comigo para o que você precisar.
Um estralar parece surgir na sua cabeça apó s ouvir minha ú ltima
frase.
— Qualquer coisa?
— Na verdade, depende. — Franzo o cenho ao ver a entonaçã o da
sua pergunta. — Se me pedir drogas, vou precisar recusar. Nã o vendo
para grá vidas.
— Nã o é isso, idiota! — Desfere um empurrã o leve no meu ombro.
— Quero que você seja o padrinho da Aurora.
Meus olhos se arregalam tanto, que quase caem do meu rosto.
— E sé rio?
— Claro que sim. Eu gosto muito de você , Bryan. Trenton també m.
Acredito que seja uma boa pessoa para se encarregar do meu bebê
quando estiver ocupada ou outros a ins. Entã o, aceita?
— Porra, ó bvio que sim! — exclamo verdadeiramente empolgado,
levantando-a do pufe e lhe dando um abraço apertado, com direito a
rodopio pelo quarto. — Pensei que fossem escolher o Alexander.
— Nã o querendo aumentar seu ego, mas você é o meu favorito —
admite. — Adoro Alex, ele é um rapaz incrı́vel, mas seu charme Bryan
me encantou desde o dia que nos conhecemos. Aurora precisa de um
padrinho com alguns neurô nios faltando.
— Obrigado, eu acho. — Dou risada com suas palavras. — Prometo
que serei o melhor padrinho do mundo.
— Tenho certeza de que vai. — Pisca, sentando-se na cama. — Pode
chamar o Trenton para subir? Chegou minha hora de conversar com
ele.
— Pode deixar. Obrigado mais uma vez por con iar sua ilha a mim,
Jess. Você nã o faz ideia do quanto isso é signi icativo para mim.
— Eu sei. Nã o agradeça, futuro padrinho Bryan.
Entrego para ela meu melhor sorriso sincero antes de descer.
Quando chego na sala, vejo Trent sentado no sofá , a feiçã o preocupada
dominando seu rosto. Aceno com a cabeça positivamente, indicando
que está tudo bem. Ele se aproxima, murmura um agradecimento
apressado antes de subir as escadas com pressa, desesperado para falar
com a mulher que, mesmo sem admitir para ningué m, ama. E só uma
questã o de tempo até ele descobrir.
“A
.”
(A B )
Quando criança, meu sonho era fazer uma noite das garotas
completa. Com direito a fofocas sobre garotos, má scaras faciais, ilmes,
pipoca, chocolates quentes. Tudo o que envolvia aquelas tı́picas de
cinema. Por nã o ser uma menina muito rodeada de amigas – e muito
menos minha irmã , que possuı́a apenas uma melhor amiga, Thereza –
acabá vamos juntando nó s trê s, e tentá vamos reproduzir uma. Nã o
tı́nhamos os mesmos recursos das garotas ricas da cidade, mas nos
divertı́amos com o que conseguı́amos arrumar.
Mamã e costumava nos ajudar um pouco em algumas ocasiõ es, como
oferecendo seu cartã o para pedirmos pizza. Na é poca, aquilo era mais
do que o su iciente para espantar os fantasmas que me cercavam. As
horas que passá vamos juntas, sussurrando sobre os garotos que
está vamos a im, rindo das garotas populares, me serviram de boas
lembranças que carrego no peito até os dias atuais.
Nessa noite, iremos reproduzir uma noitada digna de cinema. Os
meninos saı́ram para beber, em uma espé cie de “despedida de vida sem
ilho” para o Trenton – sem direito a strippers – enquanto nó s, as
garotas, optamos por nos reunirmos na minha casa, curtindo a só s e
com calmaria. Bom, esse era o plano, se nã o fosse minha irmã se
lamentando e enchendo a cara com o vinho carı́ssimo de Dominique,
que com certeza a presenteou por pena ou compaixã o, por ter brigado
feio com o namorado, Christopher.
Desde quando Eleanor chegou, seus olhos permaneceram
marejados. Ela me contou que, inalmente, ambos descobriram a
verdade sobre o seu passado. Sobre o trá gico acontecimento que
cercava sua vida, que nem eu mesma sabia sobre tantos detalhes
só rdidos e crué is. Depois que isso aconteceu, tudo parece estar indo
por á gua abaixo. Como se o namoro de ambos estivesse enfraquecendo
perante todas as revelaçõ es.
— Eu sou a pior irmã do mundo — murmura, deixando sua taça de
lado, apoiando a cabeça no meu ombro. — Estou estragando sua noite
das garotas. E o que você mais gosta de fazer!
Solto uma risadinha com seu estado embriagado.
— Nã o está nã o, sis.
— Na verdade, está sim — Dominique diz, dando um gole na sua
taça, recebendo um olhar de advertê ncia vindo de mim e Ellen. — O que
foi? E a verdade!
— Ela tem razã o. — El suspira, secando suas lá grimas, balançando a
cabeça de um lado para o outro em uma tentativa de se recompor. — Eu
só nã o sei o que fazer! Vamos lá , Dom. Você é psicó loga, me dê algum
direcionamento.
— Ainda nã o estou trabalhando com caridades, amorzinho. — Pisca,
fazendo-me soltar uma gargalhada com tamanha sinceridade.
— Qual é ! Nã o seja tã o cruel comigo.
— Nã o posso abandonar um traço da minha personalidade. — Sorri
maldosa. — Brincadeiras à parte, nã o há muito o que fazer.
Relacionamentos esfriam, principalmente se esse ocorrido que você
mencionou estiver diretamente ligado a você s. Em algumas situaçõ es,
nã o conseguimos passar a ita adesiva. E forçar pode nã o ser a melhor
opçã o. Nem todo amor do mundo vale a pena quando você vive no
limbo entre sofrer e se deprimir.
— Entã o acha que eu deveria desistir? Simples assim?
— Nã o desistir, mas garantir algumas opçõ es caso nã o dê certo.
— Você está sugerindo que ela procure outra pessoa mesmo
estando namorando? — Ellen arranca a pergunta que estava presa na
minha boca.
— Nã o. — Se apressa em responder. — Estou apenas sugerindo que
ela dê uma olhada no cardápio. Isso nã o mata ningué m.
— Dominique! — E impossı́vel nã o rir com sua postura calma, como
se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. — Eleanor nã o é esse
tipo.
— Para você , porque na sua cabeça ela é sua irmã zinha mais nova,
que está com o coraçã o partido. Que precisará de colo e outras merdas.
— Por incrı́vel que pareça – ou nã o tã o incrı́vel – suas palavras estã o
exatamente corretas. — Mas, em breve, suas responsabilidades serã o
envolvidas para a sua ilha. Deixe a tia Dominique dar conta desse
recado amoroso.
— Tia Dominique? Eu sou tipo, quatro ou cinco anos mais nova que
você .
— Nã o importa, porque na minha cabeça te vejo como uma criança.
— Seu comentá rio faz todas nó s cairmos na gargalhada. — Venha cá ,
vamos dar uma olhada no cardá pio da Boston University.
— Cuidado, Eleanor. O perigo de se contagiar com o alto ı́ndice de
testosterona que sairá desse celular é grande — adverte Ellen,
recebendo um dedo do meio da nossa amiga como resposta.
Nos acomodamos lado a lado, conectando o celular de Dom ao meu
notebook para termos uma visã o melhor dos seus contatos na tela
compartilhada. Realmente, ela tem muitos contatos. Acredito que
metade, se nã o todos os garotos da universidade estã o nesse cardápio.
Olhamos algumas fotos, rindo enquanto anotamos os nomes
daqueles que minha irmã considera atingirem seu padrã o de beleza. Já
izemos todas as atividades da minha lista, sendo assim, nã o me
importo em “doar” essa parte da noite para deixá -la bem.
Ela segurou muito suas emoçõ es, até nã o aguentar mais. Nã o posso
imaginar o quanto seu coraçã o está partido por, mesmo nã o querendo
admitir, estar perdendo seu amor.
Sinto calafrios só de cogitar a hipó tese de isso acontecer comigo e
com Trenton, mas disperso os pensamentos para longe quando sinto
Aurora se remexer. Sorrio, apoiando a mã o sobre o local onde ela
chutou, guardando esse pequeno lembrete. Gosto de imaginar que ela
sabe o que estou pensando. E maluco, eu sei, poré m o pensamento de
que minha ilha me sentiu a lita, e me chutou como um lembrete de: “Ei,
mamãe, eu estou aqui” me faz querer chorar de emoçã o. Coisa de mãe.
— Nossa, quem é esse garoto? — Seus olhos saltam para fora ao ver
o pró ximo na tela. Me choco ao me deparar que nã o é ningué m mais
ningué m menos do que Bryan. Direciono meu olhar para Dominique,
que me encara do mesmo jeito. Quando olho para Ellen, ela nã o está
esboçando emoçã o nenhuma. — Ele é um dos caras mais lindos desse
cardá pio, senã o o próprio. E nã o me parece ser um completo estranho.
— E... esse é o Bryan. — Engulo sem seco. — A Ellen e ele tê m meio
que um lance.
— Ah, me desculpe! — Lança um olhar de culpa para a ruiva. — Nã o
é por nada, mas ele é bem bonito. Mas nã o sou fura-olho, nã o há com o
que se preocupar...
— Eu nã o tenho absolutamente nada com ele. — As palavras saem
rı́spidas da sua boca.
Encaro-a sem entender absolutamente nada.
Dom faz o mesmo.
— Como nã o?
— Nã o temos, simples. — Dá de ombros, indiferente com nosso
choque. — Nã o consigo entender de onde você s todos tiraram que
temos um lance.
— Por que é ó bvio? — retruco, franzindo o cenho, deixando o
computador de lado. — Ele é apaixonado por você . Pode nã o admitir,
mas, porra, nã o precisa de muito para entender!
— Nã o me importo. — Suspira, como se esse assunto a deixasse
cansada. — Já cansei de brigar com uma pessoa que prefere viver de
drogas a icar comigo. Simplesmente nã o aceito estar ao lado de algué m
que vive esse tipo de vida medı́ocre a troco de nada. Bryan nã o é o tipo
de cara que eu me orgulharia de apresentar aos meus pais. Na verdade,
sentiria vergonha.
— Nã o diga isso. — Dominique entra na defensiva. — Ele é o Bryan.
Nosso Bryan. Você sabe que se trata de um bom rapaz...
— Ele é ó timo, mas nã o para mim. Se quiser, Eleanor, pode pegá -lo
todinho para si. Estou te dando o passe livre.
— Obrigada... eu acho — agradece, nitidamente constrangida com a
conversa.
Penso em insistir no assunto, perguntar o que aconteceu entre os
dois. Entretanto, nã o quero deixá -la mais desconfortá vel.
— En im, Jess, nos conte como estã o os preparativos para receber a
Aurora! — Muda de assunto. — Estou tã o ansiosa para vê -la.
— Somos duas — Dom concorda, entrando na onda de “nã o vamos
mais falar sobre aquilo que nã o é da nossa conta”. — Eu nã o vejo a hora
de poder pegar esse bebê no colo. Espero que ela tenha bochechas
gordas e apertá veis.
