DESTRUIDO - Trilogia CORRUPTOS, - Luiza Luz

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Copyright © 2021 Luiza Luz

Capa:
Larissa Chagas (@lchagasdesign)

Cré dito de imagens:


Adobe Stock ©

Revisã o e Diagramaçã o:
Carla Santos (@carlafs_site)

DESTRUIDO, Trilogia Corruptos – Livro 2 [continua em IRREVOGAVEL],


Luiza Luz — 1ª Ed., 2021.

1. Romance 2. New Adult 3. Contemporâ neo 4. Ficçã o I. Tı́tulo

Essa é uma obra de icçã o. Os nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos na obra sã o produtos da imaginaçã o da
autora. Qualquer semelhança com nomes e acontecimentos reais é
coincidê ncia.

Todos os direitos reservados à Luiza Luz.


E proibida a reproduçã o total e parcial desta obra de qualquer forma ou
quaisquer meios eletrô nicos, mecâ nico e processo xerográ ico, sem a
permissã o da autora.
(Lei 9.610/98)
Capa
Folha de Rosto
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Capı́tulo 1
Capı́tulo 2
Capı́tulo 3
Capı́tulo 4
Capı́tulo 5
Capı́tulo 6
Capı́tulo 7
Capı́tulo 8
Capı́tulo 9
Capı́tulo 10
Capı́tulo 11
Capı́tulo 12
Capı́tulo 13
Capı́tulo 14
Capı́tulo 15
Capı́tulo 16
Capı́tulo 17
Capı́tulo 18
Capı́tulo 19
Capı́tulo 20
Capı́tulo 21
Capı́tulo 22
Capı́tulo 23
Capı́tulo 24
Capı́tulo 25
Capı́tulo 26
Capı́tulo 27
Capı́tulo 28
Capı́tulo 29
Capı́tulo 30
Capı́tulo 31
Capı́tulo 32
Capı́tulo 33
Capı́tulo 34
Capı́tulo 35
Capı́tulo 36
Capı́tulo 37
Capı́tulo 38
Capı́tulo 39
Epı́logo
Bô nus
Agradecimentos
Biogra ia
Obras
“A
.”
(A B )

Minha vida parece uma grande peça de teatro.


Desde quando me entendo por gente, sempre tive essa sensaçã o de
viver tã o intensamente, aproveitando todos os momentos
proporcionados, que parecia estar vivendo um ilme.
Talvez meu jeito espirituoso e alegre possa incomodar muitas
pessoas, mas viver com pais rigorosos e pouco compreensivos me
ajudou a formar esse cará ter. Ao invé s de me fechar, de me tornar uma
pessoa rude e mesquinha, resolvi ser feliz, animada, com meu “sorriso
contagiante”, como muitos dos meus amigos costumavam reparar,
tentando esquecer todas as porcarias que me cercavam. A inal, viver
com um casal que claramente nã o se ama e que se recusa a ouvir a tã o
temida palavra “divórcio” me fez crescer em um lar cheio de brigas,
discussõ es, por vezes o nomeava de inferno na Terra.
Mas nã o poderia desistir por ela. Eleanor Lanoie, minha irmã mais
nova, que está do outro lado da linha nesse exato instante, me
disparando mil e uma perguntas, enquanto encaro meu re lexo no
espelho.
E madrugada de Ano-Novo e estou praticamente acabada.
Maquiagem borrada, olhos marejados, teste de gravidez que comprei
por pura paranoia e, bê bada, resolvi fazer para provar a mim mesma de
que estava delirando. Até parece. Delı́rios nã o te causam ná useas,
inchaços no seio, dores de cabeça. Delı́rios sã o um surto da nossa
mente altamente programada para nos destruir,
E como eu queria que minha cabeça estivesse apenas me
destruindo.
Poré m, ao contrá rio, ela está me deixando destruída.
— Jess, você precisa se acalmar — murmura do outro lado da linha,
evidentemente preocupada com meus soluços. Saber que estou grá vida
me tirou de um estado de embriaguez para plena sobriedade, junto de
uma dor de cabeça bô nus. — Tem certeza de que é positivo? Estava bem
bêbada quando me ligou há algumas horas.
— Estava bê bada, mas nã o cega, El! — ralho, fechando meus olhos
com força ao notar que minha fala sai mais rude do que o esperado. —
Me desculpa, nã o quis ser grossa.
— Sei disso. — Suspira pesadamente. — Eu não... eu não sei o que te
dizer. Deveria icar feliz? Com raiva? Ligar para uma clínica?
— Queria ter a resposta para todas as suas perguntas — declaro
contendo mais um soluço, abraçando meus joelhos, sentindo a solidã o
me invadir. — Nã o faço a menor ideia do que fazer. Nã o sei se quero ter
um ilho, nã o sei se ele quer ter um ilho... Por Deus, Eleanor! A
namorada dele morreu há quatro meses. E muita informaçã o.
— E? Isso não é problema seu. — Posso imaginá -la revirando os
olhos.
Quando lhe contei toda a histó ria de Trenton e que está vamos tendo
uma espé cie de amizade colorida, minha irmã nã o aprovou nem um
pouco. Sei que é seu instinto protetor falando mais alto, mas nã o pude
evitar. Trenton Grant é inevitável.
— Não quis fazer sem camisinha? Que assuma as consequências feito
um homem de verdade!
— Você pode, por favor, nã o gritar? Minha cabeça está latejando, já
nã o basta Dominique berrando do outro lado da porta.
Faço careta ao me recordar de que, depois de jogar a bomba em
meus dois amigos, os quais estavam praticamente no pré -coito, corri
para me trancar no banheiro e ligar para quem deveria contar primeiro.
Eles tentaram entrar, me dar apoio, mas nã o sã o quem quero ouvir
nesse momento.
— Foi mal, só que não é todo dia que sua irmã te liga aos prantos em
pleno Ano-Novo para contar que engravidou. Nunca aconteceu comigo —
ironiza, e acabo mostrando meu dedo mé dio, apesar de saber que ela
nã o pode ver.
— Eu sei, e me desculpe por te assustar. Mas eu... eu nunca quis ter
ilhos. — Mordo meu lá bio inferior, fechando os olhos com força. — E
você sabe o motivo.
— Sim... sei muito bem. — Solta um longo suspiro, poré m nã o toca
no assunto que tanto me assombra, e acabo agradecendo-a
mentalmente pelo feito. — Vou pegar um voo nessa semana.
— O quê ? Nem pensar! — discordo imediatamente, sentindo o peso
nas costas. Já nã o basta acabar com a minha vida, nã o preciso fazer isso
com a dela. — Fique na faculdade e estude. Sé rio, vou icar bem.
— Não estou te pedindo permissão, estou avisando que vou — diz
com irmeza. — Chris vai também, ele quer te conhecer.
— Nã o pare sua vida por mim, El. — Engulo o choro com toda força
que tenho, inspirando e expirando o ar. — Nã o perca tempo, eu vou
icar bem. Vou dar um jeito, sabe disso.
— E se tiver uma crise? E se precisar de alguém familiar para te
confortar? Eu daria a minha vida por você, Jessamine. Do mesmo jeito
que sempre deu a sua por mim — argumenta com a voz igualmente
embargada, e sei exatamente do que está falando. Esse pequeno fato faz
uma ú nica lá grima grossa e pesada escorrer pelo meu rosto conforme
encosto a cabeça na parede. — Não tem discussão. Nossas aulas
começam somente em três semanas, podemos alugar um hotel ou sei lá,
vejo se os avós do Christopher têm algum contato por aí.
— Hum, entã o namorar o ilho de uma famı́lia de mé dicos
prestigiados tem suas vantagens — brinco ao lembrar de suas histó rias
sobre o nome e a grande in luê ncia dos pais e avó s de seu namorado. —
Meu medo é te deixar presa.
— Sou um espírito livre, sis. Abro uma exceção para a mulher que
mais amo nesse mundo. — Dá uma risadinha, usando nosso apelido de
infâ ncia. O simples fato de conversar com essa garota acalma o meu
coraçã o de uma forma indescritı́vel. Por alguns segundos, esqueço que
o pior ainda está por vir. — Vai dar tudo certo, ok? Estarei aí para
segurar sua mão, seja numa clínica de aborto ou em uma sala de parto.
Jess e El juntas até o im, lembra?
Nã o me aguento, e acabo chorando ao me lembrar da nossa jura.
— Eu amo você , Eleanor. Amo mais do que qualquer outra coisa
nesse mundo.
— Eu também te amo muito. Me espere aí nessa cidade, tá legal? Te
passo as informações da viagem depois. E qualquer coisa, absolutamente
qualquer coisa, me ligue.
— Ok, pode deixar. — Me acalmo, levantando do chã o e lavando o
rosto rapidamente. — Obrigada por me atender, e desculpe por ligar tã o
tarde.
— Nunca é tarde demais para ouvir sua voz, apesar da situação ser
uma merda. Nos falamos amanhã com mais calma.
Apenas concordo, desligando o telefone em seguida. Juntando todas
as energias que ainda me restam – apesar de serem quase nulas – volto
até o quarto, onde encontro Dominique e Alexander sentados na cama,
cem por cento vestidos. Ou quase. Ela está usando a camiseta que ele
havia vestido, enquanto ele pegou uma nova.
Eles sã o um casal fofo. Estranhos em grande parte do tempo, mas
graciosos na mesma proporçã o. O que mais tira meu fô lego ao observá -
los juntos é ver o quanto o amor deles permanece mú tuo. A forma como
se olham, demonstrando carinho, devoçã o e sentimentos, sem palavras
precisarem serem ditas, me causa inveja. Porque ela pode nã o ser o tipo
de mulher que curte grandes gestos, demonstraçõ es ou coisas normais,
mas ele a entende. Por exemplo: agora, a vejo sentada no seu colo
enquanto um carinho delicado é traçado nos seus ios. Uma
demonstraçã o pequena, discreta, que a faz sorrir para ele como nunca
vi antes. A forma como Alex a olha é encantadora, apaixonante.
Como Trenton nunca me olhou.
E temo que nunca será capaz de olhar.
— Bom, eu conheço uma boa clı́nica de aborto — declara
repentinamente, fazendo com que eu e Alex conduzimos nosso olhar
incré dulo para ela. — O que foi? Sou uma mulher precavida!
— Meu bem, você nem sabe se ela quer abortar. — Dá uma
risadinha, beijando o topo da sua testa. Nã o falei? Fofos e estranhos ao
mesmo tempo. Chega a ser equilibrado.
— Ah, certo. — Seu olhar se direciona até o meu. — O que você quer
fazer, Jess?
— Nã o faço a menor ideia — repito as mesmas palavras que disse
há alguns minutos, sentando na cama, apoiando as mã os na cabeça. —
Porra, é um bebê ! Bebê s custam caro, e nã o estou falando só na questã o
monetá ria. Exigem tempo, dedicaçã o... e só tenho vinte e cinco anos.
— Idade é apenas uma questã o de nú meros. Se for sua vontade,
aposto que será uma mã e incrı́vel. — Alex tenta me confortar,
entregando-me um sorriso gentil. Gosto dele. Sempre gostei, na
verdade. Ele parece ser o tipo de pessoa superprotetora, mas que
esconde suas vontades atravé s da carranca de bad boy.
— Mas se nã o for sua vontade, nã o iremos te julgar — acrescenta
Dominique, sendo o outro pilar da linha tê nue. — Por mais que seja um
tabu dos infernos.
— E o Trenton? Ele está sabendo de tudo isso?
Trenton. Sinto vontade de vomitar só de ouvir seu nome.
— Nã o... Deixei-o dormir. Queria evitar preocupaçõ es, conversar
com algué m antes de o encarar. Nã o sei se tenho estruturas para lidar
com sua reaçã o.
— Trent é um cara compreensivo — garante com irmeza ao falar do
amigo. Quase reviro os olhos, entretanto me contenho. — Ele vai
respeitar e apoiar sua decisã o, seja qual for.
— E verdade. Dos trê s, é o mais responsá vel.
— Você s nã o entendem. — Acabo soltando uma risada irô nica.
Jamais pensei que estaria disposta a revelar aos seus amigos sobre
as demais facetas da nossa relaçã o. Nã o somos tó xicos ou abusivos um
com o outro. Nomearia de complicados, mas vai alé m disso. Vai alé m
porque ele nã o estaria do meu lado. Porque uma voz no fundo da minha
cabeça insiste em jogar na cara que Trenton iria cair fora, me deixando
sozinha com... nosso ilho.
— E complicado.
— Entã o nos explique.
“Como explicar o inexplicável?”, pergunto para mim mesma enquanto
penso no que dizer. Para começo de conversa, deveria dizer tudo o que
aconteceu na noite em que nos conhecemos.
Sendo assim, vamos para o começo da nossa histó ria.
Que, sinto em lhes dizer, nã o posso garantir que terá um inal feliz.
“E, ,
.”
(A B )

PASSADO
Assistir Alexander afrontar Dominique, mais conhecida como sua
rival, foi uma das melhores coisas que aconteceu comigo no quesito de
entretenimento até agora. Essa mulher nã o tem medo de discutir com
meu amigo, e posso perceber que está disposta a colocá -lo em seu
devido lugar, pois nem hesitou ou muito menos pestanejou enquanto
ambos se encaravam, emitindo aquela atmosfera de ó dio por toda
cozinha, chamando a atençã o dos demais integrantes da festa. Poré m,
eu e Bryan tivemos a sorte de estar no camarote, praticamente frente a
frente de ambos, inspirando o mesmo ar odioso.
— Cara, eu achei que ela fosse te comer vivo! — comento quando a
mulher sai de perto, caminhando até suas colegas.
— Jurei que fosse arrancar sua cabeça e distribuir seu sangue como
ponche. Foi irado — acrescenta Bryan, causando-me uma gargalhada.
Seu jeito divertidamente lento, por conta da maconha, chega a ser
engraçado.
— Ela é a personi icaçã o dos meus piores pesadelos — Alex
murmura com uma careta, dando um gole na sua bebida. — E nã o uma
musa, como Bryan disse. Está mais para o capeta.
— Olha, me perdoe, mas eu nã o me importaria em ser condenado ao
inferno por essa diaba. — Ele suspira, correndo seus olhos maliciosos
pelo corpo de Dominique, mordendo o piercing.
Alexander lhe dá um tapa.
— Se liga, seu otá rio! Nã o tem nada de mais nessa mulher.
— Preciso concordar com nosso amigo. — Pisco em cumplicidade,
recebendo um soco brother com a mã o. — Ela é quente, cara. Nã o negue
isso.
— Nã o estou negando. — Dá de ombros, nã o deixando de observá -la
de longe. — Sei que Beaumont tem um corpo de tirar o fô lego, poré m
isso nã o importa. O que ela tem por dentro é podre.
— E quem vê o interior de uma pessoa quando está transando? Nã o
vejo uma boa desculpa. — Bryan continua o provocando, fazendo-me
rir alto com a feiçã o furiosa do nosso colega. — Parei, parei! Só estou te
provocando.
— Faça o que quiser, estou pouco me fodendo.
— Até parece. — Rio, dando um empurrã o leve no seu ombro. —
Bom, ela é bonita, mas nã o faz meu tipo. Entã o nã o se preocupe comigo.
— E muito menos comigo! Sou iel aos meus amigos.
— Por isso moro com você s. — Alex pisca, desencostando-se da
bancada. — En im, vou dar uma volta. Nos vemos por aı́.
Logo, acabamos nos separando por fazermos o mesmo: seguir o
nosso rumo pela casa. Caminho pelos corredores, sorrindo satisfeito ao
ouvir os murmú rios e comentá rios vindos das universitá rias ao meu
respeito. Apesar de nã o ser o tipo de cara que se gaba, sei o efeito que
causo nas garotas, principalmente levando em conta minha fama no
campus: Trenton Grant, o melhor ala-armador do basquete masculino.
Tenho posiçã o destaque no time da universidade, tendo em vista que
sou o responsá vel por marcar os pontos e roubar a bola na defesa. Nã o
é à toa que consegui obter uma boa bolsa para estudar atravé s dela,
sempre iz por merecer. Desde pequeno tenho paixã o pelo esporte, o
qual me dedico em trenos constantes, rotinas, dietas, mesmo de ser
difı́cil manter a forma morando com dois caras completamente
desleixados no quesito alimentaçã o.
Entretanto, diferente deles, nã o uso minha “fama” para me gabar ou
obter conquistas. Devo admitir que nosso trio é bastante conhecido
pela faculdade, e nã o só pelas nossas festas. Alexander e Bryan sã o a
de iniçã o exata de homens galinha. Ambos tê m o costume de levar
garotas até nossa casa, fazendo suas pró prias “festas sexuais
particulares”, chegando até mesmo a trocarem de parceira uma vez,
numa espé cie de swing estranho. Já eu, pre iro icar na minha. Nã o sou
bobo, ó bvio que sei aproveitar e curtir, mas sigilosamente, sem chamar
a atençã o ou virar motivo de fofoca.
Me assusto ao sentir um copo gelado caindo por toda minha
camiseta. No momento em que estou prestes a reclamar com grosseria
para a pessoa que está na minha frente prestar mais atençã o, perco a
oportunidade, pois a garota se apressa a falar.
— Meu Deus, me desculpa! — pede gesticulando, sem saber o que
fazer com as mã os, ainda sem me encarar. — Eu estava distraı́da, nã o te
vi andando. Merda, essa bebida mancha e sua camiseta é branca. Posso
te dar dinheiro para comprar uma nova, trouxe...
— Ei, se acalme. — Dou uma risadinha, chamando sua atençã o. Ela
logo ergue seu olhar, me fazendo perceber quem é . Eu a conheço. —
Você é a Emery, certo? Amiga da Roxy?
— Sim... sou eu — diz com as bochechas coradas, desviando para a
parede. Nã o deixo de notar o quanto sua atitude chega a ser graciosa. —
Nó s já nos cumprimentamos vá rias vezes.
— Acho que me lembro... Desculpe, sou pé ssimo com lembranças. —
Chega minha vez de icar sem graça. Odeio conversar com uma pessoa
que alega me conhecer, mas nã o me recordo. Esse é o tó pico nú mero
um da minha lista: Coisas que preciso melhorar em mim mesmo.
— Ah, tudo bem! Nã o sou o tipo de garota que chama a atençã o.
— Nã o diga isso. — Faço careta, apoiando a mã o no seu queixo
inevitavelmente. Quando observo seu rosto com exatidã o, percebo que,
de fato, já a vi antes. Alé m disso, noto o quanto Emery é bonita. Seus
olhos azuis estã o com as pupilas dilatadas, cabelos soltos batendo na
altura do ombro, lá bio inferior comprimido. Está tı́mida, sem graça, e
isso acaba me fazendo sorrir. — Você é linda.
— Ah... obrigada — agradece, engolindo em seco pela timidez. —
Mas... e sua camisa? O que posso fazer para ajudar?
— Bom, creio que nã o há nada a ser feito — respondo indiferente,
desfazendo nosso contato. — Ela é antiga, nã o vai fazer diferença. Vou
subir para me trocar.
— Tudo bem entã o... a gente se vê por aı́.
— Até mais, Emery.
— Pode me chamar de Em, é meu apelido.
— Certo. Sendo assim até mais, Em. — Sorrio, dando uma leve
piscadinha ao me virar.
Entretanto, antes que o faça, a ouço chamar meu nome:
— Espera, Trenton.
— Sim?
— Queria saber se você nã o quer depois de... você sabe, trocar as
roupas... — aponta para o meu peitoral com o olhar, dando uma
pequena risada — beber comigo. Ou sei lá , dançar. Ou nenhuma das
opçõ es, també m nã o tem problema. Sou ó tima em nã o fazer nada.
Ergo minhas sobrancelhas, tornando a me aproximar.
— Você está me convidando para um encontro em festa? —
pergunto com um sorriso travesso, utilizando o nome que damos para
aquelas pessoas que te chamam para algo mais particular durante uma
festa.
— Nã o! Claro que nã o. — Desvia do assunto, tornando a ruborizar.
— Só queria algué m para conversar. Roxy está ocupada, Ellen també m,
Dominique... bom, ela é um tanto quanto peculiar.
— Entã o sou sua ú ltima opçã o? — Finjo estar ofendido, vendo seus
lindos olhos se arregalarem em descrença.
— Nã o foi isso que eu quis dizer! — exclama, dando um leve tapa na
pró pria testa. — Esquece, inge que nã o...
— Calma, eu estava só brincando! — Solto uma gargalhada
contagiante. Ela suspira aliviada. — E fofo te ver nervosa.
— Vai se ferrar. — Revira os olhos com força. — Achei que estava
falando a verdade.
— Sou um homem brincalhã o.
— E, percebi mesmo.
— Nã o quer me acompanhar até o meu quarto? Depois podemos
descer, assim nã o desperdiçamos conversa e nã o corremos o risco de
nos perdermos. — Sugiro sem malı́cia alguma.
Ela parece analisar minhas palavras.
— Isso é um convite indireto para sexo?
— Nã o. Só se você quiser. — Flerto, prendendo uma mecha de
cabelo solto atrá s da sua orelha.
Quando penso que irei vê -la vermelha mais uma vez, me surpreendo
ao notar um princı́pio malicioso no seu olhar.
— Talvez seja uma boa opçã o.
— Pensei que estivesse conversando com uma garota tı́mida.
— Nã o te disseram que essas sã o as piores? — Sorri, perdendo a
postura de garota tı́mida em questã o de segundos.
— Só acredito vendo.
— Pague para ver. — Pisca, virando-se para a escada. — Estou te
esperando.
Apenas a sigo sem responder, andando até meu quarto. Lá , abro a
porta e acabo a trancando apenas por precauçã o, observando a garota
correr seu olhar curioso por ele, sentando-se na cama, olhando meus
quadros e trofé us de basquete.
— Muitas conquistas, eu sei. — Me gabo em tom zombeteiro,
tirando a camiseta. — Me orgulho de todas.
— Realmente, sã o impressionantes — diz pegando um trofé u,
olhando a peça. — E o destaque do basquete na faculdade, nã o me
choca essa quantidade.
— Faço apenas o meu melhor, mas cursar administraçã o me deixa
menos super icial. — Nã o me dou ao trabalho de colocar outra blusa,
sentando-me ao seu lado. — E você , faz o quê ?
— Medicina — conta, virando-se para me olhar, demorando ao
notar meu peitoral nu. — Quero ser cirurgiã .
— Nossa, é uma pro issã o incrı́vel! — exclamo admirado. — Minha
mã e é mé dica. Queria que eu tomasse o mesmo rumo de carreira, mas
nã o é para mim. Sou pé ssimo com as mã os.
— Você parece ser qualquer coisa, menos péssimo com as mãos. —
Em um gesto totalmente inesperado, Em torna a se sentar no meu colo,
apoiando as coxas na lateral da minha perna, arrancando-me um
suspiro, junto de olhos levemente arregalados. — Algum problema?
— Nenhum, eu só nã o estava esperando — admito, colocando as
mã os na sua coxa, acariciando a pele nua por estar usando saia. — Você
está me deixando cada vez mais impressionado.
— Esse é o tipo de elogio que gosto de receber. — Apoia os dedos
nos meus ombros, trilhando até meus cabelos. — O que você está
esperando para me beijar, Trenton?
— Eu també m nã o sei.
Antes que ela possa dizer algo, rir ou me impressionar novamente,
tomo seus lá bios com os meus, respirando fundo ao nos sentirmos
unidos. Emery geme baixinho, puxando meus ios enquanto peço
passagem para invadir sua boca com minha lı́ngua, fechando os olhos
com força. Nesse momento, sinto algo diferente. E inexplicá vel, mas
pode ser palpá vel. Conforme sinto seu beijo delicado, mas sexy ao
mesmo tempo, todos os pelos do meu corpo se arrepiam com a maior
facilidade do mundo, como nunca izeram antes. Enlaço sua cintura,
deitando seu corpo delicadamente na minha cama, sem desgrudar
nossos lá bios nem por um segundo sequer. Pode parecer estranho, mas
nã o sei se seria capaz de fazê -lo nem com a maior força do mundo. Seus
dedos travessos correm para brincar com a barra da minha calça,
tirando a peça com pressa, e faço o mesmo com o restante das suas
roupas. Quando percebo estamos ambos nus, sem fô lego por nã o
pararmos de nos beijar, inalmente tornando a nos encarar.
Nesse instante, sinto o meu mundo parar diante da visã o
privilegiada que estou tendo.
Suas pupilas estã o dilatadas de um jeito graciosamente diferente.
Conforme vejo seu peito subindo e descendo pela recuperaçã o do ar,
traço um carinho delicado pela lateral do seu rosto, pousando no lá bio
inferior, contornando-o. Ela beija meu dedo devagar, carinhosamente,
subindo a mã o para puxar meus cabelos na precisã o certa. E como se
estivé ssemos em uma espé cie de transe sexual, que me deixa excitado e
descontrolado ao mesmo tempo. Nunca acreditei muito no conceito de
conexã o na hora do sexo, sempre pensei que fosse bobagem, besteira.
A inal, todos os meus lances, em sua maioria, eram apenas carnais. Só
que, dessa vez, sinto algo a mais. E estranho, sei que praticamente a
conheci de fato há alguns minutos, mesmo que já tenhamos nos
encontrado antes.
Como poderia explicar o inexplicável?
Nã o sei dizer ao certo quanto tempo permanecemos nesse estado.
Fico feliz de saber que, indiretamente, estamos desfrutando de uma
troca mú tua, tendo em vista que ela acompanha todos os meus ritmos.
Balançando a cabeça levemente, estico meu corpo para pegar uma
camisinha na graveta, colocando o preservativo em seguida. Entrelaço
suas mã os acima da cabeça, penetrando lentamente, fechando os olhos
com força ao ouvir seu doce gemido invadindo meus ouvidos.
— Trenton... — sussurra, arqueando a cintura em busca de mais
contato, praticamente rebolando no meu pau. — Nã o... nã o para...
E isso seria possível?
— Nã o vou parar enquanto você nã o quiser, minha linda. — Sorrio,
reivindicando sua boca como minha novamente, libertando seus pulsos.
Em arranha minhas costas com vontade, aproximando-se para
gemer sensualmente no meu ouvido, intercalando entre morder o
ló bulo e arrastar suas unhas pelo meu peitoral. Inclino-me para
capturar um de seus mamilos com a boca, sorrindo maliciosamente ao
ouvir o grito que escapa dela, percebendo o quanto essa regiã o do seu
corpo é sensı́vel e deliciosa de se provocar.
Diferentemente de outros casos que já tive, mantemos o contato
visual. Por mais que pareça um tanto quanto constrangedor, nã o me
sinto intimidado ao ter suas ı́ris azuladas encarando as minhas,
observando o contraste das nossas peles, fechando-se apenas para me
beijar. Nã o demoramos muito para cair na redençã o do orgasmo, que
vem carregado de intensidade, fazendo-nos cair na cama, exaustos,
apó s tal ato.
— Isso foi... nossa. — Suspira, mordendo o lá bio inferior para conter
o sorriso, virando-se de lado. — Faz jus a sua fama.
Solto uma risada alta, colocando-me da mesma forma.
— Entã o você se aproveitou de mim por conta do meu pequeno
histó rico?
— Talvez. Seria algo bom ou ruim?
— Depende de quais sã o suas intençõ es — brinco, prendendo uma
mecha de cabelo loira atrá s da sua orelha. — Você també m sentiu?
— O quê ?
— Nã o sei... um lance diferente — murmuro temeroso por estar
sendo ridı́culo, poré m sem perder a postura con iante. — Sei que
realmente nos conhecemos há alguns minutos, mas gostei de você .
— Eu també m gostei de você . Gosto, na verdade. Há muito tempo. —
Dá uma risadinha tı́mida, enquanto aquele rubor torna a subir suas
bochechas. — Eu també m senti. Nã o iria falar nada por medo de você
me achar estranha.
— De todos os adjetivos que se pode nomear uma pessoa, estranha
seria o ú ltimo que eu te daria — digo puxando-a para o meu peito,
acariciando suas costas. — Me lembrei da primeira vez que nos
cumprimentamos.
— Sé rio? — Ela parece surpresa, sustentando o olhar para me
encarar. — Fazem muitos anos.
— Sei disso, só que me lembro da sua roupa. Era um casaco laranja,
calça preta e echarpe branca. Parecia uma abó bora — brinco, caindo na
gargalhada ao seu lado, recebendo mais um leve tapa. — Ai! E a
verdade.
— A Emery de vinte anos tinha um senso peculiar de moda, ok? Nã o
me julgue.
— Nã o estou julgando, apenas comentei. — Ergo as mã os em sinal
de redençã o. — De qualquer forma, lembro-me de te achar diferente
desde o princı́pio. Um pouco estranha, talvez, mas diferente. Acho que
era sua risada. Ou seu jeito tı́mido e extrovertido ao mesmo tempo. Ou...
nã o sei. Alguma coisa te destacava entre os demais.
— E nenhuma delas foi boa o su iciente para te fazer me convidar
pra sair? — rebate com um olhar afrontoso.
— Touché! O Trenton de vinte anos nã o tinha tantas atitudes.
— Uma pena. Porque isso... — aponta para nó s dois — poderia ter
acontecido antes.
— Por que você nã o me chamou naquela é poca como fez hoje?
— Vergonha — responde de imediato. — Sou tı́mida.
— Tı́mida? Emery... mentir é feio.
— Uma pessoa tı́mida pode ser safada na mesma proporçã o. Apenas
agarrei a oportunidade que me ofereceu. Nã o sou ingê nua, muito
menos boba.
— E, eu percebi. Que tal me contar mais um pouco a respeito das
suas ingenuidades e vergonhas antes de nos prepararmos para o
segundo round?
A gargalhada que escapa dos seus lá bios me dá a certeza de que
estou ao lado da pessoa certa. Ao contrá rio do que estava pensando,
nã o partimos para a segunda rodada. Muito pelo contrá rio. Passamos o
resto da noite desnudos, apenas conversando. Rindo, trocando
con idê ncias, nos conhecendo melhor.
No momento em que me dei conta, já eram cinco horas da manhã , e
nã o queria que ela fosse embora. Nã o toquei no assunto em momento
algum, porque sua presença me trazia um conforto indescritı́vel.
Quando vi seus olhos fechando, a respiraçã o acalmando e a voz
arrastada, percebi que Em estava prestes a cair no sono. Ao invé s de
acordá -la, oferecer carona para casa, simplesmente plantei um beijo
delicado na sua testa e a deixei dormir contra o meu peito.
Naquele dia, eu nã o sabia que estava cara a cara com o amor da
minha vida. A garota que dedicaria meus sorrisos mais sinceros, risadas
verdadeiras e beijos inesquecı́veis. Que tomaria meu coraçã o para si, e o
teria nas mã os por todo sempre.
Eu també m nã o sabia o quanto a vida seria injusta, tirando minha
amada quando eu menos esperava, deixando-me literalmente
destruı́do.
“Q ,
.
P ,
.”
(A B )

PASSADO
Eu sempre quis entender qual pensamento se passou pela cabeça do
Jacob quando ele teve um imprinting com a Renesmee, em Amanhecer
Parte II.
Como pô de simplesmente olhar para ela e sentir aquela ligaçã o
inequı́voca e afeto profundo pela ilha hı́brida da Bella e do Edward?
Nã o fazia o menor sentido! Tudo bem, sei que nã o passa de icçã o
cinematográ ica, mas gosto de coisas reais. Pessoas, situaçõ es e
sentimentos reais. Novamente, sei que se trata de um ilme sobre
vampiros, lobisomens, seus mundos e seus con litos, poré m senti falta
do senso real. Eleanor e eu somos apaixonadas por essa saga desde seu
lançamento, e toda vez que fazemos nossa festa do pijama anual de
aniversário, maratonamos todos os ilmes ao longo do dia. Sempre tive
esse questionamento, o qual rendia gargalhadas e discussõ es tortuosas
sobre a paixã o instantâ nea do rapaz pela ilha da amiga, poré m nunca
chegá vamos a uma conclusã o que ambas aceitá ssemos.
Mas agora, enquanto vejo o olhar malicioso de Trenton, um dos
amigos de Dominique, creio que estou chegando perto de usufruir
dessa sensaçã o. Nã o que eu tenha me apaixonado, como se fosse um
amor à primeira vista, poré m está perto. Muito perto. Ele é quente o
inferno, como um pecado capital proibido. Sua pele negra contrasta
com a camiseta branca usada, que se agarra levemente sobre seu corpo
escultural. Conhecido por ser um dos melhores jogadores de basquete
da Boston University nã o me impressiona seu porte fı́sico ser de causar
inveja. Os cabelos estã o no corte perfeito, cacheados, fazendo-me sentir
uma vontade inexplicá vel de puxá -los, ora lentamente, ora com força. E
o sorriso... puta merda. Deveria ser proibido por lei uma pessoa ser tã o
atraente e sorrir de uma forma tã o convidativa.
— Entã o você já encontrou sua vı́tima da noite? — Dominique
pergunta, encarando-me com malı́cia.
Solto uma risadinha, bebericando meu drink.
— Talvez. Aquele é o tal de Trenton, certo?
— O pró prio — murmura voltando seu olhar para ele. — Já te contei
sobre essa histó ria.
Inevitavelmente, acabo engolindo em seco apó s ouvir suas palavras,
chocada por ter me esquecido completamente de um detalhe tã o
crucial.
Há alguns dias, ela me contou a respeito da morte de sua melhor
amiga, Emery, a qual també m era namorada do garoto que está na
minha mira. Pode nã o ter se passado muito tempo, aproximadamente
quatro meses se nã o me engano, mas consigo imaginar o quanto a dor
do luto deve permanecer dentro do coraçã o de ambos. E nã o quero me
envolver com algué m que se encontra nesse estado.
— Ei, mas nã o estou te dizendo isso para te desencorajar. — Se
apressa em dizer, chamando minha atençã o novamente. — Se quiser,
ele é um homem livre.
— Eu sei! — Sorrio gentil para tranquilizá -la. — Só nã o quero me
envolver com algué m que irá me usar para tapar um buraco ou de
psicó loga. Já nã o basta os meus problemas, nã o posso lidar com mais.
— Você s nem se conhecem ainda, Jess! — Ri alto, empurrando meu
ombro levemente. — Dê uma chance. O tempo passou, muitas coisas
mudaram... todos somos pessoas diferentes. E seguir em frente é o
primeiro passo e o mais importante.
— Está dizendo isso sob um olhar clı́nico ou amigá vel?
— Um pouco dos dois. Agradeça que estou dedicando meu tempo
para te dar conselhos, poderia muito bem estar fodendo o
aniversariante dessa festa.
— Como se nã o fossem fazer isso mais tarde. — Rolo os olhos
inevitavelmente. — De qualquer forma, obrigada. Vou pensar no caso.
Entregando uma piscadinha, caminho propositalmente até onde
Trenton está . Vejo de longe o sorriso no rosto da minha amiga,
encorajando-me a tomar alguma atitude. Por mais que me sinta
receosa, creio que posso con iar nas suas palavras. A inal, Dominique
nã o me diria para tentar se seu amigo nã o estivesse preparado ou
disposto. E outra, nã o estou falando de um relacionamento amoroso. Na
verdade, meu ú nico objetivo é traçar todo seu corpo com a boca,
deliciando-me com cada pedacinho, tendo esse homem para mim
apenas por uma noite. Apenas isso, e nada mais.
Entro no banheiro unissex da á rea externa, apenas para ajeitar
meus cabelos e retocar o gloss labial. Entretanto, quando saio do lugar,
acabo esbarrando com um peitoral irme, musculoso, deixando meu
celular cair no chã o.
— Me desculpe, nã o estava prestando atençã o... Ah, espera. Você é a
Jessamine, nã o é ? — A voz rouca de Trenton invade meus ouvidos,
causando-me um arrepio.
Sustento meu olhar para encará -lo, notando como nossa diferença
de altura é perceptı́vel. Chutaria uns dez centı́metros, no mı́nimo.
— Sim... sou eu. — Dou um sorrisinho, me demorando em analisar
seus lá bios carnudos. — E você é o Trenton.
— O pró prio. — Sua boca toma a forma de um sorriso malicioso,
repetindo minha açã o. — Fiquei sabendo que é a nova integrante do
nosso grupo.
— Quase. Conheci Dom e Alex, acabei sendo apresentada para as
meninas, Bryan... só faltava você .
— Ah, entã o iquei por ú ltimo? — Levanta as sobrancelhas,
deixando seu corpo perigosamente pró ximo ao meu.
— Infelizmente. — Mordo meu lá bio inferior para conter o sorriso.
Ele é atraente. Inevitavelmente atraente. Sinto como se fosse uma
espé cie de imã , atraindo meu corpo para perto do seu, deixando com
que o perfume delicioso invada minhas narinas, quase me fazendo
suspirar. — Mas podemos dar um jeito nesse probleminha.
— Sem sombra de dú vidas. — Ele leva uma das mã os para enlaçar
minha cintura, prensando-me contra a parede. — Estava te procurando
há alguns minutos.
— Jura? — pergunto verdadeiramente surpresa, apoiando os dedos
contra o seu peitoral.
— Sim. Te vi conversando com as meninas, conseguiu chamar
minha atençã o de longe.
— Oh, nã o sabia desse pequeno detalhe.
— Uma pena, pois é o mais crucial de todos.
— Bom, creio que temos uma soluçã o para esse con lito.
— Concordo plenamente.
Nã o perdendo tempo, unimos nossos lá bios praticamente no
mesmo instante. Sorrio maldosa ao sentir sua lı́ngua invadindo minha
boca, pedindo passagem para brincar comigo, que logo é concedida.
Entramos no banheiro à s pressas, sem nos importarmos com as
pessoas que estã o olhando e comentando ao nosso redor, trancando a
porta em seguida. Quando menos percebo, minha blusa é jogada ao
chã o, junto do sutiã que cai rapidamente, deixando-me impressionada
com sua destreza relacionada à peça. Faço o mesmo com suas roupas,
alisando seu peitoral esculpido, mordendo seu lá bio inferior
descaradamente. Ele vira meu corpo, parando frente ao espelho. O
sorriso malicioso que domina sua boca quase faz minhas pernas
tremerem, e Trenton logo as abre, me penetrando com dois dedos.
— Puta merda! — Agarro a pia com força, agradecendo a mim
mesma por ter optado por vir de saia.
Dou uma rebolada lenta, tentando demonstrar indiretamente que
quero mais. Que preciso de mais. Sinto um beijo misturado com
mordida sendo depositado no meu pescoço, arrancando mais um
gemido alto. Só consigo abrir os olhos quando seus dedos me deixam,
resmungando pela falta de contato, mas ele logo me surpreende,
abrindo um pacote de camisinha e estocando em questã o de segundos.
— Cacete, Jessamine — geme baixinho, prendendo meus cabelos em
um rabo de cavalo, puxando na medida certa para me levar à loucura.
— Você é deliciosa.
Sou incapaz de dizer absolutamente algo, pois estou tã o absorta em
meu pró prio ê xtase, que apenas viro a cabeça de lado, tomando seus
lá bios com os meus novamente, arrepiando-me com o som das
estocadas que preenchem o cô modo.
Trent apoia as mã os na minha cintura, impulsionando seus
movimentos, metendo forte, com força, exatamente do jeito que adoro e
imploro para os meus parceiros me foderem. Caı́mos em um orgasmo
delicioso quase ao mesmo tempo, comigo chegando primeiro, poré m
continuo rebolando até o sentir se derretendo.
— Caramba, isso foi... — Respiro fundo, retomando o ar, ainda
processando os ú ltimos minutos. — Intenso.
— Sexo em festa sempre é o melhor. — Pisca enquanto se veste,
entregando minha peça de roupa de volta.
— Nunca havia transado em um banheiro antes — confesso
colocando a blusa, arrumando meus cabelos no espelho.
— Nã o é gostoso sentir a adrenalina de ser pego correndo pelas
veias?
— Um pouco... — mordo meu sorriso, o observando. Trenton está
com um sorriso preguiçoso, infelizmente totalmente vestido.
— Você quer beber alguma coisa? — pergunta, prendendo uma
mecha de cabelo atrá s da minha orelha.
Acabo sorrindo com o contato.
— Pode ser. Uma cerveja seria bom, estou com calor.
— Eu també m. Você me deixou quente.
Dou risada com seu trocadilho.
— Que piadinha horrı́vel. Brega, cafona e pé ssima.
— Me desculpe, exigente! — Ergue as mã os em defesa, abrindo a
porta do banheiro para sairmos. — Da pró xima vez, prometo me
esforçar mais.
— Pró xima vez? Entã o você vai dar em cima de mim novamente?
— Quem sabe, só o tempo dirá .
Solto uma risadinha, tentando ao má ximo nã o demonstrar o quanto
suas palavras me deixam empolgada. Mesmo nã o estando à procura de
um par româ ntico, seria bom ter algué m ixo para fazer sexo casual e
conversar de vez em quando. Como uma amizade colorida, mas que, no
nosso caso, nã o envolveria complicaçõ es, tendo em vista que possuı́mos
os mesmos objetivos.
O resto da noite se alastra de uma forma leve, tranquila e divertida.
Acabamos indo para o bar, onde bebemos alé m da conta, rindo até
perder o ar, contando sobre nossas vidas. Para minha sorte, em
momento algum, ele menciona Emery. Nã o que eu nã o queira saber a
seu respeito, entretanto, seria constrangedor ouvir sobre sua ex-
namorada falecida apó s acabarmos de fazer sexo. Ele fala sobre Alex,
Dominique, Bryan, Ellen e até mesmo de Roxy, sua melhor amiga, que,
agora, já nã o sabe mais se a quali ica como tal, pois ela anda afastada.
Rimos juntos enquanto observamos pessoas passando mal, se
pegando de maneiras engraçadas, vendo Dom brigar com uma garota
que insistia em dar mole para o seu namorado.
Dançamos. Dançamos até nos cansarmos, ora nos beijando, ora nos
provocando. Partimos para o segundo round de sexo quando todos
foram embora, na sala, com o medo de um de seus amigos descerem e
nos pegarem. Por estar levemente alcoolizada, optei por dormir ali
mesmo, com ele ao meu lado na poltrona.
Em alguns momentos, quando paro para pensar em tudo o que
aconteceu, nã o queria ter me deixado levar. Queria ter sido mais
esperta, menos ingê nua. Porque mesmo prometendo a mim mesma que
nã o o faria, acabei caindo de amores por Trenton Grant. Pelo seu
charme, palavras bonitas, sorrisos, toques. Fizemos uma promessa, e eu
nã o a cumpri.
Mais cedo ou mais tarde, ele me deixaria destruı́da.
E eu nã o estava pronta para o que o destino havia nos reservado.
“S
.”
(A B )

— Por que você ica me olhando desse jeito? — Emery pergunta


enquanto a assisto pentear seus cabelos no meu banheiro, usando uma
camiseta minha.
— Que jeito? — Dou uma risadinha, envolvendo a toalha na minha
cintura após tomar banho, me aproximando dela.
— Como se eu fosse a última e mais bonita mulher no mundo.
— Mas para mim você é, loira. — Sorrio, abraçando seu corpo por
trás, plantando um beijo na lateral da sua cabeça. — Não posso estar
apaixonado?
— Por uma pessoa que conhece há três semanas? Acho di ícil. — Ri,
rolando os olhos levemente, se virando para mim. — Pare de ingir que
está apaixonado só para o nosso sexo icar melhor.
— Nunca precisamos de paixão para termos a melhor transa do
mundo. — Apoio meu dedão no seu queixo, trazendo seu olhar para o
meu, vendo o princípio de vermelhidão subir pelas suas bochechas.
— É sério, Trenton. Por favor, não brinque com o meu coração.
— Eu jamais faria isso — digo irme, moldando seu rosto com ambas
as mãos, certeiro do que estou prestes a dizer. — Sou completamente
apaixonado por você, Em. Sei que pode parecer loucura, sei que nos
conhecemos de fato há pouco tempo, mas também sei que você é a mulher
da minha vida. A única que quero ao meu lado. Depois daquela festa, não
consigo pensar em mais ninguém que não seja a garota tímida e safada
na mesma proporção, dona dos olhos azuis mais lindos que já vi.
— Garota safada e tímida? Esses adjetivos não combinam! —
Gargalha, desferindo um tapa leve no meu braço, abraçando meu
pescoço.
— Nessa situação se encaixam perfeitamente, porque te de inem. Não
estou brincando ou sendo sarcástico, apenas dizendo a verdade. É você,
Emery Price. E não quero que seja outra pessoa.
Ela morde o lábio inferior, contendo um sorriso.
— Eu também sou apaixonada por você, Trenton. Acredito nas suas
palavras, só queria te ouvir falando mais um pouquinho.
— Eu sabia! — Rio alto, puxando-a pela cintura, beijando seus lábios
delicadamente, me deliciando com o som da sua risada. É perceptível
para todos o quanto sou rendido por essa mulher, só me faltava ela
mesma não saber. — Quando começou a descon iar?
— Nesses seus olhares engraçados — diz contra a minha boca,
plantando mais um beijo antes de caminhar até a cama. — Já faz um
tempinho que você me olha assim e acho fofo. Perguntei para as meninas,
e elas alegaram que provavelmente seria paixão. Menos a Dominique. Ela
disse que era tesão.
— Talvez seja um pouco dos dois — brinco, tomando mais um tapa.
— Calma! Só estou brincando.
— Uhum, sei... Se você ousar partir meu coração, Trenton Grant,
considere-se um homem morto. Tenho uma equipe encarregada do seu
assassinato.
— Não preciso de ameaças, linda. — Olho bem no fundo dos seus
olhos, trazendo-a para o meu colo. — Eu prometo, com todo meu
coração, que jamais o farei. No nosso casamento, te lembrarei dessa
promessa.
— Casamento? — Ela me encara impressionada, descansando a
cabeça no meu peito. — Me parece uma boa ideia. Imaginar você de
terno, me esperando no altar... vai demorar muito para acontecer?
— Pode ser no mês que vem. Que tal?
— TRENTON! Por Deus, como você está emocionado!
Gargalhamos juntos com minha brincadeira. Aquela foi a promessa
mais verdadeira que já iz em toda a vida. Meu maior sonho era levar
aquela mulher até o altar, torná-la minha esposa e ser o seu marido pelo
resto das nossas vidas. Podia parecer uma ideia precipitada na época,
mas me sentia exatamente daquela forma. Apaixonado, extasiado, cara a
cara com o amor que levaria pela eternidade.
Ainda me sentia assim. Só que sozinho, sem ela ao meu lado, e apenas
desfrutando da tristeza de ter de aceitar que meu futuro nunca seria com
Emery.

— Cara, você está bem? — Bryan chacoalha meu ombro levemente,


fazendo-me voltar à realidade. — Te vi encarando o chã o por uns cinco
minutos.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, bufando por fazer aquilo
de novo.
— Nã o foi nada, só estava pensando.
— Quer me falar sobre o que era? — questiona preocupado,
sentando no sofá .
— Nada com o que deva se preocupar. — Dou um sorriso mı́nimo,
desviando o olhar. Nã o gosto de preocupar meus amigos com essas
pequenas lembranças, que ainda insistem em serpentear minha cabeça.
Quando o acidente aconteceu, costumava falar de Emery quase o tempo
todo. Mas, com o passar do tempo, sei que o assunto icou desgastado,
entã o pre iro guardar para mim. — En im, está pronto para a
formatura?
— Nem fodendo. Nã o apareço naquela porcaria de baile nem que
me matem. — Ri, tirando um baseado do bolso junto do isqueiro. —
Quer um?
— Quero — aceito de prontidã o, e ele logo me entrega, onde
acendemos juntos. Nunca fui o tipo de cara que costumava usar drogas,
principalmente levando em conta meu histó rico de atleta. Poré m,
depois de perder minha garota, muita coisa mudou. Encontrei nelas um
abrigo, refú gio, mesmo nã o usando nada muito pesado, apenas
maconha e bebida. — També m nã o pretendo ir. Acho perda de tempo.
— Os caras da Kairós me pediram para ir vender algumas paradas,
mas nã o estou nem um pouco a im. Pre iro bater ponto em todas as
festas de fraternidade do mê s do que ter de aguentar os esnobes loucos
por um pouco de droga.
Kairós é uma das maiores fraternidades do nosso campus. Bryan
trabalha como intermediá rio de drogas para eles, o famoso aviãozinho,
desde quando nos conhecemos. E conhecido por ser o melhor vendedor
de toda a faculdade, sempre muito requisitado, tirando uma boa grana
com esse esquema. Nã o concordo com esse tipo de vida, mas cansei de
icar dando minha opiniã o em vã o. Alex e eu já tentamos convencê -lo de
fazer outra coisa – todas tentativas falhas. Sendo assim, preferimos nos
abster, e geralmente nã o frequentamos essas festas.
— O que pretende fazer com seu diploma de biologia? Enrolar mais
um baseado e fumar? — brinco, levando um soco no ombro como
resposta.
— Vai se foder, babaca! — Gargalha, com seus olhos azuis vermelhos
pela droga. — Nã o que seja uma má ideia, mas pretendo pelo menos
arrumar um emprego decente para crescer na carreira. Posso parecer
um caso perdido, poré m quero ter um futuro bom. Limpo, sem esse
esquema que pode me levar à morte.
— Fico feliz por saber disso. — Sou sincero, apoiando a mã o no seu
ombro. — Você sabe muito bem qual a minha opiniã o sobre esse
assunto, mas nã o vou falar para nã o te encher.
— Obrigado! — agradece exageradamente, sorrindo cı́nico. — Estou
vivo há quatro anos, nã o é ? Já me fodi muito, eu sei. Já vi a morte de
perto? Vá rias vezes, só que aprendi a me virar. Relaxa, cara. Só mais
esse ano e vai dar tudo certo.
— Se você diz... — Meneio os ombros, vendo que nã o ganharei essa
discussã o.
— De qualquer forma, como vã o as coisas com a Jess? Nã o a vejo
aqui há uma semana.
Jess. Engulo em seco ao ouvir seu nome, pois nã o nos falamos desde
a noite do réveillon. Nã o faço a menor ideia do que tenha acontecido.
Nã o sei se disse algo inadequado enquanto está vamos bê bados, se gemi
o nome de Emery na hora do sexo – algo que, por mais que seja errado,
vergonhoso e imoral, já quase cometi diversas vezes –, mas sei que algo
de errado aconteceu.
Tentei mandar mensagem, ligar, até mesmo visitar seu alojamento,
todas as tentativas em vã o. Quando falei com Dominique, ela alegou que
sua amiga havia viajado para visitar a irmã . Sendo assim, passei a nã o
me preocupar tanto, poré m estaria mentindo se dissesse que nã o estou
levemente receoso a respeito de seu desaparecimento repentino.
— Nã o faço a menor ideia — bufo, apoiando a cabeça no sofá ,
deixando o barato da maconha correr minhas veias. — Estamos sem
conversar desde a noite de Ano-Novo. O pior é que nã o me lembro de
quase nada que aconteceu naquele dia. Ou seja: nã o sei se iz merda ou
nã o.
— Porra, que porcaria — murmura fazendo careta. — També m nã o
me lembro de muitas coisas, nã o sei se sou bom para te ajudar com esse
problema. Já tentou falar com Dominique e Ellen?
— Sim, ambas me disseram que ela foi viajar para visitar a irmã .
Ainda acho um pouco suspeito. A Jessamine que conheço teria me
avisado.
— Talvez ela queira começar o ano com algué m que realmente goste
dela... — Suas palavras me chamam a atençã o, fazendo-me sentar em
um pulo com o cenho fechado, o encarando.
— O que você quis dizer com isso?
— Olha, nã o me leve a mal, Trent — começa ajeitando a postura. Por
estar acostumado a fumar, ele nã o parece tã o abatido quanto eu, que
começo a sentir o corpo mais leve. — Mas é ó bvio que você s nã o tê m
sentimentos em comum, e ela parece estar se apaixonando. Nã o sei
como funciona a relaçã o de você s, poré m, quando a encontrar, procure
conversar. Porque a forma como Jessamine te olhava antes de estarmos
bê bados... nã o se olha assim para qualquer pessoa.
Preciso respirar fundo internamente para nã o negar ou dizer
alguma besteira, porque, querendo ou nã o, sei que ele está certo. No
começo, quando Jess e eu nos conhecemos, fui bem claro a respeito de
relacionamentos. Nunca toquei no assunto “a morte da minha ex-
namorada provavelmente me deixou traumatizado pelo resto da vida”,
todavia, sei que ela sabe sobre esse acontecimento. O combinado era
simples, irı́amos ser amigos por estarmos em um grupo em comum e
transar de vez em quando. O “de vez em quando” se tornou “de vez em
sempre”, resultando em uma aproximaçã o maior.
No meu caso, nunca misturei os sentimentos, pois simplesmente
nã o consigo. Sou incapaz de ver Jessamine como um par româ ntico,
apesar dela ser uma garota incrı́vel. Mas ela... bom, como meu amigo
disse, pode estar misturando as coisas, e nã o quero acabar com nossa
amizade. També m nã o quero iludi-la com juras de um possı́vel amor
que, no meu conceito, di icilmente irá acontecer.
— Tem razã o. — Expiro o ar pesadamente, admitindo que ele está
certo. — Só nã o quero partir o seu coraçã o.
— Acredite, você o fará se nã o for sincero. Posso estar enganado,
pressupondo coisas. Quando se encontrarem, tente entrar no assunto
como quem nã o quer nada.
— Vivi pra te ver fazendo o papel da Roxy. — Rio, lembrando-me da
minha melhor amiga. Ou melhor, possível ex-melhor amiga, já que, desde
a morte de Em, nos afastamos repentinamente.
— Nossa, faz tempo que nã o tenho notı́cias dela! Soube que se
mudou de cidade.
— Sim, foi conquistar seu sonho. Acabamos nos afastando depois
de... você sabe.
— Ah, certo. — E a sua vez de engolir em seco. — Acho que cada um
de nó s encontrou sua forma de lidar com a perda, nã o é mesmo?
— Com certeza.
— Porra, eu já pedi pra você s nã o icaram fumando na sala! — berra
Alexander, entrando na casa, segurando um gato nas mã os. Ou melhor,
Vampirinho, seu animal de estimaçã o junto com Dominique. — Odeio o
cheiro dessa porcaria.
— E eu odeio os pelos desse gato por todo o sofá , mas nã o reclamo!
— rebate Bryan, levantando, pegando o animal das mã os do nosso
amigo. — O tio Bryan te adora, tá legal? Só nã o gosta dos seus pelos.
— Vai se ferrar! — Alex lhe mostra o dedo do meio, caminhando até
mim, sentando na poltrona mais distante. — De novo usando, Trenton?
— E sá bado, mamãe. Me dê um descontinho. — Pisco apó s tragar
novamente. — Nã o quer?
— Passo essa, obrigado.
— Por que você trouxe nosso sobrinho? Pensei que a mã e fosse
maluca de ciú mes. — Bryan pergunta, juntando-se a nó s, sentando-se
no chã o para brincar com o gato.
— Dom e Ellen precisaram sair, e ele nã o gosta de icar sozinho.
Chora demais.
— Por Deus, você s conseguiram mimar um gato.
— Vampirinho — corrige igual sua namorada, fazendo um barulho
engraçado para o bicho ir até sua direçã o. — Ele nã o tem nome à toa.
— Nunca imaginei que fosse viver para te ver defendendo um gato,
cara. — Gargalho, olhando a forma como Vampirinho se espreguiça nas
suas pernas, implorando por carinho. — Dominique fez uma boa
lavagem cerebral. Estou admirado.
— Nã o é lavagem cerebral, é amor. — Sorri cı́nico. — Experimente
amar algué m tanto quanto a amo, verá que as coisas mudam.
— Blá-blá-blá, que papo de merda! — nosso amigo reclama, tirando
mais um baseado do bolso. — Vamos mudar de assunto, por favor. Me
cansei da versã o Alexander apaixonado.
Rindo, tornamos a mudar de assunto. Por um momento, pensei em
corrigi-lo quando disse para experimentar amar algué m tanto quanto
ama sua namorada, poré m me controlei. Nã o queria deixar o clima
tenso, e sei que suas palavras nã o foram propositais para me machucar.
E apenas o lado autodestrutivo da minha cabeça associando qualquer
má goa ao pior dia da minha vida.
Gosto de ver Alex feliz. Ele pode ser um cara reservado, de poucas
palavras sobre sua vida pessoal, mas é notó rio o quanto Dom faz bem
para a sua vida. Ela o faz sorrir da mesma forma que Emery me fazia.
Entã o nã o vou estragar sua declaraçã o com uma recordaçã o triste, nã o
mais.
O resto da tarde se alastra com boas conversas, risadas e assuntos
aleató rios. A noite, quando coloco minha cabeça na cama e torno a
pensar nos meus problemas, o assunto Jessamine domina a maior parte
deles. Preciso ser franco com ela mais uma vez. Retomar os termos do
nosso acordo, até mesmo cogitar um té rmino. Nã o sei quando estarei
preparado para me dedicar a algué m novamente, e nã o quero partir o
seu coraçã o. Ela nã o merece isso.
Pensamentos e mais possibilidades me cercam até que eu pegue no
sonho, onde, como todas as noites, torço para sonhar com a minha
amada.
“T

.”
(A B )

Eu consigo.
Eu vou conseguir sair dessa.
Testes de gravidez também dão falsos positivos, certo?
Essa é minha única esperança.
Os enjoos que tive essa semana foram por nervosismo, não por um
feto.
Por favor, Deus! Me perdoe por todos os meus pecados e me conceda
essa bênção.
Repito todas essas palavras comigo mesma conforme balanço as
pernas, olhando as pessoas ao meu redor, que em sua maioria sã o
compostas por casais felizes, e nã o por trê s amigas nervosas: uma
marrenta, uma desesperada e outra a lita. No caso, eu sou a
desesperada; Dominique a marrenta; e Ellen, a a lita.
Estamos no consultó rio esperando pela minha vez há
aproximadamente meia hora, juntas, torcendo pelo melhor: o teste ter
dado um falso positivo.
Apó s descobrir minha suposta gravidez, elas me acolheram em seu
apartamento durante toda a semana, tendo em vista que estou fugindo
de Trenton, e ambas nã o queriam me deixar só em um momento tã o
delicado.
Apesar de ser um gesto extremamente nobre, me sinto incomodada
em icar lá sem pagar nada, usufruindo de seus bens como uma visita
qualquer, mesmo com a garantia de que nã o sou nada disso. Poré m, o
meu maior problema é ele. Se icasse no alojamento, Trent iria me
encontrar fá cil, e nã o conseguiria olhar nos seus olhos escondendo uma
verdade que pode ou nã o mudar o rumo das nossas vidas.
Entã o, inventamos uma pequena histó ria: Disse para Dom contar
que fui passar a semana com minha irmã , Eleanor. Alex – o qual está por
dentro de todo o nosso esquema e nos ajudando – corroborou com a
mentira, nã o nos entregando, tendo de mentir para um de seus
melhores amigos por um bem maior. Tenho completa noçã o de que
estou tomando uma atitude errô nea, mas nã o quero preocupá -lo por
nada. Bom, nada até agora. Em alguns instantes, iremos descobrir se
devemos nos preocupar ou nã o.
— Essa clı́nica de quinta categoria está demorando para um senhor
caralho! — Dom reclama, correndo os olhos com desgosto pelo lugar,
arrancando-me uma risada. — O que foi? Esse lugar está aos pedaços!
— Mas é o que meu dinheiro paga, madame. — Rio repetindo sua
atitude. — Nã o é tã o ruim assim.
— Na verdade, é sim — Ellen intervé m. — Me desculpe, Jess, mas
nunca vi um lugar tã o fuleiro e aos pedaços.
— Se você nã o fosse tã o orgulhosa, poderı́amos estar em um lugar
melhor. Sabe que tenho contatos.
— Caso eu precise me preocupar com uma gravidez, que nã o
sabemos se é real ainda, reconsidero suas palavras. — Dou uma
piscadinha, tentando esconder o quanto estou nervosa.
— E nã o vai ser. Estou na sua torcida. — Ela segura minha mã o
antes que eu possa continuar minha mania de cravar as unhas na pele,
algo que tenho costume de fazer quando estou muito nervosa. — Nã o
quero crianças me rondando tã o cedo.
— Caso você realmente esteja, o que pretende fazer? — El pergunta
com a maior delicadeza do mundo. — Nã o precisa responder se nã o
quiser.
— Queria ter a resposta para essa pergunta. — Sorrio fraco,
mordendo o lá bio inferior. — Nã o faço a menor ideia. Sempre quis ter
ilhos, mas nã o assim. Nessas circunstâ ncias, saindo do meu ú tero e
com algué m que nã o me ama. Pensar em ter ilhos de sangue me causa
ná useas. Nã o quero uma criança nascendo como eu.
— Como assim “como você”? — Dominique questiona, entregando-
me um olhar curioso.
Engulo o nó na garganta, percebendo que falei demais.
— E modo de dizer, nã o se preocupe. Minha baixa autoestima
falando — minto descaradamente.
Ela parece acreditar.
— Hum... entendi. Entã o cale sua boca, Jessamine. Você é uma
pessoa incrı́vel! Queria ser assim.
— Dom está certa. E outra, o Trenton nã o irá te abandonar. Ele pode
ser... complicado, mas nã o é um cuzã o.
Complicado. Solto uma risada debochada ao ouvir suas palavras, me
dando conta de que essa é a palavra que mais o de ine. Complicado.
Insuperável. Destruído. Ele nã o gosta de mim. Assim, no sentido de
amizade, acredito que sim, poré m nã o na questã o amorosa, a qual eu
mais desejo. Nã o posso ser hipó crita e dizer que nã o fomos claros a
respeito de nosso acordo, porque fomos. Entretanto, caı́ nos meus
pró prios conceitos e acabei criando uma certa paixão por ele. Nã o sei
dizer se estou apaixonada, creio que é uma palavra muito forte, mas
sinto algo. Algo que faz meu coraçã o errar as batidas quando vejo seu
sorriso. Que me faz suspirar com seus beijos, toques. Que me faz torcer
para icarmos abraçados depois do sexo, um acontecimento raro, poré m
grati icante quando é realizado. Pequenos detalhes nã o correspondidos.
Porque Trenton pode nã o admitir para mim, poré m sei que ainda está
de luto. Sei que ainda ama Emery, e nã o pretende deixar de amá -la tã o
cedo. Agora imagine o impacto que um ilho causaria na sua vida? E
demais para mim. Para nós dois.
— Jessamine Lanoie? — Uma enfermeira chama.
Levanto-me apressadamente, caminhando em sua direçã o.
— Sou eu. — Tento entregar meu melhor sorriso simpá tico, apesar
da mulher estar me olhando com desgosto. Ela deve ter
aproximadamente uns sessenta anos, voz rouca pelo cigarro, cabelos
ruivos puxados para o vermelho.
— Você é a pró xima a se consultar com a doutora Vanessa. — Olha
para uma prancheta. — Faz uso constante de algum remé dio?
— Nã o.
— Tem histó rico de problemas mentais na famı́lia?
— També m nã o.
— Alguma doença ou problema que possa afetar diretamente sua
gravidez?
— Eu nem ao menos sei se estou grá vida. — Rio, tentando fazer
uma brincadeira. Nã o dá certo. — Mas nã o.
— E o pai?
— Como?
— Onde está o pai, querida. — Ri, olhando pela sala à procura de um
homem. — Ou você faz parte da grande porcentagem de mulheres que
nã o sabem quem é ?
— Olha, você deveria ter um pouco de...
— Eu sou o pai. — Arregalo meus olhos ao ouvir Dominique se
aproximando, entrelaçando sua mã o na minha. — E um prazer estar ao
lado da minha mulher, apenas nã o me atentei.
— Eu també m sou! — Ellen logo se põ e ao nosso lado, segurando
minha outra mã o.
O que elas estão fazendo?
— Isso nã o é possı́vel. — A senhora nos encara com nojo, forçando-
me a controlar a gargalhada. — Biologicamente impossı́vel. Você s trê s
sã o mulheres.
— Já ouviu falar da fertilizaçã o in vitro? Ela salva vidas.
— Com toda certeza. Assim, casais que vivem em trisal como nó s
tê m a oportunidade de gerar crianças. Nã o acha isso um milagre?
— A doutora está te esperando. — Ela muda de assunto,
desfazendo-me do enlaço de ambos os braços. — Vou te acompanhar
até a sala.
Despeço-me das garotas com um breve aceno de cabeça, andando
até a sala em silê ncio. Quando entro, vejo uma mulher negra, de olhos
verdes e sorriso acolhedor, arrancando-me um suspiro aliviado pela sua
presença um tanto quanto acolhedora.
— Você deve ser a Jessamine. — Sorri, erguendo a mã o para me
cumprimentar. — Sou a doutora Vanessa.
— E um prazer te conhecer — digo com sinceridade, sentando-me
na sua frente.
— Entã o, o que te trouxe até aqui? Bom, tenho uma ideia, mas
gostaria de ouvir a histó ria completa. Se nã o for te incomodar, é claro.
— Acho que contar tudo o que aconteceu é minha menor
preocupaçã o. — Rio nervosa, controlando o impulso de apertar as
mã os. — O meu... icante se chama Trenton. Nó s temos uma relaçã o boa.
Quer dizer, acho que estou começando a gostar dele e ele nã o sente o
mesmo, pois ainda está de luto pela ex-namorada, que morreu em um
acidente de carro no ano passado. Eu o entendo, sabe? Nã o consigo
imaginar como deve ser perder uma pessoa amada. O mais perto que já
cheguei de usufruir desse sentimento foi quando meu hamster morreu.
Minha mã e nã o me deixou enterrá -lo, entã o tive que jogar na privada.
Assistir Zed ir por á gua abaixo foi...
— Jess, estou me referindo à gravidez — interrompe com uma
risadinha.
Minhas bochechas fervem como o inferno.
— Oh, certo! Me desculpe, só estou um pouco nervosa. Talvez muito.
— Tudo bem, é normal mã es de primeira viagem se sentirem assim.
— Mas esse é o problema. Nã o sei sou mã e. O teste pode ter dado
um falso negativo, nã o é ? E achei melhor marcar uma consulta direto,
porque sempre desmaio ao fazer exames de sangue.
— As probabilidades sã o poucas, poré m acontecem.
— En im, vamos direto ao ponto: Trent e eu nã o costumamos usar
camisinha. Faço uso de contraceptivos, ele é limpo, entã o nã o vı́amos
muitos motivos para usar. Bobagem, eu sei. Inconsequentes, també m
sei. Mas no ú ltim0 mê s... eu acabei me esquecendo de tomar. E esqueci
de avisar.
— Se esqueceu de tomar?
— E... esqueci. — Desvio o olhar, envergonhada. Deveria ser sincera.
Deveria contar o real motivo para isso ter acontecido, mas nã o consigo.
— Nã o foi de propó sito. Na noite de Ano-Novo comecei a pensar no
assunto, e me bateu uma paranoia fora do comum, entã o acabei
comprando um teste. Mesmo bê bada, dei conta de fazer xixi no potinho
e, bum, vi dois traços me encarando. Só quero saber se é real, doutora.
Para ser sincera, estou na torcida para que nã o seja.
Ela me encara num misto de curiosidade e compreensã o.
— Certo. Deite-se na maca e levante sua camiseta, vamos fazer um
ultrassom.
Apenas concordo com a cabeça, cumprindo suas ordens de
prontidã o. Vanessa passa um creme gelado e transparente pela minha
barriga, o qual me faz soltar uma pequena risada pelas có cegas.
— E gelado — comento para tentar quebrar o clima. Odeio silê ncio.
Nos momentos de a liçã o, costumo falar mais do que a boca me
permite.
— Nesse caso, acho que você deveria ir se acostumando com a
sensaçã o — diz em um rompante, olhando para a tela. Arregalo os
olhos, vendo uma pequena mancha no lugar, sentindo meu mundo cair.
— Está vendo essa manchinha?
— Sim... — Preciso controlar a voz embargada, mas as lá grimas se
formam do mesmo jeito.
— E um bebê de oito semanas, aproximadamente. Ainda nã o
conseguimos ouvir os batimentos cardı́acos, só daqui algumas
consultas.
Bebê de oito semanas.
Algumas consultas.
Não tenho dinheiro para pagar tudo isso.
Bebê. Um bebê dá um custo muito maior do que consultas.
Deus, eu estou fodida!
Muito fodida!
— Eu tenho outra opçã o? — pergunto praticamente ignorando suas
palavras, tentando absorver tudo aos poucos. — Assim, caso nã o... caso
nã o queira ter o bebê ?
— Pode fazer um aborto — responde simplesmente, e me pego
grata por nã o sentir nenhum resquı́cio de julgamento sair da sua voz.
— Conheço ó timas clı́nicas que fazem esse procedimento. Você ainda
tem um tempo para tomar sua decisã o, Jess. Apenas nã o demore muito,
senã o se torna ilegal. E, caso queira prosseguir com a gravidez em um
lugar de melhor qualidade... — Ela olha pela sala aos pedaços. —
També m trabalho em uma clı́nica particular. Vou te deixar meu cartã o.
A doutora o entrega para mim, onde vejo seu nome, nú mero e
endereço na clı́nica. Agradeço a consulta, voltando para a sala de
espera, onde minhas amigas me encaram com expectativa. Sinalizo um
“sim” com a cabeça, poré m logo estendo a mã o para mostrar que nã o
quero conversar. Retornamos para casa em um silê ncio ensurdecedor.
Quando chego, corro até “meu quarto”, que, na verdade, era o de
Roxy e me deito na cama, permitindo-me chorar tudo o que nã o chorei
até agora, pensando que diabos irei fazer com essa criança que habita o
meu ventre.

— Dom, posso te perguntar uma coisa? — questiono


silenciosamente, entrando no seu quarto com cautela. Já sã o duas da
manhã , Ellen está dormindo e nã o consigo parar de martelar uma
questã o na cabeça.
— Depende do assunto. — Ela ergue o olhar para mim, tirando seus
ó culos de leitura, dando dois tapinhas na cama. — Você sabe que pode
se sentar ao meu lado, nã o é ? Já passei da fase de cogitar te morder.
Rio com seu comentá rio, fazendo o que foi dito.
— Sim, mas nunca se sabe quando Dominique Beaumont vai estar
em um dia ruim. Nã o quero testar sua paciê ncia com liberdade
premeditada.
— Bem pensado, garota esperta.
— De qualquer forma, eu nã o sei o que fazer com... com isso. —
Aponto para a minha barriga, recostando a cabeça na cama.
— E... isso pode ser um problemã o — murmura olhando para o
lugar onde apontei, mordendo o lá bio inferior. — Bom, depende da sua
perspectiva.
— O que você faria? Caso acontecesse... nã o precisa dizer se nã o
quiser.
— Desde que minha opiniã o nã o in luencie sua decisã o — enfatiza,
assumindo sua postura psicó loga. — Nã o me importo em falar.
— Claro que nã o. Posso ter o meu jeitinho ú nico, só que nã o sou
facilmente in luenciá vel.
— Nesse caso, tudo bem. — Me entrega um leve sorriso, ajeitando-
se antes de começar a falar. — Você vai me odiar, poré m nã o sei a
resposta para a sua pergunta.
— Dominique! — bufo em meio à uma risada, sem acreditar nas
suas palavras. — Fala sé rio.
— Estou falando! — A sinceridade na sua voz chega a ser palpá vel.
— Olhe para mim, Jess. Para o meu jeito. Nã o me imagino como mã e.
Nã o me imagino carregando uma criança nove meses na minha barriga
e depois tendo de criá -la pela eternidade. E, para mim, nenhum bebê
deveria ser posto ao mundo se os pais nã o estivessem dispostos a amá -
lo ou entregá -lo a algué m de con iança. Acredite, ser criada por duas
pessoas que nunca me ensinaram o que é o amor me deixou essa liçã o:
nã o tenha ilhos se você nã o será capaz de amá -los. Obvio que existem
casos isolados, onde pessoas nã o tê m condiçõ es, nã o tê m
conhecimentos sobre mé todos contraceptivos, nã o tê m a oportunidade
de realizar aborto nos seus paı́ses... mas você nã o é uma dessas.
— Uau! Falando assim, parece certeira de qual seria sua decisã o.
— Pois é . — Dá uma risadinha, olhando para um canto isolado no
quarto. — Esse ainda é meu pensamento, poré m, hoje em dia, estou
com algué m que amo. E que me ama de volta. Entã o nã o vou mentir e
dizer que seria impossı́vel assumir a responsabilidade de ter um ilho
com Alex, porque é com ele que quero passar o resto da minha vida.
Com ou sem crianças. Entã o nã o é uma possibilidade a ser descartada.
— Eu queria que o Trenton ao menos gostasse de mim — admito
envergonhada, abraçando meus pró prios joelhos. — Um pouco,
entende? Nã o precisava ser apaixonado.
— Ele gosta de você , Jess.
— Como amiga, nã o como um futuro par româ ntico.
— Hum... nã o posso negar nem con irmar. — Suspira, apertando
meu braço carinhosamente. — Perder a Emery foi a coisa mais difı́cil
que aconteceu nas nossas vidas.
— Sei disso, e nã o desmereço seu sofrimento ou luto. Mas... e se eu
decidir icar? Nã o quero que meu ilho tenha um pai pela metade.
— Esse bebê nã o é só seu. — Franze o cenho. — També m é dele.
Imagino que esteja apavorada, assustada, com medo. Entretanto, a
ú nica coisa que posso te prometer é que Trenton nã o vai te deixar na
mã o. Ele pode ter traumas pelo luto, poré m nunca te deixaria sozinha.
— As pessoas sã o capazes de nos decepcionar com facilidade, Dom.
Nã o quero sofrer mais do que já estou sofrendo.
— Entã o converse com Trent. Conte a verdade, diga qual será sua
decisã o... Daı́ teremos uma resposta.
— Essa deve ser minha ú nica soluçã o. — Lhe entrego um sorriso
mı́nimo. — Obrigada pelos conselhos, você é uma boa amiga.
— Eu sei. Caso ique com a criança, irei doutriná -la com o mé todo
Beaumont. — Pisca, arrancando-me uma gargalhada.
— Esse mé todo me assusta. — Levanto-me da cama, caminhando
até a porta. — Vou te deixar em paz. Boa noite.
— Boa noite... mas espera, já tomou sua decisã o?
— Sim, tomei.
— E nã o vai me contar qual é ?
— Uma hora você vai descobrir. — Pisco sagaz, rindo alto com suas
reclamaçõ es, tomando o rumo do meu quarto.
“S

.”
(A B )

— Trenton, querido! A que devo a honra da sua ligação? — minha


mã e pergunta com sua voz calorosa, a qual me faz sorrir
automaticamente.
— Você está muito ocupada? Queria saber se podemos conversar.
— Para você nunca. Só preciso veri icar se o Ryder colocou os legumes
na mochila do Christian — diz se referindo ao seu namorado e o ilho de
oito anos.
Desde pequeno, é ramos apenas nó s. Meu pai nã o foi homem o
su iciente para assumir o pró prio ilho, me abandonando antes mesmo
de meu nascimento. Por sorte, minha mã e tem uma famı́lia incrı́vel com
quem pode contar, e ambos se esforçaram ao má ximo para me dar a
melhor criaçã o possı́vel.
Pouco antes de me mudar para faculdade, ela conheceu Ryder, seu
atual namorado – que també m é mé dico – até entã o. Gosto dele. Dos
demais caras que já passaram pela sua vida, ele é o que mais me
identi ico. Temos um bom papo, a paixã o em comum pelo basquete, até
mesmo assistimos a um jogo todos juntos no verã o passado. Seu ilho,
Christian, é um pirralho educado e bem criado, nã o aquelas crianças
chatas, mimadas e sem-noçã o. Segundo Ryder, ele me vê como um
irmã o mais velho, e acho isso fofo. Os visito sempre que tenho
oportunidade, pois sinto falta da familiaridade de estar em casa.
— Como eles estã o? Estou com saudades do pirralho.
— Ei, já te falei para não o chamar assim! — repreende-me rindo. —
Estão ótimos, foram ao treino de basquete. Você realmente convenceu o
garoto a amar esse esporte.
— Se eles querem fazer parte da nossa famı́lia, essa é a condiçã o —
brinco. — Fico feliz que ele esteja gostando, serve de dica para um
presente quando for os visitar.
— Ah, por favor! Ele não para de implorar por um tênis. Não aguento
mais ouvir uma criança resmungona.
— Onde está sua paciê ncia, Esther Grant?
— Fui enterrando ao longo dos anos. — Gargalha, provavelmente se
sentando no jardim da casa para que possamos conversar. — En im, me
conte qual foi o motivo da sua ligação.
Respiro fundo, deitando na cama, repassando o turbilhã o de
pensamentos que estã o rodeando minha cabeça.
Há algumas horas, Jessamine me ligou, alegando que precisá vamos
conversar com urgê ncia, dizendo para nos encontrarmos no
apartamento de Dom e El. Aleguei que estava um pouco ocupado na
hora, e iria mais tarde. Uma bela de uma mentira. Estava nervoso pra
cacete, temeroso pelo assunto, precisando conversar com algué m.
Logo, peguei o celular e disquei de prontidã o para a minha mã e, a
pessoa que me conhece com a palma da mã o. Ela sabe tudo o que
passei. Sabe o quanto ainda sofro com a morte de Em, sabe que nã o sou
o tipo de cara que parte coraçõ es. Sendo assim, ningué m melhor do que
ela para entender meu desespero angustiante.
— Você se lembra daquela garota que te falei estar meio que
saindo? A Jessamine?
— Oh, é claro que lembro! Vasculhei suas redes sociais para ver se
achava algo a respeito dessa mocinha. Ela é bem bonita.
— Mã e! — Me pego incré dulo com suas palavras, soltando uma
risada alta. — Nã o sabia que estava falando com uma stalker.
— Ah, qual é o problema? Só queria ver o rosto dela! Sou curiosa.
— A curiosidade uma hora mata o gato.
— Deixe de pegar no meu pé, rapaz.
— Nã o sei se minha relaçã o com ela está dando certo. — Arquejo,
olhando para a minha cabeceira, onde ainda guardo uma foto minha e
de Em. A escondo quando tenho companhias, poré m, sempre que me
sinto triste, a pego para relembrar nossos bons momentos. — Emery
ainda é uma pessoa muito presente na minha vida. Eu a amo, mã e. Com
todas as minhas forças. E acredito que Jess possa estar se apaixonando
por mim. Nã o quero partir seu coraçã o.
— Nossa... que situação complicada. — Suspira do outro lado da
linha. — Já pensou em conversar com ela? O diálogo salva vidas.
— Sim, e vamos fazer isso em algumas horas, só que nã o sei o que
dizer. Como explicar sem ser rude? “Olha, Jessamine, nosso sexo é legal,
gosto da sua companhia, mas simplesmente não consigo me apaixonar
por você, porque ainda amo uma pessoa que já morreu. Sinto muito”.
— Trenton, a vida não é tão dramática assim. — Dá uma risadinha.
— A sinceridade é o melhor remédio, por mais que doa ou machuque. Não
precisa dizer com essas palavras, obviamente, mas seja delicado. Toda
pessoa gosta de ser bem tratada, independente se a notícia for boa, ruim.
— Eu só ... só nã o quero estragar a vida de uma pessoa com a minha
infelicidade. — Engulo a má goa. — Passei muito tempo vendo meus
amigos com pena de mim, mã e. Todos icavam tristes pela minha
tristeza. As coisas só começaram a voltar ao normal no aniversá rio do
Alexander, e agora tudo está voltando ao normal. Meu medo é desfazer
o nosso laço de amizade por minha causa.
— Se suas intenções não são ruins, querido, não há com o que se
preocupar. Ela pode sair magoada? Com certeza, mas na mesma
proporção que pode entender e vocês serem apenas amigos. Por mais que
doa e machuque, a sinceridade sempre será a melhor solução. Não se
sinta um fardo por ter pessoas ao seu lado que sentem empatia por você.
— Por que você sempre precisa ter razã o? — Mordo meu sorriso,
sentindo a saudade apertar meu peito.
— Porque sou sua mãe! Esse é o meu papel na sociedade.
— Obrigada, minha velha. Vou conversar com ela.
— Velha o cacete, garoto! — ralha em meio a uma gargalhada. — E
não precisa agradecer, conte comigo para tudo o que precisar. Eu te amo.
— Eu sei. També m te amo, até mais. — Encerro a ligaçã o em
seguida, levantando-me da cama.
Chegou a hora de tomar uma decisã o. Por mais que possa magoar
Jess, é necessá rio. Nã o podemos manter essa relaçã o comigo nesse
estado.
Está decidido. Irei até seu dormitó rio para que possamos conversar
e “terminar” uma relaçã o que nunca nem ao menos começou.