— Estamos encaminhadas para as ú ltimas semanas de gestaçã o. —
Expiro o ar ansiosa, pousando novamente a mã o sobre o ventre,
sentindo-a se remexer com o barulho da minha voz. — Nunca me senti
tã o ansiosa e assustada em toda a minha vida. Quando ico parada em
frente à quele berço e me sento na cadeira... — Aponto a cabeça para
ambos os objetos que estã o colocados em um cantinho do quarto. Por
sorte, esse cô modo é enorme, entã o nã o precisamos nos preocupar
muito com o espaço. — Percebo o quanto tudo está se tornando tã o
real. Tã o vı́vido.
— Optou por parto normal ou cesariana?
— Cesá rea. Quero minha lor inteira e pretendo sentir menos dor
possı́vel. — Rio, sentindo arrepios ao pensar na dor que deve ser o
parto normal. — Obvio que, caso ela esteja milimetricamente
posicionada e quase saindo, terei de fazer o normal, mas esse nã o é
meu plano. Avaliei todas as opçõ es, conversei com minha obstetra e
escolhi aquilo que considero o melhor para mim. Mas a vida adora me
passar a perna.
— Ela adora passar a perna em todas nó s — Eleanor comenta,
dando mais uma golada no seu vinho. — O importante é que, no inal,
sabemos que tudo vai valer a pena.
Sorrio, apertando a mã o de minha irmã para mostrar que estou
aqui. Passamos o resto da noite conversando sobre trivialidades,
assistindo ilmes, escolhendo quais sã o as melhores roupinhas da
Aurora e concluindo a noite das garotas que tanto sonhei.
Assistir o estado decadente de Bryan estava começando a ser
engraçado. Desde quando chegamos ao bar, nosso amigo se afundou em
mais latas de cerveja do que pude contar.
Ele está triste pois, pelo que entendi, ocorreu uma grande discussã o
entre ele e Ellen, sua paixã o platô nica, durante o decorrer dessa
semana. Sua cegueira de paixonite chega a me deixar um pouco irritado.
Está mais do que claro que ela nã o quer absolutamente nada com ele,
alé m de sexos casuais durante algumas festas. Adoro El, sei que ela é
uma garota legal, mas detesto o que está fazendo com o meu amigo.
Porque, ao mesmo tempo, parece que a ruiva o quer por perto. Para
alimentar seu ego, talvez.
— O cabelo dela é tã o cheiroso. — Se queixa pela dé cima vez, dando
um longo gole na lata, apoiando a cabeça no ombro de Alexander. —
Tã o cheiroso. Nã o sei explicar ao certo qual é o aroma. Devem ser lores
de eucalipto mı́sticas.
— Flores de eucalipto mı́sticas nã o existem — Alex murmura,
empurrando o amigo levemente, fazendo-o parar ereto. — Sé rio, Bryan.
Você precisa se reerguer e sair dessa.
— Eu concordo. — Encaro-o com o má ximo de seriedade que
consigo expressar. Nã o estou bê bado, e nem pretendo icar. Essa é a
minha terceira lata, planejo parar pela quinta. — Ela quem está
perdendo, irmã o.
— E verdade. Você é um cara bonitã o, tem toda essa pinta praiana,
meio hippie.
— Tem o piercing també m, tatuagens. As garotas se amarram
nessas porcarias.
— Obrigado pela sessã o de autoestima, rapazes, mas nã o vai
funcionar. — Ri, esticando a mã o para o garçom lhe trazer outra cerveja.
— Eu sou bonito, sei o efeito que causo nas mulheres. Por que a única
mulher, que era para esse efeito funcionar de verdade, nã o me quer?
— Porque ela provavelmente é cercada por algum trauma do
passado que nã o lhe permite seguir com um relacionamento. —
Alexander resolve bancar o psicó logo por alguns instantes. — Ou
simplesmente nã o te quer e nã o te acha grande coisa.
— Pre iro acreditar na segunda opçã o. — Faz careta, meneando seu
olhar entre nó s dois. — Eu nã o sou o cara problemá tico, que se acha o
mais foda do campus. Nã o sou o jogador de basquete mais cobiçado da
universidade. Porra, eu faço parte do time dos bonzinhos! Eles nã o
deveriam ser justiçados?
— Nã o sou problemá tico e nem me acho o mais foda do campus.
— Nã o sou o jogador de basquete mais cobiçado da universidade.
— Ah, sã o sim! Me poupem e encarem a realidade. — Gargalha,
contagiando-nos com sua risada. No fundo, sabemos que é verdade. —
Sou só o recé m-formado em biologia, que toca violã o e fuma maconha.
E você ... — Aponta para Alex. — Tem uma mulher foda ao seu lado.
Problemá tica na mesma intensidade, e que te ama de um jeito
peculiarmente diferente. E você ... — Vira-se para mim. — Tem outra
mulher foda ao seu lado, que está prestes a ter um bebê , que, com toda
certeza do mundo, será tã o lindo ao ponto de ser digno de capa de
revista. Por que nã o tenho a minha mulher foda, problemá tica e
grá vida?
Preciso me conter para nã o cuspir ao ouvir sua ú ltima frase,
engolindo a risada.
— Quer uma mulher foda, problemá tica e grá vida?
— Tirando a parte do grá vida. Nã o é por nada, Trent, você vai ser
um pai incrı́vel, mas ainda nã o sirvo pra isso. Me dou melhor sendo o
padrinho Bryan.
— Aceite que a Aurora vai gostar mais do tio Alexander. — Pisca,
travando um olhar de rivalidade zombeteira para ele. — Será mais fá cil
de aceitar quando for verdade.
— Nem fodendo. Fique com sua namorada foda e problemá tica, e
me deixe em paz com minha sobrinha. Por favor, eu mereço.
— Vou pensar no seu caso. E o primeiro bebê da turma, ela tem
direito de ser muito mimada.
— Nunca, em um milhã o de anos, poderia imaginar que seria pai
apó s me formar. — Suspiro pensativo. — Isso tudo é meio que uma
loucura, né ? Em um ano nossas vidas viraram de cabeça para baixo.
Ainda nã o consigo acreditar que, em poucas semanas, Aurora estará
aqui comigo.
— Está pronto para perder noites incontá veis de sono?
— Mentalmente e isicamente. — Rio. — Por sorte, as paredes da
nossa casa sã o reforçadas. Nã o quero incomodar você s.
— Você e a Jess nã o pensam em morar juntos? — Bryan pergunta.
— Ou é cedo demais?
— Nunca conversamos sobre isso — respondo re lexivo, pensando
que seria uma ó tima pauta de conversa. Uma hora ou outra,
precisaremos de um cantinho só nosso. — Queremos nos adaptar com a
bebê por algumas semanas, ver como será nossa rotina. Um
apartamento mobiliado nã o seria má ideia.
— Tenho contato com alguns corretores, caso precisar — Alex diz.
— Estava pensando em me mudar també m. Mas, quando sugeri a ideia
para Dominique, ela praticamente entrou em surto. Disse: “Alexander,
ainda é cedo! Não faz nem um ano que estamos juntos! E se você cansar
de mim? E se nós dois não nos suportarmos mais? Você mal aguenta
esperar pelo meu banho, não seja doido de comprar um imóvel antes de
me consultar! Eu juro por Deus que te mato” — repete as palavras da
namorada, imitando sua voz, nos provocando outras boas risadas.
— Você sabe que ela é reclusa. Se todos nó s nos mudarmos, Bryan, a
casa vai ser só sua.
— Vou ter que arrumar novos colegas de quarto entã o! — bufa
dramaticamente. — Odeio icar sozinho sem uma namorada.
— Nã o sinta ciú mes, meu docinho. — Aperto suas bochechas até ele
me desferir um tapa para espantar o contato. — Ainda te amamos do
mesmo jeito.
— Vamos te arrumar uma namorada menos problemá tica e nã o
grá vida. Supere seu ex-amor para poder encontrar o pró ximo.
— Obrigado, prometo me esforçar para esse feito.
Ficamos no bar por aproximadamente mais uma hora, até duas da
manhã . Obrigamos Bryan a tomar pelo menos uma garrafa de á gua
antes de pegarmos um tá xi, voltando para casa. O ajudamos a chegar ao
seu quarto com segurança, sem cair pelas escadas como nas suas
primeiras tentativas de bancar o só brio, ou acordar Eleanor, que está
dormindo profundamente no sofá da sala.
Quando entro no meu quarto, abro um sorriso apaixonado ao ver
Jessamine dormindo, encolhida no seu lado da cama, deixando espaço
para que eu me deite ao seu lado.
Deito delicadamente, esforçando-me para nã o a acordar. Ela abre
um pouco seus olhos, deixando-os semicerrados, sorrindo ao notar
minha presença. Apenas trago seu corpo para perto do meu, beijando
seus lá bios, depois o topo da testa, descendo para depositar um ú ltimo
beijo na sua barriga e a abraçar, caindo no sono rapidamente, com
aquela sensaçã o deliciosa de estar em casa preenchendo meu peito.
“Q ,
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”
(A B )
.”
(A B )
— Linda, nó s precisamos conversar — digo para Jess apó s vê -la
saindo do banho, enrolada no seu roupã o, penteando os cabelos. —
Papo de adultos.
— Sobre? — Fita-me preocupada, sentando-se na cama. — Foi por
isso que você pediu para Alex e Dom icarem com a Aurora agora de
noite?
— Exatamente. Ela está dormindo tranquilamente no seu carrinho,
nã o merece ser interrompida por uma conversa.
— Ok, estou icando com medo. — Morde o lá bio inferior, a lita. Dou
um sorriso com seu costume. — Se for sobre aquela barra de chocolate,
eu juro que tentei guardar pra você . Mas ela estava tã o irresistı́vel...
— Ei, nã o é por isso... espera, você que comeu meu chocolate? —
Minha boca se abre em um gigantesco “O” apó s ouvir sua con issã o. —
Pensei que tivesse sido algum dos meninos!
— Me desculpa! — Gargalha, entrando na defensiva, engatinhando
para sentar-se em meu colo numa tentativa ó tima de me persuadir. —
Meus desejos de pó s-grá vida estavam latejando. Prometo comprar
outro.
— Pó s-grá vida, sei. — Franzo o cenho em descon iança. — Só vou
perdoar porque senti falta de te sentir no meu colo.
— Vai se ferrar. — Revira os olhos, levando uma das mã os para
acariciar meus cabelos. — Falando sé rio, sobre o que quer falar?
— Acho que deverı́amos comprar um apartamento só nosso e
morarmos juntos.
Minhas palavras a fazem saltar do meu colo como se estivesse
sentada em brasa quente. Andando de um lado para o outro, Jessamine
me encara como se parecesse descrente perante o que falei, olhando
para mim meio atordoada.
— Você tá falando sé rio? — pergunta apó s passar cerca de trê s
minutos em um completo silê ncio. — Sé rio mesmo?
— Por que nã o estaria? — retruco, colocando-me em pé na sua
frente. — Já estamos juntos há quase um ano. Temos uma ilha, que
nem sequer tem o seu pró prio quarto. Pensei em comprarmos ou
alugarmos um apartamento mobiliado. Talvez alugar seja uma melhor
opçã o, vai que um dia resolvemos mudar para uma casa...
— Uma casa... — Expira, apoiando a mã o na testa. — Trenton, você
vê mesmo um futuro comigo? Tipo, de verdade?
— E ó bvio que sim! — exclamo, chegando a rir de desespero.
— Com uma casa de verdade? Famı́lia, mais ilhos, talvez um
casamento?
— Com tudo isso. — Apoio as mã os na sua cintura, trazendo-a para
mais perto. — Absolutamente tudo, francesa. Por que está duvidando?
— Nã o é uma questã o de dú vida — murmura com os olhos
marejados. Em um lapso, lembro-me de que seus hormô nios ainda
estã o à lor da pele. — Tudo está tã o bom. Estamos tã o felizes, com
nossa ilha saudá vel, seguindo nossas carreiras dos sonhos. Coisas boas
nã o costumam acontecer comigo por muito tempo. Tenho medo de
tomar um grande passo, como uma mudança, e começar a dar errado.
— Mesmo se der errado, nó s ainda teremos um ao outro. — Prendo
uma mecha de cabelo molhado atrá s da sua orelha. — Pode dar tudo
errado, como també m pode dar tudo certo. Nã o iremos saber se nã o
tentarmos. Poré m, se ainda quiser continuar aqui, nã o tem problema...
— Nã o, nã o! — corta minha fala. — Esse é um passo importante na
nossa relaçã o. Nó s moramos juntos há um bom tempo, certo?
Deverı́amos ter um espaço só nosso. Fico constrangida quando
acordamos um de nossos amigos por conta do choro da Aurora. E ela
també m precisa de um quartinho amarelo só dela.
— Tem certeza de que essa é realmente sua vontade?
— Nunca estive tã o certa em toda a minha vida. Somos uma famı́lia
completa agora, lindo. Nada mais justo do que termos nosso pró prio lar.
— Entã o... vamos morar juntos?
— Vamos morar juntos.
Puxo seu corpo pela cintura, grudando seus lá bios nos meus em
comemoraçã o. Ela solta um suspiro de prazer, alegria, felicidade, todos
os sentimentos ao mesmo tempo.
No momento em que penso que vamos nos separar, Jessamine irma
seus braços ao redor do meu pescoço, nã o permitindo a distâ ncia.
Apenas quando sinto sua mã o descendo para a protuberâ ncia na minha
cueca, entendo seu recado.
— Você já está liberada para transar? — pergunto depois de pegá -la
no colo, colocando-a na cama delicadamente.
— Acredito que sim. Já faz um mê s e dois dias desde o parto, minha
cicatriz nã o infeccionou. Está perfeita, nem parece que saiu um bebê de
dentro dessa barriga.
— Nã o quer esperar mais um pouco?
— Nem fodendo. — Desliza seu roupã o pelo corpo devagar, em uma
dança tortuosa para atrair meu olhar. Abro meu melhor sorriso
malicioso, devorando suas curvas com os olhos, sem me importar em
demonstrar. — Quero você dentro de mim. Agora.
Nenhum homem no mundo seria burro o su iciente para dizer nã o a
essa mulher. Tomo seus lá bios com os meus mais uma vez, retirando a
calça com pressa, gemendo contra sua boca ao sentir seu toque
deslizando pelo meu pau, masturbando-me com precisã o, na velocidade
certa para fazer todo o controle que ainda me resta ir para o espaço.
Como nã o posso brincar com seus seios por conta da amamentaçã o,
apenas traço uma carı́cia leve entre os mamilos, surpreso ao ver seu
corpo arqueando de desejo.
— Eles... eles estã o sensı́veis — geme, fechando os olhos. — Muito
sensı́veis.
— Te dá mais prazer?
— Mil vezes mais.
— Bom saber.
Arrisco passar minha lı́ngua com toda delicadeza que consigo. Em
resposta, um gemido gutural escapa dos seus lá bios, mã os aplicam mais
pressã o nos meus ios em um pedido de mais. Cumpro suas ordens sem
hesitaçã o, prosseguindo com minha carı́cia, penetrando-a com dois
dedos e usando o polegar para estimular seu clitó ris. Ao sentir que ela
está quase lá , os substituo pelo meu membro depois de colocar a
camisinha, pois estava quase me derretendo com suas provocaçõ es.
Estocando fundo, irme, e sendo cuidadoso ao mesmo tempo, foco
meus olhos nos seus. Esqueço-me de absolutamente tudo que está ao
meu redor, apenas me focando nela. A mulher que, hoje em dia, é a
segunda dona do meu coraçã o, já que a primeira dos nossos sempre
será nessa ilha. A mulher que conseguiu me resgatar das cinzas. Que
conseguiu fazer aquilo que, por meses, pensei ser impossı́vel: me dar
uma nova chance de amar algué m.
Porque eu a amo.
Porra, como amo! Amo com todo o meu coraçã o e mais um pouco.
De uma forma intensa, um tipo de amor que jamais ousei experimentar
antes. Incompará vel, ú nico, pertencente à garota que tomo como minha.
Nossas ı́ris nã o se desviam uma da outra. Jess apoia a mã o na lateral
do meu rosto, acariciando-o, chamando pelo meu nome em um
sussurro prazerosamente apaixonado. Queria estar pronto para me
declarar em voz alta. Queria que, quando estivé ssemos deitados apó s
fazer amor, me sentisse seguro em dizer que a amo. Entretanto, sei que
esse ainda nã o é o momento certo. Como? Nã o sei explicar, apenas
sinto. Quando for, simplesmente sairá da minha boca com naturalidade.
Por ora, enquanto atingimos nosso orgasmo em sintonia, pre iro
guardar esse sentimento apenas para mim.
— Jesus, estava com saudades de te sentir dentro de mim —
resmunga com um sorriso preguiçoso, deitando-se no meu peitoral. —
Como nunca senti antes. Um mê s sem transar faz toda a diferença.
— E como. — Lanço um suspiro exagerado, levando um tapinha no
peito. Jogo o preservativo no lixo, pegando meu notebook na cô moda.
— Já que decidimos morar juntos, o que acha de vermos alguns
apartamentos? Alex me passou o contato de um imobiliá rio e vi alguns
disponı́veis no seu portfó lio.
— E uma ó tima ideia. — A empolgaçã o genuı́na vindo de sua boca
me deixa ainda mais feliz. — Quero um lugar nã o muito grande, nem
muito pequeno. digo, grande o su iciente para termos espaço, mas nada
muito exagerado porque ica difı́cil de limpar. Ah, també m preciso de
um quarto a mais para fazer meu ateliê . E podı́amos ter uma banheira
no nosso quarto...
Ela começa a tagarelar, demonstrando o quanto está animada com a
nossa mudança. Entro na sua onda, e icamos um longo perı́odo
procurando apartamentos, anotando o nome daqueles que pegamos
como favoritos, agendando futuras visitas.
No momento em que começamos a sentir falta de Aurora, vamos até
o outro quarto, agradecendo nossos amigos pelo cuidado, mimando
nossa garotinha pelo resto da noite.
“V -
.”
(A B )
.”
(A B )
Já era a terceira vez que Jessamine passava pano pelo chã o da nossa
nova sala. Havia acabado de limpar a cozinha, dando os ú ltimos toques
inais na torta de morangos que estava no forno, pronta, apenas
esperando a chegada de minha mã e. Irı́amos receber nossa primeira
visitante no novo apartamento, tendo em vista que concluı́mos nossa
mudança ontem.
Hoje, decidimos fazer uma pequena limpeza, já que ele veio
completamente organizado e limpo, apenas para deixar o ambiente com
nosso cheiro e conforto. Poré m, ela está tã o nervosa pela visita, que nã o
se conté m ao esfregar até a poeira do dia em que esse pré dio foi
construı́do.
— Linda, seus braços vã o cair. — Tiro o esfregã o das suas mã os,
limpando uma gota de suor que ousou cair de sua testa. — Seria trá gico
ter que amputar dois bracinhos tã o lindos.
— Me poupe — arqueja, sentando-se no sofá , declarando o cansaço
que atinge o corpo. — Só estou tentando deixar tudo arrumado. Nã o
quero que sua mã e pense que somos dois adultos porcos que nã o
sabem cuidar da casa.
— E nã o somos. Talvez um pouquinho, mas nem tento — provoco,
sentando-me ao seu lado, recebendo uma cotovelada leve na costela. —
Já limpamos esse lugar, nã o há necessidade em fazer tudo de novo
repetidas vezes.
— Eu sei. Só é uma forma meio maluca que me alivia a ansiedade.
— Tenho uma ideia melhor: e se eu te preparar um banho de
banheira? — Massageio seus ombros, me deliciando com o suspiro que
sai dos lá bios dela. — Quente, relaxante. Você pode levar a Aurora para
te divertir e distrair um pouco. Minha mã e deve chegar daqui uma hora
e meia, pode deixar que termino de organizar nosso café da tarde.
— Você faria isso por mim?
— O que eu nã o faria por você ? — Lhe roubo um beijo repentino,
levantando-me. — Vou preparar o banho e te chamo. Por favor, nã o se
levante desse sofá .
— Como quiser. — Faz uma careta brincalhona ao dizer, como se
fosse uma criança indo contra as ordens do pai. — Obrigada.
Vou até o nosso banheiro, enchendo a banheira com alguns sais de
banho. Apó s ela estar pronta, aviso Jess, que vai até o quarto de Aurora
para que as duas possam se banhar enquanto ajeito os ú ltimos detalhes
– que, na verdade, sã o quase inexistentes – do nosso apartamento. Por
sorte, conseguimos alugar o lugar exato onde querı́amos. E pró ximo a
universidade, e nã o muito distante da casa de nossos amigos. Possui
quatro quartos, com direito a nossa suı́te. Eles sã o bem espaçosos, sem
ser de um jeito exagerado. Decidimos deixar a cor de parede que já
estava posta, um tom de marrom pastel que deixa o ambiente leve. O
quartinho de Aurora nã o é amarelo como desejá vamos, mas o lilá s que
predomina as paredes se ajustou perfeitamente aos seus pertences.
Resolvemos comprar uma cama de solteiro para quando sentirmos
sono demais para voltar à cama, o que alé m de tornar mais prá tico, nos
ajudou a nã o precisar deixar minha mã e dormindo na sala. O ateliê de
Jessamine está nos seus ú ltimos processos de criaçã o, tendo em vista
que ela, segundo suas pró prias palavras, “ainda não conseguiu se
identi icar com o cômodo”. Instalamos a televisã o da sala ontem, que é
separada da cozinha por uma ilha. Colocamos a caminha e os
pertencentes de Nevada ao lado do sofá . Ganhamos uma mesa de jantar
como presente dos nossos amigos. Comprei um pequeno lustre para
dar um ar mais “ ino” ao ambiente. També m compramos mobı́lias
novas, mesmo com o apartamento já possuindo algumas como sofá ,
escrivaninha. Deixamos o meu quarto da antiga casa praticamente
intacto. Resumindo, nosso lar é exatamente a nossa cara. E tudo o que
mais desejamos: nada muito chique, poré m nada muito simples.