— As meninas estã o no quarto, entã o precisamos conversar aqui na


sala — ela diz logo apó s abrir a porta, dando-me passagem para entrar.
— De quem sã o essas malas? — pergunto ao notá -las encostadas na
parede, caminhando para me sentar no sofá .
Jess para ao meu lado.
— Sã o da minha irmã , Eleanor. Ela veio me visitar essa semana.
— Espera... nã o foi você quem a visitou?
— Ah, foi, mas ela voltou comigo para conhecer a cidade.
— Entendi. — O clima entre nó s dois está mais constrangedor do
que o normal. Somos bons de conversa. Temos um bom papo. Mas
agora a atmosfera que nos envolve é tensa como nunca vi antes. —
Entã o... o que precisava me falar?
— Comece você . — Dá uma risadinha, desviando seu olhar. Essa é
uma das caracterı́sticas suas que mais gosto: o fato de ser tagarela ao
extremo e tı́mida na mesma proporçã o. — Nã o nos vemos há uma
semana, sua vida é mais interessante do que a minha.
— Até parece. — Rio, pensando em como ser delicado com a escolha
de palavras. — E se nó s dois dissé ssemos ao mesmo tempo?
— Uhm... E uma boa ideia. E se forem duas coisas completamente
diferentes?
Provavelmente vão ser.
— Discutimos as duas com calma e respeito.
— Combinado entã o. No trê s?
— Perfeito. Um, dois, trê s...
— Eu estou grá vida.
— Acho que precisamos parar de sair... você o quê ?! — Arregalo
meus olhos no exato momento em que ouço suas palavras, dando um
pulo do sofá . — Jessamine, repita por favor.
— Digo o mesmo! — Levanta igualmente chocada, com seu cenho
franzido. — Por que precisamos parar de sair?
— Nã o quero ser grosso, mas isso nã o é nada perto do que você
falou — digo rı́spido, me aproximando, deixando meu olhar cair por
todo seu corpo. Não pode ser verdade. — Por favor, diga mais uma vez.
Ela desvia seus olhos cor de â mbar, cruzando os braços na altura do
seio.
— Estou grá vida, Trenton. G-R-A-V-I-D-A — soletra a palavra
pausadamente, e juro que me sinto tonto. — De oito semanas.
— Como foi acontecer? Nã o é possı́vel. Ok, nã o usamos camisinha,
mas me disse que tomava remé dio.
— Esqueci de tomar no ú ltimo mê s — admite envergonhada,
baixando os olhos para o chã o. — Nã o o mê s inteiro, mas alguns dias.
— Porra, só pode ser brincadeira com a minha cara! — exclamo
frustrado, andando de um lado para o outro na sala, levando as mã os
para a cabeça. — Dá tempo de tirar?
— COMO? — Me encara em um misto de choque e ofensa.
— Você sabe... tirar o bebê — declaro amargamente, sem pensar no
que estou falando.
— Eu nã o quero “tirar” ele. — Faz aspas com os dedos, mantendo a
postura de fú ria. — Vou prosseguir com a gravidez.
— Puta que pariu! — Sento-me na cadeira da sala de jantar,
sentindo meu mundo cair diante dos meus olhos. Um bebê . Uma
criança que vai crescer com dois pais que nã o se gostam. Por que
comigo? — Nã o sei o que te dizer.
— Nã o sabe o que me dizer? — Sua voz sai levemente embargada.
Quando sustendo a vista, consigo perceber seus olhos marejados. —
Estou te dizendo que carrego um ilho seu e nã o sabe que raios falar?
— Você tem certeza de que é meu? Absoluta?
— Chega! — Em um rompante, ouço uma nova voz invadindo o
cô modo. Vejo uma garota de aproximadamente um metro e sessenta e
cinco caminhando até mim a passos pesados, encarando-me como se eu
fosse o diabo em pessoa. — Você é um merda, Trenton. Um merda! —
esbraveja antes de desferir um tapa no meu rosto.
Levanto-me em puro choque.
— Quem é você , sua maluca?!
— A maluca aqui se chama Eleanor, irmã da Jessamine —
apresenta-se tornando a tentar me bater, poré m a impeço. — E você
nã o merece só um, mas todos os tapas do mundo! Como ousa nã o dar
um pingo de apoio para ela, seu fodido dos infernos?!
— Eleanor, se controle! — Dominique aparece de prontidã o,
puxando a garota pela cintura. — Se você me bater, se considere uma
garota morta.
— Ah, me poupe! Olhe as coisas que ele disse! Sou a ú nica pessoa
revoltada nesse apartamento?
— Nã o, també m estou decepcionada, mas ique calma. — Ela me
olha dos pé s à cabeça com desgosto. — Deveria ter deixado a porcaria
do quarto trancado.
— El tem razã o, Dom. — Ouço Jess murmurar, secando suas
lá grimas. Merda, eu não consigo fazer nada do jeito certo. — Olha,
Trenton, se você nã o quer assumir a responsabilidade de ser pai, e se
nã o quer acreditar em mim o problema é seu. Apenas te falei qual seria
minha decisã o. Francamente? Todos os seus amigos me disseram que
eu receberia apoio, poré m está vamos enganados. Quero que você
queime no inferno!
Ela sai no exato segundo em que Alexander entra no apartamento,
com um garoto ruivo ao seu lado. Ambos me encaram confusos, sem
entenderem o que acaba de acontecer.
— O que aconteceu? — Alex pergunta, andando até minha direçã o.
— Seu amigo é o cara mais babaca do mundo! Desgraçado! —
Eleanor torna a tentar se aproximar de mim, poré m o garoto a impede.
— Christopher, nã o se meta!
— Minha linda, você precisa se acalmar — diz com a voz calma,
moldando seu rosto com ambas as mã os. Eles provavelmente sã o
namorados. — Por que nã o vamos tomar um ar lá fora?
— Nã o vou deixar minha irmã sozinha depois de ele acabar com a
vida dela! — ralha, se acalmando com o toque do rapaz. — Pode me
esperar no hotel, nã o vou sair daqui.
— Você s podem dormir no meu quarto essa noite, vou icar com o
Alex — Dom os informa. — Mas nada de transarem na minha cama. Se
eu sentir um resquı́cio de cheiro de sexo, você s estã o literalmente
mortos.
Eles começam a conversar entre si, ignorando minha presença.
Recosto a cabeça na parede, fechando os olhos, respirando fundo. Mil e
um pensamentos rodeiam minha cabeça enquanto sinto uma mã o irme
no meu ombro, deparando-me com Alexander.
— Você quer descer para conversar? — questiona preocupado. —
Olha, eu nã o faço a menor ideia do que aconteceu, mas posso tentar te
ajudar.
— E uma boa ideia. Preciso colocar minha cabeça no lugar.
— Otimo, agora ele vai fugir. — Eleanor rola os olhos com força. —
Vá embora, Trenton. Nã o queremos você aqui.
Ignoro o quanto sua sinceridade me deixa magoado, seguindo até o
té rreo com meu amigo. Lá , procuramos um banco distante do bloco
para o caso de algum deles querer nos seguir, onde praticamente jogo
meu corpo contra ele, sentindo o peso dos ú ltimos acontecimentos me
engolir por inteiro.
— Eu sou o cara mais babaca da face da Terra — declaro
envergonhado, sem nem ao menos conseguir encará -lo. — A Jess está
grá vida.
— E, eu sei. — Suspira ao meu lado, apoiando uma mã o nas minhas
costas.
— Como você sabe? — Encaro-o surpreso.
— Ela descobriu na semana passada, no meio da madrugada do
Ano-Novo. Dom e eu está vamos no quarto e, de repente, ele foi invadido
por uma garota desesperada, segurando um teste de gravidez.
— Por que nã o me contou antes?
— Porque prometi a minha garota e a Jessamine que guardaria
segredo. Sabe que nã o faço o tipo fofoqueiro.
Nã o consigo nem ao menos icar bravo.
— Entendi... é , eu preferi descobrir da boca dela do que de outra
pessoa.
— E como se sente em relaçã o a isso?
— Sinceramente? Estou apavorado. — Solto uma risada nervosa,
balançando a perna freneticamente. — Agi pelo calor do momento. Nã o
queria ter sugerido o aborto, nã o queria ter perguntado se era meu...
poré m, naquela hora, estava desesperado. Nã o é todo dia que se recebe
esse tipo de notı́cia.
— Porra, você fodeu com tudo mesmo. — Faz careta. — Nã o é por
nada, mas preciso concordar: essa foi a atitude do cara mais babaca da
face da Terra.
— Obrigado por ressaltar.
— Mas você nã o é esse cara, Trenton. — Sua frase me chama a
atençã o. — Nã o vou acobertar sua atitude, poré m compreendo ter sido
no desespero. Nessas horas, falamos tudo o que vem na cabeça sem
pensar nas consequê ncias.
— Foi exatamente o que aconteceu. Meu intuito com nossa conversa
de hoje era “terminarmos”. — Faço aspas com os dedos. — Nossa
relaçã o causal. Pelo visto, terei de mudar o plano.
— Nã o necessariamente. Olha, nã o precisa estar romanticamente
com uma pessoa para assumir suas responsabilidades. Sei que ainda
tem os seus traumas e questõ es relacionados à Emery, mas esse fato
nã o te impede de ser um cara legal. Ela nã o te pediu em casamento,
cara. Apenas queria contar sua decisã o e receber o seu apoio.
— E eu consegui estragar sua vida.
— Talvez sim, talvez nã o. Nunca é tarde demais para pedir
desculpas e tentar se explicar. Jess pode querer ouvir ou nã o, poré m ao
menos você tentou.
— Pedir desculpas vai ser pouco. Vou precisar implorar. — Dou uma
risadinha cı́nica. — Nã o vou julgá -la se nunca mais quiser olhar na
minha cara. Nã o mereço seu perdã o.
— Ela tem um bom coraçã o. E gosta de você . Por mais que nã o
funcione para você s o sentido româ ntico da coisa, podem achar uma
soluçã o para tentar seguirem em frente. Os dois sã o responsá veis e
precisam assumir a bronca.
— Odeio quando preciso admitir que tem razã o. Gosto de ser o cara
sensato do grupo — brinco para tentar quebrar o clima, fazendo
Alexander rir e dar um soquinho amigá vel no meu ombro. — Obrigado,
cara. Já sei o que preciso fazer.
— Entã o faça, antes que a Eleanor venha aqui e te mate. O
namorado dela é um garoto legal, mé dico, calmo. Você s vã o se dar bem.
E conte comigo para o que precisar.
Apenas aceno com a cabeça, retornando ao apartamento. Suspiro
aliviado ao notar que ele está vazio, com um bilhete em cima da ilha da
cozinha.

“Trenton,
A Ellen acabou chegando nesse tempo em que vocês estiveram lá fora,
e decidimos levar os adolescentes, que se dizem semiadultos, para tomar
sorvete. Ou melhor, para ver se a Eleanor esfria a porra da cabeça.
Não vou te julgar antes de conversarmos, mas saiba que você foi o
maior babaca do mundo e, por enquanto, está na minha lista de inimigos.
Converse com Jessamine, nunca a vi tão chateada.

Com ódio,
Dominique.”

Acabo rindo de suas palavras, mesmo sabendo que nã o é o


momento. Reú no todas as minhas forças e coragem para bater na porta
de Jessamine, ensaiando meu discurso de perdã o, disposto a implorar
para que ela possa me dar uma chance e que possamos discutir o que
faremos com... com o nosso ilho.
Q ,
.
I
.”
(A B )

Preciso respirar fundo pela terceira vez enquanto choro


descontroladamente. Por mais que El tenha tentado me consolar com
seu abraço, que me lembra como é estar em casa, foi praticamente em
vã o. Sinto-me vulnerá vel como nunca me senti antes. Ou melhor, estou
vulnerável. Nesses momentos, a falta de uma dose mais alta de
medicaçã o pesa minha cabeça, mas sei que nã o posso fazer. Seria muito
arriscado para o meu bebê , e nã o quero prejudicá -lo. Nã o quando seu
pai acabou de dizer absurdos que nunca esperava ouvir.
Porra, ele me sugeriu fazer um aborto sem nem ao menos ouvir
minha opiniã o. Sem saber qual era a minha vontade, como se fosse a
coisa mais fá cil do mundo. Aquelas palavras me ofenderam mais do que
perguntar se era realmente o pai. Trenton sabe que é meu ú nico
parceiro sexual em um bom tempo, de onde surgiu essa dú vida?
Deveria ser o desespero falando mais alto. Espero que seja. Secando
minha ú ltima lá grima, levanto-me o su iciente para ver meu re lexo no
espelho acoplado no armá rio que era de Roxy. Estou horrı́vel. Acabada,
com os olhos inchados, sujos pelo rı́mel e, o principal, sentindo meu
coraçã o se partir em mil pedaços. Eu nã o pedi para ele me amar. Nã o
pedi para o Trent se apaixonar por mim ou algo do tipo. Tudo o que
queria era um pouco de apoio. Palavras de conforto, a garantia que o
teria ao meu lado, independente do nosso histó rico amoroso. Poré m, o
que recebi foi um belo balde de á gua fria. Acredito que apenas nã o
desmoronei na sua frente, pois me distraı́ com El o xingando. Eles até
me chamaram para ir tomar o bendito sorvete, mas nã o consigo sair da
cama. Nã o com o peso do mundo nos meus ombros.
Como vou cuidar dessa criança sozinha? Meus pais não vão me dar
apoio. No máximo, vão esfregar na minha cara o quanto fui irresponsável
e talvez, só talvez, oferecer alguma ajuda inanceira.
Vou ter que arrumar dois empregos e alugar um apartamento. Quem
sabe três.
Fraldas. Fraldas custam o olho da cara.
Sem contar roupas, berço, brinquedos...
Nã o, nã o vou sofrer por antecipaçã o. Tenho tempo. E uma poupança
de aproximadamente dez mil dó lares, deve me ajudar em algum
aspecto.
Posso ver com Dominique e Ellen se nã o posso “alugar” o quarto de
Roxy em troca de limpar a casa toda semana. E fazer comida, quem
sabe. Eu vou conseguir. Nã o preciso de ajuda, muito menos de um
homem que nã o me quer. Se consegui ser um bom exemplo para a
minha irmã descontrolada, posso cuidar de um bebê . Quase dá no
mesmo, né ?
Duas batidas na porta me fazem dar um sobressalto, apoiando a
mã o no peito pelo susto tomado. Deve ser alguma das meninas com
sorvete, tentando me animar de alguma forma.
— Nã o estou com fome para sorvete — falo o mais alto que posso,
pois minha voz embargada me impede de dizer com clareza. — Deixem
na geladeira, eu pego depois.
— E... eu nã o tenho sorvete. Me desculpa. — Meus olhos quase
saltam para fora quando vejo Trenton abrindo levemente a porta, sem
adentrar o cô modo. — Podemos conversar?
— Depende. Vai me sugerir uma clı́nica de aborto? Ou o contato de
algué m que faz teste de DNA? — ironizo, revirando meus globos
oculares com força. — Dá o fora daqui.
— Jess, eu sei que fui um babaca de classe alta — murmura sem
desviar o olhar do meu. — Por favor, me dê uma chance de tentar me
explicar.
— Explicar o quê ? O motivo de você ter sido o cara mais escroto do
mundo? Nã o me faça perder tempo. Eu e meu ilho nã o precisamos das
suas explicaçõ es fajutas.
Quase o ouço engolir em seco.
— Você tem toda razã o de estar magoada.
— Diga algo que nã o sei.
— Mas ainda quero uma chance. Só uma.
— Me dê um bom motivo para te escutar. — Finalmente ergo meu
olhar, disposta a confrontá -lo. O vazio que encontro em seus olhos cor
de mel, que tanto adoro, quase me faz perder a postura. Ele me parece
realmente arrependido.
— Você nã o tem nada a perder com isso. — Sorrateiramente, Trent
entra no quarto, pedindo permissã o com a cabeça para se sentar na
ponta da cama. Concedo-a. — Se eu começar a falar e nã o quiser mais
me ouvir, é só dizer que paro. Se nã o quiser me perdoar, eu vou embora,
mas nã o vou deixar de te ajudar. E uma responsabilidade nossa.
— Ah, agora você diz isso.
— Por favor, apenas me escute — pede como se estivesse me
implorando algo. — Prometo nã o te incomodar mais.
— Bom, o que eu tenho a perder, nã o é mesmo? — Rio fraco,
utilizando suas palavras. — Pode dizer.
Ele limpa a garganta antes de começar a falar:
— Primeiramente, quero te pedir desculpas por tudo o que disse. De
coraçã o, nã o sei expressar o quanto me arrependo por ter sido rude. Eu
só ... só estava esperando qualquer coisa menos isso, entende? Nã o que
justi ique minha atitude, é claro. Fiquei assustado, desesperado, sem
saber o que fazer, porque todos os planos do meu futuro nã o envolviam
assumir a responsabilidade de ter um ilho. — Sua sinceridade é tã o
nı́tida que chega a doer, poré m mantenho a postura. — Mas nã o vou te
deixar sozinha. Vi minha mã e me criar sem o meu pai presente para lhe
dar apoio, e sei o quanto é difı́cil, cruel. Sou um homem que assume as
responsabilidades da vida, entã o se essa é sua decisã o, pode contar
comigo para tudo. Quero estar presente em todos os passos desse
processo, por també m ser a minha vontade. — Em um gesto
inesperado, Trenton segura minha mã o. Inicialmente estranho seu
toque, mas consigo relaxar. — Nã o posso te prometer amor eterno. Nã o
posso garantir que vamos nos apaixonar, nos casar e sermos felizes
para sempre, porque está fora do meu controle. Entretanto, prometo
que vou fazer o possı́vel e o impossı́vel para ser o melhor pai do mundo.
E impossı́vel conter as lá grimas que escorrem pelo meu rosto apó s
ouvir tudo o que tinha para me dizer. Querendo ou nã o, sinto um misto
de alegria e tristeza. Estou feliz por saber que ele está genuinamente
arrependido, disposto a me apoiar nessa etapa apavorante da minha
vida. E triste na mesma proporçã o, porque, no fundo, uma parte de mim
acreditava que podia fazê -lo se apaixonar por mim. Nã o pelo bebê , mas
por ser quem sou. Antes da gravidez acontecer, mantinha esse
pensamento. Depois dela, seria hipó crita se dissesse que a faı́sca de
esperança nã o aumentou um pouco. A inal, um ilho é um laço eterno
que se divide com outra pessoa por todo o sempre. E ele estará
presente. As chances de nos envolvermos seriam maiores, poré m as
perdi, tendo em vista que a clareza em sua frase fora tã o grande, que
destruiu minhas chances.
Respiro fundo, conseguindo sorrir pela primeira vez no dia.
— Eu jamais te pediria para se apaixonar por mim, Trent. Sei que é
praticamente impossı́vel de acontecer. — Tento nã o demonstrar o
quanto essas palavras me doem. Porcaria de hormônio. — Tudo o que
quero e preciso é do seu apoio como pai, nã o como par româ ntico. Criar
uma criança nã o é fá cil. Envolve tempo, dedicaçã o, custos... Tenho noçã o
de que, falando assim, parece que estou colocando defeitos em uma
decisã o que foi minha. E um pouco inexplicá vel, confuso, estranho.
— E... talvez seja mesmo. — brinca, prendendo uma mecha de
cabelo atrá s da minha orelha. — Independente do que for, estarei aqui.
— Obrigada, Trent. De verdade. E exatamente o que preciso.
Sorrindo, ele me puxa pela cintura para me abraçar. Derreto-me por
completo no calor dos seus braços, inspirando o perfume amadeirado
masculino, enterrando a cabeça na curvatura do seu pescoço. “Por que
ele precisava cheirar tão bem?”, pergunto a mim mesma logo apó s nos
separarmos, com nossos lá bios a centı́metros de distâ ncia. Queria
poder beijá -lo até perdermos o fô lego. Queria que ele sentisse, pelo
menos, um terço do que sinto, pois é inevitá vel nã o se encantar por esse
homem. Inclino o rosto na tentativa de conseguir roçar nossos lá bios,
sendo impedida em seguida.
— Jess... nã o podemos fazer isso — murmura se afastando. — Eu
nã o posso fazer isso com você .
— Tudo bem. — Lhe entrego um sorriso envergonhado, sentindo
minhas bochechas fervendo. — Me desculpe, foram meus hormô nios
falando mais alto.
— Hormô nios... nã o os confunda com tesã o, linda.
— Tesã o? Vai se foder! — Gargalho, estapeando seu braço. — Me
respeite, a grá vida sou eu. Pesquise mais sobre o assunto.
— Pode deixar, prometo que, na pró xima vez que nos encontrarmos,
estarei bem estudado.
Mostro meu dedo mé dio. Ficamos conversando por mais alguns
minutos antes de ele se despedir, plantando um beijo na minha testa,
prometendo me visitar para decidirmos mais algumas coisas, as quais
nã o foram ditas explicitamente. Pelo cansaço do dia, acabo caindo no
sono logo em seguida, contente por saber que no inal conseguimos nos
entender.

— Eu ainda nã o con io nesse tal de Trenton — Eleanor resmunga


pela quinta vez ao dia, fazendo Christopher e eu darmos risada da sua
careta.
— E em quem você con ia? — Ergo as sobrancelhas, desfrutando
das sobras de sorvete.
— E uma boa pergunta, Jess. — Meu cunhado pisca cú mplice para
mim, rindo ao ver sua namorada bufar alto.
— Eu con io em você s! Somos uma famı́lia — defende-se apó s dar
uma colherada no meu pote. — Ele é um estranho. Um estranho que te
fodeu em todos os sentidos possı́veis. Nã o poderia ter dado a parte de
trá s?
— ELEANOR! — Sinto meu rosto ruborizar enquanto vejo os dois
rindo da minha cara. — Preste atençã o no jeito que você fala comigo!
Sou sua irmã mais velha.
— Cinco anos de diferença nã o é muita coisa.
— Seu rabo! Mamã e me obrigava a limpar sua bunda fedida quando
estava com preguiça. Exijo um pouco mais de respeito.
— Nã o fale essas coisas na frente do meu namorado.
— Ah, agora a bonitinha vai icar com vergonha? — Lanço um
sorriso maldoso, voltando a atençã o para o garoto ao seu lado. — Você
sabia que a El já comeu o cocô do nosso cachorro, Chris?
— O quê ?! — Ele solta uma gargalhada, olhando-a inconformado.
— JESSAMINE! Eu te pedi para guardar essa histó ria entre a gente!
— Me encara furiosa, mas nã o deixa de rir. — Nã o acredite nas
baboseiras que saem da boca dela.
— Agora quero saber mais um pouco dessa histó ria. — Christopher
ixa seu olhar no meu, deixando-me impressionada com o quanto seus
traços sã o ú nicos. O garoto possui olhos azuis como o oceano, cabelos
ruivos como uma raposa, sorriso encantador. Alé m de atraente, ele é
um bom rapaz. Nunca vi El tã o feliz ao lado de um namorado como é ao
seu. Vê -lo tratando minha irmã zinha como sua prioridade aquece meu
coraçã o. — Por favor.
— Ela era um bebê , tinha um ano mais ou menos. Nosso cachorro,
Ben, havia cagado na sala. Como estava brincando, nã o me atentei
muito a essa pequena pestinha e, quando vi, ela havia colocado um
pedaço da merda na boca. — Rio alto com a recordaçã o. — Mas fui
rá pida e nã o deixei engolir nada, ique tranquilo.
— Esse tempo todo eu beijei uma boca suja de fezes de cachorro? —
Ele faz um carinho delicado nos ios da sua nuca, sorrindo para El.
— Sim, e você adorou sentir o gostinho. Nã o venha reclamar agora.
— Eca, você é nojenta! — Ri, roubando um selinho rá pido.
Faço careta.
— Sem demonstraçõ es de afeto no meu sofá . Estou carente.
— Pois chame o tal do Trenton pra te fazer carinho — provoca-me
com uma voz engraçada. — Ele é o pai do meu sobrinho.
— O pai, nã o meu namorado — corrijo. — Será que, se eu baixar o
Tinder, encontro caras dispostos a fazerem carinho em grá vidas
carentes? Deve ser uma espé cie de fetiche.
— Tem doido pra tudo. — Chris ri. — Quando minha mã e era
solteira, um cara nã o parava de pedir fotos do seu pé . Tipo, em todas as
redes sociais. Ele achou até o e-mail pro issional dela para pedir. Tenta
a sorte.
— Hein, homens sã o estranhos! — digo com repulsa. — Posso me
virar com minha pró pria mã o.
— Mas falando sé rio, sis. O que você s dois pretendem fazer? Morar
em casas separadas? Você aqui, grá vida, precisando de ajuda no meio
da noite e ele lá , despreocupado, morando numa casa supostamente
enorme?
— Nã o sei te dizer ao certo — arquejo, me dando conta de que esse
pensamento també m estava rodeando minha cabeça. Conexão de irmãs.
— Ele nã o me chamou para icar lá , e nã o vou me oferecer. Estava
pensando em ver com Dom e Ellen se elas me alugam o quarto em troca
de limpar o apartamento. Meu salá rio no Hookers servia para me
manter naquele dormitó rio ridiculamente minú sculo, poré m pretendo
economizar o má ximo de dinheiro possı́vel, já que pretendo alugar um
apartamento só para mim, nem que seja apó s o nascimento. Nã o posso
viver de favor de outras pessoas.
— Já pensou em como vai contar a nossa mã e sobre seu querido
neto?
Sinto vontade de desmaiar com sua frase.
— Nã o, e nã o pretendo falar tã o cedo. Eu amo a mamã e, mas nã o me
sinto preparada para ouvir seu sermã o. Se ela nã o me apoiou nem com
minha mudança de cidade para ir atrá s do meu sonho, quem dirá com a
escolha de ter um ilho?
— Ela consegue ser uma vaca quando quer. — Suspira, entrelaçando
seus dedos nos meus. — Pelo menos, temos uma a outra.
— Acho bom você se preparar para ser titia, mocinha — brinco,
apertando a ponta do seu nariz. — Seu sobrinho ou sobrinha precisará
de tios responsá veis. — Olho para o Chris. — Nã o pense que nã o está
incluso no pacote. Bem-vindo a famı́lia mais desestabilizada que terá o
prazer de conhecer na sua vida.
— E uma honra contribuir para esse projeto — declara de um jeito
formalmente exagerado e zombeteiro, fazendo-nos cair na gargalhada.
— Quem sabe, nã o mudo minha especializaçã o para pediatria, assim
posso ser mais ú til.
— Seria perfeito! Vou colocar como pré -requisito para namorar
minha irmã .
Rindo, Eleanor se defende, dizendo que nã o precisa de permissã o de
ningué m para namorar. Insisto na brincadeira, dizendo que é
necessá rio passar pelo consentimento da irmã mais velha, mas que seu
namorado está aprovado.
Passamos o resto da tarde intercalando entre assistir ilmes,
conversar e tomar sorvete, tentando deixar o clima o menos pesado
possı́vel.
“D ,
,
.”
(A B )

— Entã o você vai ser pai? — Bryan repete a mesma frase pela
terceira vez apó s eu contar tudo o que aconteceu nos ú ltimos dias,
provavelmente absorvendo o tanto de informaçõ es.
— Exatamente — digo apreensivo, tentando analisar suas
expressõ es. Por estar chapado na maior parte do tempo, é difı́cil
decifrar quando ele está só brio ou nã o. Poré m agora, vendo seus olhos
verdes arregalados em puro choque, creio que nã o há nenhuma droga
no seu corpo.
— De uma criança.
— Um bebê , para ser mais especı́ ico.
— Um bebê ! — resmunga, levando as mã os até os cabelos que estã o
quase na altura do ombro. — Aqueles que choram?
— Que choram alto, praticamente berram.
— E cagam?
— Principalmente cagam.
— E vomitam?
— Com todas as caracterı́sticas citadas acima.
— Isso é ... eu... eu nã o sei o que te dizer. — Suspira, tornando a me
encarar. — Sã o muitas informaçõ es. Prefere um sinto muito? Ou
parabé ns?
Solto uma risada alta, dando um tapa amigá vel nas suas costas.
— Parabé ns seria o mais adequado agora. Há alguns dias, diria
“sinto muito”, só que agora estou com minha cabeça no lugar.
— Parabé ns entã o, cara. — Ele ri, puxando-me para um abraçado
exageradamente longo. Típico do Bryan. — Como você está se sentindo
com isso? Nã o posso imaginar. Acho que se uma garota batesse na
minha porta e dissesse estar grá vida de mim, me atiraria no primeiro
ô nibus que passasse na rua. Mas nã o me leve a mal, curto crianças. Só
sou meio... eu demais para ser pai.
— Te entendo perfeitamente. — Sorrio, esticando-me para pegar
minha lata de refrigerante. — Estou conformado, eu acho. Nã o posso
a irmar que me sinto empolgado ou animado, pois seria mentira, mas
sei que estou disposto a assumir esse papel com toda responsabilidade
e amor. Ainda é tudo muito recente, vou acompanhar Jess na pró xima
consulta... Acredito que, quando eu vir o feto no monitor do ultrassom,
tudo vai icar um pouco mais real.
— Ah, com certeza. Algumas coisas só acreditamos vendo. — Ri,
tirando um baseado do bolso. Como ele consegue carregar tanta droga
consigo?
— Ainda sã o trê s da tarde, cara. — Olho com repulsa para o cigarro.
— Você nã o dá um tempo nunca?
— Acabei de descobrir que um dos meus melhores amigos vai ser
pai, e que em poucos meses terá um bebê andando sob esse teto.
Mereço um desconto — rebate com bons argumentos. — O que você s
pretendem fazer? Alugar uma casa?
— Está me expulsando?
— Provavelmente sim — brinca, fazendo meus olhos rolarem no
mesmo instante. — Brincadeiras à parte, penso que os dois nã o
queiram dividir seu ambiente com demais pessoas. Nã o é por mal, mas
cuidar de um minihumano exige privacidade, calma, paciê ncia para
perder noites de sono... é uma batalha.
— Ainda nã o pensei nisso — falo re lexivo. — Na verdade, pensei
em chamá -la para icar por aqui durante a gestaçã o, poré m nã o sei se é
uma boa ideia.
— Por que nã o seria?
— Primeiro porque nã o moro aqui sozinho, preciso da sua
permissã o e a do Alex.
— Por mim nã o há problema algum. — Dá de ombros apó s um
longo trago. — E tenho certeza de que para ele també m nã o. A inal,
estamos cansados de ouvir seus gemidos enquanto fode Dominique.
Quem sabe, com uma grá vida em casa, ele nã o aprende a ser mais
silencioso.
Nã o consigo conter a gargalhada com suas palavras.
— Pensando por esse lado, até que soa como uma boa escolha.
Retomando: Segundo, porque nã o sei se ela aceitaria. Fui o mais claro
possı́vel quando expliquei nã o ter intençõ es amorosas. Tenho medo de
o fato de morarmos juntos por nove meses atrapalhar tudo.
— Essa pode ser uma chance de você olhar Jessamine com outros
olhos — diz cautelosamente. Logo, recaio meu olhar ligeiramente
inconformado para ele. — Nã o me interprete errado, Trenton, mas
talvez você s dois possam se entender. Ela está carregando o seu ilho,
somente ela, e nenhuma pessoa mais no mundo. Nã o estou te
aconselhando a se apaixonar ou alguma merda do tipo, mas se dê uma
chance de ser feliz. Nem que seja por alguns momentos. Tente olhar por
uma perspectiva boa, nã o ruim.
— Te ouvindo, parece ser fá cil de fazer. — Sopro desviando o olhar.
— Prometo me esforçar para te ouvir, sá bio Bryan.
— Sá bio é uma palavra muito forte. Pre iro chapado.
— Se insiste, chapado Bryan. — brinco, rindo. — Só é um pouco
difı́cil esquecer tudo o que aconteceu e seguir em frente, sabe? Emery
ainda é dona do meu coraçã o.
— Você nã o precisa esquecê -la para seguir com sua vida — declara
sé rio. — Ningué m se esqueceu dela. Porra, é impossı́vel esquecer uma
garota tã o marcante, só que tocamos nossas vidas. Imagino que, no seu
caso, seja mil vezes mais difı́cil, entã o apenas tente. Se dar uma nova
chance nã o é sinô nimo de esquecimento. Talvez você a ame por toda a
vida, mas vai conhecer um outro algué m que també m poderá amar sem
culpa, pois sã o sentimentos diferentes. Apenas tente nã o se privar de
ser feliz, irmã o. Porque você é a pessoa mais merecedora da felicidade
que eu conheço. — Por im, dá dois tapinhas no meu ombro. — Vou
subir para o meu quarto. Convide Jess para vir até aqui. Por favor, se for
possı́vel, nã o transe no nosso sofá . Odeio sentir cheiro de boceta suada
quando vou me deitar.
A facilidade com que esse garoto tem de me deixar emocionado para
um estado de explosã o em risadas me impressiona. Apenas aceno com
a cabeça, garantindo que nã o farei nada que infrinja suas regras,
pegando meu telefone e mandando uma mensagem para Jessamine,
combinando um horá rio para nos encontrarmos hoje.

— E estranho ver esse lugar silencioso — Jess comenta apó s se


sentar na sala, um pouco recuada. — Nas festas sempre está muito
barulhento.
— Quanto mais barulho, maior o pú blico — zombo me sentando ao
seu lado, mantendo uma distâ ncia considerá vel, mas nã o gritante. —
Como você está se sentindo?
— Bem, eu acho. — Dá um sorrisinho, parecendo estar nervosa. —
Quer dizer, me sinto enjoada na maior parte do tempo. E quase vomitei
na mesa de um cliente na quarta. E quase desmaiei no banheiro na
sexta. De resto, tudo nos conformes.
— Jessamine! Onde que isso é estar bem? — Arregalo os olhos,
preocupado pelo seu bem-estar. — Você falou com sua mé dica sobre
isso?
— Nã o tenho uma mé dica especı́ ica que me atenda ainda. Estou
tentando procurar algué m que seja mais em conta. Como saı́ do
dormitó rio, tive que pagar uma quebra de contrato para o dono, que
está consumindo meu dinheiro atual. Infelizmente, nã o tenho o
privilé gio de contar com um plano de saú de.
— Posso te incluir no meu — digo certeiro. — Aı́ você pode contar
com bons pro issionais.
— Eu agradeço, Trenton, mas vou recusar. Nã o quero abusar dos
seus bens.
— Abusar dos meus bens? Sou o pai, Jess. — Sorrio, tentando
acalmá -la. — Te oferecer o melhor que posso está incluso no pacote de
responsabilidades. E nã o é um esforço para mim, muito pelo contrá rio.
— Tem certeza? Nã o quero me tornar um incô modo.
— Por Deus, mulher. Você nã o me incomoda.— garanto,
agradecendo por ela nã o ser insistente em recusar. — O ilho é nosso,
lembra? Prometi que nã o iria te deixar na mã o.
Um longo suspiro escapa dos seus lá bios.
— Lembro... só sei lá , estou tentando me acostumar com tudo. E
muita informaçã o para um espaço curto de tempo.
— Nem me fale. — Tento lançar um sorriso reconfortante, pois
estamos na mesma sintonia. — Mas vamos dar um jeito nisso juntos.
— Unidos por um bebê — brinca, rindo, quebrando o clima. — Já
contou para o Bryan?
— Sim, há algumas horas.
— E qual foi a reaçã o dele?
— Puro choque. — Rio, lembrando-me da sua cara apó s saber da
notı́cia. — Ele é um bom amigo, só nã o sabe esconder suas expressõ es.
Conversamos sobre o assunto, recebi alguns conselhos, e pronto.
— Gosto dele, apesar do constante cheiro de maconha. — Faz uma
careta engraçada. — E um bom rapaz.
— Com certeza. — Ao me recordar da nossa conversa, um dos
assuntos principais que precisamos conversar vem à minha cabeça. —
Ah, já ia me esquecendo: tenho uma proposta para te fazer.
— Proposta? — Levanta as sobrancelhas, me itando com
curiosidade. — Creio que nã o somos muito bons com esse tipo de coisa.
— Por que nã o?
— Porque a ú ltima que izemos resultou em um bebê — diz como se
fosse ó bvio, apontando para a barriga.
Rio com seu jeito espontâ neo.
— Isso é verdade, mas nã o vem mais ao caso. O que está feito está
feito, certo?
— E, tem razã o.
— En im, pensei em você icar aqui comigo... na minha casa, eu digo,
enquanto completa a gestaçã o. — Vejo seus olhos quase caindo para
fora do rosto de tã o arregalados, me deixando levemente apreensivo. —
Pode parecer loucura...
— Pode parecer? E loucura! — declara apó s se levantar para
caminhar de um lado a outro na sala. — Nã o vai dar certo. Ou melhor:
tem tudo para dar errado!
— Quero estar do seu lado, Jess. E se você passar mal de
madrugada? De dia? Se desmaiar do nada? Nã o querendo desmerecer
as meninas, mas sei que elas raramente estã o em casa. Dominique
praticamente mora aqui. Nã o é como se o ambiente fosse intimidador.
— O ambiente em si nã o é . Você é — bufa, voltando a se sentar.
Querendo ou nã o, entendi muito bem o que ela quis dizer. — Nã o sei,
Trenton. Agradeço a intençã o, poré m preciso pensar no assunto.
Envolve muita coisa.
— Te entendo perfeitamente — digo compreensivo. — Só pense
com carinho, ok? Posso até mesmo dormir no sofá se te deixar mais
confortá vel. Nã o se esqueça de que nã o quero e nem pretendo te deixar
sozinha, em todos os sentidos.
Ela apenas concorda com a cabeça, engolindo em seco. Nã o
conseguimos nem ao menos conversar por conta do clima pesado,
entã o Jessamine logo se retira, voltando ao apartamento. Deito-me no
sofá , pensativo, questionando a mim mesmo se estou tomando as
decisõ es corretas ou as que penso serem corretas.
“D
,
,
, .”
(A B )

“Essa foi a decisão correta a se tomar”, repito comigo mesma


enquanto termino de empacotar minha ú ltima caixa de utensı́lios, grata
por nã o possuir muitos bens materiais, pois assim nã o tenho muito
trabalho para guardá -los. Ellen me ofereceu seu carro e uma carona
para a casa dos meninos, entã o estamos terminando de guardar tudo
no banco de trá s, sentando à frente em seguida.
— Você acha que estou tomando a decisã o correta? — As palavras
saem da minha boca sem que eu perceba. Merda, Jessamine. Nã o
costumo pedir a opiniã o de outras pessoas, porque já me prejudiquei
muito nessa vida me baseando no que eles fariam se estivessem no meu
lugar. Poré m, me sinto segura em estar perguntando isso a uma amiga
que, pelas suas açõ es, demonstra se importar comigo.
Ela me encara curiosa, dando partida no carro.
— Acho que nã o sou a melhor pessoa para te aconselhar.
— Por que nã o seria? — Franzo o cenho, cruzando os braços
automaticamente.
— Nã o tenho namorado. — Dá de ombros com indiferença. — E
nunca passei por nada parecido. Sou uma decepçã o nesse aspecto.
— Você pode ser qualquer coisa, menos uma decepçã o! — Finjo
estar dando bronca, arrancando uma risada dela. Em uma das
conversas que tive com Dominique o seu, como costumo chamar, “lado
psicóloga de primeira linha”, ela me contou que Ellen tem o costume de
se rebaixar sempre que tem a oportunidade. No começo achei que fosse
exagero, mas, conforme a fui conhecendo, percebi que nã o passava da
mais pura verdade. Dom acredita que é por conta de algum trauma no
qual ela nã o possui conhecimento. — Nã o precisa namorar para ajudar
uma amiga. Sabe da nossa histó ria, o que eu sinto, o que interfere
diretamente... apenas quero te ouvir.
— Promete que nã o vai se basear nas minhas palavras?
— De dedinho. — Estico meu mindinho feito criança.
El ri, entrelaçando nossos dedos.
— Eu acho uma decisã o arriscada. Nã o que seja errada ou algo do
tipo, mas você s vã o dividir uma casa. Uma cama. Para as coisas se
misturarem é uma questã o de dias, e nã o quero te ver magoada.
Carregar uma criança na barriga já deve ser uma tarefa difı́cil pra
cacete, sofrer durante esse processo pode piorar tudo. Em
contrapartida, sei que as intençõ es de Trenton sã o boas. Ele é um
menino bom, só está ...
— Destruı́do — completo sua frase, sentindo a amargura penetrar
minha garganta.
— E, destruı́do — murmura apó s um longo suspiro. — Poré m, isso
nã o muda o fato de que ele quer apenas te ajudar e assumir a
responsabilidade. E um perı́odo que vai te exigir muita maturidade
para nã o se iludir. As portas da nossa casa sempre estarã o abertas, caso
precisar.
— O meu medo é nã o ter essa maturidade. — Mordo o cantinho do
meu lá bio inferior, olhando pela janela. — Daria qualquer coisa para ele
ao menos gostar um pouco de mim. Ou nã o ter sofrido tanto no
passado. Só que sei que ambas as coisas nã o estã o no meu poder, entã o
acho que o que me resta é aceitar. Poderia ser pior.
— Com certeza. Ele poderia ser um merda e fugir.
— Poderı́amos estar sozinhos na casa. Pelo menos, Dom, Alex e
Bryan estã o sempre por perto. Só falta você se mudar.
— Nunca! Nã o abandono meu espaço naquele apartamento por
nada. — Ri, logo estacionando na frente da casa. — De qualquer forma,
nã o acredito que tenha um certo ou errado. Gravidez é um saco
romantizado. Nã o que você nã o fosse aguentar sozinha, mas se tem
ajuda, nã o deveria recusar. Digo por ter amigas que engravidaram com
pais ausentes, e as vi sofrendo por nove longos meses. Ter uma equipe
composta por trê s caras idiotas e duas garotas desmioladas vai te
ajudar.
Solto uma risada alta com seu comentá rio, saindo do carro para
pegar minha mala e as caixas.
— Muito obrigada, El, tanto pela carona como pelos conselhos.
— Nã o precisa agradecer, Jess. — Sorri, pegando uma caixa. — Pode
contar comigo para o que precisar, viu? Qualquer coisa.
— Boa tarde, senhoras! — A voz de Bryan invade nossos ouvidos.
Nos viramos para o observar, vendo um sorriso preguiçoso – ou
chapado – nos seus lá bios, se aproximando. — No que posso ajudar?
— Tem uma caixa no carro, você pode pegar? — Ellen pede antes
que eu tenha a oportunidade de falar.
Para minha surpresa, ele paira ao lado dela, prendendo uma mecha
de cabelo atrá s de sua orelha.
— E o que eu nã o faria por você , ruiva?
Ergo minhas sobrancelhas, tentando entender o que está
acontecendo.
— Me desculpe?
— Nã o é nada! — Ela se apressa em responder, afastando seu toque.
Ele ri descrente. — Nã o ligue para as besteiras que o Bryan diz, ok? Ele
gosta de encher meu saco, só isso.
— Ah, Ellen. Você nã o diz isso quando...
— POR DEUS, CALE A BOCA! — grita com as bochechas coradas,
arrancando-me mais uma gargalhada. Ambos podem achar que nã o,
mas todos temos uma leve suspeita de que eles se envolvem alé m da
amizade. Tenho quase certeza, mas pre iro nã o dizer nada, pois nã o
quero vê -la tı́mida.
Entramos rapidamente, colocando os utensı́lios na sala.
— Nã o precisa mentir para mim. Se está transando com o Bryan...
— Pre iro morrer, Jessamine. — Rola os olhos com força, tornando a
encará -lo. — Ele está sempre com drogas en iadas até o rabo. Nã o gosto
dessas coisas.
— Se você diz... — falo indiferente, caminhando até a cozinha,
tomando a liberdade de pegar um copo de á gua.
— Por Deus, francesa, pra que trouxe tanta tralha pesada? — Bryan
pergunta apó s entrar, fechando a porta, colocando a caixa com
di iculdade na bancada. — Parece que tem um corpo aı́ dentro.
— Sã o tecidos, idiota. — Rio, me dando conta de que posso ser um
pouco exagerada na hora de comprar materiais para o meu trabalho. —
E minha má quina junto. Acha que tenho o luxo de possuir um ateliê
pró prio?
— Talvez nã o, mas um dia vai ter. — Pisca, esbarrando
“acidentalmente” no ombro de Ellen. — E no dia que te convidar para o
meu casamento, vou te pedir para fazer o vestido da minha noiva de
presente.
— Quem seria a louca de se casar com você ? — Ellen provoca com
um olhar maldoso.
Ele apenas se inclina, pairando à sua frente, e ico chocada com
tamanha diferença de altura. Por que todos esses homens são tão altos?
— Estou olhando para ela.
Cuspo minha á gua com tudo no chã o, rindo com tamanha audá cia.
— Bryan!
— Só nos seus sonhos, garoto. E nos meus piores pesadelos! — Lhe
mostra o dedo do meio, ainda corada. — Vou indo. Se precisar de mim,
é só me ligar. Nos vemos depois, Jess.
Apenas sorrio, acenando com a mã o enquanto a vejo praticamente
fugir da casa.
— Isso foi maldade.
— Maldade? Estava apenas sendo brincalhã o. Típico do Bryan, uma
hora se acostuma. — Ri, pegando uma lata de refrigerante na geladeira.
— Entã o, Jessamine Lanoie.
— Esse é meu nome.
— Lanoie. E de qual origem?
— Francesa, meus pais sã o descendentes, acabei herdando o
sobrenome.
— Parece La Noia. Sabe, quando se fuma muita maconha e ela te
deixa pensativo, dizemos que você está com noia. Tipo o seu
sobrenome. Acho que vou adaptar para um apelido.
— Ah, nã o! — bufo em meio à s risadas. — Sem apelidinhos para
mim, sé rio. Odeio essas merdas.
— Hum... problema é seu, Lanoia. Esse teto també m é meu, se
acostume com a regra.
— Pare de encher o saco dela, cara. — Trenton aparece na cozinha,
rindo de nossa conversa. — Sé rio. Mova sua bunda cheia de droga para
outro canto e vaze.
— Nã o estou drogado, só para constar — resmunga, levantando-se.
— Só uso nos inais de semana.
— Hoje é sá bado.
— Mas ainda está cedo. Se bem que você me lembrou, e tenho uma
festa para ir mais tarde. Obrigado! — Ele planta um beijo
exageradamente carinhoso na bochecha do amigo antes de se retirar,
subindo até seu quarto.
Trent resmunga, limpando seu rosto. Nã o consigo evitar correr
meus olhos por todo seu corpo, suspirando internamente. Todas as
vezes que o vejo, ico chocada com o quanto ele é bonito. Atraente, com
esse sorriso encantador, cabelo levemente cacheado, olhos em um tom
diferente de mel, os quais contrastam perfeitamente com sua pele
negra. Mesmo estando “normal”, com uma regata branca e calça jeans,
ele me parece incrı́vel. Será que sou olhada dessa forma?
Duvido muito.
— Entã o, como foi a mudança? — questiona sentando-se ao meu
lado.
— Cansativa. — Sorrio fraco apó s dar um gole na minha á gua. —
Acredito ser coisa da minha cabeça, pois estou de poucas semanas e
sem barriga nenhuma, mas só de pensar que estou grá vida me deixa
automaticamente mais cansada.
— E a resposta do seu corpo para coisas novas — diz roubando
minha garrafa.
— Ei, ela é minha!
— Nã o custa nada compartilhar. Negar á gua é pecado — argumenta,
fazendo com que meus olhos se revirem.
— Agora sou preferencial em tudo, sabia?
— Quer que eu te pegue outra á gua?
— Nã o, só estou te provocando. — Pisco, rindo ao ver que ele se
conté m para mostrar o dedo do meio. — Posso te perguntar uma coisa?
— Até duas.
— Você ... você já contou para os seus pais sobre o bebê ? —
questiono receosa, respirando fundo. Nã o conheço muito sobre sua
vida. Na verdade, nem sei ao menos o nome da sua mã e. A futura avó do
nosso ilho. Precisamos nos conhecer mais, ao mı́nimo.
— Ainda nã o. — Expira pensativo. — Pretendo contar no im de
semana quando for visitá -la, nã o sei ao certo. E você ?
— Estou criando coragem para fazer uma ligaçã o. — Rio nervosa,
brincando com meus pró prios dedos. — Eu amo a minha mã e, de
verdade. Ela só é um pouco complicada. Talvez rı́gida demais. Tenho
medo de que nã o me apoie. A inal, nã o conseguiu nem ao menos apoiar
El, sua ilha mais nova, quando ela precisou. Estou sem â nimo para ter
uma pessoa negativa na minha vida.
— Sendo assim, conte apenas quando se sentir confortá vel. Ou ela
tem o costume de te visitar?
— Nã o nos vemos desde quando me mudei, e nã o recebi muito
apoio com a mudança. Esse provavelmente nã o será um problema.
— Entã o pronto, assunto resolvido. — Sorri gentil. E que maldito
sorriso perfeito. — O má ximo que sua mã e pode fazer é dizer que nã o
gostou. A escolha é sua, se ela realmente te amar, vai ceder uma hora ou
outra.
— Vou tentar acreditar nas suas palavras. Obrigada, Trent —
agradeço-o com sinceridade, me segurando para nã o plantar um beijo
no seu rosto. Maldita carê ncia. — E a sua, como vai reagir?
— Provavelmente serei xingado de muitos nomes feios. — Dá uma
risada, que contagia. — Mas ela é minha base, entende? Sempre fomos
nó s. Sei que, se eu precisar de qualquer coisa, tenho com quem contar. E
ela cozinha bem pra cacete. Quando tudo se acalmar, posso te levar para
conhecê -la.
Engasgo o gole que estava tomando, tossindo para recuperar o
fô lego.
— Conhecer sua mã e?
— Sim? — Une as sobrancelhas, sem entender meu choque. —
Algum problema nisso?
— Nada, nã o é n-nada! — gaguejo tentando esconder o nervosismo.
— Só me parece muita informaçã o.
— Por isso eu disse quando tudo se acalmar. — Me tranquiliza,
tocando meu joelho com a mã o, sem malı́cia. — Ela vai ser avó do nosso
ilho, e com certeza irá querer te conhecer. A nã o ser que te incomode...
— Claro que nã o! — interrompo-o de imediato. — Minha cabeça
está uma bagunça, tá legal? Sã os os hormô nios, mudanças... ver sua vida
virar de cabeça para baixo em questã o de dias é demais para mim.
— Tudo bem, eu te entendo — fala compreensivo, depositando um
aperto carinhoso no meu braço. — Nã o precisa ter pressa. Se precisar
conversar, eu estou aqui, ok?
— No momento, tudo o que preciso é de um banho.
— Vá para o meu quarto e descanse. Mais tarde, nos preocupamos
em arrumar suas coisas. Vou icar na sala para te deixar mais à vontade,
ok?
Suba e deite comigo, por favor.
— Ok. — Ignoro meu pensamento com um sorriso gentil, me
levantando, caminhando até a escada. — Obrigada, Trenton. Por tudo.
— A primeira regra que vou estabelecer é para você parar de me
agradecer. — Ele se joga no sofá , sem tirar seu olhar do meu. — Se sinta
em casa, Jess. Você é da famı́lia agora.
Da família.
Eu nã o sei dizer se essas palavras me tranquilizam ou me apavoram,
entã o apenas sorrio, acenando com a cabeça, subindo correndo até o
seu quarto, deitando-me na cama e torcendo para logo pegar no sono.
Fazia muito tempo que eu nã o tomava um bom banho. Daqueles
relaxantes, que sã o capazes de te levar aos nı́veis mais absortos da sua
alma e te refrescar até deixar seu corpo extasiado. Com as
preocupaçõ es dos ú ltimos dias, mal tive tempo para me cuidar. E agora,
apó s sair de um longo banho de banheira no quarto de Trenton, sinto
minhas energias renovadas. Ele saiu há um bom tempo, alegando
precisar ir ao supermercado comprar comida, entã o aproveitei para
abusar um pouquinho da hospitalidade e desfrutar do seu utensilio.
Enrolada na toalha, caminho até a cama, onde me sento, abrindo minha
mala – já que ainda nã o guardei minhas coisas no armá rio – pegando
uma roupa e colocando ao meu lado.
E estranho estar em um ambiente novo. Ainda nã o me sinto
confortá vel o su iciente para ter aquela sensaçã o de casa, pois estou no
meu primeiro dia, mas nã o me considero tã o recuada quanto
imaginava. Já vim nesse quarto algumas vezes. Já transei nesse quarto
algumas vezes. Para minha sorte, Trent nã o é o tipo de garoto
preocupado em trazer suas parceiras até sua verdadeira cama, ou seja,
esse lugar tem muita histó ria.
Sexo. Ao me deitar, recostando a cabeça com cuidado para nã o
molhar o travesseiro, fecho os olhos e penso como seria nossa relaçã o
se ele nã o estivesse... bom, do jeito que está . Talvez poderı́amos transar.
Na verdade, creio que essa seria nossa principal atividade, porque
somos bons nisso. Ele nã o pode negar que nossas fodas sã o de tirar o
fô lego. Só de imaginar seu peitoral escultural sobre o meu, mã os
descendo por todo o corpo, palavras sujas sussurradas no meu ouvido...
Merda. Quando menos percebo, estou de pernas abertas,
acariciando meus seios levemente, sentindo o clitó ris pulsar. Não, não
posso fazer isso. Nã o posso me masturbar na sua cama. Alé m de ser falta
de respeito, estaria abusando da hospitalidade.
Mas as merdas dos meus hormô nios nã o estã o de acordo com a
razã o. Mesmo tentando desviar meus pensamentos, tudo me leva até
ele. Até suas grandes mã os espalmando um tapa na minha bunda,
dizendo o quanto eu sou gostosa. Falando que sou a única mulher que
ele quer na cama, somente eu, Jessamine, e mais ningué m na face da
terra.
— Que inferno... — sussurro mordendo o lá bio inferior, abrindo
minhas pernas, conferindo rapidamente se a porta está fechada – e sim,
está .
Nã o tem ningué m em casa. Bryan saiu, Alex está com Dom no
apartamento. Ningué m irá saber. Que mal há ? Sou uma mulher grá vida,
com a libido pegando fogo e um parceiro que, provavelmente, nã o tem
interesse em me foder. Posso e devo me satisfazer sozinha.
Me concentro em uma boa fantasia sexual, sorrindo safada
enquanto a deixo preencher minha cabeça. Nela, estamos bem aqui, na
sua cama, nos beijando comigo por cima, rebolando no seu colo
lentamente, mordendo o lá bio inferior para abafar nossos gemidos. Ele
desfere um tapa estalado na minha bunda, que me faz gemer alto e
levar mais um como “puniçã o”, porque nã o podemos fazer muito
barulho. Apoio ambas as minhas mã os no seu peito, descendo para
beijar seu pescoço enquanto Trenton tira minha calcinha e sua cueca,
fazendo-me espalhar todo meu lı́quido pelo seu pau. Segurando os ios
na nuca, ergo o corpo su icientemente para deslizar pelo seu membro,
cavalgando lentamente, olhando nos seus olhos e o lembrando que sou
eu quem o deixa assim. Ele concorda, murmurando que sou a mulher
mais quente do mundo conforme me penetra rá pido, estocando com
vontade, chupando meus mamilos...
— Trenton... nã o para, por favor. — Levo uma das mã os para brincar
com meus seios, enquanto me penetro com dois dedos, sentindo o
orgasmo se aproximar. — Mais rá pido...
Oh, estou quase lá. Em alguns segundos, sei que atingirei um
orgasmo intenso, que me fará conter o grito, enterrando a cabeça no
travesseiro. Poré m, no instante em me sinto prestes a contorcer meu
corpo, ouço um objeto caindo no chã o. Assustada, abro meus olhos de
prontidã o, vendo Trenton parado na porta, com os olhos arregalados
por ter sido pego. Sinto as bochechas ferverem no mesmo instante,
fechando as pernas, sem saber o que fazer.
Por que precisava ser pega na porcaria do pulo?
E há quanto tempo ele está me observando?
— Eu... é ... vim d-dizer que... é ... vou preparar o j-jantar — gagueja,
desviando o olhar. — E... grito quando estiver pronto.
Ele sai em disparada para o andar de baixo, sem me dar a
oportunidade de dizer nada. Na verdade, nã o creio que haja algo para
ser dito. Apenas me levanto, visto minhas roupas apesar de estar
trê mula, e penso no que vou falar quando ele me questionar sobre
minha masturbaçã o na sua cama.
“P
.”
(A B )

Eu estava prestes a jogar a merda da á gua fria, que deveria ser


cozida para o meu macarrã o na cabeça. Nesse momento, essa parece
ser a ú nica alternativa para acalmar meu pau na cueca, que grita por
socorro devido a cena que presenciamos agora há pouco.
Por Deus, aquilo parecia o paraíso disfarçado do inferno. Entre todas
as hipó teses de ter Jessamine morando comigo, pegá -la se masturbando
era a ú ltima que imaginei. Ou melhor: pegá -la se masturbando e
gemendo a porra do meu nome como se fosse algo sagrado. Conforme
fui andando lentamente até o quarto, em silê ncio pois cogitei a hipó tese
de ela estar dormindo, escutei seus gemidos sussurrados invadindo
meus ouvidos. No momento que parei na porta, arregalei os olhos de
prontidã o, mas simplesmente nã o consegui sair. Parecia que meus pé s
estavam grudados no chã o enquanto via suas lindas pernas abertas,
boceta molhada, e tudo conseguiu piorar quando escutei meu nome. Se
nã o estivesse mentalmente controlado, teria entrado naquele quarto
sem dizer uma palavra, deitado na cama e chupado seu mel com
volú pia. Nã o posso ser hipó crita e mentir que nã o me sinto atraı́do por
Jess. Ela é uma mulher linda, tem um corpo de tirar o fô lego, e sabe
muito bem o que fazer na cama para me levar à loucura. E nã o é só isso.
Ela é linda em todos os aspectos. Fazia muito tempo que eu nã o
conhecia uma pessoa com um coraçã o tã o puro, bondoso, gentil.
Poré m, o meu lado consciente sabe que seria um puta erro. Nã o
quero machucá -la, muito menos confundir seus sentimentos. Entã o
agora estou aqui, pensando que poderia estar fodendo ao invé s de me
distrair com a merda de um macarrã o com queijo, o seu favorito,
esperando pela conversa que provavelmente iremos ter. Quero que ela
se sinta em casa em todos os aspectos. Se sentir vontade de se
masturbar, que o faça, mas ao menos tranque a porta. Poderia ter sido
algum dos meninos, e meu sangue ferve só de imaginar essa cena.
— Troquei a roupa de cama. — Sua voz é quase inaudı́vel. Ergo meu
olhar, a encontrando vestida com uma calça moletom, regata, e sem
sutiã . Deus está me testando.
— Posso saber o motivo? — Me pego confuso com sua atitude,
fazendo o molho de queijo cheddar.
— Porque a sujei. Você sabe, por favor nã o me faça explicar. — O
rubor que sobe pelas suas bochechas me faz perceber do que está
falando, e o quanto essa situaçã o a deixou envergonhada. — Prometo
que nã o vou mais...
— Jess, nã o precisava fazer isso. — Tomo um passo longo para icar
em frente ao seu corpo, tocando seu braço. Nã o sei por que, mas sinto
uma necessidade estranha de manter contato fı́sico. — De verdade. Nã o
era motivo para trocar minha roupa de cama.
— Claro que era! — Suspira, com os olhos enchendo de lá grimas.
Serã o os hormô nios? Nunca a vi tã o emocional. — Qual é , Trenton. Eu
estava me masturbando na sua cama. Na sua casa. Invadindo a sua
privacidade. E se fosse um de seus amigos?
— Nã o é nada que nenhum deles faça em seus respectivos quartos.
— Dou uma risadinha, prendendo uma mecha de cabelo solta atrá s da
sua orelha em uma tentativa de deixá -la mais confortá vel com o
assunto. — Já te falei que essa casa també m é sua agora.
— Ainda nã o encontro um bom motivo para abusar da
hospitalidade. Só ... só senti tesã o no momento, tá legal? Me desculpe...
— Você nã o precisa se explicar muito menos se desculpar. —
Interrompo de prontidã o. — Estou falando sé rio. Aconteceu, faz parte.
Nã o vou te julgar.
— Ainda estou me sentindo uma intrusa — bufa, desviando o olhar
para a cozinha. — Sinto como se estivesse entrando na sua vida pessoal
sem permissã o.
— Se eu te der a permissã o, vai te ajudar? — Lhe entrego meu
melhor olhar pidã o, tentando fazê -la rir.
Para minha sorte, dá certo.
— Pode me promoter que nã o vai mais tocar no assunto e nã o vai
contar para ningué m? Esqueça o que viu.
— Ah, linda, seria impossı́vel esquecer você de pernas abertas e
gemendo meu nome — provoco, recebendo um belo tapa estalado no
ombro como resposta. — Ai!
— Sem piadinhas, por favor! — pede em meio a uma risada com o
rosto ainda corado. — Promete? — Ela estica o mindinho para mim.
Entrelaço nossos dedos.
— Prometo nã o contar para ningué m, e vou me esforçar para nã o
tirar onda com a sua cara.
— Vai se foder. — Um dedo do meio pintado de azul aparece bem na
minha cara. Jessamine segue para o balcã o, inspirando o molho de
cheddar. — Hum, está fazendo macarrã o com queijo?
— Sim. E o seu favorito, certo? — pergunto enquanto tiro o
macarrã o cozido da panela.
— De todos. Era minha refeiçã o preferida com Eleanor na infâ ncia.
Acho que era o ú nico prato que nossa mã e cozinhava com destreza.
— E como ela está ? Continua me odiando? — Rio ao me lembrar da
sua fú ria na primeira e ú nica vez que nos encontramos. Ainda nã o tive a
oportunidade de conversar com Eleanor do jeito certo e civilizado.
— Um pouquinho. — Dá uma risadinha, pegando seu prato e se
servindo. Faço o mesmo e caminhamos até a sala para assistirmos
televisã o. — El é superprotetora. Somos superprotetoras uma com a
outra. Coisa de irmã s.
— Posso imaginar. Acho que, se eu tivesse um irmã o ou irmã da
mesma idade, també m seria assim. Meu meio-irmã o Christian é um
pestinha independente.
— Nã o sabia que você tinha um meio-irmã o.
— Ele tem doze anos, é ilho do meu padrasto Ryder. E um bom
garoto, divertido, educado. Quando nos conhecemos, iquei receoso de
estar lidando com uma criança chata e mimada. Nã o sou muito fã de
pirralhos.
— Vai me dizer que nã o gosta de crianças quando está prestes a ser
pai de uma? — Ergue as sobrancelhas, dando uma garfada no macarrã o,
suspirando com o sabor.
— Não gostar é uma palavra forte. Bebê s sã o diferentes. Talvez
deem um pouco mais de trabalho, mas pelo menos nã o falam. E o nosso
ilho vai ser uma pestinha muito bem educado.
— Com tios como Alexander e Bryan, eu duvido muito. A propó sito,
já escolheu quem vai ser o padrinho?
— Estou elaborando uma competiçã o ridiculamente humilhante
para decidir. — Sorrio diabolicamente ao lembrar dos meus planos. —
Nã o poderia escolher por conta pró pria. E você ?
— Bom, nã o tenho muitas opçõ es. — Dá de ombros, ligando a
televisã o para icar com um som de fundo. — Eleanor já vai ser a tia,
entã o acho que posso dar a chance para uma das meninas. Talvez
Dominique, somos mais pró ximas, mas nã o sei ao certo. Ainda temos
tempo para pensar.
— Ah, muito tempo. — Dou uma risadinha, pensando que ainda
temos nove longos meses pela frente. — Já pensou em algum nome?
— Ainda nã o, sou pé ssima com escolhas. — Ri, terminando de
comer, deixando o prato na mesinha de centro. — Preciso vasculhar
aquelas listas de “nomes americanos mais bonitos” que se encontra na
internet. Ou franceses como o meu. Tem alguma preferê ncia?
— Por mim, tanto faz — falo despreocupado, pegando os talheres e
caminhando até a pia. Ela me segue. — Desde que nã o seja um nome
feio ou estranho. Ou muito comum. Ou pouco comum.
— Uau, para algué m que está dizendo “tanto faz”, você tem muitas
exigê ncias. — Dá risada, assumindo um lugar diante da bancada. —
Pode deixar, eu lavo os pratos.
— Nã o precisa. Deixa comigo, coloco na má quina de lavar louça.
— Nem fodendo! Esses negó cios americanos nã o servem para
limpar direito. — Remexe os olhos com desgosto. — Fico com a louça
hoje, é uma das minhas formas de agradecer.
— Se insiste, nã o sou em quem vai recusar. — Sorrio fraco, me
aproximando. — Vou subir para dormir. Te espero lá ?
— Na verdade, acho que vou dormir na sala...
— Nem pense nisso — digo irme, puxando seu queixo levemente
para que ela me encare. — Caso dormir comigo te deixe desconfortá vel,
eu ico na sala. Basta ser sincera.
— Nã o é essa a questã o. — Expira, cruzando os braços, girando o
corpo para se pô r rente a mim. — Você me viu enquanto eu me
masturbava naquela cama há uma hora. E um pouco estranho.
— Linda, você diz isso como se eu nunca tivesse te visto pelada. —
Ver aquele rubor gracioso subindo pelas suas bochechas me faz sorrir
automaticamente.
— Mas a circunstâ ncia é diferente.
— Prometo nã o te constranger com essa situaçã o.
— Tá bom! — Acaba se rendendo em meio a uma risada. — Apenas
porque sua cama é muito macia e confortá vel.
— Pre iro pensar que é porque estarei deitado nela — brinco com
uma piscadinha. — Boa noite, Jess.
— Boa noite, Trenton.
Subo para o meu quarto apó s nos despedirmos. Lá , troco minhas
roupas, colocando um pijama confortá vel, cogitando a hipó tese de icar
sem camisa por ser um costume, poré m nã o quero causar mais
constrangimento. Ela demora um pouco para subir, pois passo cerca de
meia hora deitado, inquieto, temoroso caso mudasse de ideia e icasse
na sala. Quase suspiro aliviado ao sentir o peso do seu corpo na cama,
se ajeitando devagar para nã o me incomodar. Nã o sei por que, só que
simplesmente nã o consigo dormir. A inquietaçã o continua formigando
meu peito. A sensaçã o de que ela está nervosa e desconfortá vel me
preocupa, entã o apó s o que parece ser mais meia hora deitado,
pensando, viro meu corpo lentamente, dessa vez, suspirando de
verdade ao encontrá -la dormindo. Seus lá bios fechados como os olhos,
calmos. Respiraçã o leve, tranquila. Querendo ou nã o, acabo sorrindo
com essa cena. Ela está em paz, relaxada, e muito bonita.
Jessamine nã o consegue icar desprovida de aparê ncia em nenhuma
circunstâ ncia. Seus traços delicados sã o iluminados pelo pequeno
abajur acoplado na parede, que deixo ligado por uma questã o de
costume. Sem perceber, traço um carinho delicado pela lateral do seu
rosto, sorrindo ao sentir a pele macia contra os meus dedos, cumprindo
com o maldito costume de prender a mecha solta atrá s da sua orelha.
Por um momento, sinto vontade de beijá -la. De esquecer todas as
merdas que me aconteceram e pelo menos tentar. Todavia, sei que nã o
posso – e nã o devo – brincar com seus sentimentos. Sendo assim, viro-
me para o lado, fechando meus olhos, caindo no sono sem perceber.
“O

.”
(A B )

— Estou nervosa pra cacete — Emery murmura pela quarta vez após
eu estacionar meu carro na frente de casa. Hoje, a trouxe para conhecer
minha mãe. Um dos maiores passos do nosso relacionamento, pois nunca
cheguei a fazer isso com outra garota. E quando contei para ela, acabou
a deixando mais nervosa ainda.
— Não precisa disso, meu amor. — Sorrio com sua timidez,
entrelaçando nossos dedos. — Minha mãe está doida para te conhecer.
— E se ela não gostar de mim? E se achar que sou uma péssima
pessoa para estar do seu lado?
— Primeiro, você é a melhor e a única pessoa que quero ao meu lado
pelo resto da vida — garanto, arrancando-lhe um sorriso bobo, beijando
seus lábios suavemente. — Segundo, eu prometo que ela vai te amar.
Esther Grant pode ser exigente, mas é a melhor mãe do mundo.
— Eu não duvido que seja. A inal, ela fez o melhor homem do mundo
— diz apoiando a cabeça no meu ombro. — Me promete que não vai
soltar minha mão nem por um segundo?
— Nunca. Mesmo tendo quase certeza de que ela irá te roubar de
mim. — Dou uma risadinha, saindo do carro. Abro sua porta e então
caminhamos até a entrada, onde toco a campainha. — Preparada?
— Nunca estarei. Acho que preciso de um tempinho a mais para...
— Trenton! Meu ilho, como estava com saudades. — Minha mãe abre
a porta em um rompante, puxando-me para um abraço. No canto do olho,
vejo Emery surpresa, com seus lindos olhos azuis arregalados.
— Também estava, minha coroa. — Beijo o topo da sua testa,
inspirando seu perfume familiar que me remete à sensação de lar.
— Coroa o cacete! — ralha em um tom zombeteiro, rindo junto
comigo. Ela volta o seu olhar para a minha garota, que está com suas
bochechas levemente coradas, brincando com os próprios dedos. Linda. A
porra do amor da minha vida. — E você deve ser a Emery.
— Sim, senhora, Emery Price. — Estica sua mão levemente trêmula
formalmente.
Minha mãe ri, mas aperta do mesmo jeito.
— Nada de senhora, querida. Pode me chamar de Esther ou sogra.
Venha cá, me dê um abraço. É o mínimo que mereço por escutar esse
garoto por horas, dizendo que eu estava prestes a conhecer o amor da
vida dele.
Rindo, Em acaba se rendendo ao encanto, a abraçando. Sorrio
satisfeito ao ver as mulheres que quero carregar comigo por todo o
sempre juntas, conversando. Mamãe faz o máximo para não deixar
Emery desconfortável, mantendo a conversa leve, amigável. Contando
sobre minha infância, trapalhadas, até mesmo situações vergonhosas,
mas que não me importei de serem ditas, pois a faziam rir do jeito que eu
tanto adorava. Falando sobre seu trabalho como médica, explicando
sobre a pro issão, deixando minha garota cada vez mais feliz com sua
escolha de carreira.
Naquele momento, eu soube que havia tomado a decisão certa. Que
inalmente, depois de tanto tempo, havia encontrado uma garota que
seria minha eterna companheira.