Depois de deixar toda a mesa arrumada, pego minhas roupas e
tomo um banho rá pido no banheiro principal para nã o atrapalhar as
meninas. Quando dei uma espiada no nosso quarto, Jess estava com
nossa garotinha nos braços, cantando alguma cançã o infantil
engraçada, fazendo bolhas de sabã o e se divertindo com a ilha.
Registrei o momento na minha cabeça antes de tomar o meu banho,
vestindo roupas simples em seguida.
No momento em que penso em mandar uma mensagem de texto
para a minha mã e, ouço a campainha tocar. Me choco ao vê -la parada do
outro lado da porta, tendo em vista que ainda faltam – ou melhor,
faltavam – quarenta minutos para a sua chegada.
— Nã o queria avisar que acabei me adiantando um pouquinho. —
Ela me envolve no calor dos seus braços maternos, dando-me um
abraço apertado, enquanto nossa cachorrinha pula de felicidade por
sentir o ambiente se enchendo de amor. — Era para ser uma surpresa.
Entã o... surpresa!
— Eu amo suas surpresas. — Dou um sorriso ao inspirar seu
perfume familiar, convido-a para entrar. — Jess está no banho com
Aurora, vou avisar que você chegou...
— Estamos aqui! — Minha namorada aparece na entrada,
segurando nossa ilha nos braços. Ela está usando um vestido bege leve,
enquanto Aurora usa um vestidinho cor-de-rosa com detalhes
cintilantes e um lacinho da mesma cor na cabeça. — Olha quem veio te
ver, meu amor! E a vovó .
— A vovó mais babona do mundo! — Apressa-se em pegar a neta,
que se acomoda em seus braços rapidamente. — Meu Deus, como você
está enorme!
— Dois meses e uma semana de vida. — Jessamine sorri orgulhosa,
cumprimentando mamã e em seguida. — E um prazer te receber na
nossa casa, Esther.
— O prazer é todo meu, querida. Esse apartamento é incrı́vel! Muito
mais bonito do que nas fotos. Sabia que você s fariam uma boa escolha.
— Sente-se, vou servir você s com um pedaço de torta — digo
puxando duas cadeiras. Corto os pedaços de torta e distribuo nos
pratos, entregando para elas. — Como estã o as coisas em casa?
— Tudo certo, meu ilho. Ryder foi promovido no trabalho
recentemente, entã o está passando mais horas no serviço do que o
normal. Pensei em trazer Christian para conhecer sua priminha, mas
ele ainda nã o tem muito interesse em bebê s. Nã o vejo a hora de recebê -
los na nossa casa.
— Só estamos esperando a Aurora completar seis meses —
responde Jess, dando um gole no café . — Li que bebê s nessa idade sã o
mais espertos e á geis. Ela ainda dorme mais do que ica acordada.
— E estã o certos. Demorei muito tempo para levar Trenton para
viajar. Pelo que eu me lembro, apenas quando ele fez um ano, fomos
visitar minha irmã que morava em uma cidade vizinha. Mas só porque
era o seu aniversá rio de casamento. Eu era uma mã e muito preocupada.
— E até hoje — provoco-a, rindo ao ver que ela se segura para nã o
me mostrar o dedo do meio. — Prometo que, quando possı́vel,
passaremos uma semana na sua casa.
— Você vem para o Natal, certo?
— E claro! Estou com saudades dos meus meninos — diz fazendo
referê ncia a Bryan e Alexander. Por sermos amigos de longa data, eles
conhecem minha mã e e a amam como se fosse mã e deles. — Nã o vejo
Bryan e Alexander há o que, um ano e meio?
— Mais ou menos isso. Eles estã o empolgados com a sua vinda.
— E como estã o? Fiquei sabendo que Alex inalmente arrumou uma
garota para colocar um pouco de juı́zo naquela cabeça. Eu imagino que
sejam dois opostos.
— Os dois sã o mais parecidos do que você pensa. Dominique, sua
namorada, era sua inimiga na é poca da escola.
— Ah, um clá ssico! De “inimigos para amantes”. — Solta um suspiro
exageradamente apaixonado, gerando risadas que atingem até sua neta.
— Era o meu tipo de romance favorito de ler.
— Essa é a perfeita de iniçã o dos dois — minha garota completa. —
Quando os conheci, já estavam apaixonados. Foi Dom que me
apresentou ao Trenton.
— Sendo assim, me lembre de agradecer a essa garota. Ela me deu
os dois melhores presentes que uma mã e poderia querer: uma nora
incrı́vel, que ama meu ilho como amo meu marido, e uma linda
netinha. — As bochechas da garota mencionada passam de pá lidas para
rosadas em segundos. Nã o consigo me conter, beijando-a, deixando-a
ainda mais constrangida. — E Bryan?
— O mesmo de sempre. Você sabe, o Bryan é ...
— O Bryan — completa minha frase, entendendo a piada. — Ele é
um menino tã o bom. Estudioso, dedicado, cem por cento apaixonado
em biologia. Já encontrou o seu par ideal?
— Muito pelo contrá rio. Está afogando suas má goas pela Ellen.
— Ele merece coisa melhor. — Faz careta. Por algum motivo, minha
mã e nã o simpatizou muito com ela, apesar de nunca demonstrar. —
Jessamine, você nã o conhece ningué m para apresentar ao garoto?
Alguma prima, amiga?
— Infelizmente nã o. Tenho uma irmã , mas ela está para terminar
um relacionamento, que deixará feridas irrepará veis no seu coraçã o.
— Oh, que besteira! — bufa, brincando com as mã ozinhas da nossa
pequena. — Aurorinha, aprenda essa liçã o que vou ensinar para a sua
mamã e: nenhuma ferida é irrepará vel. A dor pode icar no seu coraçã o
em algum lugar, muito bem guardada, mas se ela permanecer lá para
sempre, só vai te trazer malefı́cios. Me mostre uma foto da sua irmã .
Mesmo envergonhada, ela tira o celular do bolso, mostrando uma
foto da El segurando Aurora nos braços.
— Nã o repare nos olhos inchados. E a foto mais recente que tenho
de Eleanor.
— Ela é linda — fala com sinceridade. — Parece ser uma menina
boa. Consigo sentir que é uma menina boa. Apresente-a para o Bryan e
nã o vai se arrepender nem um pouco. Ele é o tipo de garoto que sabe
como amar uma garota. Todos eles sã o. Quando Trent se mudou, tive
medo de que ele andasse com má s in luê ncias. Bad boys, bandidos, ou
garotinhos “nariz empinado” com sı́ndrome de superioridade. Poré m,
no dia que fui visitá -lo pela primeira vez no campus e vi Alexander
andando de samba cançã o pela casa, cantando uma mú sica da Selena
Gomez enquanto Bryan lavava o chã o da sala, cantarolando a mesma
mú sica, e Trenton na cozinha, fazendo macarrã o, soube que ele havia
encontrado os amigos certos.
— Mú sica da Selena Gomes? — Me encara surpresa, acabando de
descobrir um dos nossos maiores gostos musicais. — E sé rio?
— Mas é claro! Lembro desse dia como se fosse ontem, cantá vamos
“Magic”. Se Alexander souber que você sabe dessa histó ria, estou morto.
— Entã o prepare o seu enterro, porque eu vou tirar com a cara dele
até me cansar.
— Francesa, nã o ouse... — Antes que eu possa terminar a frase, meu
celular toca. Fico confuso ao ver o nome do treinador Crawford
piscando na tela. — Se me dã o licença, já volto.
Deixo as duas continuarem a conversa, me dirigindo até o quarto.
Ao atender o telefone, recebo a notı́cia de que o treinador voltou a
passar mal durante o treino. Ele me perguntou se eu poderia dar a
ú ltima hora de treino, pois era muito importante para os garotos
repassarem as jogadas antes do jogo que ocorreria na pró xima semana.
Sem saber como dizer nã o, acabei aceitando. Nã o seria capaz de deixá -
los na mã o, e é apenas por uma hora. Quando voltar, mamã e ainda
estará aqui. Nada será perdido.
— Minhas mulheres, vou precisar me retirar por uma hora. —
Apareço na sala de estar com a mochila de treino nas costas. — O
treinador Crawford passou mal e precisava repassar as ú ltimas jogadas
para os garotos. Você s se importam?
— Nã o, Trent.
— Claro que nã o, ilho. Pode ir, bom que posso passar um tempo a
só s com as garotas.
— Ligo quando estiver voltando. Até mais.
Despeço-me das trê s, dando beijos em ambas as testas. Dirijo até a
quadra de basquete do campus, torcendo para que minha mã e nã o
revele mais histó rias humilhantemente engraçadas e que queimem
minha imagem para Jessamine.
— Ela dormiu assim que a coloquei no berço — Esther diz apó s
voltar do quarto de Aurora.
Trenton nos ligou, dizendo que iria se atrasar um pouco pois era
aniversá rio de um dos garotos do time, e que eles imploraram pela sua
presença. Concordamos sem hesitar, dizendo que icarı́amos muito bem
sozinhas, podendo, como falou sua mã e, “trocar con idências de sogra
para nora”.
— Minha netinha é tã o calma. Eu nunca vi um bebê dormir com
tanta facilidade.
— Pelo menos, isso ela puxou de mim. — Dou uma risadinha,
sentando-me mais na ponta do sofá para lhe dar espaço para se
acomodar do meu lado. — Quando pequena, minha mã e dizia que eu
dormia feito pedra. Sim, pedra, nã o um anjo. Até hoje caio no sono
rapidamente.
— Aproveitando que você tocou no assunto... — Limpa a garganta,
ajeitando a postura antes de tocar em um assunto que, ao julgar seu
olhar materno e preocupado, sabe que é delicado para mim. — Você
contou a eles sobre o nascimento? Eu sei que seu histó rico familiar é
complicado, Trenton acabou comentando comigo. Nã o com o intuito de
te deixar desconfortá vel, ele apenas queria desabafar sobre o que
aconteceu na viagem. Espero que nã o seja um problema.
— Está longe de ser. — Entrego um sorrisinho mı́nimo. Apesar de
nã o gostar de tocar nesse assunto, é bom saber que, nesse momento,
poderei desabafar com algué m. Pensei em falar com El sobre o assunto,
mas nã o quero importunar seu coraçã o partido com meus dramas
familiares. — Enviei uma mensagem de texto no dia em que ela nasceu,
anexando a primeira foto que tiramos juntas. Meu pai me desejou
parabé ns, disse que era uma garotinha linda e que, um dia, esperava
poder vê -la. Já minha mã e... me disse para repensar se era a decisã o
correta, pois ainda dava tempo de colocá -la para adoçã o.
Ela leva a mã o até a boca em puro choque.
— Meu Deus! Isso é horrı́vel. Que tipo de mã e diz isso para a pró pria
ilha?
— A minha. — Seco a lá grima solitá ria que caiu pelo meu rosto,
tentando me manter irme. — Eu jamais seria capaz de levar Aurora
para um lugar que fosse longe dos meus braços. Ela é a minha ilha,
minha garotinha perfeita. Nã o imagino meu mundo sem a sua
companhia, nã o mais.