— Trenton, você está bem? — A voz da minha mã e me traz de volta


para a realidade.
Preciso piscar duas vezes para perceber que passei cerca de dois
minutos calado, preso em uma memó ria. Merda. Odeio icar assim.
Fazia um bom tempo que nã o me pegava preso em uma, pois nos
ú ltimos dias, tenho tratado Jessamine como minha maior preocupaçã o.
Estamos bem, eu acho. Nã o tocamos em assuntos que sabemos que irã o
nos constranger. Estabelecemos um horá rio de banho para cada um
poder usar o quarto sem medo de esbarrar um com o outro – e,
francamente, nã o sei se seria capaz de ver seu corpo nu e nã o a arrastar
para cama. Ficamos conversando sobre o bebê , sobre como serã o as
pró ximas semanas e consultas. Jantamos sozinhos raramente, já que, na
maioria das vezes, estamos cercados por nossos amigos. O que é bom,
evita climas constrangedores.
Estou prestes a contar para a minha mã e que ela será avó . Nã o sei
ao certo qual será sua reaçã o. Posso imaginar alguns argumentos, mas
nada concreto. Deus, como isso é difı́cil! E impressionante ver o quanto
nossa vida muda num piscar de olhos. Semanas atrá s, eu tinha o
controle total de todas as situaçõ es que me cercavam. Agora, me
encontro perdido em grande parte do tempo, tentando me encontrar
aos poucos.
— Estou sim, mã e — tranquilizo-a, segurando sua mã o por cima da
mesa. Estamos no quintal, sentados na pequena mesa de, como ela a
chama, tomar chá com suas amigas, inspirando um pouco de ar puro. —
Estava apenas perdido em pensamentos.
— E esses pensamentos envolvem o que precisa me falar? Porque,
sendo sincera, estou um pouquinho ansiosa — diz com uma risadinha,
bebericando sua xı́cara de café .
Dou um sorriso largo ao notar nossas semelhanças. Olhos cor de
mel, cabelos enrolados, até mesmo o nariz. Ela diz que apenas puxei
meu pai na questã o do sexo, mas que, de resto, sou sua có pia. Até
mesmo a mania incessante de erguer as sobrancelhas quando estamos
nervosos temos em comum.
— Em partes. — Suspiro, ajeitando a postura, pensando em uma
maneira de ser direto sem assustá -la. — Sabe a Jessamine? Que te
contei há algumas semanas.
— Aquela com quem você precisava ter uma conversa sobre sua
relaçã o e nã o queria a magoar?
— Exatamente.
— Ah, me lembro sim! E nã o me trouxe mais nenhuma novidade. —
Cerra os olhos em tom brincalhã o. — Nã o deu certo? Ou a briga acabou
em sexo e icou com vergonha de contar?
— MAE! — Arregalo meus olhos com seu jeito tã o direto. — Claro
que nã o!
— Qual o problema? Como se eu nunca tivesse tido sua idade e
passasse por essa situaçã o! — Rola os olhos, rindo. — En im, se nã o é
nenhuma dessas opçõ es, me diga a verdadeira.
É agora. Respiro fundo, unindo todas as minhas forças, mordendo o
lá bio inferior. Eu consigo.
— Entã o... ela meio que está grávida.
A xı́cara que estava prestes a retomar à sua boca cai no chã o apó s
minhas palavras. Engulo em seco, percebendo que deveria pelo menos
ter esperado o objeto estar em um lugar seguro para dar uma notı́cia
dessas. Porcaria.
— Como assim “meio que está grávida”? — pergunta em um tom
calmo, moderado, mas aparentemente bem controlado. — Nenhuma
mulher ica meio grávida. Ou está , ou nã o está .
— Ela está grá vida — bufo, encarando seus olhos. Eles se
encontram levemente furiosos, assustados. — Seis semanas, mais ou
menos. Ainda estou me acostumando com esse tipo de conta.
— Trenton... eu nã o sei o que te dizer. — E sua vez de suspirar. Por
incrı́vel que pareça, ela procura minha mã o novamente, a apertando
com força. — Eu deveria te dar uma bronca, mas você já tem vinte e
cinco anos, nã o vou te tratar como criança. Você está feliz com isso?
— Nã o sei se feliz seria a palavra correta. — Sou sincero, grato por
nã o estar ouvindo nenhum tipo de sermã o. — Foi um acidente,
obviamente, mas ela quis icar com o bebê . E eu nã o seria o tipo cara
escroto que larga uma mulher grá vida e nã o assume a
responsabilidade.
— Ah, nã o seria mesmo — ralha cerrando os dentes, provavelmente
se lembrando do meu pai. — Eu jamais permitiria que isso acontecesse.
Nã o te criei desse jeito.
— Eu sei, entã o iz o que deveria ser feito. Ainda nã o fomos em uma
consulta juntos, acredito que é o elemento que falta para cair minha
icha. Estou lidando com isso aos poucos, mã e. Mas nã o conseguiria
esconder de você .
— E te agradeço por ser tã o sincero comigo. — Me entrega um
sorrisinho reconfortante. — Mas e sua carreira? Seus planos de se
tornar um jogador pro issional?
— Vou ter que dar uma pausa por enquanto. — Meu grande sonho,
desde pequeno, era me tornar jogador de basquete pro issional da NBA.
Nosso treinador me disse que eu sou cem por cento capaz de conquistá -
lo com meu esforço. Poré m, nã o posso fazê -lo nesse momento. —
Crawford contou que consegue me colocar como treinador dos calouros
da faculdade, o que já é um bom começo. Pelo menos, nã o ico parado e
recebo um bom dinheiro trabalhando com algo que gosto.
— E... melhor do que icar sem nada, nã o é mesmo?
— Com certeza.
— Quando vou poder conhecê -la? Quero saber como é a mã e do
meu netinho!
Nã o consigo deixar de sorrir com sua empolgaçã o. Como eu amo
essa mulher.
— Ainda nã o sei ao certo. Jess está com vergonha, conversamos
muito a respeito de nã o misturarmos as coisas...
— Ah, Trenton, meu querido. Você realmente nã o pensa em dar uma
chance para garota?
Quase cuspo meu café apó s ouvir suas palavras.
— Como assim?
— Sabe do que estou falando. No sentido romântico da coisa. — Dá
ê nfase na palavra, rindo do meu desespero. — Posso nã o a conhecer,
mas ela é a mã e do seu ilho, entã o deve ser uma boa garota. Que,
perante nossas conversas, claramente gosta de você . E você també m
deve gostar dela, nem que seja um pouquinho. Por que nã o dar uma
nova chance a si mesmo?
— Porque nã o quero magoá -la com falsas esperanças de algo que
provavelmente nã o irá dar certo. — Sou mais sincero do que gostaria,
pesando o olhar para ela.
— Pode me dar um bom motivo para isso?
— Ainda nã o superei a morte da Emery. — A frase sai da minha
boca sem pausa. No instante que termino de dizer, sinto o amargor me
preenchendo. — Nã o sei se um dia serei capaz de superar.
— Entã o você vai viver assim, sozinho e triste para sempre?
— Nã o foi o que eu quis dizer...
— E doloroso perder algué m que amamos. — Me interrompe de
prontidã o, seu sinal para que eu preste atençã o. — Muito doloroso.
Nunca te contei pelo que me lembro, mas quando tinha quinze anos,
perdi meu namorado para o câ ncer.
— O quê ? — Sinto meus olhos saltarem para fora do rosto, em
estado de choque. — Você nunca me disse.
— Já faz muitos anos, querido. — Sorri triste, acariciando minha
mã o. — Mas foi triste. Philip deveria ser o amor da minha vida. “Está
escrito nas estrelas, seremos nós para sempre”, eu dizia enquanto o via
morrer diante dos meus olhos. Foi horrı́vel. Uma das piores dores que
já senti em toda vida. Era muito nova, ingê nua. Acreditava nos milagres
que lia na internet. Infelizmente, grande parte deles nunca acontecem.
Nó s fomos felizes enquanto é ramos para ser. Eu o amei durante todas
as oportunidades que tive.
— Como fez para superar? Eu digo... para fazer a dor passar.
— Ela nunca passa, apenas ameniza. Obvio que já se passaram
muitos anos, e é disso que estou falando. Fui feliz de novo. Por mais que
nã o goste de ouvir, seu pai me fez feliz antes de ser um merda. Ryder
me faz feliz. Todos sã o amores diferentes que me permiti sentir. Se eu
vivenciasse a dor do luto por muito tempo, nã o teria você , a pessoa que
mais amo na vida. E está prestes a ter a pessoa que mais vai amar na
vida. Ter algué m ao seu lado é um bô nus, Trenton. Nã o estou te dizendo
para sair daqui e pedir Jessamine em casamento, apenas pense.
Imagine como seria legal ter uma famı́lia com uma mulher que você
está disposto a amar? A conhecer suas facetas, qualidades, defeitos, e
talvez descobrir um novo amor?
Abro e fecho a boca mais vezes do que consigo contar. Nã o faço a
menor ideia de como respondê -la. Na verdade, acredito que nem tem
uma resposta certa para os seus questionamentos e re lexõ es. Pois, no
fundo, eu sei que minha mã e está certa.

— Trouxe uma lor para você — digo ao entrar no quarto,


segurando um pequeno vaso de girassol arti icial em miniatura, sua
planta favorita. — Sei que é de mentira, mas nã o tinha uma verdadeira.
Jess me encara curiosa, analisando a plantinha, sorrindo de orelha a
orelha. Gosto de vê -la sorrir.
— E por que você me trouxe isso?
— Nã o sei ao certo. — Suspiro, sentindo as palavras da minha mã e
pesando na minha cabeça. Sobre recomeçar, dar uma nova chance ao
desconhecido. — Pensei em te fazer um agrado.
— Ah... muito obrigada, Trent. — Sorri, pegando o objeto nas mã os,
admirando-o. — E linda. Pre iro lores de mentira, nã o corre o risco de
morrerem.
— E um pensamento que faz muito sentido. Se todos pensassem
assim, o mundo mataria menos plantas.
— Falou o bió logo preocupado com o meio ambiente. — Dá risada,
tornando a se sentar na cama, deixando o pequeno vaso ao lado da sua
cabeceira. — Como foi o dia com sua mã e?
— Bom. Gosto de estar em famı́lia, sinto falta de tê -la presente o
tempo todo — conto enquanto tiro minhas roupas, colocando apenas
um short de pijama. O rubor que sobe pelas suas bochechas ao me ver
seminu me faz sorrir descaradamente. — E o seu dia?
— Tedioso, como sempre. — Dá de ombros, desviando o olhar
enquanto me deito ao seu lado. — Fiquei em chamada de vı́deo com
Eleanor a maior parte da tarde, contando quais sã o meus planos sobre
pró ximas consultas, brincando de falar nomes ridı́culos... coisas de
irmã s.
— Ela continua me odiando?
— Um pouco. — Solta uma risadinha, virando de lado. — Ficou me
perguntando o dia inteiro onde você estava, por que nã o me levou...
— Contou que te chamei? — Ergo as sobrancelhas, lembrando que
iz o convite.
— Sim, mas quem disse que aquela garota para e me escuta? — Rola
os olhos, rindo. — Consegui acalmar a fera. Ela está disposta a te dar
mais uma chance quando vir me visitar novamente.
— E vou provar que sou uma pessoa melhor do que imagina. — Dou
uma piscadinha sagaz, tentando me aproximar sem parecer invasivo.
Uma nova chance, Trenton. Tente alguma coisa. — Estava pensando em
irmos jantar amanhã .
— O q-quê ? — gagueja, arregalando levemente os olhos. — Jantar
como amigos ou como...? Ah, nã o precisa responder. E ó bvio que é como
amigos. Me desculpe por...
— Ei, se acalme. — Rio de seu jeitinho falador, prendendo uma
mecha de cabelo atrá s da sua orelha, moldando seu rosto com a mã o. —
Nã o precisa se desculpar. Que tal nã o rotularmos esse jantar?
Estaremos apenas saindo, e veremos qual será o sentido.
— Você está falando sé rio?
— Por que nã o estaria?
— Porque conversamos vá rias vezes sobre nã o misturarmos as
coisas. — Suspira, mordendo o lá bio inferior, sem desviar o olhar. —
Nã o quero me magoar, també m nã o quero te deixar magoado. Quero
que suas intençõ es sejam claras, Trenton. Nã o tenho disposiçã o para
me magoar.
— Eu nã o quero te magoar, Jess. E o meu ú ltimo desejo na face da
Terra. Minha mã e me fez abrir os olhos para algumas coisas, estou
tentando... estou tentando ver nosso lance com outra perspectiva. Tudo
bem se nã o quiser sair comigo. Tudo bem recusar o convite. Só quero
dar pelo menos uma pequena chance de tentarmos algo, independente
se for bom ou ruim.
Jessamine parece analisar minhas palavras meticulosamente.
— Nã o sei... estou um pouco receosa.
— Te entendo completamente, eu també m estaria. — Continuo
traçando um carinho delicado pela sua bochecha. — E difı́cil para nó s
dois.
— Posso con iar em você ?
— De olhos fechados.
— Promete que vai sempre ser sincero comigo?
— Prometo.
— De dedinho? — Ela estica seu dedo mindinho de um jeito infantil,
mas gracioso ao mesmo tempo.
Enlaço nossos dedos.
— De dedinho, linda.
— Entã o estarei pronta amanhã , à s oito. Ah, e adoro comida
japonesa. — Apaga seu abajur, virando-se para o outro lado da cama,
sem me dar a chance de responder.
Meneio a cabeça de um lado para o outro, rindo da situaçã o. Respiro
fundo internamente, processando todos os acontecimentos do dia,
sentindo as palavras de minha mã e martelando na minha cabeça
novamente. São amores diferentes, pessoas diferentes. A dor de perder
Em sempre irá pesar no meu coraçã o, mas nã o pode ser eterna. Nã o
deve ser eterna. Vamos ter um bebê juntos. Nã o que isso seja o ú nico
motivo, poré m é o mais importante. Jess é uma garota legal. Bonita,
engraçada, gentil. Ela merece ser feliz. Eu mereço ser feliz. Nó s
merecemos sermos felizes.
A inal, que mal há em tentar algo novo?
“À ,
.”
(A B )

Era a quinta vez que eu passava pano na estante do quarto de


Trenton. Ou melhor, do meu quarto. Havia colocado e retirado seus
livros da faculdade pelo menos dez vezes. Colocado e retirado. Colocado
e retirado. Colocado e retirado. Colocado e retirado. Colocado e
retirado. Colocado e retirado. Colocado e retirado. Colocado e retirado.
Colocado e retirado. Colocado e retirado. Dez vezes. Meus braços
estavam cansados, mã os ardendo, mas pouco me importava. Na
verdade, nem sequer doı́am. E uma das melhores formas de aliviar
minha ansiedade quando isso acontece.
O remé dio insiste em olhar para mim na cabeceira, dizendo-me o
que é certo a se fazer, mas estou pouco me lixando. Pego o frasco e
guardo no fundo da minha mala, respirando fundo. Não preciso disso,
repito para mim mesma. Está tudo bem, vai icar tudo bem. Você só está
ansiosa. É normal icar ansiosa. Não está acontecendo o que você está
pensando. É apenas a ansiedade falando mais alto.
Tudo bem. Inspiro e expiro o ar, sentando-me na cama, secando uma
gota de suor que insiste em escorrer pela minha testa. Em algumas
horas, estarei sentada em uma mesa de jantar, na frente de Trenton,
vivenciando o nosso primeiro... encontro? Nã o sei se essa seria a palavra
certa. Pode ser que sim, mas també m pode ser que nã o.
Estou tentando nã o criar nenhuma expectativa. Nã o quero me iludir
e partir meu coraçã o no inal da noite, apesar da euforia presente no
meu coraçã o me dizer o contrá rio. E difı́cil seus membros vitais falando
palavras diferentes ao mesmo tempo. Deveria seguir a razã o, a qual me
diz para manter o pé no chã o, só que a emoçã o é mil vezes mais
convidativa.
Levanto novamente, caminhando até o banheiro, sorrindo satisfeita
ao vê -lo tã o impo e impecá vel. Trenton foi para o treino há algumas
horas, deixando-me livre para fazer o que bem queria. Poderia estar
assistindo uma sé rie, cozinhando, mas cá estou. Passando pano pela vez
nú mero X, pois perdi a conta, sabendo que o espelho está limpo, mas
algo no fundo da minha mente me diz que nã o está .
— Seus braços vã o cair de tanto limpar esse quarto. — A fala de
Dominique invade meus ouvidos, fazendo-me virar o corpo
abruptamente e encará -la.
Ela está de braços cruzados, apoiada no batente da porta, usando
uma camiseta preta de Alexander. Sua cara esboça preguiça, como se
tivesse usufruı́do de um orgasmo relaxante – e nã o duvido que o tenha.
Desde quando me mudei, ela e Alex aprenderam a serem mais
silenciosos, quase nã o os ouço transando. Quase.
— Se caı́rem, pelo menos estarei feliz. — Lhe entrego um sorriso
debochado, terminando de passar o pano, pegando o esfregã o para
passar no chã o de novo.
Poré m, logo sou impedida.
— E sé rio, Jess. Já passei pelo menos duas vezes pela porta para ir à
cozinha e te vi limpando algo.
— Esse lugar ica uma sujeira! Ainda mais com duas pessoas o
dividindo. Só estou querendo deixar ele um pouco arrumado.
— Um pouco? Limpá -lo quase dez vezes é exagero. — Rola os olhos,
pegando minha mã o e nos guiando até a cama, onde nos sentamos. —
Está acontecendo alguma coisa?
— Por que estaria?
— Porque nã o é normal uma pessoa ter essa compulsã o por limpeza
— diz como se fosse o ó bvio, erguendo seu cenho. — Nunca te vi desse
jeito.
— Eu... eu só estou um pouco nervosa pelo jantar dessa noite —
admito, mordendo o lá bio inferior. Precisava conversar com algué m,
apenas estava sem coragem por pensar que sou um incô modo. —
Muito, para ser sincera.
— Eu imaginei, só nã o quis ir direto ao ponto. — Dá uma risadinha
contagiante. — Está nervosa pelo quê , exatamente?
— Tudo, eu acho. Essa atmosfera que nos envolve ainda é curiosa
para mim. Quando penso em tudo que pode acontecer, sinto vontade de
vomitar. Posso estar confundindo com os enjoos de gravidez, mas
acredito que apelam mais para o nervosismo. Estamos saindo juntos
como amigos? Amantes? Duas pessoas que vã o ter um ilho e nã o
sabem o que sã o?
— A terceira opçã o se encaixa melhor no contexto.
— Nã o sei se quero isso. Nã o quero me iludir, sabe? Meu coraçã o já
se cansou de ser partido. E agora, carrego o peso no ombro de saber
que serei mã e. Que, em alguns meses, precisarei ser o exemplo de uma
pessoa que cuidarei pelo resto da vida. Tenho que estar, no mı́nimo,
emocionalmente está vel.
— Você está com medo, basicamente — conclui, me entregando seu
olhar clı́nico. — Medo de se arriscar em algo novo, pois sente que irá
dar errado. Sofrendo por antecipaçõ es extremas.
— Pare de jogar na minha cara! — brinco com uma risadinha,
recebendo um dedo do meio pintado de vermelho como resposta.
— Estou tentando te ajudar! E o começo da minha aná lise.
— Preciso de ajuda, nã o de uma aná lise.
— Para te ajudar, preciso te analisar — graceja irô nica. — Olha, eu
imagino que seja difı́cil se arriscar em algo novo porque també m passei
por isso. Quando comecei a... a sentir coisas pelo Alex. — Dou risada de
sua di iculdade em dizer a palavra apaixonada. — Senti medo pra
cacete. Pensei que nã o darı́amos certo, que está vamos investindo em
algo errado... mas veja onde estamos hoje em dia.
— Mas é diferente. Você s dois se amam, só eram rabugentos demais
para admitirem. Eu nã o o amo, ele també m nã o me ama. Nem ao menos
sente algo por mim...
— Ainda. Recomeçar é difı́cil, exige tempo, poré m Trenton está ao
menos tentando. Nã o se preocupe com ró tulos. Mande para o inferno
aquele medo idiota do que as outras pessoas vã o pensar. Viva por si
mesma, Jessamine. Faça o que te der vontade. Se nã o quisesse sair com
ele, teria ao menos recusado. Mas você quer. Quer tanto, que isso te
assusta. Pare de limpar esse quarto e pense em que roupa vestir. Tome
um banho relaxante. Se alimente direito, nã o te vi comendo
absolutamente nada e já sã o quase trê s da tarde. Se cuide, porque, no
im, nó s só temos a nó s mesmos.
— Uau... quantas palavras duras de ouvir. — Solto uma risadinha
para quebrar o clima, a qual contagia até ela. — Obrigada, Dom. Você
tem razã o.
— E quando nã o tenho?
— Vai se ferrar. — Lhe dou um empurrã ozinho leve e amigá vel. —
Na maioria das vezes, deixo o medo falar mais alto. Sempre foi assim. As
pessoas nã o queriam icar comigo por conta da... — Merda, quase deixo
escapar. — Por conta desse meu jeito de ser. Só nã o quero perder
algué m importante que, querendo ou nã o, terei um laço para o resto da
vida.
Ela aparentemente inge nã o ter percebido meu escape.
— Se estã o entrelaçados para sempre, nã o há como perder. Só nã o
ique se preocupando com o futuro, ok? Viva o presente.
— Quanto te devo pela sessã o?
— E grá tis, gosto de fazer caridade. — Pisca convencida,
levantando-se. — Na verdade, aceito que venha almoçar comigo como
pagamento. Podemos ir ao shopping depois, dar uma volta, olhar
algumas roupas. Preciso comprar calcinhas, Alexander rasgou todas.
— ECA! Nã o preciso saber. — Faço careta, repetindo sua açã o, indo
até o armá rio pegar uma roupa. — Vou tomar um banho rá pido e te
encontro.
— Combinado.
Apó s aproveitar de uma ducha quente e rá pida, coloco meu vestido
loral favorito e a encontro no outro andar. Ela ri de minhas roupas que,
segundo suas palavras, “são animadas demais para o meu gosto”, entã o
partimos para o nosso almoço.
Passamos o resto da tarde juntas, conversando, jogando conversa
fora e escolhendo roupas para me distrair até o horá rio do suposto
encontro.

Troco de vestido pela quarta vez, começando a sentir um princı́pio


de exaustã o. Quando me olho no espelho, nada parece ser bom o
su iciente. Eu me acho bonita. Sei que sou bonita. Tenho completa
noçã o de que sou uma mulher atraente, até mesmo sedutora. Mas
agora, prestes a encontrar o cara por quem estou criando sentimentos,
o futuro pai do nosso ilho, me sinto um saco de batatas em todos os
vestidos que coloco – isso porque minha barriga ainda nã o inchou nem
um pouco. Finco minhas unhas nas palmas das mã os, sentindo-as quase
penetrando minha carne, poré m a dor nunca me atinge. E apenas uma
forma um tanto quanto sá dica de relaxar e extravasar todo meu
estresse.
Ou é a falta do remédio, Jessamine. Já passamos por isso antes.
Argh, cale a porra da boca, cérebro!
Ok, vamos lá. Respiro fundo mais uma vez, olhando para a á rea do
armá rio pertencente a mim, retirando a peça verde-musgo. E uma boa
cor. Contrasta perfeitamente com o tom de meus olhos. Fica melhor
quando estou bronzeada, poré m faz um bom tempo que nã o vejo um
sol para tomar. O estresse do dia a dia vem me consumindo como
nunca.
Deslizo o tecido pelo meu corpo, dando uma olhada no espelho. Até
que não icou tão ruim. A cor realmente cai muito bem em mim, ele nã o
está tã o apertado quanto os demais, e ainda acrescenta o fato de que
deixa meus seios empinados e chamativos.
Acabo aceitando a opçã o, tendo em vista que, em alguns minutos,
Trenton irá bater na porta do quarto. Pedi para ele se arrumar no
quarto de um dos meninos, pois assim me daria mais privacidade.
Sento-me na cama, ajeitando meus cabelos e o salto alto nã o tã o alto
nos pé s, checando se coloquei tudo na bolsa, e entã o espero
pacientemente. Fiquei com medo de me atrasar, mas consegui me
arrumar no horá rio correto. Ponto positivo para Jessamine.
— Jess, está pronta? Terminei de me arrumar faz um tempinho —
ele diz apó s bater na porta suavemente, causando-me um pequeno
susto por estar distraı́da. — Se nã o estiver, sem problemas. Posso
esperar mais um pouco.
— Ah, també m já me arrumei! — digo me levantando, parando em
frente à porta, abrindo em seguida. — Pensei que fosse me atrasar na
verdade. Sabe, odeio escolher qual roupa usar para sair. Odeio escolher
uma maquiagem que vá combinar com a outra. Nã o que eu nã o goste do
fato de estarmos saindo, só que todo esse processo é um pouco
cansativo. També m sei que poderia optar por ser mais simples, mas o
simples me incomoda em nı́veis...
— Você está linda — interrompe-me, pousando uma das mã os na
lateral do meu rosto, ajeitando os ios de cabelo que nã o percebi
estarem bagunçados. Seu olhar caloroso corre por todo meu corpo com
um sorriso gentil, me derretendo sem nem ao menos perceber. — Amei
o vestido. A cor combina com os seus olhos.
— O-Obrigada... — gaguejo nervosa, desviando o olhar do seu rosto,
focando em seu corpo, nas roupas que o delineiam perfeitamente. —
Você també m está muito bonito.
Bonito é pouco, quase uma ofensa comparado ao que estou vendo.
Ele está simplesmente lindo. De tirar o fô lego. Usando uma camiseta
branca de botõ es, a qual destaca perfeitamente o tom negro da sua pele,
calça jeans, sapatos sociais. Quando combinamos para qual lugar
irı́amos, Trent disse que gostaria de me surpreender, apenas avisando
para usar algo mais social, entã o presumo que iremos para um lugar
mais chique, passando para a linguagem clara. Seu perfume
deliciosamente masculino e amadeirado invade minhas narinas, quase
me causando um suspiro. Queria poder beijá -lo. Queria poder me jogar
nos seus braços e tratá -lo como se fosse meu. Seria pedir demais?
— Obrigada. — Sorri gentil, oferecendo o braço para que possamos
descer as escadas.
Ergo as sobrancelhas com o gesto.
— Uau, nã o sabia que estava sendo acompanhada por um
gentleman.
— Se esqueceu que sou um cavalheiro?
— Quase — brinco para provocá -lo.
Quando chegamos no andar debaixo, o olhar curioso de Bryan, que
está deitado no sofá com um baseado na mã o, me faz soltar uma
risadinha constrangida.
— Nossa, como você s estã o chiques! — diz com a voz levemente
pastosa, sentando-se. — Para onde vã o?
— Um lugar que nã o é da sua conta. — graceja Trenton, recebendo
um dedo mé dio como resposta.
— Vai se ferrar, imbecil. — Rola os globos oculares exageradamente,
voltando seu olhar para mim. — Você está linda, francesa.
— Obrigada, maconheiro. — Rio olhando para a droga.
— Quer dar um trago? Pode te ajudar a relaxar. Estou vendo sua
tensã o daqui.
Ignoro seu comentá rio.
— Maconha nã o é recomendada para grá vidas.
— Ah, merda! — Ele bate na testa como se tivesse se esquecido
desse pequeno detalhe. — Foi mal, me esqueci completamente. Vai
demorar para sua barriga crescer?
— Um pouquinho... ainda está no começo.
— Quando acontecer, vou me acostumar mais. En im, bom jantar
para você s. Se forem trepar, por favor, façam silê ncio. Fumar deixa meu
sono leve.
— Vai se ferrar, idiota — Trent murmura em meio a uma risada.
Saı́mos de casa, seguindo até o carro. Lá , apó s inspirar e expirar o ar
internamente, sinto uma inquietaçã o na perna. Fico a balançando
incessantemente, tentando conter a ansiedade que ameaça preencher
meu coraçã o. Nã o posso ter uma crise. Primeiro, pelo bem do meu
bebê ; e segundo, porque nada de ruim está acontecendo. Essa noite tem
tudo para ser boa, incrı́vel, relaxante. Posso estragar tudo? Com certeza.
Talvez irei? Nã o sei ao certo. As vezes, queria ter o poder de ver o
futuro. Queria saber como será o inal desse encontro. Talvez, assim,
icasse um pouco mais relaxada.
— Você precisa parar de balançar essa perna, linda. — Sua voz
calma preenche meus ouvidos. Seguro o ar quando sua mã o pousa
delicadamente na minha coxa, que, pelo seu toque, para de se mexer. —
Está nervosa?
— Um pouco — admito com um sorriso amarelo. — E o nosso
primeiro... encontro. Nã o sei se chamo isso dessa forma. Sei que nã o
deveria me preocupar com ró tulos, mas é meio impossı́vel. Faz tempo
que nã o saio com algué m. Um algué m que, por um acaso, é o pai do meu
ilho. Parece que estou vivendo outra realidade.
— E um pouco estranho para mim també m — diz olhando nos meus
olhos, perigosamente perto. — Faz tempo que nã o saio com um algué m
que, por acaso, é a mã e do meu ilho. Já izemos isso antes, lembra? Já
passamos tempo juntos. Nã o tem muita diferença.
A diferença é que me sinto cada vez mais tentada a me apaixonar por
você.
— Sã o os hormô nios. Nã o sabia que grá vidas sentiam tudo tã o
intensamente. Devo estar te contagiando pela convivê ncia.
— Nã o me importo de ser contagiado — garante, arrancando-me
um sorriso bobo. Ele entrelaça nossos dedos, fazendo uma carı́cia breve
neles. — Se nã o se sentir confortá vel, podemos ir embora sem nenhum
problema.
— Obrigada por estar sendo tã o compreensivo — falo as primeiras
palavras que venho guardando para mim há muito tempo. Depois que
nos acertamos, ele vem me tratando como uma verdadeira princesa.
Como nenhum cara jamais o fez, e ainda nã o havia agradecido. —
Ningué m nunca me tratou assim.
— Do jeito que você merece?
— Nã o acredito que sou merecedora de muita coisa. — Baixo o
olhar, lembrando de meus episó dios. Das crises de choro, grosserias,
mudanças de humor. Dos amigos que perdi por falta de paciê ncia. Das
pessoas que se afastaram de mim. Daqueles que zombavam de mim
tanto pelas costas quanto de frente.
— Pare de dizer absurdos. — Ele apoia o polegar no meu queixo,
sustentando meu olhar. Como eu queria beijá-lo. — Você merece o
mundo, Jessamine. Nunca deixe te dizerem o contrá rio.
— Tudo bem... — Suspiro com seu toque. Vamos lá, tente beijá-lo.
Por sorte, antes de escutar minha mente, ele se afasta.
— Vamos? Senã o perderemos a reserva.
— Vamos. — Dou um sorriso con iante, ajeitando meu vestido,
torcendo para dar tudo certo.
“T
.”
(A B )

Chique é pouco para de inir esse restaurante.


Acredito que glamouroso seria a palavra mais bem adequada. Nunca
pisei em um lugar como esse e, por muito tempo, jurei que nã o iria
pisar até ser bem-sucedida com minha futura marca de roupas. Por
mais que minhas condiçõ es inanceiras sejam respectivamente boas,
ainda mais levando em conta que atualmente continuo trabalhando
durante a semana para me sustentar, esse estabelecimento ainda é
demais para mim. Preciso me segurar para nã o arregalar os olhos
conforme caminhamos até nossa mesa, admirando os lustres e as
paletas de cores bem escolhidas para deixar o ambiente confortá vel.
Nem claro demais, nem escuro demais. Aconchegante, tocando uma
mú sica clá ssica e suave ao fundo. Sentamo-nos à nossa mesa que, por
sorte, ica em um ambiente um pouco mais reservado. Assim, nã o
preciso sentir vergonha em expressar o quanto estou impressionada
com toda estrutura que nos abriga.
— Quando você disse que irı́amos jantar em um lugar diferente, nã o
imaginei que fosse ser tã o deslumbrante! — Dou uma risadinha,
correndo meu olhar curioso pelo lugar sem me importar em
demonstrar admiraçã o.
Ele dá uma risadinha.
— E a primeira vez que venho aqui també m. Vi algumas fotos, mas
nã o imaginei que fosse tã o bonito.
— E como encontrou aqui?
— Passei um bom tempo procurando na internet, mas foi o
treinador que me recomendou. Disse que gosta de trazer sua esposa
quando fazem aniversá rio de casamento.
— Uau, que honra! — Sorrio tı́mida, pensando no quanto essas
palavras pesaram. Não é qualquer pessoa que se traz para um lugar
desses.
— Talvez possa ter sido um pouco exagerado... — Coça a cabeça
ligeiramente tı́mido. — Mas queria que fosse um lugar diferente,
especial.
— Ei, eu amei esse lugar. — Alcanço sua mã o por cima da mesa,
tentando demonstrar conforto, ignorando os choques elé tricos que
correm pelo meu corpo por esse simples contato. — E bom sair da zona
de conforto. A menina do campo també m gosta de coisas chiques.
Para minha sorte, Trenton solta uma boa risada.
— Você nã o é uma menina do campo.
— Claro que sou!
— Garotas do campo nã o se vestem tã o bem.
— Que frase mais preconceituosa! — Cerro os olhos em um tom
zombeteiro. — Sou estudante de moda, seria uma calú nia me vestir
mal.
— Se fosse do campo, seus modos seriam diferentes. Apesar de que,
levando em conta a agressividade da sua irmã ...
— Trenton, pare de ser tã o estereotipado! — Des iro um tapinha
leve no seu ombro, escutando uma gargalhada deliciosa escapar de seus
lá bios. Adoro vê -lo rindo. Adoro saber que eu, somente eu, estou o
fazendo rir.
— Só estou brincando, linda. Você ica mais bonita ainda quando
está com raiva.
— Me poupe. — Tento conter o rubor que sobe pelas minhas
bochechas, folheando o cardá pio como distraçã o.
— Já sabe o que pedir?
— Nã o faço a menor ideia. Viu alguma opçã o?
— Gosto de frutos do mar. — Lambo meus lá bios ao ver um ilé de
salmã o grelhado ao molho balsâ mico sorrindo para mim, apontando
para o prato. — Só estou com receio de icar enjoada.
— Os enjoos ainda sã o frequentes?
— Nem tanto. Depende do dia, do meu humor... mas agora iquei
com desejo.
— Entã o seu desejo é uma ordem. — Ele sinaliza para o garçom, que
se aproxima da nossa mesa. — Vou querer dois ilé s de salmã o
grelhados no molho balsâ mico.
— Certo, senhor. — O homem anota os pedidos em uma espé cie de
celular ou tablet, nã o sei ao certo. — Vã o escolher qual bebida como
acompanhamento?
— Um suco de morango. — Apresso-me a responder, para evitar o
constrangimento de dizer que nã o posso tomar bebidas alcoó licas.
— Tem certeza? Um vinho combinaria mais.
— Absoluta. — Sorrio gentilmente, olhando para Trent, esperando
que ele possa me salvar de uma possı́vel “discussã o”.
— Eu aceito o vinho — intervé m, lançando-me um olhar cú mplice.
— Branco, por favor.
O garçom acena com a cabeça, retirando-se.
— Ainda nã o me sinto preparada para dizer a palavra em voz alta —
confesso baixinho. — E estranho. Acredito que nã o tomei um choque de
realidade completo.
— Nã o quer dizer que está grá vida? — provoca-me com um sorriso
sagaz.
— Pare de falar tã o alto! — Rio envergonhada, percorrendo os olhos
para ver se algum casal está nos olhando.
— Qual é , Jess. E normal icar grávida, acontece!
— Trenton, eu juro que, se escutar essa palavra saindo da sua boca
mais uma vez, vou te matar com minhas pró prias mã os.
— Uau, que grávida mais perigosa!
— POR FAVOR! — Solto uma gargalhada, precisando me controlar
para nã o ser chamativa, perdendo a respiraçã o de tanto rir. Fazia muito
tempo que nã o me sentia tã o leve.
— Parei, parei! — Ergue as mã os em redençã o. — Já disse que você
ica linda quando está com raiva?
— Sim, e pare de me deixar corada.
— Mas adoro te ver assim.
Tento esconder meu sorriso, poré m é em vã o.
— Podemos falar de outro assunto?
— Claro. Me conte sobre sua pro issã o.
— Trenton Grant, jogador de basquete, querendo saber sobre
moda?
— Com certeza. — Dá uma piscadinha. — Quero saber tudo o que te
envolve. Vamos lá , me diga o que te levou a fazer a faculdade, o que você
mais gosta, menos gosta... só nã o pense que estou te entrevistando, por
mais que pareça.
Rindo, ajeito minha postura antes de começar a falar sobre minha
paixã o. Sobre o quanto sou apaixonada por esse mundo da moda, cores,
roupas, o diferencial que quero trazer para o mercado. Ele escuta tudo
atentamente, olhando-me com seus lindos olhos reluzentes, sorrindo.
Por um momento, penso que somos um casal normal. Felizes,
provando um prato delicioso em um restaurante esplê ndido, sem mais
preocupaçõ es. Gosto de imergir nessa ideia. Gosto de curtir esses
pequenos momentos de uma doce ilusã o eminente.
E, no fundo, torço para que o resto da nossa noite seja exatamente
assim.
— Muito obrigada pelo jantar, Trent. Eu me diverti bastante —
agradeço quando chegamos no quarto.
Nosso encontro se passou da forma mais leve e harmô nica possı́vel.
Depois de jantarmos – e por sinal, que prato delicioso! Parecia ter sido
feito por deuses –, ele me convidou para dançar na pequena pista que
tocava uma mú sica lenta, ao lado de outros casais. Mesmo avisando que
tenho dois pé s esquerdos, ele insistiu em nos divertirmos mais um
pouco. Nã o quis ser chata, entã o acabei aceitando o convite, que rendeu
boas risadas e pisadas falhas. Foi divertido. Muito divertido. Exatamente
como pensei, desejei e ansiei que fosse.
— Até mesmo nas vezes em que pisei no seu pé ? — Ri, tirando a
camiseta, jogando em algum canto da cama.
Faço um pequeno esforço para nã o olhar seu peitoral nu.
— Essa foi minha parte favorita.
— Vou ingir que acredito. — Sorri, andando em minha direçã o,
parando rente ao meu corpo. — Eu també m me diverti muito. Fazia
tempo que nã o dava boas risadas.
— Nem me lembrava mais como era sair com algué m e nã o ter
preocupaçõ es.
— Digo o mesmo. — Traça um carinho leve pela lateral do meu
braço, quase me arrancando um suspiro.
Acabo desviando o olhar.
— Podı́amos fazer isso mais vezes. Nã o naquele lugar, porque é
muito caro, mas talvez na lanchonete. Sabe, consigo um bom desconto
— zombo para tentar quebrar o clima.
— E uma boa ideia. No pró ximo im de semana?
— Marcado. — Mordo meu sorriso, tentando controlar as malditas
borboletas que serpenteiam meu estô mago. — Você pode descer o
zı́per do vestido? Nã o consigo alcançar.
— Claro, sem problemas.
Suas mã os irmes deslizam pela minha pele. Por sorte, estou de
costas, e ele nã o está vendo minha cara. Um simples toque de Trenton
faz meu corpo pegar fogo. Me sinto em chamas conforme ele baixa o
zı́per lentamente, mais lentamente do que o normal. A ponta de seus
dedos traça o caminho que chega até o inal da minha silhueta, um
pouco acima da bunda.
O silê ncio dentro desse ambiente chega a ser ensurdecedor. Sinto-
me tensa. Sinto ele tenso. E como se uma atmosfera um tanto quanto
sensual nos envolvesse, pois logo sinto ambas as suas mã os tocando
meus ombros, arrastando o tecido do vestido levemente para baixo, nã o
o su iciente para o arrancar de mim.
Viro-me devagar, encarando-o.
— O que você está fazendo?
— Nã o... nã o sei. — Suspira, subindo a mã o para o meu rosto,
apoiando a palma contra si, contornando meus lá bios. — Nã o faço a
menor ideia.
— Nó s deverı́amos parar.
— Eu sei.
— Mas... eu nã o quero parar — declaro baixinho, tocando seu
abdô men com a ponta dos dedos. — E você ?
— Essa é a ú ltima coisa que quero no mundo.
Há momentos na vida que parecem fugir da realidade. Por vezes, me
sinto absorta no que estou vivendo, como se estivesse em um ilme.
Quando menos percebo, sinto os lá bios de Trenton colidindo contra
os meus, arrancando-me um gemido rouco, aliviado. Ele enlaça minha
cintura, trazendo-me para mais perto. Subo para puxar seus cabelos,
deliciando-me com a textura dos ios enrolados contra os meus dedos.
Sua lı́ngua dança contra a minha em um ritmo devagar, como se
estivesse apreciando o momento. Nã o quero parar. Nã o sei se consigo
parar. Nos beijamos até perdermos nosso fô lego.
Quando toco seu peito, quase sinto seu coraçã o pulando para fora,
exatamente como o meu. Nesse instante, sei que podemos dar certo.
Temos uma boa quı́mica. Nos gostamos. Tudo pode ser perfeito, só
basta fazermos um esforcinho.
Nos separamos ofegantes. Abro um sorriso ao me deparar com seus
lá bios inchados, roubando um selinho breve. Ele ri, me puxando para o
seu peito, envolvendo-me em seus braços calorosos e acolhedores.
— Pensei que beijos nã o estivessem inclusos no pacote encontro —
provoco-o, traçando um carinho delicado pela sua pele.
— E nã o estavam, mas acredito que podemos incluir. — Apoia o
polegar no meu queixo, dessa vez, me roubando um selinho. — Preciso
ir ao banheiro. Quando voltar, vou poder te beijar mais?
— Vou pensar se você merece. — Jogo meu charme, admirando o
sorriso que domina seus lá bios.
Trenton se retira, caminhando até o banheiro. Cansada de usar
roupas demais, tiro meu vestido. Sinto preguiça de me agachar para
pegar uma blusa na gaveta, e acabo optando por pegar alguma dele.
Creio que nã o será incô modo. A inal, sã o apenas roupas. Nã o me
lembro se já usei alguma camiseta sua, sendo assim, pego a mais bá sica
que encontro para nã o correr nenhum risco. Ela é cinza, tem seu cheiro
delicioso e, quando a coloco, se ajusta no meu corpo, icando um pouco
larga.
— Precisamos comprar mais pasta de dente... Por que está usando
minha camiseta? — questiona em um rompante. No momento em que
me viro, noto seus olhos arregalados e a boca quase escancarada.
Parece estar olhando para um fantasma.
— Nã o sei. — Dou de ombros como se nã o fosse nada escandaloso,
tentando me aproximar. — Estava com preguiça de procurar uma roupa
minha e...
— Você pode tirar? — interrompe-me, fazendo meu cenho se franzir
ao má ximo.
— Por quê ? — Cruzo os braços na altura do peito.
— Porque... porque sim — murmura sem olhar para mim,
concentrando o olhar no tecido. — Por favor.
— Porque sim nã o é uma resposta vá lida — retruco irritada, sem
conseguir compreender seu pedido. — E só uma camiseta.
— Por favor, Jessamine. Estou te pedindo.
— També m estou te pedindo algo. Se quiser minha resposta, quero
algo justo.
Trenton suspira pesadamente. Ele parece estar pensando se deve
dizer algo, analisando possibilidades, encarando qualquer coisa menos
a mim. Tem algo de errado, e muito errado. Por um instante, nã o quero
saber do que se trata. Desejo nã o ter questionado e apenas tirado a
maldita camiseta, pois suas palavras me causariam um gatilho que nã o
estava esperando ouvir.
— Te ver usando minha camiseta faz com que eu me lembre de
Emery, porque ela tinha esse costume. Era um lance nosso. Entã o, mais
uma vez, por favor, tire...
— Uau! Como você me impressiona. — Rio descrente, contendo as
lá grimas que ameaçam se formar em meus olhos. — Nã o adianta. Por
mais que eu me esforce, por mais que eu tente, sempre vai ser ela.
— Jessamine...
— Nã o, nã o diga nada. — Ergo a mã o para interrompê -lo. — O que
estamos fazendo, a inal? Brincando de casinha? Tentando ingir que
podemos ser um casal? Por Deus, Trenton. Você nã o a esquece nem por
um segundo, e sabe o que eu acho? Você nem ao menos quer isso.
— Nã o coloque palavras na minha boca.
— Entã o me diga. Olhe no fundo dos meus olhos e diga que está
disposto a esquecer sobre Emery. Me fale que ao menos acredita que
podemos ter algo. Vamos lá , Trenton. Fale que nã o criei expectativas
por nada.
Seu silê ncio chega a ser ensurdecedor.
— Nã o posso mentir para você . Me desculpe.
Sinto como se uma faca estivesse atravessando meu peito
lentamente. Nesse exato momento, me dou conta de que iz o que eu
mesma mais temia: caı́ na ilusã o.
Quando ele me beijou, pensei que fosse diferente. Pensei que
estivesse disposto a tentar. Mas ver a má goa em seus olhos, o peso na
consciê ncia por ter feito algo que era digno de outra pessoa, me faz
querer gritar e sair correndo. E ó bvio que ele nã o estaria preparado. As
pessoas nã o superam o luto de uma hora para outra. Poré m, gostaria de
ouvi-lo dizer novamente, como me disse há alguns dias, que continua
disposto a tentar. Era só isso. Apenas quatro palavras que me deixariam
calma, tranquila, e nã o sentindo o coraçã o querer atravessar o peito. Ele
simplesmente não quer esquecer.
Queria ter o poder de ler sua mente, saber tudo o que está se
passando. Saber que memó rias sã o boas o su iciente para terem o
poder de estarem me magoando dessa forma.
Nã o consigo dizer nada. Apenas viro as costas, descendo as escadas.
Fecho os olhos, acreditando que, quando os abrir, o verei aqui. Pedindo
desculpas, dizendo que nã o estava pensando direito, que sã o muitos
sentimentos misturados.
Mas, quando os abro, percebo que estou sozinha.
Exatamente como tem de ser.
“V
.”
(A B )

Um merda é pouco para de inir como estou me sentindo.


Conforme tenho ciê ncia das palavras que saı́ram da minha boca,
percebo o quanto fui um babaca. O quanto sou um babaca. Porra,
tivemos uma noite dos sonhos. Foi perfeita. Em nenhum momento, por
mais difı́cil que pareça, pensei em Emery. Nã o pensei nela enquanto
conversá vamos, enquanto comı́amos, muito menos durante nosso beijo.
Acreditei que, de alguma forma, havia conseguido conquistar um dos
meus maiores objetivos: conseguir me entregar a uma pessoa sem
aquele maldito peso na consciê ncia de que a estava traindo. Pode
parecer ridı́culo, mas, no fundo, essa sensaçã o ainda me apavora.
Tudo estava indo muito bem... até ver Jessamine usando minha
camiseta. Nunca senti um gatilho tã o forte de saudades como quando vi
aquela cena. Em tinha essa mania insistente de usar minhas blusas,
pois, segundo ela, eram “confortáveis, quentinhas e a lembravam da
sensação de estar nos meus braços”.
Engulo em seco, controlando as lá grimas que tentam se formar em
meus olhos. Respiro fundo, sentando-me na cama, abrindo meu
armá rio da escrivaninha. Procuro o objeto que está ao fundo, já que o
escondi muito bem para ningué m – em especial Jess – achar, pegando o
quadro, sentindo minhas mã os icarem trê mulas.
Uma foto minha ao lado de Emery aparece diante de meus olhos.
Nesse dia, havı́amos saı́do para tomar sorvete. No meio da tarde,
repentinamente, sem planos ou convites. Está vamos deitados, vendo
televisã o, quando ela perguntou se poderı́amos sair para tomar algo.
Nã o hesitei, pegando as chaves do carro, dirigindo até sua sorveteria
favorita.
O que era para ser um encontro rá pido se tornou um passeio no
parque, onde passamos o resto da tarde. Ela estava com a cabeça
apoiada no meu ombro, sorrindo, enquanto eu tentava registrar o
momento. Ela é ... era uma grande fã de fotos, entã o logo pegou meu
celular, tirando vá rias em diversas poses, e a minha favorita foi a que
está na minha frente. Em está beijando minha bochecha com um meio
sorriso enquanto sorrio, feliz, por tê -la em meus braços.
— Por que você ainda precisa ser tã o real, loira? — Expiro o ar
descontente, tornando a guardar a foto antes de perder a cabeça.
Preciso aprender a me controlar. Se eu quero ser um bom parceiro
para Jess, devo parar de ser tã o impulsivo.
Poderia ter sido diferente. Eu deveria ter caı́do de amores pela
mulher à minha frente, tirado suas roupas e feito amor com ela. Ou não.
Poderia nã o ter dito nada. A verdade pode parecer o melhor remé dio,
mas quando nã o sabemos como controlá -la, a melhor opçã o é nos
calarmos.
Em algumas situaçõ es, me pego pensando em como me sentiria se
fosse o contrá rio. Se a garota por quem estou criando sentimentos me
dissesse o que falei, icaria destruı́do. E foi o que iz com ela. Mesmo
sem querer, mesmo impulsivamente, sinto que estou a deixando triste.
Meus esforços nã o parecem bons o su iciente. Gosto dela. Gosto do que
temos. Acredito que possamos ter um futuro brilhante, mas nã o sei se
consigo dar esse futuro. Se sou o bastante.
Deus, essa sensação de insu iciência me sufoca.
— Sabe, falar sozinho te faz parecer louco. — Tomo um susto ao
escutar a voz de Bryan invadindo meu quarto. Ele está em pé rente ao
batente, sem camiseta, de braços cruzados e me encarando com certa
curiosidade. — Mas se você estiver louco, nã o tem problema.
Dominique e Alexander devem ser ó timos psicó logos.
— Vai se ferrar! — Lhe mostro meu dedo do meio, nã o conseguindo
conter a risada. — Qual motivo te trouxe até meu quarto?
— Té dio. E tesã o pelos seus mú sculos de inidos — zomba,
adentrando o cô modo, sentando-se do meu lado. — Brincadeiras à
parte, escutei passos correndo em direçã o ao andar debaixo. E
Jessamine nã o está aqui, entã o presumo que você s tenham brigado.
— Consegui estragar tudo. — Solto um suspiro longo, levando as
mã os até os cabelos. — Absolutamente tudo.
— Se quiser contar, estou aqui para te ouvir. Posso nã o ser
pro issional, poré m meus conselhos sã o ó timos. Se nã o fosse por mim,
metade dos meus amigos estariam presos. Ou mortos. Ou separados
das namoradas.
Rio alto com suas palavras.
— Você é tipo um guru do amor?
— Quase isso, mas nã o use guru. Pre iro mestre.
— Já estou arrependido dessa conversa.
— Cale a boca e me conte logo o que aconteceu.
— Eu simplesmente surtei. Acredito que essa seja a palavra que
melhor de ine os ú ltimos minutos — conto, encarando-o nos olhos. —
Nossa noite foi incrı́vel. Comemos, dançamos, me diverti como nunca.
Até mesmo nos beijamos.
— Own, que gracinha! Quando vai me convidar para ser tio do seu
ilho?
— Em breve. — Dou uma risadinha, prestes a retomar o assunto. —
En im, fui ao banheiro escovar meus dentes, dar uma lavada no rosto.
Quando voltei, ela estava usando minha camiseta.
Ele parece entender exatamente o que quis dizer, tendo em vista
que seus olhos logo se arregalam.
— Ah, merda! Essa era a mania da Emery.
— Pois é — agradeço mentalmente por nã o precisar me explicar.
Era uma marca tã o registrada, que todos já sabem. — Senti a traiçã o me
queimando vivo. Pedi para Jess tirar, ela me cobrou explicaçõ es,
perguntou se eu acreditava que poderı́amos ter algo... e respondi que
não.
— Puta merda, Trenton! — exclama inconformado, levantando-se
em um rompante. Até me assusto com sua reaçã o. — Cacete, você
comeu merda? Serviram bosta nesse restaurante?
— Eu sei, foi pé ssimo...
— Pé ssimo? Foi ridı́culo!
— Fiquei desesperado, cara! Nã o estava conseguindo pensar direito.
— Tento me justi icar, mesmo sabendo que ele está coberto de razã o. —
Foram muitas informaçõ es em um perı́odo curto.
— Mas aquilo era verdade? Você nã o vê esperança para você s?
— Claro que vejo. — Sou sincero, tendo completa noçã o de que
estou soando contraditó rio.
— Entã o por que disse o contrá rio?
— Porque... porque, à s vezes, eu me pego pensando que Jess merece
algué m melhor — confesso, engolindo, mais uma vez, aquela sensaçã o
horrı́vel de nã o ser o su iciente. — Pergunto a mim mesmo se nã o estou
apenas tomando seu tempo. Sei que temos uma ligaçã o eterna por
conta do nosso ilho, mas o amor nã o está totalmente vinculado a esse
fato. Por Deus, ela é uma mulher incrı́vel. Doce, ingê nua no bom
sentido, com um coraçã o gigante e bondoso. Ela merece a porra do
mundo, e é aı́ onde o problema se encontra: nã o sei se sou capaz de dar
o mundo para ela.
Bryan solta um longo suspiro, parando ao meu lado novamente.
— Você nã o precisa dar o mundo para uma pessoa pra fazê -la feliz.
Olha, a felicidade é relativa. Eu nã o sei de onde você tirou essa ideia de
contos de fadas, de dar o mundo, de isso, de aquilo, mas a vida real nã o
funciona assim bro. Aqui, nó s sofremos. Falhamos, quebramos a cara,
mas sabe o que nã o podemos fazer?
— O quê ?
— Desistir na primeira barreira que aparece. Nã o consigo imaginar
o quanto o luto seja difı́cil de lidar, o que se passa na sua cabeça, só que
você tem outras prioridades agora. Seu mundo nã o vai parar porque
está triste. A vida continua, Trent. E o quanto menos falharmos, é o
ideal. Jessamine precisa do seu apoio. Essa questã o pode ser
considerada como oito ou oitenta. Ou você se dedica como um amante,
disposto a dar uma chance ao amor, ou você se dedica como um amigo,
companheiro, literalmente apenas como o pai do ilho dela. Ficar no
meio-termo só vai magoar você s.
— Nossa, desde quando tenho um amigo tã o sá bio?
— Sã o experiê ncias da vida. Nã o basta ser o mais bonito do trio,
precisava ser també m o mais inteligente. Como é difı́cil ser eu! —
brinca, arrancando-me uma gargalhada.
— Quanta humildade — digo apó s recobrar meu fô lego, tornando a
ter uma postura mais sé ria. — Você tem razã o. Eu quero tentar, irmã o.
De verdade. Quero conseguir dar uma chance a nó s, só que é um pouco
difı́cil. Preciso levar em consideraçã o que ela está grá vida, hormô nios
em polvorosa... tenho que ser mais delicado.
— Nã o falar da sua ex é um ó timo primeiro passo.
— Acho que preciso procurar ajuda. Sei lá , um psicó logo. Psiquiatra.
Uma cartomante que diga o meu futuro.
— Conheço uma especialista em cartas que é ó tima. Posso passar
seu nú mero e dizer que está desesperado para saber o que te aguarda.
— Nã o me enche, cretino. — Rio andando em direçã o à porta para
nos despedirmos. — Obrigado pela conversa, Bryan. Agora pode ir
dormir, estou cansado.
— Eu també m. Meu dia foi um...
Paramos de falar no instante em que ouvimos um som alto. Gemidos,
para ser mais especı́ ico. Trocando um olhar cú mplice, caminhamos até
o corredor, parando na porta do quarto de Alex, onde o barulho está
nitidamente mais alto. Soam mais como berros, para ser sincero.
— Porra, Alexander! Mais rápido. — Ouço Dominique gemer.
Arregalo meus olhos no mesmo instante, olhando para o meu amigo,
que conté m uma gargalhada.
— Você é uma vadia, Dominique. A porra da minha vadia.
— Sua, toda sua...
— Cacete, eu nunca imaginei que ela gostava de ser submissa! —
Bryan cochicha, fazendo-me conter o riso alto.
— Nunca iremos saber o que realmente rola entre quatro paredes,
meu amigo.
— Nem fodendo que vou dormir escutando essa orquestra musical.
— Ele se põ e diante da porta, batendo trê s vezes com força. — Ei, você s
dois! Dá pra gemer um pouquinho mais baixo? Tem crianças querendo
dormir.
— VAI SE FODER, BRYAN! — Dom grita do outro lado.
— Eu queria estar fodendo mesmo, mas sua amiga nã o me
responde!
— Nos deixe em paz, desgraçado! — E a vez de Alex gritar.
Em meio à gargalhadas, nos retiramos do corredor, cada um
seguindo para o seu quarto. No momento em que chego ao meu,
lembro-me de que Jess nã o está em casa. Preocupado, pego meu
telefone, digitando uma mensagem para Ellen, perguntando sobre seu
paradeiro.
E ,E .
M , J
?E .
T , 00:30 AM

Oi, Trent. Imagina! Não precisa se desculpar.


Ela está aqui comigo, segura no seu quarto.
Mas não quer te ver nem pintado de ouro.
Ellen Montgomery, 00:35 AM

É .O , .
T , 00:38 AM

Bloqueio o celular com um suspiro aliviado. Bom, pelo menos ela


está bem. Nã o cem por cento, mas está segura. Deito minha cabeça no
travesseiro, tentando esquecer os ú ltimos acontecimentos e caio no
sono, disposto a tentar consertar tudo no dia seguinte.

E a vigé sima vez que ligo para Jessamine. Estou tentando entrar em
contato com ela há aproximadamente trê s dias, e nunca recebo uma
resposta. Ellen está preocupada, disse que ela mal sai do quarto, mal se
alimenta, nã o dá explicaçõ es. Apenas murmura um “estou bem” e volta a
se isolar. Dominique se encontra no mesmo estado, alegando que quase
arrombou a porta, apenas lhe faltou força. Eu estou preocupado como
jamais iquei. Nã o entendo o que está acontecendo, o porquê de ela nã o
querer se comunicar com ningué m. Tentei até mesmo falar com
Eleanor, sua irmã , mas nã o obtive uma resposta signi icante.
A preocupaçã o martela meu peito conforme envio o que deve ser a
centé sima mensagem de texto. Tı́nhamos uma consulta ontem, poré m
tive que desmarcar eu mesmo, já que a mé dica me ligou por nã o
conseguir contatá -la. Inventei uma desculpa qualquer, alegando que
irı́amos na pró xima. Nã o consigo entender absolutamente nada. Sei que
magoei seus sentimentos de uma forma horrı́vel, mas quero uma
chance para me desculpar e consertar tudo. Nã o imaginei que fosse
receber um balde tã o grande de á gua fria e preocupaçã o.
— Cara, do tanto que estou te vendo puxar seus cabelos, vai acabar
sem — Alex diz, entrando na sala, onde me encontro. Tentei assistir
televisã o para me distrair, poré m todas as minhas tentativas foram
estupidamente falhas.
— Nada que um implante capilar nã o resolva. — Me esforço para
soar o mais leve possı́vel, mesmo sabendo que será em vã o. Ele sabe o
quanto estou preocupado com Jess.
— Ela ainda nã o apareceu?
— Nã o. Nem por mensagens, á udios, ligaçõ es. Apesar de saber que
Jessamine está na casa das meninas, sinto como se nã o soubesse o seu
real paradeiro.
— Porque você nã o sabe. O problema nã o é ela estar lá , é nã o saber
o que está se passando aqui. — Aponta o indicador para a cabeça. — E
aqui. — Apoia a mã o no coraçã o.
— Essa é a parte mais complicada. — Mordo o lá bio inferior para
conter o nervosismo. — Dom nã o te disse absolutamente nada?
— Dominique nã o costuma conversar quando está preocupada. —
Suspira, dando um longo gole na sua cerveja. — O que, inclusive, se
tornou um dos pontos que queremos mudar no nosso relacionamento.
Ela se isola. Pensa e sofre sozinha. Talvez tenha falado com Ellen.
— Parece que estou vivendo uma maldita montanha-russa. Uma
hora, tudo está bem. Na outra, meu mundo cai por á gua abaixo.
— Os melhores relacionamentos sã o assim. — Me entrega um
sorriso reconfortante. — Obvio que manter a estabilidade é
recomendado, mas precisamos de um pouco de drama. Emoçã o. Senã o
as coisas icam monó tonas demais.
— O problema é que estamos lidando com esse drama e emoçã o há
quase um mê s. E ela está grá vida. Precisa tomar certos cuidados. Posso
estar soando cafona, mas quero acompanhar tudo de perto e garantir
que sou um algué m com quem contar. Me sinto um merda nã o podendo
fazer absolutamente nada.
— Você estar se esforçando já é um grande passo, cara. — Ele apoia
a mã o no meu ombro em um gesto carinhoso. — Algumas pessoas
precisam de mais tempo do que as outras. Agora, o que te resta é esp...
Meu telefone começa a tocar antes que ele termine sua frase. No
instante em que pego o aparelho, franzo o cenho ao ver o nome da tela.
Eleanor.
Por que diabos ela está me ligando?
— E a irmã da Jess — informo ao meu amigo, que me encara tã o
confuso quanto eu. Atendo em seguida. — Oi, Elean...
— Você é um merda! — grita do outro lado da linha, provocando-me
um sobressalto. — O maior merda de todos os tempos! Na verdade,
merda é pouco para te de inir!
— Do que você está falando? — questiono confuso pela sua revolta.
Ok, sei que ela me odeia, mas por qual motivo me ligou apenas para
depositar sua raiva?
— Minha irmã merece alguém melhor! Meu sobrinho merece um pai
melhor! — continua gritando. — Olha, Brenton, se você não quer nada
com ela, apenas diga! Não ique a deixando depressiva!
— E Trenton — corrijo-a automaticamente. — Sei que me odeia, só
que nã o estou entendendo o motivo dessa ligaçã o.
— Como não entende? Jessamine está no hospital porque você, seu
desgraçado, provocou um episódio depressivo nela!
Nã o faço a menor ideia de como mantenho meu celular em mã os.
Pisco uma, duas, trê s, quatro vezes com força, tentando absorver cada
palavra que acabei de ouvir.
Jessamine.
Hospital.
Episódio depressivo.
É possível todo o seu mundo cair diante dos seus olhos duas vezes?
Resposta: sim.
— Eu... eu nã o... n-nã o en-entendo — gaguejo, me levantando
apressadamente, sem perceber que peguei as chaves e estou andando
até o meu carro. Alexander me segue, tomando posse do banco do
motorista, apenas esperando por ordens. — Como assim, hospital?
Episó dio depressivo? Ela... ela estava bem... por que você me diz isso
como se nã o fosse nada?
— Ah... merda. Ela não te contou. — Ouço um suspiro pesado
escapando da sua boca. — Porra, Jess!
— Nã o me contou o quê ? — digo com a voz pesada, sé ria. Engolindo
em seco por dentro, tremendo de medo, mas nã o rebaixando a postura.
— Pelo amor de Deus, Eleanor! Eu sei que você me odeia. Eu nã o te
culpo por me odiar. Mas, por favor, seja lá o que for, me fale. A vida do
meu ilho també m está em jogo. Pode nã o gostar de mim o quanto
quiser, mas, no fundo, sabe que tenho o direito de saber de algo. A vida
deles també m me diz respeito.
Ela suspira pesadamente, antes de enfatizar uma ú nica palavra que
mudaria tudo:
— A Jess é bipolar, Trenton. E não está tomando seus remédios da
maneira adequada.
“T

,
.”
(A B )
Me lembro exatamente do dia em que me dei conta de que
Jessamine é bipolar.
Na verdade, nã o foi um dia em especı́ ico. Era um episó dio, como
sã o chamadas suas crises. Eramos pequenas. Bom, eu era pequena,
tendo em vista que nossa diferença de idade é de cinco anos, algo que
pesou muito na é poca. Tinha oito, ela treze. Jess chegou em casa
chorando, alegando que seus colegas de classe – os maiores escrotos
que já tive o desprazer de conhecer – estavam zoando com sua cara,
dizendo palavras ofensivas, de baixo calã o.
Nossa mã e pode nã o ser a melhor do mundo, mas tentou ajudar,
mesmo sendo em vã o. Ela se trancou no seu pró prio quarto por dias. Só
saı́a para ir à cozinha, pegar um pacote de salgadinhos e voltar. Nã o me
deixava entrar por nada no mundo. Quando me aproximava da porta, a
ouvia gritar: “Saia da merda do meu quarto, Eleanor! Me deixe em paz,
caralho!”. Santo Cristo, ela falava muitos palavrõ es durante esse
perı́odo.
Nã o entendı́amos o que estava acontecendo. Nossos pais achavam
que era drama, coisa adolescente, mas eu sabia que tinha algo mais
profundo. Minha irmã nã o era assim. Ela era uma garota doce, gentil,
animada e tagarela. Nã o grosseira e com uma boca cheia de palavras
sujas. O á pice foi quando se passaram dois dias sem sua saı́da
costumeira para comer. Papai arrombou a porta e a encontramos
dormindo. Ou melhor, sedada, pois na sua mã o havia um frasco de
remé dios para dormir.
Aquele foi um dos dias em que mais chorei na minha vida. Ver
minha irmã sendo levada por uma ambulâ ncia, fraca, quase sem sinais
vitais, me fez querer morrer no mesmo instante. Porque ela era minha
outra metade. Pensava “o que vai ser de mim sem ela?”. Depois que
Jessamine passa pela sua vida, você nã o se imagina sem a sua
companhia.
No momento em que chegamos no hospital, ela teve de fazer uma
lavagem para retirar a medicaçã o do estô mago. E, quando acordou, nã o
se lembrava de absolutamente nada. Nossos pais acharam que era
mentira para se acobertar, poré m eu via nos seus olhos o quanto Jess
estava assustada, apavorada, sem entender o que estava acontecendo.
Entã o, o doutor Jordan, o homem que nunca esqueci o nome, já que
ainda me sinto extremamente grata, a encaminhou para a ala
psiquiá trica. No dia seguinte, descobrimos qual o problema: minha
irmã mais velha era bipolar.
Ficamos todos confusos. De onde havia surgido? Era hereditário? Foi
desenvolvido? Ou Jess era apenas azarada? Como um estalo na cabeça,
nosso pai se lembrou de que seu pai possuı́a a doença. Mas, como nã o a
desenvolveu, essa hipó tese nunca se passou pela sua mente. Naquele
dia, amaldiçoei meu avô com todas as letras por ter deixado minha irmã
“quebrada”. Errado, eu sei, só era o meu jeito criança de pensar.
Com o passar do tempo, aprendemos a lidar com a condiçã o. Jess
tinha muitos episó dios, ora manı́acos, ora depressivos em grande parte
do tempo. Meus pais nã o sabiam muito bem como lidar com eles. Na
verdade, acredito que ambos nã o possuı́am muita paciê ncia. Hoje em
dia, acredito que esse foi um dos motivos que levou nossa mã e a
desenvolver uma espé cie de rancor por ela. Cuidar de uma ilha bipolar
nã o é fá cil. Ela nã o queria comprar esse “pacote”. Sendo assim, me
encarreguei de cuidar do seu bem-estar. Nas demais crises, era por mim
quem ela chamava. Papai e mamã e nã o podiam entrar no quarto,
apenas eu. E quando minha vida foi por á gua abaixo, ela esteve lá por
mim. Mesmo nos piores momentos. Mesmo quando o mundo caı́a
diante dos seus olhos, minha sis abandonou suas tristezas para cuidar
de mim.
E é por isso que estou aqui, embarcando no aviã o apó s telefonar
para Trenton, agradecendo pelo voo nã o ser longo. Christopher está do
meu lado, com os dedos entrelaçados aos meus, itando-me com seu
olhar de: “Eu sei que você está mal, mas vou esperar me dizer algo porque
não quero te incomodar”.
— Nã o consigo mais sentir raiva do Trenton — bufo, brincando com
o nó dos seus dedos. — Ainda acho ele um babaca. Mas ele... ele
simplesmente nã o sabia. Nã o sabia que minha irmã é bipolar. Nã o sabia
como cuidar dela. Nã o que Jessamine precise de cuidado especial, sei
que pode se virar sozinha e ser independente, mas porra, ela está
grá vida. Cheia de hormô nios que mexem com a cabeça. Tomando
remé dios que mexem com esses hormô nios e deixando os que lidam
com suas emoçõ es de lado. Estou tã o confusa. Nã o sei o que sentir.
— Você pode sentir o que quiser, minha linda. — Ele faz um carinho
na minha bochecha, arrancando-me um sorriso bobo. — Raiva, tristeza,
fú ria. Bom, raiva e fú ria sã o parecidas, mas nã o deixam de ser um
direito. E uma situaçã o complicada, envolve muitos sentimentos e
emoçõ es.
— Qual a sua opiniã o sobre tudo isso? E seja sincero. — Cerro meus
olhos em um tom zombeteiro. — Nã o diga apenas o que acha que vai
me agradar.
— Eu nã o sou esse tipo de cara. — Dá uma risadinha, ajeitando a
postura antes de começar a falar. — Nã o sei ao certo, El. De verdade.
Achei uma atitude injusta da parte de sua irmã esconder esse segredo.
A inal, Trenton é o pai do bebê . Como futura mé dica, você sabe o quanto
doenças mentais podem afetar uma gravidez, principalmente esses
episó dios. Se ele soubesse, teria uma noçã o maior do que fazer nessa
situaçã o.
— Isso nã o anula o fato de que ele é um baba...
— Shhh... Que ele é um babaca, já sei. — Ri, depositando o dedo no
meu lá bio para me calar. — E tem razã o. Nada justi ica suas atitudes,
poré m pense comigo: se coloque no lugar dele. Imagine sua vida
virando do avesso em questã o de dias. E normal nos apavorarmos.
Mesmo nã o concordando com as atitudes, consigo compreendê -las.
— Entã o, se eu engravidasse, você iria surtar e ser um babaca
comigo?
— Eleanor... pare de entrar na defensiva e usar palavras contra mim.
— E a sua vez de cerrar os olhos, mas sua voz nã o está carregada de
bronca. Uma das coisas que mais amo em Christopher é a sua
capacidade de tornar qualquer conversa leve e com um clima agradá vel,
mesmo sendo um assunto difı́cil.
— Só queria te provocar um pouquinho. — Mostro a lı́ngua.
— Gosto de ser provocado de outro jeito. — Pisca descaradamente.
— Voltando ao assunto: pense que, agora, ele sabe a verdade. E vai
ajudá -la a se recuperar. E nó s també m estaremos lá , certo? Nã o me
importo em icar por dias, semanas. Sua famı́lia també m é a minha.
— Deus, o que eu iz pra te merecer? — Sorrio, apoiando a cabeça
no seu ombro, suspirando o perfume delicioso e familiar que invade
minhas narinas. — Obrigada, Chris. Você me faz pensar com mais
sanidade.
— Esse é o meu papel no mundo. — Deposita um beijo na minha
testa, acariciando meus cabelos. — Mas falando sé rio, linda. Tente nã o
se intrometer no relacionamento deles. Ela é sua irmã , sei que o
instinto protetivo fala mais alto, só que ambos precisam se acertar sem
ter uma doidinha xingando horrores e tentando socar as pessoas.
— Promete segurar minha mã o e me impedir de fazer besteiras?
— Prometo. Ah, e só para constar: se você engravidasse, eu te daria
todo apoio do mundo, do começo ao im. Como sou completamente
apaixonado por você , acredito que adiaria o meu pedido de casamento.
Comprarı́amos um apartamento, porque saberia que minha namorada,
ou melhor, noiva, tem pavor de casas grandes, entã o seria a melhor
escolha. Irı́amos pintar o quarto de amarelo porque você odeia rosa e
acha azul uma cor estranha. E serı́amos assim... felizes. Sendo apenas
nó s trê s, e nã o dois. Esse parece o plano perfeito para mim.
— Eu te amo tanto, Chris — dig9 emocionada, abraçando seu corpo,
enchendo sua bochecha de beijos. — Obrigada por tudo. Me parece o
plano perfeito, mas só para daqui alguns anos, ok?
Ele dá uma risadinha, beijando o topo da minha testa.
— Eu també m te amo, El. Agora descanse, em breve precisamos
gastar nossas energias.
Respirando fundo, me ajeito em seu ombro da maneira mais
confortá vel possı́vel. Em algumas horas, estarei cara a cara com minha
irmã que está doente e seu... o pai do seu ilho.
Estou decidida a ter uma conversa calma e respeitosa com Trenton.
Pois, apesar de concordar com todas as palavras de Chris, ainda tenho o
direito de saber que ele é o cara certo. Que é o homem merecedor de
todo amor da pessoa mais bondosa que já tive a honra de conhecer. Ele
nã o sabe, mas, quando o primeiro episó dio depressivo acontece, tende
a se tornar mais comum no caso de Jess. E nã o posso voltar para casa
sem ter a certeza de que ela icará bem.
“P , .
E .”
(A B )

Fazia muito tempo que eu nã o me lembrava dessa sensaçã o.