— E tem toda razã o! — Apoia uma mã o em meu ombro,
massageando-o carinhosamente. — Filhos mudam nossa vida. De
algumas pessoas, para pior; mas de outras, para melhor. O seu caso é o
segundo. Sem ofensas, mas Aurora nã o merece avó s que nã o a amem.
Você nã o merece sofrer por pessoas que nã o te apoiam.
— Mas eles sã o meus pais... — Quando menos percebo, viro uma
explosã o de lá grimas. Nada exagerado, elas apenas descem pelo meu
rosto descontroladamente. — Eles nã o deveriam me apoiar? Me
abraçar e dizer que tudo icaria bem? Nã o deveriam ao menos prestar o
luxo de visitar a pró pria neta?
— Deveriam, querida. Deveriam. — Seus braços me envolvem em
um abraço caloroso. Sem conseguir conter as emoçõ es, acabo cedendo
facilmente ao seu toque maternal, fechando os olhos e pensando, por
alguns segundos, que poderia ser minha mã e no seu lugar. — Sinto
muito que seus pais sejam assim, Jess. De verdade. Mas pense que sã o
eles quem estã o perdendo. Sua baby, Aurora, é simplesmente perfeita.
Você é uma mã e incrı́vel, que ama sua ilha incondicionalmente. Pense
em todos os seus ganhos nos ú ltimos meses, e verá quem sã o os
perdedores.
— Eu amo minha famı́lia. — Respiro fundo, espantando as lá grimas
com as costas das mã os. — Digo, minha real famı́lia. Aurora, Trenton e
Eleanor. Eles sã o minha base, e eu os amo. Amo... cada um deles.
Suas sobrancelhas se erguem apó s ouvir a ú ltima frase.
— Entã o está admitindo para mim que ama o meu ilho?
— Pensei que fosse ó bvio apenas pelo jeito como olho para ele. —
Sinto minhas bochechas ferverem por estar confessando em voz alta. —
E impossı́vel nã o o amar, Esther. Ele roubou meu coraçã o inteirinho só
para si ao decorrer desse tempo em que estamos namorando. Quero
poder admitir meus sentimentos em voz alta, poré m tenho medo dele
ainda nã o estar pronto e se assustar. Nã o sei se seria capaz de ouvir que
o que sinto ainda nã o é correspondido.
— Eu nã o vou mentir e dizer que é fá cil para ele, porque nã o é . —
Esther me lança um olhar sé rio e pacı́ ico ao mesmo tempo, segurando
minha mã o. — A ú ltima mulher que ele amou morreu quase que diante
dos seus olhos. Isso deixa feridas irrepará veis no nosso coraçã o. Em
contrapartida, eu també m vejo o jeito que ele te olha. Como se você
fosse a mulher mais linda do mundo. A ú nica garota que Trenton quer
ao seu lado. Nã o sou capaz de te dizer com toda certeza do mundo que
ele nã o se assustaria. O amor é assustador. Mas eu acho que você
deveria falar enquanto tem tempo. Olhe para trá s, olhe tudo o que
aconteceu até agora. Olhe para a sua vida, sua ilha, e veja como valeu a
pena. Arriscar nã o é melhor do que icar na dú vida?
— Mil vezes. — Mordo o lá bio inferior, absorvendo seus conselhos,
sabendo que ela tem toda razã o. — Tudo o que eu mais iz nos ú ltimos
tempos foi arriscar, em literalmente tudo. Desde minha vida pessoal até
pro issional. E valeu a pena cada segundo.
— Pois bem! Entã o nã o tenha medo agora, Jess. Se arrisque, seja
feliz. Ame agora, fale agora, o futuro ica pra depois.
— Você está certa — arquejo, entregando-lhe o melhor olhar de
gratidã o que consigo expressar. — Obrigada pelas palavras, Esther.
— Nã o precisa agradecer. Nã o é porque sou mã e do Trenton que nã o
posso ser sua amiga, ok? Conte comigo para o que precisar.
— Obrigada mais uma vez.
O clima constrangedor é quebrado pelo assunto do momento, que
chega em casa apó s alguns segundos que encerramos nossa conversa.
Ele nos cumprimenta, perguntando se estamos bem, dizendo como
fora o tempo que passou com os garotos. Trocamos sorrisos cú mplices,
dizendo que nã o iremos contar qual foi o assunto da nossa conversa
secreta entre garotas. Trent ri, pedindo licença para ir ao quarto tomar
um banho, nã o antes de me dar um beijo.
Ele sempre faz isso, é como se fosse um costume indireto. Toda vez
que vai para algum lugar, seja os treinos ou até mesmo mudar de
cô modo no apartamento, Trenton me beija. Nã o entendo o porquê , mas
acho simplesmente a coisa mais fofa e singela do mundo. Um fato que
apenas me serve como mais um incentivo para a decisã o que estou
prestes a tomar.
Vou dizer em voz alta que o amo.
Nã o agora, pois nã o quero correr o risco de estragar o im de
semana com sua mã e, mas no momento certo.
E nã o sei se vou conter minha ansiedade até esse dia chegar.
“A , ,
.
A
- .”
(A B )
— Eu nã o ia te dizer nada para nã o te chatear, mas ela nã o sentiu
saudade nenhuma do papai e da mamã e — Dominique comenta com
um sorriso convencido no rosto, me dando passagem para entrar. — A
madrinha Dom conseguiu distrair sua a ilhada por um im de semana
inteiro. Pode me agradecer com um depó sito bancá rio de mil dó lares na
conta.
— Como se você precisasse desse dinheiro. — Rolo os olhos rindo,
andando até o meu quarto. — Ela está acordada? Ou dormindo?
— Acordada, esperando por você s. Onde está a Jess?
— Ela veio dormindo o caminho inteiro, nã o quis acordá -la. Deixei-a
em casa e resolvi passar aqui depois para pegar Aurora, fazendo uma
surpresa ao seu acordar.
— Que gracinha! — Minha amiga aperta minhas bochechas
exageradamente, adentrando no cô modo. Deixei o berço antigo aqui
por precauçã o, e foi muito ú til. — Caras do seu tipo nã o existem mais.
— Aproveite que eu e meus amigos somos os ú ltimos da linhagem
— brinco, observando seus olhos se revirarem com força. Meu sorriso
se expande ainda mais quando vejo minha ilha deitada no berço,
acordada, procurando pela minha voz. Quando apareço no seu campo
de visã o, ela sorri, esticando seus bracinhos procurando freneticamente
por colo. — Parece que algué m sentiu falta do papai. Você é quem me
deve mil dó lares.
— Ela só está fazendo isso para te agradar — bufa, fazendo bico
enquanto encara a garotinha. — Poxa, Aurorinha! Tı́nhamos combinado
de enganar o seu pai, era para ingir indiferença. Perdeu pontos comigo.
Solto uma gargalhada, a qual contagia a todos, até mesmo a bebê .
Nesse im de semana, Jessamine e eu izemos uma pequena viagem
para comemorar o meu aniversá rio – um presente dela. A data em si foi
algumas semanas atrá s, no dia vinte de novembro, mas como ambos
está vamos ocupados, só conseguimos ir na segunda semana de
dezembro. Deixamos Aurora sob os cuidados dos padrinhos, Dominique
e Bryan, que icaram felizes em poder passar dois dias completos com
ela. Mesmo com um aperto no coraçã o de icarmos longe dela por tanto
tempo, conseguimos curtir cada segundo que passamos juntos. Fazia
muito tempo que nã o nos pegá vamos a só s, sem termos de nos
preocupar com ilha, trabalho e afazeres. Foi incrı́vel, poré m já
está vamos mais do que prontos para voltar à realidade e matar toda a
saudade.
— E normal sentir a falta da pessoa que vai te amar pelo resto da
vida. Ou vai me dizer que nã o sente do Alex quando ele sai?
— Sinto, mas ele nã o precisa saber, senã o vai icar mais metido do
que já é . — Pisca, pegando a bolsa dela enquanto nos dirigimos até a
sala. — Como foi a viagem? Fiquei apaixonada por aquele chalé .
Jessamine nã o parava de encher o nosso grupo de fotos invejá veis.
— Foi incrı́vel. Nã o me lembrava como era relaxar por dois dias
inteiros, aproveitamos cada segundo para podermos voltar com tudo à
realidade.
— Uma realidade que está caindo de sono. — Ri, apontando para
Aurora que acabou dormindo nos meus braços. Coloco-a delicadamente
de lado no sofá , mantendo-a pró xima de mim. — E como estã o as coisas
com a Jess?
— Em que sentido?
— Ah, você sabe... — O sorriso indecente que ilumina seus lá bios me
faz pensar em qual será sua pergunta. — No româ ntico da coisa. Quero
saber como anda o relacionamento.
— Melhor do que nunca. — Abro meu sorriso mais sincero,
pensando em cada detalhe desse im de semana. As fotos que tiramos,
nossos momentos juntos. Ou até mesmo em coisas mais simples, como
observar minha garota colocar nossa ilha para dormir, cantarolando
alguma musiquinha infantil. Pequenos detalhes que corroboram para as
batidas desaceleradas do meu coraçã o. — Posso te confessar uma coisa
em voz alta?
— Até duas.
— Eu amo a Jessamine. — Apó s as palavras saı́rem da minha boca,
vejo Dominique arregalar seus olhos como se estivesse escutando a
maior fofoca do sé culo. — E a verdade. Eu amo essa mulher como eu
nunca amei ningué m na minha vida. E algo... intenso, sabe?
Incompará vel. Quando olho para ela, quando desço meu olhar pelo seu
rosto angelical, quando tomo suas curvas como minhas, quando
simplesmente planto um beijo rotineiro na sua testa, tenho ainda mais
certeza dos meus sentimentos. E algo completamente diferente do que
eu sentia pela Emery. — Engulo em seco ao dizer seu nome. — Nã o há
comparaçã o, e eu a amei muito també m. Você acha que isso é certo? As
vezes, me sinto um cafajeste por me sentir assim.
— Trenton, se há alguma coisa que você nã o é nesse mundo, é ser
cafajeste! — exclama em tom baixo pelo fato da a ilhada estar
dormindo, dando um empurrã o leve no meu ombro. — Elas sã o duas
pessoas completamente diferentes. Seria impossı́vel nã o desenvolver
sentimentos diferentes. Seu tempo com a Em foi bom, nã o foi?
— Foi mais do que bom. Ela foi minha primeira namorada, sempre
terá um lugar especial no meu coraçã o. Poré m, agora, minha vida é
completamente diferente.
— E nã o está feliz com essa mudança?
— Muito. Todos os meus sonhos se realizaram: tenho um bom
emprego, bons amigos, uma famı́lia. Um amor. O que mais um homem
poderia querer?
— Exatamente! Nã o perca seu tempo sentindo peso na consciê ncia
por amar de novo. Emery iria querer que você seguisse em frente,
Trent. Ela jamais gostaria de te ver chorando aos quatro cantos pela sua
morte. Já faz quase um ano. Ainda dó i, e vai doer para sempre. Mas, com
o passar do tempo, temos outras prioridades alé m do sofrimento. E, no
im, só nos restam as boas memó rias que partilhamos com aqueles que
se foram.