Conforme recobro minha consciê ncia aos poucos, sentindo a cabeça
latejar por ter uma luz forte contra meus olhos, percebo que estou
deitada em uma cama de hospital. Sem entender ao certo o que está
acontecendo, sento-me lentamente, analisando o local, procurando por
um rosto conhecido. Ao meu lado, vejo Ellen cochilando. Olho para a
janela, me dando conta de que está de noite. Provavelmente
madrugada, para a minha amiga estar assim.
Deus, o que aconteceu?
Como vim parar aqui?
E por que não me lembro de nada?
Decido cutucar levemente o ombro de El, em uma tentativa de
acordá -la.
— Ei, Ellen... acorde.
— Puta merda! — Ela se levanta em um sobressalto, assustando-me.
— Ai, me desculpa. Nã o quis te assustar.
— Mais do que já estou? E um pouco difı́cil. — Solto uma risadinha
para tentar quebrar o clima. — O que aconteceu? Por que estou aqui?
— Você nã o se lembra? — Me encara com os olhos levemente
arregalados.
— E... nã o ao certo. — Dou de ombros. — Lembro de brigar com
Trenton. Lembro de ir para o apartamento e icar lá , no quarto,
trancada enquanto assistia sé ries. Mas isso nã o é motivo para vir parar
no hospital.
— Puta merda — repete o mesmo palavrã o baixinho. Estou
começando a icar ainda mais preocupada. — Como você está se
sentindo?
— Nã o desvie do assunto. — Franzo o cenho com sua tentativa
falha. — Estou bem. Um pouco zonza, espero que isso nã o... cacete, o
meu bebê ! — Sinto meu coraçã o sair para fora da boca, apoiando a mã o
na barriga rapidamente. Por vezes, me esqueço completamente de que
estou grá vida. — Ele está bem? Aconteceu alguma coisa? E por isso que
estou aqui?
— Se acalme, Jess. — Apoia a mã o no meu ombro, traçando um
carinho leve pelas minhas costas. — Sua mé dica vai falar com você em
breve. Mas ele está bem. Ficou um pouco fraco pela desidrataçã o,
poré m...
— Desidrataçã o? — Que diabos está acontecendo na minha vida? —
Ellen, me explique melhor. Nã o estou compreendendo absolutamente
nada. Onde está o Trenton? Ele sabe disso?
— Na recepçã o, junto com sua irmã e nossos amigos.
— E bem pior do que eu estava imaginando — bufo, mordendo o
lá bio inferior. — Para Eleanor estar aqui...
— Posso te contar tudo o que aconteceu. Só me prometa, por favor,
que vai tentar manter a calma? Nã o quero ver seu corpo sofrendo por
mais estresse.
— Prometo tentar. — Suspiro, brincando com meus pró prios dedos.
— Vou saber da verdade uma hora ou outra, certo? E pre iro que seja da
boca de uma amiga. Nã o sou uma grande fã de mé dicos.
— Certo... tudo bem. Vamos lá . — Ela ajeita sua postura, levando
uma das mã os para segurar meus dedos inquietos. — Você teve um
episó dio depressivo depois de discutir com Trenton naquela noite.
O mundo para no exato instante em que as palavras saem da sua
boca. Arregalados é pouco comparado a forma como meus olhos estã o
nesse momento. A ansiedade ameaça corroer meu peito, entretanto, a
controlo, pois prometi que tentaria manter a calma. Para exempli icar
de uma forma ridı́cula, é a mesma sensaçã o da escola inteira descobrir
que você é apaixonada pelo seu colega de classe. E ter o seu maior
segredo sendo revelado bem diante dos seus olhos, e nã o poder fazer
nada para mudá -lo, porque, nessa altura do campeonato, todos já
sabem.
— Como... como sabe o que esse termo signi ica? — pergunto com a
voz trê mula, contendo as lá grimas que se formam nos meus olhos.
— Sua irmã nos contou sobre a bipolaridade. — Bipolaridade.
Apesar de seu tom ser calmo, tranquilo, até mesmo aveludado, essa
palavra ainda me soa amarga. — Dominique descobriu primeiro, na
verdade. Você sabe, ela é boa no que faz.
— Mas de que forma? Eu estava bem! Só ... só queria icar sozinha. Só
isso.
Minha amiga suspira pesadamente.
— Queria, até se tornar agressiva.
— Agressiva?! — Praticamente grito, sobressaltando-me na
pequena cama. — No sentido fı́sico?
— Mais ou menos. Dom e eu começamos a icar preocupadas. Você
passou dois dias inteiros sem sair, se alimentar. Entã o, Dominique com
suas habilidades estranhas e inquestioná veis, conseguiu abrir a porta
com um clip. Ela tentou conversar enquanto iquei do lado de fora. Você
estava gritando, murmurando palavrõ es... quando decidi entrar no
quarto, te vi puxando os cabelos dela com força.
— Meu Deus! — Nã o consigo conter as lá grimas que escorrem pelos
meus olhos. A ú ltima vez que tive um episó dio agressivo foi na escola. O
dia em que consegui afundar meus pais de dı́vidas por um processo. O
dia em que percebi que estava descontrolada. — Eu... eu a machuquei
muito? Nã o... nã o consigo me lembrar de nada.
— Consegui te tirar a tempo. Depois de se acalmar, simplesmente te
vimos desmaiando. Nã o sabı́amos o que fazer. Sendo assim, te
trouxemos para cá . Dom foi falar com o mé dico, e disse sobre a suspeita
da bipolaridade por conhecer os sintomas, e relatou os ú ltimos dias.
Relatou o episó dio onde você limpou o quarto compulsivamente.
Quando ligamos para Eleanor, ela acabou nos contando, entã o tudo
icou mais claro. Os mé dicos te colocaram no soro para hidratar e
aplicaram uma dose leve de calmante. Nada prejudicial para o seu bebê .
— Dominique deve me odiar. Eu me odeio. — Trago meus joelhos
para perto do peito, os abraçando, sentindo a maldita solidã o me
preencher mais uma vez. — Vou embora do apartamento. Pego minhas
coisas, consigo voltar para o dormitó rio. Trenton també m nã o deve
querer me ver. Me desculpe, eu nã o sabia o que estava fazendo. Parei de
tomar meus remé dios porque me senti mais con iante. Senti que podia
viver sem eles, pelo menos por um tempo. Minha vida estava boa. Tinha
amigos, um cara legal para transar. Eu inalmente havia encontrado o
meu lugar. Poré m, estava enganada. E o mesmo ciclo. Deveria voltar
para...
— Pare de dizer besteiras, Jessamine! — interrompe-me, se pondo
ao meu lado na cama. Ela me envolve em seus braços, e nã o consigo
nem ao menos recusar, apoiando a cabeça no seu peito. — Você nã o vai
embora de lugar nenhum. Nó s nã o te odiamos, isso é impossı́vel. Nã o
era algo que estava no seu poder, tá legal? Entendemos isso. Queremos
te ajudar, nã o te deixar sozinha. A gravidez em si já afeta os hormô nios,
combinada com essa condiçã o a tendê ncia é piorar. Você precisa ser
acompanhada por um psiquiatra, e nã o fugir dos seus problemas.
— Nã o queria que você s sentissem pena de mim. Nã o queria ser
tratada como a pobre coitada, doente da cabeça. Eu recebi isso durante
toda minha vida, Ellen. Sempre a excluı́da, a louca, estranha, doente. Eu
só ... queria que você s gostassem de mim pelo que sou, nã o por pena.
— E esses sã o os motivos pelos quais somos seus amigos, bobinha.
— Sorri gentilmente, apertando-me ainda mais contra o calor do seu
corpo. — Nã o vamos te deixar na mã o. Vamos te ajudar, nã o abandonar.
A ú nica coisa que eu te peço é para nã o mentir mais. Essa é uma doença
sé ria, que ainda irá mexer com seus hormô nios nesse processo de
gravidez, mas esse é um papo que sua mé dica irá lhe dizer. Agora
descanse, você estava muito fraca quando chegamos.
— Obrigada, El. Muito obrigada — enfatizo a palavra, nã o sabendo
expressar em palavras o quanto me sinto grata. — Nã o sei como te
agradecer.
— Nã o precisa. Pode contar comigo, com todos nó s, sempre que
precisar.
— Posso falar com o Trenton? Acho que... que devo alguma
explicaçã o para ele.
— Infelizmente agora nã o — diz com a feiçã o triste. — Sou a ú ltima
da lista de visitas. Ele disse que irá passar a noite até o horá rio da
manhã , talvez os mé dicos abram uma exceçã o. Agora, sua irmã tem
prioridade por ser famı́lia, entã o vou chamá -la para icar aqui com você .
Tudo bem?
— Certo... entendi. Muito obrigada, de novo.
— Nã o precisa agradecer, de novo. — Deposita um beijo estalado na
minha testa antes de se levantar. — Fique bem.
Aceno com a cabeça, abrindo o maior sorriso que consigo. Inspiro e
expiro o ar, ansiosa por ter de lidar com minha irmã . Amo Eleanor com
todo meu coraçã o, e por esse motivo sei que ela provavelmente irá
surtar. Perguntar por que nunca contei, se frustrar, talvez até mesmo
dizer coisas as quais irá se arrepender.
Entretanto, logo quando a vejo entrando pelo quarto, ergo ambas as
minhas sobrancelhas. Ela parece... calma. Na verdade, acredito que
controlada seja a palavra certa. Se aproxima lentamente da minha
cama, com lá grimas nos olhos que estilhaçam meu coraçã o em mil
pedaços, sentando-se ao meu lado. El está insegura. Consigo sentir sua
energia emanando para fora do seu corpo enquanto me observa
cautelosamente, procurando algum arranhã o, pois já tive episó dios
onde me machuquei. Eles sã o raros, mas acontecem.
— Você está inchada. — Sã o suas primeiras palavras. Quase solto
uma risada. — Assim, no sentido bom. Inchada de grá vida. Seus peitos
estã o icando maiores. Deixando de serem caroços para se tornarem
laranjas.
— Caroços para laranjas, Eleanor? Sé rio? — Nã o contenho o riso,
sorrindo para minha irmã .
Ela se rende, caindo na risada, segurando minha mã o.
— Eu só ... nã o sabia o que te dizer. Estou treinando ser uma nova
pessoa. Mais calma, menos descontrolada. Até agora, só soltei trê s
palavrõ es.
— Uau, estou impressionada — digo realmente admirada. — Chris
tem algum dedo metido nisso?
— Vá rios. Todos, para ser sincera. Gosto dos dedos dele em mim.
— Por Deus, nã o seja nojenta! — Faço a melhor careta de nojo que
consigo. — Nã o quero saber se seu namorado en ia os dedos em você .
— Ele en ia, sabe muito bem.
— Tinha esquecido o quanto minha irmã é inconveniente.
— Ah, nã o se esqueceu. — Ela mostra a lı́ngua como se fosse uma
criança. Por um momento, ouço um suspiro escapando de seus lá bios, e
sei que é a hora de termos aquela conversa. — Por que você parou com
a medicaçã o, Jess?
— Porque eu queria me sentir uma pessoa normal. — Sou sincera.
Nã o consigo me esconder diante dela. — Pensei que estivesse no
controle. Foi antes de saber sobre o bebê . E quando descobri... nã o
queria contar sobre minha bipolaridade. Meu maior pesadelo era
receber olhares de pobre coitada. Sabe o quanto eles me apavoraram
durante anos.
— E valeu a pena? Esconder esse segredo, sofrer sozinha, sem
ningué m para te amparar ou saber o que fazer?
— Nã o. — O peso da verdade martela meu peito. — Me sinto
arrependida como nunca. Mas estou disposta a mudar. Nã o vou fugir.
Vou falar com minha pediatra e ver como será o tratamento. Minha vida
nã o é mais só minha, nã o é ?
— Nunca foi. — Dá uma risadinha, apoiando uma das mã os na
minha barriga. — E como meu sobrinho está ?
— Bem, na medida do possı́vel. — Engulo em seco, sentindo o peito
doer por saber que, por pouco, quase prejudiquei a saú de do meu ilho.
— Eu nã o estava me alimentando bem, o que consequentemente o
afetou, mas nã o foi nada grave. Poderia ter sido pior.
— Nã o deixe a culpa te corroer, tá legal? — Como essa garota tem o
poder de ler minha mente? — Você nã o estava sã . O que importa é fazer
o melhor pelo seu bem-estar a partir de agora. O passado já foi. Nã o
podemos voltar atrá s, apenas seguir em frente.
— Ok, eu quero falar com esse tal de Christopher. Ele é psicó logo?
Psiquiatra? Mago? — brinco dando risada, tentando quebrar o clima,
poré m realmente admirada. — Ele fez o impossı́vel acontecer!
— Pare de exagerar. — Rola os olhos, rindo. — Tive um bom tempo
para pensar no voo. Eu nã o quero te perder, sis. Por nada nesse mundo.
Você é tudo para mim. Quando mais precisei, foi a ú nica pessoa que
esteve do meu lado. Nã o foram os nossos pais. Nã o foram meus amigos.
Foi você. E se precisar, nã o me importo em trancar o semestre e...
— Nem pensar — interrompo-a antes de dizer algum absurdo. —
Nem fodendo, Eleanor. Jamais te deixaria parar a faculdade por minha
causa. Nã o estou invá lida. Apenas... doente. E tenho pessoas com quem
contar aqui. Elas nã o sã o você , mas sã o boas.
— Entã o me prometa que vai seguir o tratamento. Que vai tomar a
medicaçã o corretamente, sem esconder nada de ningué m — exige com
a voz embargada. — Nã o posso dormir em paz todos os dias sabendo
que você pode estar mal. Que pode estar em uma cama de hospital sem
ningué m para te ajudar. Ou que pode estar deitada no seu quarto,
apagada, sem ningué m saber. Por favor, me prometa que nã o vai fazer
besteira. Eu te amo. Você é minha melhor amiga, sempre vai ser. Pare de
se arriscar tanto.
— El... nã o chore. — Envolvo seu corpo nos meus braços, secando
suas lá grimas. Odeio vê -la chorando, ainda mais quando é por minha
causa. — Eu prometo, tudo bem? Prometo que, de hoje em diante, tudo
vai ser diferente. Me desculpe por bagunçar sua vida. Por precisar te
tirar da sua realidade para vir cuidar de mim. Eu també m te amo,
irmã zinha, mas você tem outras prioridades agora. Nã o quero ser uma
delas. Me desculpe por tudo.
— Você nã o bagunça a minha vida.
— Bagunço sim.
— Hum, talvez um pouco... — Ri enquanto ajeito seus cabelos. — No
bom sentido.
— Obrigada por ter vindo. E sempre bom ver seu rostinho familiar.
— Só diz isso porque somos levemente parecidas — zomba, me
dando um abraço apertado. — Sempre virei quando for preciso. E trago
meu ruivo comigo.
— Você s vã o icar em um hotel ou algo do tipo?
— Ele, sim. Já eu, pretendo passar a noite aqui. — Ela se ajeita para
se deitar ao meu lado, sem se importar com o tamanho da cama. — Nã o
podemos pedir um espaço maior?
— Você deveria ir dormir com seu namorado! — exclamo incré dula
com sua atitude. — E sé rio, vou icar bem.
— Durmo com ele quase todos os dias, querida. Mal ico no meu
dormitó rio. Uma noite nã o vai nos matar.
— A mamã e sabe disso?
— Nã o, e nem irá saber. Consegue guardar segredo?
— Com toda certeza do mundo.
Rindo, ela se ajeita no meu ombro para que possamos icar mais
confortá veis. Durante o resto da noite, intercalamos entre conversar,
onde escuto sobre o quanto seu relacionamento com Christopher é
incrı́vel, reclamamos sobre a faculdade ser difı́cil, de como a comida
desse hospital é horrı́vel, entre outros assuntos.
Estar ao lado de Eleanor me traz um conforto indescritı́vel. E saber
que ela está bem, segura, sendo mais madura do que eu mesma em
muitos aspectos me dá vontade de rir de desespero e chorar de orgulho
ao mesmo tempo. Pouco antes de cair no sono, meu peito pesa por
saber que amanhã será o dia mais difı́cil.
Amanhã , terei de falar cara a cara com Trenton e me explicar.
Para ser sincera, estou com muito medo do rumo que essa conversa
pode tomar.
“N

.”
(A B )

— Ela ainda nã o acordou — Eleanor diz apó s sair do quarto, por
incrı́vel que pareça, sentando-se ao meu lado. — Dormiu a noite inteira,
mas ainda deve estar muito cansada.
— Certo. — Solto o ar pesadamente, ajeitando a postura. Essas
cadeiras de hospitais sã o mais desconfortá veis do que aparentam. —
Obrigado por me avisar, vou continuar aqui.
— Você passou mesmo a noite inteira aqui? Tipo... o tempo todo?
— Claro. — Faço careta pelo modo como ela está incré dula. — Por
que nã o passaria?
— Sem querer ofender, pois sei que o nome dela está no seu plano
de saú de, mas as cadeiras desse lugar sã o horrı́veis. Duras feito pau. —
Olha-as com desdé m, arrancando-me uma risada. — Estou falando
sé rio!
— Eu sei disso. — Rio, percebendo que, desde sua chegada, El nã o
abriu a boca para me xingar. Na verdade, nã o abriu para me dizer nada.
— Mas nã o vou sair daqui enquanto nã o ver Jess e levá -la para casa.
— Você sabe que Jessamine está realmente apaixonada, nã o é ? —
Ergue apenas uma sobrancelha, lançando um olhar de preocupaçã o. —
Nã o só pelo bebê . Obvio, isso é um acré scimo, mas escuto seu nome
saindo da boca dela há muito tempo.
— Eu sei — repito minhas palavras, segurando-me para nã o morder
o lá bio inferior. Tocar nesse assunto com sua irmã é estranho. —
També m estou tentando me apaixonar.
— Esse é o problema. Tentar pode nã o ser o su iciente.
Francamente, Trenton, nã o quero ver minha irmã doente por um amor
nã o correspondido. Ela nã o tem idade e muito menos condiçõ es para
isso.
— Quem tem de tomar essa decisã o é ela. — Tento soar o mais
gentil possı́vel, apreciando sua preocupaçã o. — Nã o tenho a intençã o
de machucar seu coraçã o. Faço besteiras. Escolho palavras erradas.
Mas, pelo menos, estou tentando. Eu nã o sabia sobre a bipolaridade. —
Ela abre a boca para dizer algo, poré m logo a interrompo, pressupondo
mentalmente o que seja. — E nã o, eu nã o a trataria e nã o vou tratar
como uma pessoa doente. Sem querer ofender, mas você nã o me
conhece. Nã o sabe quem sou. Nã o sabe o inferno que passei pela minha
vida há meses. De repente, em uma noite, tudo virou de cabeça para
baixo. Um babaca qualquer fugiria. Negaria o pró prio ilho, se mudaria
e esqueceria o assunto. Nã o que eu esteja querendo tirar algum mé rito,
mas estou aqui. E nã o pretendo ir para lugar nenhum. Se ela nã o quiser
se envolver comigo romanticamente, tudo bem. Ainda estarei aqui.
Pronto para dar todo o suporte necessá rio. Seja com amor, ou apenas
com ajuda. Ou com os dois. Tudo o que for preciso.
— Está icando cada vez mais difı́cil continuar te odiando. — Me
entrega um sorriso triste. — Jessamine nã o é só minha irmã . E minha
melhor amiga. A ú nica pessoa que icou do meu lado quando o meu
mundo virou do avesso. Quando descobri que ela nã o tinha te contado,
iquei com raiva. Muita raiva. Porque pensava: “Como esse desgraçado
pode agir assim com ela, sabendo de tudo?”. Entã o, do nada, recebo uma
ligaçã o onde, nitidamente, ningué m sabia de nada. Ningué m sabia que
ela havia parado com a medicaçã o. Eu nã o sabia. Porra, Jess pô s sua
vida em risco! E nã o só a dela! Pensei que fosse quebrar a merda do
aviã o em mil pedaços. Mas cheguei aqui, a vi deitada em uma cama,
presa em vá rios ios e... nossa, palavras nã o sã o capazes de descrever o
meu alı́vio. Porque o meu maior medo era chegar aqui e nã o encontrar
ningué m. Só que você estava aqui. E Dominique, Alexander, Ellen,
Bryan.
— Sua irmã tem um time inteiro para contar. — Apoio uma mã o em
seu ombro para tentar lhe passar conforto. A vulnerabilidade vinda de
terceiros ainda me assusta. — Sempre terá . Nó s somos assim, uma
famı́lia. Problemá ticos, estranhos, um pouco quebrados, mas nos
amamos e fazemos funcionar.
— Meu maior medo sempre foi me mudar, deixando-a sozinha por
consequê ncia. Ela passou muitos anos se sentindo só , mesmo comigo
ao seu lado, tentando provar o contrá rio. Jess merece uma vida rodeada
de amor, Trenton. Por favor, estou te pedindo, dê isso para ela. Nã o
costumo pedir coisas. Odeio, para ser sincera. Poré m, agora você sabe.
Sabe que deve ajudá -la a se sobressair.
— Eu prometo, El, que irei fazer tudo o que estiver ao meu alcance
para dar essa vida a Jessamine — falo olhando bem fundo nos seus
olhos, realizando duas promessas. Tanto para a garota que está na
minha frente, quanto a mim mesmo. — Ela é uma mulher incrı́vel.
Forte, determinada, ú nica. Nã o sã o todas as pessoas que possuem um
coraçã o tã o puro. Quando você voltar a nos visitar, estarei aqui. No
nascimento do nosso ilho, continuarei aqui. Em jantares de Natal, Ano-
Novo, aniversá rios. Acho bom tentar parar de me odiar.
Ela solta uma risada alta, dando um empurrã ozinho amigá vel no
meu ombro.
— Tentar é para os fracos. Vou conseguir. Sou uma futura mé dica,
terei de lidar com pacientes que irei odiar. Posso lidar com nossa
convivê ncia.
— Entã o acredito que izemos as pazes. Toca aqui?
— Nã o, isso é coisa de criança! — Ri, mas acaba se rendendo,
esticando a mã o para bater na minha. — Nã o vamos tornar isso uma
tradiçã o.
— Talvez iremos sim.
— En im, preciso voltar para o hotel. Tomar um banho, comer
alguma coisa, me sentir viva — grunhe, pegando sua bolsa. — Pode
icar no quarto, já avisei as enfermeiras. Volto mais tarde. Qualquer
coisa me ligue.
— Pode deixar, cunhada.
— Sem exageros, Trenton!
— Ok, passei do limite! — Levanto as mã os em redençã o. — E bom
te ouvir pronunciando meu nome do jeito certo.
— Nã o se gabe, ainda posso voltar a te chamar de Brenton.
Rolo os olhos apó s ouvir suas palavras, ainda rindo. Acalmo meus
â nimos antes de me levantar e caminhar até o quarto de Jess, temeroso
com o rumo que nossa conversa pode tomar. Mantenho a postura
enquanto entro no cô modo, quase soltando um suspiro aliviado ao vê -la
acordada. Ela me parece... está vel, na medida no possı́vel. Deve ter
acordado há alguns minutos, já que seus olhos continuam levemente
inchados. Ao me ver, um sorriso mı́nimo domina seus lá bios, se
contagiando até mim.
Aproximo-me, sentando na cadeira ao lado.
— Oi.
— Oi — repete meu cumprimento, provavelmente tã o nervosa
quanto eu. — Hum... nã o faço a menor ideia de como começar essa
conversa. Porque vamos ter uma conversa, né ? Daquelas longas,
dolorosas, tristes. Nã o queria icar triste.
— Entã o nã o ique. — Procuro pela sua mã o, segurando-a
cuidadosamente. — Nã o precisamos falar sobre coisas tristes. A ú nica
coisa que te peço é para me contar a verdade.
— Esse é o problema. A verdade envolve coisas tristes e dolorosas.
Quer que eu comece por onde? Infâ ncia? Diagnó sticos? Outros
episó dios.
— Nã o, Jess. Nã o quero nada disso agora — declaro com irmeza. —
Meu ú ltimo desejo é te deixar desconfortá vel. Quero descobrir sobre
esses detalhes, mas com o passar do tempo e quando você se sentir
bem. Só gostaria de entender o porquê de ter escondido e parado com a
medicaçã o.
— Ah, essa é a pergunta mais simples de todas. — Solta uma risada
sarcá stica antes de começar a se explicar. — Eu nunca quis que as
pessoas gostassem de mim por pena. Por ser a pobre coitada doente da
cabeça. Esse foi o olhar que recebi por anos. Na escola, na minha antiga
faculdade, até mesmo em casa. Porque, inevitavelmente, tinha de contar
para as pessoas do meu ciclo, para evitar que os episó dios
acontecessem. Era sempre a mesma coisa. Meus “amigos” — faz aspas
com os dedos — falavam comigo por pena. Os remé dios me deixavam
agitada, sem sono, absorta antes de começarem a fazer efeito. Quando
me mudei para cá , iria começar com a medicaçã o, mas entã o... entã o
conheci você s. Por um momento, senti que poderia ser uma pessoa
normal. Que nã o precisaria depender de drogas, porque, pela primeira
vez na vida, tive pessoas ao meu redor que nã o sabiam nada ao meu
respeito, e me faziam bem. Pensei que havia conseguindo me
autocontrolar de alguma forma milagrosa. Poré m, como sempre, estava
muito enganada. A inal, uma hora ou outra, o pior viria a acontecer. Nã o
sei com que cara vou olhar para Dominique e pedir desculpas. Preciso
fazer isso com todos você s. E nã o sei descrever em palavras o quanto
me sinto envergonhada por deixar a situaçã o sair do controle. Eu nã o...
eu nã o sabia o que es-estava fazendo — gagueja chorosa, puxando suas
pernas para pró ximo do peito, abraçando-as. — Me desculpe, Trenton.
Me desculpe por fazer esse estrago na sua vida...
— Ei, nã o diga um absurdo desses. — Sem pensar duas vezes, me
ponho ao seu lado na cama, trazendo-a para o meu peito, envolvendo
seu corpo trê mulo em um abraço delicado e apertado ao mesmo tempo.
— Você pode ter feito qualquer coisa, menos ter estragado a minha
vida.
— Nã o queria que você se sentisse preso a mim por conta do bebê .
E menos ainda por conta da bipolaridade. No começo, nã o queria dar
seguimento a gravidez por medo do nosso ilho també m ser assim. Nã o
é fá cil conviver com isso. E difı́cil pra cacete, principalmente para as
pessoas ao meu redor. Mesmo com medicaçã o, os episó dios podem
tornar a acontecer. Se você quiser pular fora, eu entendo...
— Jamais faria isso — interrompo-a mais uma vez, afagando os ios
de cabelo macios. — Nã o vou a lugar nenhum. Fiquei chateado por nã o
ter me contado, algumas coisas poderiam ter sido diferentes, mas nã o
vou te culpar. Me desculpe pelo que aconteceu, eu só ... é difı́cil para mim
ainda. Estou tentando, mas també m sou uma pessoa falha. Vou errar,
fracassar, temos um longo caminho pela frente. Entretanto, farei tudo o
que estiver ao meu alcance para que isso nã o se repita. Nã o somente
pela bipolaridade, por nó s. Quero fazer dar certo. Estou disposto a fazer
dar certo. A ú nica coisa que preciso saber é se você ainda me quer.
— Seria possı́vel nã o querer? — Ri fraco, ajeitando-se contra o meu
peitoral. — Muito obrigada, Trent. Obrigada por olhar alé m daquilo que
penso ser. Vou melhorar. Falarei com minha mé dica e vamos dar
seguimento ao tratamento correto.
— Estamos nessa juntos, ok? Nã o vou te deixar sozinha. — Trago
sua mã o para meus lá bios, depositando um beijo leve. — Só te peço
uma ú nica coisa: um pouco mais de compreensã o.
— Prometo que irei me esforçar para ser mais compreensiva. —
Sorri, recostando a cabeça contra meu ombro. — Entã o... ainda vamos
tentar? Digo, no sentido româ ntico da coisa. Só para ter certeza de que
estamos falando do mesmo assunto.
— Claro, minha linda. — Ajeito uma mecha de cabelo atrá s da sua
orelha. — Vamos tentar.
— Hum, ok. O que fazemos agora? Nunca cheguei nesse “depois”.
— Agora, esperamos sua alta, acredito que nã o vá demorar muito.
Podemos passar esse tempo conversando. Me conte como está sendo
sua experiê ncia nesse hospital.
— Já estive em piores. — Meneia a cabeça de um lado para o outro,
observando o lugar. — Esse é de primeira linha. Nã o tem baratas
andando pelas paredes nem ratos tentando roubar sua comida.
— E você já foi em um desses?
— Nã o pode imaginar as loucuras que já iz, lindinho.
Rio comigo mesmo ao perceber que ela está certa. Por mais que
tenhamos passado as ú ltimas semanas juntos, sempre ao lado um do
outro, nã o conheço a verdadeira Jessamine. Nã o sei sobre suas histó rias,
loucuras, vivê ncias, amores fracassos. Todavia, estou ansioso para
conhecer todos os seus lados, e me afeiçoar por cada um deles.
“A
.”
(A B )

Começar do zero sempre me pareceu uma boa opçã o. Desde quando


saı́ da minha cidade natal, separando-me de minha irmã , a ú nica pessoa
que me acompanhou em todos os passos da vida, senti meu peito sendo
inundado dessa sensaçã o estranha. Recomeçar. Tentar de novo em outro
lugar onde ninguém te conhece.
Estava empolgada e apavorada ao mesmo tempo. O novo me
assusta, faz com que eu sinta vontade de recuar e voltar para aquilo que
me mantinha acomodada. Poré m, na atual situaçã o na qual encontra
minha vida, um recomeço foi mais do necessá rio.
Apó s sair do hospital há aproximadamente trê s semanas, decidi que
tentaria de novo. Começando por contar sobre a bipolaridade para
Vanessa, minha obstetra, a qual me recitou um sermã o do quanto isso
poderia ter sido perigoso, o quanto coloquei a vida do meu ilho em
risco, mas depois me prescreveu o que deverı́amos fazer para dar
seguimento à gestaçã o de forma correta.
Em seguida, pedi desculpas para Dominique pelo meu acesso de
raiva. Fiquei temerosa em nã o conseguir o seu perdã o, mas ela aceitou
de bom grado, dizendo que me entendia. Por vezes, esqueço-me de que
ela é uma psicó loga recé m-formada.
Tornar a fazer o uso da medicaçã o me deixou apavorada. Passei um
dia inteiro em negaçã o, me recusava a tomar os remé dios, pois sabia
como os efeitos colaterais me afetavam.
Depois de conversar com meu psiquiatra, o doutor Freud, consegui
colocar minha cabeça no lugar e aceitar o que era certo.
E difı́cil. Todos os dias sã o uma luta constante. Alé m de sentir meus
hormô nios à lor da pele, tem os efeitos colaterais. Perco o sono com
facilidade.
Qualquer movimento que Trenton faz na cama me tira do sé rio.
Tanto que, na ú ltima semana, pedi para que ele dormisse na sala, pois
nã o suportava senti-lo virando de um lado para o outro. Mas está dando
certo. Nã o sinto mais aquele medo e ansiedade constantes. Nã o penso
que tudo irá dar errado. Estou mais... tranquila? E, essa seria a palavra
correta.
Nesse momento, seguro minha risada ao ver Trenton tã o
concentrado em um livro que Bryan lhe deu sobre gestaçã o e outros
a ins. O tı́tulo é engraçado, chama: “Virei pai sem querer. E agora?”, mas,
segundo ele, o conteú do é bom. No inal das contas, isso é o que
realmente importa.
— Nunca havia te visto lendo um livro — comento apó s fechar o
meu notebook. Passei a ú ltima hora escolhendo tecidos para tentar
criar algo. Nã o aguento mais icar parada. — Ele é tã o bom para te
prender desse jeito?
— Mais ou menos. — Sorri, fechando o livro e o deixando de lado. —
E um pouco assustador, detalhado demais, mas acredito que vai me
ajudar mais nesse processo. Você sabia que um bebê usa cerca de oito
mil fraldas até começar a conseguir ir ao banheiro sozinho?
— Oito mil? — Arregalo os olhos perante a informaçã o. — Cacete,
nã o imaginei que fossem tantas.
— Pois é . E eles nã o produzem lá grimas logo nos primeiros meses
de vida. Ou seja: as choradeiras sã o falsas.
— Em que contexto o livro encaixou essas informaçõ es?
— Tem uma sessã o de curiosidades no inal, pulei para ela porque
iquei... curioso.
— Trenton! Leia ele por inteiro, depois as curiosidades. — Rio,
checando o horá rio no meu celular, vendo que falta vinte minutos para
nossa consulta. — Precisamos ir, senã o vamos nos atrasar.
— Ainda nã o acredito que vou conseguir ver nosso bebê hoje — diz
empolgado apó s se levantar, aquecendo meu coraçã o. — E estranho? Só
vi ultrassons pela televisã o. O gel é mesmo gelado?
— Estranho nã o seria a palavra correta. E diferente. Você vai
conseguir ouvir o coraçã ozinho batendo — explico enquanto
caminhamos até o carro, nos ajeitando nos bancos em seguida. — Sim,
gelado pra caramba. Chega a ser gostosinho de sentir.
— Nossa, isso tudo ainda parece um pouco surreal — comenta com
um sorriso verdadeiramente animado. Gosto de vê -lo assim. Feliz, leve,
dedicando seu tempo a nossa relaçã o. — Mas estou empolgado.
— Eu també m.
Trocamos sorrisos singelos antes de seguirmos para o consultó rio.
Desde quando decidi dar um novo recomeço para a minha vida, Trenton
e eu ainda nã o tentamos nada româ ntico. Nos primeiros dias, pedi para
ele me deixar dormir no quarto sozinha, pois precisava de privacidade
para pensar e absorver a sequê ncia de acontecimentos que haviam
discorrido. Ele se mostrou compreensivo, aceitando sem hesitar.
Poré m, apó s mais ou menos uma semana, disse que poderia voltar
até seu quarto. Nosso quarto. Estava mais calma, segura de meus
pensamentos e decisõ es. Só que ainda nã o nos tocamos. Nã o nos
beijamos. Nã o izemos absolutamente nada, para ser sincera. Vez ou
outra ele me abraça discretamente. Vez ou outra faço o mesmo. Quando
estamos deitados, assistindo televisã o, costumo apoiar a cabeça no seu
ombro para manter o contato fı́sico. E estranho estarmos nos
estranhando dessa forma. Mas, sei que ainda temos muito tempo pela
frente. Nã o tenho pressa, quero que as coisas aconteçam de forma
natural, divertida, no tempo e momento certos.
Por sorte, chegamos bem no horá rio marcado, entã o logo somos
encaminhados para a sala de atendimento. Me deito na maca, olhando
para Trent, que corre seus olhos curiosos pela sala enquanto rio
internamente, segurando sua mã o em um gesto de conforto.
— Nunca tinha entrado em um consultó rio de obstetra antes. Pensei
que encontraria paredes rosas, imagens de grá vidas felizes. Mas até que
esse lugar é meio mó rbido.
— Mó rbido? — Ergo as sobrancelhas antes de soltar uma risada
alta. — Por quê ?
— Nã o sei... essas paredes brancas, quadros indicativos.
— E um consultó rio normal, bobinho. Paredes rosas e quadros de
grá vidas felizes devem ser proibidos por lei.
— Tem razã o. Até que esse espaço é um pouco reconfortante.
— Boa tarde, Jessamine — cumprimenta-me a doutora Vanessa,
entrando na sala, chamando nossa atençã o. Ela passa seu olhar de mim
para o homem que está ao meu lado, abrindo um sorriso verdadeiro. —
Você deve ser o Trenton, certo?
— Sim, sou eu. — Ele se levanta, estendendo a mã o para
cumprimentá -la. — E um prazer inalmente te conhecer.
— Digo o mesmo.
— Está animado para conhecer seu ilho?
— Muito mais do que você possa imaginar. — Suspira, fazendo com
que nó s duas soltemos uma risada. — Pai de primeira viagem, aprendi
esse termo recentemente.
— Já é um bom começo! — Vanessa lhe entrega um sorriso gentil,
subindo minha camiseta.
O olhar curioso que o vejo dar para cada um dos movimentos da
mé dica aquece meu coraçã o. Ele está realmente interessado nesse lance
de gravidez, gestaçã o, semanas. Coisas que até eu mesma me perco em
grande parte do tempo. Dou um riso fraco ao sentir o creme gelado se
espalhando, olhando atentamente para a tela, abrindo um sorriso
gigantesco ao ver nosso bebê , que mais parece uma ameixa, paradinho.
Em contrapartida aos meus sentimentos de mã e emocionada, seguro a
risada ao ver a reaçã o de Trenton. Meu... companheiro está petri icado.
Olhando para o ultrassom como se fosse a coisa mais incrı́vel, rara e
assustadora no mundo.
— Esse é o bebê de você s — a mé dica informa, apontando a tela. —
Por ter acabado de entrar na dé cima terceira semana de gestaçã o,
poderemos descobrir o sexo na pró xima consulta. Se for de sua
vontade, é claro.
— Viu só ? Te falei que era minú sculo.
— E tã o... pequeno. Bem menor do que eu imaginava. Nã o podemos
ouvir o coraçã o batendo?
— Claro! Peço desculpas, esqueci de ligar essa parte do aparelho. Só
um minuto.
Ela se estica para apertar o botã o. Apó s alguns segundos, escutamos
o som de batidas fortes preenchendo o ambiente. Quero rir. Chorar.
Abraçá -lo. Agradecer por estar me proporcionando esse momento tã o
ú nico. Ele aperta minha mã o, tornando a me encarar, apoiando o
polegar pela minha bochecha em um carinho reconfortante.
— Tudo parece tã o real agora — sussurra, intercalando seus olhares
entre mim e o ultrassom. — E incrı́vel. Incrivelmente indescritı́vel.
— Muitos pais só conseguem cair na realidade nesse momento, é
completamente normal — assegura Vanessa. — Mas o seu ilho está
ó timo. Saudá vel, com batidas fortes.
— A minha medicaçã o nã o alterou em nada, doutora? — questiono
preocupada. — Estou tomando corretamente. Seguindo todas as
prescriçõ es. Indo nas consultas. Nã o pretendo falhar como na ú ltima...
— Eu sei disso, Jess — interrompe-me, apoiando a mã o no meu
ombro, notando o quanto esse assunto me deixa desesperada. — E está
tudo bem. Apenas irei te pedir para fazer um exame de sangue, assim
podemos checar se você també m está bem. De resto, pode icar
tranquila. Está tudo dando certo.
— Obrigada, Vanessa. Muito obrigada — agradeço com sinceridade,
escorrendo a ú nica lá grima que cai pelo meu rosto. Não vou chorar. Vou
ser forte. Preciso ser forte. — E sim, gostaria de saber o sexo na pró xima
consulta. Tudo bem? — Direciono meu olhar para o homem que está ao
meu lado, ainda admirando a imagem na tela.
— Claro, minha linda. Tudo o que você quiser.
— Deixarei marcado entã o. Continue seguindo o que lhe foi
prescrito corretamente, e nos vemos no pró ximo mê s. Qualquer
problema, dú vida ou acontecimento, por favor, me liguem. Sabem que
devemos monitorar essa gravidez de perto.
— Pode deixar, doutora. Obrigada mais uma vez.
Sorrindo, ela se despede de nó s com um breve aceno de cabeça.
Saı́mos do consultó rio com um clima mais leve, feliz. Minha respiraçã o
escapa dos meus pulmõ es quando sinto seus dedos entrelaçando-se aos
meus. É um recomeço, penso comigo mesma. Estamos realmente nos
dando uma nova chance. E ao mesmo tempo que esse pensamento me
apavora, me conforta na mesma intensidade. Somos uma famı́lia.
Complicada, desengonçada, mas seremos felizes da nossa maneira.
Porque merecemos ser.
— Vamos lá , Jess! Pare de escolher nomes ridı́culos! — Gargalho
enquanto a vejo perder o fô lego.
Estamos tentando decidir um nome para o nosso bebê . Sei que
deveria ter caı́do na realidade há muito tempo, mas ainda me
considerava levemente incré dulo sobre tudo o que estava acontecendo.
Mas quando o vi, minú sculo, com um batimento cardı́aco tã o forte
preenchendo meus ouvidos, senti algo mudando dentro de mim. Obvio
que já me considerava cem por cento dentro desse lance de
paternidade, fraldas, choros e outros a ins, só que foi diferente.
Inexplicá vel. Unico, como o sorriso que Jessamine está me entregando
agora enquanto procura nomes ridı́culos na internet.
Fazia muito tempo que eu nã o me sentia bem em estar
compartilhando minha vida com outra pessoa.
Quando estamos juntos, raramente penso em Emery. Na verdade,
acho que nunca. Sinto-me tã o absorto nessa relaçã o que estamos
construindo, e nã o quero estragar tudo por um assunto que já foi
encerrado. Tomei minha decisã o. Nã o pretendo voltar atrá s.
Quero sentir meu peito descompassar ao ver seu sorriso como estou
sentindo agora. Quero beijar seus lá bios, seu corpo. Ainda nã o o iz, pois
estou com um leve receio de parecer desesperado ou apressado. Tudo
precisa ser no nosso tempo, com calma. A inal, somos a prova viva de
que coisas apressadas tem tendê ncia a nã o darem certo.
— Estou falando sé rio! — Tentar manter a postura, poré m acaba
rindo da minha feiçã o descon iada. — O que tem de errado no nome
Cleiton?
— Nada, mas vamos concordar que é estranho. Nã o tem apelidos.
— Ló gico que tem! Clei, igual o garoto de 13 Reasons Why.
— Pensei que fô ssemos decidir o nome de menina hoje.
— Nomes sã o nomes, bobinho. Vamos lá , aceite o nosso Cleiton.
— Nunca. Chego no cartó rio antes e registro qualquer outro nome.
— Rio, trazendo-a para os meus braços, querendo mais contato fı́sico.
— Que seja um nome bonitinho, linda. Comum. Tipo... Scott.
— Scott é nome de quem se envolve com drogas, boybands e trá ico.
— Faz uma careta engraçada. — Nosso ilho nã o vai se chamar Scott.
— Ben?
— Hum... gostei. Simples, sutil. Nome de jogador de basquete.
— Viu? Igual o pai. Vai estar no sangue dele. — Me gabo. — O Bryan
me deu uma ó tima sugestã o de nome.
— Ah, posso imaginar. — Rola os olhos, rindo. — Qual é ?
— Brenton.
Ela me encara impressionada.
— Nã o me parece um nome ruim. Na verdade, eu gostei. O que
signi ica?
— Essa é a melhor parte: E a junçã o dos nossos nomes. Bryan e
Trenton. Brenton.
— Nã o, nã o, nã o e nã o! — Jess solta mais uma gargalhada deliciosa
de se ouvir, tremendo seu corpo junto do meu enquanto rimos juntos.
De fato, nã o é o nome ruim, só que seu signi icado deixaria o ego do
meu amigo no paraı́so. — Nem morta! Nosso ilho nã o vai homenagear
ningué m. Muito menos ele.
— Pensei que você tivesse gostado!
— Até saber o verdadeiro contexto. Chega de nomes masculinos.
— Podemos mudar de assunto? Tenho uma coisa mais interessante
em mente para fazer.
— O quê ?
— Beijar você — digo traçando o contorno do seu maxilar, puxando-
a para se sentar no meu colo. — Ou tem alguma sugestã o melhor?
— E... nã o, acho que nã o. — Suspira, apoiando as mã os no meu
ombro. — Pensei que você nã o fosse querer fazer isso tã o cedo.
Franzo o cenho.
— Por que nã o iria querer?
— Nã o sei... estamos começando do zero, certo? Nos ajustando a
essa vida maluca dos seus treinos, minha gravidez e bipolaridade,
remé dios, consultas. E como se tivé ssemos apagado tudo o que
aconteceu antes. Bom, pelo menos eu tenho essa sensaçã o. E nã o quero
estragar tudo. Estou morrendo de tesã o. Quando me disseram que
grá vidas icam com a libido nas alturas, pensei que fosse mentira. Mas
nã o aguento nem ao menos te ver sem camisa que sinto meus seios
dando um alô . Entã o, se nã o for para fazer o serviço completo, pre iro
que nã o me beije. Pre iro esperar até nó s estarmos prontos para...
— Deus, como eu adoro essa sua mania de falar demais enquanto
está nervosa — interrompo-a antes que o assunto se alastre,
acariciando suas coxas, subindo lentamente o short de pijama até estar
agarrando sua bunda. — Eu quero tudo de você , Jessamine. Você por
inteira. Nã o precisa sentir vergonha de querer sanar seus desejos
sexuais. Se tem uma coisa que eu adoro mais do que te ver nervosa, é te
ouvir gemendo meu nome.
Nenhuma palavra precisa ser dita. Ela apenas me encara, ofegante,
trazendo seus lá bios para os meus sem nem ao menos precisar de um
pedido. Ofego, invertendo nossas posiçõ es rapidamente, deitando-me
por cima do seu corpo. Nã o transamos há um bom tempo.
Desde quando nossas vidas mudaram de cabeça para baixo, nã o
tivemos a oportunidade de fazer uma das melhores coisas juntos: sexo.
Posso ter uma lista considerá vel de transas, mas transar com Jess é
incompará vel. Temos uma quı́mica de tirar o fô lego.
Na primeira vez que o izemos, foi um pouco apressado. Mas nas
outras... puta merda. Enquanto desço meus beijos pelo seu corpo,
provando cada pedacinho por qual percorro, me deliciando com seus
mamilos rı́gidos, sinto meu pau implorando por algum alı́vio.
Entretanto, nesse momento, nã o quero pensar em mim. Quero pensar
apenas nela. Nas suas curvas, que se encaixam tã o perfeitamente nas
minhas mã os. Seu cheiro tã o familiar e hipnotizante ao mesmo tempo.
O gemido abafado que senti saudades de escutar ecoando pelo meu
quarto. E, a melhor parte: seu gosto divino contra minha boca.
— Trenton... nã o pare — implora, tentando roçar a boceta na minha
cara. — Por favor, nã o pare.
— Nã o precisa me pedir o impossı́vel.
Lanço um ú ltimo olhar antes de me deliciar com seu sabor. Abrindo
suas pernas, segurando as coxas em um aperto irme, percorro toda sua
extensã o com a lı́ngua, gemendo conforme me aprofundo no seu calor.
Ela puxa meus ios com força, arqueando o corpo na cama, movendo
os quadris enquanto a penetro com dois dedos. Rá pido. Do jeito que lhe
agrada e a faz implorar por mais. Sorrio internamente, circulando seu
clitó ris, sincronizando os movimentos, intercalando entre encará -la
com fome e desviar o olhar.
Estamos sozinhos em casa, logo podemos fazer o barulho que
quisermos. Os gemidos que antes estavam tı́midos, se tornam guturais,
selvagens. Preciso controlar minhas forças para nã o parar o que estou
fazendo, subir, beijar seus lá bios com pressa e a foder. Todavia, nã o
tenho muito tempo para cogitar essa hipó tese, pois, em questã o de
segundos, sinto suas pernas tremerem contra meu rosto, a respiraçã o
icar mais ofegante, mã os praticamente arrancando meus cabelos. Jess
explode em um longo orgasmo, chamando meu nome como se fosse
alguma espé cie de santidade, tremendo, caindo no colchã o
completamente extasiada.
— Cacete, eu estava com muita saudade de sentir seu gosto. —
Limpo meus lá bios, subindo para beijá -la.
Ela sorri maliciosa, alisando meu pau por cima da cueca.
— Estou com muita saudade de sentir você me fodendo.
Antes que nó s possamos nos fundir de fato, ouço meu celular
tocando. Bufo, pegando o aparelho para colocar no mudo,
interrompendo minha açã o ao ver o nome na tela.
Mãe.
— E... é a minha mã e — falo levemente constrangido. — Ela nã o
costuma me ligar com frequê ncia, só quando precisa de algo
importante. Se importa...?
— Nã o, claro que nã o! — assegura com um sorriso gentil, sentando-
se ao meu lado. — Pode levar o tempo que quiser, lindo.
— Você é incrı́vel. — Beijo sua boca mais uma vez, atendendo em
seguida. — Oi, mã e.
— Trenton, querido! Me desculpe por estar ligando tão tarde. —
Apesar de ter sido interrompido em um momento inconveniente, nã o
consigo deixar de sorrir ao ouvir sua voz. — Estava esperando para
ligar amanhã, só que você sabe como sou ansiosa, né?
— E como sei! — Solto uma risada olhando para Jess, que me encara
com curiosidade. — Nã o tem problema, adoro suas ligaçõ es. Posso
saber o motivo desta?
— Sábado terá o festival anual do encontro das vizinhanças aqui no
nosso bairro. Você sabe, todos os velhos juntos fechando a rua, enchendo
de comida, cerveja, conversas iadas e outros a ins.
— Ah, eu amava esse evento quando criança. Era um dos meus
favoritos.
— Então... eu pensei que você poderia vir! E trazer a Jessamine. Talvez
essa seja uma desculpa esfarrapada para conhecer a mãe do meu
netinho? Provavelmente. Mas, por favor, ilho! Acha que consegue?
— Hum... nã o sei, mã e — pigarreio, sentindo o peito acelerar. Nã o
havia pensado nessa possibilidade. Na verdade, pensei que fosse levar
mais tempo. — Vou conversar com ela e te retorno, tudo bem? Nã o irei
prometer nada para nã o te deixar criando expectativas.
— Tudo bem, Trent. Pense com carinho, diga que serei uma ótima avó
e uma futura sogra melhor ainda. Mande um beijo para ela. Se cuide, amo
você.
— També m te amo, até mais.
Encerro a ligaçã o, tornando a icar pensativo. Pode parecer que nã o
quero apresentá -las, poré m é o contrá rio. Quero muito que minha mã e
e Jess se conheçam, gostem uma da outra. Apenas estou um pouco...
nervoso? Sentindo aquele frio na barriga adolescente de apresentar a
primeira namorada para os pais.
— O que ela queria? — questiona curiosa, apoiando a cabeça no
meu ombro.
— Foi um convite, na verdade. — Viro o rosto para encará -la,
acariciando seus cabelos pela nuca. — Estamos convidados para ir até
minha casa no im de semana. Terá um festival de bairro anual, e minha
mã e achou uma ó tima oportunidade para te conhecer. Ela está muito
empolgada.
— Oh... sé rio? Tipo, empolgada mesmo?
— Sim, empolgada mesmo — asseguro. — Inclusive, te mandou um
beijo. O que você acha da ideia? Se for cedo demais, nã o tem problema.
Podemos esperar.
— Eu adorei, para ser sincera. Vamos precisar nos conhecer cedo ou
tarde, certo? Nada melhor do que um festival cheio de comida para uma
mulher grá vida. Mas se você achar que é cedo...
— Entã o vamos, linda. Estou um pouco nervoso, nã o vou mentir,
poré m nã o é aquele nervosismo ruim.
— E o nervosismo de “irei levar a menina que engravidei
acidentalmente para conhecer minha mãe”?
— Exatamente! Pare de ler meus pensamentos. — Rio alto,
meneando a cabeça de um lado para o outro. — Falando sé rio, é quase
isso. Um friozinho na barriga adolescente.
— Bom, pais gostam de mim. Posso garantir que sua mã e irá adorar
me conhecer.
— Nã o tenho dú vidas quanto a isso.
— Podemos dormir? Sei que está vamos no meio de uma... coisa. —
Cora constrangida. — E queria continuar, poré m o peso do dia está
caindo nos meus ombros.
— Com certeza. També m estou cansado — bocejo exageradamente
para fazê -la rir, tornando a me deitar. Diferente das outras noites, trago-
a para perto de mim, inspirando seu perfume e calor familiares. — Boa
noite, Jess.
— Boa noite, Trent — murmura antes de depositar um beijo leve no
meu peito, caindo no sono rapidamente.
“N ,

.”
(A B )

Talvez eu tenha mentido para Trenton quando disse que nã o estava
nervosa sobre essa nossa pequena viagem para conhecer seus pais. Em
minha defesa, nã o foi uma mentira ruim. Apenas estava tentando
transparecer plenitude para nã o o deixar assustado, pois sei o quanto
esse passo será signi icativo. Poré m, conforme percebo que falta apenas
uma hora para chegarmos ao destino, sinto meu estô mago revirar. Creio
que os enjoos de gravidez ocupem oitenta por cento da
responsabilidade, mas os outros vinte sã o totalmente entregues à
minha ansiedade. Nunca conheci os pais de ningué m antes. Nem em um
milhã o de anos imaginei que estaria prestes a conhecer uma mulher
que será avó do meu ilho. Na minha cabeça adolescente, jurava que
seguiria os “passos corretos”: Conheceria um cara legal na faculdade.
Namorarı́amos por um bom tempo, e nesse perı́odo conheceria seus
pais. Depois, ele me pediria em casamento, para inalmente
construirmos nossa famı́lia. Só que o destino – e minha falta de
responsabilidade – me izeram pular todas as etapas e partir para a
ú ltima.
Consequências, não é mesmo?
De qualquer forma, é tarde para voltar atrá s. E nem quero. Respiro
fundo pela dé cima vez, concentrando-me para nã o vomitar enquanto
ele dirige, falando sobre algum assunto o quanto nã o estou prestando
muita atençã o, pois meu foco é nã o vomitar.
“Não vomite”, repito para mim mesma.
Você já o fez três vezes. Se izer mais uma, ele vai icar preocupado.
Apenas relaxe. Trenton tem uma família normal, e não perturbada
como a sua.
— Jess, está tudo bem? — Seu tom calmo me traz de volta a
realidade. — Estou falando com você há uns trê s minutos, e nã o te vejo
tirar os olhos do painel.
Preciso balançar a cabeça para recobrar a sanidade.
— Tudo! Só estava pensando um pouco, me desculpe. Pode repetir?
— Pensando no quê ? — questiona curioso, apoiando a mã o na
minha coxa gentilmente. — Me diga o que está te a ligindo.
— Nã o é nada de mais... só me sinto enjoada. Um pouco nervosa por
esse lance de pais, festa de bairro, famı́lias felizes e crianças correndo
por toda parte. — Resolvo ser sincera. Se teve uma coisa que aprendi
nos ú ltimos meses, foi que mentiras nã o nos levam para lugar nenhum.
— Nunca tive nenhuma dessas coisas.
— Oh, entendi. Seus pais eram mais caseiros? Do tipo que nã o
gostavam de confraternizar com vizinhos?
Meus pais. Solto uma risada interna ao me lembrar deles. Sempre
considerei nossa relaçã o mais ou menos. Nã o é ramos pró ximos, mas
també m nã o muito distantes. Desde pequena, era considerada como
uma garota independente. Nã o gostava de depender de ambos para
conseguir minhas coisas. Arrumei meu primeiro emprego aos quinze.
Fui pulando de restaurantes em lojas dos mais variados tipos, nã o
posso negar que tenho um currı́culo vasto de experiê ncias. Tanto que,
no meu atual emprego, consigo pegar algumas folgas a mais por ter
trabalhado muito quando cheguei. O apelo de grá vida també m funciona
muito. Minha chefe, Suzanna, é uma senhora rabugenta de sessenta e
cinco anos, que manté m aquela lanchonete apenas por diversã o, já que
nã o precisa disso. E tem mania de contratar mais funcioná rios do que o
necessá rio – o que, na minha opiniã o, é uma desculpa para nã o se sentir
muito sozinha, pois seus ilhos a abandonaram por seu tom amargo –,
entã o por enquanto estou dando sorte, mesmo indo todos os dias e
cumprindo meu turno de seis horas e meia sem falta.
Voltando ao assunto principal: Meus pais nã o sã o pessoas má s. Só ...
só nã o sabem como criar seus ilhos com o que eles precisam: apoio.
Pelo que me lembro, apenas ouvi palavras de conforto deles quando fui
demitida do meu primeiro emprego. Na é poca, achei que sentiam muito
por eu estar triste. Hoje em dia, vejo que era por conta da renda extra.
Mamã e nã o queria ter engravidado tã o jovem. Fui um acidente. O fruto
indesejado de um amor condenado ao fracasso. Meu pai consegue ser
mais esforçado. Eles tentaram de tudo, mas conforme fomos crescendo
e criando independê ncia, meio que nos “deixaram de lado”. Alé m do
mais, minha bipolaridade foi um acré scimo para suas vidas,
principalmente a de minha mã e. Ela nunca soube lidar com o fato de ter
gerado uma ilha mentalmente debilitada. No im, ambos nã o tiveram
um motivo especı́ ico para serem tã o... escrotos. Somente nã o estavam
dispostos a ter ilhos.
Meu amargor cresceu no dia em que a vida de Eleanor mudou por
completo. Quando ela, minha irmã mais nova, vı́tima de um crime
hediondo, cruel e sujo, nã o recebeu nenhum apoio dos pais. Ao invé s
deles lhe apoiarem, garantirem que tudo icaria bem, resolveram
mandá -la para outra cidade. “Recomece sua vida, Eleanor. E tente não
errar mais uma vez”, foram suas ú ltimas palavras no aeroporto. Foi o
meu im. Acredito nunca ter soltado tantos palavrõ es como na noite em
que discutimos o assunto. Consequê ncia: fui expulsa de casa. Poré m,
nã o quis segui-la. El queria um tempo sozinha. Ou seja: vim parar em
Boston, onde minha vida mudou da noite para o dia. O sangue dos
Lanoie está envenenado de azar.
— Eles nã o gostavam de muita coisa. — Forço um sorriso.
Eles não gostavam de nada.
Não deveriam nem gostar de mim.
Tenho meus defeitos. Não posso reclamar tanto. Era tratada pelos
melhores médicos e tomava os melhores remédios que nosso convênio
conseguia pagar.
Mas eles não estiveram lá quando precisei.
Quando El precisou.
E não vão estar quando descobrir que estou grávida...
Porcaria. No momento em que menos espero, a bile sobe com tudo
pela minha garganta. Em um gesto rá pido, consigo alcançar uma sacola
de papel dentre as demais que trouxe para a viagem como garantia,
vomitando com tudo, fechando os olhos ao sentir o ardor me
corroendo.
— Vamos parar um pouco. — Ele recosta o carro no acostamento,
tirando o cinto, acariciando minhas costas gentilmente. — Respire,
minha linda.
— Falar sobre meus pais me deixa um pouco nervosa. — Inspiro e
expiro o ar lentamente, jogando a sacola nojenta fora. — Tá , muito
nervosa. Estar enjoada nã o me ajuda muito a controlar os sentimentos.
— Quer mudar de assunto? Posso te entreter com ó timas piadas.
— Eu te adoro, Trent, mas odeio suas piadas. — Rio fraco, me
livrando do cinto, encostando a cabeça no seu peito. — Me dê um
chiclete e tentarei contar sobre minha famı́lia. Você s precisarã o se
conhecer uma hora ou outra.
— Como quiser, francesa. — Pega um no porta-luvas, entregando-
me em seguida. — E sabor menta.
— Hummm... meu favorito. Obrigada, odeio icar com gosto de
vô mito na boca.
— Pensei que nã o gostasse desse apelido. — Une as sobrancelhas
em descon iança. — Na verdade, achei que odiasse.
— Qual? Francesa?
— Sim. Nas vezes que te chamo assim, nunca a ouço reclamar. Mas
já te vi xingando Alex e Bryan por fazerem o mesmo.
— Gosto de ouvir quando sai da sua boca. — Controlo minhas
emoçõ es para nã o corar. Desde quando iquei tão vulneravelmente
sincera? — E um apelido carinhoso, fofo. Quando sai da boca dos seus
amigos trogloditas, me soa como insulto. Nada contra, gosto de
provocá -los na mesma intensidade.
— Bom saber disso. Irei pedir para eles pararem, agora quero o
apelido só para mim.
— Que tó xico! — brinco, acariciando seus cabelos encaracolados. —
Tem que aprender a dividir.
— Até poderia, poré m recuso a oferta. Obrigado.
— Ainda quer saber sobre meus pais de merda?
— Com certeza, francesa. — Usa o apelido mais uma vez, em um tom
provocativo. — Viu só ? Até rimou.
— Vai se ferrar. — Rolo os olhos, rindo. — Pais de merda talvez seja
um termo exagerado. Eles nã o sã o tã o ruins. Quando é ramos crianças,
tudo parecia à s mil maravilhas. Depois do meu diagnó stico, tudo
começou a se complicar. Eu ouvia algumas conversas deles dizendo que
nã o queriam ter ilhos, que eu fui erro, Eleanor també m... era difı́cil. O
tempo foi passando, o amor parecia estar acabando... você nã o faz ideia
do quanto um casal sem amor afeta diretamente seus ilhos. Pelo
menos, no meu caso. Mamã e começou a perder ainda mais a paciê ncia
comigo. Meu pai, o mesmo. Nas minhas crises, Eleanor me confortava
em cerca de noventa e cinco por cento delas. Ambos foram icando
distantes, ausentes. Se esforçavam de vez em quando, poré m tudo
piorou depois de uma coisa, que nã o contarei o que é por ser pessoal da
minha irmã , aconteceu. E ao invé s dela receber carinho, recebeu
palavras de ó dio, culposas, como se ela tivesse feito algo de errado. Ah,
aquilo foi a gota d’á gua para mim. Os dois praticamente a expulsaram
de casa por um “erro” que ela nã o cometeu, entã o decidi ir embora. Já
nã o é ramos uma famı́lia, de qualquer jeito. El partiu para uma cidade
em busca do seu recomeço, nã o quis segui-la, e aqui estou. Em busca do
meu recomeço.
— Entendi. Bom, alguns recomeços sã o necessá rios, certo? — Me
lança um olhar esperançoso, acariciando a lateral do meu rosto. —
Sinto muito que você nã o tenha tido uma famı́lia boa, Jess. Que fosse
boa o su iciente para o seu patamar. Mas veja o lado positivo: tanto você
quanto Eleanor estã o bem. Felizes, eu espero.
— Somos muito felizes — enfatizo com um sorriso tranquilo pelo
seu toque acolhedor. — Nunca precisamos de muitas coisas. Temos a
nó s mesmas. Ela tem o Chris, eu tenho você . E o nosso ilho. Nã o preciso
de mais nada. Estou longe de ser aquela tı́pica ilha carente e
amargurada. Meu ú nico desejo é dar ao nosso bebê tudo o que nunca
tive.
— E prometo fazer de tudo para o seu desejo se tornar realidade. —
Planta um beijo casto na minha testa, afastando-se, tornando a colocar
o cinto. — Podemos seguir o caminho? Ou quer falar mais sobre o
assunto?
— Nã o, estou farta de falar sobre minha vida. Quero conhecer sua
mã e logo, ela deve ser incrı́vel.
— Olha, nã o é porque ela é minha mã e... mas essa é uma das
melhores caracterı́sticas de Esther Grant.
— Entã o vamos logo.
Esse bairro exala uma energia familiar idê ntica à de ilmes
americanos. Imagine comigo: uma rua fechada, mesas postas diante das
casas, carro com som leve, crianças correndo e brincando em pula-
pulas, barracas in lá veis. Adultos conversando, rindo, bebendo cerveja
enquanto observam seus pequenos se divertirem. Os mais variados
tipos de comidas divididos em cada “setor”, como resolvi apelidar. E
como um cená rio hollywoodiano.
Conforme vamos andando, e cumprimentando vá rias pessoas,
percebo o quanto esse foi um bom ambiente para Trenton crescer. As
pessoas sã o simpá ticas, sorridentes. Nã o tem como icar de cara
fechada aqui.
Começamos a nos aproximar ainda mais do seu lar, que ica
exatamente no meio da rua. Sorrio ao ver o quanto a fachada da sua
casa parece ser reconfortante: pintada de um tom bege puxado para o
marrom, dois andares, acredito ser a maior de todo o bairro,
transmitindo aquela energia de famı́lia. Sua mã e, Esther, está postada
em sua mesa, servindo alguns convidados. No momento que seu olhar
recai sobre nó s dois, congelo. Entretanto, o grande sorriso que
preenche seus lá bios me faz soltar um suspiro internamente aliviado.
— Estava pensando que você s dois haviam me dado um bolo! —
Sorri, abrindo seus braços para abraçar o ilho. — Me segurei para nã o
te ligar. Fiquei preocupada.
— A Jess passou um pouco mal no caminho, resolvemos parar para
ela respirar um pouco.
— Assumo toda a culpa. — Levanto as mã os em forma de redençã o,
brincando, tentando ser comunicativa e nã o tı́mida. — Nã o imaginei
que viajar de carro fosse me deixar tã o enjoada.
— Nã o tem problema, querida! Eu estava doida para te conhecer.
Venha cá . — Ela me puxa para um abraço apertado. Reconfortante,
transmitindo aquela energia de mã e. — Como você é bonita!
Exatamente como Trenton descreveu.
— Oh, nã o sabia que ele tinha me descrito para a senhora. — Olho
para ele com uma sobrancelha erguida.
— Senhora nã o, por favor! Me sinto velha. Pode me chamar de
Esther.
— E claro que descrevi. Queria que ela pudesse te imaginar antes de
ver. — Pisca, dando um beijo leve na minha testa. — Vou cumprimentar
o resto dos vizinhos, ver se acho o pirralho do Christian. Você s icam
bem aqui?
— Claro. Ele está louco para te ver, depois nos encontramos aqui
novamente.
— Até mais, Trent.
Ele sorri para nó s duas antes de sair. Nos sentamos em uma mesa
estilo piquenique, que está com alguns pratos de comida dispostos em
cima dela.
— Talvez eu tenha me empolgado demais na hora de preparar meus
pratos — comenta olhando para eles, servindo-se. — Gosto de cozinhar.
Pode icar à vontade.
— Obrigada. — Me sirvo com uma porçã o de arroz, carne, salada e
alguma coisa que nã o faço ideia do que seja, mas aparenta estar boa
igual ao cheiro. — Você fez algum curso de culiná ria ou algo do tipo?
— Quem me dera ter esse tempo! Meu serviço consome todas as
horas na semana. Consigo aprender durante os dias de folga, assistindo
tutoriais no YouTube. A internet també m salva vidas.
— Concordo plenamente. — Sorrio antes de dar uma garfada na
comida, gemendo com o sabor delicioso. — Uau, o sabor está divino!
Meus parabé ns.
— Obrigada! — Ela sorri gentilmente. — Sã o os pratos favoritos do
Trenton. Sei que ele ainda nã o comeu, muito menos reparou, mas gosto
de fazê -lo se sentir em casa quando vem me visitar.
— Ele adora esse lugar. Durante boa parte do caminho icou me
falando sobre sua infâ ncia, vizinhos, colegas. Me parece ser um bom
lugar para se morar.
— Tivemos muita sorte. Na verdade, nã o sei se “sorte” seria a
palavra certa, porque batalhei como nunca para conquistar o que temos
hoje, entã o acho que mereço um pouco de cré dito. De qualquer forma,
adoro essa cidade. E tudo tã o familiar.
— Você s me passam essa sensaçã o de famı́lia — digo enquanto
observo as demais pessoas ao nosso redor. Casais juntos, curtindo com
amigos, ilhos. Crianças correndo para todos os lados. Grupos de idosos
conversando. Uma comunidade perfeita. — Parece até que estou vendo
um ilme da Net lix.
Esther solta uma risada alta.
— O pior é que parece mesmo. Mas me conte mais sobre você !
Quando Trent me disse que estava saindo com uma pessoa nova, quis
pular de alegria. Imagino que saiba sobre...
— Sobre a Emery. — Minha fala sai em um tom mais cortante do
que o esperado. Gatilho dos infernos. — Sim, já ouvi falar.
Ela parece notar minha amargura.
— Me desculpe, nã o sabia que nã o gostava de falar sobre esse
assunto...
— Nã o, nã o! — interrompo-a, sentindo o arrependimento pesar na
cabeça. — Eu é quem te peço desculpas. Só ... é difı́cil, entende? Eu
nunca quis que isso acontecesse. Nã o me arrependo, foi minha decisã o
continuar com a gravidez e quero ter o nosso ilho sem precisar me
preocupar com os fantasmas do passado. Pode soar egoı́sta, mesquinho,
mas nunca fui tã o sincera. Meu maior medo era Trenton estar comigo
apenas pelo bebê . Nã o por mim. Nã o por gostar de mim. Já vi casais
acreditando que uma criança poderia sustentar um amor. Spoiler: ela
nã o pode. Nada pode. Estamos em uma espé cie de recomeço depois de
algumas coisas darem errado. Mas toda vez que ouço o nome dela, que
penso nela, que penso que ele está pensando nela... Deus, minha cabeça
para. Todo meu corpo para. E ridı́culo, sei muito bem...
— Jess, se acalme. — Apoia a mã o em meu ombro delicadamente.
Quando pisco os olhos rapidamente, percebo que cumpri com minha
mania autodestrutiva: falar tudo o que penso quando me sinto nervosa.
— Está tudo bem. Nã o queria te deixar dessa forma.
— O problema nã o é você . Literalmente, sou eu. — Entrego um riso
triste, baixando o olhar. — Falo muito quando ico nervosa. Nã o quis te
deixar assustada ou preocupada.
— E nã o deixou. Ok, talvez um pouco preocupada, mas nã o
assustada. Gosto de pessoas que falam o que sentem.
— Esses hormô nios estã o me deixando maluca. E meus remé dios
para... para uma coisa que preciso tratar. — Por um breve momento,
penso em contar a verdade sobre meu transtorno. Poré m, ainda nã o me
sinto con iante o su iciente para tocar no assunto.
Por sorte, a mulher ignora as ú ltimas palavras.
— Grá vidas sã o assim. Me lembro de nã o conseguir parar de chorar
por nada nesse mundo. Chorava por nã o conseguir almoçar no meu
restaurante favorito, chorava quando nã o conseguia atender um
paciente. Caramba, eu chorei até quando um residente nã o entregou o
exame de urina no horá rio correto! — Ri, e o som da sua risada me
contagiou. — E uma fase difı́cil. Ardua, complicada. Mas você s estã o
indo bem. E nã o querer pensar em Eme... naquela pessoa — corrige
automaticamente, fazendo-me sentir grata por esse pequeno feito — é
completamente normal.
— Me sinto culpada por carregar esse sentimento. Nã o sei se raiva,
ciú mes seriam as palavras certas, porque nunca a conheci. Todos falam
que era uma pessoa boa, e nã o duvido disso. Apenas quero ser o
presente e o futuro, sem precisar me preocupar com o passado. Ao
mesmo tempo, queria ser aquela pessoa que o apoiaria nos momentos
difı́ceis.
— Esse nã o é o seu papel — declara com irmeza. — Está longe de
ser, querida. Como mã e, entendo perfeitamente o lado de Trenton. Foi o
primeiro amor dele. A primeira garota que me conheceu, que conheceu
nossa famı́lia... e foi uma morte trá gica. Mas eu estou aqui por ele. Os
amigos també m. Se quer um conselho de uma mulher com quase
cinquenta e cinco anos de experiê ncias e vivê ncias é : nã o se machuque
por algo que você nã o está disposta a enfrentar. Você está grá vida.
Provavelmente tem outros problemas da vida para lidar. Ele nã o deve
ser mais um.
— De todos os meus problemas, seu ilho é com certeza o melhor de
todos. — Dou uma risadinha cú mplice. — Ele é incrı́vel, está se
esforçando para ser um bom... namorado, eu acho? Nã o de inimos
ró tulos ainda.
— Ró tulos sã o para adolescentes, adultos apenas juntam as escovas
de dentes. — Pisca, segurando minha mã o. — Tente nã o remoer o
passado. Nunca poderemos voltar atrá s e mudar o que aconteceu.
Devemos seguir em frente e aceitar nosso destino. E o seu destino é me
dar um netinho ou uma netinha para mimar! Estou com saudades de
ter um bebê em casa, chorando com muitas fraldas sujas.
Gargalho com suas palavras.
— Prometo me esforçar para que ele ou ela seja gracioso.
— Nã o precisa. Olhe para o meu ilho, se olhe... você s sã o lindos!
Tomara que tenha a cor dos seus olhos.
— E os cabelos do Trent. Adoro aqueles cachos.
— Uma obra-prima, nã o? Iguais os meus. — Balança os cabelos no
ar, causando-me uma pequena risada feliz. Ela e Trenton sã o muito
parecidos. O tom de pele negro, cabelos escuros, olhos tom de mel.
Esther Grant é uma mulher de tirar o fô lego. — Ele nã o puxou muitas
coisas do pai, felizmente. Apenas porte fı́sico e sexo.
— E que porte fı́sico — falo sozinha. Entretanto, vejo sua risada de
canto de olho, pegando-me no lagra. — Entã o... o que era aquela geleia
vermelha? — Desvio do assunto rapidamente, sentindo as bochechas
corarem.
— Pasta de tomate com tempero e uma pitada leve de alho. —
Ignora meu breve comentá rio com um olhar de parceria. Ainda bem. —
Uma das minhas especialidades. Venha, vou te mostrar o resto das
barracas. — Nos levantamos, prestes a caminhar. Entretanto, quando
levanto, seus olhos se arregalam como duas bolas de cristal. —
Jessamine... você está sangrando?
— O quê ? — Recaio meu olhar para o seu, congelando no mesmo
instante.
Estou usando um vestido bege. E, onde eu estava sentada, há uma
mancha de sangue. Pequena, mas está lá . Sinto-o escorrer levemente
pelas minhas pernas. Meu coraçã o para, meus pulmõ es imploram por
ar e meus olhos quase saltam para fora dos globos oculares.
Não.
Isso não pode estar acontecendo.
Não pode ser o que estou pensando.
— Certo... calma, tudo bem? Muita calma. — Permanece com a voz
tranquila, guiando-me para a sua casa. Estou tã o petri icada pelo
momento, que nã o consigo nem ao menos responder. — Vamos ao
hospital, mas sangramentos pequenos acontecem em algumas
gestaçõ es.
— Algumas... — As palavras saem em sussurro marejado pelas
minhas lá grimas. — Nã o pode ser o que estou pensando, Esther. Eu
nã o... eu nã o posso...
— Respire fundo, Jess. Comigo. Um, dois, respire...
Tento seguir seus passos, mas simplesmente nã o consigo. Sinto meu
corpo icar fraco, minha cabeça pesar e a visã o icar escura. Mil e um
pensamentos circundam minha cabeça ao sentir minha calcinha suja, ao
me sentar no banco de trá s e me perguntar onde está Trenton, onde
está o pai do meu ilho quando mais preciso da sua ajuda. Por que
diabos isso está acontecendo comigo? O que iz de errado? Qual remédio
tomei na hora errada? Se essas são as consequências de ter mentido no
começo da gravidez? Se são as consequências pelas merdas que iz no
passado? Só nã o consigo questionar em voz alta. O estado de choque me
engole.
Me engole tanto que, quando menos percebo, estou apagada
enquanto o carro se manté m em movimento.
E nã o sei se quero lidar com a realidade quando acordar.
“P
?”
(A B )

Hospitais sã o os lugares que mais odeio no mundo.


Uma grande ironia, pois, pelo fato de minha mã e ser mé dica cresci
nesse lugar, mas depois que Emery morreu, nunca mais o vi com os
mesmos olhos. Só consigo me lembrar de sentimentos como dor,
sofrimento. De escutar a notı́cia que minha namorada havia falecido.
Nã o me lembro de momentos bons que tive na infâ ncia, brincando
pelos corredores, conversando com os colegas de trabalho da minha
mã e. E agora, enquanto caminho apressadamente para o quarto de
Jessamine, é inevitá vel sentir toda essa avalanche de sentimentos
novamente.
No momento que soube que ela havia desmaiado pelo choque do
sangramento, que ainda nã o faço ideia do que seja, senti meu mundo
parar por uma fraçã o de segundo. Por vá rias fraçõ es de segundos,
sendo sincero. Vizinhos me ofereceram carona, Ryder també m, mas
precisava dirigir para colocar a cabeça em ordem e me acalmar.
Nã o sei o que pensar, o que esperar. Nã o sei se perdemos nosso
bebê . Se foi apenas um pequeno sangramento que, segundo meu livro,
pode acontecer durante a gravidez. Nã o saber o que pensar me deixa
apavorado. Mesmo encontrando rostos conhecidos ao chegar no
hospital, ignoro todos, indo em direçã o ao segundo andar. Quando paro
na porta do quarto, solto um suspiro aliviado por vê -la viva, dormindo.
Mamã e nota minha presença, andando até mim antes que eu possa
entrar no quarto.
— Ela está descansando — avisa com a voz calma. — Quero te
contar o que aconteceu antes de você entrar no quarto.
— Por quê ? — questiono com os olhos arregalados, sentindo o
coraçã o ameaçar sair da boca. — Foi algo grave?
— Nã o, nã o! Está tudo bem. Os dois estã o bem — assegura, fazendo
com que o peso do mundo desabe sobre meus ombros. Sento em uma
cadeira posta ao lado de fora, deixando o alı́vio me percorrer. — Foi só
um pequeno sangramento de inı́cio de gravidez. Causa inde inida. Nã o é
tã o comum, mas acontece. Como tenho prioridade, o mé dico já a
examinou. Seu ilho está ó timo, Trent. Jess estava um pouco agitada,
inquieta, entã o pediu um calmante e acabou pegando no sono.
— Puta merda. — O peso sai dos meus pulmõ es gradativamente. —
Obrigado, mã e. Por tê -la trazido com tanta pressa e tratado como
prioridade.
— Nã o precisa agradecer, ilho. — Sorri com calmaria, apoiando a
mã o na perna que nã o consigo parar de agitar. — Você está bem? Quer
uma á gua?
— Nã o, obrigado. Só estou um pouco ansioso... sabe que odeio
hospitais.
Ela engole em seco.
— Mas, dessa vez, está tudo bem. Eles estã o bem. Nenhuma tragé dia
irá acontecer.
— E um pouco difı́cil pensar desse jeito quando na ú ltima vez em
que vim em um lugar desses, vi minha namorada morrer — digo mais
rı́spido do que o esperado, arrependendo-me no mesmo instante. — Me
desculpe, nã o quis ser grosseiro. Só é difı́cil nã o misturar as coisas.
— Eu sei, querido. Eu sei. — Aperta carinhosamente meu ombro,
dando um beijo no meu rosto. — En im, preciso voltar para casa e
explicar o que aconteceu. Você ica por aqui?
— Nã o iria para nenhum outro lugar. Quero que ela me veja ao
acordar.
— Otimo. Ah, e mais uma coisa: nã o desconte seu trauma nela. Sei
que é duro, nã o posso imaginar o quanto te dó i, mas Jessamine já está
assustada o su iciente. Se precisar conversar com algué m, por favor, me
ligue.
— Pode deixar, mã e. Nã o farei nada que a magoe.
Não propositalmente.
— Ok, nos vemos mais tarde.
Trocamos um breve aceno. Inspiro e expiro o ar com di iculdade,
balançando a cabeça para dispersar maiores distraçõ es. Nã o posso
surtar agora. Tenho outras preocupaçõ es. Outras prioridades que nã o
envolvem meu trá gico passado.
Entro no quarto lentamente, cabisbaixo, espreitando-me para nã o a
acordar. Poré m, logo ao erguer o olhar, vejo Jessamine com os olhos
levemente abertos, mã os apoiadas na barriga, um sorriso leve e
reconfortante.
— Te dei um susto e tanto, nã o é mesmo? — Dá uma risadinha leve,
tentando se ajeitar na cama.
Aproximo-me, parando ao seu lado, segurando a mã o que ica livre.
— Um puta susto. Se você estava tentando testar meu coraçã o,
francesa, meus parabé ns. Porque nunca o senti batendo tã o rá pido.
— Era o meu objetivo, me desculpe. — Ri, virando-se para me
encarar, traçando um carinho leve pelos meus dedos. — Falando sé rio...
nunca me senti tã o assustada em toda vida. E sozinha.
— Ei, você nã o está sozinha — falo com irmeza, prendendo uma
mecha de cabelo atrá s da sua orelha. — Nunca vai estar. Eu estou aqui.
Minha mã e també m. E o nosso bebê també m. Nada de ruim aconteceu.
— Esse nã o é o problema.
— Entã o qual é ?
— E se eu realmente tivesse perdido o bebê ? — questiona com a voz
embargada, parando de me olhar. — E se, nesse exato momento, eu
contasse para você que nã o irı́amos mais ter um ilho?
— Por que você está pensando nisso? — Devolvo sem entender sua
preocupaçã o.
— Porque eu nã o quero me preocupar em perder duas pessoas ao
mesmo tempo, Trenton. — Suas palavras me chocam. Do que diabos ela
está falando? — Nã o quero me preocupar em um dia acontecer algum
tipo de acidente, perdermos nosso ilho e você també m me deixar. Nã o
posso aguentar isso. Simplesmente nã o posso. Nã o sou forte o
su iciente. Muito menos tenho psicoló gico o su iciente. Quando acordei,
a ú nica coisa que consegui pensar foi que teria que olhar nos seus olhos
e dizer que o ú nico motivo que te manté m preso a mim havia ido
embora. E, consequentemente, te ver indo junto com ele. E també m...
— Eu nunca faria isso. — A frase sai da minha boca no automá tico,
como um mecanismo de defesa. — Nã o estou com você somente pelo
nosso ilho. Ele é um bô nus. Estou ao seu lado porque gosto de você ,
Jessamine. De verdade. No sentido româ ntico da coisa, como te disse. —
Solto uma pequena risada para abafar o clima, sentando ao seu lado,
trazendo-a para o meu peito. — Se nó s perdê ssemos, icaria muito
triste. Desolado, para ser sincero, poré m nã o te abandonaria por nada
nesse mundo. Eu quero estar com você . Ficar com você . Com ou sem
bebê . Sei que nã o sou o melhor... cara do mundo. Tenho completa noçã o
de que ainda tenho muita di iculdade para expressar o que sinto. Que
nã o sou quem deveria ser. Mas eu quero ser o melhor unicamente e
exclusivamente para você . E difı́cil demais acreditar nisso?
— Nã o é essa a questã o... apenas me senti um pouco insegura —
funga, apoiando a cabeça no meu peitoral, secando suas lá grimas. — E
difı́cil demais acreditar nas minhas inseguranças?
— Claro que nã o. Quero que você compartilhe todas elas comigo
sempre que quiser e se sentir confortá vel. Somente nã o duvide do que
eu sinto. Descanse, nã o ique pensando em coisas que irã o te deixar
mal. Falei com minha mã e, acho melhor passarmos a noite lá e irmos
embora amanhã . Estamos sem condiçõ es para pegar estrada.
— Tem certeza de que ela nã o ligará ? Nã o quero ser um incô modo.
— Você pode ser qualquer coisa, minha linda, menos um incô modo.
— Dou um sorrisinho, beijando o topo da sua testa. — Certeza absoluta.
— Sendo assim, podemos ir.