Penso em sua fala por um instante. Nã o é preciso muito esforço para
admitir que Dominique está certa, porque raramente está errada. Mas,
dessa vez, nunca ouvi tanta razã o saindo dos seus lá bios.
O medo irracional de me declarar para Jessamine parte do
pressuposto que me sinto mal ao ter dois sentimentos por duas pessoas
em um espaço “curto” de tempo. Já faz mais de um ano, a corrijo
mentalmente depois de notar que sua noçã o de tempo se perdeu. Mais
de um ano que nã o tenho Emery em meus braços. Mais de um ano que
nã o ouço o som da sua voz, sua risada, seu jeito ú nico de me fazer feliz.
Em alguns momentos, sinto sua falta. Gostaria de voltar atrá s e abraçá -
la uma ú ltima vez. Entretanto, uma constataçã o invade minha cabeça:
eu nã o penso mais nela com frequê ncia. Raramente, para ser sincero.
Apenas quando alguma boa lembrança me invade. Meus pensamentos
estã o focados nas mulheres que mais amo: Aurora e Jessamine. Em foi
meu passado, elas sã o o meu futuro. Nã o há o que temer.
— Nã o preciso dizer que você está certa, né ? Já sabe disso.
— Na verdade, precisa sim. Aumenta minha autoestima de
psicó loga.
Bufo com uma risada.
— Tem razã o, doutora Beaumont. Minha vida virou de ponta cabeça
nesse tempo em que tudo foi mudando drasticamente. Mas, quando
olho para trá s, nã o faria nada diferente. Acredito que tudo acontece por
um propó sito maior. E, hoje, consigo entender esse propó sito.
— Entã o diga que a ama. Diga em voz alta, quando sentir que é o
momento certo. Sabemos como a vida é curta demais para guardarmos
nossas palavras e sentimentos, esse foi um dos ensinamentos que
Emery me deixou. Seja feliz agora. Faça a diferença agora. Mais tarde,
pode se arrepender de ter deixado seus medos te consumirem.
DIÁRIO DA EMERY
Trenton, se você estiver lendo isso em algum ponto da sua vida, por
favor, não me ache estranha. Bom, mais do que eu já era. Só você
conhecia o meu verdadeiro eu. Enquanto me seguro para não chorar,
somente quero te lembrar que eu te amo. Cacete, como eu te amo. Se não
fosse por você, eu jamais descobriria o quanto o amor é algo grande, que
vai além da compreensão humana. Algo que não pode ser estudado em
nenhum livro ou descrito em qualquer romance. É um lance nosso, meu
amor. Somente nosso. Me sinto extremamente amada desde a primeira
vez em que nos beijamos, tão repentinamente. Naquele dia, sabia que
estava destinada a te amar.
Se eu não estiver aqui para traçar nossa história, não tem problema.
É porque não era para ser assim. Li em um livro que tudo acontece por
um motivo, razão ou propósito. Esse tipo de pensamento me conforta um
pouco. Caso o pior aconteça, Trent, quero que você siga sua vida. Não se
preocupe comigo. Não pense que estará me “traindo”, porque seria o
maior absurdo do mundo. Tudo o que eu mais quero nessa vida é te ver
feliz, com ou sem mim. Siga em frente, não ouse olhar para trás. Apenas
me guarde com carinho no seu coração, como irei te guardar no meu até
sua última batida.
Se case. Namore uma garota que seja tão incrível quanto você. Tenha
ilhos. Oh, meu Deus. Tenha muitos ilhos. Seus ilhos serão os bebês mais
lindos do mundo. Exijo, no mínimo, dois (brincadeira. Ou não). Uma
menina e um menino. Não perca o tempo da sua preciosa vida sofrendo
por mim. Não vale a pena. Tome o necessário para o luto e siga em frente.
Quero que nossas memórias sejam guardadas com carinho, e não virem
sinônimo de dor.
Continue nadando em direção à praia. Não pare até sentir seus pés
pisando na areia. Quando esse dia chegar, saiba que estarei muito feliz e
realizada por você. Me deixe descansar em paz.
Eu sei que fugir nã o foi a opçã o mais madura, correta e responsá vel
de se tomar. Na verdade, acredito ter sido a pior decisã o que já tomei
nos ú ltimos tempos. Nã o estava acontecendo nada de mais. Era apenas
Trenton, segurando nossa pequena garotinha nos braços enquanto uma
garota, que devia ser pelo menos seis anos mais nova que nó s, a olhava
com admiraçã o.
Uma garota ligeiramente familiar.
Alyssa, irmã de Emery. Reconheci-a no mesmo instante em que
nossos olhos se cruzaram no quarto. Nã o me leve a mal, mas dei uma
boa stalkeada nas suas redes sociais quando descobri tudo o que
aconteceu. E lá , encontrei o per il de sua irmã . Por nã o ser nenhum tipo
de psicopata, nã o iquei fuxicando na sua vida, apenas vi algumas fotos,
logo notando a semelhança entre as duas. Cabelos loiros, olhos azuis,
visual inocente. Elas poderiam ser gê meas, se nã o fosse a diferença de
idade.
De qualquer forma, jamais esperaria encontrar uma parte do
passado de Trent na minha casa. No quarto da minha ilha. Ciú mes?
Talvez. Insegurança? Com certeza. Nã o deveria me sentir assim. Nã o
deveria me sentir ameaçada pela presença de uma garota que,
querendo ou nã o, fez parte da sua vida. Foi apenas aquele pequeno
borbulhar de alerta que salpicou no fundo da minha mente e me fez
correr para o ú nico lugar que eu teria paz: o apartamento das meninas.
Elas nã o estã o presentes, mas ainda guardam minha chave reserva em
caso de emergê ncia. Sendo assim, entrei, atirando meu corpo no sofá ,
bufando repetidas vezes o quanto fui estú pida e infantil.
— Você nã o tem nenhum direito de mexer no que nã o é seu,
Jessamine — murmuro para mim mesma, deixando o diário de Emery
longe de mim.
No impulso da raiva e curiosidade, acabei “o roubando”, mesmo sem
ter coragem de folheá -lo. Nã o me sinto confortá vel em pensar que
estaria invadindo um espaço pessoal que nunca irá me dizer respeito.
Droga, eu deveria voltar. Só precisei de um tempo para colocar meus
pensamentos no lugar e afastar as inseguranças. Estamos felizes juntos.
Temos uma famı́lia. Um bebê de quatro meses que signi ica todo o
nosso mundo. Ela nã o pode mais nos atrapalhar, ou pode?
— Fugir de mim nã o é a melhor escolha, francesa. — Sobressalto-
me ao ouvir sua voz invadindo o cô modo. Com a mã o apoiada no
coraçã o pelo susto, me viro abruptamente, observando Trenton
encostado no batente da porta. — E muito menos a mais madura.
— Onde está Aurora? — digo o primeiro pensamento que me vem à
cabeça. — Por favor, nã o me diga que deixou a nossa ilha com uma
estranha...
— Alyssa nã o é uma estranha para mim — corta, caminhando
lentamente, sentando-se ao meu lado. As vezes – quase sempre –,
admiro sua paciê ncia comigo. — Ela é uma boa menina. Gentil,
con iá vel. Nã o há com o que se preocupar.
— Mesmo assim, nã o a conheço.
— Mas eu conheço. Isso nã o vale de nada?
— E claro que vale. — Suspiro, sentindo seu olhar ofendido caindo
sobre mim. — Poré m, ainda acho que deverı́amos voltar.
— Nã o até você me dizer por que saiu correndo como se tivesse
visto um fantasma.
Mordo o lá bio inferior, sabendo que nã o adianta enrolá -lo por muito
tempo.
— Alyssa é praticamente um fantasma para mim, Trenton. Um
fantasma do seu passado. Eu ainda me sinto insegura quando o assunto
gira em torno de Emery. Infantil, eu sei. Pode até mesmo ser bobo. Nã o
sinto raiva dela. Sei que ela foi uma ó tima pessoa para você no passado,
mas eu sou o seu presente. E quero ser seu futuro. Sempre que nó s
estamos bem, algo acontece. Ou algué m toca no assunto, ou até mesmo
a irmã dela resolve aparecer. Você consegue entender como isso mexe
com a cabeça de uma pessoa como eu?
— Chegou a ler o diá rio? — pergunta, com seus olhos caindo para o
caderno que está ao seu lado. Ele o pega, empurrando-o em minha
direçã o discretamente.
— Nã o. Nã o sou o tipo de pessoa que invade a privacidade de
algué m que já se foi. Tenho meu cará ter e princı́pios muito bem
formados.
— Eu acho que você deveria ler. — Surpreendo-me com suas
palavras e o tom suave na sua voz que mais soa como um pedido. — As
minhas partes. O que ela quis dizer sobre mim.
— Nã o. — Recuso de primeira. — Essas palavras sã o para você,
Trent. Nã o me dizem respeito. Sei que estou errada, agindo feito uma
criança, mas isso nã o me dá o direito de ler algo que nã o é meu.
— Bom, eu nã o concordei com sua atitude. — Em mais uma
surpresa, sua mã o se entrelaça com a minha. Relaxo sob o seu toque
quente, terno. Aquele toque que me lembra como é estar em casa. — Se
você fugir em todo problema que iremos ter, linda, nosso
relacionamento nã o vai funcionar. Jamais te pediria para icar lá
fazendo sala e sendo simpá tica com algué m que te “ameaça”. — Faz
aspas com os dedos. — Poré m, você podia ter esperado Aly ir embora
para que pudé ssemos conversar feito dois adultos.
— Sei disso... me desculpe. — Apoio a cabeça no seu ombro,
sentindo o peso da minha atitude pender. — Me desculpe por ter
simplesmente ido embora, nã o foi a melhor decisã o a ser tomada. Estou
morrendo de vergonha.
— Tudo bem, te perdoo. — Ele me abraça, o cheiro do seu perfume
invade minhas narinas. Envolvo seu pescoço, trazendo-o para mais
perto. — Ainda acho que deveria ler o diá rio. Vai te ajudar a entender
uma parte da morte de Emery que nem eu mesmo conseguia entender.
Respiro fundo, pensando sobre o assunto. “Ler esse diário me faria
mais bem ou mal?”, questiono a mim mesma enquanto encaro o chã o da
sala. Mal ele nã o fará . Pois, se o izesse, Trenton jamais me pediria para
ler. Ele tem completa noçã o do quanto esse é um assunto delicado para
mim. Meu namorado está me con iando um pedaço do seu passado que
pode nos ajudar a inalmente dar um basta nesse assunto. Uma hora ou
outra, terı́amos que conversar sobre ela. Então por que adiar quando se
pode fazer agora?
— Ok, eu leio. — Tomo a decisã o, pegando o caderno, inspirando e
expirando o ar lentamente. — Me deseje sorte.
Com uma risadinha, Trent beija o topo da minha testa antes de me
guiar para as pá ginas que lhe dizem respeito. Conforme leio cada
palavra que está escrita, sentindo um aperto no coraçã o indescritı́vel
por ser de uma pessoa que se foi, lá grimas brotam em meus olhos até
escorrerem pelo rosto. Cada palavra, cada declaraçã o, vieram de uma
pessoa que o amava exatamente como eu o amo. Uma pessoa que
queria vê -lo feliz, independente da sua presença ou nã o. Em apenas lhe
desejava coisas boas, ela nã o tinha nenhum amargor dentro do peito.
Ela queria que seu namorado seguisse em frente caso o pior
acontecesse – como aconteceu.
Concordo em partes, em meio à risadinhas, quando ela diz que suas
palavras sã o meio mó rbidas, porque, de fato, sã o, mas verdadeiras.
Emery tinha uma visã o do amor que poucas pessoas tê m. Ele nã o
era um amor unitá rio, egoı́sta. Seu maior desejo era que Trenton
encontrasse uma garota legal e formasse uma famı́lia, sem olhar para
trá s. E foi exatamente o que ele fez.
Ao fechar o diá rio, sentindo meu ó rgã o vital pulsando pela garganta,
uma paz de espı́rito indescritı́vel me invade. Porque eu sou essa garota
legal com quem ele tem ilhos. Eu, apenas eu, Jessamine Lanoie, e mais
ningué m. Pensando com clareza, precisá vamos desse diá rio. Ambos. Foi
como um ponto inal em linhas in initamente escritas.
— Isso foi tã o... uau. — Suspiro, fechando o objeto, colocando na
mesa de centro. Quando tenciono secar minhas lá grimas, ele faz isso
por mim, moldando meu rosto com ambas as mã os, nos deixando a
centı́metros de distâ ncia. — Nã o sei descrever o que estou sentindo. E
um misto de pesar, gratidã o, alı́vio. Sã o palavras lindas. Ela realmente te
amava.
— Emery me amava exatamente como eu te amo.
Todo ar resguardado nos meus pulmõ es some. Pelo susto, acabo me
afastando um pouco, visualizando todo o seu rosto.
Ele acabou de dizer o que eu ouvi?
— C-como?
— Eu amo você , Jessamine. — Volta a se aproximar, trazendo-me
para o seu colo. Posiciono ambas as pernas ao lado das suas, ainda sem
acreditar. — Eu te amo há um bom tempo. Estava apenas criando
coragem para te dizer, buscando o momento certo, e nã o posso mais
guardar esse sentimento dentro de mim. Você me fez acreditar
novamente no amor. Me fez perceber o quanto é bom amar e ser amado
de volta. Você literalmente me salvou, Jess. Quando nem eu mesmo
sabia que precisava ser salvo.
— Eu... amo você també m — repito suas palavras com a voz
trê mula, nã o conseguindo acreditar que esse dia inalmente chegou. —
Deus, como eu amo você . Nã o sei nem o que dizer...
— Entã o nã o diga. Se teve uma coisa que aprendi ao seu lado, é que
nem sempre palavras precisam serem ditas.
Em um ı́mpeto, ele traz seus lá bios para se unirem aos meus.
Nã o consigo hesitar. Nã o consigo pensar em mais nada que nã o seja
o calor da sua boca me cobrindo, me explorando, tomando posse de
partes minhas que sã o totalmente suas.
Ele me ama.
Eu o amo.
E nada mais importa.
“P .
E .”
(A B )
VÉSPERA DE NATAL...
Aurora e Nevada sã o uma dupla infalı́vel. Enquanto termino de
vestir sua roupinha de Natal, que consiste em um body vermelho todo
decorado de bengalas verdes, feito por mim, a cachorrinha faz questã o
de icar ao meu lado, os olhos atentos no bebê , como se estivesse
demonstrando sua preocupaçã o.
Estamos na casa dos meninos, aguardando pela chegada de Bryan e
Ellen, os ú ltimos integrantes que faltam para a nossa ceia natalina estar
completa. Trenton, Esther e Dominique passaram o dia inteiro na
cozinha, preparando todos pratos – que, com toda certeza do mundo,
estã o deliciosos – enquanto eu e Alexander nos ocupamos de arrumar a
casa.
Ao meu favor, minha garotinha passou o dia inteiro praticamente
dormindo, com sua iel escudeira fazendo escolta e latindo caso ela
ameaçasse começar a chorar. Tudo está perfeitamente acomodado,
desde a á rvore de Natal até os enfeites luminosos que dominam desde a
cozinha até a sala.
Sorrio, satisfeita ao ver como minha ilha está linda, colocando um
lacinho na sua cabeça, o qual faz um bom contraste com seus leves
cachinhos pretos antes de dar mais uma alisada no meu vestido,
igualmente vermelho.
— Está precisando de ajuda, francesa? — Trenton pergunta,
adentrando o seu antigo quarto com os cabelos molhados, já vestido.
Ele usa uma camiseta social vinho, combinando com meu vestido.
Calça jeans, tê nis. Nada muito so isticado, pois estamos em famı́lia, mas
també m sem parecer relaxado. Lindo. Tira meu ar quando seu perfume
invade minhas narinas, fazendo-me caminhar até seu alcance, passando
ambas as mã os pelo seu pescoço e o beijando.
— Nã o, lindo. Terminei de arrumar nossas ilhas. — Aceno com a
cabeça para Aurora e Nevada, que estã o deitadas na cama. Ela se agita
ao ver o pai, balançando suas perninhas, implorando indiretamente por
atençã o.
— Sentiu minha falta, pequena? — Ele pega a ilha no colo,
enchendo seu rosto de beijos enquanto ela solta deliciosas gargalhadas
de bebê , tentando abraçar seu pescoço. — Parece que sim.
— Um dia inteiro sem sua atençã o faz falta para nó s. — Faço um
bico dramá tico, apoiando a cabeça no seu ombro. — Gostou das
roupinhas que eu iz?
— Ficaram lindas. Exatamente como a dona — elogia, observando
os detalhes presentes no body, parando para olhar a de Nevada
enquanto acaricia seus pelos brancos. — Nã o pensa em lançar uma
linha de roupas infantis?
— Talvez um dia. Por enquanto, meu foco é conquistar primeiro os
seus pais para depois chegar nos ilhos. — Dou uma risadinha, voltando
a colocar a cachorra no chã o, que corre para o andar debaixo. — Como
estã o as coisas na cozinha?
— Estavam ó timas, até o Alex querer opinar do seu jeito brincalhã o
nos pratos da Dom e levar uma “colherada” de pau na cabeça e icar
com um galo. — Ri alto.
Meus olhos se arregalam perante a informaçã o.
— Eu nã o acredito! Por Deus, Dominique nã o deixa nada barato.
— Ele mereceu. Ningué m mandou cutucar a fera indomada, que
estava quieta. Obvio que, apó s ver que o galo icaria feio, ela encheu o
rosto dele de beijos, mas nã o pediu desculpas. Apenas murmurava:
“Você mereceu, seu cretino”.
— A boa e velha Dominique Beaumont, que nã o muda nem com o
amor da sua vida.
— O amor nã o deve nos mudar, minha linda. Ele apenas deve nos
mostrar nossa melhor essê ncia. — Pisca, entrelaçando nossos dedos.
Descemos até a sala de estar, onde Dom está fazendo um curativo no
seu namorado e Esther terminando de colocar os ú ltimos pratos na
mesa.
— As convidadas de honra chegaram.
— A convidada de honra chegou. — Minha amiga para de colocar
gelo na testa do namorado, correndo para pegar sua a ilhada. — Meu
Deus, como você está linda, baby Aurora!
— Ei, nã o está se esquecendo de nada? — Alex aponta para o galo
na sua cabeça.
— Você tem duas mã os perfeitas, meu bem. Pode muito bem icar
segurando seu pró prio gelo.
— Essa garota é dura na queda! — Esther comenta, juntando-se a
todos nó s. — Pensei que os boatos ao seu respeito nã o fossem tã o
verdadeiros.
— E é por isso que eu a amo, senhora Grant. — Todos nó s
murmuramos um “Own” em conjunto, vendo as bochechas da garota
corarem. — Viu só ? Te deixo corada em troca de um galo. A vingança é
um prato que se come frio.
— Vai se f... — Antes de dizer o palavrã o, ela percebe que está com a
sobrinha no colo, interrompendo. — Vai... vai ser feliz, Alexander.
— Só se for com você .
— Nã o te falei que eles eram fofos de um jeito estranho? — sussurro
para minha sogra, ao mesmo tempo que observamos os trê s
conversando. — E a essê ncia de ambos como casal.
— E, de fato, sã o. — Dá uma risadinha. — Mas nã o sã o melhores que
o meu casal favorito. Como estã o as coisas com o Trenton?
— Melhores impossı́vel. — Solto um suspiro apaixonado, olhando
para o assunto da conversa. Ele está falando animadamente com seus
amigos, fazendo brincadeiras para a ilha rir e contagiar o ambiente.
Exalando uma espé cie de felicidade palpá vel para todos verem. — Nos
amamos, Esther. Nunca me senti tã o feliz e completa, tenho
absolutamente tudo. A ú nica coisa que me faltava nessa noite era a
companhia da minha irmã , Eleanor. Queria muito que você s se
conhecessem. — “Queria muito que você desse seus conselhos sábios
para o seu coração partido”, penso comigo mesma.
— Por que ela nã o vem? Te ouço falar tanto dessa garota, que parece
que já a conheço.
— As coisas estã o complicadas no seu relacionamento — bufo,
espantando a preocupaçã o de irmã mais velha. — Eles praticamente
estã o separados, mas meio que ainda nã o querem admitir, entende? Ou
nã o querem aceitar. Entã o, no que provavelmente será uma falha
tentativa de reatar, El resolveu passar o Natal com a famı́lia dele.
Mesmo comigo insistindo para que os dois viessem até aqui.
— Você é a tı́pica irmã mais velha coruja, nã o é ?
— Sim, sou — admito com um sorriso envergonhado. — Ela sempre
será o meu bebezinho. Minha irmã zinha mais nova que merece todo
amor do mundo. Odeio vê -la sofrendo.
— O sofrimento faz parte do crescimento, querida. — Apoia sua
mã o contra a minha carinhosamente. — Felizmente, nã o podemos
poupar as pessoas ao nosso redor de sofrerem. Isso é mais do que
necessá rio para amadurecermos. Pense que, um dia, será Aurora vindo
chorar no seu ombro por uma desilusã o amorosa.
— Nã o, nã o e nã o! — Balançando a cabeça em negaçã o, arranco
uma gargalhada dela que me contagia. — Sinto calafrios só de pensar
nesse dia chegando. Ainda tenho muito tempo pela frente.
— Ele passa voando. Quando menos perceber, sua ilha terá dezoito
anos e estará querendo mudar de cidade para fazer faculdade. Em um
piscar de olhos, ela te contará sobre o primeiro amor, primeiro beijo,
primeira vez...
— O que você está falando que parece estar causando enjoos na
minha namorada, mamã e? — Trenton interrompe nossa conversa,
apoiando a mã o no meu ombro.
— Apenas passando um pouco da realidade de como é criar um
ilho — graceja, dando um gole no vinho que está tomando. — Ainda
mais com uma ilha, que será tã o bonita quanto a mã e e o pai. Já está
preparado para lidar com seus paqueras?
Ele també m faz careta, estremecendo o corpo exageradamente.