— Pode icar à vontade. Por favor, nã o repare nas minhas fotos de
criança. Estã o todas lindas demais para serem apreciadas — ironizo
apó s abrir a porta, agradecendo aos cé us por esse lugar estar
arrumado.
— Ah, pode apostar que o que eu mais vou fazer é reparar nessas
fotos! — Ela ignora completamente meu comentá rio, pegando o
primeiro quadro que vê à sua frente: nele, estou sentado no colo da
minha mã e, segurando nosso falecido cachorro, com ela beijando minha
bochecha. — Own, que gracinha! Esse era o seu cachorrinho? Bobby?
— Que memó ria boa. — Ergo as sobrancelhas, nitidamente
impressionado. Apenas o mencionei uma vez, em um de nossos
pequenos encontros. — Sim, o pró prio.
— Guardo algumas coisas com mais facilidade. Apenas nã o conte
comigo para aniversá rios. — Sorri, pegando outro e se sentando na
cama – que, para minha sorte, é de casal. Nessa foto, me encontro
sentado na primeira bicicleta que ganhei. — Você parecia ser uma
criança muito feliz.
— Tive uma infâ ncia boa.
— Deu para perceber.
— En im, como você está , linda? — Prendo uma mecha de cabelo
atrá s da sua orelha, analisando cada detalhe do seu rosto. A meu ver,
Jess parece melhor. Mais leve. Calma, tranquila. — Está sentindo alguma
dor? Alguma vontade? Li que grá vidas sentem desejos constantes.
Estou esperando pelo seu.
— Esse foi o presente mais ú til que já te deram em tempos. Me
lembre de agradecer o Bryan depois. — Dá uma risadinha, deitando-se
na cama. — Estou bem, eu acho. Ainda um pouco assustada, mas o
calmante que me deram foi bom. Nã o um dos melhores que já tomei,
mas serviu de algo.
— Um dos melhores? Desculpe, francesa, mas você nã o tem cara de
que usufrui desse tipo de medicamento.
— Ah, sã o meus favoritos. Principalmente quando tenho crises.
Preciso segurar para nã o abrir a boca. A bipolaridade nem se passou
pela minha cabeça.
— Me desculpe, eu nã o me lembrei da...
— Ei, nã o tem problema. — Segura minha mã o em um gesto
carinhoso, trazendo-me para perto, deitando no meu peito. — Eu meio
que gosto disso.
— Do quê ?
— De você nã o se lembrar.
— E por que você gosta? Me parece um pouco estranho. Sem
ofensas.
— Porque é bom estar do lado de algué m que nã o mede palavras
para falar comigo. — Suspira, brincando com minha corrente, caindo o
olhar sobre o cruci ixo de ouro. — Que nã o pensa no que dizer, como
dizer, pois tem medo de me afetar de alguma forma. Obvio, nã o sã o
todas as coisas que gosto de ouvir, e algumas sim precisam de cuidado,
poré m é legal ver que você nã o pensa nisso com frequê ncia. Na minha
condiçã o. Já nã o basta ter de conviver com isso todos os dias, seria um
saco ter de te ver todo preocupado sem motivo. O mal de algumas
pessoas é achar que a bipolaridade me faz ser como um caco de vidro.
Que precisa ser delicadamente cuidado, com palavras certas,
meticulosas. Mas nã o. Eu nã o sou assim. Meu maior medo era te contar
e ver seus olhos mudarem. Eu percebo, Trenton. Percebo como algumas
pessoas me olham quando sabem do meu transtorno. Eleanor, por
exemplo, ainda me olha como se pudesse partir no meio a cada minuto.
— Ela é sua irmã , conviveu com você por anos e deve te amar acima
de qualquer coisa. A preocupaçã o deve ser mil vezes maior.
— Eu sei, e aprecio seu cuidado comigo. Só que eu sou a irmã mais
velha. Deveria estar cuidando dela, nã o o contrá rio. E meio chato nã o
poder assumir sua pró pria funçã o na escala familiar.
Meneio a cabeça de um lado para o outro, rindo de suas palavras.
— De qualquer forma, saber sobre a bipolaridade nã o me faz te ver
de outro jeito. Nã o mudou quase nada, para ser sincero. Apenas tomo
mais cuidado com alguns assuntos.
Jessamine parece entender a ê nfase na ú ltima frase.
— Te agradeço por esse esforço. E meio estranho descrever como
me sinto. Sã o dias e dias, entende? Uns sã o ó timos, outros pé ssimos.
Terrı́veis. Meu humor varia da á gua pro vinho em questã o de segundos.
Me sinto exausta sem fazer nada. Pelo menos, tenho a lanchonete para
me distrair.
— Nã o pensa em sair de lá ? Sei lá , procurar algum outro emprego?
— questiono curioso, afagando seus ios castanhos. — Nã o querendo
desmerecer, poré m você tem muito talento na moda para desperdiçar
anotando pedidos e lidando com os adolescentes idiotas que
frequentam aquele lugar.
— Penso todos os dias, para ser sincera — bufa, sustentando o olhar
para me encarar. — Nã o gosto de lá .
— Entã o por que nã o pede demissã o?
— Por que vamos ter um ilho? — retruca como se fosse ó bvio. —
Crianças exigem mais dinheiro do que pensamos. E muita grana, Trent.
Muita mesmo.
— Você sabe que nã o precisa se preocupar com isso. — Franzo o
cenho. — Meu salá rio como treinador é ó timo. Tirando minhas
economias...
— Nã o vou te deixar pagar tudo sozinho. — interrompe-me. — Nem
fodendo. Ele é nosso bebê .
— Tudo bem, tudo bem! — Ergo as mã os em redençã o, sabendo que
nã o ganharei essa discussã o. — Mas assim, supondo que se demita, o
que faria em seguida?
— Investiria na minha pró pria marca — fala sem pensar duas vezes.
— Na verdade, esse era o meu principal motivo de trabalhar naquele
lugar. Estava guardando dinheiro para fazer esse investimento. Mas...
imprevistos acontecem, nã o é mesmo?
— Sim. Eles apenas nã o deveriam ser um empecilho para
conquistar seu sonho— digo sincero. Nã o queria que Jessamine
precisasse abrir mã o do seu maior investimento por conta do nosso
ilho. Ela nã o precisa disso.
— Ei, ainda tenho tempo para realizar essa conquista. Nã o ligo de
adiar. — Dá de ombros, passando a mã o em uma carı́cia pela minha
feiçã o preocupada. — Nã o precisa se preocupar.
— Nã o estou, linda — minto, depositando um beijo na sua testa. —
Apenas quero te ver conquistando todos os seus objetivos, e, se
possı́vel, te ajudar com isso.
— No momento nã o é . Obrigada pelo apoio. — Me rouba um beijo
inesperado, se aninhando contra meu peitoral em seguida. — Podemos
dormir? Esse dia foi exaustivo.
— E coloque exaustivo nisso — brinco para quebrar o clima,
ajeitando-me na cama. — Podemos. Boa noite, Jess.
— Boa noite, Trenton. Obrigada por cuidar de mim.
— Nã o precisa agradecer. Sempre estarei aqui para cuidar de você .
Sorrindo, ela deposita um ú ltimo beijo na lateral do meu maxilar
antes de se acomodar mais uma vez. Ambos caı́mos no sono
rapidamente, cansados pela exaustã o do dia, aliviados pelo pior nã o ter
acontecido.
“U

.”
(A B )

— Por Deus, Jessamine! Por que você não atende a porcaria desse
telefone?! — Eleanor exclama do outro lado da linha.
Quando pego o celular, percebo que essa já era a quinta ligaçã o.
Tudo bem, já sã o duas horas da tarde, eu deveria estar acordada, mas
que diabos ela quer comigo?
— Experimente icar grá vida e enjoada — resmungo, sentando-me
na cama lentamente. — Sabe, me disseram que os enjoos passariam.
Pura bobagem! E claro que eu faria parte do time das grá vidas que
demoram para pararem de enjoar.
— Oh, me desculpe! — Posso imaginá -la batendo na sua pró pria
testa pelo esquecimento. — Eu me esqueço de que você está carregando
o próximo amor da minha vida.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, nã o conseguindo
controlar o sorriso apó s ouvir suas palavras.
Na semana passada, onde tive minha consulta mais recente,
descobrimos que é uma menina. Menina. Minha intuiçã o e de Trenton
nos diziam que era um menino, poré m os planos do destino
conseguiram nos trapacear mais uma vez. Mas eu seria muito hipó crita
se dissesse que nã o amei saber que é uma garotinha. Minha, ou melhor,
nossa garotinha. Trent está nos cé us. Ele nã o cansa de dizer para todos
os seus amigos que teremos uma ilha, já está pensando nas roupinhas,
acessó rios que teremos de comprar. Escolhendo nomes. Chegou mesmo
até a fazer uma lista, onde passamos horas tentando encontrar um que
nos agradasse, sem sucesso até agora. Tudo está indo bem.
Finalmente, depois de meses, sinto que as coisas estã o se
encaixando no rumo que deveriam ser. Somos um bom casal. Nos
gostamos. Fazemos um sexo de tirar o fô lego todos os dias. Mais de uma
vez. Minha vida nã o poderia estar melhor.
Então por que, no fundo, sinto que algo de ruim vai acontecer?
— Nã o tem problema, maninha. Nó s te perdoamos.
— De qualquer forma, precisamos conversar. Assunto sério, então, se
for vomitar, ique perto da privada.
— Nã o me sinto enjoada há um bom tempo, mas vou me prevenir —
digo me levantando da cama apó s me espreguiçar, indo até o banheiro,
sentando-me no chã o pró xima à privada. — Pode falar.
— Eu acho que a nossa mãe sabe que você está grávida.
Meu mundo para por uma fraçã o de segundo. Quando menos
percebo, sinto meus olhos arregalarem, quase saltarem da ó rbita. Como
ela sabe? Como poderia descon iar? Nã o contei para mais ningué m.
Obvio, eu planejava e ainda planejo contar, mas quando me sentir
pronta. E ainda nã o me sinto.
Estou fodida.
— Por que você acha isso? — pergunto com a voz trê mula,
segurando o celular com força. — Alguma razã o especı́ ica? Ela disse
algo?
— Não necessariamente. Mas ela me ligou dizendo que estava com
um pressentimento a seu respeito. Contou que você não atende mais as
ligações e as mensagens são curtas. Ela nos convidou para ir passar o im
de semana lá na próxima semana...
— Nã o. Nem fodendo. — corto-a. — Nã o posso aparecer em casa
com essa barriga de grá vida. Por mais que nã o esteja enorme, nã o
consigo mais esconder com facilidade.
— Jess... não quero que pareça que estou do lado dela, porque nunca
estarei, mas não acha que está na hora de contar a verdade de uma vez?
— Nã o.
Ela bufa.
— Qual é, sis. Uma hora ou outra o assunto viria a calhar. Ela pode
ser uma vaca, só que ainda é nossa genitora. O que pode acontecer de
pior além dela dizer que não irá te dar apoio?
— E... isso é o pior que pode acontecer? — Devolvo o ó bvio. — Olha,
El, eu sei que mamã e errou feio com você . Poré m, ainda sinto aquela
vontade completamente chata de querer deixá -la orgulhosa. De querer
fazer com que ela sinta orgulho de mim. Aparecer com um ilho que
nem sequer foi planejado nã o vai me ajudar.
— Ah, vai se foder! — rosna, provavelmente revirando os olhos. —
Essa foi a merda mais absurda que escutei saindo da sua boca. E nem
tente culpar os hormônios.
— Eleanor...
— Não, Jessamine. Agora você vai me escutar — interrompe-me,
fazendo com que eu cale minha boca no mesmo instante. — Nossa mãe
é uma vaca. Não digo apenas pelo que aconteceu comigo, mas sabemos
que ela é. Você não pode esconder isso até o bebê nascer. Bom, até pode.
Só que eu te conheço e sei que não é sua escolha. Você está com medo.
Medo da rejeição. Medo dela fazer você se sentir sozinha como fazia na
sua infância, quando eu não tinha idade o su iciente para te mostrar que
estava lá.
— Você sempre mostrou, irmã zinha — falo chorosa, misturando
meus hormô nios com gatilhos familiares. — Sempre. Nunca duvidei do
seu amor por mim.
— Ainda não era o su iciente. Por Deus, Jessamine. Você é uma mulher
adulta incrível. Responsável. Que vai ser uma mãe extraordinária. Se ela
ousar discordar, eu estarei lá para discutir.
— Nã o quero te ver brigando com a mamã e por minha causa.
— Nada que nunca tenha feito por mim. Tô falando sério, pense no
assunto.
— Se eu recusar, vai icar ainda mais ó bvio que estou escondendo
algo, nã o é mesmo?
— É. Ela não é boba, muito menos ingênua. Infelizmente. — Soltamos
uma risadinha ao mesmo tempo. — Tome um tempo e decida o que
fazer. Traga o Trenton, vocês dois podem icar aqui comigo e com o Chris
por uns dois dias antes de irmos para o inferno.
— Jura? Nã o iremos incomodar?
— Nunca, sister. Todos precisam de um preparo básico antes de irem
à nossa casa.
— Tudo bem... vou pensar. Obrigada, Eleanor. Por tudo.
— Não agradeça. Eu te amo, nos falamos depois.
— Eu també m te amo. Até .
Em um suspiro pesado, numa tentativa boba de aliviar um pouco do
peso do peito, encerro a ligaçã o. Por sorte, nã o vomitei. Ainda. Levanto-
me lentamente, com medo de sentir a pressã o caindo e caminho até a
cozinha. A casa está vazia, levando em consideraçã o que Trenton saiu
para trabalhar nos treinos, Alexander está com Dominique, e Bryan...
bom, nunca sabemos onde ele está .
Abro a geladeira, pegando um pedaço de melancia e um copo de
á gua. Sento-me no sofá , zapeando pelos canais da televisã o em uma
tentativa de distrair a cabeça, mesmo sabendo que estou fazendo em
vã o. Simplesmente nã o consigo parar de sofrer por antecipaçã o. De
pensar nas mil e uma possibilidades que me cercam. Como será sua
reaçã o? Mamã e irá surtar, com certeza. E me xingar. Ah, como ela vai me
xingar! Talvez na presença de Trenton ela se comporte. Ou nã o. Sejamos
francos: claro que nã o. Ela vai xingá -lo també m. Culpá -lo pelo “estrago”,
nome prová vel que irá dar para o meu ilho. Entretanto, nã o irei
aguentar calada. Sinto-me pronta para discutir. Para enfrentar esse
demô nio.
Falando desse jeito, parece que minha mã e é a pior mulher do
mundo. E nã o é . Ellis Lanoie tentou por muito tempo. Todavia, para ser
sincera, acredito que ela nunca quis ter ilhos. Duas, ainda por cima. E
suas tentativas de ser uma boa mã e apenas a frustraram. Pelo menos,
meu pai poderá apaziguar. Ou manter sua postura de cachorrinho da
dona e icar calado, como no acontecimento de Eleanor. Em suma, tudo
pode acontecer, apenas indo até lá para descobrir.
Quando sinto meu corpo relaxar, quase pegando no sono pelo efeito
do pico de ansiedade ter passado, ouço a porta se fechar bruscamente.
Assustada, sento-me no sofá em um pulo, vendo Bryan andar a passos
pesados até a cozinha. Ele nem ao menos nota a minha presença,
retirando uma garrafa de cerveja do congelador, apenas me olhando
quando se vira para vir até a sala.
— Ah, merda. Me desculpe, Jess. Pensei que estivesse sozinho — diz
com a voz levemente... embargada? Nã o, devo estar icando maluca.
— Sem problemas. — Lhe entrego um sorriso gentil. — Você está
bem?
— Sinceramente? Nã o. — Ele sorri fraco, sentando-se ao meu lado.
— Estou chapado, só para constar.
— E quando você nã o está ? — Rolo os olhos dando uma risadinha,
voltando a atençã o para o rapaz. — Quer me contar o que aconteceu?
— Nã o sei... está disposta a ouvir minhas asneiras que podem ou
nã o fazer sentido.
— Nã o tenho muito o que fazer no momento. — Dou de ombros. —
Trenton está trabalhando e precisarei ter uma longa conversa familiar
quando ele voltar, entã o... sou toda ouvidos.
— Certo. — Bryan suspira pesadamente, apoiando os cotovelos no
joelho, sem me encarar. — O que fazer quando se pega nitidamente
apaixonado por uma pessoa, mas o sentimento nã o é correspondido?
Por essa eu nã o esperava.
— E... acredito nã o ser a melhor para te ajudar nesse quesito. E
basicamente minha histó ria de vida atual.
— Oh, verdade. Me desculpe. — Solta uma risada nervosa. — Mas o
Trent se esforça para corresponder o sentimento, nã o é mesmo? Nã o
como se fosse uma obrigaçã o ou algo do tipo, mas ele tenta porque quer
fazer dar certo.
— Sim, nã o posso negar. O amor é uma via de mã o dupla. Ou as duas
pessoas estã o envolvidas, ou nada funciona. Ningué m deveria amar
sozinho.
— Uau. Isso é tã o... real.
— Pois é , meu amigo. Me pego cada vez melhor em lidar com a
realidade.
— En im, voltando ao meu problema: estou completamente
apaixonado por uma garota. Ela é ... indescritı́vel. Eu poderia passar
horas te falando de cada detalhe a seu respeito. Cada curva que
memorizei. Cada risada, sorriso, conversas sinceras, absolutamente
tudo. Poré m, o sentimento nã o é correspondido. Porque ela nã o pode
me amar.
— Como assim, “não pode te amar”? — Encaro-o sem entender. —
Todos somos capazes de amar.
— Eu sei. Mas é complicado. Nã o posso te contar, porque alé m de
ser algo que nã o me diz respeito, nã o faço ideia do que seja. Apenas sei
que é algo que a impede de fazer tal ato.
— A melhor soluçã o, nesse caso, seria partir para a pró xima. Se ela
nã o pode corresponder o sentimento, encontrará algué m que consiga.
— Esse é o problema: nã o quero parar. Nã o quero me
“desapaixonar”. Pelo simples fato de saber que posso dar o mundo para
ela, se for permitido.
— Nem todas as pessoas querem o mundo. Poré m, se você nã o quer
parar... tente demonstrar com sutileza. Sem grandes gestos exagerados.
Apenas se for do gosto dela, é claro. Faça-a a se sentir segura. Você é um
menino bom, Bryan. De bom coraçã o. Merece algué m que te valorize na
mesma intensidade.
Ele sorri, atento as minhas palavras.
— Obrigado, Jess. Você é uma menina muito sá bia. E boa també m.
— Preciso ser um pouco mais responsá vel, nã o é mesmo? — Apoio
uma das mã os na barriga, indicando minha ilha. — Ela precisará de
mim pelo resto da vida.
— Falando nela, já escolheram o nome?
— Ainda nã o, estamos num impasse dos infernos. Nã o imaginei que
fosse ser tã o difı́cil e divertido escolher um nome. A inal, ele de inirá
tudo. Nomes deveriam ser mais importantes.
— Bom, sugeri Bryanna, mas nã o quis aceitar...
— Bryan! — Des iro um tapa levemente brincalhã o no seu ombro, e
caı́mos na gargalhada. — Nã o vamos homenagear a nossa ilha com seu
nome. Desista, lindinho.
— Uma pena. Ficaria lindo. — Faz um bico exageradamente
tristonho. — Vou subir, te deixar em paz com seus pensamentos. Boa
conversa sobre questõ es familiares com o Trenton.
Faço uma careta ao me lembrar do assunto. Por um momento, havia
me esquecido.
— Obrigada, vou precisar. Nos vemos no jantar.
Meu amigo acena com a cabeça antes de se retirar até seu quarto.
Tento relaxar a cabeça no sofá , balançando incessantemente meus pé s,
pensando em como contar a Trenton que precisaremos fazer uma
viagem familiar, onde contarei toda a verdade a minha mã e, que pode
ou nã o surtar e perder o controle.

Nossos “jantares em família”, como os meninos costumam nomear,


sã o leves e divertidos. Na maioria, engraçados. Muito engraçados. Bryan
e Trenton sã o como palhaços de circo. Vivem zombando da cara de
Alexander sobre seu passado com Dominique, sempre que há alguma
brecha ou oportunidade. Contam as histó rias das noites de sexo e
gemidos altos que, segundo eles, tinham a infelicidade de escutar cada
orgasmo. Alex, em sua defesa, també m nã o ica por trá s, contando
histó rias hilá rias sobre os dois amigos. Histó rias que nã o me dã o
ciú mes, mas sim, felicidade de estar sabendo um pouco mais sobre a
vida pessoal de Trent, ainda que indiretamente.
Nã o conversamos muito a respeito do nosso passado. Nosso foco
sempre foi o presente e futuro. Até gosto disso, poré m també m quero
contar um pouco da minha vida. Encontros fracassados. Primeiros
beijos, primeiras vezes. Pessoas que estã o se relacionando sabem disso,
certo? E o mı́nimo. O bá sico para se começar algo.
Entretanto, nã o posso me preocupar com esses pequenos detalhes
agora. No momento, estou andando de um lado para o outro no quarto,
usando meu pijama de passarinhos rosa enquanto o espero sair do
banheiro. Essa conversa nã o deveria me deixar tã o ansiosa. Sã o meus
pais, caramba. Minha famı́lia. Deveria ser fá cil. Eles podem nã o gostar,
mas eu queria ter a segurança de que estariam do meu lado
independente de qualquer coisa. Pelo menos, sei que terei Eleanor
junto comigo por todo sempre. Esse simples fato me passa alguma
segurança.
— Esse é o pijama mais ridiculamente sexy que já vi na vida —
comenta, correndo os olhos pelo meu corpo.
Sorrio, devolvendo o mesmo olhar, me segurando para nã o o secar
por muito tempo. Trenton está usando apenas um short, sem camiseta.
Seu peitoral musculoso e convidativo olhando para mim. Deus, como
sinto vontade de transar. Minha libido está nas alturas, nunca a vi tã o
desenfreada. Por um segundo, penso em deixar nossa conversa de lado,
agarrar seus mú sculos e cavalgar no seu colo até dizer chega.
Quando foi que me tornei tão pervertida?
São os hormônios, Jessamine. Sempre culpe os hormônios.
— Ele é confortá vel, isso que importa. — Mostro a lı́ngua feito
criança, deitando de barriga para baixo, dando uma leve empinada
proposital.
Trent suspira.
— Sei que precisamos conversar, mas você está me distraindo.
— Eu? — Ergo as sobrancelhas, ingindo estar ofendida. — Nã o iz
nada!
— Imagina se izesse. — Solta uma risada descrente, deitando-se ao
meu lado na mesma posiçã o. Como sempre, prendendo uma mecha de
cabelo atrá s da minha orelha. — En im, vamos direto ao assunto. Sem
mais distraçõ es.
— Seria errado optar pelas distraçõ es?
— Sim e nã o. Sim porque sã o ó timas distraçõ es, nã o porque você
estaria fugindo de algo que nã o quer me contar, mas sabe que precisa.
Touché!
— Hum, tem razã o.
— Diga no seu tempo, minha linda. Nã o me importo de icar
esperando.
Abro um sorriso pequeno. Respirando fundo, penso no que dizer.
Como dizer. Nã o posso falar demais, revelar o segredo de Eleanor, pois
nã o me diz respeito e sei que é um assunto delicado para ela. Nã o que
Trenton vá contar para algué m, poré m preciso preservar a integridade
da minha irmã . Droga, essa conversa não deveria ser di ícil. Ao contrá rio.
Deveria ser leve, como quando ele me chamou para conhecer sua mã e.
Cada um com a famı́lia que foi destinado a ter, nã o é mesmo?
— Precisamos conhecer meus pais — falo em um rompante, de
olhos fechados, sentindo um peso gigantesco sair dos meus ombros. —
No pró ximo im de semana, de preferê ncia.
Quando os abro, ele está me encarando confuso.
— Hum... Ok, Jess. Nã o vejo onde isso é um problema.
— Sã o os meus pais, Trenton. Esse é o problema. Eles sã o... difı́ceis.
E nã o sabem que estou grá vida.
Sua boca se abre em um pequeno “O”.
— Certo, entendi. Sã o religiosos? Rigorosos? Os dois?
— Nã o sei dizer ao certo. Sã o apenas eles, entende? Nunca nos
deram apoio. Quando Eleanor mais precisou... — Engulo em seco com a
lembrança, com o amargor do rancor me descendo pela garganta. — Os
dois apenas a julgaram, nã o ajudaram. Por isso somos tã o apegadas
uma na outra. Ela cuida de mim, eu cuido dela, desde sempre. E estou
com medo. Medo de julgamentos, crı́ticas. Apesar da má goa, eles ainda
sã o meus pais. Ainda sinto aquela vontade dos infernos de orgulhá -los.
Nã o faço a menor ideia de qual será a reaçã o.
— Mas você está feliz com sua decisã o, nã o está ? — Me encara
pensativo. — Digo, de ter icado com o nosso ilho.
— Claro que sim! — Sento-me na cama em um rompante. — E uma
das melhores escolhas que já iz na vida. Nã o me arrependo, nã o
voltaria no tempo e mudaria nada.
— Entã o isso já basta, linda. — Senta-se junto comigo, puxando-me
para os seus braços em uma tentativa de conforto. Agradeço
mentalmente. — Se eles gostam ou nã o, que se fodam.
— Pra você é mais fá cil falar, Trent. Sua mã e é incrı́vel. E te ama
acima de qualquer coisa.
— Eu sei, mas minha situaçã o é diferente da sua. Entendo sua
preocupaçã o, e estarei do seu lado o tempo todo. Poré m, se os dois
resolverem bancar os babacas, nã o quero te ver triste.
— Meus pais nã o me entristecem há um bom tempo.
— Nã o? Entã o por que está tã o preocupada?
— Porque... nã o sei! — bufo com uma risadinha para quebrar o
clima. — Pare de me ler com tanta facilidade.
— Pare de deixar seus sentimentos tã o ó bvios. — Dá risada,
beijando o topo da minha testa. — Estou falando sé rio, Jessamine.
Vamos nessa viagem. Prove para eles a mulher incrı́vel que você se
tornou.
— E se eles nos al inetarem? Nã o quero te deixar estressado por
conta da minha famı́lia.
— Nó s devolvemos no mesmo tom. Ou ignoramos, o que achar
melhor. Prometi que faria qualquer coisa por você , e vou cumprir.
— Qualquer coisa mesmo?
— Absolutamente.
— Entã o, por favor, pare de falar e me beije.
Nã o preciso dizer nem pedir mais absolutamente nada, pois Trent
une nossos lá bios e me beija com volú pia, sabor, desejo. Virando nossos
corpos na cama, contornando a boca por todo meu corpo, faz-me sorrir
ao pensar que nossa noite será muito longa.
“E, ,

.”
(A B )

Observar Jessamine durante uma viagem é algo particularmente


encantador, pois ela nã o parou quieta nem por um segundo sequer.
Desde quando colocamos nossos pé s nesse aviã o, nã o consegui desviar
minha atençã o de suas atitudes. Ora mexendo no celular
freneticamente, jogando seus jogos que, segundo ela, sã o para “acalmar
seus ânimos de mulher grávida”, depois conversando comigo, depois
comendo um pacote inteiro de salgadinhos em dez minutos. Isso
porque estamos indo para a nossa primeira parada: a casa dos pais de
Chris, tendo em vista que Eleanor praticamente mora lá .
Pelo que iquei sabendo, o moleque mora em uma espé cie de
mansã o. Nã o esperava menos, já que sua famı́lia deve herdar uma
fortuna que seria capaz de comprar minha vida. De qualquer forma, sei
que seremos bem recebidos. Eles aparentam serem pessoas educadas.
Como minha curiosidade falou mais alto, iz algumas pesquisas a
respeito de seu histó rico familiar. Consequentemente, descobri que
seus avó s, Amé lia e Connor, sã o cirurgiõ es altamente renomados e
premiados. Os melhores tanto dentro como fora da regiã o. Enquanto
sua mã e, Emma Whasten, é empresá ria, dona de uma das maiores
marcas de vestuá rio de Londres. Marca que, inclusive, Jess possui
grande admiraçã o. Depois que contei para ela sobre esse fato, nunca a
vi tã o empolgada.
— E a Emma Whasten. Whasten, Trenton! — exclama de boca cheia
apó s morder uma barrinha de cereal sabor chocolate. — Você tem
noçã o do peso desse sobrenome?
— Hum... nã o. Nenhuma. — Rio, limpando o cantinho da sua boca.
— Quer me explicar?
— Ela é simplesmente a maior empresá ria no ramo de moda de
Londres! E em pouco tempo conquistou o mundo atravé s de algum
acontecimento trá gico, o qual nunca é citado em nenhuma de suas
entrevistas. Mas, segundo Emma, foi o que mais lhe serviu de
inspiraçã o para seguir em frente com seu sonho.
— Uau, ela me parece ser incrı́vel.
— Nã o só parece, como é . Em algumas horas estarei cara a cara com
a mulher que passei anos da faculdade admirando. O que devo dizer?
Bancar a fã nã o vai ser legal. Posso ingir que nã o a conheço. Ou ingir
que conheço um pouco do seu trabalho e admiro. Merda! Nã o sei o que
fazer.
— Primeiro: relaxe, minha linda. — Sorrio, prendendo uma mecha
de cabelo atrá s da sua orelha. — Nã o tem problema bancar a fã . Apenas
nã o seja aquela fã chata, emocionada e puxa-saco. Diga o que você gosta
no trabalho dela, da performance, sei lá , essas coisas de moda. Tecidos e
etc..
— Moda nã o é só tecido, consiste em um estado de vida, escolhas e
apreço pelo trabalho. — Pisca, descansando o rosto na palma da minha
mã o. — Nã o consigo te explicar em palavras. Algum dia, te mostro a
coleçã o que estou montando.
— O que você pretende fazer com ela? Vender ou algo do tipo?
— Nã o, nem pensar! Tenho ciú mes das minhas criaçõ es. Ainda
pretendo lançar minha pró pria marca, estou guardando. E aprimorando
quando tenho tempo. Se bem que, agora sem emprego, o tenho de
sobra.
— Sente falta de trabalhar no restaurante?
— Nã o, nem um pouco. — Dá uma risadinha singela. — Odiava
aquele lugar. Ainda me sinto mal por nã o estar ajudando em casa como
ajudava, mas pretendo encontrar algo on-line. Quem sabe, nã o arrumo
uma má quina de costura e começo a produzir algumas peças, monto
uma lojinha pequena. Pelo menos, farei algo que gosto.
— Ei, nã o precisa se sentir assim. Te garanti que os gastos de casa
seriam nossa menor preocupaçã o. Na verdade, te disse para nã o se
preocupar com qualquer gasto.
— Nã o nasci no paı́s das maravilhas, lindo. De onde vim, nã o é assim
que as coisas funcionam. — Suspira pesadamente. — El e eu
trabalhamos desde cedo para conseguirmos aumentar nossa poupança.
Apesar de Christopher, segundo ela, “a mimar mais do que o necessário”,
minha irmã segue conquistando sua pró pria independê ncia. Os Lanoie
sã o assim, pode ir se acostumando.
— Você é um espı́rito livre, minha linda. Faça o que quiser, como
quiser, continuarei aqui. Só te peço para tentar relaxar por enquanto,
evitar estresse. Estamos em uma fase... complicada da vida.
— Complicada? Isso é ser bonzinho! — Ri, meneando a cabeça de
um lado para o outro. — E uma fase... indescritı́vel. Muitas coisas boas e
ruins ao mesmo tempo. Em alguns dias, iremos para uma ruim. Estou
com medo da minha reaçã o, nã o quero me sentir depressiva outra vez.
— Ei, olhe para mim. — Puxo seu queixo levemente, fazendo-a me
encarar. — Infelizmente, nã o posso te prometer que tudo vai dar certo.
Queria muito ter esse superpoder. Mas posso prometer que,
independente do que acontecer, passaremos por isso juntos. Eu e você .
Se a situaçã o icar feia na sua casa, fugimos. Pegamos um voo e
voltamos no mesmo dia, caso seja necessá rio. No inal, tudo dá certo.
— Tomara que dê . Nã o preciso da aprovaçã o deles, mas seria legal
ouvir algumas palavras de apoio. Deve estar me achando louca,
hipó crita, poré m essa é a verdade. Nã o conte para Eleanor.
— Esse segredo está guardado a sete chaves comigo. — Roubo um
beijo delicado dos seus lá bios. — Ainda temos algumas horinhas de
voo. Vem cá , tenta relaxar um pouco.
— Obrigada por cuidar de mim.
— Nã o me agradeça por fazer o mı́nimo, francesa.
Com uma risada abafada, ela recosta a cabeça no meu peito
enquanto enlaço meu braço pelo seu ombro, deixando nossos corpos
abraçados. Dou um beijo na sua testa, colocando um ilme qualquer
para distraı́-la nas horas de voo que nos restam, jurando a mim mesmo
que farei o possı́vel e o impossı́vel para que essa viagem saia
minimamente nos conformes mais decentes.

— Você até que é um bom cozinheiro — comento para Christopher


enquanto jantamos o que ele diz ser sua especialidade: macarrã o à
bolonhesa. — Assim, para um cara que mora com a mã e e nã o precisa
fazer muito esforço dentro de casa. Estou impressionado.
— Ah, vai se foder! — Ele ri, me mostrando o dedo do meio. Desde
quando chegamos há algumas horas, percebi que terı́amos de nos
aproximar, pois Jessamine e Eleanor nã o se desgrudaram nem por um
segundo. Mas, para minha sorte, ele é um garoto legal. Engraçado,
divertido e, ao mesmo tempo, “na dele”. Ainda me pego impressionado
com o quanto seus cabelos sã o ruivos, olhos azuis da cor do cé u. Esse
cara parece um modelo. — Quando sua mã e só sabe praticamente
cozinhar panquecas, você precisa aprender algumas coisas. Meus avó s
que me ensinaram essa receita.
— Entã o, Emma Whasten gosta de panquecas... — Jess sussurra ao
meu lado apó s uma garfada. — Será que cozinhar a inspira?
— Guarde essas perguntas para ela, linda. — Rio, voltando minha
atençã o para o ruivo. — Você també m irá com a gente visitar os pais
das meninas?
— Infelizmente — bufa, rolando os olhos. — Nã o gosto dos pais
delas. Odeio, para ser sincero.
— E é por isso que eu te amo. — El ri, beijando a bochecha do
namorado. — Para passar no meu teste de aprovaçã o com cem por
cento da nota, Trenton, você precisa odiá -los també m. Mas, relaxe, nã o
será uma tarefa difı́cil.
Pelo visto, ela guarda muito rancor deles.
— Nã o posso prometer nada, cunhadinha. Sou uma pessoa muito
empá tica e compreensiva. Está no meu sangue.
— Hum... veremos isso daqui alguns dias. — Cerra os olhos com
descon iança. — En im, vamos mudar de assunto antes que eu ique
nervosa. Qual o seu trabalho mesmo?
— No momento, treinador do time de basquete da universidade.
Meu chefe está icando velho, quem sabe nã o assumo seu posto em
breve.
— E o sonho de ser jogador? — Jess pergunta, voltando sua atençã o
para mim. — Pensei que ainda fosse querer conquistá -lo.
— Nã o é tã o fá cil assim. — Suspiro. — Isso consumiria muito de
mim. Na verdade, nã o sei mais se esse é meu sonho. Muitas coisas
mudaram nos ú ltimos tempos, estou feliz do jeito que me encontro. Por
enquanto, nã o pretendo mudar.
— Tudo isso por minha culpa...
— També m nã o escolhemos nossa especializaçã o — Chris
interrompe Jessamine, recebendo olhares de gratidã o tanto de mim
como de sua irmã . — Já quis ser neurocirurgiã o, mas nã o sei mais ao
certo. Nã o vejo problema de mudar, temos muito pela frente.
— Concordo plenamente. Temos todo o tempo do mundo para
mudar de opiniã o e tomarmos nossas pró prias decisõ es. — Eleanor dá
ê nfase na palavra. — Mas ser treinador combina com você .
— Gosto muito do que faço. Os calouros chegam animados, achando
que sabem de tudo. Mesmo com boa parte deles já obtendo experiê ncia
por treinarem pela bolsa, eles nã o sabem como funcionam os jogos de
universidade. E outro mundo, incompará vel.
— Eu pensei em entrar para o time de futebol quando comecei a
faculdade. Só que tenho dois pé s esquerdos, entã o...
— Um cirurgiã o desastrado? Cara, nã o diga isso. Assim, nã o posso
con iar meus futuros problemas em você — provoco em um tom
zombeteiro. — Pelo menos inja!
Ele solta uma gargalhada.
— Sã o os pé s, nã o as mã os. Sou ó timo com elas.
— E como.
— Eleanor! — exclama Jess em meio a uma risada. — Nã o seja tã o
nojenta, estamos comendo!
— Nã o seja hipó crita, sis! Vai me dizer que nã o aproveita as mã os do
seu namorado sempre que tem a oportunidade? Olhe o tamanho delas!
Deve te fazer um estrago danado.
O rosto de sua irmã enrubesce na mesma hora.
— Pare de me deixar com vergonha, sua boca suja.
— E apenas a verdade. Mentir é feio, nã o dê esse exemplo para a
minha sobrinha desde pequena.
— Você s já escolheram o nome?
— Ainda nã o — ela responde. — Estamos em dú vida, tentando
selecionar os trê s melhores. Desde quando engravidei, está sendo a
parte mais difı́cil. Sou uma pessoa levemente indecisa.
— Levemente? — Ergo as sobrancelhas, descrente. — Você é a
pessoa mais indecisa que já conheci na vida! Quando chegamos a um
consenso de um nome, muda porque achou outro melhor.
— Nã o tenho culpa de haver muitas opçõ es! — Me mostra a lı́ngua.
— Culpe o Google e sua lista com mais de mil nomes.
— Crianças, cheguei! — Uma voz feminina e adulta invade nossos
ouvidos. No mesmo instante, todos nos viramos, vendo Emma, a mã e de
Christopher, entrar na sala. — Meu dia foi uma loucura. Querem uma
dica? Nunca tentem negociar com investidores machistas... — ela para
de falar quando seus olhos recaem sobre nó s. — Oh, nã o sabia que
nossas visitas haviam chegado.
Jovem é a primeira palavra que vem a minha cabeça quando a vejo.
Já havia visto fotos e algumas entrevistas na internet, mas
pessoalmente ela é muito mais bonita. De tirar o fô lego, aquele tipo de
pessoa que ganha destaque por onde passa, ainda que sem querer. Está
usando um terninho azul-marinho, que contrasta perfeitamente com a
cor de seus olhos e o louro dos cabelos, e sorrindo alegre,
principalmente quando Chris entra no seu campo de visã o.
Em uma das conversas que tive com ele, o garoto me contou que é
muito ligado com a mã e. Melhores amigos, assim como sou com a
minha. Poré m, eles tê m uma conexã o diferente. Especial, podendo ser
vista a olho nu.
— Faz algumas horas — Christopher informa, aproximando-se da
mã e, plantando um beijo estalado na testa dela. — Fiz o jantar, os
poupei de experimentarem sua especialidade por enquanto.
— Que afronta! — Emma desfere um tapa leve no ombro do ilho,
rindo. — Minhas panquecas sã o as melhores do mundo.
— Com certeza! E sua ú nica especialidade culiná ria.
— Calado, mocinho! — Tenta fazer uma cara de brava, poré m nã o
funciona. Ela é uma mulher incrivelmente carismá tica e espirituosa. —
Nã o me faça passar vergonha na frente de nossos convidados. Muito
prazer, sou a Emma. Emma Whasten.
— Eu sei. — Jessamine pensa em voz alta, chamando nossa atençã o
apó s nos apresentarmos e a mulher nos cumprimentar com um aperto
de mã o. — Droga, me desculpe. Sou uma grande admiradora do seu
trabalho. Quase fã , na verdade. Li muitos dos seus artigos enquanto
estava na faculdade. Quando descobri que iria conhecer Emma Whasten
em pessoa, e que ela é a mã e do namorado da minha irmã , pensei:
“Nossa, como Deus está sendo bonzinho comigo!”. Ele nã o costuma ser
assim. Mas nã o tenho nada contra, só nã o sou muito religiosa...
Porcaria! Me desculpe de novo, falo demais quando ico nervosa.
— Nã o precisa se desculpar, querida. — Ela sorri, apoiando a mã o
no ombro de Jess. — Fico feliz que você goste do meu trabalho. Meu
principal objetivo com os artigos é incentivar cada vez mais as
mulheres a entrarem no ramo da moda, que, por mais que pela visã o de
muitos é algo “feminino”, nas entrelinhas, sabemos o quanto ele é
machista.
— E muito! Nas poucas conversas que tive com investidores durante
o está gio, me senti uma ameba. Parece que eles fazem isso de propó sito.
— Fazem mesmo. E o mal dos homens, pensam que estã o acima de
tudo e em qualquer situaçã o. Hoje, por exemplo, faltei arrancar a cabeça
de um senhor que estava tentando interferir na minha maneira de
comandar a minha empresa. Poré m, hoje em dia, tudo é mais simples:
apenas o demiti.
Todos soltamos uma risada.
— Nã o te falei que ela é a sogra dos sonhos?
— Essa é a minha meta na vida. Quero lançar minha pró pria marca
algum dia, mas, por enquanto, nã o estou sonhando muito alto. Tenho
outras prioridades no momento.
— Você tem tempo. Quando tinha sua idade, minha vida girava em
torno desse garotinho elé trico e desenfreado — diz dando um apertã o
na bochecha de Christopher. — E nã o me arrependo de ter dedicado um
bom tempo a ele antes de começar a irmar na carreira. O mundo da
moda nunca vai parar, sempre estará se reinventando e renovando com
o decorrer dos anos. Mas os momentos que você terá com seu ilho
serã o ú nicos.
— Filha. E menina — corrige Jess com gentileza, sorrindo. —
Obrigada por essas palavras. Mesmo indiretamente, você disse tudo o
que eu precisava ouvir.
— Nã o foi indireto, Jessamine. Tudo o que faço é milimetricamente
calculado. — Pisca sagaz. — Amanhã , podemos conversar sobre sua
marca. Trouxe algum modelo?
— Trouxe uma coleçã o inteira. — Ri nervosa. — Nã o poderia perder
a oportunidade de te mostrar.
— Otimo! Estou ansiosa para ver um pouco do seu trabalho. Se me
dã o licença, preciso tomar um banho. Podem icar à vontade, sintam-se
em casa.
— Muito obrigado, Sra. Whasten.
— Senhora nã o! — repreende-me. — Me sinto velha. Apenas Emma
está ó timo.
— Tudo bem, Emma. — Dou uma risadinha. — Muito obrigado por
nos receber.
— Nã o me agradeça, Trenton. Boa noite para todos você s.
Ambos nos despedimos. Antes de subirmos para o nosso quarto,
troco um olhar cú mplice com Eleanor, querendo saber se meu plano –
ou melhor, surpresa – está nos conformes. Ela acena que sim com a
cabeça.
Quando chegamos ao cô modo, sorrio ao ver Jessamine encarar
confusa as duas mochilas que estã o postas na cama, virando-se para
mim.
— Por que nossas mochilas estã o aqui? Pensei que tivesse as
guardado no armá rio.
— E guardou. — Pego as duas, entregando uma para ela. — Mas nã o
vamos dormir aqui.
Recebo um olhar perdido.
— Por que nã o? Vamos dormir onde?
— Relaxe, francesa. Apenas feche os olhos e curta a minha surpresa.
“C
,
.”
(A B )

Meu histó rico com surpresas chega a ser tã o trá gico quanto triste.
Certa vez, no meu aniversá rio de quinze anos, Eleanor resolveu me
presentear com uma festa surpresa, convidando as duas pessoas que eu
considerava como meus amigos e alguns de seus colegas para irem até a
nossa casa. E eu não compareci. E, isso mesmo. Dei o bolo na minha
pró pria festa surpresa, porque simplesmente decidi que seria uma
melhor opçã o passar meus quinze anos em um bar qualquer, usando
minha identidade falsa, lertando com velhos pingados e deixando meu
telefone desligado.
Até hoje, pergunto o porquê iz aquilo. Devia estar triste no dia,
levemente – ou brutalmente – abalada. Aniversá rios nunca foram muito
a minha praia. Na verdade, acho um dia triste. Sem graça, sem propó sito
para tanta comemoraçã o. De qualquer forma, essa foi minha primeira
gafe com surpresas.
Outra vez, meu primeiro namorado, Landon, tentou me
surpreender, levando-me para um jantar especial, sem contar quais
eram os ingredientes do prato. Tinha camarã o. Sou alé rgica a camarã o.
Passamos a noite inteira en iados no hospital, ouvindo mamã e
murmurar mil e um xingamentos, reclamaçõ es, todas as palavras de
baixo calã o por estar perdendo sua noite de sono devido a um descuido
vindo de um rapaz que, supostamente, deveria me conhecer ao ponto
de saber sobre a alergia.
Mas, dessa vez, nã o sinto medo de ser surpreendida. Na verdade, o
que se passa no meu coraçã o é o contrá rio. Mesmo vendada, estou
animadamente curiosa para ver qual é a surpresa de Trenton. Sei que
nã o envolve camarõ es, pois lhe contei sobre minha alergia repetidas
vezes. També m nã o é meu aniversá rio, sendo assim nã o preciso me
preocupar com esse detalhe. Então que diabos deve ser?
— Olha, eu nã o quero ser chata, só que nã o sou uma grande fã de
surpresas — digo apreensiva, ouvindo o barulho de uma porta sendo
aberta. Em seguida, entramos no que parece ser uma espé cie de quarto.
— E essa venda me deixa levemente apreensiva. Você nã o me trouxe
para um abatedouro, né ?
Ele solta uma gargalhada.
— Nã o! Por Deus, Jessamine. Que tipo de cara pensa que sou? Tenho
jeito de assassino?
— Os melhores psicopatas agem como pessoas normais — provoco.
— Boa sorte se tentar me matar. Eleanor te caça até no inferno.
— Nã o sou louco de enfrentar aquele um metro e meio de puro ó dio
no coraçã o.
— Que bom. Porque meu espı́rito con inado també m te caçará .
— Nã o vou te matar, linda. — Sinto a venda sendo retirada dos meus
olhos lentamente. — Apenas quero te manter relaxada antes dos
pró ximos dias que serã o difı́ceis.
Quando abro meus olhos, preciso de alguns segundos para absorver
a visã o que tenho. Esse é o quarto mais bonito que já vi em toda a
minha vida.
Estamos no que deve ser uma pousada, nã o um hotel, já que é
inteiramente revestido com madeira. Possui uma cama branca bem ao
centro do quarto, que me parece ser a mais confortá vel que minhas
costas irã o se deitar algum dia. Ao lado, consigo ver o que parece ser
uma espé cie de ofurô , que inclusive já está cheio, com bolhas de sabã o
borbulhando sobre a á gua.
Conforme caminho, correndo meu olhar curioso por tudo lugar, vou
até a sacada, sentindo o ar escapar de meus pulmõ es mais uma vez com
a vista de um lindo jardim pitoresco, iluminado por algumas luzes
douradas.
— Trenton... esse lugar é incrı́vel — digo em meio a um suspiro de
admiraçã o, andando em sua direçã o. — Nã o tenho outra palavra para
descrevê -lo. Onde você o encontrou?
— Eleanor foi minha grande cú mplice. — Sorri, nos guiando em
direçã o a cama, onde nos deitamos. Nã o consigo deixar de gemer
baixinho com a sensaçã o do colchã o macio. — Disse que queria te fazer
uma surpresa, mas nã o tinha ideia de como executá -la. Entã o, recorri a
pessoa que mais te conhece no mundo, e ela me apresentou esse lugar.
Foi amor à primeira vista.
— Digo o mesmo — murmuro contente, espreguiçando-me. Ao abrir
os olhos, o vejo sorrindo. E o sorriso de Trenton Grant é capaz de fazer
meu coraçã o ir de um a um milhã o sem muito esforço. — Nã o sei
descrever o quanto eu amei esse lugar. E simplesmente...
— Incrı́vel — ele repete minhas palavras, puxando-me para perto.
— Adivinhei?
— Nã o vale! Foi a primeira palavra que usei para descrever.
— Mas era o que ia dizer, certo?
— Sim — admito, rolando os olhos enquanto rio. — Obrigada por
estar se esforçando tanto.
— Nã o diria que é um esforço. — Trent planta um beijo delicado no
meu pescoço. — Faço isso porque você merece, Jess. — Seus lá bios
traçam um caminho delicioso entre meu maxilar, bochecha, ombro,
enquanto ele coloca seu corpo por cima do meu. — Você merece todo o
amor do mundo.
— Trenton, eu...
— Nã o diga nada. — Apoia o polegar no meu lá bio inferior, calando-
me no mesmo instante. — Absolutamente nada. Me deixe expressar o
que nã o consigo te dizer em palavras.
Apenas aceno com a cabeça, e ele toma meus lá bios com os seus.
Nosso beijo é lento, intenso. Como estar descobrindo algo novo. Tem
alguma coisa de diferente no seu toque. Uma coisa que nã o sei ao certo
decifrar o que é . Paixã o. Carinho. Amor. Talvez seja amor.
Talvez, ele esteja tentando demonstrar que está começando a se
apaixonar por mim. Porque os meus sentimentos sã o claros.
Sou perdidamente apaixonada por esse homem. Pelo seu sorriso,
seu jeito delicado de nã o ser um babaca, seus olhos cor de mel
apaixonantes. Tudo nele me envolve como as ondas abraçam a areia do
mar.
Nessa noite, alguma coisa está mudando na nossa atmosfera. Poré m,
nã o quero e nã o pretendo dizer absolutamente nada. Nos ú ltimos
tempos, aprendi que em determinadas situaçõ es, palavras nã o
precisam ser ditas. Um olhar vale mais do que elas. Um toque, uma
carı́cia, uma surpresa.
Sendo assim, fecho meus olhos, me deliciando com suas mã os
percorrendo meu corpo, tentando nã o demonstrar o quanto estou feliz
por ele me fazer sentir absolutamente tudo sem precisar expressar nem
uma palavra.

Minha maior di iculdade desde que Emery morreu é expressar


meus sentimentos em palavras ditas. Nã o sei por que, mas, desde o
ocorrido, nã o consigo dizer em voz alta o que sinto. Trauma?
Provavelmente. Nã o tenho di iculdade em demonstrar para uma pessoa
o quanto me importo com ela, o quanto quero vê -la bem e feliz. Só que
falar em alto e bom tom... nã o rola. Simplesmente nã o sai.
Nesse exato momento, queria dizer para Jessamine que estou me
apaixonando por ela. Por cada detalhe que a envolve, por mais que seja
simples aos olhos daqueles que nã o sabem enxergá -la como enxergo.
Queria contar que estou me apaixonando perdidamente pelas pintas
na curvatura do seu pescoço, pela sua risada contagiante, pelo seu jeito
simples de aproveitar a vida, mesmo ela sendo cercada de injustiças.
Que todos os seus mı́nimos detalhes roubaram meu coraçã o nos
ú ltimos meses. Que sinto medo. Medo de perdê -la, pois se isso
acontecesse, seria o meu im. Meu maior desejo era poder proclamar
essas palavras sem nenhuma di iculdade, poré m elas nã o saem.
Por esse motivo me esforço em demonstrar com gestos. Sejam
beijos mais aprofundados, toques sinceros, longas trocas de olhares.
Tenho completa noçã o de que Jess merece ouvir um “Eu estou me
apaixonando por você, francesa”. Entretanto, sei que se lhe contasse a
verdade sobre minha di iculdade, ela seria a primeira pessoa a me
entender e dizer que está tudo bem. Que palavras nã o precisam ser
ditas quando sabemos nos expressar sem elas. Sendo assim, enquanto
traço as curvas do seu corpo com volú pia, mostrando o quanto a desejo,
permaneço calado, apenas usufruindo do som de seus gemidos
abafados.
Tiro seu vestido com destreza, jogando a peça em algum canto do
quarto. Nã o desgrudo nossos lá bios nem por um segundo enquanto ela
se encaminha de tirar minhas roupas com pressa, fome, girando nossos
corpos para icar por cima. Sorrio malicioso, descendo para dar um
aperto generoso na sua bunda.
— Eu amo ver você assumindo o controle — murmuro enquanto
subo a mã o para apertar sua cintura, correndo para o seio, brincando
com seus mamilos sensı́veis.
— Trenton... — geme meu nome baixinho, ao pé do meu ouvido,
rebolando no meu colo lentamente.
Tiro sua calcinha, aproximando nossos corpos, caindo de boca nos
seus seios. Ela puxa meus cabelos com vontade, nã o muito forte, mas
també m nã o muito leve. Da maneira perfeita para me levar à loucura.
Mordo seu pescoço, queixo, ombro, deixando minha marca antes de
senti-la sentando com força no meu colo.
— Porra, Jessamine. — Solto um uivo rouco, levando uma das mã os
para puxar seus ios castanhos. — Mais rá pido, francesa. Quero ver você
sentando no meu pau com vontade.
Des iro mais um tapa estalado na sua bunda, mordendo o lá bio
inferior para conter o gemido gutural que escapa da sua boca. Jess
cumpre meu pedido sem hesitaçã o, apoiando ambas as mã os no meu
peitoral, o arranhando por onde quer que ele passa, balançando os
peitos na minha cara.
Sempre tivemos muita quı́mica na hora do sexo. A inal, logo quando
nos conhecemos, já está vamos transando. Conforme fomos nos
conhecendo, nos aproximando, esses fatores foram corroborando cada
vez mais para as nossas vezes na cama se tornarem indescritı́veis.
Ela tem um apetite sexual fora do comum. Obvio, levando em conta
a gravidez, onde a libido ica nas alturas. Mas, de qualquer forma,
Jessamine sabe seu poder. Sabe o quanto é sensual, quanto seu gemido
é uma delı́cia, o quanto suas curvas me levam para outro planeta. E ela
usa disso. Usa para me provocar, para sussurrar palavras sujas no meu
ouvido, para me fazer virar seu corpo de quatro na cama, prender seus
cabelos em um rabo de cavalo e estocar com vontade. Sem meiguices.
Sem fazer amor. Fodemos com força, rá pido.
O som do impacto dos nossos corpos, os gemidos, as provocaçõ es e
o rebolar dela sã o mais do que su iciente para me levar ao orgasmo,
incando as unhas na sua carne, jogando a cabeça para trá s. Nã o paro
até ouvi-la se derretendo, caindo com o corpo na cama, completamente
extasiada pelo nosso feito.
— Todos os exercı́cios fı́sicos que nã o faço sã o compensados com
nosso sexo — comenta dando uma risadinha, aninhando-se contra o
meu peito.
Rio, beijando o topo da sua testa.
— E por esse motivo que eu treino, minha linda. Apenas para icar
em forma e te satisfazer.
— Até parece! — Solta uma gargalhada, estapeando meu peitoral
levemente. — Você já era um gostoso antes de mim.
— Hum... nã o posso negar. Mas você pode ingir que acredita em
mim.
— Nunca. — Mostra a lı́ngua. — Nã o vou ser mais uma daquelas
garotas que in lam seu ego de jogador de basquete. Se espera isso de
mim, bom estar sentado, porque em pé vai se cansar.
— Nunca. — Devolvo suas palavras, roubando-lhe um selinho. —
Nã o preciso disso.
— Posso te perguntar uma coisa?
— Claro.
— Você acha... acha que vou ser uma boa mã e? — Me pego surpreso
com o questionamento. Quando me viro para encarar seu rosto, noto a
insegurança preenchendo suas expressõ es. — Sei que é uma pergunta
completamente aleató ria, mas todas as vezes que apoio a mã o na
barriga, ainda sem querer, esse questionamento me vem à cabeça.
— Gosto das suas aleatoriedades, sã o seu charme — tranquilizo-a,
notando sua mã o pousada no ventre, entrelaçando a minha junto para
passar mais conforto. — Eu nã o acho, tenho certeza. Você vai ser uma
mã e incrı́vel, Jess. Nã o é preciso ter dú vidas.
— Sei que sou meio... meio eu. Falo demais quando ico nervosa.
Bebo demais quando posso beber. Sorrio demais quando estou feliz.
Choro demais quando estou triste. Sou uma pessoa que sente tudo
demais, tenho medo disso me atrapalhar.
— Sentir demais nã o é uma coisa tã o ruim, mostra o seu senso de
humanidade.
— Mas sentir muito me deixa ansiosa. Estou tentando controlar,
mesmo sendo um pouco difı́cil. Fico preocupada com o futuro, em como
a nossa vida será depois que ela nascer... Por Deus, Trent, nossa ilha
nã o tem nem um nome!
— Ei, se acalme! — A aperto ainda mais contra mim, afagando os
ios do seu cabelo. — Temos tempo para pensar nisso. Sofrer por
antecipaçã o nã o vai te levar a lugar nenhum, muito pelo contrá rio.
Causará mais frustraçõ es.
— Queria ter sua calma e pensamentos positivos.
— Posso tê -los por nó s dois — digo sorrindo. — Vem cá , vamos
tomar um banho relaxante no ofurô .
— Precisamos esquentar a á gua, deverı́amos ter entrado quando
chegamos.
— Nã o resisti a você montando no meu colo. Foi muita tentaçã o,
sinta-se culpada.
Rindo, ela dá um tapinha leve no meu ombro antes de sair do meu
abraço, caminhando até o ofurô , relaxando sob o contato da á gua que,
por sinal, ainda está quente. Logo em seguida a acompanho, envolvendo
nossos corpos novamente pelo simples fato de nã o conseguir icar
longe dela.
Preciso sentir seu toque. Preciso sentir seu cheiro, sua pele macia
contrastando contra a minha, seus suspiros prazerosos pela massagem
que aplico nos seus ombros tensos. Preciso saber que ela está bem, feliz
e rindo enquanto permanece enroscada nos meus braços. Preciso que
ela saiba, ainda que indiretamente, que estou cada vez mais
perdidamente apaixonado por todas as suas perfeiçõ es e imperfeiçõ es.
“U
.”
(A B )

O grande dia inalmente havia chegado.


O dia de contar para os meus pais que estou grá vida.
Repeti essa cena na minha cabeça um milhã o de vezes nas ú ltimas
vinte e quatro horas. A ansiedade corre em velocidade má xima pelas
minhas veias, pulsante, como um atleta prestes a ganhar sua corrida
dos sonhos.
Eleanor nã o para de falar. Durante toda nossa trajetó ria de
aproximadamente uma hora de carro até a cidade vizinha, onde nossos
pais vivem, ela nã o conseguiu se calar. Nesse quesito, somos parecidas:
falamos demais quando estamos nervosas. Poré m, estou me sentindo
tã o apreensiva, que nem ao menos consegui acompanhar seus assuntos.
Vez ou outra, acabava entrando na conversa, mas a preocupaçã o nã o me
deixava falar. Medo é a palavra que de ine meus sentimentos.
Paramos o carro há alguns minutos, todos desceram, menos eu.
Pego-me encarando nossa casa por mais tempo do que o esperado.
Memó rias de minha infâ ncia refrescam minha mente. Ora boas, ora
ruins. Tento me focar nas bocas. Eleanor e eu juntas, usando roupas
iguais, mas de cores diferentes, tomando sorvete na calçada. O dia em
que a ensinei a andar de bicicleta. O dia em que ralamos nossos joelhos
enquanto corrı́amos atrá s do cachorro do nosso vizinho. Fechando os
olhos, consigo até mesmo sorrir. Poré m, o terror logo me invade quando
os abro.
— Você tem certeza de que está pronta? — A voz de Trenton invade
meus ouvidos. Foco minha atençã o apenas no seu par de ı́ris cor de mel,
calmas, enquanto sua mã o corre para tocar meu rosto. Ele é tã o lindo.
Calmo, com a fala suave e aveludada. E impossı́vel nã o se apaixonar por
esse homem. — Se nã o estiver, nã o tem problema. Damos meia-volta e
vamos embora.
— Nã o, preciso fazer isso — digo com irmeza. — Preciso contar,
antes que perca a coragem. Já estamos aqui, certo? Sem desperdı́cio de
tempo.
— Tudo bem. — Ele pega minha mã o, plantando um beijo suave na
palma. Por vezes, queria saber o que se passa na sua cabeça. Qual o
mantra repetido todos os dias para ter tanta paciê ncia comigo. — Só
que estamos, tipo, quinze minutos atrasados do horá rio combinado. E
já vi seu pai espiando pela janela.
— Porcaria. — Reviro os olhos, olhando para o andar de cima,
notando as cortinas balançando. — Acho que nã o tenho mais escolha.
Vamos logo.
Inspirando e expirando o ar pela boca pesadamente, saio do carro.
Eleanor me encara com preocupaçã o. Christopher nã o para de itar
nossa casa com desgosto. Ele sabe o que aconteceu. Sabe o que nossos
pais izeram para El quando ela mais precisava de apoio. Nã o o culpo
por sentir raiva, eu també m sinto. Entretanto, como ilha deles, meus
sentimentos sã o mais misturados.
Nã o tenho coragem de tocar a campainha, deixo que minha irmã o
faça. Apoio a mã o na barriga instintivamente, procurando algum
conforto, lembrando-me de que devo disfarçar por enquanto. Estou
usando um vestido verde-claro largo, com um pequeno cinto um pouco
abaixo do peito para disfarçar. Nã o tenho muita barriga, exatamente
como mamã e nã o teve na sua segunda gravidez. Fator que, nesse
momento, me ajuda.
Fecho os olhos por um instante, esperando por ela. Aguardando
pelo seu olhar de desgosto e desaprovaçã o. Ela vai saber. No instante
em que olhar para mim, irá descobrir de alguma forma.
Quando abro os olhos, quase suspiro aliviada ao ver nosso pai
parado na porta. Jared Lanoie está com um leve sorriso sem graça
enquanto nos observa. Ele é alto, robusto, com seus cabelos castanhos
perfeitamente cortados. Olhos iguais aos meus. Papai me parece tı́mido.
Receoso, sem saber o que fazer.
— Olá , sejam bem vindos — diz, correndo seus olhos entre todos
nó s, parando em Trenton com curiosidade. — Você deve ser o Trenton,
certo?
Ergo as sobrancelhas ao notar que ele sabe o nome de Trent. El deve
ter contado para me poupar desse estresse.
— Sim, Sr. Lanoie. Trenton Grant, namorado da Jessamine. — Ele
estica a mã o para cumprimentá -lo em um gesto formal, mas nem ligo
para suas atitudes. Por uma fraçã o de segundo, nã o ligo para mais nada.
Namorado. Ele disse que é meu namorado.
Preciso morder meu lá bio inferior para conter o sorriso. Nunca
havı́amos feito questã o de nos nomear, achava algo sem necessidade.
Estamos juntos e ponto, bastava. Só que ouvir essa palavra saindo em
alto e bom tom da sua boca fez com que, de alguma forma, eu reunisse
mais forças para seguir em frente com esse jantar. Somos namorados.
Ele é meu namorado. El me entrega um olhar impressionado, apertando
minha mã o sorrateiramente, demonstrando seu apoio. Ao menos, ainda
tenho pessoas com quem contar nas horas mais difı́ceis.
— E um prazer te conhecer. Eleanor contou em poucos detalhes que
Jessamine estava namorando, mas queria ouvir da boca da minha ilha...
— Pai — interrompo-o antes que comece com sua “bronca”
desnecessá ria sobre minha falta de contato. — Nã o vamos começar com
isso agora. Você sabe muito bem por que escolhi nã o manter muito
contato com você s depois de me mudar.
— Certo. — Para minha surpresa, ele se cala. — Me desculpe.
Entrem, sua mã e está colocando o jantar na mesa.
Jared parece estar disposto a me dar um pouco de paz. Vejo-o
cumprimentando com a cabeça Eleanor e Christopher antes de
adentrarmos até nossa casa.
O cheiro dos mais diversos temperos invade minhas narinas,
arrancando-me um leve suspiro. Mamã e sempre foi uma ó tima
cozinheira quando queria. Em algumas datas especiais, ela costumava
nos mostrar o seu talento na cozinha.
A melhor recordaçã o que tenho foi em um dos aniversá rios de El,
quando ela fez sua lasanha especial de aniversá rio, como no desenho do
Gar ield. Minha irmã costumava ser a favorita, chegava a ser perceptı́vel.
Ellis tinha problemas em aceitar minha condiçã o, em aceitar que
sua ilha tinha uma doença que teria de conviver com ela pelo resto da
vida. Entã o, o pouco amor que tinha em seu coraçã o era destinado a
ilha mais nova. Até ela “envergonhar a família”, segundo suas palavras
na noite em que nosso mundo veio por á gua abaixo. Preciso parar de
pensar nesse dia.
Enquanto me sento à mesa, lembro-me dos cacos de vidro
espalhados pelo chã o. Lembro-me do choro ensurdecedor de uma
garota que precisava de carinho familiar. Lembro-me de gritar, implorar
para que nossa mã e parasse de ofendê -la, de dizer mentiras e
absurdos...
— Jess, pare de pensar. — Sou trazida de volta para a realidade com
o som da sua voz. — Pare de icar se lembrando daquele dia. Sei que é
difı́cil, mas, por favor, nã o se concentre nisso. Essa noite já será difı́cil o
su iciente, se poupe de tanto sofrimento.
— Por que você precisa ter o poder de ler minha mente? — Dou um
sorriso fraco, erguendo o olhar para encará -la. — Nã o é difı́cil, é quase
impossı́vel. Me sinto angustiada de estar nesse lugar.
— Eu també m, mas como minha terapeuta me diria: “Já faz muito
tempo. Nos apegarmos na má goa agora nã o vai nos bene iciar”.
Arqueio ambas as sobrancelhas.
— O que aconteceu com aquela minha irmã cheia de ó dio e raiva no
coraçã o?
— Ela ainda está aqui, querida. Poré m, essa noite é sua. Nã o vou
deixar meu amargor te atrapalhar.
— Obrigada, El.
— Uau, que honra é ter essa famı́lia reunida. Se é que posso nos
chamar assim.
Todos giram suas cabeças em direçã o a pessoa que está falando. É
ela. Ellis Lanoie. Sorrindo, esboçando simpatia enquanto nosso pai
aparece por trá s, organizando o jantar na mesa. Ela retira seu avental
de cozinha, pendurando na cadeira, direcionando seus olhos castanhos
para cada pessoa na mesa. Parando em mim. Traçando meu corpo
milimetricamente, balançando a cabeça, provavelmente procurando
algo. Engulo em seco, forçando meu melhor sorriso sem mostrar os
dentes, observando-a na mesma intensidade. Analisando seu vestido
amarelo de bolinhas pretas, brega por assim dizer. Suas sapatilhas no
mesmo tom das bolinhas. O cabelo preso em um rabo de cavalo, apenas
com sua franja solta.
A família Lanoie está reunida mais uma vez.
— Mamãe, quanto tempo. — Em afronte, Eleanor enfatiza a
primeira palavra dita, sorrindo para ela.
— Senhora Lanoie, é um prazer revê -la — Christopher diz em plena
falsidade, levantando-se para cumprimentá -la. Ele pode sentir raiva
dela, mas nunca deixaria sua boa educaçã o de lado. Emma está de
parabé ns. — Você está ó tima.
— Obrigada, querido — agradece com um sorriso verdadeiro. Ela
parece realmente gostar de Chris. A inal, ele é um bom partido para sua
ilha corrompida. — Você deve ser o namorado de Jessamine.
— Trenton, Sra. Lanoie. — Ele se apresenta sorrindo, mesmo nã o
recebendo um de volta.
— Pode me chamar de Ellis.
— Como quiser.
— Nã o vai me cumprimentar, Jessa? — provoca, chamando-me pelo
apelido que costumava usar quando era criança. Entendo sua jogada.
Mamã e está tentando me provocar, tentando me castigar por ter me
afastado, por ter icado do lado da minha irmã , e nã o do lado da famı́lia.
— C-claro — gaguejo, levantando, indo em sua direçã o.
Ao contrá rio de um leve beijo na bochecha ou algo do tipo, recebo
um abraço. Apertado, quase maternal. Nã o sei se sã o os hormô nios, a
mistura de sentimentos ou se, de fato, estou icando louca, mas me
deixo levar. Deixo-a me envolver nos seus braços maternos, inspirando
seu cheiro. Droga, não queria ser assim. Nã o queria ser tã o vulnerá vel,
fá cil, sensı́vel.
Por alguns segundos, fecho os olhos, ingindo que somos uma
famı́lia normal. Que serei amada, que receberei apoio dos meus pais
nessa fase tã o deliciosamente assustadora que estou vivendo. Chego até
a pensar que escutarei um “eu te amo, senti sua falta”, mas seria demais,
até mesmo para a minha imaginaçã o fé rtil. Ellis també m parece se
deixar levar. Ela nã o é tã o ruim, apenas nã o gosta muito de ser mã e. Já
se esforçou, poré m nã o valeu a pena, entã o escolheu desistir. Mesmo
nesses segundos que parecem durar horas, sinto sua desistê ncia. Sua
impotê ncia. Sua falta de vontade e esforço se misturando em um abraço
que termina rá pido, ainda que parecesse in inito na minha cabeça.
— Você engordou. — Sã o suas primeiras palavras ao me soltar. —
Peitos maiores, braços mais fofos. Está fazendo academia? Tomando
suplementos?
— Estamos treinando juntos. — Trenton me salva. Voltamos a nos
sentar à mesa, onde lhe entrego um olhar de gratidã o antes de nos
servirmos. — Sou treinador de um time de basquete.
— Jessamine nã o pratica esportes. Nã o praticava, pelo menos.
— Sim, mas com isso tenho alguma base para lhe instruir alguns
treinos.
— Ah, entendi. Isso é bom, elas precisam dar uma encorpada.
Meninas muito magras passam despercebidas.
— MAE! — exclama Eleanor, com os olhos arregalados, quase
cuspindo sua comida. — Por que você precisa ser tã o... tã o você ?
— E apenas a verdade. — Revira os olhos. — Nã o me esqueço do
seu sofrimento enquanto estava magra demais. Ganhar alguns quilos te
ajudou a conquistar alguns rapazes. Ajudou demais, para ser...
— O frango está delicioso — Chris a interrompe, desviando do
assunto rapidamente. — E orgâ nico?
— Sim, nã o sou uma grande fã de industrializados. Obrigada, pelo
menos um elogio depois de horas cozinhando.
— Concordo plenamente com ele, Ellis. — Trenton tenta ajudar de
alguma forma. — Está incrı́vel. Costuma cozinhar com frequê ncia?
— Desse jeito, apenas em ocasiõ es especiais.
— Você s precisam provar a torta de morangos que está na geladeira.
— Papai tenta soar animado. Por vezes, sinto empatia por ele. Nã o deve
ser fá cil manter uma convivê ncia agradá vel nessa casa todos os dias. —
E divina. A sua favorita, Jess. Se lembra?
— Sim, muito bem. — Consigo entregar um sorriso verdadeiro.
Quando pequena, era meu prato favorito. Nos meus aniversá rios,
mamã e costumava fazê -la. — Nó s duas comı́amos uma torta inteira
quando é ramos crianças.
— Você s duas... sempre tã o insepará veis. — Ele direciona seu olhar
para ela. — Como irmã s gê meas. Nunca vi duas crianças amarem tanto
uma a outra. Irmã os costumam brigar, se desentenderem na maior
parte do tempo. Mas você s sempre foram diferentes.
— A família de verdade nunca nos abandona, pai — afronta El,
pedindo-me desculpas com o olhar. Nã o consigo nem ao menos icar
brava. Sua fú ria tem uma boa razã o. — Jessamine é minha famı́lia.
— Eleanor, nã o comece a me tirar o apetite — resmunga Ellis. —
Pare de fazer gracinhas, é feio ver uma mulher adulta querendo chamar
atençã o.
— Como se eu quisesse chamar sua atençã o de alguma forma.
— E claro que quer. Você sempre quer, pequena. Desde quando
desonrou nosso nome, vive implorando por atençã o, ainda que
indiretamente. Se mudar de cidade? Arrumar um namorado milioná rio?
Grudar na Jessamine...
— Ellis, nã o — Jared intervé m. Estamos todos calados, com os olhos
levemente arregalados. Christopher parece querer pular na mesa e
en iar uma faca dentro do seu olho. Eu o ajudaria. Trenton encara seu
prato, olhando-me de soslaio, sem saber o que fazer. — Hoje nã o. Por
favor, apenas por hoje, nã o.
Bufando, ela parece entregar seus pontos. O resto do jantar se
alastra em um silê ncio que chega a ser ensurdecedor e constrangedor.
Minhas bochechas fervem em toda tentativa falha de Trent em tentar
puxar assunto com minha mã e, tentar amolecer sua casca grossa com
gentileza. Pelo menos, papai se esforça um pouco para responder. Chris
se cala por completo. Vez ou outra, vejo seus ios ruivos balançando em
negaçã o. El está igual, quieta, comendo e ingindo que nã o está aqui.
Enquanto observo tudo, anoto cada detalhe, e me preparo
mentalmente para fazer o grande pronunciamento. O estrago completo.
A revelaçã o que vai fazer nossa noite icar pior do que já se encontra.

Durante a sobremesa, o clima permanece o mesmo. Reú no forças


para levantar até o rá dio mais pró ximo e colocar algum som de fundo
para abafar a quietude que nos abraça. A torta está deliciosa, mas nã o
ouso dizer uma palavra ou elogio sequer. Ningué m ousa dizer nada. E
como se todos nó s estivé ssemos em um campo minado. Sem saber o
que fazer, qual pró ximo passo tomar. O tique-taque do reló gio de
cozinha é um lembrete constante de que meu tempo está acabando.
Nã o pretendemos ir embora muito tarde, pois pegaremos estrada. Ouço
meu coraçã o começar a martelar para fora do peito. Se bobear, aqueles
que estã o ao meu redor també m podem ouvir.
Vamos lá, Jess.
Você consegue.
Apenas conte, veja as reações e vá embora.
Você não precisa da aprovação deles. Nunca precisou, não é agora que
vai precisar.
Vamos acabar logo com isso.
Levanto-me em um ı́mpeto.
— Preciso dizer uma coisa para você s.
Todos os demais olhares sã o direcionados a mim. Con irmo com a
cabeça para meus amigos, sinalizando de que é a hora. El ameaça se
levantar, poré m Christopher a impede. Ele sabe que esse momento é
meu. Trent segura minha mã o, como se fosse uma pergunta, um
questionamento se preciso de ajuda. Nego com a cabeça. Eu consigo
fazer isso sozinha.
— Entã o diga. — Minha mã e ergue o olhar para me encarar,
segurando sua taça de vinho. — Nã o entendo por que adolescentes
gostam de fazer pronunciamentos. Apenas fale de uma vez o que
precisa.
— Nã o sou adolescente, mã e. Tenho quase vinte e cinco anos.
— Para mim, sempre será uma adolescente irresponsá vel.
— Querida, deixe ela falar. — Meu pai segura sua mã o
carinhosamente. Ele sabe que ainda exerce certo poder româ ntico
sobre a mulher que costumava nomear como meu demô nio particular.
— Nã o precisamos dessa grosseria.
— Nã o é grosseria, apenas a verdade. Jared, você precisa parar de
passar a mã o na cabeça dessas garotas...
— Eu estou grá vida.
Os pró ximos segundos sã o particularmente curiosos. A taça de
vinho cai no chã o, estilhaços se espalham pelo carpete branco. Vai
deixar uma bela mancha, bem feito. Ambas as bocas se escancaram nos
maiores “Os” que já vi. Trenton logo se levanta, parando ao meu lado,
depositando sua mã o em meu ombro. Engulo em seco pelo que deve ser
a quinta vez desde quando chegamos. Meus pais se levantam. Mamã e,
em especı́ ico, para prontamente ao meu lado. Centı́metros sã o o que
nos separam. E, pela primeira vez na vida, sinto medo da mulher que
está na minha frente, itando-me com puro ó dio. A mesma raiva que
designou para a sua outra ilha.
— Como assim, grá vida? — cospe as palavras como se fossem o
maior pecado capital já dito. — Grá vida dele?
— Sim, mã e. Estamos esperando uma menina.
— Menina? — Ela solta uma risada alta, incré dula, tampando a boca
com as mã os, andando de um lado para o outro até voltar a se postar
diante de mim, balançando a cabeça, como se estivesse em estado de
negaçã o. — Você nã o aprende, Jessamine. Por Deus, você nã o aprende!
— Nã o aprendi o quê , mã e?! — Minha voz soa como um grito. Só
percebo que estou chorando no momento que as lá grimas escorrem
sobre meu rosto. — O que eu iz de errado? Por que você é assim com a
gente?
— Você é uma depravada, garota. Depravada, exatamente como sua
irmã !
— Nã o ouse dizer nada sobre ela! — Agora sei que, de fato, estou
gritando. Desvencilho-me do toque do meu namorado para encará -la de
perto. Sentindo o ó dio, amargor, rancor, tudo subindo pelas minhas
veias. — Nã o ouse abrir a porra da sua boca para dizer mentiras sobre a
sua pró pria ilha! Você é a ú nica depravada aqui. Você é quem deu as
costas para as suas ilhas sem nem ao menos hesitar. Você é o monstro,
mã e. Se eu pudesse, se tivesse uma ú nica oportunidade, jamais teria
escolhido passar a minha vida sendo criada sob os seus cuidados.
— Ingrata dos infernos! — O estalar do tapa desferido no meu rosto
preenche a sala de estar.
Exatamente como nos ilmes, todo o cená rio roda em câ mera lenta.
Meu pai a afasta. Chris precisa conter Eleanor para que ela nã o avance
na nossa mã e. Trenton me puxa para o calor dos seus braços, braços
que me cercam, que me trazem uma sensaçã o de conforto, ainda que
seja pequena.
— Por que fez isso? Por que precisava bater na nossa ilha? Em uma
mulher grá vida? — Jared praticamente chacoalha seus ombros, como se
precisasse trazê -la para a realidade. — Por que, Ellis? Por que você
precisa sempre estragar tudo?
— Sã o elas, Jared! — murmura com a voz embargada, chorando. —
A desonra da famı́lia! Nã o sei onde errei, o que iz de errado para ter
ilhas tã o... sujas. — Lentamente, seus olhos embargados encontram os
meus. Apenas com um olhar, ela consegue partir meu coraçã o. — Nã o
quero saber dessa criança. E um problema ú nico e exclusivo seu. Nã o
quis abrir as pernas com facilidade? Agora arque com as consequê ncias.
Saiam da minha casa. Saiam agora!
Um soluço escapa dos meus lá bios. Nã o consigo escutar mais
absolutamente nada. Meu mundo para, permanece mudo. Todos estã o
tentando falar comigo. Trent me puxa delicadamente pela mã o, indo até
o carro. Papai grita, tenta chamar nossa atençã o, mas é tarde demais.
Essa foi a gota d’á gua que faltava para os laços familiares que ainda
tı́nhamos serem rompidos.
Eleanor aparece no meu campo de vista. Está segurando meu rosto,
chorando junto comigo, dizendo coisas que nã o consigo compreender.
Christopher tenta trazê -la para o banco da frente, poré m o impeço,
segurando sua mã o com força. Preciso dela. Necessito da sensaçã o de
famı́lia, do apoio que somente ela, minha irmã , pode me trazer. Vejo-a
negando com a cabeça, entrando no banco de trá s comigo. Abraçando
nossos corpos, prometendo baixinho que nã o vai me soltar. Que nã o
estarei sozinha.
Quando fecho meus olhos, torço para tudo isso nã o passar apenas
de um pesadelo.
“P ,

.”
(A B )

Sã o poucas as coisas nesse mundo que me irritam profundamente.