— Nã o, e nã o quero nem pensar nisso agora.
— Pois deveria. Aurora Grant Lanoie será o centro das atençõ es por
onde passar. No colegial...
— Mã e, você está querendo me matar do coraçã o? — Apoia a mã o
no peito dramaticamente. — Fazer isso com o pró prio ilho é ...
— Eu preciso de você s! — Todos somos interrompidos por um grito
gutural que invade a casa. Andamos apressadamente até a sala,
assustados, com os olhos se arregalando ao ver Ellen na porta.
O que nos assusta nã o é sua presença, mas sim o que a envolve:
sangue. A ruiva está usando um vestido branco, todo manchado de
vermelho. Um vermelho fresco, assustador.
Aurora imediatamente começa a chorar, entã o Trenton se
encaminha de levá -la para o andar de cima, sem entender
absolutamente nada. Aliá s, ningué m está entendendo nada.
— Ellen, o que aconteceu? — Aproximo-me delicadamente.
Ela recua, assustada ou com medo de me sujar.
— Eu nã o sei. Estava tudo programado, Bryan passaria no nosso
apartamento para me pegar, porque nã o consegui dizer nã o aos seus
olhos pidõ es, que imploravam pela minha companhia. — Para nossa
surpresa, ela ri. Sem encarar ningué m, itando um ponto ixo no chã o,
demonstrando seu estado de choque. — Deveria ter recusado, deveria
ter sido mais irme. Eu nã o o amo. Nunca vou amar. Nem sequer gosto
dele como ele gosta de mim...
— Nó s já sabemos disso — Alex corta a conversa. Exalando
preocupaçã o e medo, ele apoia ambas as mã os nos ombros de Ellen,
sem se importar em estar se sujando. — Que porra aconteceu para você
estar coberta de sangue?
Um silê ncio ensurdecedor atravessa toda a casa. Nem mesmo
Aurora está chorando. Nevada nã o ousa latir. Estamos tã o
concentrados, prestando atençã o em cada palavra que sai da boca
trê mula da garota ruiva e ensanguentada, que o tempo para por um
minuto. Meu coraçã o desfalca do peito apó s ouvir sua frase. Sua
sentença inal, algo que afetaria a vida de todos nó s para sempre.
— O Bryan levou um tiro. Ele está no hospital, e nã o sei dizer se vai
conseguir sair dessa.
CONTINUA EM
“IRREVOGÁVEL”.
“O
.”
(A B )
— Papai, por que você tá aqui sozinho? — A doce voz da minha
garotinha preenche meus ouvidos.
Me viro no banco em que estou sentado, vendo-a de mã os dadas
com a avó .
— Me desculpe te interromper, ilho, mas ela começou a sentir sua
falta na festa.
— Nã o tem problema. Minha princesinha nunca me incomoda. —
Pego-a no colo, dando um beijo no seu rosto, atrapalhando-me nas
vá rias camadas do seu vestido de dama de honra. — O Chase já dormiu?
— Já ! — bufa, cruzando seus braços na altura do peito, fazendo uma
careta que me lembra sua mã e. — Ele é muito fraco pra festas.
— Ele só tem um ano, pequena. — Rio, ajeitando seus cabelos. —
Nessa idade, você també m era assim.
— A madrinha Dominique e o tio Alex me disseram que ele estava
mais alerta hoje. Foi só tomar um pouco de mamadeira e bum! — Ela
“cai” com a cabeça dramaticamente no meu ombro, imitando o ilho de
nossos amigos. — Caiu no sono.
— Como se você nã o izesse o mesmo. — Cerro meus olhos em tom
zombeteiro. — Nã o te dá sono depois de comer?
— Sim, muito.
— Exato. Aconteceu a mesma coisa com ele, meu amor. Mas Chas
ainda é um bebezinho. Você é um bebê crescido.
— Tá bom, papai. — Apoia a cabeça no meu peito, brincando com os
dedos da minha mã o. — Nã o podemos entrar? Tô icando com frio.
— Vai com a vovó , princesa. — Lanço um olhar para a minha mã e,
que logo pega a neta do meu colo. — Preciso pensar mais um pouco.
Prometo que em breve estaremos lá , dominando a pista de dança.
— Junto com a mamã e?
— Com todo mundo que você quiser. — Sorrio, dando um ú ltimo
beijo na palma da sua mã o. — Eu te amo.
— També m te amo.
Ela me dá um “tchauzinho” com a mã o enquanto retorna para o
salã o principal.
Hoje, estamos celebrando minha festa de casamento com Jessamine.
Sim, casamento. Uma ideia que me apavorou por tanto tempo se
transformou em um sonho, e nesse dia, se tornou realidade.
Como planejamos há alguns anos, celebramos na praia, trazendo
apenas a famı́lia e amigos mais pró ximos. O jardim do salã o, lugar onde
estou, tem uma vista de tirar o fô lego para o mar. Em retrospectiva,
encosto a cabeça no banco, inspirando o ar puro e praiano, pensando
em tudo o que nos ocorreu desde quando nos conhecemos até agora.
Sua marca de roupas, Lanoiê, deixou de ser apenas uma pequena
loja on-line para se tornar uma das maiores empresas de Boston em
pouco tempo. Jess nã o poderia estar mais satisfeita com o seu trabalho,
expandindo seu negó cio para lojas fı́sicas por toda cidade, e planejando
levá -la para mais lugares do mundo.
Eu nã o poderia estar mais orgulhoso, ver a mulher que amo, ver
minha esposa feliz me deixa no mesmo estado de espı́rito
automaticamente. Do meu lado, consegui inanciar meu pró prio centro
de treinamento para basquete pro issional. Já tenho uma boa gama de
alunos e funcioná rios, os quais sã o, em grande maioria, pertencentes à
universidade. Uns estagiando, outros treinando para conseguirem
ingressar nas grandes ligas. Eles sã o meus orgulhos. Juntos, somos
todos um time. Nã o me imagino fazendo outra coisa que nã o seja
treiná -los para serem os melhores. Por enquanto, meu atual maior
sonho é ver um deles na televisã o, representando o time que deseja
ingressar, para poder sentir meu peito se enchendo da sensaçã o de
“dever cumprido”.
— Abandonar a pró pria noiva no dia do seu casamento é um dos
sete pecados capitais, sabia? — Jess comenta com um sorriso sapeca,
sentando-se ao meu lado.
Dou o meu sorriso mais apaixonado ao vê -la do meu lado.
— Esposa, nã o noiva.
— Oh, droga! — Dá um tapinha leve na pró pria testa como
“puniçã o”. — Eu havia me esquecido que agora sou casada.
— Se acostume, Jessamine Lanoie Grant. — Puxo-a para o meu
peito, fazendo-a recostar a cabeça contra ele, esticando as pernas pelo
banco.
Seu vestido de casamento é um tom de bege meio rose, com um tule
transparente nos ombros, detalhes em renda branca caindo até a saia.
Um cinto ino, dourado e discreto traz um ar a mais de glamour para a
peça, que foi inteiramente desenhada por ela. Minha mulher é , sem
sombra de dú vidas, a noiva mais bonita do mundo.
— Esse é o nosso felizes para sempre.
— Jessamine Lanoie Grant — repete seu novo nome, fechando os
olhos em suspiro, mas logo os abrindo para se encontrarem com os
meus. — E um bom nome, Trenton Lanoie Grant. O que você está
fazendo aqui sem ningué m?
— Estava parando para pensar um pouco, linda. — Ajeito uma
mecha de cabelo que se desprendeu do seu coque atrá s da orelha,
observando seu rosto descansar contra minha palma. — Em tudo o que
vivemos até aqui. Nosso primeiro beijo, primeiro encontro, o
nascimento da nossa ilha... todos os fatores que corroboraram para
estarmos aqui.
Suas bochechas coram diante das palavras ditas.
— E chegou a alguma conclusã o?
— Apenas de que você é o amor da minha vida. — Dou um sorriso,
fazendo com que ela se sente, aproximando o rosto do meu, deixando
nossos lá bios pró ximos. — E de que iremos passar toda a eternidade
juntos, exatamente como nos nossos votos.
— Na saú de e na doença, na riqueza e na pobreza, mesmo quando
odiarmos um ao outro.
— Especialmente quando odiarmos um ao outro. Se bem que é
impossı́vel te odiar.
— Mesmo na minha TPM? E també m quando chego sem paciê ncia
alguma do trabalho?
— Ok, esses dias sã o mais difı́ceis... — admito, levando um
empurrã o no ombro seguido de uma gargalhada deliciosa. — Poré m,
nã o deixo de te amar. Você ica quente como nunca quando está com
raiva.
Jess revira os olhos, sem tirar o sorriso do rosto.
— Tudo bem, eu aceito. També m te suportarei nos dias de treinos
malsucedidos.
— Viu só ? Fomos feitos um para o outro.
— Eu sei. — Ela beija meus lá bios com leveza, voltando a itar o mar.
— Eu amo você , Trenton. Amo ser sua esposa. Vou te amar até a ú ltima
batida do meu coraçã o.
— Eu també m amo você , francesa. — Abraço seu corpo apertado. —
Vou te amar daqui pela eternidade.
— Juntos para sempre? — Estende o dedo mindinho na minha
direçã o, pedindo por uma promessa.
Entrelaço-os.
— Juntos para sempre.
Voltamos para a festa apó s passarmos mais um tempo em silê ncio,
admirando o oceano, contemplando nossas juras de paixã o que nã o
precisam necessariamente serem ditas.
Quando colocamos os pé s no salã o, Aurora corre animadamente
para o nosso colo, nos puxando para a pista de dança. O resto da noite
se alastrou com todos nó s em famı́lia, comemorando, fazendo gracinhas
para todos rirem e preenchendo o ambiente com o ú nico sentimento
que conseguimos exalar: o amor.
Por muito tempo, pensei que seria infeliz pela eternidade.
Acreditava que nunca mais conseguiria ser feliz novamente. Para minha
sorte, estava errado. Enquanto via minha linda esposa chamando a
atençã o de todos que pregavam os olhos no seu corpo, reluzente à sua
luz pró pria no salã o, comemorando com os amigos e famı́lia enquanto
dançava com a nossa ilha no colo, percebi que a felicidade estava nos
pequenos detalhes. Eu nã o precisava de muito para ser feliz, nunca
precisei. Basta um simples beijo de Jess no começo do dia, um “eu te
amo, papai” vindo de Aurora para me deixar completo.
Elas sã o tudo o que eu preciso. Minhas meninas, minhas garotas,
minha famı́lia. Ainda temos muito pela frente. Vamos sorrir juntos,
brigar juntos, comemorar juntos. Independente de qual for a
tempestade, sabemos que temos um ao outro.
No inal das contas, Jessamine conseguiu.
Ela conseguiu ser a luz ofuscante que faltava para iluminar o
coraçã o do garoto destruı́do.
E eu nã o poderia ser mais grato por esse feito tã o extraordiná rio.
E se a Emery nunca tivesse falecido, o que teria acontecido na história de
Jessamine e Trenton?
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Trilogia CORRUPTOS:
Corrompido – Livro 1
Destruído – Livro 2
Irrevogável – Livro 3
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