Sou um cara calmo, tranquilo. Nã o me estresso por detalhes que a
maioria das pessoas se estressam, nã o me preocupo demais, nã o penso
demais nos meus problemas. Faço o má ximo para conciliar todos os
pesos da minha vida.
Quando pequeno, gostava de meditar ao lado da minha mã e nos
momentos de nervosismo. Era uma atividade legal, tranquila, relaxante,
que inclusive ainda pratico nos momentos em que me encontro quase
perdendo o controle.
Poré m, nem toda a meditaçã o do mundo seria capaz de me acalmar
agora. Jamais me senti tã o nervoso, furioso. A raiva que corre pelas
minhas veias me faz sentir capaz de quebrar uma parede inteira
sozinho, apenas com as mã os.
Coloquei na minha cabeça que seria um jantar difı́cil, problemá tico,
mas nunca imaginei que seria tã o conturbado quanto foi.
Ellis Lanoie nã o serve para ser mã e. Jess havia me alertado.
Inocente, pensei que fosse apenas parte da sua má goa falando mais
alto. Estava longe de ser. Ela nã o faz questã o de esconder a repulsa que
tem sobre as ilhas, a amargura que guarda no seu coraçã o. Jared ainda
tentou, retribuı́a grande parte das minhas tentativas de conversa, se
preocupou com as ilhas quando fomos embora. Entretanto, já era
tarde. Sinto que essa noite foi um ponto inal. Ambas nã o vã o querer
nunca mais vê -los e estã o certas. Elas nã o precisam disso. Nã o precisam
icar sofrendo, se submetendo a humilhaçõ es e zero falta de apoio.
Desde quando chegamos à casa de Christopher, Jessamine nã o me
deixou entrar no quarto. Ela está lá , com Eleanor tomando conta a
aproximadamente duas horas. A esse ponto, acredito que ambas
pegaram no sono.
Estou preocupado. Andando de um lado para o outro no quarto de
Chris, a lito, querendo saber sobre seu paradeiro. Querendo puxá -la
para os meus braços, afagar seus cabelos, beijar todas as suas lá grimas
até que se encontrem secas. Droga, odeio essa sensaçã o de impotê ncia.
Odeio nã o ser capaz de fazer nada para ajudá -la.
— Cara, você precisa se acalmar. — O ruivo chama minha atençã o,
fazendo-me parar de andar no mesmo instante. — Estou vendo a
fumaça saindo da sua cabeça de tanto pensar.
— Foi mal. — Suspiro, repuxando os cabelos com as mã os,
sentando-me em um pufe. — Nã o consigo parar de me preocupar, elas
já estã o lá há duas horas.
— Provavelmente caı́ram no sono. El me disse que Jess costuma
dormir rapidamente depois que chora.
— Nã o fazia ideia de que os pais delas eram tã o ruins assim. Se
soubesse, nã o teria incentivado a ideia.
— E iria adiantar algo? Essas duas sã o teimosas. — Dá uma
risadinha, e acabo fazendo o mesmo. Dupla teimosia. — A primeira vez
que fui lá , as coisas ainda foram um pouco mais tranquilas. Um pouco.
— Acredito que a ú ltima coisa que eles estavam esperando eram ser
avó s.
— E. Infelizmente, nã o foi uma notı́cia muito boa pela visã o dos dois
— bufa. — Eles sã o uns escrotos. Estava preparado para algo bem pior,
sendo sincero. Ellis aproveita toda e qualquer oportunidade para
al inetá -las. Mesmo sendo mais direta com Eleanor, ela sabe que Jess
toma suas dores. Entã o acaba dando no mesmo.
— Nã o consigo entender como pais conseguem ser assim. Tenho
dois amigos que vivem uma situaçã o parecida, mas eles sã o mais
rebeldes — digo me referindo a Dominique e Alexander. Os pesadelos
de Spring ield. — Mas Jessamine é tã o gentil. Educada, doce.
Preocupada com aqueles dois idiotas, que só conseguem ferrar sua
vida.
— Nesse ponto, ao menos minha namorada é mais desapegada.
— Seu pingo de raiva nã o pode transferir um pouco para a irmã ?
Por favor, seria mais fá cil — brinco, fazendo-nos cairmos na risada.
— Quem me dera! Eu falo para El que ela é muito pequena para ter
tanto ó dio no coraçã o. Poré m, nã o a julgo. A entendo, e entendo muito.
Pego suas dores para mim. Se o que aconteceu com ela tivesse
acontecido com sua garota, você també m sentiria o mesmo.
— Se já sinto ó dio de seus pais apenas com esse jantar, nã o consigo
imaginar se fosse coisa pior.
— Em relaçã o aos medicamentos, Jessamine está bem? — pergunta
com cautela. Ele sabe sobre sua condiçã o, e admiro sua preocupaçã o
com o assunto. — Nã o querendo ser invasivo nem nada do tipo.
— Está sim. Nã o acompanho seus horá rios, pois sei que ela gosta de
se cuidar por conta pró pria. Mas quando conversamos ao inal do dia,
ela acaba dizendo vez ou outra que os tomou. Que se sente melhor
assim. Apenas estou receoso que esse acontecimento tenha
desencadeado um episó dio.
— Pelo menos, Eleanor está aqui. Ela me contou que, quando as
duas eram pequenas, icavam abraçadas por horas quando eles
aconteciam. Provavelmente estã o fazendo isso agora.
— Sabe, você tem sorte. A meio metro pode ser nervosı́ssima
quando quer, mas é perceptı́vel o quanto é iel à queles que ama. Seu
instinto protetivo chega a ser familiar para mim.
— Eu nã o consigo descrever em palavras o quanto sou sortudo por
tê -la ao meu lado. — Ele solta um suspiro leve, apaixonado. Fofo. — El é
perfeita. Delicada, grosseira, tı́mida, de tirar o fô lego, todas as
caracterı́sticas e emoçõ es na mesma pessoa. Quando nos conhecemos,
eu sabia, de alguma forma, que era ela. Mesmo estando em uma
situaçã o complicada na é poca. No momento em que encontramos a
pessoa com quem queremos passar o resto das nossas vidas,
simplesmente sabemos.
— Você quer me fazer chorar ainda mais, Christopher? — Sua voz
embargada chama nossa atençã o. Ela corre para os braços do
namorado, abraçando-o, chorando ainda mais. — Eu te amo, meu ruivo.
— També m te amo, esquentadinha — diz antes de dar um beijo na
sua testa.
— Como a Jess está ? — Levanto-me de prontidã o. — Desculpe
atrapalhar o momento “casal estranho sendo fofo”, mas continuo
preocupado.
— Casal fofo e estranho a sua bunda, Brenton. — Me mostra o dedo
do meio, rindo, usando o nome com o qual me chamava.
— Vai se foder! — Devolvo a ofensa com o dedo. — Falando sé rio, El.
Conseguiu fazê -la cair no sono?
— Nem se eu quisesse. — Suspira, sentando-se na cama. —
Jessamine está agitada. Parou de chorar há aproximadamente trinta
minutos. Ela quer muito falar com você .
— Comigo? — Pego-me impressionado com suas palavras. — Nã o
imaginei que essa era uma possibilidade.
— Bom, você s sã o namorados, nã o é mesmo? — Ergue uma
sobrancelha, lembrando-se das palavras que disse para me apresentar
ao seu pai. — Namorados se apoiam nessas merdas.
— Sem sombra de dú vidas. — Levanto-me de prontidã o,
caminhando até a porta, lançando um ú ltimo olhar para os dois. —
Obrigado, cunhadinha.
— Se me chamar assim mais uma vez, corto todos os seus dedos da
mã o com um alicate de unha.
Dou risada antes de sair do quarto. Inspiro e expiro o ar, batendo na
outra porta, esperando por uma con irmaçã o. Apenas quando ouço uma
voz baixa e rouca dizendo “entra” que tomo o pró ximo passo de
adentrar ao cô modo, vendo Jessamine sentada na cama.
Ela me parece pé ssima. Acabada, destruı́da emocionalmente. Ao me
ver, um pequeno sorriso aparece repuxado no canto do seu lá bio. Sorrio
de volta, cautelosamente.
Sento-me ao seu lado, procurando sua pequena mã o, entrelaçando
junto com a minha. Nã o sei o que dizer. Falar todos os “eu sinto muito
por tudo o que aconteceu nessa noite” nunca seriam o su iciente para
fazer um terço da sua dor passar, entã o apenas espero. Em silê ncio,
acariciando a palma da sua mã o, olhando para o seu rosto. Tentando
decifrar as incó gnitas presentes nas linhas de expressã o. Imaginando o
que se passa na sua cabeça. Pensando se devo dizer algo, alguma
palavra de apoio, dizer em voz alta e a encarando que sou seu
namorado, que estarei aqui, que vamos passar por isso juntos...
— Você já sentiu, ao menos uma vez na vida, a ansiedade
queimando suas veias? — Ela me retira dos meus pensamentos com
uma pergunta curiosa. — Tipo, literalmente queimando. Como se todos
os seus ossos estivessem pegando fogo enquanto seu coraçã o martela
num ritmo tã o descompassado que ameaça sair do seu peito.
— Nã o... nunca. — Engulo em seco ao imaginar a dor que se passa
no seu coraçã o. — Nã o que eu me lembre, ao menos.
— E exatamente o que estou sentindo agora. Nã o há outras palavras
que possam descrever o que se passa dentro de mim, a nã o ser essas.
Pode nã o parecer, mas por dentro estou totalmente e completamente
destruı́da.
— Eu sei — digo com pesar, tentando trazê -la para perto de mim.
No começo, a sinto hesitante, poré m logo estamos deitados, abraçados.
— Queria poder tirar toda sua dor. Se eu pudesse, de alguma forma, a
passaria por completo para mim.
— Eu jamais te deixaria fazer — murmura, erguendo sua cabeça
para me itar. — Nunca. Nã o desejo nem ao meu pior inimigo usufruir
desse turbilhã o de sentimentos e dores que estou sentindo.
— Você é uma garota tã o boa, Jess. Com um coraçã o tã o bom. Nã o é
nem um pouco justo.
— A vida nã o é justa, lindo. — Entrega um sorriso fraco para mim.
— No inal das contas, devo merecer passar por isso. Pre iro acreditar
que tem um propó sito maior do que apenas me causar sofrimento.
— Quer conversar sobre o que aconteceu? Ou mudar de assunto?
Ou també m podemos icar calados, se quiser. Só nã o se esqueça de que
icarei ao seu lado o tempo todo.
— Podemos tocar num assunto feliz que me chamou a atençã o
durante o jantar, minutos antes da desgraça acontecer.
— Qual?
— Agora somos namorados? — Mesmo com os olhos inchados pelo
choro, ela consegue sorrir para mim. — Nã o sabia que havia sido
quali icada para esse patamar.
— Pensei que fosse ó bvio. — Rio, prendendo uma mecha de cabelo
atrá s da sua orelha. — Me desculpe por nã o fazer um pedido especial,
comprar alianças, lores, essas coisas. Me desculpe por nem ao menos
fazer um pedido, mas nã o sabia como me apresentar para o seu pai.
— Eu gostei. — Ela brinca com nossos dedos entrelaçados,
ligeiramente tı́mida. — Sou despreocupada com ró tulos. Nã o faço
questã o deles, para ser sincera. Só que te ouvir falando que é meu
namorado me deu alguma força a mais para enfrentar aquele inferno. E
bom escutar em voz alta que estamos o icialmente juntos. Como um
casal. Um casal de verdade que está prestes a ter um bebê , mesmo
pulando muitas etapas... Droga! Estou falando demais, nã o é ?
— Continue, adoro te ouvir falando — garanto, roubando um
selinho dos seus lá bios. — Adoro ouvir sua boca linda falar por horas a
io.
— Até parece. — Rola os olhos, rindo. — Falar me deixa mais calma.
— Entã o fale. Me conte tudo o que está se passando pela sua cabeça.
— Eu pensei em um ó timo nome para a bebê . — Sou pego de
surpresa com sua ideia. Repentinamente, ela se levanta, andando de um
lado para o outro no cô modo. — Tenho completa noçã o de que
combinamos que irı́amos decidir isso juntos, no momento certo.
Entretanto, ontem de madrugada, nã o estava conseguindo dormir. Daı́,
comecei a procurar alguns e encontrei um que parece ser perfeito. Peço
desculpas por nã o ter, sei lá , te acordado, mas você estava dormindo tã o
bem, tã o lindo, tã o tranquilo que...
— Francesa, eu disse que adoro te ouvir falando, mas odeio te ver
nervosa — declaro parando na sua frente, apoiando as mã os nos seus
ombros para tentar acalmá -la. — Nã o há o que temer. Estou longe de
me sentir bravo, muito pelo contrá rio.
— Esqueço que seu nı́vel de compreensã o está acima daquele que
estou acostumada. — Solta uma risadinha tı́mida, descansando o rosto
na palma da mã o que levei para acariciar sua bochecha. — De qualquer
forma, acredito que você irá gostar.
— Diga logo, linda. Nã o me deixe morrer de curiosidade.
— Tudo bem entã o: Aurora — ela diz o nome com tamanha paz e
calmaria, que chega a tocar meu coraçã o. Como se fosse algo... natural.
Destinado. A familiaridade que essa palavra encaixa no meu peito chega
a me assustar. — Signi ica “aquela que brilha como o ouro”. Segundo a
mitologia romana, Aurora era a deusa do alvorecer. Todas as manhã s,
era quem anunciava a chegada do sol. E é exatamente como me sinto
em relaçã o a nossa ilha. Ela iluminará nossas manhã s, Trenton. Feito
ouro. Pode nã o ter vindo no momento certo, mas é a minha melhor
escolha.
— Aurora — repito o nome, criando um certo costume com as
letras. Na forma como elas me abraçam, como soam bem sendo ditas
em voz alta. — Aurora. Nossa pequena Aurora.
— Exatamente. — Jessamine sorri. Um sorriso largo, verdadeiro,
com seus olhos marejados por emoçã o, nã o tristeza. Envolvendo seus
braços pelo meu pescoço, abraçando-o. — Você gostou? Podemos achar
um melhor, caso...
— Nã o — interrompo-a imediatamente. — Nã o. E perfeito.
Simplesmente perfeito. Nunca teria pensado em um nome tã o bom
quanto esse.
— Está falando sé rio?
— Sim, muito sé rio. Aurora é lindo, delicado, sutil. Deve parecer um
pouco estranho, poré m me soou tã o familiar que nã o a imagino com
outro nome.
— Aurora Lanoie Grant. E um nome bonito.
— Elegante. De nada pelo sobrenome — brinco, causando uma
risada deliciosa ecoando pelo quarto. Puxo-a de volta para a cama, onde
nos deitamos, enroscados um no outro. — Pensando pelo lado positivo,
até que a viagem valeu a pena.
— A viagem em si foi ó tima. Tirando aquele jantar — enfatiza a
palavra com nojo. — Amei cada segundo que passamos aqui. Amei
mostrar minhas peças de roupa para a mulher que mais admiro. Amei
sua surpresa. Amei saber que sou sua namorada. Amei termos
escolhido o nome da nossa ilha.
— Parece que tudo está começando a fazer sentido.
— E, parece mesmo.
— Precisamos dormir. Amanhã é o ú ltimo dia de fé rias, depois
voltamos para a realidade.
— Nem me fale. Minha má quina de costura já chegou na sua casa,
preciso arrumar um espacinho para colocá -la.
— Vou arrumar nosso quartinho da bagunça. Depois, ele pode ser
todo seu.
— Obrigada, namorado — agradece com um sorriso, esticando-se
para me beijar. — Boa noite, obrigada por icar do meu lado.
— Nã o preciso lembrar que sempre estarei aqui, certo? — Jess
concorda com a cabeça, aninhando-se no meu peito. — Boa noite,
namorada. Durma bem.
Seguro-me para dormir até ter plena certeza de que ela dormiu
primeiro. Somente quando sinto sua respiraçã o leve, calma e
desacelerada que consigo cair no sono.
“E .”
(A B )

Hoje era um daqueles dias em que eu sentia o peso do mundo


caindo sobre as minhas costas. Nã o me levantei da cama, nã o consegui
comer, nã o consegui nem ao menos falar uma palavra gentil sem ser
“não”. Eu sabia que os acontecimentos do jantar poderiam me
desencadear um episó dio, apenas nã o imaginei que seria tã o forte.
Levanto-me da cama, passando a mã o pelos tecidos que chegaram
para mim hoje cedo, e Alex fez a gentileza de trazê -los para mim.
Geralmente, ico sozinha nessa casa gigantesca. Trenton trabalha,
Alexander passa grande parte do tempo com Dominique, e Bryan... bom,
nunca sei onde ele está .
Sinto-me sozinha. Mesmo com todos os utensı́lios necessá rios para
começar a fabricar algumas peças, nesse dia em especı́ ico, nunca me
senti tã o só . E foi por opçã o minha.
Trent se ofereceu para tirar o dia de folga, passar a tarde comigo,
mas recusei. Isso só iria fazer com que eu me sentisse mais um fardo.
Tenho o que fazer. Tenho muitos estudos para colocar em dia, como
estraté gia de marketing, produçã o de peças, preciso iltrar qual será a
essê ncia da minha primeira coleçã o.
Pego meu caderno, relendo pela dé cima vez todas as dicas que
anotei na conversa que tive com Emma sobre empreendedorismo,
poré m nã o é o su iciente para me animar. Nada vai ser.
Volto a me deitar na cama, suspirando, pegando meu celular e
procurando algum seriado para assistir. Passo minutos, que parecem
horas, rodando pelos catá logos, nã o encontrando nada, inalmente
desistindo. Tento cair no sono, mas já dormi demais.
Sã o quatro horas da tarde, Trenton deve chegar em breve. Nã o quis
conversar com ningué m até agora. Só que, nesse momento, queria falar
de qualquer coisa para espantar os demô nios que gritam comigo
internamente.
As palavras ditas por minha mã e ameaçam voltar a serpentear pelo
meu cé rebro. Fecho os olhos, forçando-me a esquecer. Obrigando-me a
lembrar que nã o preciso deles, que tenho pessoas incrı́veis que irã o me
apoiar.
Família deixou de ser sinô nimo de laço sanguı́neo há muito tempo
para mim. Meus amigos sã o minha famı́lia. Sã o aqueles que estã o ao
meu lado, independente da situaçã o, principalmente nessa etapa tã o
delicada. Em alguns meses, terei o meu bebê . Aurora, minha ilha. Nã o
faço a menor ideia de como tocar a vida depois desse acontecimento.
Estou empolgada, ansiosa para tê -la em meus braços e traçar cada
detalhe do seu rostinho. Entretanto, ao mesmo tempo, jamais me senti
tã o apavorada. Os “e se” tornam a me apavorar.
E se ela me odiar?
E se eu não for uma boa mãe?
E se eu errar mais do que acertar?
E se...
— Jess, você está aı́? — Ouço Dominique me chamando do outro
lado da porta. Agradeço-a mentalmente por me tirar dos castigos da
minha mente. — Se ainda nã o quiser conversar, tudo bem. Vim pegar
algumas roupas que esqueci por aqui.
— Pode entrar um pouco? — indago as primeiras palavras que vê m
à minha mente. — Queria falar sobre alguma coisa. Qualquer coisa, na
verdade.
— Tudo bem. — Ela abre a porta do quarto ligeiramente,
adentrando o cô modo, sentando-se ao meu lado em seguida. — Como
está se sentindo? Em uma escala de um a dez.
— E estranhamente legal te ver bancando a psicó loga comigo. —
Rio em uma tentativa de quebrar o clima. — Pensei que atender amigos
fosse antié tico.
— Nã o estou te atendendo, apenas me preocupando. — Vira os
olhos para cima. — Um a dez?
— Cinco, eu acho. Ou seis. Cinco e meio me parece mais justo.
— Certo. Isso é bom, você consegue colocar em nú meros sua dor.
Quer desabafar sobre o assunto? Com uma amiga, nã o com a melhor
psicó loga da regiã o e do mundo algum dia.
— Convencida! — Gargalho com suas palavras, esquecendo-me por
alguns segundos o motivo da minha a liçã o.
— Apenas sendo sincera, querida.
— De qualquer forma, nã o quero tocar naquele assunto. — Engulo
em seco. — Já conversei muito a respeito do jantar com Trenton. E com
minha mente falante. Nã o podemos falar sobre outra coisa?
— Claro, o que quiser. Deixe-me pensar em algo. — Dom faz uma
cara pensativa. — Como estã o as coisas com a bebê ? Sei que esse deve
ser um assunto que você també m está cansada de ouvir, mas foi o
melhor que pude pensar.
— Estã o ó timas. — Abro meu melhor sorriso em horas ao ouvir
sobre o assunto. Pode ser algo que costumo falar com frequê ncia, mas é
um dos meus favoritos. Adoro falar sobre Aurora. Sobre tudo que a
envolve. — Melhores do que eu imaginava. Ainda preciso comprar
algumas coisinhas como roupas, acessó rios, coisas de bebê . O berço
deve chegar em alguns dias. Trent queria pintar uma parede do quarto
de rosa para, segundo ele, “entrarmos no clima de sermos pais de uma
menina”, mas disse que nã o seria necessá rio.
— Por que você s nã o usam o quartinho da bagunça e fazem algo
para ela? Nã o seria mais fá cil?
— Nã o, porque ele está no andar de baixo. Mesmo com a babá
eletrô nica, até descermos, abrirmos a porta, chegarmos no berço... uma
tragé dia pode acontecer. Eu sei, falando assim parece bobagem, mas
quero me prevenir ao má ximo.
— Nã o parece bobagem, Jess — assegura-me, segurando minha mã o
gentilmente. — E preocupaçã o de pais. Aurora será sua primeira ilha,
seria estranho nã o te ver preocupada com os mı́nimos detalhes. Se eu
era assim quando minha irmã nasceu, nã o posso nem me imaginar com
um ilho.
— Você pensa em ser mã e? Sem querer puxar seu saco nem nada do
tipo, mas seus ilhos com Alexander seriam lindos. Dignos de capas de
revista.
— Eu sei. — Sorri, esboçando uma feiçã o pensativa logo em seguida.
— E nã o sei, para ser sincera. Eu amo o Alex. De verdade, amo como sei
que nunca amarei outra pessoa na minha vida. Só que, em
contrapartida, nã o sei se quero ser mã e. Na verdade, nunca senti
vontade. Pensei que iria morrer sozinha, em uma casa repleta de gatos.
Talvez com sobrinhos, caso Olı́via engravidasse. Mas agora, quando
fecho meus olhos, quando sinto sua pele quente contra a minha durante
a noite, penso se nã o seria legal termos uma pequena versã o de nó s.
Uma mini Dominique, com o seu jeito alegre, ou um mini Alex, com meu
jeito rabugento. Poré m, nã o deixo esse assunto virar pauta de conversa
ou ocupar muito minha cabeça. O ano passado foi exaustivo para nó s
dois.
— Você s ainda tê m muito tempo para pensarem nisso —
tranquilizo-a, percebendo como esse assunto a deixa a lita. — Muito
tempo. Nã o há com o que se preocupar agora.
— Esse sempre foi seu desejo? Ter um ilho?
— Sim. Nã o como um sonho, mas tinha vontade de ser mã e. —
Apoio a mã o no ventre instintivamente. — Nã o desse jeito tã o
inusitado, mas valeu a pena.
— E Trenton é um bom rapaz. Um sonho, na verdade. Se eu fosse
engravidar acidentalmente, e tivesse a opçã o de escolher um pai
decente, ele seria o cara.
— Pare de dar em cima do meu namorado! — brinco, provocando
uma gargalhada vindo dela.
— Nã o é dar em cima, é ser realista! — Mostra a lı́ngua. — Quer
ouvir um segredo?
— Diga.
— Minha meta inicial era transar com todos eles — conta como se
fosse a coisa mais natural do mundo, enquanto meus olhos quase
saltam para fora. — Comecei com Bryan porque era o mais fá cil. Mas aı́
Trenton começou a namorar, e nã o sou fura-olho.
— DOMINIQUE! — exclamo seu nome em completo choque,
tampando a boca. — Por Deus! Qual era o seu objetivo com essas
transas?
— Deixar Alexander bem irritado. Ao má ximo que eu pudesse. — Ri
com escá rnio. — No momento em que soube que dividirı́amos o ú ltimo
ano de faculdade, me dispus a fazer da sua vida um inferno. Se com
Bryan ele já quase surtou, imagina se tivesse conseguido chegar no
Trenton?
— Nã o quero imaginar. — Faço careta com o mero princı́pio de
imaginaçã o. — Muito obrigada, pre iro focar na nossa vida atual.
— Que bom, compartilhamos do mesmo pensamento. — Pisca. —
Nã o importa mais. Agora o amo, ele me ama, e você está prestes a trazer
o primeiro bebê da turma!
Franzo o cenho ao notar sua empolgaçã o.
— Você gosta de bebê s?
— Claro que gosto. — Me encara sem entender minha reaçã o. — Por
que nã o gostaria?
— Nã o sei... sem querer ofender, mas você nã o tem cara de quem
curte crianças.
— Jessamine, que ofensa! — Ela apoia a mã o no peito como se
estivesse, de fato, ofendida, mas logo cai na risada. — Eu amo bebê s.
Praticamente criei Olı́via. E, quando a Aurora chegar, será muito
mimada pela tia Dom. Só roupas de grife infantil.
— Grife infantil? Até parece! — Dou risada com suas palavras.
Poré m, apó s ouvi-las me ocorre um pensamento: ainda nã o escolhi
os padrinhos de Aurora. Trenton falou que poderia icar encarregada de
escolhê -los, pois era uma boa forma de distraçã o. Preciso escolher um
dos meninos e uma das meninas. Agora, enquanto vejo Dominique
sorrir, comentando sobre como adorava escolher roupas infantis
quando sua irmã nasceu, percebo que é ela. Ela é a pessoa certa para
ser a madrinha da minha ilha.
— Ei, está prestando atençã o nas minhas palavras? — questiona,
chacoalhando meu ombro levemente. — Ou se perdeu nos pró prios
pensamentos?
— Quero que você seja a madrinha da Aurora — digo as primeiras
palavras que vem à minha cabeça.
Dom me encara, chocada com o que acabei de dizer.
— Eu? Por quê ? Pensei que fosse escolher sua irmã .
— Ela já é a tia de sangue, e detesta esse tipo de coisa. Diz que é
perda de tempo. — Solto uma risadinha ao me lembrar das suas
palavras quando comentei que precisava escolher meus padrinhos. Foi
algo como: “Ah, Jessamine, pra que essas coisas? Essa criança já estará
repleta de tios! Faça sua vontade, mas me contento em ser apenas a tia
Eleanor”. — E, se nã o fosse por você , nada disso estaria acontecendo.
Você quem me apresentou para os seus amigos, onde logo conheci o
Trenton e... bom, aqui estamos. Entã o, aceita ser a madrinha da minha
ilha?
— E claro que aceito! — exclama sorridente. Ela faz mençã o de me
abraçar, poré m me lembro que afeto nã o é seu ponto forte. Sendo assim,
a envolvo em meus braços rapidamente. — Serei a melhor madrinha do
mundo.
— Aposto que vai. — Sorrio, feliz por, em meio a tantas tristezas, ter
conseguido obter uma forma de encontrar um pouco de felicidade. —
Ainda nã o escolhi o padrinho. Estou tentando avaliar minhas opçõ es,
mesmo nã o sendo muito vastas.
— Bryan seria um bom padrinho. Eu consigo imaginá -lo
perfeitamente divertindo uma criança com seu jeito único de ser. E Alex
já está ligado a mim de um jeito ou de outro.
— Faz sentido, mas ainda estou avaliando minhas opçõ es... — Paro
de falar quando ouço um barulho estranho do outro lado da porta. Foi
um...
— Eu ouvi um latido? — Dominique lê meus pensamentos, tã o
confusa quanto eu.
Saio da cama em um pulo, andando até a porta, onde os latidos se
tornam cada vez mais altos. No momento em que a abro, meus olhos
ameaçam caı́rem para fora do rosto.
Do outro lado, há um cachorrinho branco. Pequeno, provavelmente
um ilhote, sorrindo para mim com um lacinho rosa na cabeça. Nã o
consigo me conter, pegando-o no colo, notando que há um bilhete
pendurado no laço. Em seguida, o solto no chã o, rindo ao vê -lo
correndo para dentro do quarto e tentar lamber minha amiga, que me
pergunta de onde raios surgiu o cachorro, enquanto leio o recado
atentamente.

Jessamine,
Você me disse algumas vezes, ainda que indiretamente, que se sentia
sozinha nessa casa. Imagino o quanto é di ícil passar grande parte do dia
sem ninguém por perto, mesmo com os meninos chegando mais cedo do
que eu. Então, para te fazer sentir menos só, adotei essa cachorrinha. Não
me pergunte a raça, não entendo sobre essas coisas. Apenas sei que ela
será sua iel companheira e protegerá tanto você quanto Aurora da
solidão. Escolha o nome, também sou péssimo com essas coisas. Espero
que goste da minha surpresa.
Com amor, Trenton.

— Eu nã o acredito... — sussurro emocionada, sentindo meus olhos


se encherem de lá grimas.
Ele pensou em uma surpresa para mim. Nunca quis dizer
diretamente a Trenton sobre o fato de me sentir sozinha, ainda mais
levando em conta meu estado emocional devido aos ú ltimos
acontecimentos. Poré m, palavras nã o precisam ser ditas, porque ele
simplesmente me conhece ao ponto de saber. Nã o precisei falar em voz
alta. Nã o precisei pedir. Ele sabia.
— Entã o, vai me contar de onde saiu essa bolota de pelos? —
questiona Dom, ainda acariciando o animal.
— Foi um presente vindo do Trent. — Entrego meu melhor sorriso,
pegando o ilhote nos meus braços, acariciando seus pelos brancos
como a neve. — Em grande parte do tempo, me sinto sozinha nessa
casa. Nã o me importava, mas passei a me importar. Sendo assim, ele
resolveu me presentear com uma, segundo suas palavras, iel escudeira.
— Ele está apaixonado por você , Jess — diz com a maior
naturalidade do mundo. — Profundamente apaixonado. Isso é bom,
gosto de ver você s felizes.
Estou tã o ocupada, focada na pequena, que mal presto atençã o nas
suas palavras. Apenas aceno com a cabeça, tentando nã o me deixar
levar sem ouvir da sua boca a constataçã o.
Preciso que ele diga.
Preciso que Trenton Grant olhe no fundo dos meus olhos e fale que
se apaixonou por mim.
Caso contrá rio, nã o irei me apegar a falsas esperanças.
“P
.”
(A B )

Fui facilmente substituı́do por um pingo de neve, como gosto de


apelidar nossa cachorrinha. Nevada, o nome escolhido por Jessamine já
que a pequena nos remete neve, nã o desgruda da dona nem por um
segundo sequer. Nem por um segundo. Nem quando estamos nos
beijando, nos agarrando, até mesmo quando fechamos a porta para
tomar banho ela ica raspando suas patinhas, tentando entrar, chorando
até Jess icar com dó e abrir a porta. De noite, Nevada insiste em querer
dormir conosco, aninhada nos nossos pé s. Quando disse que ela seria
uma iel escudeira, nã o imaginei que fosse levar seu trabalho tã o a sé rio.
Poré m, nunca estive tã o satisfeito comigo mesmo. Ela faz minha garota
sorrir, e isso já é mais do que o su iciente.
A ideia de ver Jess triste me causa arrepios. Odeio vê -la naquele
estado depressivo, odeio nã o poder fazer nada a respeito. Por mais que
a ilhote tenha sido uma boa soluçã o, ainda quero fazer mais. Quero
mostrar o quanto me importo, o quanto ela está cercada de pessoas que
a amam, que estã o ao seu lado e querem seu bem. Por isso, estou na
cozinha, sentado na bancada enquanto conto para Alexander minha
ideia de fazermos um jantar todos juntos.
— Faz tempo que nã o nos reunimos — comento enquanto inalizo o
preparo do nosso almoço. — Sinto falta das noites de pizza e bebedeira.
— Isso é verdade — concorda, dando um gole na garra inha de
á gua. — Faz muito tempo que nã o curtimos a só s. As festas de
fraternidade estã o me cansando, queria algo mais caseiro.
— E precisamos aproveitar, porque, quando Aurora nascer, tudo
será diferente.
— Como é a sensaçã o? Tipo, de saber que em alguns meses você vai
ser pai?
— Assustadora. — Sou sincero, dando uma risadinha. —
Apavorante, mas deliciosa ao mesmo tempo. Nã o sei explicar, sabe? Sã o
muitas sensaçõ es. Nã o vejo a hora de pegá -la em meus braços e
observar todos os seus detalhes. Sentir seu cheiro. Ter completa noçã o
de que ela é minha pequena pelo resto da vida. Em contrapartida, tenho
medo das falhas serem maiores que os acertos.
— Bom, eu tenho certeza de que seus acertos serã o maiores que as
falhas. — Me tranquiliza com um tapinha “brother” no ombro, servindo-
se da comida que preparei. — Você é um cara ó timo para ser pai, irmã o.
Tipo, se eu fosse escolher algué m pra ser meu pai, te escolheria de
olhos fechados.
— Obrigado... eu acho. — Rio de sua comparaçã o, me servindo. —
As vezes, imagino o que se passa dentro da Jessamine. A inal, o bebê
está , de fato, dentro dela.
— Ela já está chutando?
— Ainda nã o, temos um tempinho até isso acontecer.
— Hum... nã o consigo imaginar como é . Deve ser estranho.
— En im, voltando ao assunto que está vamos falando: acho que
deverı́amos nos reunir. — Retomo a nossa primeira pauta de discussã o.
— Todos nó s, em famı́lia. Eu, Jessamine, você , Dominique, Bryan, Ellen.
— Eu concordo. Há tempos que nã o curtimos todos juntos. Mas
posso te perguntar uma coisa? Sem querer te ofender nem nada.
— Claro.
— Há algum motivo especı́ ico para você querer tanto essa reuniã o?
— Seu questionamento me surpreende. — Nã o é por nada, adoro
quando estamos reunidos, mas levando em conta o que aconteceu nos
ú ltimos dias... nã o sei se seria legal para a Jess ter muito agito.
— Droga, me esqueço de que você é psicó logo. — Solto uma risada
para abafar o clima. — Sim, esse é o motivo especı́ ico, na verdade. Ela
se sente sozinha, Alex. A Nevada surtiu um efeito bom, poré m quero
mostrar que ela tem amigos. Que estamos aqui, independente da
circunstâ ncia. Aquele jantar foi um inferno, quero dispersá -lo da sua
memó ria o quanto antes possı́vel.
— Foi como o meu de Açã o de Graças no ano passado?
— Exatamente. O mesmo nı́vel de situaçã o depravada.
— Puta merda, foi ruim mesmo! — Suspira, passando a mã o pelos
ios loiros. — Bom, eu topo. Dominique també m aceitará , ela pode te
ajudar a cozinhar alguma coisa. Bryan e Ellen nã o irã o recusar.
Podemos fazer essa noite.
— Obrigado, cara — agradeço com a mais profunda sinceridade. —
Estou tentando mostrar que me apaixonei por ela, sem dizer em voz
alta.
Ele franze o cenho com minhas palavras.
— Posso saber o motivo de nã o dizer?
— Simplesmente nã o consigo — bufo. — Emery me deixou feridas
que parecem incurá veis. Tenho medo de dizer. Tenho medo de falar algo
e depois a perder. Seria demais para mim.
— Você nã o vai perder ningué m, Trenton. — Sua voz endurece,
prestes a bancar o Alexander Litch ield, versã o psicó logo. — O que
aconteceu com a Emery foi trá gico? Foi. Deixou marcas em todos nó s?
Com certeza. Entretanto, isso nã o signi ica que o acidente tornará a se
repetir.
— Nos primeiros meses, eu nã o conseguia dirigir — confesso pela
primeira vez para algué m. — Nã o conseguia dar partida no meu carro,
porque tinha medo de acontecer o mesmo comigo.
— Por que nunca me falou isso antes? Eu teria te ajudado, irmã o.
— Vergonha. — Solto um gracejo rı́spido. — Vergonha de ir para
garagem, pegar a merda do meu carro e depois ter de pedir um tá xi.
Com o passar do tempo, consegui voltar a dirigir. Só que toda vez que
Jessamine me pede o carro emprestado para ir ao mercado, ir a
qualquer lugar, sinto um frio na barriga. Nã o recuso, tudo o que é meu
també m é dela, mas tenho medo. Um medo tã o grande, que nã o consigo
parar quieto até a ouvir estacionando. Parece que, se eu admitir minha
paixã o, algo de ruim vai acontecer. E como um pressentimento maluco.
— E coloca maluco nisso. Essas sã o as marcas do trauma, toda
pessoa carrega consigo alguma. Dominique, por exemplo, ainda nã o
consegue ir naquele café pró ximo a faculdade. Que, por sinal, é meu
favorito. Pelo simples fato de aquele ser o lugar que ela gostava de ir
com Emery. As coisas nã o mudam da noite pro dia, Trent.
— Como faço para mudar? Como faço para parar de ter esse medo?
Alex ajeita sua postura.
— Dizer para a Jess que você está apaixonado por ela te trará mais
benefı́cios ou malefı́cios?
— Benefı́cios — respondo sem hesitar. — Ela merece algué m que
seja capaz de mostrar o que sente, com palavras bonitas e tudo mais. E
está esperando isso de mim. O cara que nã o consegue falar por medo de
algo que nã o tem como saber se vai acontecer ou nã o.
— Exato! — exclama, como se tivesse me feito entender alguma
coisa. — Você nã o é capaz de saber o que vai acontecer no mundo.
Podemos todos morrer amanhã . Posso sair daqui, tropeçar na rua, bater
a cabeça contra uma mureta e ter morte cerebral. Como posso muito
bem sair, ir para a casa da minha namorada e lembrá -la o quanto a amo.
Qual das duas probabilidades tem maior chance de acontecer?
— A segunda, eu acho.
— Exato! — repete a mesma palavra. — Nã o estou preocupado com
o que vai acontecer. Tudo o que me importa é o agora. Pense nisso, e
verá como as coisas mudarã o de perspectiva. Tente focar no que está
acontecendo no momento, nã o no que pode vir a acontecer. Isso sempre
será o de menos. Vamos fazer esse jantar. Depois, crie coragem e diga
em voz alta o que precisa ser dito. Sem medo, lembre-se de tudo o que
estou te falando.
— Prometo me esforçar ao má ximo, Dr. Litch ield.
— Já é um ó timo caminho. — Sorrindo, ele dá dois tapinhas nas
minhas costas antes de se levantar. — Vou buscar Dominique para que
você s possam discutir o que vã o fazer hoje mais tarde. E pense em tudo
o que te disse, ok?
— Ok. Obrigado, Alex.
Meu amigo lança uma piscadinha antes de se retirar. Sozinho, deixo
o poder de suas palavras pairarem pela minha mente. Ele tem razã o.
Total razã o, para ser sincero. Nã o posso deixar meu medo continuar
controlando minha vida, sentimentos e atitudes. Preciso me libertar,
dizer o que tanto guardo dentro do coraçã o. Porque, no inal das contas,
essa pode ser uma boa soluçã o para que eu realmente possa prosseguir
o verdadeiro caminho que o destino reservou para mim.

— Você nã o precisava ter organizado um jantar, Trent! — E a


primeira frase de Jessamine ao entrar na cozinha, sorrindo, com Nevada
em seus braços.
— Tecnicamente ele nã o organizou tudo sozinho — Dominique
intervé m com seu sorriso carregado de cinismo, colocando o ú ltimo
prato na mesa. — Fiquei sovando essas massas igual louca. Isso porque
nã o sã o os meus braços que pertencem a um jogador de basquete.
— Mas você tem mais ó dio dentro do coraçã o, querida cunhada —
provoco-a. — Odio é perfeito para sovar massa.
— Nã o quer admitir que tenho mais força que você , querido
cunhado? Fere sua masculinidade?
— Talvez, nunca iremos descobrir.
Ela solta uma gargalhada antes de me mostrar o dedo do meio. Jess
continua extasiada com minha – ou melhor, nossa – pequena surpresa,
observando as pizzas postas na mesa, suspirando ao inspirar o aroma
vindo delas. Devo admitir, Dom e eu arrasamos no preparo dessas
massas.
— Essa foi uma maneira mais criativa de matar o meu desejo de
comer uma boa fatia de pizza caseira? — questiona, passando seus
braços ao redor da minha cintura em um abraço reconfortante.
Beijo o topo da sua testa.
— Sim, minha linda. Uma maneira criativa e interativa. Nã o estava
com saudades de nos reunirmos todos juntos?
— Com certeza! — exclama, sentando-se no seu lugar da mesa. —
Me cansei de icar aqui sozinha, apesar da Nevada ser uma boa
companhia. Quem está faltando?
— Ellen, Bryan está no banheiro.
— Eu acho que ela nã o vem. — Ele aparece por trá s de mim,
invadindo nossa conversa, cumprimentando minha namorada com um
beijo na bochecha. — Você está incrı́vel, mamã e do ano.
— Obrigada, quem sabe futuro padrinho do ano. — Sorri
ligeiramente envergonhada, fazendo um trocadilho. — Por que ela nã o
viria?
— Porque está ingindo que nã o gosta de mim, algo cienti icamente
impossı́vel — zomba, fazendo com que todos nó s soltemos uma
gargalhada. — O que foi? E verdade!
— Você nã o larga do pé da garota por nada nesse mundo, cara —
Alex contrapõ e, pondo-se ao lado de sua namorada. — Insistê ncia cansa
as pessoas, sabia?
— E outra, há vá rias garotas por todo campus interessadas em você
— completo. — Por que perder tempo indo atrá s de uma só ? Aproveite
sua solteirice.
— Ah, nã o. Cansei de ver você s dois cheios de amorzinhos com suas
namoradinhas. — Faz careta. — També m quero um pouco de carinho.
— E precisa ser com a Ellen?
— Sim. Porque ela é o...
— Desculpem o atraso! — Somos interrompidos com o assunto da
conversa entrando na sala. A ruiva está com seus cabelos presos em um
coque, bagunçados, contrastando com um vestido tubo preto. — Tive
que resolver alguns problemas de ú ltima hora no serviço.
— Sem problemas! — Jessamine entrega o seu sorriso acolhedor,
esticando uma cadeira ao lado de Bryan. — Sente-se.
— Sem medo, ruiva. Nã o pretendo te morder... agora.
— Vai se ferrar. — Revira os olhos com força, causando-nos risadas
abafadas. — Qual era o assunto?
— O fato de você ser o...
— Jess, como estã o os seus preparativos para receber a Aurora? —
Dominique muda de assunto repentinamente, enquanto todos
começamos a nos servir, entregando seu olhar de “a deixe em paz ou eu
mato você”, fazendo Bryan apenas rir. — Está ansiosa? Nervosa? Com
medo?
— Um pouco de tudo. — Solta uma risada leve, mordendo seu
pedaço de pizza. — Mas, nesse momento, acredito estar mais ansiosa.
Empolgada para vê -la e torcendo para ser a minha cara.
— A sua cara? — Ergo minhas sobrancelhas, cruzando os braços na
altura do peitoral. — Nã o pode ser a minha?
— E... nã o! — retruca como se fosse o fato mais ó bvio do mundo.
— Posso saber o motivo?
— Te cito vá rios: sou eu quem estou a carregando durante nove
meses. Sou eu que engordo, que ico enjoada, que ico inchada. Eu que
vou fazer parto. Eu que vou amamentar. O mı́nimo é nossa ilha vir com
a minha cara.
— Sã o argumentos vá lidos — Alex concorda de boca cheia. — Muito
vá lidos.
— Ela tem razã o! — Ellen també m a apoia. — Se ferrou, Trent. Ela
pode vir com seus cabelos! Já pensou, uma linda menininha de olhos
â mbar, pele negra e cabelos cacheados?
— Nã o me deixe sonhar tã o alto, é pecado. — Solto um suspiro
apaixonado, fazendo-nos rir. — Mas eu aceito essa condiçã o. Aurora
será tã o linda quanto sua mã e.
Todos os nossos amigos murmuram um “own” em sintonia, fazendo
as bochechas de Jessamine corarem. Durante o jantar, mantemos nossa
conversa leve, ora levantando alguns assuntos signi icativamente
interessantes, ora falando sobre trivialidades.
Nesse tempo, vejo minha namorada rindo, sorrindo, feliz. Ela
entrelaçou nossas mã os por baixo da mesa, sua forma discreta de me
dizer “obrigada”, encarando-me com seus grandes olhos apaixonados.
“Deus, como ela me tem na palma da mão!”, penso comigo mesmo
enquanto limpo o cantinho da sua boca, sujo de sorvete da nossa
sobremesa. Nã o há nada nesse mundo que eu nã o faria por Jessamine
Lanoie. Absolutamente nada. Ver o sorriso predominante no seu rosto
faz meu peito se encher de puro ê xtase, alegria, satisfaçã o por saber
que sou o responsá vel por isso. Por, depois de muito tempo, conseguir
abrir meus olhos e nos dar uma chance de sermos felizes. Ao natural,
sem precisar forçar nada, sem fazer pressã o. Eramos para ser assim.
Esse foi o destino que nos foi concebido, e eu també m nã o faria nada de
diferente. Hoje, me sinto completo. Ao lado dos meus amigos, da mulher
que tem meu coraçã o, esperando ansiosamente pela nossa ilha. O que
mais um homem poderia querer?
— Sabe, eu acho que a Emery está feliz — Bryan diz, atraindo
nossos olhares para a sua direçã o. — Seja lá onde ela estiver. Nã o sou
um cara religioso nem nada do tipo, mas gosto de pensar que, se nossa
amiga estiver nos olhando, está feliz. Orgulhosa de quem nos tornamos
nesse meio tempo.
— Concordo com você . — Dom é a primeira a embargar no assunto.
O sorriso em seu rosto entrega a falta que sente da melhor amiga. —
També m nã o curto muito esse lance de religiã o, poré m gosto de
imaginar que ela ainda pode nos olhar de alguma forma.
— Eu acredito irmemente que pode — Ellen diz. — Segundo a
minha religiã o, ao menos. Ela era uma pessoa boa. Espirituosa,
carinhosa. Está descansando em paz, e torcendo muito pela sua
felicidade. — Seu olhar compassivo se dirige até mim. — Muito.
Nã o consigo deixar de me sentir levemente emocionado.
— Sei disso. Emery era... indescritível. Uma pessoa ú nica, daquelas
que você só conhece igual uma vez na vida.
— Lembram daquela vez que eu e Dominique conseguimos arruinar
o seu aniversá rio com um show de brigas? — Alex se lembra. Solto uma
gargalhada com a lembrança, que hoje me causa boas risadas. — Cara,
nã o ri! Você icou puto da vida com a gente.
— E com razã o! — digo apó s recuperar o fô lego. — Parecia que
está vamos lidando com duas crianças no jardim de infâ ncia. Emery
odiava aquelas brigas, entã o eu era o responsá vel por mantê -la feliz.
— Ela me deu uma bronca tã o boa naquele dia, que iquei só bria na
hora.
— Esse era o seu charme. Dar as melhores broncas quando
precisá vamos ouvir.
— Aquele colar que você lhe deu de presente era o favorito dela —
El comenta. — Ao ponto de nã o o tirar por nada nesse mundo.
Absolutamente nada.
— Sou bom com presentes. Antes dele, estava pensando em...
— Você s podem, por favor, parar de falar sobre esse assunto? — A
voz nitidamente embargada de Jessamine corta nossa conversa.
Assustado, viro-me rapidamente, pousando a mã o na lateral do seu
rosto.
— Está tudo bem?
— E ó bvio que nã o! — exclama, levantando-se em um rompante. —
Eu simplesmente nã o aguento mais escutar sobre o quanto sua ex-
namorada era incrı́vel!
— Jess, nã o querı́amos fazer com que você se sentisse
desconfortá vel...
— Nã o me dê explicaçõ es — interrompe as palavras de Dominique.
— Nã o preciso de explicaçõ es. Eu sei que ela era amiga de todos você s.
Eu sei que você s ainda a amam. Mas eu estou aqui. Eu sou a realidade.
Sinto muito se nã o sou o tipo de pessoa única, que se conhece apenas
uma vez na vida.
Ela usa minhas pró prias palavras como argumento de defesa. Antes
que eu possa dizer ou pensar em algo, vejo-a subir as escadas correndo
em direçã o ao seu quarto. Lanço um olhar desesperado para os meus
amigos, sem saber o que fazer, me culpando internamente por ter
deixando Emery virar pauta de assunto. Eu sei muito bem o quanto
Jessamine se sente intimidada pelo meu passado, sei o quanto esse
fator interferiu no nosso presente. Como pude deixar isso acontecer?
— Eu falo com ela — Bryan assume.
— Cara, acredito que seja melhor darmos um tempo...
— Nã o, Trenton. Eu que iz isso. — Suspira, o pesar da culpa
sobrecarregando seus olhos. — Nã o foi por mal, eu juro. Só ... sei lá , nã o
sei o que se passou pela minha cabeça para achar que seria uma boa
ideia falar sobre Em.
— Sei que nã o foi por mal. — Dou dois tapinhas nas suas costas. Por
mais que ele nã o demonstre, sei o quanto meu amigo carrega o peso do
mundo nas costas, mesmo disfarçando com suas piadinhas. — Só
acredito que ela nã o vai querer te ouvir.
— Vou dar um jeito. Me desculpem.
Nã o temos tempo para dizer que nã o há com o que se desculpar,
pois ele logo sobe para o andar de cima. Trocamos olhares
compreensivos, entendendo que a festa acabou, guardando a pizza que
sobrou. Me despeço de todos, agradecendo por ambas as presenças, os
vendo subir para seus respectivos quartos – com exceçã o de Ellen, que
vai para casa – e lavando a louça enquanto torço para Bryan conseguir
confortar Jess.
“A

.”
(A B )

Pisar na bola nã o era uma coisa que eu fazia com frequê ncia. Pelo
menos, me esforçava ao má ximo todos os dias para nã o o fazer. Apesar
do meu jeito ser espirituoso, alegre, divertido, e em grande parte do
tempo levemente – ou muito – drogado, carrego comigo o peso do
mundo nas costas. Todos os dias, sem exceçã o. Entã o, minha saı́da ó bvia
para as desgraças e monstros que me cercam é dar o melhor de mim
para aqueles que estã o ao meu redor. Ser o amigo engraçado, que
raramente é levado a sé rio.
Quando comentei sobre Emery no jantar, nã o imaginei que fosse
tomar uma proporçã o gigantesca. Nunca passou pela minha cabeça que
poderia afetar os sentimentos de Jessamine de maneira negativa.
Mesmo sabendo que a morte da nossa amiga foi um grande ı́mpeto
para Trenton nã o querer se permitir viver à lor da pele os sentimentos
que estava nutrindo pela garota, pensei que fosse parte do passado. Que
ela já havia “superado” esse “obstá culo” e nã o se importaria de ouvir
algumas palavras boas a seu respeito. Pelo visto, eu estava
completamente enganado. E nã o o deixaria limpar a sujeira que iz.
Gosto muito de Jess, da sua companhia na casa, da presença feminina
que ela representa. Entã o farei ao má ximo para consertar o erro
cometido.
Bato na porta de seu quarto pelo menos quatro vezes. Nada adianta.
“Ela pode estar querendo privacidade, seu babaca”, penso comigo
mesmo enquanto estico o braço para bater na quinta tentativa.
— Eu nã o quero conversar agora, Trenton — murmura do outro
lado. — Por favor, me deixe sozinha.
— Hum... nã o é o Trenton. — Tento soar o mais pacı́ ico possı́vel. —
E o Bryan. E nã o vou sair até você me deixar entrar.
Ouço uma risadinha abafada.
— Talvez eu queira conversar com você .
— Isso é bom, eu acho. — Meneio a cabeça de um lado para o outro.
— Signi ica que ainda nã o tenho o seu ó dio.
— Por que teria? — Ela me pega de surpresa quando abre a porta.
Meu coraçã o se parte ao ver seus olhos inchados, rosto corado. —
Entre.
— Obrigado. — Lhe entrego um sorriso mı́nimo, adentrando o
quarto, sentando-me no pufe que já estou familiarizado.
— Entã o, por qual motivo eu deveria te entregar meu ó dio?
— Porque eu comecei aquele assunto sobre a Emery. — Engulo em
seco, vendo a garota a minha frente fazer o mesmo. — Nã o foi minha
intençã o te magoar, Jess. Nã o queria te deixar triste, muito menos
chateada. Foi apenas um comentá rio despretensioso que saiu da minha
boca repentinamente, sem pensar no quanto poderia te afetar. Me
desculpe.
— Nã o precisa pedir desculpas. — Suspira, pegando o seu pufe cor-
de-rosa, sentando-se ao meu lado. — Eu nã o deveria ter feito aquele
show. Sou incapaz de dizer em palavras o quanto me sinto
envergonhada pela forma como agi, pelas palavras que disse para
Trenton antes de me retirar. Você sabe que sou bipolar, certo?
— Sei.
— Mesmo tomando meus remé dios, existem algumas palavras e
situaçõ es que sã o consideradas como um gatilho mental para mim.
Talvez Alex e Dominique entendam melhor por serem psicó logos, mas
simpli icando com um exemplo: ainda nã o consigo ouvir o nome de
Emery sem associar ao fato dela ter sido a mulher que Trenton, meu
namorado, amou por tanto tempo. E egoı́sta? Muito, e trabalho todos os
dias para conseguir me livrar desse ressentimento, poré m é algo que
nã o evapora da noite pro dia. Ainda a vejo como um empecilho no meu
relacionamento. Detesto ouvir seu nome. Detesto pensar na sua
imagem. Poe mais infantil que soe, detesto saber que você s gostam
mais dela do que de mim.
— Ningué m gosta mais dela do que de você — asseguro com meus
olhos ixos nos seus. — Sã o sentimentos diferentes. Ela era uma de nó s,
entende? Somos todos uma famı́lia. Quando perdemos um membro,
icamos abalados. Se acontecesse com qualquer um, icarı́amos assim.
— Eu sei! E saber é o que me deixa mais irritada comigo mesma. —
Apoia as mã os no rosto, quase abraçando seus joelhos. — Se pudesse,
nã o sentiria esse ciú me doentio e infantil. Sou uma mulher adulta,
prestes a ter uma ilha. Esse nã o é o exemplo que quero passar para
Aurora. Nã o quero ser a mã e perturbada e ciumenta, que nã o consegue
superar algué m que nunca nem ao menos conheceu.
— Ei, nã o diga esses absurdos de si mesma. — Puxo-a para um
abraço lateral, afagando seus cabelos enquanto ouço-a fungar. — Você
nã o será uma mã e perturbada e ciumenta. Bom, ciumenta eu nã o
prometo, porque é sua primeira ilha, mas um ciú me saudá vel. Se eu
estivesse no seu lugar, també m me sentiria ameaçado. Chegar de
supetã o num grupo de pessoas estranhas e problemá ticas é assustador.
Poré m, posso te garantir que todos nó s gostamos da sua companhia.
Gostamos de ver o quanto você faz bem para o Trenton. Sendo bem
sincero, eu achei que ele fosse morrer sozinho.
— Por quê ?
— Achei que ele nunca seria capaz de superar tudo o que aconteceu.
— Sou sincero. — Imagino que nã o falem muito sobre esse assunto,
digo por mim e pelo que vi acontecer com Trenton nos primeiros
meses. Ele icou inconsolá vel. Tempo vai, tempo vem, você s se
conheceram e tudo foi acontecendo... agora, vejo que você é a esperança
de que meu amigo tanto precisava.
— Esperança. Nunca pensei que algué m me veria dessa forma.
— Mas ele te vê , Jess. Nã o deve ser possı́vel observar a olho nu, mas
falo como o amigo que assistiu seu inferno pessoal: Ele te vê como a
chama da luz que precisava iluminar o seu coraçã o. Trent está
completamente apaixonado por você , e nã o por outra pessoa, e muito
menos por conta do bebê . Ele se apaixonou pelas suas caracterı́sticas,
pelo seu carisma, literalmente pela sua pessoa.
Ela seca uma lá grima solitá ria que insiste em escorrer pelo seu
rosto.
— E se for um amor ilusó rio? E se eu for um tapa buraco?
— Ele nã o é esse tipo de cara. Os olhos nã o mentem, lindinha. Eles
sã o as janelas da nossa alma. Acredite em mim quando digo que ele só
quer o seu amor, e o de mais ningué m.
Jessamine começa a chorar desesperadamente. Assustado, ico sem
saber o que fazer. No momento em que penso em me afastar,
acreditando que toquei na ferida mais profunda do seu coraçã o, ela
puxa minha camiseta como um pedido para que eu ique. Sendo assim,
ico apenas parado no meu lugar, acariciando seu braço, deixando-a
liberar todos os sentimentos que estã o presos dentro do peito.
— Obrigada, Bryan. — Seca o rosto com ambas as mã os, limpando
na minha blusa sem se importar. Rio internamente por esse feito tã o
espontâ neo. — Muito obrigada, de verdade. Esse choro foi bom,
libertador. Nã o de tristeza.
— Ainda bem, eu já estava querendo chorar junto de peso na
consciê ncia. — Rimos juntos, quebrando o clima. — Nã o precisa
agradecer, cunhadinha. Conte comigo para o que você precisar.
Um estralar parece surgir na sua cabeça apó s ouvir minha ú ltima
frase.
— Qualquer coisa?
— Na verdade, depende. — Franzo o cenho ao ver a entonaçã o da
sua pergunta. — Se me pedir drogas, vou precisar recusar. Nã o vendo
para grá vidas.
— Nã o é isso, idiota! — Desfere um empurrã o leve no meu ombro.
— Quero que você seja o padrinho da Aurora.
Meus olhos se arregalam tanto, que quase caem do meu rosto.
— E sé rio?
— Claro que sim. Eu gosto muito de você , Bryan. Trenton també m.
Acredito que seja uma boa pessoa para se encarregar do meu bebê
quando estiver ocupada ou outros a ins. Entã o, aceita?
— Porra, ó bvio que sim! — exclamo verdadeiramente empolgado,
levantando-a do pufe e lhe dando um abraço apertado, com direito a
rodopio pelo quarto. — Pensei que fossem escolher o Alexander.
— Nã o querendo aumentar seu ego, mas você é o meu favorito —
admite. — Adoro Alex, ele é um rapaz incrı́vel, mas seu charme Bryan
me encantou desde o dia que nos conhecemos. Aurora precisa de um
padrinho com alguns neurô nios faltando.
— Obrigado, eu acho. — Dou risada com suas palavras. — Prometo
que serei o melhor padrinho do mundo.
— Tenho certeza de que vai. — Pisca, sentando-se na cama. — Pode
chamar o Trenton para subir? Chegou minha hora de conversar com
ele.
— Pode deixar. Obrigado mais uma vez por con iar sua ilha a mim,
Jess. Você nã o faz ideia do quanto isso é signi icativo para mim.
— Eu sei. Nã o agradeça, futuro padrinho Bryan.
Entrego para ela meu melhor sorriso sincero antes de descer.
Quando chego na sala, vejo Trent sentado no sofá , a feiçã o preocupada
dominando seu rosto. Aceno com a cabeça positivamente, indicando
que está tudo bem. Ele se aproxima, murmura um agradecimento
apressado antes de subir as escadas com pressa, desesperado para falar
com a mulher que, mesmo sem admitir para ningué m, ama. E só uma
questã o de tempo até ele descobrir.
“A

.”
(A B )

Minhas bochechas ainda estavam quentes quando Bryan saiu do


quarto. Conforme repasso a cena do jantar minuciosamente pela minha
cabeça, percebendo o quanto fui idiota e iz um show à toa, meu rosto
ferve mais. Apoio ambas as mã os na testa, descendo para massagear as
tê mporas, tentando dispersar os pensamentos manipulares da mente.
Ridícula, você foi ridícula.
Aquilo foi desnecessário.
Qual o seu propósito? Ganhar um pouco de atenção?
“Não, não foi nada disso”, murmuro comigo mesma, brigando com
meu subconsciente. Nã o queria atençã o. Nã o queria transformar nosso
jantar agradá vel, o qual foi dedicado para me fazer bem em algo
constrangedor. Poré m, nã o posso negar que ouvir o nome de Emery
ainda me deixa intimidada. A breve mençã o de como ela era, de como
foi uma pessoa marcante na vida de meus amigos foi mais do que
su iciente para me gerar um ciú me fora do comum. Quando você cresce
com a ideia de que é facilmente substituı́vel, que as pessoas ao seu
redor podem te trocar por um “alguém melhor”, qualquer
vulnerabilidade te sujeita a se autossabotar. Sei que estou errada nessa
histó ria. Deveria descer, pedir um milhã o de desculpas, e tentar
recuperar um pouco da dignidade que ainda me resta.
Poré m, antes que eu tenha a oportunidade de me levantar, ouço
algué m entrando no quarto. Por uma fraçã o de segundo, me esqueci de
que havia pedido para Bryan chamar Trenton. Ele está cabisbaixo,
alternando entre olhar para mim e as bochechas ú midas das lá grimas
que desabei no meu amigo. Com cautela, o vejo se aproximar e sentar-
se na beirada da cama, respeitando meu espaço.
— Tem certeza de que quer conversar agora? — pergunta, piscando
seus lindos olhos cor de mel para mim. — Nã o me importo de esperar.
— Nã o, preciso encarar meus problemas de frente, sem icar
recuando. — Dou uma risadinha nasalada, fazendo mençã o de me
aproximar. Ele toma partido, parando ao meu lado, entrelaçando nossos
dedos. — Me desculpe por ter estragado o jantar.
— Você nã o estragou o jantar — a irma, mesmo sabendo que é uma
mentira. — Devo te pedir desculpas...
— Nã o. Nã o assuma meus erros para fazer com que eu me sinta
melhor.
— Minha intençã o nã o é essa...
— Eu sei! Só me deixe falar, por favor — interrompo-o, vendo uma
risada abafada escapar dos seus lá bios. Acabo rindo para descontrair.
— Nã o deveria ter surtado daquele jeito. Nã o deveria ter usado suas
palavras contra você , isso é infantil e cruel. Só que ouvir o nome da sua
ex-namorada, que marcou sua vida e seu coraçã o como uma mulher
nunca o fez antes, ainda me deixa um pouco... intimidada — admito,
engolindo em seco ao ver suas sobrancelhas se erguendo. — E um
gatilho para mim. E o assunto que faz com que a parte doente do meu
cé rebro entre em estado de con lito. Nã o queria ser assim, juro que me
esforço todos os dias para superar, mas ainda é um processo. E
processos levam tempo. Nã o que seja uma justi icativa boa, poré m é
plausı́vel. Pensar em te perder me causa medo. E, pois é . Esse
pensamento ainda me apavora. Ainda acordo no meio da noite
procurando sua mã o para ter certeza de que você ainda está aqui. Ainda
suspiro aliviada ao te ver do meu lado. Muitas coisas boas vê m
acontecendo comigo nos ú ltimos meses, e metade delas sã o por causa
ou sã o entrelaçadas a você . Tenho medo de você nunca conseguir se
apaixonar por mim como foi apaixonado...
— Eu já sou apaixonado por você , minha linda. — Sua frase é o
su iciente para me calar. Para fazer todo o ar escapar dos meus
pulmõ es, como se eu nã o conseguisse respirar de puro ê xtase.
Preciso piscar trê s vezes para ter certeza de que nã o estou
sonhando.
— Você já ... é sé rio?
— Mais do que sé rio. — O tom sé rio na sua voz apenas me serve
como mais uma con irmaçã o. Ele molda a lateral do meu rosto,
trazendo-me para mais perto. — Sou completamente apaixonado por
você . Por todos os seus detalhes, peculiaridades, jeitos. Nã o queria
dizer em voz alta porque coloquei na minha cabeça que, quando o
izesse, as coisas começariam a dar erradas entre a gente. — Solta uma
risadinha incré dula. — Ridı́culo, sei disso. Mas també m tenho meus
mecanismos de defesa. E o que eu sinto por você é incompará vel pelo
que eu senti por Emery. Ela marcou a minha vida, nã o nego. Poré m, nã o
estou mais preso no passado. Em era o meu passado. Você é o meu
presente e a pessoa que eu quero para o futuro.
— Eu nã o... nã o sei o que te dizer — digo com a voz embargada,
sentindo as emoçõ es salpicando meu peito. Malditos hormônios e
sentimentos. — Nã o estava esperando por essa declaraçã o tã o
repentina.
— Nem eu. — Ri, beijando meus lá bios, secando as lá grimas que
nem ao menos percebi que havia deslizado pelo meu rosto. — Mas é a
verdade. Nã o estou dizendo para te agradar ou algo do tipo. Você é a
mulher da minha vida, Jess. Nã o duvide disso nem por um segundo.
— Posso tentar. — Suspiro pesadamente, apoiando a cabeça no seu
ombro. — Me desculpe por arruinar o jantar. Você se esforçou demais
para me deixar feliz e eu estraguei tudo.
— Ele nã o te deixou feliz? Digo, antes do con lito acontecer?
— Muito. Fazia muito tempo que eu nã o me divertia e ria tanto ao
lado de amigos. Estava com saudades de passar menos tempo sozinha.
— Entã o nada foi arruinado — garante, prendendo uma mecha de
cabelo atrá s da minha orelha para nã o perder o costume. — Esse era e é
o meu objetivo: te deixar feliz. Podemos marcar um milhã o de jantares,
almoços.
— Sou incapaz de olhar na cara de todo mundo, ainda me sinto
muito envergonhada.
— Eles entendem seus motivos, nã o há de que se envergonhar.
— Obrigada por ser tã o incrı́vel.
— Obrigado por me mostrar que o amor ainda existe.
Ele me beija quando menos espero, calando-me da forma que mais
gosto. Solto um gemido abafado contra seus lá bios, deixando seu gosto
de menta salpicar o cé u da minha boca. Céus, Trenton tem o gosto do
paraíso! Nã o importa qual seja a ocasiã o, ele sempre está prevenido. Eu
nunca me canso dos seus beijos. Por mais que nó s nos beijemos todos
os dias, sentir seus lá bios contra os meus me deixa arrepiada em todas
as ocasiõ es. Posso facilmente me acostumar a fazê-lo todos os dias da
minha vida. Puxo levemente seus cabelos antes de enroscar minhas
pernas na sua cintura, fazendo-o roçar a protuberâ ncia presa na calça
jeans contra mim.
— Gosto de tirar suas roupas sem pressa, sabia? — sussurra contra
o meu ouvido, baixando a alça do meu vestido, mas nã o por completo.
Apenas até meu sutiã estar exposto. — Bem devagar... assim, posso icar
te admirando mais tempo.
— Sou uma mulher admirá vel?
— Porra, e como. Eu passaria horas devorando suas curvas só com o
olhar.
— Por que fazê -lo com os olhos sendo que podemos fazer isso com
as mã os? — Sorrio maliciosa, descendo para arrancar sua camiseta com
pressa, vendo meu vestido acompanhar a peça em questã o de
segundos.
— Apressada. — Trenton tira meu sutiã , apalpando meus seios com
calma, delicadeza, sabendo que essa parte do meu corpo está mais
sensı́vel do que o normal, arrastando a lı́ngua lentamente pelos
mamilos rı́gidos.
— Nã o me provoque... eu posso ser muito má com você — gemo,
puxando seus ios contra o meu peito, pedindo indiretamente por mais
força.
O recado é recebido com sucesso, pois logo sinto uma puxada
deliciosamente forte no meu mamilo.
— Eu adoro sua maldade, francesa.
Levando suas palavras como incentivo, giro nossos corpos na cama,
icando por cima. Mordo meu lá bio inferior, tirando suas ú ltimas
vestimentas, roçando minha boceta molhada pela largura do seu pau
como provocaçã o.
— Só você me deixa assim, Trenton — murmuro provocativamente,
arrastando a lı́ngua pelo seu ló bulo antes de mordê -lo. —
Completamente excitada.
— Jessamine, nã o me obrigue a te virar de quatro e te pegar por
trá s.
— Eu nã o me importaria nem um pouco. Mas hoje, eu é quem estou
no comando.
Encaixo nossos corpos antes que ele tenha a oportunidade de
protestar ou ir contra minha ideia. Solto um gemido alto, jogando a
cabeça para trá s, rebolando no seu colo com força. Ele leva uma das
mã os para puxar meus cabelos enquanto a outra se encarrega de
espalmar na minha bunda, incentivando as cavalgadas. Sustento meu
olhar para encontrar com o seu, incando-os nas suas ı́ris cor de mel,
observando as pupilas dilatadas de prazer. Finco as unhas nos seus
ombros, arrastando para o peitoral, deixando minha própria marca pela
sua pele negra.
Ele meneia a cabeça negativamente, com a malı́cia escorrendo pelo
seu sorriso.
— Você vai pagar por isso, meu amor.
Um tapa estalado ecoa pelo quarto junto com meu grito. Nã o
satisfeito com apenas um, sinto outro. E outro. Minha bunda
provavelmente icará dolorida e marcada, mas estou pouco me fodendo.
Porque o ê xtase de sentir suas mã os pesadas contra minha pele
compensa tudo.
Trent guia seu polegar em direçã o ao meu clitó ris, massageando a
regiã o inchada e carente de atençã o. Intensi ico minhas sentadas,
apoiando a mã o nos seus ombros para pegar mais impulso, balançando
meus seios na sua cara, apoiando as mã os em seu rosto, forçando-o a
me encarar.
— Nã o para, Trenton! — imploro, mordendo o lá bio inferior
sensualmente. — Por favor, nã o para.
Apoia as mã os na minha cintura, ajudando-me com estocadas
irmes, rá pidas e intensas. Nã o demoro muito para me derreter sobre
os seus braços, chamando seu nome tã o alto, que sinto minha voz icar
rouca. Ele nã o para de investir até chegar ao seu pró prio á pice,
preenchendo-me, gemendo meu nome quase tã o alto quanto gemi o
seu.
— No inal das contas, tudo valeu a pena — brinca, fazendo-me
soltar uma risada alta com seu trocadilho.
— E como. — Suspiro, apoiando a mã o no seu peitoral ofegante. —
Você deveria fazer uma tatuagem. Seu peito é bonito demais para icar
intacto.
— Acredita se eu disser que nã o tenho vontade? — Dá de ombros
com indiferença. — Nã o sou como Alex e Bryan, que adoram rabiscar
seus corpos. No começo, era por conta do basquete. Agora que nã o
quero mais ser pro issional, penso em talvez tatuar a data de
nascimento da Aurora. Seria algo importante, simbó lico para mim.
— E uma boa ideia, podemos tatuar juntos. — Sorrio ao pensar na
possibilidade, poré m fecho a cara ao notar um pequeno detalhe
inserido no meio da conversa. — Você nã o quer mesmo ser mais um
jogador pro issional?
— Nã o. — Para o meu resquı́cio de surpresa, ele responde sem
hesitar. — Nã o mais.
— Sem querer cortar o nosso clima, mas preciso saber se isso é por
conta da gravidez. — Tento soar o menos a lita possı́vel. — Porque, se
for, nã o quero te ver desistindo do seu sonho por causa da nossa ilha.
Podemos dar um jeito em tudo, se essa for sua vontade.
— Essa nã o é a questã o, linda. — Um suspiro pesado escapa de seus
lá bios. Trenton se vira de lado, itando-me com seriedade. — Há muito
tempo eu venho pensando se esse era realmente o meu sonho. Eu amo
basquete, sonho em continuar sendo treinador, mas a vida pro issional
deixou de ser meu ideal quando percebi o quanto poderia perder com
isso. Jogadores nã o descansam. Os campeonatos muitas vezes nã o tê m
data marcada. E saber que você está grá vida me fez perceber que nã o
estou disposto a abandonar tudo. Nã o quero faltar aos aniversá rios da
Aurora, apresentaçõ es bobas de escola, Dia dos Pais, natais. Quero estar
ao lado de você s o tempo todo. Mesmo se a gravidez nã o tivesse
acontecido, uma hora ou outra eu teria de pensar nessa questã o. E o
amor pelo esporte nã o é maior pelo amor que tenho na vida que
pretendo construir.
— O amor se torna paixã o — constato. — Meu sonho original era
ser modelo, e nã o estilista.
— Jura?
— Sim. Cheguei até a fazer alguns testes. Muitos deram certo, mas
uma coisa que minha mã e sempre colocou na minha cabeça era o que
eu tinha a perder com isso. “Jessamine, a vida de uma modelo não tem
pausa. Você sempre deverá seguir à risca um padrão. Um descuido e
pronto, você está na rua. Modelos viajam o mundo sem se preocuparem se
vão perder o aniversário da irmã. se vão perder festas comemorativas, o
que seja. Tem certeza de que está disposta a dedicar sua vida nisso?”.
— Uau. Ela foi bem... direta.
— Sim. Entretanto, me ajudou a perceber que eu també m nã o
estaria disposta a trocar minha vida por algo que nã o era minha paixã o.
A moda é minha alma gê mea. Com ela, posso vestir as modelos que
tanto vi na passarela, sem me arriscar tanto. Precisamos aprender a
diferenciar sonhos de paixõ es.
— Com certeza. Ao menos, conseguimos captá -los na hora certa. —
Pisca, depositando um beijo estalado na minha testa antes de me trazer
para o conforto dos seus braços novamente. — Eu amo o que faço. Amo
ser o lı́der, adoro ver o brilho nos olhos dos calouros quando conto
sobre os jogos que estaremos prestes a enfrentar. Tenho planos maiores
para o futuro, é claro. Mas, no momento, sou extremamente feliz com a
minha vida exatamente como ela está .
— Somos dois — bocejo apó s lhe entregar um sorriso preguiçoso,
aninhando-me na curvatura do seu pescoço, inspirando o aroma
masculino que emana da pele. — Você tem um cheiro bom.
— Cheiro de sexo com perfume.
— Deveriam criar uma fragrâ ncia com esses odores. — Rio,
sentindo o peso do dia recair cada vez mais sobre minhas pá lpebras. —
Boa noite, Trent.
— Boa noite, francesa.
“A
, ,
.
M .”
(A B )

Comprar acessó rios para bebê s deveria ser considerado um esporte


olı́mpico. Em toda a minha vida, eu nunca poderia imaginar que esses
seres tã o pequenos, mas tã o delicados precisassem de tantas coisas. Já
adquirimos o essencial, como: berço, fraldas, algumas roupinhas, a
mala maternidade para o dia do seu nascimento. Nos livros que li e nas
pesquisas que iz – sim, sou o tipo de cara que gosta de estar integrado
e ter conhecimento de absolutamente tudo – tive um bom padrã o de
gastos. Apesar de dinheiro felizmente nã o ser uma grande preocupaçã o
para nó s, gosto de ter um certo parâ metro de quanto vamos gastar e
com o quê . Agora, estamos vagando pelo shopping com o vale presente
que minha mã e nos presenteou para, segundo ela, “encher minha
netinha de mimos”.
— Isso é muito dinheiro — Jess comenta, soltando Nevada no chã o
para que ela possa caminhar e cheirar algumas pessoas que passam por
nó s. Quando disse que essas duas nã o se desgrudam por nada nesse
mundo, nã o estava mentindo. — Tipo, muita grana para se gastar com
um bebê ! Eu sabia que você vinha de uma famı́lia rica, mas nã o tanto.
Meneio a cabeça de um lado para o outro, rindo de suas palavras.
— Esse dinheiro é fruto de muito trabalho, minha linda. Nã o sou um
herdeiro ou algo do tipo.
— Sei disso, e é o que me deixa com mais peso na consciê ncia ainda.
Já temos quase tudo que é necessá rio, só falta uma coisinha ou outra...
deverı́amos devolver o resto.
— Ela foi bem especı́ ica quando disse que nã o aceitaria nem um
centavo de volta. — Pisco, adentrando em uma loja de roupas e
acessó rios. — Caso sobrar, o que provavelmente vai acontecer,
guardamos para o momento em que precisarmos de algo.
— Nã o vamos precisar. Porque minha marca vai nos deixar ricos em
breve.
O sorriso empolgado que estampa seus lá bios me faz querer beijá -la
intensamente.
Ao decorrer das ú ltimas semanas, Jessamine vem trabalhando com
tudo no seu pró prio negó cio. Com tudo mesmo, ao ponto de passar
tantas horas trancada em seu “escritório”, que precisei ir até lá levar seu
almoço, janta, fazer o lembrete de tomar um banho. Jamais vi uma
pessoa tã o dedicada a empreender e transformar sua pró pria marca em
algo que irá dominar o mundo e até mesmo grandes passarelas algum
dia.
Ofereço cem por cento da minha ajuda, entã o na maioria dos meus
tempos livres, geralmente quando volto dos treinos ou estou de folga,
me disponho a ajudá -la. Geralmente empacotando roupas, indo até os
correios fazer o despacho, aprendendo sobre redes sociais e estraté gias
de marcas. No começo, tive de ser insistente, pois ela queria fazer tudo
sozinha. Poré m, Jess percebeu que aceitar um pouco de ajuda nã o iria
matá -la, aceitando o mı́nimo que posso fazer. Gosto de vê -la
trabalhando no seu sonho. Nenhum dinheiro no mundo seria capaz de
comprar a felicidade que sinto quando entro no seu ateliê, como ela
gosta de chamar, ouvindo mú sica alta nos fones, remexendo os pé s
alegremente com Nevada ao seu lado, observando tudo.
— Eu sei que vai. Daı́, nã o preciso mais trabalhar e você pode virar
minha Sugar Mommy — sussurro a ú ltima palavra no seu ouvido,
tentando ser o mais sensual e zombeteiro possı́vel, vendo-a segurar a
gargalhada.
— Trenton! Meu Deus, que horror. — Ri, dando um leve tapinha no
meu braço. — Nã o vou bancar homem nenhum. Se quer dinheiro, vai
ter de trabalhar todos os dias.
— Com certeza, patroa. — Dou risada, pegando um conjuntinho
amarelado. Quando viro a peça do outro lado, percebo que é um body
de leã o, já que o capuz dele remete à cabeça de um. — Olha que
gracinha! Um leã ozinho.
Ela franze o cenho ao ver a roupa.
— E bonitinho, mas brega.
— Brega? — Finjo estar profundamente ofendido com a colocaçã o,
apoiando a mã o no peito. — Ele é perfeito. Podemos reproduzir a cena
de O Rei Leão, quando o Mandril Ra iki ergue o Simba no topo da Pedra
do Reino.
Minhas palavras parecem deixá -la pensativa, mordendo o lá bio
inferior.
— Nã o seria uma cena ruim de se ver. Na verdade, iria nos render
uma boa histó ria.
— Viu só ? Estamos construindo a infâ ncia dela, nada melhor do que
ser marcada por uma cena tã o icô nica.
— Coloque esse body no carrinho antes que eu mude de ideia.
Faço uma comemoraçã o vitoriosa com a mã o, colocando a peça
dentre alguns sapatinhos de sua escolha. Passamos por algumas outras
lojas, olhando nossa lista maternidade, fazendo um risquinho positivo
em tudo o que está faltando até termos a concluı́do. Realmente, sobrou
uma quantia signi icativamente boa no nosso gift card, que será usada
em um futuro nã o tã o distante, tendo em vista que bebê s crescem
muito rá pido. Paramos na praça de alimentaçã o, pegando dois sorvetes,
caminhando até o jardim externo do shopping e nos sentando lado a
lado.
— Escolhi Dominique e Bryan para serem os padrinhos da Aurora
— conta, dando uma lambida no sorvete, apoiando a outra mã o no
ventre. E um costume simples, singelo, mas que, por alguma razã o
desconhecida, faz com que eu admire o gesto por alguns segundos. Sua
barriga deu um salto de crescimento, passando de algo imperceptı́vel
para mais do que perceptı́vel. Agora, todos que a olham sabem que, de
fato, ela está grá vida. — O que você acha?
— Sã o boas escolhas — digo pensativo. — Dominique é uma mulher
responsá vel, sé ria. Em contrapartida, Bryan será aquele tio brincalhã o
que vai soltar um monte de palavrõ es na frente dela e tentar corrigir o
erro desesperadamente depois. E um belo contraste, equilibrado.
— Foi exatamente o que pensei! Eles sã o completamente diferentes,
mas muito parecidos ao mesmo tempo. Você precisava ver a alegria nos
olhos do Bryan quando o convidei... Me deixou emocionada. Ele é um
bom menino.
— Um dos melhores. Pena que a ú nica pessoa que ele se importa
nã o o valoriza. — Reviro os olhos. Nã o deveria estar tocando nesse
assunto, pois nã o me diz respeito. Mas nã o me aguentei.
Ela me ita curiosa.
— Posso saber quem?
— Nã o. — Dou um beijo na ponta do seu nariz para a distrair. — Me
desculpe.
— Ah, por quê ? — Jessamine faz um bico do tamanho do mundo,
encarando-me com seus grandes olhos verdes e pidõ es. — Eu prometo
que nã o vou fazer fofoca. Só quero saber da fofoca.
— Nã o posso dizer nada, linda. E segredo entre irmã os. Poré m, uma
hora ou outra, você vai descobrir. Cedo ou tarde.
— Tudo bem — bufa dramaticamente, apoiando a cabeça no meu
ombro. — Respeito sua lealdade.
— E uma das minhas melhores caracterı́sticas.
Conversamos sobre trivialidades do nosso dia a dia até
terminarmos nosso sorvete. Depois, seguimos para casa, onde me
disponho a guardar nossas compras enquanto ela retorna até o ateliê ,
disposta a terminar algumas peças que icaram em falta.

— Você precisa parar de rebolar essa bunda enquanto cozinha —


comento maliciosamente, correndo meus olhos pelo corpo de
Jessamine.
Estamos sozinhos em casa, uma vez que Alex foi passar a noite com
Dominique, e Bryan se en iou em alguma festa de fraternidade sem a
intençã o de voltar tã o cedo. Ela escuta uma mú sica que possui a batida
lenta, remexendo seu corpo conforme o decorrer do som.
— Sé rio.
— Por quê ? — Vira o rosto, apoiando o queixo no ombro,
remexendo-se sensualmente. Desgraçada. — Pensei que essa fosse uma
boa visã o para você .
— E é . — Paro o olhar na sua bunda, que está coberta apenas por
uma camiseta minha, que, nesse ponto, se ajusta perfeitamente ao seu
corpo por conta da barriga. Me aproximo, apoiando as mã os na sua
cintura sugestivamente. — Mas isso só me faz querer te agarrar e
esquecer de jantar.
— Nã o, nã o e nã o! — protesta, tentando se esquivar do meu abraço
em vã o. — Estou morrendo de fome. Passei as ú ltimas horas
trabalhando sem intervalos. E como por dois, tenho mais direitos.
Deixe-me terminar meu guacamole.
— Um orgasmo pode ser a soluçã o para os seus problemas. —
Sopro contra o seu ouvido, subindo uma das mã os para apalpar seu seio
livre, ouvindo um gemido abafado como resposta. — Ele tem um efeito
relaxante sobre o corpo.
— Trenton... estou falando sé rio. — Suspira, sem desvencilhar do
toque, apoiando a cabeça contra meu ombro. — Meu estô mago está
roncando. Da nossa ilha també m.
— Se quiser, eu paro. — Ameaço parar com a carı́cia no seu seio. Em
resposta, ela volta a envolver minha mã o na regiã o. Ergo ambas as
sobrancelhas. — Mas parece que você nã o quer.
— E impossı́vel querer.
Giro seu corpo, grudando nossos lá bios com pressa. Desço ainda
mais, dando um aperto generoso na sua bunda, me controlando para
nã o rasgar a calcinha dela e jogar os restos do pano no lixo. Meu desejo
por Jess nunca diminui.
Conforme distribuo carı́cias pelo seu pescoço, mordendo seu
mamilo com leveza por cima da camiseta, me deliciando com seus
gemidos altos, percebo o quanto somos sintonizados sexualmente.
Basta um olhar certeiro, sem meias palavras ou gestos, para que eu
decifre suas vontades.
— Nã o vamos conseguir chegar no quarto — murmuro, apalpando
sua boceta devagar, sorrindo diabolicamente ao sentir a umidade
respingando nos meus dedos.
— Sabe, eu sempre sonhei em ser fodida nessa mesa — sibila apó s
morder meu lá bio inferior, afastando-se e sentando na bancada. —
Podı́amos tornar meu sonho realidade.
— Relaxe, meu amor. Você vai ser o meu jantar.
Abro suas pernas delicadamente, agradecendo aos cé us por minha
altura ser o encaixe perfeito para que nó s possamos icar em uma
posiçã o confortá vel.
Encaro seu corpo, suas expressõ es, deliciando-me com o olhar
safado que me preenche. Sem me preocupar em tirar nossas roupas,
apenas desabotoo minha calça, abaixando-a junto com a cueca. Deslizo
meu pau pela sua entrada em um ritmo tortuoso, lento, assistindo seus
lindos olhos se revirarem conforme vou estocando até chegar no ritmo
acelerado, que a faz gritar meu nome e agarrar as bordas da mesa.
— Meu Deus, Trenton! — uiva, deixando de segurar a mesa para
arranhar meus braços, curvando seu corpo até nossos lá bios estarem
encostados. A posiçã o a faz soltar um gemido alto, mover seus quadris
mais depressa, entã o presumo que tenha atingido seu ponto G. — Meu
Deus.
— Você é deliciosa, Jessamine — chamo seu nome ao pé do ouvido,
massageando seus mamilos. — Simplesmente deliciosa.
Ela puxa meus cabelos, liberando meu pescoço, traçando seu
pró prio rastro de beijos e mordidas provocativas. Arrepiando todos os
pelos do meu corpo, fazendo-me gemer seu nome cada vez mais alto.
Nã o demoramos muito para atingirmos nossos orgasmos, relaxando
nossos corpos sobre a mesa. Bom, ela relaxa o dela. Me apoio contra a
pia, porque, se eu ameaçasse jogar todo o peso do meu corpo contra a
madeira, com certeza a quebraria em um piscar de olhos.
— Nó s acabamos de transar na mesa da cozinha — ofega, secando
uma gota de suor que caiu pelo seu rosto. — Da cozinha! Isso é muito
errado. Antié tico. E anti-higiê nico.
— Como se os outros membros da casa nunca tivessem feito antes.
— Dou uma risada nasalada, subindo minha calça, apoiando-me ao seu
lado. — Fique tranquila, linda. Vou me encarregar de limpar tudo
depois.
— Vai limpar agora! — exclama, levantando-se em um pulo,
colocando sua calcinha. — Nã o vou colocar nossa comida mexicana
numa mesa fedida de sexo.
— Nã o está fedida. Eu tomei banho há meia hora.
— Mas eu nã o tomei ainda.
— E incapaz de lidar com sua pró pria sujeira?
— Sim, eu sigo um protocolo chamado higiene bá sica. — Rola os
olhos rindo, entregando-me um pano e o borrifador de á lcool. — Vamos
lá , limpe nossa bagunça para que eu possa comer e depois tomar meu
banho.
— Só faço se puder te acompanhar na ú ltima parte.
— Negó cio fechado.
Paro de atazaná -la, limpando a mesa, trocando a toalha e colocando
uma limpa no lugar apó s mandar a suja para a má quina de lavar.
Jessamine serve a comida apó s tudo estar devidamente limpo,
colocando pratos, copos, sorrindo orgulhosa para o seu feito.
— O cheiro está divino — comento, sentando-me ao seu lado, nos
servindo com uma bela porçã o de guacamole e nachos.
— Vi algum blogueiro fazendo essa receita no Instagram e iquei
com desejo na hora — declara de boca cheia, nã o conseguindo se
conter. — Cacete, está divino! Até a Aurora aprovou, vem sentir.
Com um sorriso bobo, apoio a mã o no seu ventre, sentindo nossa
ilha dar um chute certeiro. Nã o muito forte, mas també m nada fraco. —
Parece que você s realmente estavam com fome.
— Ela ica agitada quando eu como alguma coisa que é do seu gosto.
Por exemplo: quando estou comendo maçã , nã o a sinto mover nem um
centı́metro. Poré m, quando como banana, ela faz a festa. Entã o, quando
nossa ilha nascer, já sabemos que nã o vai gostar de maçã .
— Aurora nã o faz ideia de como é uma maçã , minha linda.
— Mas nã o gosta desde o ú tero! — Gargalha. — Entã o nã o vai
gostar quando nascer. Con ie em mim, é instinto de mã e.
Nã o ouso discordar, apenas rindo e acenando com a cabeça. Apó s
jantarmos e tomarmos nosso banho, puxo-a para os meus braços
quando Jess tenta insistir em trabalhar mais um pouco. Digo que quero
passar o resto da noite agarrado no calor do seu corpo, e nã o a vendo
presa em uma má quina de costura. Ela nã o consegue resistir aos meus
encantos, deitando-se contra o meu peitoral enquanto acaricio seus ios
castanhos até senti-la pegando no sono.
No momento em que me viro para analisar seu rosto, sorrio
apaixonado ao me dar conta do quanto é incrivelmente satisfató rio ver
minha namorada feliz e estar usufruindo da mesma sensaçã o. Por um
segundo, fecho meus olhos, olhando para trá s. Pensando em tudo que
passamos ao longo desses meses, todo o sofrimento, lá grimas, desa ios.
Somos a perfeita de iniçã o do casal imperfeito que conseguiu se
encontrar em meio à s desgraças do mundo. A irmo com todas as
palavras ao dizer que absolutamente tudo valeu a pena. Porque agora
estamos felizes. Conseguimos nos encontrar em meio a tanto caos.
Alé m do mais, nossa vida ainda tem muito o que mudar. E espero
que seja apenas para o melhor.
“A
.
E
.”
(A B )

Quando criança, meu sonho era fazer uma noite das garotas
completa. Com direito a fofocas sobre garotos, má scaras faciais, ilmes,
pipoca, chocolates quentes. Tudo o que envolvia aquelas tı́picas de
cinema. Por nã o ser uma menina muito rodeada de amigas – e muito
menos minha irmã , que possuı́a apenas uma melhor amiga, Thereza –
acabá vamos juntando nó s trê s, e tentá vamos reproduzir uma. Nã o
tı́nhamos os mesmos recursos das garotas ricas da cidade, mas nos
divertı́amos com o que conseguı́amos arrumar.
Mamã e costumava nos ajudar um pouco em algumas ocasiõ es, como
oferecendo seu cartã o para pedirmos pizza. Na é poca, aquilo era mais
do que o su iciente para espantar os fantasmas que me cercavam. As
horas que passá vamos juntas, sussurrando sobre os garotos que
está vamos a im, rindo das garotas populares, me serviram de boas
lembranças que carrego no peito até os dias atuais.
Nessa noite, iremos reproduzir uma noitada digna de cinema. Os
meninos saı́ram para beber, em uma espé cie de “despedida de vida sem
ilho” para o Trenton – sem direito a strippers – enquanto nó s, as
garotas, optamos por nos reunirmos na minha casa, curtindo a só s e
com calmaria. Bom, esse era o plano, se nã o fosse minha irmã se
lamentando e enchendo a cara com o vinho carı́ssimo de Dominique,
que com certeza a presenteou por pena ou compaixã o, por ter brigado
feio com o namorado, Christopher.
Desde quando Eleanor chegou, seus olhos permaneceram
marejados. Ela me contou que, inalmente, ambos descobriram a
verdade sobre o seu passado. Sobre o trá gico acontecimento que
cercava sua vida, que nem eu mesma sabia sobre tantos detalhes
só rdidos e crué is. Depois que isso aconteceu, tudo parece estar indo
por á gua abaixo. Como se o namoro de ambos estivesse enfraquecendo
perante todas as revelaçõ es.
— Eu sou a pior irmã do mundo — murmura, deixando sua taça de
lado, apoiando a cabeça no meu ombro. — Estou estragando sua noite
das garotas. E o que você mais gosta de fazer!
Solto uma risadinha com seu estado embriagado.
— Nã o está nã o, sis.
— Na verdade, está sim — Dominique diz, dando um gole na sua
taça, recebendo um olhar de advertê ncia vindo de mim e Ellen. — O que
foi? E a verdade!
— Ela tem razã o. — El suspira, secando suas lá grimas, balançando a
cabeça de um lado para o outro em uma tentativa de se recompor. — Eu
só nã o sei o que fazer! Vamos lá , Dom. Você é psicó loga, me dê algum
direcionamento.
— Ainda nã o estou trabalhando com caridades, amorzinho. — Pisca,
fazendo-me soltar uma gargalhada com tamanha sinceridade.
— Qual é ! Nã o seja tã o cruel comigo.
— Nã o posso abandonar um traço da minha personalidade. — Sorri
maldosa. — Brincadeiras à parte, nã o há muito o que fazer.
Relacionamentos esfriam, principalmente se esse ocorrido que você
mencionou estiver diretamente ligado a você s. Em algumas situaçõ es,
nã o conseguimos passar a ita adesiva. E forçar pode nã o ser a melhor
opçã o. Nem todo amor do mundo vale a pena quando você vive no
limbo entre sofrer e se deprimir.
— Entã o acha que eu deveria desistir? Simples assim?
— Nã o desistir, mas garantir algumas opçõ es caso nã o dê certo.
— Você está sugerindo que ela procure outra pessoa mesmo
estando namorando? — Ellen arranca a pergunta que estava presa na
minha boca.
— Nã o. — Se apressa em responder. — Estou apenas sugerindo que
ela dê uma olhada no cardápio. Isso nã o mata ningué m.
— Dominique! — E impossı́vel nã o rir com sua postura calma, como
se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. — Eleanor nã o é esse
tipo.
— Para você , porque na sua cabeça ela é sua irmã zinha mais nova,
que está com o coraçã o partido. Que precisará de colo e outras merdas.
— Por incrı́vel que pareça – ou nã o tã o incrı́vel – suas palavras estã o
exatamente corretas. — Mas, em breve, suas responsabilidades serã o
envolvidas para a sua ilha. Deixe a tia Dominique dar conta desse
recado amoroso.
— Tia Dominique? Eu sou tipo, quatro ou cinco anos mais nova que
você .
— Nã o importa, porque na minha cabeça te vejo como uma criança.
— Seu comentá rio faz todas nó s cairmos na gargalhada. — Venha cá ,
vamos dar uma olhada no cardá pio da Boston University.
— Cuidado, Eleanor. O perigo de se contagiar com o alto ı́ndice de
testosterona que sairá desse celular é grande — adverte Ellen,
recebendo um dedo do meio da nossa amiga como resposta.
Nos acomodamos lado a lado, conectando o celular de Dom ao meu
notebook para termos uma visã o melhor dos seus contatos na tela
compartilhada. Realmente, ela tem muitos contatos. Acredito que
metade, se nã o todos os garotos da universidade estã o nesse cardápio.
Olhamos algumas fotos, rindo enquanto anotamos os nomes
daqueles que minha irmã considera atingirem seu padrã o de beleza. Já
izemos todas as atividades da minha lista, sendo assim, nã o me
importo em “doar” essa parte da noite para deixá -la bem.
Ela segurou muito suas emoçõ es, até nã o aguentar mais. Nã o posso
imaginar o quanto seu coraçã o está partido por, mesmo nã o querendo
admitir, estar perdendo seu amor.
Sinto calafrios só de cogitar a hipó tese de isso acontecer comigo e
com Trenton, mas disperso os pensamentos para longe quando sinto
Aurora se remexer. Sorrio, apoiando a mã o sobre o local onde ela
chutou, guardando esse pequeno lembrete. Gosto de imaginar que ela
sabe o que estou pensando. E maluco, eu sei, poré m o pensamento de
que minha ilha me sentiu a lita, e me chutou como um lembrete de: “Ei,
mamãe, eu estou aqui” me faz querer chorar de emoçã o. Coisa de mãe.
— Nossa, quem é esse garoto? — Seus olhos saltam para fora ao ver
o pró ximo na tela. Me choco ao me deparar que nã o é ningué m mais
ningué m menos do que Bryan. Direciono meu olhar para Dominique,
que me encara do mesmo jeito. Quando olho para Ellen, ela nã o está
esboçando emoçã o nenhuma. — Ele é um dos caras mais lindos desse
cardá pio, senã o o próprio. E nã o me parece ser um completo estranho.
— E... esse é o Bryan. — Engulo sem seco. — A Ellen e ele tê m meio
que um lance.
— Ah, me desculpe! — Lança um olhar de culpa para a ruiva. — Nã o
é por nada, mas ele é bem bonito. Mas nã o sou fura-olho, nã o há com o
que se preocupar...
— Eu nã o tenho absolutamente nada com ele. — As palavras saem
rı́spidas da sua boca.
Encaro-a sem entender absolutamente nada.
Dom faz o mesmo.
— Como nã o?
— Nã o temos, simples. — Dá de ombros, indiferente com nosso
choque. — Nã o consigo entender de onde você s todos tiraram que
temos um lance.
— Por que é ó bvio? — retruco, franzindo o cenho, deixando o
computador de lado. — Ele é apaixonado por você . Pode nã o admitir,
mas, porra, nã o precisa de muito para entender!
— Nã o me importo. — Suspira, como se esse assunto a deixasse
cansada. — Já cansei de brigar com uma pessoa que prefere viver de
drogas a icar comigo. Simplesmente nã o aceito estar ao lado de algué m
que vive esse tipo de vida medı́ocre a troco de nada. Bryan nã o é o tipo
de cara que eu me orgulharia de apresentar aos meus pais. Na verdade,
sentiria vergonha.
— Nã o diga isso. — Dominique entra na defensiva. — Ele é o Bryan.
Nosso Bryan. Você sabe que se trata de um bom rapaz...
— Ele é ó timo, mas nã o para mim. Se quiser, Eleanor, pode pegá -lo
todinho para si. Estou te dando o passe livre.
— Obrigada... eu acho — agradece, nitidamente constrangida com a
conversa.
Penso em insistir no assunto, perguntar o que aconteceu entre os
dois. Entretanto, nã o quero deixá -la mais desconfortá vel.
— En im, Jess, nos conte como estã o os preparativos para receber a
Aurora! — Muda de assunto. — Estou tã o ansiosa para vê -la.
— Somos duas — Dom concorda, entrando na onda de “nã o vamos
mais falar sobre aquilo que nã o é da nossa conta”. — Eu nã o vejo a hora
de poder pegar esse bebê no colo. Espero que ela tenha bochechas
gordas e apertá veis.
— Estamos encaminhadas para as ú ltimas semanas de gestaçã o. —
Expiro o ar ansiosa, pousando novamente a mã o sobre o ventre,
sentindo-a se remexer com o barulho da minha voz. — Nunca me senti
tã o ansiosa e assustada em toda a minha vida. Quando ico parada em
frente à quele berço e me sento na cadeira... — Aponto a cabeça para
ambos os objetos que estã o colocados em um cantinho do quarto. Por
sorte, esse cô modo é enorme, entã o nã o precisamos nos preocupar
muito com o espaço. — Percebo o quanto tudo está se tornando tã o
real. Tã o vı́vido.
— Optou por parto normal ou cesariana?
— Cesá rea. Quero minha lor inteira e pretendo sentir menos dor
possı́vel. — Rio, sentindo arrepios ao pensar na dor que deve ser o
parto normal. — Obvio que, caso ela esteja milimetricamente
posicionada e quase saindo, terei de fazer o normal, mas esse nã o é
meu plano. Avaliei todas as opçõ es, conversei com minha obstetra e
escolhi aquilo que considero o melhor para mim. Mas a vida adora me
passar a perna.
— Ela adora passar a perna em todas nó s — Eleanor comenta,
dando mais uma golada no seu vinho. — O importante é que, no inal,
sabemos que tudo vai valer a pena.
Sorrio, apertando a mã o de minha irmã para mostrar que estou
aqui. Passamos o resto da noite conversando sobre trivialidades,
assistindo ilmes, escolhendo quais sã o as melhores roupinhas da
Aurora e concluindo a noite das garotas que tanto sonhei.
Assistir o estado decadente de Bryan estava começando a ser
engraçado. Desde quando chegamos ao bar, nosso amigo se afundou em
mais latas de cerveja do que pude contar.
Ele está triste pois, pelo que entendi, ocorreu uma grande discussã o
entre ele e Ellen, sua paixã o platô nica, durante o decorrer dessa
semana. Sua cegueira de paixonite chega a me deixar um pouco irritado.
Está mais do que claro que ela nã o quer absolutamente nada com ele,
alé m de sexos casuais durante algumas festas. Adoro El, sei que ela é
uma garota legal, mas detesto o que está fazendo com o meu amigo.
Porque, ao mesmo tempo, parece que a ruiva o quer por perto. Para
alimentar seu ego, talvez.
— O cabelo dela é tã o cheiroso. — Se queixa pela dé cima vez, dando
um longo gole na lata, apoiando a cabeça no ombro de Alexander. —
Tã o cheiroso. Nã o sei explicar ao certo qual é o aroma. Devem ser lores
de eucalipto mı́sticas.
— Flores de eucalipto mı́sticas nã o existem — Alex murmura,
empurrando o amigo levemente, fazendo-o parar ereto. — Sé rio, Bryan.
Você precisa se reerguer e sair dessa.
— Eu concordo. — Encaro-o com o má ximo de seriedade que
consigo expressar. Nã o estou bê bado, e nem pretendo icar. Essa é a
minha terceira lata, planejo parar pela quinta. — Ela quem está
perdendo, irmã o.
— E verdade. Você é um cara bonitã o, tem toda essa pinta praiana,
meio hippie.
— Tem o piercing també m, tatuagens. As garotas se amarram
nessas porcarias.
— Obrigado pela sessã o de autoestima, rapazes, mas nã o vai
funcionar. — Ri, esticando a mã o para o garçom lhe trazer outra cerveja.
— Eu sou bonito, sei o efeito que causo nas mulheres. Por que a única
mulher, que era para esse efeito funcionar de verdade, nã o me quer?
— Porque ela provavelmente é cercada por algum trauma do
passado que nã o lhe permite seguir com um relacionamento. —
Alexander resolve bancar o psicó logo por alguns instantes. — Ou
simplesmente nã o te quer e nã o te acha grande coisa.
— Pre iro acreditar na segunda opçã o. — Faz careta, meneando seu
olhar entre nó s dois. — Eu nã o sou o cara problemá tico, que se acha o
mais foda do campus. Nã o sou o jogador de basquete mais cobiçado da
universidade. Porra, eu faço parte do time dos bonzinhos! Eles nã o
deveriam ser justiçados?
— Nã o sou problemá tico e nem me acho o mais foda do campus.
— Nã o sou o jogador de basquete mais cobiçado da universidade.
— Ah, sã o sim! Me poupem e encarem a realidade. — Gargalha,
contagiando-nos com sua risada. No fundo, sabemos que é verdade. —
Sou só o recé m-formado em biologia, que toca violã o e fuma maconha.
E você ... — Aponta para Alex. — Tem uma mulher foda ao seu lado.
Problemá tica na mesma intensidade, e que te ama de um jeito
peculiarmente diferente. E você ... — Vira-se para mim. — Tem outra
mulher foda ao seu lado, que está prestes a ter um bebê , que, com toda
certeza do mundo, será tã o lindo ao ponto de ser digno de capa de
revista. Por que nã o tenho a minha mulher foda, problemá tica e
grá vida?
Preciso me conter para nã o cuspir ao ouvir sua ú ltima frase,
engolindo a risada.
— Quer uma mulher foda, problemá tica e grá vida?
— Tirando a parte do grá vida. Nã o é por nada, Trent, você vai ser
um pai incrı́vel, mas ainda nã o sirvo pra isso. Me dou melhor sendo o
padrinho Bryan.
— Aceite que a Aurora vai gostar mais do tio Alexander. — Pisca,
travando um olhar de rivalidade zombeteira para ele. — Será mais fá cil
de aceitar quando for verdade.
— Nem fodendo. Fique com sua namorada foda e problemá tica, e
me deixe em paz com minha sobrinha. Por favor, eu mereço.
— Vou pensar no seu caso. E o primeiro bebê da turma, ela tem
direito de ser muito mimada.
— Nunca, em um milhã o de anos, poderia imaginar que seria pai
apó s me formar. — Suspiro pensativo. — Isso tudo é meio que uma
loucura, né ? Em um ano nossas vidas viraram de cabeça para baixo.
Ainda nã o consigo acreditar que, em poucas semanas, Aurora estará
aqui comigo.
— Está pronto para perder noites incontá veis de sono?
— Mentalmente e isicamente. — Rio. — Por sorte, as paredes da
nossa casa sã o reforçadas. Nã o quero incomodar você s.
— Você e a Jess nã o pensam em morar juntos? — Bryan pergunta.
— Ou é cedo demais?
— Nunca conversamos sobre isso — respondo re lexivo, pensando
que seria uma ó tima pauta de conversa. Uma hora ou outra,
precisaremos de um cantinho só nosso. — Queremos nos adaptar com a
bebê por algumas semanas, ver como será nossa rotina. Um
apartamento mobiliado nã o seria má ideia.
— Tenho contato com alguns corretores, caso precisar — Alex diz.
— Estava pensando em me mudar també m. Mas, quando sugeri a ideia
para Dominique, ela praticamente entrou em surto. Disse: “Alexander,
ainda é cedo! Não faz nem um ano que estamos juntos! E se você cansar
de mim? E se nós dois não nos suportarmos mais? Você mal aguenta
esperar pelo meu banho, não seja doido de comprar um imóvel antes de
me consultar! Eu juro por Deus que te mato” — repete as palavras da
namorada, imitando sua voz, nos provocando outras boas risadas.
— Você sabe que ela é reclusa. Se todos nó s nos mudarmos, Bryan, a
casa vai ser só sua.
— Vou ter que arrumar novos colegas de quarto entã o! — bufa
dramaticamente. — Odeio icar sozinho sem uma namorada.
— Nã o sinta ciú mes, meu docinho. — Aperto suas bochechas até ele
me desferir um tapa para espantar o contato. — Ainda te amamos do
mesmo jeito.
— Vamos te arrumar uma namorada menos problemá tica e nã o
grá vida. Supere seu ex-amor para poder encontrar o pró ximo.
— Obrigado, prometo me esforçar para esse feito.
Ficamos no bar por aproximadamente mais uma hora, até duas da
manhã . Obrigamos Bryan a tomar pelo menos uma garrafa de á gua
antes de pegarmos um tá xi, voltando para casa. O ajudamos a chegar ao
seu quarto com segurança, sem cair pelas escadas como nas suas
primeiras tentativas de bancar o só brio, ou acordar Eleanor, que está
dormindo profundamente no sofá da sala.
Quando entro no meu quarto, abro um sorriso apaixonado ao ver
Jessamine dormindo, encolhida no seu lado da cama, deixando espaço
para que eu me deite ao seu lado.
Deito delicadamente, esforçando-me para nã o a acordar. Ela abre
um pouco seus olhos, deixando-os semicerrados, sorrindo ao notar
minha presença. Apenas trago seu corpo para perto do meu, beijando
seus lá bios, depois o topo da testa, descendo para depositar um ú ltimo
beijo na sua barriga e a abraçar, caindo no sono rapidamente, com
aquela sensaçã o deliciosa de estar em casa preenchendo meu peito.
“Q ,

,

(A B )

CINCO SEMANAS DEPOIS...


Ela iria acordar a qualquer momento. Olho para o reló gio, vendo
que marcam exatas trê s e cinquenta e cinco da manhã . Em cinco
minutos, Aurora abriria seus lindos olhinhos cor de â mbar para mim, e
provavelmente começaria a chorar.
Nas ú ltimas trê s semanas desde o seu nascimento, essa se tornou
nossa nova rotina: acordar todos os dias à s quatro horas para alimentá -
la ou tentar sanar suas có licas com amor e carinho. Geralmente, eu
costumava ir pegá -la, pois na maioria dos casos era fome. Poré m,
Trenton sempre fazia questã o de se levantar comigo, alegando que nã o
iria me deixar sozinha.
Mas hoje, seus treinos foram intensos durante a tarde. Ele ainda nã o
conseguiu tirar sua licença, já que o campeonato está chegando na inal.
Creio que, em uma semana ou duas, seu chefe conseguirá liberá -lo para
a licença. Meu namorado praticamente mal estava se aguentando em pé
antes de dormir, entã o nã o quis incomodá -lo.
Programei meu reló gio no silencioso para acordar primeiro,
aproveitando uma das vantagens do meu sono leve. Plantei um beijo na
sua testa e agora estou aqui, sentada na minha cadeira de balanço,
torcendo para os meus seios nã o estarem tã o doloridos quanto ontem.
Nos relatos que li sobre amamentaçã o, me atentei aos casos de
mastite – uma in lamaçã o no tecido do peito, resultante de uma
infecçã o. Chega a ser comum de ocorrer em mulheres que estã o
amamentando pela primeira vez. Torci para ser uma das sortudas que
conseguiria passar por esse processo com tranquilidade, entretanto,
nã o fui uma das escolhidas.
Minha maior sorte é ter o apoio do meu namorado nas horas que
essa condiçã o faz com que eu me sinta insu iciente. Na primeira
semana, pensei que fosse surtar. Nã o aguentava tamanha dor, odiava
ver Aurora chorando, pedindo por algo que eu naturalmente deveria
ser capaz de oferecer. Graças aos cé us, estou me sentindo cada vez
melhor e mais forte.
— Olha só quem acordou. — Abro o sorriso mais puro e singelo ao
vê -la abrindo os olhos. Ele quase se desfaz ao ver sua boca formando
um bico, indicando que seu choro agudo está se aproximando. — Nã o
chore, minha princesa. Vem cá .
Ela solta um grito antes que eu a pegue nos braços. Bufo, mordendo
o lá bio inferior, ninando-a em meus braços, cantarolando alguma
musiquinha infantil. Tento oferecer meu peito, mas Aurora recusa,
sinalizando que sã o có licas.
Quando me sento na cadeira, vejo Trenton se espreguiçando na
cama. Os cabelos bagunçados, cenho franzido, que logo desaparecem ao
ver sua ilha. Ele nunca consegue deixar de sorrir.
— Por que nã o me acordou, linda? — pergunta com a voz sonolenta,
levantando-se e caminhando até estar ao nosso alcance.
— Nã o quis te incomodar, você chegou muito cansado do treino. E
ontem foi o seu turno da madrugada, pode deixar que eu dou conta.
— Posso icar aqui fazendo companhia para as duas garotas mais
lindas do mundo. — Sorri, depositando um beijo na testa da pequena
antes de beijar meus lá bios. — Ela é tã o linda. Nã o me canso de olhar
para esse rostinho que é exatamente igual ao meu.
Tento lhe mostrar o dedo do meio, rindo de sua a irmaçã o. Nã o
posso nem ao menos negar, pois estaria mentindo. A garotinha é uma
có pia exata do pai. Desde o tom de pele negro até os poucos cabelos
escuros que dominam sua cabeça em cachinhos, que quando tomarem
forma, serã o como os dele. Apenas o tom dos olhos e o nariz sã o meus.
Mesmo com ela nã o vindo a minha cara, nã o há como negar que Aurora
Lanoie Grant é um bebê de tirar o fô lego.
Todos os nossos amigos estã o simplesmente apaixonados, quase
tanto quanto nó s. Quando nos juntamos, os olhares, falas e presentes
sã o dirigidos a ela. Ela se tornou o centro do mundo de todo mundo.
Inclusive de sua avó , Esther, e sua tia, Eleanor, que as visitaram no dia
do seu nascimento e as acompanham quase todos os dias por chamada
de vı́deo. A pequena faz realmente jus ao signi icado do seu nome, uma
vez que se tornou o raio de sol para todos aqueles que nos cercam.
— Tá bom, eu admito que ela é a sua có pia. Por sorte, você tem um
rostinho muito bonito. — Rio baixo, beijando seus lá bios uma ú ltima
vez. Nossa ilha sempre se acalma ao ouvir nossas vozes, entã o, nesse
momento, seu choro ensurdecedor se transformou em murmú rios. —
Estou falando sé rio, lindo. Vai dormir, dou conta do recado por hoje.
Vou descer, tomar uma á gua. Movimentaçã o a faz cair no sono
rapidamente.
— Tem certeza?
— Absoluta.
— Tudo bem entã o. Fiquem bem, minhas meninas.
Ao deitar-se na cama, ele praticamente desmaia. Dou risada de seu
cansaço, levantando-me da cadeira com cuidado, descendo as escadas
meticulosamente até chegar à cozinha, lugar onde estamos deixando as
luzes mais fracas acesas para ocasiõ es como essa, onde desço com a
bebê no colo. Com a iluminaçã o, ela se põ e inquieta no meu colo,
mexendo suas perninhas. Surpreendo-me ao ver Bryan sentado no sofá ,
segurando uma caneca com o que pressuponho ser algum chá ,
zapeando canais pela televisã o distraidamente.
— O que está fazendo acordado essas horas, mocinho? — pergunto,
parando em pé à sua frente, sem deixar de mover meu corpo de um
lado para o outro.
Seus olhos caem primeiro em Aurora.
— O que você está fazendo acordada com o bebê mais lindo do
mundo?
— Esse é o horá rio que ela costuma acordar. — Suspiro, sentindo a
garganta secar pela sede. — Você se importa de niná -la um pouco?
Preciso beber á gua.
— Claro que nã o. Sou o padrinho, esqueceu? — diz o tı́tulo com o
peito cheio de orgulho, esticando seus braços para pegá -la.
— Nã o, bobinho. Cuidado, sua a ilhada está agitada.
— Sem problemas, sou encantador de bebê s.
Vou até a cozinha sozinha, o assistindo sentar-se no sofá ,
conversando com minha ilha como se, de fato, estivesse entendendo
suas palavras. Dou risada, engolindo dois copos de á gua em questã o de
segundos.
Nunca me senti tã o exausta em toda a minha vida. Meu corpo inteiro
dó i, desde as marcas da cesariana que ainda estã o cicatrizando até as
costas por dormir na cadeira de balanço em algumas ocasiõ es
repentinas, quando estou exausta demais para ir até a cama.
Dei uma pausa em tudo na minha vida para me dedicar cem por
cento a Aurora. Minha marca, Lanoiê, deu um salto de vendas nos
ú ltimos meses. Ao ponto de que, quando retornar da licença
maternidade que impus a mim mesma, minha primeira atividade será
contratar uma estagiá ria. Provavelmente alguma caloura da
universidade com quem eu me identi ique.
Apesar de todas as di iculdades envolvidas na maternidade – e na
vida – nunca me senti tã o completa em anos. Na verdade, creio que essa
é a primeira vez que me sinto assim. Tudo parece tã o perfeitamente
bom, que tenho medo de estar sonhando. Pelo menos, com um
bebezinho ocupando cem por cento do meu dia, nã o tenho tempo para
me preocupar com minhas paranoias desnecessá rias. Se teve uma coisa
que aprendi ao longo desses ú ltimos meses foi que devemos aproveitar
um dia de cada vez, sem sofrermos demais com o futuro.
— Parece que estou mesmo cara a cara com um encantador de bebês
— digo surpresa ao ver Aurora tã o calma em seus braços, tentando
alcançar seu colar.
— Te falei que crianças me adoram. E o cabelo. E olhos també m. E
meus acessó rios. O pacote completo. — Pisca convencido, traçando um
carinho delicado pelo rosto dela. — Olha, nã o é querendo puxar seu
saco nem nada do tipo, mas, porra, você s precisam fazer mais bebê s.
Acho que estou apaixonado por essa criaturinha tã o pequena e
delicada.
— Somos dois. — Sorrio, erguendo os braços para pegá -la de volta.
No momento em que ele me entrega, ela tenta agarrar meu peito,
sinalizando que está com fome. Sem me importar com sua presença,
porque sei o quanto Bryan é um rapaz respeitoso, coloco meio para
fora, alimentando-a. — Nã o entendo como uma coisinha tã o pequena
pode ser tã o faminta.
— Ah, isso ela puxou da mã e. Ou do pai. Nã o sei quem de você s dois
come mais.
— Ei! — Cutuco sua costela com meu cotovelo livre, provocando-lhe
um riso. — Mais respeito, por favor. Nos ú ltimos meses eu estava
comendo por duas pessoas.
— Antes disso, cunhada. Você comia feito uma draga, e roubava
minhas barrinhas de cereal.
— Nã o tenho culpa se elas eram deliciosas e você nunca comia. E
pecado desperdiçar.
— Pecado é roubar a comida do pró ximo! — acusa com os olhos
cerrados de brincadeira. — Nã o tem problema ser comilona, é sexy.
— Sexy vai ser a vomitada que eu vou fazê -la dar na sua cara.
— Vô mito nã o me assusta.
— Vai se ferrar. — Consigo mostrar o dedo mé dio quando a pequena
se satisfaz, apó s desferir dois tapinhas leves nas suas costas para fazê -la
arrotar. — Agora, ela dormirá feito um anjo.
— Como está sendo sua rotina de adaptaçã o? — questiona
nitidamente interessado, olhando para ela.
Uma das coisas que mais notei em Bryan ao decorrer dessas ú ltimas
semanas é o quanto ele vem se mostrando prestativo, cumprindo o
papel de padrinho com mais seriedade que eu esperava. Percebo
quando quer passar um tempo do seu dia apenas a observando, nos
momentos em que eu preciso tomar um banho ou quando Trenton está
nos treinos.
Dominique també m vem sendo uma ó tima madrinha, me ajudando
sempre e em todas as oportunidades que preciso, mas ele tem algum
toque, como se fosse uma conexã o especial com ela, a qual nã o consigo
sentir um pingo de ciú mes, porque é a coisa mais admirá vel que já vi. E
fofo, puro. Prestativo, e nã o invasivo. Por exemplo, sei que, nesse
momento, ele quer pegá -la no colo. E nã o me importo nem um pouco
em deixá -la nos seus braços, sorrindo silenciosamente, sem precisar
dizer nada, arfando ao sentir as costas soltar contra o sofá macio.
— Uma loucura. Tem dias que nã o sei como aguento icar em pé .
Tem dias que penso em desistir de tudo e dormir por cinco dias
seguidos — desabafo, jogando a cabeça contra o estofado, virando de
lado para encará -los. — Ser mã e é exaustivo. O tempo todo, a cada
segundo do meu dia, meus pensamentos estã o na Aurora. Se ela está
bem, se está com fome, se precisa tomar banho. Muitas vezes me
levanto e vou checar sua respiraçã o, suspirando aliviada ao ver que ela
está respirando bem e normalmente. Parece maluquice, eu sei, mas é
simplesmente...
— Preocupaçã o de mã e. — Ele tira as palavras da minha boca. — E,
eu entendo. Nã o consigo nem imaginar como é essa sensaçã o, mas
tento entender. Trenton també m está do mesmo jeito. Ele me manda
pelo menos dez mensagens por dia perguntando como você s duas
estã o.
— Preocupaçã o de pai. — Dou um sorrisinho. — Trent é um pai
maravilhoso. Ele se sente culpado por nã o ter conseguido tirar sua
licença, mas sua presença paterna é mais do que e iciente. Ainda
estamos no começo, né ? Muitas coisas ainda vã o se ajustar.
— Com certeza. E você , baby Aurora — direciona suas palavras para
a bebê , que está praticamente dormindo, tentando lutar contra o sono
—, tem dois pais incrı́veis, que te amam com todas as forças. E tios
també m. Somos uma famı́lia um pouco louca, meio estranha, mas o que
importa é que todos nó s te amamos. Amor e carinho sã o as duas coisas
fundamentais da vida, e elas nunca, nunquinha mesmo, vã o te faltar.
— Bryan, nã o me faça chorar à s cinco e meia da manhã — digo com
a voz embargada, tentando conter a surra de hormô nios que me rebate.
Ao ver minha emoçã o, ele me entrega a pequena de volta no colo,
creio que em uma tentativa de me conter. O que nã o funciona, tendo em
vista que, ao ver seu rostinho tã o perfeito, lindo e saudá vel, começo a
chorar mais ainda.
— Me desculpe, nã o sei por que estou chorando. Acredito ser
emoçã o, carrego muitos sentimentos dentro de mim ultimamente.
— Nã o precisa pedir desculpas, Jess. E normal, eu també m choraria
se tivesse uma ilha tã o linda e ela viesse idê ntica a minha namorada —
brinca para descontrair o clima, causando-me uma risada engasgada, a
qual contenho para nã o fazer muito barulho.
— Já entendi que perdi na questã o de semelhança! — Faço um bico
dramá tico. — Mas nã o negue que o nariz e os olhos sã o meus.
— Talvez, nã o sei se devo te dar esse gostinho.
— Vai se ferrar. — Arregalo os olhos ao perceber que falei um
palavrã o na frente da minha ilha. Pelo menos, ela ainda não entende
nada do que eu falo. — De qualquer forma, precisamos dormir. Você
també m deveria.
— Nã o consigo, estou a lito com algumas paradas.
Encaro-o confusa.
— Nã o quer conversar sobre?
— Obrigado, mamã e do ano, mas nã o vou te preocupar com merd...
com coisas que posso resolver sozinho — corrige para nã o falar o
palavrã o, icando em pé ao mesmo tempo que eu. — Vã o descansar,
amanhã é um novo dia.
— Espero que você ique bem. Boa noite, Bryan.
— Boa noite.
Subimos as escadas mais uma vez, retornando até nosso quarto.
Coloco Aurora no berço, beijando sua testa cheirosa, desejando uma
boa-noite silenciosamente antes de voltar a me deitar. Me surpreendo
ao sentir os braços de Trenton envolvendo minha cintura, junto de seus
lá bios grudados no meu pescoço.
— Hoje estou de folga — sussurra, girando meu corpo na cama para
que iquemos frente a frente. — Sabe o que signi ica?
— Que vou poder dormir até mais tarde?
— Exatamente.
Meus olhos brilham num misto de emoçã o e alı́vio.
— Meu Deus, que vontade de chorar. Nunca pensei que fosse me
emocionar pelo simples fato de poder dormir mais algumas horas.
— Quando eu pegar minha licença, francesa, poderá se acostumar
com essa ideia. A nã o ser que sua ilha sempre acorde para comer.
— Ela nã o deve me odiar tanto — brinco, descansando a cabeça
contra o seu peito, inspirando o perfume masculino tã o delicioso e
familiar. — Obrigada por ser o melhor pai do mundo.
— Obrigado por ser a melhor e mais compreensiva mã e do mundo.
Prometo que vou recompensar toda minha ausê ncia nesse perı́odo de
campeonato.
— Nã o se culpe tanto, Trent. — Acaricio a lateral do seu rosto até
chegar nos cabelos da sua nuca, traçando um carinho reconfortante. —
Nó s estamos bem. Você está longe de ser um pai ausente. Mesmo
quando nã o está aqui, sentimos sua presença. Promete que vai parar de
se preocupar com isso?
— Posso prometer que vou me esforçar ao má ximo. — Rouba um
beijo inesperado dos meus lá bios. — Agora descanse, minha linda.
— Posso prometer que vou me esforçar ao má ximo — repito suas
palavras fazendo uma voz engraçada.
Ele ri, diminuindo a intensidade do abajur para corroborar com
meu sono. O peso do dia a dia cai com tanta força sobre meus ombros
que durmo em poucos minutos, com um sorriso satisfeito ao saber que
começarei meu pró ximo dia com horas de sono a mais.
“E ,
,

.”
(A B )

Preciso respirar fundo pelo menos trê s vezes antes de entrar no


chuveiro delicadamente, segurando minha ilha nos braços, itando seus
grandes olhos abertos, atentos a tudo o que está acontecendo, junto do
seu pequeno corpo encolhido contra o meu peito.
Hoje, é a minha segunda tentativa de dar um banho nela comigo
junto no chuveiro. Jessamine leu que esse jeito de banhar os bebê s os
deixam mais calmos, pois estã o em contato com a pele dos pais, algo
que é familiar. Ela já conseguiu, obtendo cem por cento de sucesso.
Nunca vi Aurora tã o calma, tranquila e singela durante um banho. Ela
nã o tirava os olhos da mã e nem por um segundo, em ê xtase pelo som da
sua voz e o calor da á gua em temperatura ambiente.
Quando fui tentar de primeira, estava muito apavorado. Para o meu
azar, a pequena també m estava morrendo de fome na hora, entã o
começou a chorar, pedindo o colo da mã e para se alimentar. Mas, nesse
momento, enquanto entro no chuveiro como se tivesse medo da á gua,
minha ilha está calma. Apoiando sua mã ozinha no meu peito, olhando-
me como se dissesse, ainda que indiretamente, que con ia em mim e
está tudo bem.
— Você nã o precisa ter medo da á gua, sabia? — Jessamine provoca,
rindo da minha cara. — Ela nã o queima. Muito pelo contrá rio, te ajuda a
manter a higiene em dia.
— Nã o me provoque, francesa. — Dou uma risadinha, molhando
meus cabelos primeiro, tomando todo cuidado do mundo com o bebê
que está no meu colo. — Só estou um pouquinho assustado.
— O má ximo que ela pode fazer é começar a chorar, lindo. E nã o me
parece que isso vai acontecer — diz baixando o olhar para a ilha, que
permanece em um estado de calmaria invejá vel enquanto começo a
banhá -la cuidadosamente. — Sabe, Aurora, eu te entendo. Os braços do
seu pai sã o o melhor lugar do mundo para se tomar um banho. E
dormir també m.
— Parece que algué m está gostando — falo aliviado, traçando um
carinho delicado pela sua cabeça. Mesmo com apenas um mê s de vida,
minha princesinha sorri para mim. E um sorriso leve, quase
imperceptı́vel, mas está lá , aquecendo meu coraçã o de uma forma
inexplicá vel.
— Viu só ? Ela está sorrindo para você ! — Jess comemora, se
aproximando de nó s dois, plantando um beijo na minha bochecha e
acariciando as bochechas dela sem se importar em estar se ensopando.
— Bom trabalho, papai.
Entrego meu melhor sorriso orgulhoso, deixando suas palavras
percorrerem por todo meu corpo, fazendo com que aquela sensaçã o
deliciosa de “dever cumprido” me domine completamente.
Essa é a minha primeira semana livre. Há dois dias, concluı́ nosso
ú ltimo jogo no campeonato, garantindo a vitó ria da Boston University
pela terceira vez consecutiva. O treinador está extasiado de tanto
orgulho pelo meu trabalho. Meus alunos, futuros jogadores
pro issionais, estã o comemorando até hoje. Literalmente até hoje.
Desde o dia que ganhamos, eles estã o realizando festas consecutivas na
fraternidade que habitam, nomeando o evento de “A semana da vitória
do basquete”. Fui convidado para ambos os eventos, poré m obviamente
os recusei. Eles me compreenderam, entenderam que nesse momento
minhas prioridades sã o outras.
Elas envolvem um lindo bebê gorduchinho, que, graças ao bom
Deus, adormece logo apó s seu banho relaxante. Seria impossı́vel tentar
explicar em palavras o que eu sinto ao ver Aurora ao me dar conta de
que, inalmente, depois de tanto tempo, tudo valeu absolutamente a
pena.
Eu nã o mudaria nem um detalhe sequer na minha histó ria, porque
toda vez que sinto sua respiraçã ozinha calma contra o meu peito, os
lá bios levemente entreabertos, percebo o quanto ela era destinada a ser
minha luz em meio a tanta escuridã o. Fechar os olhos e imaginar minha
vida sem essa garotinha e sua mã e ao meu lado me causa um pâ nico
indescritı́vel. Elas sã o minha famı́lia. Sã o a razã o pela qual me levanto
todos os dias com um sorriso, ao ver minha garota dormindo ao meu
lado e observar nossa ilha no berço.
Nas primeiras semanas, me sentia inú til. Por estarmos muito
pró ximos das inais, passava mais horas no treino do que o planejado.
Odiava saber que nã o estava dando a Jessamine o suporte devidamente
necessá rio. Um bebê recé m-nascido causa muito mais preocupaçõ es e
trabalho do que é descrito nos livros, ilmes. Ficamos paranoicos ao
mesmo tempo.
Jess nã o sabe, mas també m havia pegado o seu costume de checar a
respiraçã o de Aurora durante a madrugada. Mesmo acordando durante
a noite, ela consegue tirar longas horas de sono apó s amamentar.
Chegava a acordar assustado quando seu choro cronometrado nã o
acontecia, entã o me levantava cuidadosamente e ia checá -la.
Atualmente nã o temos mais essa preocupaçã o, já que, na ú ltima
consulta, a doutora Vanessa nos assegurou de que nossa menina estava
perfeitamente bem, saudá vel, e que deverı́amos considerar os dias com
sonos ininterruptos como bê nçã o e nã o preocupaçã o.
— Preciso me encontrar com o meu fornecedor de tecido em alguns
minutos — anuncia, trocando seus pijamas por um vestido leve
enquanto termino de colocar a fralda em Aurora e vesti-la. — Chegaram
alguns tecidos e quero vê -los em primeira mã o.
— A Valerie nã o pode fazer isso por você ? — questiono, referindo-
me à sua estagiá ria que foi contratada recentemente.
Jessamine nã o conseguiu se conter, dando algumas olhadinhas em
seu pró prio negó cio até chegar ao ponto de precisar de mais ajuda. Por
trabalhar em casa, ica mais fá cil dividir o tempo entre administrar sua
produçã o e icar com nossa pequena.
— Pode, mas ainda nã o con io nela o su iciente para saber o meu
gosto. — Sorri, depositando um beijo leve nos meus lá bios. — E
rapidinho, só quero deixar tudo organizado para quando for começar
minha nova coleçã o. Já vendi todo o meu estoque.
— Sem problemas, minha linda. Consigo me virar sozinho.
— Eu sei que consegue. Se ela começar a chorar de fome, me ligue
que venho correndo.
— Combinado. Até mais tarde.
Aproveito que Aurora está desfrutando do seu cochilo da tarde e a
deixo no berço, ligando a babá eletrô nica antes de descer para a
cozinha. Lá , encontro Alexander em frente à geladeira, encarando-a
como se estivesse à procura de algo, sem nem ao menos se virar para
mostrar que notou minha presença.
— Nossa casa está diferente — murmura, e nã o sei se ele está
falando comigo ou consigo mesmo. — Tudo está diferente. Em todos os
sentidos.
— Pode me dar um exemplo?
— Nossa geladeira era lotada de cerveja. Só tı́nhamos cerveja e
á gua. Agora, tudo o que consigo ver sã o mamadeiras cheias de leite
materno, sucos integrais, muito mais á gua do que o normal e nenhuma
latinha. Quando foi que viramos adultos?
Solto uma gargalhada com sua conclusã o, percebendo que, de fato,
ele está certo.
— Nã o sei te dizer. Se for incô modo, posso comprar um frigobar e
mover nossas coisas para lá ...
— Nã o! Nem pensar — interrompe-me. — Eu nã o disse isso no
sentido pejorativo. E uma mudança boa, estamos amadurecendo.
Apesar de que, agora, eu mataria por uma garrafa de cerveja.
— Nem me fale. — Dou uma risadinha. — A ú ltima vez que bebi foi
naquele dia no bar. Mesmo nã o tendo costume, sinto saudades de
quando nos reunı́amos no sofá e icá vamos bebendo, comendo petiscos
e discutindo o que farı́amos no im de semana. Parece um passado tã o
distante, mas se passou apenas um ano.
— Um ano pode mudar nossas vidas completamente.
— Eu que o diga, sou a prova viva disso.
— O seu ano foi o mais mudado, meu amigo. Pelo menos, setenta
por cento das mudanças foram boas. Como a Aurora está ?
— Dormindo em um sono que, tomara Deus, irá durar pelo menos
trê s horas. — Expiro o ar esperançoso, enchendo dois copos de suco,
sinalizando para caminharmos até a sala. — Ela é tã o perfeita, cara. Em
todos os sentidos possı́veis da palavra perfeiçã o. Jamais pensei que
pudesse amar tanto uma pessoa como a amo. E um tipo de amor que
explode o peito, entende? Ultrapassa barreiras inimaginá veis.
— Eu sabia que você seria a descriçã o completa de um pai babã o. —
Ri, encarando-me orgulhoso. — E tem razã o. Ela é um bebê de tirar o
fô lego. Se um dia eu tiver um ilho ou ilha, espero que seja tã o bonito
ou bonita quanto a sua.
— Você e a Dom pensam em ter ilhos?
— Nunca conversamos sobre esse assunto — bufa pensativo. —
Para ser sincero, tenho um pouco de medo de comentar e ela nã o
querer.
— Se nã o arriscar, nã o tem como saber. Eu tenho certeza de que
você s seriam pais incrı́veis.
— Duas pessoas com histó rico de famı́lias malucas? — questiona
com sarcasmo. — Nã o sei.
— Ah, pare com isso! — Lhe dou um empurrã ozinho no ombro pela
falta de con iança. — Consigo compreender seu lado. Vim de uma
famı́lia ó tima. Querendo ou nã o, fui “direcionado” a saber como cuidar
da minha algum dia. Sendo assim, acabo possuindo uma base maior do
que fazer. Poré m, isso nã o me faz ser superior. Ser pai é uma loucura. Li
livros, vi documentá rios, porra, cheguei a me inscrever e assistir
palestras on-line sobre paternidade. Só que, quando segurei minha ilha
nos braços pela primeira vez, um branco gigantesco perpetuou pela
minha cabeça. A gente pensa que sabe o que fazer, mas, no fundo, nã o
sabemos de porcaria nenhuma. Ainda tenho muito pela frente. Vou
errar muito, e pretendo acertar para compensá -los. Se essa for a
vontade de você s, Alex, nã o há histó rico no mundo que vai impedi-los
de darem todo amor do mundo ao seu ilho.
— Quando foi que você virou um cara tã o profundo?
— Coisa de pai. Vai se acostumando, acho que Jessamine passa uma
parte dos seus hormô nios para mim enquanto dorme.
Consigo arrancar uma risada dele.
— Essas coisas contagiam. Quando Dominique ica de TPM, sinto
que eu ico també m. E uma loucura. De qualquer forma, obrigado pelas
palavras. Ainda tenho muito tempo para pensar em ter ilhos.
— Com certeza. Se protejam enquanto nã o quiserem que aconteça.
Ou con iem na sorte e torçam todo o mê s para nã o ganharem o melhor
presente da vida.
— Pre iro me proteger por enquanto. Os treinos voltam...
— Nã o querendo interromper a troca de testosterona, mas essa
coisinha linda acordou. — A voz de Dominique invade nossos ouvidos.
Viramos nossos olhares para ela, que está com Aurora no colo, olhando
com amor para a garotinha. — Acabei de acordar do meu cochilo e a
ouvi se remexer no quarto, nã o resisti. Olha lá , Aurorinha! E o seu papai.
E o namorado da sua madrinha — diz com uma voz engraçada, aquela
tı́pica que usamos para falar com bebê s.
Nã o há como deixar de notar o olhar apaixonado que Alexander
dirige para a sua namorada, que continua balançando a criança em seus
braços, sorrindo como se estivesse – e está – segurando a coisa mais
preciosa do mundo. Ele nã o precisa dizer, eu o conheço o su iciente
para saber que seu desejo é ter um ilho. E, pela forma como Dom cuida
da a ilhada quando precisamos, acredito que essa també m seja sua
vontade.
— Pensei que ela fosse dormir a tarde inteira. — Levanto-me,
caminhando até elas. Meu amigo me acompanha. — Parece que algué m
ica agitada quando a mamã e sai de casa, nã o é mesmo?
— Bebê s sentem falta dos pais quando eles saem. Mas isso nã o é
problema, a madrinha Dom está sempre alerta.
— A madrinha Dom podia me entregar minha ilha — provoco,
rindo do seu olhar mortal dirigido para mim.
— Nã o brinque com a fera indomá vel, Trent.
— Só mais um pouquinho — pede fazendo bico. — Ela é a minha
dose de serotonina diá ria. Fico mais calma ao sentir o seu perfume
delicioso de bebê invadindo minhas narinas.
— Tudo bem, só mais um pouquinho. Tenho ciú mes e també m
preciso da minha dose.
Voltamos a nos sentar na sala, paparicando Aurora. Por estar
acostumada a receber muita atençã o, a garotinha nã o hesita ao passar
de colo para colo, grudando no meu pescoço ao se cansar de ser
exibida.
O resto da tarde se alastra com todos nó s juntos, jogando conversa
fora enquanto espero pela chegada de Jessamine.

— Linda, nó s precisamos conversar — digo para Jess apó s vê -la
saindo do banho, enrolada no seu roupã o, penteando os cabelos. —
Papo de adultos.
— Sobre? — Fita-me preocupada, sentando-se na cama. — Foi por
isso que você pediu para Alex e Dom icarem com a Aurora agora de
noite?
— Exatamente. Ela está dormindo tranquilamente no seu carrinho,
nã o merece ser interrompida por uma conversa.
— Ok, estou icando com medo. — Morde o lá bio inferior, a lita. Dou
um sorriso com seu costume. — Se for sobre aquela barra de chocolate,
eu juro que tentei guardar pra você . Mas ela estava tã o irresistı́vel...
— Ei, nã o é por isso... espera, você que comeu meu chocolate? —
Minha boca se abre em um gigantesco “O” apó s ouvir sua con issã o. —
Pensei que tivesse sido algum dos meninos!
— Me desculpa! — Gargalha, entrando na defensiva, engatinhando
para sentar-se em meu colo numa tentativa ó tima de me persuadir. —
Meus desejos de pó s-grá vida estavam latejando. Prometo comprar
outro.
— Pó s-grá vida, sei. — Franzo o cenho em descon iança. — Só vou
perdoar porque senti falta de te sentir no meu colo.
— Vai se ferrar. — Revira os olhos, levando uma das mã os para
acariciar meus cabelos. — Falando sé rio, sobre o que quer falar?
— Acho que deverı́amos comprar um apartamento só nosso e
morarmos juntos.
Minhas palavras a fazem saltar do meu colo como se estivesse
sentada em brasa quente. Andando de um lado para o outro, Jessamine
me encara como se parecesse descrente perante o que falei, olhando
para mim meio atordoada.
— Você tá falando sé rio? — pergunta apó s passar cerca de trê s
minutos em um completo silê ncio. — Sé rio mesmo?
— Por que nã o estaria? — retruco, colocando-me em pé na sua
frente. — Já estamos juntos há quase um ano. Temos uma ilha, que
nem sequer tem o seu pró prio quarto. Pensei em comprarmos ou
alugarmos um apartamento mobiliado. Talvez alugar seja uma melhor
opçã o, vai que um dia resolvemos mudar para uma casa...
— Uma casa... — Expira, apoiando a mã o na testa. — Trenton, você
vê mesmo um futuro comigo? Tipo, de verdade?
— E ó bvio que sim! — exclamo, chegando a rir de desespero.
— Com uma casa de verdade? Famı́lia, mais ilhos, talvez um
casamento?
— Com tudo isso. — Apoio as mã os na sua cintura, trazendo-a para
mais perto. — Absolutamente tudo, francesa. Por que está duvidando?
— Nã o é uma questã o de dú vida — murmura com os olhos
marejados. Em um lapso, lembro-me de que seus hormô nios ainda
estã o à lor da pele. — Tudo está tã o bom. Estamos tã o felizes, com
nossa ilha saudá vel, seguindo nossas carreiras dos sonhos. Coisas boas
nã o costumam acontecer comigo por muito tempo. Tenho medo de
tomar um grande passo, como uma mudança, e começar a dar errado.
— Mesmo se der errado, nó s ainda teremos um ao outro. — Prendo
uma mecha de cabelo molhado atrá s da sua orelha. — Pode dar tudo
errado, como també m pode dar tudo certo. Nã o iremos saber se nã o
tentarmos. Poré m, se ainda quiser continuar aqui, nã o tem problema...
— Nã o, nã o! — corta minha fala. — Esse é um passo importante na
nossa relaçã o. Nó s moramos juntos há um bom tempo, certo?
Deverı́amos ter um espaço só nosso. Fico constrangida quando
acordamos um de nossos amigos por conta do choro da Aurora. E ela
també m precisa de um quartinho amarelo só dela.
— Tem certeza de que essa é realmente sua vontade?
— Nunca estive tã o certa em toda a minha vida. Somos uma famı́lia
completa agora, lindo. Nada mais justo do que termos nosso pró prio lar.
— Entã o... vamos morar juntos?
— Vamos morar juntos.
Puxo seu corpo pela cintura, grudando seus lá bios nos meus em
comemoraçã o. Ela solta um suspiro de prazer, alegria, felicidade, todos
os sentimentos ao mesmo tempo.
No momento em que penso que vamos nos separar, Jessamine irma
seus braços ao redor do meu pescoço, nã o permitindo a distâ ncia.
Apenas quando sinto sua mã o descendo para a protuberâ ncia na minha
cueca, entendo seu recado.
— Você já está liberada para transar? — pergunto depois de pegá -la
no colo, colocando-a na cama delicadamente.
— Acredito que sim. Já faz um mê s e dois dias desde o parto, minha
cicatriz nã o infeccionou. Está perfeita, nem parece que saiu um bebê de
dentro dessa barriga.
— Nã o quer esperar mais um pouco?
— Nem fodendo. — Desliza seu roupã o pelo corpo devagar, em uma
dança tortuosa para atrair meu olhar. Abro meu melhor sorriso
malicioso, devorando suas curvas com os olhos, sem me importar em
demonstrar. — Quero você dentro de mim. Agora.
Nenhum homem no mundo seria burro o su iciente para dizer nã o a
essa mulher. Tomo seus lá bios com os meus mais uma vez, retirando a
calça com pressa, gemendo contra sua boca ao sentir seu toque
deslizando pelo meu pau, masturbando-me com precisã o, na velocidade
certa para fazer todo o controle que ainda me resta ir para o espaço.
Como nã o posso brincar com seus seios por conta da amamentaçã o,
apenas traço uma carı́cia leve entre os mamilos, surpreso ao ver seu
corpo arqueando de desejo.
— Eles... eles estã o sensı́veis — geme, fechando os olhos. — Muito
sensı́veis.
— Te dá mais prazer?
— Mil vezes mais.
— Bom saber.
Arrisco passar minha lı́ngua com toda delicadeza que consigo. Em
resposta, um gemido gutural escapa dos seus lá bios, mã os aplicam mais
pressã o nos meus ios em um pedido de mais. Cumpro suas ordens sem
hesitaçã o, prosseguindo com minha carı́cia, penetrando-a com dois
dedos e usando o polegar para estimular seu clitó ris. Ao sentir que ela
está quase lá , os substituo pelo meu membro depois de colocar a
camisinha, pois estava quase me derretendo com suas provocaçõ es.
Estocando fundo, irme, e sendo cuidadoso ao mesmo tempo, foco
meus olhos nos seus. Esqueço-me de absolutamente tudo que está ao
meu redor, apenas me focando nela. A mulher que, hoje em dia, é a
segunda dona do meu coraçã o, já que a primeira dos nossos sempre
será nessa ilha. A mulher que conseguiu me resgatar das cinzas. Que
conseguiu fazer aquilo que, por meses, pensei ser impossı́vel: me dar
uma nova chance de amar algué m.
Porque eu a amo.
Porra, como amo! Amo com todo o meu coraçã o e mais um pouco.
De uma forma intensa, um tipo de amor que jamais ousei experimentar
antes. Incompará vel, ú nico, pertencente à garota que tomo como minha.
Nossas ı́ris nã o se desviam uma da outra. Jess apoia a mã o na lateral
do meu rosto, acariciando-o, chamando pelo meu nome em um
sussurro prazerosamente apaixonado. Queria estar pronto para me
declarar em voz alta. Queria que, quando estivé ssemos deitados apó s
fazer amor, me sentisse seguro em dizer que a amo. Entretanto, sei que
esse ainda nã o é o momento certo. Como? Nã o sei explicar, apenas
sinto. Quando for, simplesmente sairá da minha boca com naturalidade.
Por ora, enquanto atingimos nosso orgasmo em sintonia, pre iro
guardar esse sentimento apenas para mim.
— Jesus, estava com saudades de te sentir dentro de mim —
resmunga com um sorriso preguiçoso, deitando-se no meu peitoral. —
Como nunca senti antes. Um mê s sem transar faz toda a diferença.
— E como. — Lanço um suspiro exagerado, levando um tapinha no
peito. Jogo o preservativo no lixo, pegando meu notebook na cô moda.
— Já que decidimos morar juntos, o que acha de vermos alguns
apartamentos? Alex me passou o contato de um imobiliá rio e vi alguns
disponı́veis no seu portfó lio.
— E uma ó tima ideia. — A empolgaçã o genuı́na vindo de sua boca
me deixa ainda mais feliz. — Quero um lugar nã o muito grande, nem
muito pequeno. digo, grande o su iciente para termos espaço, mas nada
muito exagerado porque ica difı́cil de limpar. Ah, també m preciso de
um quarto a mais para fazer meu ateliê . E podı́amos ter uma banheira
no nosso quarto...
Ela começa a tagarelar, demonstrando o quanto está animada com a
nossa mudança. Entro na sua onda, e icamos um longo perı́odo
procurando apartamentos, anotando o nome daqueles que pegamos
como favoritos, agendando futuras visitas.
No momento em que começamos a sentir falta de Aurora, vamos até
o outro quarto, agradecendo nossos amigos pelo cuidado, mimando
nossa garotinha pelo resto da noite.
“V -
.”
(A B )

Precisei tirar, no mı́nimo, dez fotos de Aurora antes de sairmos de


casa. Nessa tarde, iremos visitar seu pai em um dos treinos. Seu chefe,
treinador Crawford, acabou icando e perguntou se ele poderia faltar
um dia da licença – mesmo já estando quase no im – para substituı́-lo.
Trenton me perguntou com a voz carregada de preocupaçã o se isso nã o
seria um problema. Respondi que nã o, sem nem ao menos hesitar.
Aurora completou dois meses de vida na semana passada. Ou seja: já
estamos mais do que adaptados – ou quase – a sua rotina de bebê . Ela
nã o nos dá mais tanto trabalho. Já sabemos nos virar sozinhos, sem a
presença um do outro.
O medo constante está cada dia mais ameno. Entã o nã o foi
problema passar a tarde em casa sem a companhia de nenhum adulto,
apenas com Nevada nos escoltando. Coloquei um cercadinho para
Aurora poder icar comigo no ateliê enquanto se manté m acordada, e
para os cochilos, costumo colocá -la no carrinho. Somos uma equipe,
como as três espiãs demais.
Minha cachorrinha cuida de sua irmã até mesmo quando saio
rapidamente para ir ao banheiro. Certo dia, acabei me distraindo
enquanto conversava com um cliente. Comecei a ouvir latidos altos,
incessantes. Quando fui checar o que estava de errado, era Nevada
tentando me avisar que Aurora havia acordado. Pelo menos, essa foi
minha interpretaçã o.
— Oh, meu Deus, esse lacinho icou tã o lindo em você ! — Abro um
sorriso apó s ajeitá -lo na sua cabeça mais uma vez, tirando outra foto. —
Vou precisar fazer um á lbum apenas desse dia.
Baby Aurora, como costumamos chamá -la, está toda personalizada
com roupinhas de basquete. Peguei uma camiseta antiga de Trent, que é
no mı́nimo trinta vezes o tamanho de um bebê e iz toda a sua roupa:
desde o body até o lacinho, menos os sapatos que já tinha no tom
avermelhado perfeito. Apesar do tecido ser ino, consegui reforçá -lo
juntando com outros mais reforçados que tinha de sobra. Nossa visita
será uma surpresa. Na verdade, vamos buscá-lo de surpresa, porque ele
pegou uma carona com um de seus alunos até a quadra.
Nã o demoramos muito para chegar à universidade. Suspiro aliviada
ao ver que o treino realmente acabou, entã o nã o serei obrigada a
esperar no carro para nã o interromper nada. Maxwell, um dos
jogadores, é o primeiro ao notar nossa presença, sorrindo ao olhar para
a nossa ilha.
— Entã o inalmente vamos conhecer a garota que roubou o coraçã o
do nosso treinador! — exclama, fazendo todos se aproximarem de nó s.
— E nã o é você , Jess, desculpe lhe informar.
Rio de suas palavras.
— Obvio que nã o, Max. Perdi esse posto há dois meses.
— Nã o diga isso, francesa. — Ele se aproxima, beijando-me
suavemente. Aurora estica seus bracinhos na direçã o do pai, pedindo
por colo. — Você ainda tem uma parte do meu coraçã o. Garotos, quero
apresentar a você s minha ilha. Que, inclusive, veio personalizada para
esse evento. — Me lança uma piscadinha. — Roupas feitas pela melhor
estilista do mundo.
Sinto minhas bochechas corarem pelo elogio, e o rosto ferver mais
ainda quando os vejo soltarem uma salva de palmas para mim. Alguns
rostos sã o conhecidos, como Maxwell, Michael e Josh, os preferidos de
Trenton. Nã o ouso incomodar enquanto eles cumprimentam Aurora,
fazendo gracinhas, elogiando sua roupa e dizendo que, no futuro, ela
será uma jogadora tã o talentosa quanto o pai.
— Com todo respeito, treinador, mas sua ilha é mil vezes mais
bonita que você — brinca Max. — Puxou todos os traços da mã e e nada
da sua feiura.
— Me respeita, moleque! — Ri, desferindo um chute leve na canela
do aluno. — Ela é a minha cara.
— Nem tanto. — Josh entra na brincadeira, lançando-me um olhar
de cumplicidade. — Os olhos sã o da Jess.
— O nariz també m.
— E a boca — completa Michael. — Praticamente tudo. Até o jeito
de rir.
— Morra de inveja, meu amor. — Sorrio maldosa. — Algumas
pessoas sabem reconhecer a verdade.
— Algumas pessoas sabem como irritar o treinador. — Tenta
manter o tom sé rio, mas acaba rindo. — Querem ter de repetir o
aquecimento cinco vezes na pró xima semana?
— Nã o, senhor! — os trê s falam em unı́ssono. E engraçado ver o
quanto respeitam Trent, sendo que ele deve ser, no má ximo, cinco ou
seis anos mais velho que os rapazes.
— Entã o me provoquem. Vamos tirar uma foto todos juntos.
Ele me entrega seu celular para que eu possa bater a foto. Preciso
morder o inferior das bochechas para nã o sorrir feito boba quando foco
meus olhos nele e em Aurora. Ela está sorrindo, literalmente rindo para
o pai que faz algumas palhaçadas para lhe arrancar uma gargalhada
que, apesar de desengonçada, é deliciosa de se ouvir.
Depois, tiro uma foto dos dois juntos, mais satisfeita ainda ao ver
que o tom de seu uniforme continua o mesmo.
Trenton pede para um dos jogadores tirar uma foto de nó s trê s e,
apó s esse feito, a mando para mim e coloco como plano de fundo do
meu aparelho.
— Acho que vou emoldurar em um quadro — comento enquanto
ajeito a pequena na cadeirinha. — Ficou tã o bonita. Você consegue
arrancar as melhores gargalhadas dela.
— Meu papel é ser o seu animador particular — graceja, sentando-
se no banco do motorista.
— Tem certeza de que nã o quer que eu vá dirigindo?
— Absoluta. Acha que estou fraco, linda?
— Claro que nã o, só estou tentando ser gentil.
— Essa é uma das suas caracterı́sticas que mais admiro. — Planta
um beijo na minha tê mpora. — Mas nã o precisa, gosto de dirigir depois
do treino. Me conte como foi seu dia.
— Hoje foi um pouco mais agitado. Acabei recebendo mais pedidos
do que o esperado, e quase que Val e eu nã o demos conta de embalar
todas as peças para o despache. Para completar, Aurora resolveu ter
uma crise de carê ncia no meio do processo. Ela simplesmente me pediu
colo e nã o desgrudava do meu pescoço por nada nesse mundo. Achei a
coisa mais fofa do mundo, mesmo me atrapalhando um pouco. No im,
consegui distraı́-la, colocando-a no cercadinho enquanto Nevada a
cercava com latidos e saltos. Eu juro para você , acredito que essa
cachorra entende minhas necessidades. Somos meio que almas gê meas.
— Parece que nã o te presenteei com uma cachorrinha, e sim, uma
miniestagiá ria e babá incorporada no corpo do animal — zomba,
arrancando uma gargalhada deliciosa da minha boca. Até Aurora chega
a rir com meu â nimo.
— O pior é que parece verdade! Somos praticamente irmã s. Falando
em irmã s, Eleanor já deve ter chegado. Quando estava saindo de casa,
recebi uma mensagem dizendo que estava no aeroporto. Bryan disse
que ela poderia icar no seu quarto durante esse inal de semana, já que
ele passará na Kairó s. Só faltou a sua mã e para passarmos o im de
semana em famı́lia.
— Ela vem no pró ximo. Os plantõ es no hospital estã o um pouco
corridos ultimamente. Pelo menos, conseguimos roubá -la para o Natal.
— E onde pretendemos passar essa data especial?
— Por aqui. — Estaciona o carro na garagem, encarregando-se de
tirar nossa garotinha da cadeirinha. — Ryder quer levar o Chris para
passar com sua famı́lia. Fiz o convite para que ela icasse conosco esse
ano ao invé s de ir para lá , que foi aceito. Provavelmente Dom, Alex e
Bryan també m estarã o por aqui. Vamos ter um jantar feito pela famı́lia
Grant em parceria com a Beaumont, pois ela també m adora cozinhar.
Deveria chamar a El para termos a famı́lia inteira reunida.
— E uma ó tima ideia. — Tento controlar as borboletas que
serpenteiam pelo meu estô mago. Poré m, é difı́cil nã o demonstrar meus
principais sinais de ansiedade, como mexer nos cabelos, andar de um
lado para o outro ao pararmos na cozinha. Pequenos detalhes que sã o o
su iciente para ele notar que há algo de errado.
— O que foi? — Trent me para apó s colocar Aurora no cercadinho.
— Nã o é nada.
— Jess... nã o minta para mim, mocinha. — Cerra os olhos
descon iado, puxando-me para um abraço. Aquele abraço mais do que
reconfortante, calmante. Deveriam vendê -los nas farmá cias. — Sei que
você está ansiosa.
— Estou muito empolgada para o nosso primeiro Natal em famı́lia
— confesso, constrangida por estar dizendo algo que deveria ser
comum em voz alta. — Há anos que essa data perdeu a magia para mim.
Mas, nesse ano, depois de muito tempo, irei preencher o vazio ao lado
de pessoas que amo. Entã o meio que me pego planejando
milimetricamente todos os detalhes para que seja perfeito. E isso me
deixa um pouco ansiosa.
— Entendo perfeitamente sua preocupaçã o. — diz afagando meus
cabelos enquanto as batidas do meu coraçã o desaceleram. — Nã o há
com o que se preocupar. Somos em muitos, todos iremos te ajudar para
que nossa noite seja perfeita. E sua sogra é um pouco calculista, sendo
assim o planejamento do Natal já deve estar anotado na sua agenda.
Posso pedir para ela falar com você sobre os planos da noite.
— Por favor, isso tiraria um peso enorme das minhas costas. —
Suspiro aliviada. — Obrigada, Trent. Nã o queria ser tã o ansiosa assim.
— Sabe do que você precisa?
— Do quê ?
— De beijos apaixonados e uma boa dose de risadas da sua ilha.
Meu rosto inteiro cora quando suas mã os me puxam para perto,
junto da sua boca envolvendo meus lá bios em um beijo lento, delicioso.
Nossas lı́nguas dançam no seu ritmo familiar, despertando a faı́sca no
meu coraçã o que ainda sinto toda vez que nos beijamos.
Damos risada juntos ao notar que Aurora soltou um grito, nos
observando com uma expressã o engraçada que parece ser indignaçã o.
— Ela está com ciú mes. — Desvencilho-me dos seus braços,
caminhando até ela. Por ter tido um sono bom durante a noite e
cochilos pela tarde, a garotinha se encontra desperta. — Ciú mes de
quem, hein? De mim ou do seu pai?
— De nó s dois — completa, pegando sua mã ozinha, simulando uma
dança engraçada. — Vou ensinar para a mamã e as dancinhas que nó s
fazemos quando estamos sozinhos...
— Cheguei! — anuncia Eleanor, com uma mochila nas costas que é
quase o tamanho do seu corpo. — Ah, meu Deus! Eu nã o deveria ter
gritado. Ainda estou me acostumando com a ideia de que o bebê mais
lindo do mundo mora nessa casa agora. Porcaria! E se ela estivesse
dormindo...
— Nã o se preocupe, Zangado. — Trent a tranquiliza, usando o
apelido provocativo que dera para minha irmã recentemente, fazendo
referê ncia a um dos sete anõ es que combina perfeitamente com sua
personalidade: baixinha e brava. — Sua sobrinha está bem acordada.
— Nã o comece a me provocar agora, Dunga. — Devolve a
provocaçã o, usando o primeiro anã o que vem à sua cabeça. Ela me
cumprimenta com um beijo na bochecha antes de pegá -la no colo.
Apesar de nã o estar acostumada com a presença de El, Aurora nã o
resiste ao colo da tia. — Oi, meu amor! Quanta saudade eu senti de você
e desse seu cheiro viciante.
— O Chris nã o vem? — indago delicadamente, sabendo que esse
ainda é um assunto sensı́vel.
Minha irmã engole em seco, mas nã o deixa de sorrir para a
sobrinha.
— Nã o. Ele disse que estava ocupado com algumas coisas no asilo.
Sinceramente? Acredito que foi uma desculpa para fugir de mim.
Brigamos feio, de novo, no começo da semana. Parece que estamos
apenas adiando o inevitá vel. — Uma ú nica lá grima solitá ria escorre
pelo seu rosto, sendo secada rapidamente. — Mas nã o tem problema!
Nã o é mesmo, Aurorinha? Diz que a tia El vai conseguir sair dessa — ela
murmura um barulho de bebê incompreensı́vel. Damos risada do seu
feito.
— Sem querer bancar o irmã o mais velho, mas já bancando porque
esse é quase o meu papel: se você s terminarem, ele será um baba... um
bobã o por te deixar escapar — corrige ao perceber meu olhar de
advertê ncia. Pode parecer chatice, poré m nã o quero encher a cabeça da
nossa ilha com palavras feias desde bebê . Com os tios que tem, ela as
aprenderá mais cedo do que o esperado. Por enquanto, quero sua
mente pura. — De verdade, El.
— Ele nã o é um bobã o. — Entra na defensiva, sentando-se no sofá ,
ainda brincando com Aurora enquanto conversamos. — Só ,
aparentemente, nã o estamos mais dando certo depois do que
aconteceu. Parece que nã o temos mais quı́mica. Carambolas, nã o faço S-
E-X-O — soletra as palavras enquanto seguramos a gargalhada. — Há
semanas! Meus dedos nã o me aguentam mais. Nem eu me aguento mais
ultimamente.
— Já te disse que, se quiser, pode passar um tempo com a gente.
— Eu voltaria em duas semanas, porque, até lá , estaremos em nosso
novo apartamento — Trenton anuncia, vendo seus olhos se iluminarem
de empolgaçã o. — A visita estreante será da minha mã e, mas te
receberemos de braços abertos depois.
— Mentira que você s escolheram! — exclama animada, contendo-se
ao se lembrar de que há uma criança no seu colo. Percebo nossa ilha
demonstrando alguns sinais de sono, como desconforto por nã o estar
na posiçã o que a agrada, mã os no rosto, entã o decido pegá -la no colo e
a ninar um pouco. — E mobiliado?
— Sim, levaremos poucas coisas daqui. Apenas minha cama,
televisã o e alguns mó veis. Compramos o sofá ontem.
— E quais sã o os tons do apartamento? Tem vista? E um andar
muito alto?
— Tudo surpresa. — Faço um ar de misté rio, vendo-a revirar os
olhos. — Vai ter mais graça quando for visto ao vivo.
— Ok, posso me conter até lá . — Franze os lá bios dramaticamente,
como se estivesse fazendo birra. — Posso colocá -la no berço? Já
aproveito e deixo minha mochila no quarto do Bryan. Me lembrem de
agradecê -lo depois.
— Claro, ique à vontade. Só nã o mexa nas gavetas se nã o quiser
icar com cheiro de maconha pelo resto da noite.
Deixo Aurora nos braços da sua tia, tomando todos os cuidados para
nã o a acordar. Eleanor volta em alguns minutos, com seu celular repleto
de fotos da sobrinha dormindo, até mesmo uma sel ie que nos faz
gargalhar. Resolvemos preparar um jantar especial – nossa famosa
macarronada – e comemos juntos, conversando, assistindo alguns
ilmes depois de estarmos satisfeitos.
“C

.”
(A B )

Já era a terceira vez que Jessamine passava pano pelo chã o da nossa
nova sala. Havia acabado de limpar a cozinha, dando os ú ltimos toques
inais na torta de morangos que estava no forno, pronta, apenas
esperando a chegada de minha mã e. Irı́amos receber nossa primeira
visitante no novo apartamento, tendo em vista que concluı́mos nossa
mudança ontem.
Hoje, decidimos fazer uma pequena limpeza, já que ele veio
completamente organizado e limpo, apenas para deixar o ambiente com
nosso cheiro e conforto. Poré m, ela está tã o nervosa pela visita, que nã o
se conté m ao esfregar até a poeira do dia em que esse pré dio foi
construı́do.
— Linda, seus braços vã o cair. — Tiro o esfregã o das suas mã os,
limpando uma gota de suor que ousou cair de sua testa. — Seria trá gico
ter que amputar dois bracinhos tã o lindos.
— Me poupe — arqueja, sentando-se no sofá , declarando o cansaço
que atinge o corpo. — Só estou tentando deixar tudo arrumado. Nã o
quero que sua mã e pense que somos dois adultos porcos que nã o
sabem cuidar da casa.
— E nã o somos. Talvez um pouquinho, mas nem tento — provoco,
sentando-me ao seu lado, recebendo uma cotovelada leve na costela. —
Já limpamos esse lugar, nã o há necessidade em fazer tudo de novo
repetidas vezes.
— Eu sei. Só é uma forma meio maluca que me alivia a ansiedade.
— Tenho uma ideia melhor: e se eu te preparar um banho de
banheira? — Massageio seus ombros, me deliciando com o suspiro que
sai dos lá bios dela. — Quente, relaxante. Você pode levar a Aurora para
te divertir e distrair um pouco. Minha mã e deve chegar daqui uma hora
e meia, pode deixar que termino de organizar nosso café da tarde.
— Você faria isso por mim?
— O que eu nã o faria por você ? — Lhe roubo um beijo repentino,
levantando-me. — Vou preparar o banho e te chamo. Por favor, nã o se
levante desse sofá .
— Como quiser. — Faz uma careta brincalhona ao dizer, como se
fosse uma criança indo contra as ordens do pai. — Obrigada.
Vou até o nosso banheiro, enchendo a banheira com alguns sais de
banho. Apó s ela estar pronta, aviso Jess, que vai até o quarto de Aurora
para que as duas possam se banhar enquanto ajeito os ú ltimos detalhes
– que, na verdade, sã o quase inexistentes – do nosso apartamento. Por
sorte, conseguimos alugar o lugar exato onde querı́amos. E pró ximo a
universidade, e nã o muito distante da casa de nossos amigos. Possui
quatro quartos, com direito a nossa suı́te. Eles sã o bem espaçosos, sem
ser de um jeito exagerado. Decidimos deixar a cor de parede que já
estava posta, um tom de marrom pastel que deixa o ambiente leve. O
quartinho de Aurora nã o é amarelo como desejá vamos, mas o lilá s que
predomina as paredes se ajustou perfeitamente aos seus pertences.
Resolvemos comprar uma cama de solteiro para quando sentirmos
sono demais para voltar à cama, o que alé m de tornar mais prá tico, nos
ajudou a nã o precisar deixar minha mã e dormindo na sala. O ateliê de
Jessamine está nos seus ú ltimos processos de criaçã o, tendo em vista
que ela, segundo suas pró prias palavras, “ainda não conseguiu se
identi icar com o cômodo”. Instalamos a televisã o da sala ontem, que é
separada da cozinha por uma ilha. Colocamos a caminha e os
pertencentes de Nevada ao lado do sofá . Ganhamos uma mesa de jantar
como presente dos nossos amigos. Comprei um pequeno lustre para
dar um ar mais “ ino” ao ambiente. També m compramos mobı́lias
novas, mesmo com o apartamento já possuindo algumas como sofá ,
escrivaninha. Deixamos o meu quarto da antiga casa praticamente
intacto. Resumindo, nosso lar é exatamente a nossa cara. E tudo o que
mais desejamos: nada muito chique, poré m nada muito simples.
Depois de deixar toda a mesa arrumada, pego minhas roupas e
tomo um banho rá pido no banheiro principal para nã o atrapalhar as
meninas. Quando dei uma espiada no nosso quarto, Jess estava com
nossa garotinha nos braços, cantando alguma cançã o infantil
engraçada, fazendo bolhas de sabã o e se divertindo com a ilha.
Registrei o momento na minha cabeça antes de tomar o meu banho,
vestindo roupas simples em seguida.
No momento em que penso em mandar uma mensagem de texto
para a minha mã e, ouço a campainha tocar. Me choco ao vê -la parada do
outro lado da porta, tendo em vista que ainda faltam – ou melhor,
faltavam – quarenta minutos para a sua chegada.
— Nã o queria avisar que acabei me adiantando um pouquinho. —
Ela me envolve no calor dos seus braços maternos, dando-me um
abraço apertado, enquanto nossa cachorrinha pula de felicidade por
sentir o ambiente se enchendo de amor. — Era para ser uma surpresa.
Entã o... surpresa!
— Eu amo suas surpresas. — Dou um sorriso ao inspirar seu
perfume familiar, convido-a para entrar. — Jess está no banho com
Aurora, vou avisar que você chegou...
— Estamos aqui! — Minha namorada aparece na entrada,
segurando nossa ilha nos braços. Ela está usando um vestido bege leve,
enquanto Aurora usa um vestidinho cor-de-rosa com detalhes
cintilantes e um lacinho da mesma cor na cabeça. — Olha quem veio te
ver, meu amor! E a vovó .
— A vovó mais babona do mundo! — Apressa-se em pegar a neta,
que se acomoda em seus braços rapidamente. — Meu Deus, como você
está enorme!
— Dois meses e uma semana de vida. — Jessamine sorri orgulhosa,
cumprimentando mamã e em seguida. — E um prazer te receber na
nossa casa, Esther.
— O prazer é todo meu, querida. Esse apartamento é incrı́vel! Muito
mais bonito do que nas fotos. Sabia que você s fariam uma boa escolha.
— Sente-se, vou servir você s com um pedaço de torta — digo
puxando duas cadeiras. Corto os pedaços de torta e distribuo nos
pratos, entregando para elas. — Como estã o as coisas em casa?
— Tudo certo, meu ilho. Ryder foi promovido no trabalho
recentemente, entã o está passando mais horas no serviço do que o
normal. Pensei em trazer Christian para conhecer sua priminha, mas
ele ainda nã o tem muito interesse em bebê s. Nã o vejo a hora de recebê -
los na nossa casa.
— Só estamos esperando a Aurora completar seis meses —
responde Jess, dando um gole no café . — Li que bebê s nessa idade sã o
mais espertos e á geis. Ela ainda dorme mais do que ica acordada.
— E estã o certos. Demorei muito tempo para levar Trenton para
viajar. Pelo que eu me lembro, apenas quando ele fez um ano, fomos
visitar minha irmã que morava em uma cidade vizinha. Mas só porque
era o seu aniversá rio de casamento. Eu era uma mã e muito preocupada.
— E até hoje — provoco-a, rindo ao ver que ela se segura para nã o
me mostrar o dedo do meio. — Prometo que, quando possı́vel,
passaremos uma semana na sua casa.
— Você vem para o Natal, certo?
— E claro! Estou com saudades dos meus meninos — diz fazendo
referê ncia a Bryan e Alexander. Por sermos amigos de longa data, eles
conhecem minha mã e e a amam como se fosse mã e deles. — Nã o vejo
Bryan e Alexander há o que, um ano e meio?
— Mais ou menos isso. Eles estã o empolgados com a sua vinda.
— E como estã o? Fiquei sabendo que Alex inalmente arrumou uma
garota para colocar um pouco de juı́zo naquela cabeça. Eu imagino que
sejam dois opostos.
— Os dois sã o mais parecidos do que você pensa. Dominique, sua
namorada, era sua inimiga na é poca da escola.
— Ah, um clá ssico! De “inimigos para amantes”. — Solta um suspiro
exageradamente apaixonado, gerando risadas que atingem até sua neta.
— Era o meu tipo de romance favorito de ler.
— Essa é a perfeita de iniçã o dos dois — minha garota completa. —
Quando os conheci, já estavam apaixonados. Foi Dom que me
apresentou ao Trenton.
— Sendo assim, me lembre de agradecer a essa garota. Ela me deu
os dois melhores presentes que uma mã e poderia querer: uma nora
incrı́vel, que ama meu ilho como amo meu marido, e uma linda
netinha. — As bochechas da garota mencionada passam de pá lidas para
rosadas em segundos. Nã o consigo me conter, beijando-a, deixando-a
ainda mais constrangida. — E Bryan?
— O mesmo de sempre. Você sabe, o Bryan é ...
— O Bryan — completa minha frase, entendendo a piada. — Ele é
um menino tã o bom. Estudioso, dedicado, cem por cento apaixonado
em biologia. Já encontrou o seu par ideal?
— Muito pelo contrá rio. Está afogando suas má goas pela Ellen.
— Ele merece coisa melhor. — Faz careta. Por algum motivo, minha
mã e nã o simpatizou muito com ela, apesar de nunca demonstrar. —
Jessamine, você nã o conhece ningué m para apresentar ao garoto?
Alguma prima, amiga?
— Infelizmente nã o. Tenho uma irmã , mas ela está para terminar
um relacionamento, que deixará feridas irrepará veis no seu coraçã o.
— Oh, que besteira! — bufa, brincando com as mã ozinhas da nossa
pequena. — Aurorinha, aprenda essa liçã o que vou ensinar para a sua
mamã e: nenhuma ferida é irrepará vel. A dor pode icar no seu coraçã o
em algum lugar, muito bem guardada, mas se ela permanecer lá para
sempre, só vai te trazer malefı́cios. Me mostre uma foto da sua irmã .
Mesmo envergonhada, ela tira o celular do bolso, mostrando uma
foto da El segurando Aurora nos braços.
— Nã o repare nos olhos inchados. E a foto mais recente que tenho
de Eleanor.
— Ela é linda — fala com sinceridade. — Parece ser uma menina
boa. Consigo sentir que é uma menina boa. Apresente-a para o Bryan e
nã o vai se arrepender nem um pouco. Ele é o tipo de garoto que sabe
como amar uma garota. Todos eles sã o. Quando Trent se mudou, tive
medo de que ele andasse com má s in luê ncias. Bad boys, bandidos, ou
garotinhos “nariz empinado” com sı́ndrome de superioridade. Poré m,
no dia que fui visitá -lo pela primeira vez no campus e vi Alexander
andando de samba cançã o pela casa, cantando uma mú sica da Selena
Gomez enquanto Bryan lavava o chã o da sala, cantarolando a mesma
mú sica, e Trenton na cozinha, fazendo macarrã o, soube que ele havia
encontrado os amigos certos.
— Mú sica da Selena Gomes? — Me encara surpresa, acabando de
descobrir um dos nossos maiores gostos musicais. — E sé rio?
— Mas é claro! Lembro desse dia como se fosse ontem, cantá vamos
“Magic”. Se Alexander souber que você sabe dessa histó ria, estou morto.
— Entã o prepare o seu enterro, porque eu vou tirar com a cara dele
até me cansar.
— Francesa, nã o ouse... — Antes que eu possa terminar a frase, meu
celular toca. Fico confuso ao ver o nome do treinador Crawford
piscando na tela. — Se me dã o licença, já volto.
Deixo as duas continuarem a conversa, me dirigindo até o quarto.
Ao atender o telefone, recebo a notı́cia de que o treinador voltou a
passar mal durante o treino. Ele me perguntou se eu poderia dar a
ú ltima hora de treino, pois era muito importante para os garotos
repassarem as jogadas antes do jogo que ocorreria na pró xima semana.
Sem saber como dizer nã o, acabei aceitando. Nã o seria capaz de deixá -
los na mã o, e é apenas por uma hora. Quando voltar, mamã e ainda
estará aqui. Nada será perdido.
— Minhas mulheres, vou precisar me retirar por uma hora. —
Apareço na sala de estar com a mochila de treino nas costas. — O
treinador Crawford passou mal e precisava repassar as ú ltimas jogadas
para os garotos. Você s se importam?
— Nã o, Trent.
— Claro que nã o, ilho. Pode ir, bom que posso passar um tempo a
só s com as garotas.
— Ligo quando estiver voltando. Até mais.
Despeço-me das trê s, dando beijos em ambas as testas. Dirijo até a
quadra de basquete do campus, torcendo para que minha mã e nã o
revele mais histó rias humilhantemente engraçadas e que queimem
minha imagem para Jessamine.
— Ela dormiu assim que a coloquei no berço — Esther diz apó s
voltar do quarto de Aurora.
Trenton nos ligou, dizendo que iria se atrasar um pouco pois era
aniversá rio de um dos garotos do time, e que eles imploraram pela sua
presença. Concordamos sem hesitar, dizendo que icarı́amos muito bem
sozinhas, podendo, como falou sua mã e, “trocar con idências de sogra
para nora”.
— Minha netinha é tã o calma. Eu nunca vi um bebê dormir com
tanta facilidade.
— Pelo menos, isso ela puxou de mim. — Dou uma risadinha,
sentando-me mais na ponta do sofá para lhe dar espaço para se
acomodar do meu lado. — Quando pequena, minha mã e dizia que eu
dormia feito pedra. Sim, pedra, nã o um anjo. Até hoje caio no sono
rapidamente.
— Aproveitando que você tocou no assunto... — Limpa a garganta,
ajeitando a postura antes de tocar em um assunto que, ao julgar seu
olhar materno e preocupado, sabe que é delicado para mim. — Você
contou a eles sobre o nascimento? Eu sei que seu histó rico familiar é
complicado, Trenton acabou comentando comigo. Nã o com o intuito de
te deixar desconfortá vel, ele apenas queria desabafar sobre o que
aconteceu na viagem. Espero que nã o seja um problema.
— Está longe de ser. — Entrego um sorrisinho mı́nimo. Apesar de
nã o gostar de tocar nesse assunto, é bom saber que, nesse momento,
poderei desabafar com algué m. Pensei em falar com El sobre o assunto,
mas nã o quero importunar seu coraçã o partido com meus dramas
familiares. — Enviei uma mensagem de texto no dia em que ela nasceu,
anexando a primeira foto que tiramos juntas. Meu pai me desejou
parabé ns, disse que era uma garotinha linda e que, um dia, esperava
poder vê -la. Já minha mã e... me disse para repensar se era a decisã o
correta, pois ainda dava tempo de colocá -la para adoçã o.
Ela leva a mã o até a boca em puro choque.
— Meu Deus! Isso é horrı́vel. Que tipo de mã e diz isso para a pró pria
ilha?
— A minha. — Seco a lá grima solitá ria que caiu pelo meu rosto,
tentando me manter irme. — Eu jamais seria capaz de levar Aurora
para um lugar que fosse longe dos meus braços. Ela é a minha ilha,
minha garotinha perfeita. Nã o imagino meu mundo sem a sua
companhia, nã o mais.
— E tem toda razã o! — Apoia uma mã o em meu ombro,
massageando-o carinhosamente. — Filhos mudam nossa vida. De
algumas pessoas, para pior; mas de outras, para melhor. O seu caso é o
segundo. Sem ofensas, mas Aurora nã o merece avó s que nã o a amem.
Você nã o merece sofrer por pessoas que nã o te apoiam.
— Mas eles sã o meus pais... — Quando menos percebo, viro uma
explosã o de lá grimas. Nada exagerado, elas apenas descem pelo meu
rosto descontroladamente. — Eles nã o deveriam me apoiar? Me
abraçar e dizer que tudo icaria bem? Nã o deveriam ao menos prestar o
luxo de visitar a pró pria neta?
— Deveriam, querida. Deveriam. — Seus braços me envolvem em
um abraço caloroso. Sem conseguir conter as emoçõ es, acabo cedendo
facilmente ao seu toque maternal, fechando os olhos e pensando, por
alguns segundos, que poderia ser minha mã e no seu lugar. — Sinto
muito que seus pais sejam assim, Jess. De verdade. Mas pense que sã o
eles quem estã o perdendo. Sua baby, Aurora, é simplesmente perfeita.
Você é uma mã e incrı́vel, que ama sua ilha incondicionalmente. Pense
em todos os seus ganhos nos ú ltimos meses, e verá quem sã o os
perdedores.
— Eu amo minha famı́lia. — Respiro fundo, espantando as lá grimas
com as costas das mã os. — Digo, minha real famı́lia. Aurora, Trenton e
Eleanor. Eles sã o minha base, e eu os amo. Amo... cada um deles.
Suas sobrancelhas se erguem apó s ouvir a ú ltima frase.
— Entã o está admitindo para mim que ama o meu ilho?
— Pensei que fosse ó bvio apenas pelo jeito como olho para ele. —
Sinto minhas bochechas ferverem por estar confessando em voz alta. —
E impossı́vel nã o o amar, Esther. Ele roubou meu coraçã o inteirinho só
para si ao decorrer desse tempo em que estamos namorando. Quero
poder admitir meus sentimentos em voz alta, poré m tenho medo dele
ainda nã o estar pronto e se assustar. Nã o sei se seria capaz de ouvir que
o que sinto ainda nã o é correspondido.
— Eu nã o vou mentir e dizer que é fá cil para ele, porque nã o é . —
Esther me lança um olhar sé rio e pacı́ ico ao mesmo tempo, segurando
minha mã o. — A ú ltima mulher que ele amou morreu quase que diante
dos seus olhos. Isso deixa feridas irrepará veis no nosso coraçã o. Em
contrapartida, eu també m vejo o jeito que ele te olha. Como se você
fosse a mulher mais linda do mundo. A ú nica garota que Trenton quer
ao seu lado. Nã o sou capaz de te dizer com toda certeza do mundo que
ele nã o se assustaria. O amor é assustador. Mas eu acho que você
deveria falar enquanto tem tempo. Olhe para trá s, olhe tudo o que
aconteceu até agora. Olhe para a sua vida, sua ilha, e veja como valeu a
pena. Arriscar nã o é melhor do que icar na dú vida?
— Mil vezes. — Mordo o lá bio inferior, absorvendo seus conselhos,
sabendo que ela tem toda razã o. — Tudo o que eu mais iz nos ú ltimos
tempos foi arriscar, em literalmente tudo. Desde minha vida pessoal até
pro issional. E valeu a pena cada segundo.
— Pois bem! Entã o nã o tenha medo agora, Jess. Se arrisque, seja
feliz. Ame agora, fale agora, o futuro ica pra depois.
— Você está certa — arquejo, entregando-lhe o melhor olhar de
gratidã o que consigo expressar. — Obrigada pelas palavras, Esther.
— Nã o precisa agradecer. Nã o é porque sou mã e do Trenton que nã o
posso ser sua amiga, ok? Conte comigo para o que precisar.
— Obrigada mais uma vez.
O clima constrangedor é quebrado pelo assunto do momento, que
chega em casa apó s alguns segundos que encerramos nossa conversa.
Ele nos cumprimenta, perguntando se estamos bem, dizendo como
fora o tempo que passou com os garotos. Trocamos sorrisos cú mplices,
dizendo que nã o iremos contar qual foi o assunto da nossa conversa
secreta entre garotas. Trent ri, pedindo licença para ir ao quarto tomar
um banho, nã o antes de me dar um beijo.
Ele sempre faz isso, é como se fosse um costume indireto. Toda vez
que vai para algum lugar, seja os treinos ou até mesmo mudar de
cô modo no apartamento, Trenton me beija. Nã o entendo o porquê , mas
acho simplesmente a coisa mais fofa e singela do mundo. Um fato que
apenas me serve como mais um incentivo para a decisã o que estou
prestes a tomar.
Vou dizer em voz alta que o amo.
Nã o agora, pois nã o quero correr o risco de estragar o im de
semana com sua mã e, mas no momento certo.
E nã o sei se vou conter minha ansiedade até esse dia chegar.
“A , ,
.
A

- .”
(A B )
— Eu nã o ia te dizer nada para nã o te chatear, mas ela nã o sentiu
saudade nenhuma do papai e da mamã e — Dominique comenta com
um sorriso convencido no rosto, me dando passagem para entrar. — A
madrinha Dom conseguiu distrair sua a ilhada por um im de semana
inteiro. Pode me agradecer com um depó sito bancá rio de mil dó lares na
conta.
— Como se você precisasse desse dinheiro. — Rolo os olhos rindo,
andando até o meu quarto. — Ela está acordada? Ou dormindo?
— Acordada, esperando por você s. Onde está a Jess?
— Ela veio dormindo o caminho inteiro, nã o quis acordá -la. Deixei-a
em casa e resolvi passar aqui depois para pegar Aurora, fazendo uma
surpresa ao seu acordar.
— Que gracinha! — Minha amiga aperta minhas bochechas
exageradamente, adentrando no cô modo. Deixei o berço antigo aqui
por precauçã o, e foi muito ú til. — Caras do seu tipo nã o existem mais.
— Aproveite que eu e meus amigos somos os ú ltimos da linhagem
— brinco, observando seus olhos se revirarem com força. Meu sorriso
se expande ainda mais quando vejo minha ilha deitada no berço,
acordada, procurando pela minha voz. Quando apareço no seu campo
de visã o, ela sorri, esticando seus bracinhos procurando freneticamente
por colo. — Parece que algué m sentiu falta do papai. Você é quem me
deve mil dó lares.
— Ela só está fazendo isso para te agradar — bufa, fazendo bico
enquanto encara a garotinha. — Poxa, Aurorinha! Tı́nhamos combinado
de enganar o seu pai, era para ingir indiferença. Perdeu pontos comigo.
Solto uma gargalhada, a qual contagia a todos, até mesmo a bebê .
Nesse im de semana, Jessamine e eu izemos uma pequena viagem
para comemorar o meu aniversá rio – um presente dela. A data em si foi
algumas semanas atrá s, no dia vinte de novembro, mas como ambos
está vamos ocupados, só conseguimos ir na segunda semana de
dezembro. Deixamos Aurora sob os cuidados dos padrinhos, Dominique
e Bryan, que icaram felizes em poder passar dois dias completos com
ela. Mesmo com um aperto no coraçã o de icarmos longe dela por tanto
tempo, conseguimos curtir cada segundo que passamos juntos. Fazia
muito tempo que nã o nos pegá vamos a só s, sem termos de nos
preocupar com ilha, trabalho e afazeres. Foi incrı́vel, poré m já
está vamos mais do que prontos para voltar à realidade e matar toda a
saudade.
— E normal sentir a falta da pessoa que vai te amar pelo resto da
vida. Ou vai me dizer que nã o sente do Alex quando ele sai?
— Sinto, mas ele nã o precisa saber, senã o vai icar mais metido do
que já é . — Pisca, pegando a bolsa dela enquanto nos dirigimos até a
sala. — Como foi a viagem? Fiquei apaixonada por aquele chalé .
Jessamine nã o parava de encher o nosso grupo de fotos invejá veis.
— Foi incrı́vel. Nã o me lembrava como era relaxar por dois dias
inteiros, aproveitamos cada segundo para podermos voltar com tudo à
realidade.
— Uma realidade que está caindo de sono. — Ri, apontando para
Aurora que acabou dormindo nos meus braços. Coloco-a delicadamente
de lado no sofá , mantendo-a pró xima de mim. — E como estã o as coisas
com a Jess?
— Em que sentido?
— Ah, você sabe... — O sorriso indecente que ilumina seus lá bios me
faz pensar em qual será sua pergunta. — No româ ntico da coisa. Quero
saber como anda o relacionamento.
— Melhor do que nunca. — Abro meu sorriso mais sincero,
pensando em cada detalhe desse im de semana. As fotos que tiramos,
nossos momentos juntos. Ou até mesmo em coisas mais simples, como
observar minha garota colocar nossa ilha para dormir, cantarolando
alguma musiquinha infantil. Pequenos detalhes que corroboram para as
batidas desaceleradas do meu coraçã o. — Posso te confessar uma coisa
em voz alta?
— Até duas.
— Eu amo a Jessamine. — Apó s as palavras saı́rem da minha boca,
vejo Dominique arregalar seus olhos como se estivesse escutando a
maior fofoca do sé culo. — E a verdade. Eu amo essa mulher como eu
nunca amei ningué m na minha vida. E algo... intenso, sabe?
Incompará vel. Quando olho para ela, quando desço meu olhar pelo seu
rosto angelical, quando tomo suas curvas como minhas, quando
simplesmente planto um beijo rotineiro na sua testa, tenho ainda mais
certeza dos meus sentimentos. E algo completamente diferente do que
eu sentia pela Emery. — Engulo em seco ao dizer seu nome. — Nã o há
comparaçã o, e eu a amei muito també m. Você acha que isso é certo? As
vezes, me sinto um cafajeste por me sentir assim.
— Trenton, se há alguma coisa que você nã o é nesse mundo, é ser
cafajeste! — exclama em tom baixo pelo fato da a ilhada estar
dormindo, dando um empurrã o leve no meu ombro. — Elas sã o duas
pessoas completamente diferentes. Seria impossı́vel nã o desenvolver
sentimentos diferentes. Seu tempo com a Em foi bom, nã o foi?
— Foi mais do que bom. Ela foi minha primeira namorada, sempre
terá um lugar especial no meu coraçã o. Poré m, agora, minha vida é
completamente diferente.
— E nã o está feliz com essa mudança?
— Muito. Todos os meus sonhos se realizaram: tenho um bom
emprego, bons amigos, uma famı́lia. Um amor. O que mais um homem
poderia querer?
— Exatamente! Nã o perca seu tempo sentindo peso na consciê ncia
por amar de novo. Emery iria querer que você seguisse em frente,
Trent. Ela jamais gostaria de te ver chorando aos quatro cantos pela sua
morte. Já faz quase um ano. Ainda dó i, e vai doer para sempre. Mas, com
o passar do tempo, temos outras prioridades alé m do sofrimento. E, no
im, só nos restam as boas memó rias que partilhamos com aqueles que
se foram.
Penso em sua fala por um instante. Nã o é preciso muito esforço para
admitir que Dominique está certa, porque raramente está errada. Mas,
dessa vez, nunca ouvi tanta razã o saindo dos seus lá bios.
O medo irracional de me declarar para Jessamine parte do
pressuposto que me sinto mal ao ter dois sentimentos por duas pessoas
em um espaço “curto” de tempo. Já faz mais de um ano, a corrijo
mentalmente depois de notar que sua noçã o de tempo se perdeu. Mais
de um ano que nã o tenho Emery em meus braços. Mais de um ano que
nã o ouço o som da sua voz, sua risada, seu jeito ú nico de me fazer feliz.
Em alguns momentos, sinto sua falta. Gostaria de voltar atrá s e abraçá -
la uma ú ltima vez. Entretanto, uma constataçã o invade minha cabeça:
eu nã o penso mais nela com frequê ncia. Raramente, para ser sincero.
Apenas quando alguma boa lembrança me invade. Meus pensamentos
estã o focados nas mulheres que mais amo: Aurora e Jessamine. Em foi
meu passado, elas sã o o meu futuro. Nã o há o que temer.
— Nã o preciso dizer que você está certa, né ? Já sabe disso.
— Na verdade, precisa sim. Aumenta minha autoestima de
psicó loga.
Bufo com uma risada.
— Tem razã o, doutora Beaumont. Minha vida virou de ponta cabeça
nesse tempo em que tudo foi mudando drasticamente. Mas, quando
olho para trá s, nã o faria nada diferente. Acredito que tudo acontece por
um propó sito maior. E, hoje, consigo entender esse propó sito.
— Entã o diga que a ama. Diga em voz alta, quando sentir que é o
momento certo. Sabemos como a vida é curta demais para guardarmos
nossas palavras e sentimentos, esse foi um dos ensinamentos que
Emery me deixou. Seja feliz agora. Faça a diferença agora. Mais tarde,
pode se arrepender de ter deixado seus medos te consumirem.

Uma semana se passou desde minha conversa re lexiva com


Dominique. Desde esse perı́odo, estou tentando criar coragem para
dizer a Jessamine que a amo. Sei que parece uma tarefa fá cil. A inal, na
teoria, é só abrir a boca e dizer: “Eu te amo”. Mas, para um cara que já
foi destruı́do em todos os sentidos possı́veis da palavra como eu, um
gesto simples se torna algo difı́cil. Ele quase saiu algumas vezes, poré m
sempre que chegava no “Eu...” alguma coisa dentro do meu peito me
fazia parar na hora. Acredito que ainda nã o me deparei com o momento
certo. Quando for para ser, sairá de livre e espontâ nea vontade. Meus
medos irã o me abandonar e, inalmente, poderei me libertar daquilo
que tanto me consome há um tempo.
— Está tudo bem, lindo? — Tomo um leve susto ao sentir a mã o de
Jess no meu ombro. Estava tã o distraı́do em meus pró prios
pensamentos, que nã o a notei chegando na sala.
— Melhor agora. — Sorrio, trazendo-a para o meu colo. — Aurora
dormiu?
— Feito um anjo. Minhas cançõ es de ninar sã o um sucesso, eu
deveria largar tudo e me dedicar à carreira de cantora. O que acha?
Preciso conter a gargalhada para nã o acordar a nossa ilha.
— Acho que você deveria deixar o papel da cantoria para pessoas
que sã o pro issionais no ramo. Sua voz é muito angelical para a
indú stria da mú sica.
— Ah, vai se ferrar! — Estapeia meu ombro levemente, també m
segurando a risada. — Sou incrı́vel em tudo o que faço, ok? Ou vai dizer
que nã o adora me ouvir cantando no seu ouvido?
— Pre iro te ouvir fazendo outra coisa no meu ouvido... — Des iro
um aperto sugestivo na sua coxa, satisfeito ao ver seus pelos se
arrepiando.
— Trenton... pare de safadezas, menino. Nossa ilha acabou de
dormir.
— Justamente por isso! E o melhor e ú nico momento para as minhas
safadezas. Mas posso ser româ ntico, se quiser.
— Gosto da mistura dos dois. Agora, seja româ ntico.
— Já te disse que você é a mulher mais linda do mundo?
— Pelo que me lembro, sim. — Uma de suas mã os vai para os meus
cabelos, acariciando os ios do jeito que tanto adoro. — Mas pode dizer
de novo, gosto de ouvir essas palavras saindo da sua boca.
Giro nossos corpos no sofá , posicionando-a debaixo de mim. Afasto
seus cabelos do rosto para poder ter uma visã o melhor dos pequenos
detalhes que a cercam, deixando o sorriso bobo transparecer nos meus
lá bios. Ela é tã o linda. Tão linda. Nã o me canso de olhar para todas as
suas perfeiçõ es. Desde os olhos, um misto de verde com â mbar, até o
pequeno risco no seu lá bio inferior, uma marca de um pequeno
incidente na infâ ncia.
Tudo nela faz o meu coraçã o bater descompassadamente. Me faz ter
ainda mais certeza e rea irmar meus sentimentos: eu a amo. Quero me
casar com ela. Quero que, mais para a frente, nos mudemos para uma
casa, quando, quem sabe, tivermos nosso segundo ilho. Quero entrar
em uma igreja e vê -la inteira de branco, caso for sua vontade. Se nã o for,
nã o tem problema. Podemos nos casar na praia. No parque. No quintal
de casa. Que seja em qualquer lugar. Apenas quero tê -la como minha
esposa futuramente.
— Você é a mulher mais linda do mundo — repito minhas palavras,
roubando um beijo delicado dos seus lá bios. — Eu sou completamente
e totalmente apaixonado por você . Por tudo o que tenha a ver com você .
Desde o seu lindo sorriso até sua linda marquinha no lá bio inferior.
— Sempre soube que essa marca na boca tinha te conquistado —
comenta com as bochechas ruborizadas, tentando disfarçar sua
vergonha. — E um charme.
— E que charme, francesa. Se nã o fosse esse pequeno detalhe, nã o
estarı́amos juntos — brinco, beijando todo o seu rosto antes que ela
possa me estapear. — Falando sé rio, nã o sei como expressar em
palavras o quanto sou grato por tudo o que temos. Hoje, me sinto um
homem completo: tenho bons amigos, uma famı́lia, um amor. Tudo isso
graças ao seu jeito encantador de me conquistar quando eu menos
estava esperando. Jessamine, eu...
Sou interrompido pelo toque agudo do seu celular. Nos viramos ao
mesmo tempo, notando o aparelho reluzente na mesa de centro. Na
tela, está escrito: “ATENDER/URGENTE”. Entretanto, ela coloca o
aparelho no mudo de primeira mã o.
— O que você estava dizendo? — Jess tenta colocá -lo no bolso,
poré m o seguro em minhas mã os.
— Nã o vai atender? Me parece urgente. — Balanço o celular na sua
cara, sem deixar a expressã o leve sair do meu rosto.
— Nã o! Nã o é mais importante do que estava prestes a acontecer —
murmura frustrada. — Isso pode icar para depois. Continue...
— Deixar de atender ligaçõ es urgentes pode te trazer grandes
consequê ncias. — Entrego o celular nas suas mã os. — Atenda, ainda
estarei aqui quando voltar com as mesmas palavras que iria dizer.
— Tem certeza?
— Absoluta.
— Tudo bem. Prometo que vai ser rá pido, já volto. — Sela nossos
lá bios com leveza antes de se levantar apressadamente, atendendo o
telefone em seguida.
Fico observando-a andar de um lado para o outro, com um sorriso
empolgado, quase saltitando de alegria. Ela pega sua bolsa que estava
no canto do sofá com pressa, correndo até o nosso quarto, vestindo-se
com um vestido mais social em questã o de segundos. Ouço um homem
de voz grossa falando no viva-voz, mas nã o consigo entender do que se
trata. Só sei que é um assunto importante pela sua pressa em se
arrumar, pedindo-me para fechar o zı́per do vestido, borrifando
perfume, deixando uma linda bagunça na mesa da sala de estar.
— Ok, estarei aı́ em dez minutos. Muito obrigada, senhor Jared, pela
oportunidade. Prometo nã o decepcioná -lo. — Desliga, dando uma
ú ltima olhada no nosso “espelho de estar”, como gostamos de chamá -lo
por estar na sala. — Como estou?
— Linda. — Prendo uma mecha de cabelo atrá s da sua orelha,
ajeitando alguns ios bagunçados. — Pelo visto, você precisa sair com
pressa.
— Pressa é pouco! Jared é um dos meus futuros maiores
investidores. Ele me disse que está na cidade e que adoraria ver meu
trabalho em primeira mã o. Nã o posso perder essa oportunidade, seria
burrice.
— Entã o, o que está esperando? Vá pegar seu investidor! —
Gargalho, acompanhando-a até a porta. — Me ligue quando voltar, hoje
o jantar é por minha conta.
— Obrigada, Trent. — Sorri aliviada, beijando-me antes de sair.
Poré m, ao chegar no elevador, ela se vira abruptamente. — Espera, o
que você ia me dizer?
— Nada que vá perder a importâ ncia quando voltar. — Pisco,
acenando para as portas que estã o abertas. Vá logo antes que se atrase
mais.
— Ok, até mais tarde.
Fecho a porta, caminhando novamente até a sala, me dando conta
do que quase acabou de acontecer. Porra, eu estava tão perto! Tã o perto
de inalmente poder parar de guardar meus sentimentos para mim. Não
deveria ser o momento certo, penso comigo mesmo. Se fomos
interrompidos, é porque ainda chegará a verdadeira hora de falar.
Poderia mandar uma mensagem, mas seria pé ssimo da minha parte.
Coisas como essa precisam ser ditas cara a cara, olhos nos olhos, corpo
contra corpo.
A campainha toca cerca de cinco minutos depois da sua saı́da. Jess
provavelmente esqueceu alguma coisa, entã o corro para abri-la com o
intuito de nã o atrasá -la mais.
Meu corpo paralisa feito pedra ao me deparar com a pessoa que se
encontra do outro lado. E como se eu estivesse vendo uma miragem.
Um fantasma do meu passado. Algué m o qual nã o ouvia falar há muito
tempo. E que, para ser sincero, nã o esperava nunca mais ver.
Nos encaramos por cerca de um minuto completo, sem
conseguirmos dizer nenhuma palavra. Abro a boca e fecho diversas
vezes, buscando algo que nã o seja um simples “olá”, ou rude como “o
que você está fazendo aqui? Como me achou?”. Dentre as opçõ es, o
silê ncio me parece mais confortá vel.
— E... Hum... Oi, Trenton — Alyssa Price Ashworth, a irmã mais nova
de Emery, inalmente diz. — Precisamos conversar.
“O
.”
(A B )

Alyssa e eu nã o estamos nem sequer nos encarando. Nunca fomos


muito pró ximos. Na verdade, acredito que nã o tivemos a chance e
tempo de nos aproximarmos. Emery nã o costumava visitar sua famı́lia
com frequê ncia, mas sempre falava com amor sobre a irmã . Sobre o
quanto elas eram pró ximas, unidas, quase gê meas por assim dizer.
Enquanto olho para os seus tê nis azulados, que contrastam
perfeitamente com sua pele pá lida, me pergunto mentalmente o que a
trouxe até aqui. Com certeza é algo relacionado a Em. Nã o nos vemos há
mais de um ano, desde o funeral nã o entramos em contato um com o
outro.
Lembro-me de ter mandado uma mensagem no seu aniversá rio,
mas ela nã o foi respondida. E compreendi, pois sei que sou um
lembrete vivo de uma parte dela que se foi. Então o que de tão
importante a trouxe até minha casa?
— Alexander me passou seu endereço — diz suas primeiras
palavras, quebrando o silê ncio ensurdecedor. — Sabia onde era sua
casa, porque Emery praticamente vivia lá , mas nã o soube que você
havia se mudado. Apó s muitas sú plicas, ele acabou me dizendo. Espero
que nã o tenha sido um problema.
— E claro que nã o. — Me apresso em responder. Nã o quero que ela
se sinta incomodada ou desconfortá vel. — Só estou surpreso com sua
visita. E muito, para ser sincero.
— Eu imaginei. Estou enrolando há um mê s, na verdade. Mas você
sabe, o ano está acabando, e sinto que, junto dele, algumas coisas
precisam acabar també m.
— Quer beber alguma coisa? Tenho á gua, suco, café , chá , destilado...
Essa conversa me parece ser prescrita a ser feita com uma boa dose de
vodca.
Ela ri, balançando a cabeça em negaçã o.
— Nã o, obrigada. Minha namorada me encheu de petiscos e muita
á gua antes de eu vir para cá .
Ergo as sobrancelhas com a palavra “namorada”.
— Parabé ns pelo namoro. Seus pais estã o levando numa boa?
— O que você acha? — Dá uma risadinha triste. Nã o conheci muito
bem os pais de ambas, mas sei que eles sã o extremamente religiosos. —
Pensei que fossem me deserdar quando contei. Por sorte, nã o moro
mais em casa, e eles nã o tê m acesso ao meu fundo bancá rio pois
consegui trancá -lo a tempo. Minha vida virou um verdadeiro inferno.
— Sinto muito que isso esteja acontecendo — falo com sinceridade.
— Se precisar de algum tipo de ajuda...
— Nã o! — Me interrompe abruptamente, com as bochechas coradas
de vergonha. — Nã o foi para isso que eu vim.
— Eu imagino, apenas estava sendo gentil.
— Ah... obrigada. — O rubor se torna ainda mais forte. Rio para
descontrair. — De qualquer forma, eu achei isso perdido nas coisas da
Emery que trouxemos do hospital. — Engolindo em seco, ela tira da sua
bolsa um pequeno caderno de capa dura. Na frente, está escrito “DIÁRIO
DA EMERY”, com letras em caixa alta, cobertas por glitter. — Quando o
peguei pela primeira vez, nã o tive coragem de ler. Me sentia mal por
estar invadindo seu espaço pessoal, nunca ia querer que izessem isso
comigo. Só que uma noite a curiosidade estava me consumindo. Nã o
consegui me conter, e comecei a folhear algumas pá ginas. Sã o dos dias
em que ela passou internada. Nele, há muitas coisas sobre mim e...
també m sobre você . Nã o li a sua parte, porque nã o me diz respeito. Mas
acho que seria legal você mesmo ler. Talvez possa ser um “ponto inal”.
Sinto que meus olhos podem saltar para fora do meu rosto. Meu
coraçã o, por sua vez, bate acelerado feito o ritmo de um rock clá ssico.
Notando minha confusã o, Alyssa estende o caderno em minhas mã os,
entregando-o para mim. Ele nã o me parece estranho; já vi Em fazendo
algumas anotaçõ es nas folhas, poré m nunca me atentei ao perguntar o
que era. Pensava que poderiam ser resumos da faculdade, ela nã o
gostava de perder nada. Por mais estranho que possa ser, o diá rio tem
seu cheiro. Leve, como se estivesse carregando sua presença.
— Nã o estava esperando por isso — digo as primeiras palavras que
me vem à mente, absorvendo meu choque. — Nã o esperava mesmo.
— Eu sei. Sã o muitas informaçõ es e, ao mesmo tempo, nã o sã o nada.
Nas minhas partes, ela apenas dizia o quanto me amava. E que, se caso
o pior acontecesse, eu deveria icar bem, porque sempre teria algué m
olhando por mim lá de cima... — Suas lá grimas começam a deslizar
sorrateiramente pelo rosto. Aly ergue a mã o para limpá -las. — Me
desculpe, nã o consigo conter minhas emoçõ es.
— Nã o tem problema, pode chorar o quanto quiser. — Ainda nã o
consigo encará -la. Estou preso na capa do diá rio, temeroso com o que
posso encontrar pela frente. — Nã o sei se consigo ler. Nã o sei se quero
ler. Minha vida está tã o boa, Alyssa. Depois de tudo, depois de sofrer
arduamente pela sua perda, inalmente me encontrei. Se essas palavras
forem me levar ao fundo do poço, pre iro nã o ler. Pre iro morrer de
curiosidade ao desestabilizar tudo o que vim construindo.
— Te entendo perfeitamente. — Suspira, apoiando a cabeça no sofá .
— Se nã o quiser ler, tudo bem. Só posso garantir que, na minha parte,
nã o me arrependo de ter lido nada. Muito pelo contrá rio. Suas palavras
me ajudaram a entender e aceitar um pouco mais da perda. Ela era
minha irmã , minha outra metade. Era sua namorada, o seu amor.
Acredito que, com esse diá rio, Emery quis nos dar alguma garantia de
que icarı́amos bem. Mas você é quem sabe. Respeito sua decisã o.
Passo as mã os pelos cabelos, respirando fundo, pensando em qual
será a decisã o correta. Sei que nenhuma palavra que estiver escrita
nesse pedaço de papel me fará mudar o que sinto em relaçã o a
Jessamine. Tenho total segurança desse fato. Apenas... nã o quero sofrer
de novo. Nã o quero sentir o luto correndo pelas minhas veias mais uma
vez. Nã o quero me lembrar de como é sentir medo de perder algué m
que amamos. Poré m, esse diá rio cai no meu conceito como se fosse uma
espé cie de sinal. Emery sabia como esconder suas coisas. Se ela
quisesse que ningué m o lesse, daria um jeito de mantê -lo fora de
alcance.
Tomo minha decisã o.
— Vou ler. O que tenho a perder, nã o é mesmo?
Os olhos de sua irmã se iluminam.
— Quer que te deixe sozinho?
— Nã o. Sem sombra de dú vidas, precisarei conversar com algué m
depois da leitura. — Rio, ajeitando a postura.
Abro o diá rio, pulando algumas pá ginas, até chegar o momento em
que me deparo com a minha. Nã o sã o textos grandes, à s vezes pequenas
frases, pensamentos. Ajeito a postura antes de começar a ler.

DIÁRIO DA EMERY

Se um gênio da lâmpada aparecesse na minha frente agora, eu teria


apenas um pedido. Não três, como eles costumam presentear os sortudos
que os encontram. Seria apenas um, único, e não muito exagerado: que
todas as boas pessoas no mundo fossem capazes de encontrar um amor
tão verdadeiro quanto o meu.
Deus, eu não sei colocar em palavras o quanto sou grata pelo Senhor
ter colocado Trenton August Grant na minha vida. Ele é literalmente tudo
o que pedi nos meus sonhos de garota. Um cara bonito, respeitoso,
engraçado, gentil. Que compreende meus momentos de loucura e me
acompanha em todas elas. Não há um dia que ele não venha me visitar. E,
em todas as visitas, ele me traz uma rosa amarela, pois diz combinarem
comigo. Queria poder pedi-lo em casamento. Maluquice, eu sei. Mas sinto
que nosso tempo será tão curto...

Eu estava certa. Nosso tempo realmente será curto. Os médicos nesse


hospital gostam de ingir que sou ingênua e não escuto seus cochichos
enquanto injo estar dormindo. Idiotas!
De qualquer forma, não tenho tanto medo da morte. Quando se
estuda medicina, ela se torna cada vez menos apavorante. Tenho medo da
reação das pessoas que me cercam: meus pais, Alyssa, meus amigos,
Trenton... oh, Trenton. Ele vai icar desolado.
As lágrimas que escorrem pelo meu rosto nesse momento são de medo
por vê-lo sofrendo. Por vê-lo preso a mim, sem conseguir seguir sua vida.
Eu deveria fazer uma lista. É, parece uma boa ideia. Ou deixar algumas
boas palavras nesse diário. Ele provavelmente vai encontrá-lo algum dia,
ou até mesmo minha irmã, que, sem conter sua curiosidade, irá folhear
essas páginas.
Trenton, se estiver lendo isso, se o pior realmente acontecer, não
acredite em Alyssa. Ela já leu tudo. E se te trouxe até aqui, é porque sabe
que você também deveria ler.
Tudo isso é meio mórbido. Me sinto uma completa maluca por estar
escrevendo essas palavras, tão incertas, sem saber qual é o meu futuro.
Posso sobreviver. Os médicos podem estar enganados. Um dia, posso virar
para trás, ler essas palavras e rir das minhas maluquices. Porém, vou
saber que estava me prevenindo, e não remediando. Ninguém sabe o dia
de amanhã. Posso sair desse hospital nova em folha e ser atropelada na
entrada. Trágico, raro, mas acontece.

De qualquer forma, sinto que preciso deixar algumas palavras para


ele. Então, aqui vão elas:

Trenton, se você estiver lendo isso em algum ponto da sua vida, por
favor, não me ache estranha. Bom, mais do que eu já era. Só você
conhecia o meu verdadeiro eu. Enquanto me seguro para não chorar,
somente quero te lembrar que eu te amo. Cacete, como eu te amo. Se não
fosse por você, eu jamais descobriria o quanto o amor é algo grande, que
vai além da compreensão humana. Algo que não pode ser estudado em
nenhum livro ou descrito em qualquer romance. É um lance nosso, meu
amor. Somente nosso. Me sinto extremamente amada desde a primeira
vez em que nos beijamos, tão repentinamente. Naquele dia, sabia que
estava destinada a te amar.

Se eu não estiver aqui para traçar nossa história, não tem problema.
É porque não era para ser assim. Li em um livro que tudo acontece por
um motivo, razão ou propósito. Esse tipo de pensamento me conforta um
pouco. Caso o pior aconteça, Trent, quero que você siga sua vida. Não se
preocupe comigo. Não pense que estará me “traindo”, porque seria o
maior absurdo do mundo. Tudo o que eu mais quero nessa vida é te ver
feliz, com ou sem mim. Siga em frente, não ouse olhar para trás. Apenas
me guarde com carinho no seu coração, como irei te guardar no meu até
sua última batida.

Se case. Namore uma garota que seja tão incrível quanto você. Tenha
ilhos. Oh, meu Deus. Tenha muitos ilhos. Seus ilhos serão os bebês mais
lindos do mundo. Exijo, no mínimo, dois (brincadeira. Ou não). Uma
menina e um menino. Não perca o tempo da sua preciosa vida sofrendo
por mim. Não vale a pena. Tome o necessário para o luto e siga em frente.
Quero que nossas memórias sejam guardadas com carinho, e não virem
sinônimo de dor.

Cuide dos nossos amigos. Cuide de Dominique e sua insana vontade de


querer ser a mais responsável. Lembre ao Bryan que, durante as trilhas,
ele deve levar no mínimo três garrafas de água, e não uma. Alex e Ellen
sabem se virar bem. Roxy... diga que sinto falta do seu antigo eu. Não se
preocupe, ela vai se encontrar alguma hora.

Continue nadando em direção à praia. Não pare até sentir seus pés
pisando na areia. Quando esse dia chegar, saiba que estarei muito feliz e
realizada por você. Me deixe descansar em paz.

Uau. Agora, relendo, essas frases me parecem assustadoras. Porém,


estão carregadas com a verdade. A mais singela e pura verdade. Espero
não o assustar, caso essas palavras venham parar em suas mãos por
alguma razão.

Por hoje é só.


Só percebo que estou chorando quando sinto as lá grimas quentes
deslizando pelo meu rosto. No decorrer das pró ximas pá ginas, há
algumas anotaçõ es, recados, palavras de incentivo, nada que fuja do que
está escrito nas demais. Ela sabia. De alguma forma, Emery pô de sentir
ou prever sua partida. Em um gesto que para ela foi assustador, mas
para mim foi encantador, Em decidiu registrar suas ú ltimas palavras e o
que gostaria que eu soubesse antes de partir.
Como eu queria ter lido isso há muito tempo. Teria me ajudado no
processo de luto. Entretanto, como a frase citada no livro, també m
acredito que tudo acontece por um propó sito. Se estou recebendo suas
palavras hoje, é porque elas foram destinadas a serem entregues para
mim nesse dia. E nã o em nenhum outro.
— Nã o esperava icar tã o emocionado — comento apó s secar
minhas lá grimas, fechando o diá rio, empurrando-o lentamente até
Alyssa. — Caramba, eu nã o lia ou via algo de Emery há mais de um ano.
Suas palavras ainda tê m um impacto tã o signi icativo para mim.
— Espero que nã o seja negativo. — Morde o lá bio inferior, itando-
me com receio. — Emery jamais iria querer te ver triste. Ela apenas
desejava que você seguisse em frente...
— Tenho uma ilha. — A frase lui da minha boca automaticamente.
A garota ao meu lado arregala os olhos como arregalei os meus ao ver o
diá rio. — Ela se chama Aurora. Tem quatro meses, e é a dona do meu
coraçã o. Eu segui em frente, Aly. Nã o da forma como esperado, nã o
como planejei, mas segui. Eu amo minha vida. Amo minha namorada,
amo nossa ilha, amo nossa famı́lia. Nã o mudaria absolutamente nada,
porque tudo o que aconteceu na minha vida me trouxe até aqui. Me fez
ser o homem que sou hoje. Obrigado por ter me trazido esse diá rio. Foi,
literalmente, como um ponto inal para mim. Estou exatamente como
Emery gostaria que eu estivesse.
— Você tem uma ilha? — repete, ainda processando a informaçã o.
— Um bebê de quatro meses?
— Sim, o bebê mais lindo do mundo. — Dou uma risadinha pela sua
feiçã o de espanto. — Quer conhecê -la?
— Com certeza! — exclama empolgada, levantando-se do sofá em
um pulo. — Me desculpe pela empolgaçã o. Sonhava com o dia em que
você s me dariam uma sobrinha... Fico feliz por você , Trenton. Emery
deve estar muito orgulhosa.
— Ela está . Sei que está .
Sorrindo, caminhamos juntos até o quartinho de Aurora. Para nossa
sorte, ela está acordada, com seus olhos vidrados por todo o cô modo,
parando na nova presença. Pego-a no colo, inspirando seu doce cheiro
familiar, icando bobo ao ver seu sorriso e risada com meus beijos.
— Meu Deus, ela é tã o... tã o linda. — Suspira, esticando o braço para
tocar sua mã o. Por ser um bebê que adora atençã o, Aurora agarra seu
dedo e o agita no ar, fazendo a garota sorrir mais ainda. — E a sua cara.
Quem é a mã e?
— Jessamine. Nos conhecemos alguns meses depois que Emery se
foi, e acabou acontecendo esse pequeno incidente — brinco,
balançando-a em meus braços. — O incidente mais lindo que já
aconteceu na minha vida. Somos tã o felizes, tã o abençoados. Nã o nos
falta absolutamente nada. O que mais temos dentro dessa casa é amor.
— Chega a ser palpá vel. — Ri levemente, distraindo-se com a
pequena. — Fico feliz por você , Trent. De verdade. Feliz que encontrou
algué m incrı́vel, que te deu uma famı́lia. Era exatamente isso que minha
irmã queria.
— Sofri por muito tempo. Deixei meu luto, a amargura e a solidã o
tirarem tudo de mim. Quando me dei conta de que iria ser pai, de que
estava perdendo a oportunidade de trilhar uma vida ao lado de uma
mulher maravilhosa, percebi que poderia perder tudo de novo. Dessa
vez, nã o deixei a perda me consumir.
— E foi a atitude certa a ser tomada. Em era uma pessoa muito boa.
No inal das contas, seu ú nico desejo era nos ver felizes. Ainda estou
tentando me ajustar a confusã o que chamo de vida, mas me sinto bem.
Amo e sou amada por uma garota incrı́vel. No im, parece que...
Somos interrompidos com o som de algo caindo no chã o. Ao
virarmos nossos olhares, notamos que Jessamine está na porta do
quarto. Sua bolsa caiu no chã o, e ela está nos encarando em pura
surpresa. Seus olhos descem Alyssa da cabeça aos pé s, como se
reconhecesse a igura que está na sua frente.
— Jess, essa é a...
— Só vim pegar meu notebook. — Mentira. Me lembro de vê -la o
colocando na bolsa. Ele provavelmente causou o barulho alto do
impacto. — Eu... é ... preciso ir.
Antes que possamos dizer alguma coisa, minha garota se vira
rapidamente, correndo até a porta, a batendo alto o su iciente para que
possamos ouvir. Merda. Ela sabe que essa é a irmã de Emery.
Provavelmente deve ter visto o diá rio na sala. Gatilhos e mais gatilhos.
Preciso encontrá -la antes que os absurdos consumam sua cabeça.
— Preciso ir. — Entrego Aurora em seus braços sem hesitar. Con io
nela o su iciente para deixá -la com minha ilha por algumas horas. —
Nã o posso te explicar o motivo, pois nã o é algo meu, mas preciso
conversar com ela. Se importa em icar de olho na Aurora?
— Claro que nã o! Adoro bebê s — garante, caminhando até a sala
comigo. — Se ela chorar ou começar a sentir muito sua falta, eu te ligo.
Ainda tenho seu nú mero.
— Ok. Obrigado por ter vindo até aqui.
— Nã o precisa me agradecer. Peço desculpas novamente se estiver
atrapalhando algo. Se for necessá rio, posso conversar com sua
namorada.
Nã o tenho tempo de agradecer mais uma vez. Dou um beijo na testa
da minha ilha, digo que a amo e que já venho. Por conhecer Jessamine
com a palma da mã o, sei exatamente para onde ela está indo. Dirijo meu
carro até o apartamento de Dominique e Ellen, torcendo para minhas
intuiçõ es estarem certas.
“M , ,
.”
(A B )

Eu sei que fugir nã o foi a opçã o mais madura, correta e responsá vel
de se tomar. Na verdade, acredito ter sido a pior decisã o que já tomei
nos ú ltimos tempos. Nã o estava acontecendo nada de mais. Era apenas
Trenton, segurando nossa pequena garotinha nos braços enquanto uma
garota, que devia ser pelo menos seis anos mais nova que nó s, a olhava
com admiraçã o.
Uma garota ligeiramente familiar.
Alyssa, irmã de Emery. Reconheci-a no mesmo instante em que
nossos olhos se cruzaram no quarto. Nã o me leve a mal, mas dei uma
boa stalkeada nas suas redes sociais quando descobri tudo o que
aconteceu. E lá , encontrei o per il de sua irmã . Por nã o ser nenhum tipo
de psicopata, nã o iquei fuxicando na sua vida, apenas vi algumas fotos,
logo notando a semelhança entre as duas. Cabelos loiros, olhos azuis,
visual inocente. Elas poderiam ser gê meas, se nã o fosse a diferença de
idade.
De qualquer forma, jamais esperaria encontrar uma parte do
passado de Trent na minha casa. No quarto da minha ilha. Ciú mes?
Talvez. Insegurança? Com certeza. Nã o deveria me sentir assim. Nã o
deveria me sentir ameaçada pela presença de uma garota que,
querendo ou nã o, fez parte da sua vida. Foi apenas aquele pequeno
borbulhar de alerta que salpicou no fundo da minha mente e me fez
correr para o ú nico lugar que eu teria paz: o apartamento das meninas.
Elas nã o estã o presentes, mas ainda guardam minha chave reserva em
caso de emergê ncia. Sendo assim, entrei, atirando meu corpo no sofá ,
bufando repetidas vezes o quanto fui estú pida e infantil.
— Você nã o tem nenhum direito de mexer no que nã o é seu,
Jessamine — murmuro para mim mesma, deixando o diário de Emery
longe de mim.
No impulso da raiva e curiosidade, acabei “o roubando”, mesmo sem
ter coragem de folheá -lo. Nã o me sinto confortá vel em pensar que
estaria invadindo um espaço pessoal que nunca irá me dizer respeito.
Droga, eu deveria voltar. Só precisei de um tempo para colocar meus
pensamentos no lugar e afastar as inseguranças. Estamos felizes juntos.
Temos uma famı́lia. Um bebê de quatro meses que signi ica todo o
nosso mundo. Ela nã o pode mais nos atrapalhar, ou pode?
— Fugir de mim nã o é a melhor escolha, francesa. — Sobressalto-
me ao ouvir sua voz invadindo o cô modo. Com a mã o apoiada no
coraçã o pelo susto, me viro abruptamente, observando Trenton
encostado no batente da porta. — E muito menos a mais madura.
— Onde está Aurora? — digo o primeiro pensamento que me vem à
cabeça. — Por favor, nã o me diga que deixou a nossa ilha com uma
estranha...
— Alyssa nã o é uma estranha para mim — corta, caminhando
lentamente, sentando-se ao meu lado. As vezes – quase sempre –,
admiro sua paciê ncia comigo. — Ela é uma boa menina. Gentil,
con iá vel. Nã o há com o que se preocupar.
— Mesmo assim, nã o a conheço.
— Mas eu conheço. Isso nã o vale de nada?
— E claro que vale. — Suspiro, sentindo seu olhar ofendido caindo
sobre mim. — Poré m, ainda acho que deverı́amos voltar.
— Nã o até você me dizer por que saiu correndo como se tivesse
visto um fantasma.
Mordo o lá bio inferior, sabendo que nã o adianta enrolá -lo por muito
tempo.
— Alyssa é praticamente um fantasma para mim, Trenton. Um
fantasma do seu passado. Eu ainda me sinto insegura quando o assunto
gira em torno de Emery. Infantil, eu sei. Pode até mesmo ser bobo. Nã o
sinto raiva dela. Sei que ela foi uma ó tima pessoa para você no passado,
mas eu sou o seu presente. E quero ser seu futuro. Sempre que nó s
estamos bem, algo acontece. Ou algué m toca no assunto, ou até mesmo
a irmã dela resolve aparecer. Você consegue entender como isso mexe
com a cabeça de uma pessoa como eu?
— Chegou a ler o diá rio? — pergunta, com seus olhos caindo para o
caderno que está ao seu lado. Ele o pega, empurrando-o em minha
direçã o discretamente.
— Nã o. Nã o sou o tipo de pessoa que invade a privacidade de
algué m que já se foi. Tenho meu cará ter e princı́pios muito bem
formados.
— Eu acho que você deveria ler. — Surpreendo-me com suas
palavras e o tom suave na sua voz que mais soa como um pedido. — As
minhas partes. O que ela quis dizer sobre mim.
— Nã o. — Recuso de primeira. — Essas palavras sã o para você,
Trent. Nã o me dizem respeito. Sei que estou errada, agindo feito uma
criança, mas isso nã o me dá o direito de ler algo que nã o é meu.
— Bom, eu nã o concordei com sua atitude. — Em mais uma
surpresa, sua mã o se entrelaça com a minha. Relaxo sob o seu toque
quente, terno. Aquele toque que me lembra como é estar em casa. — Se
você fugir em todo problema que iremos ter, linda, nosso
relacionamento nã o vai funcionar. Jamais te pediria para icar lá
fazendo sala e sendo simpá tica com algué m que te “ameaça”. — Faz
aspas com os dedos. — Poré m, você podia ter esperado Aly ir embora
para que pudé ssemos conversar feito dois adultos.
— Sei disso... me desculpe. — Apoio a cabeça no seu ombro,
sentindo o peso da minha atitude pender. — Me desculpe por ter
simplesmente ido embora, nã o foi a melhor decisã o a ser tomada. Estou
morrendo de vergonha.
— Tudo bem, te perdoo. — Ele me abraça, o cheiro do seu perfume
invade minhas narinas. Envolvo seu pescoço, trazendo-o para mais
perto. — Ainda acho que deveria ler o diá rio. Vai te ajudar a entender
uma parte da morte de Emery que nem eu mesmo conseguia entender.
Respiro fundo, pensando sobre o assunto. “Ler esse diário me faria
mais bem ou mal?”, questiono a mim mesma enquanto encaro o chã o da
sala. Mal ele nã o fará . Pois, se o izesse, Trenton jamais me pediria para
ler. Ele tem completa noçã o do quanto esse é um assunto delicado para
mim. Meu namorado está me con iando um pedaço do seu passado que
pode nos ajudar a inalmente dar um basta nesse assunto. Uma hora ou
outra, terı́amos que conversar sobre ela. Então por que adiar quando se
pode fazer agora?
— Ok, eu leio. — Tomo a decisã o, pegando o caderno, inspirando e
expirando o ar lentamente. — Me deseje sorte.
Com uma risadinha, Trent beija o topo da minha testa antes de me
guiar para as pá ginas que lhe dizem respeito. Conforme leio cada
palavra que está escrita, sentindo um aperto no coraçã o indescritı́vel
por ser de uma pessoa que se foi, lá grimas brotam em meus olhos até
escorrerem pelo rosto. Cada palavra, cada declaraçã o, vieram de uma
pessoa que o amava exatamente como eu o amo. Uma pessoa que
queria vê -lo feliz, independente da sua presença ou nã o. Em apenas lhe
desejava coisas boas, ela nã o tinha nenhum amargor dentro do peito.
Ela queria que seu namorado seguisse em frente caso o pior
acontecesse – como aconteceu.
Concordo em partes, em meio à risadinhas, quando ela diz que suas
palavras sã o meio mó rbidas, porque, de fato, sã o, mas verdadeiras.
Emery tinha uma visã o do amor que poucas pessoas tê m. Ele nã o
era um amor unitá rio, egoı́sta. Seu maior desejo era que Trenton
encontrasse uma garota legal e formasse uma famı́lia, sem olhar para
trá s. E foi exatamente o que ele fez.
Ao fechar o diá rio, sentindo meu ó rgã o vital pulsando pela garganta,
uma paz de espı́rito indescritı́vel me invade. Porque eu sou essa garota
legal com quem ele tem ilhos. Eu, apenas eu, Jessamine Lanoie, e mais
ningué m. Pensando com clareza, precisá vamos desse diá rio. Ambos. Foi
como um ponto inal em linhas in initamente escritas.
— Isso foi tã o... uau. — Suspiro, fechando o objeto, colocando na
mesa de centro. Quando tenciono secar minhas lá grimas, ele faz isso
por mim, moldando meu rosto com ambas as mã os, nos deixando a
centı́metros de distâ ncia. — Nã o sei descrever o que estou sentindo. E
um misto de pesar, gratidã o, alı́vio. Sã o palavras lindas. Ela realmente te
amava.
— Emery me amava exatamente como eu te amo.
Todo ar resguardado nos meus pulmõ es some. Pelo susto, acabo me
afastando um pouco, visualizando todo o seu rosto.
Ele acabou de dizer o que eu ouvi?
— C-como?
— Eu amo você , Jessamine. — Volta a se aproximar, trazendo-me
para o seu colo. Posiciono ambas as pernas ao lado das suas, ainda sem
acreditar. — Eu te amo há um bom tempo. Estava apenas criando
coragem para te dizer, buscando o momento certo, e nã o posso mais
guardar esse sentimento dentro de mim. Você me fez acreditar
novamente no amor. Me fez perceber o quanto é bom amar e ser amado
de volta. Você literalmente me salvou, Jess. Quando nem eu mesmo
sabia que precisava ser salvo.
— Eu... amo você també m — repito suas palavras com a voz
trê mula, nã o conseguindo acreditar que esse dia inalmente chegou. —
Deus, como eu amo você . Nã o sei nem o que dizer...
— Entã o nã o diga. Se teve uma coisa que aprendi ao seu lado, é que
nem sempre palavras precisam serem ditas.
Em um ı́mpeto, ele traz seus lá bios para se unirem aos meus.
Nã o consigo hesitar. Nã o consigo pensar em mais nada que nã o seja
o calor da sua boca me cobrindo, me explorando, tomando posse de
partes minhas que sã o totalmente suas.
Ele me ama.
Eu o amo.
E nada mais importa.
“P .
E .”
(A B )

— Eu te amo. — Torno a dizer as mesmas palavras enquanto ergo


Jessamine do sofá , caminhando até o seu quarto em meio a tropeços,
risadas, di iculdades de fechar a porta. — Eu te amo. — Continuo
dizendo enquanto tiro toda a roupa do seu corpo, beijando todo pedaço
de pele nua que aparece pela minha frente, sem deixar nada, nem um
resquı́cio para trá s. — Eu te amo — digo pela ú ltima vez, prendendo
seus pulsos acima da cabeça, roçando minha ereçã o despida na sua
entrada por estarmos ambos nus.
— Eu també m te amo. — Ela nã o tenta se desvencilhar do meu
toque. Somente me entrega aquele seu olhar, aquele por quem eu me
apaixonei há tantos meses.
O olhar de uma mulher que me ama com cada fragmento do seu
coraçã o que, um dia, també m esteve destruı́do como o meu. Caramba,
eu realmente disse que a amo. Em alto e bom tom, para o mundo inteiro
ouvir.
Ela é o meu mundo. Minha força, minha luz em meio a uma
escuridã o que estava prestes a se tornar cegueira. Nã o acredito que
demorei tanto tempo para me declarar, poré m, tenho ciê ncia de que foi
no momento certo.
Um dos milhares de aprendizados que tive ao lado de Jess é apreciar
o simples fato de dar tempo ao tempo. Devemos aproveitar os
pequenos detalhes dos instantes que vivenciamos, sem nos
preocuparmos demais com o futuro.
Enquanto provo do seu gosto, deliciando-me com seus gemidos,
sorrindo ao sentir seu orgasmo, percebo o quanto fomos feitos um para
o outro. Suas curvas se encaixam perfeitamente nas minhas, como se
estivessem moldadas desde o nosso nascimento. Seu toque me leva do
cé u ao inferno em questã o de segundos. Nosso beijo combina, ela nã o
se importa em sentir do pró prio gosto enquanto a provoco, fazendo
mençã o de penetrá -la até me lembrar de um detalhe simples, mas
muito importante.
— A camisinha, linda — murmuro, trilhando beijos pelo seu
pescoço, descendo para provocar seus mamilos. — Ou já quer
providenciar o irmã o da Aurora?
Jess ri, invertendo nossas posiçõ es.
— Ainda nã o. Mas nã o se preocupe, estou fazendo o uso correto da
pı́lula.
— Otimo. Estou com saudades de te sentir sem nenhum lá tex nos
impedindo.
— E eu com saudades de sentir seu gosto na minha boca — diz
maliciosamente, curvando-se para morder meu lá bio inferior.
Puta que pariu. Jogo a cabeça para trá s, aproveitando a sensaçã o de
usufruir dos seus doces lá bios, lá bios que ora dizem me amar, e ora
querem me devorar, passeando por todo meu peitoral até ela lamber
minha virilha, lançando-me a porra de um sorriso indecente antes de
engolir meu pau sem precedentes.
— Cacete, Jessamine. — Prendo seus cabelos em um rabo de cavalo,
apoiando-me nos cotovelos para aproveitar a visã o.
Movo os quadris devagar, apenas para sentir como um incentivo – e
porque sei que minha garota adora ser provocada. Em resposta ao meu
estı́mulo, ela geme mais alto, lambendo a cabeça do meu pau,
masturbando o resto com suas pequenas mã os.
Nã o vou durar muito tempo, esse olhar safado e sedutor é capaz de
me levar ao cé u em minutos. Puxo-a pelo cotovelo, tornando a beijar
seus lá bios com pressa, fome, desejo. Voracidade de sentir o seu calor
me cobrindo.
Mesmo tentando retomar a posiçã o dominante, sou impedindo pelo
seu olhar impiedoso. Aquele olhar de “quem manda nessa porra sou eu”.
E eu, como um bom homem rendido, apenas a obedeço, espalmando
um belo tapa na sua bunda, apertando a carne enquanto ela cavalga
com irmeza sobre mim.
— Trenton... mais um — pede, puxando meus ios com força.
Cumpro suas ordens, massageando sua pele pela força ter sido, talvez,
um pouco exagerada. — Cé us, é por isso que eu te amo.
— Pelos tapas que dou na sua bunda?
— Por esse motivo e muito mais.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, voltando a beijá -la. Com
tamanha intensidade, volú pia, que, por um momento, penso que
podemos nos fundir em um só . Apertando sua cintura, traçando o
contorno dos seus seios, me dou conta do quanto sou sortudo por
absolutamente tudo o que conquistei até o dia de hoje.
Ela estava destinada a ser o amor da minha vida, e nã o nenhuma
outra pessoa. Quando perdi Emery, pensava o contrá rio. Acreditava
irmemente que nã o seria capaz de amar outro algué m, ou que fosse
digno de ser amado de novo.
Como em quase todas as situaçõ es que passei nos ú ltimos meses,
felizmente, estava enganado perante essas a irmaçõ es. Sou merecedor
de toda felicidade do mundo. E sei que sou capaz de dá -la a minha
amada, que explode em um orgasmo delicioso, me trilhando para o
mesmo caminho enquanto gememos nossos nomes em sussurros
discretos, promessas secretas. Estamos nos fundindo e jurando nosso
amor eterno, seja ele sentimental, carnal. Somos completos, nã o
precisamos de mais absolutamente nada.
Somente nó s dois.
— Quero me casar com você um dia — comento enquanto estamos
deitados, trilhando um carinho delicado pelas suas costas. Ela sustenta
o olhar para me encarar, sorrindo, brincando com minha barba por
fazer. — Seja na igreja, na praia, em qualquer lugar. Pode até mesmo ser
no cartó rio. Meu ú nico desejo é olhar nos seus olhos e poder te chamar
de esposa.
Suas bochechas ruborizam.
— També m quero me casar com você , lindo. Nã o importa o lugar.
Mas acredito que nã o somos muito chegados em religiã o para fazermos
algo na igreja.
— Concordo plenamente. Ufa! — Finjo um suspiro aliviado,
arrancando uma doce gargalhada da sua boca. — Estava com medo de
ter de ingir devoçã o a Deus pelo nosso casamento. Acredito e con io na
sua palavra, poré m esse conceito de casar na igreja caiu por terra para
mim.
— Todos os membros da minha famı́lia que se casaram nesse lugar
se divorciaram. Sou levemente traumatizada. — Faz careta, descendo o
toque na minha barba para o peitoral, fazendo desenhos desconexos. —
Pode ser na praia. Apenas os mais chegados, nossos amigos, sua famı́lia.
Aurora será encarregada de levar as alianças junto com a Nevada. Posso
fazer meu pró prio vestido, das madrinhas també m. E o seu terno.
— Me parece o plano perfeito. — Sorrio, cumprindo meu costume
de prender uma mecha de cabelo solta atrá s da sua orelha, tendo uma
visã o privilegiada do seu rosto reluzente de felicidade. — Só preciso de
tempo para pensar em um bom pedido.
— Por favor, nada de coisas exageradamente româ nticas. Nada de
velas, quartos cheios de lores, pú blico... Oh, meu Deus, sem pú blico!
Quando esse momento chegar, quero que seja algo apenas nosso. Como
esse momento: nó s dois, nos amando, nus, sem nada de que nos
esconder.
— Entã o está dizendo que devo te propor agora? Posso sair
correndo e comprar um anel de noivado, nã o vai nem sentir minha
falta.
— Obvio que nã o! — Desfere um tapa leve no meu ombro,
contagiando sua risada para mim. — Ainda temos tempo. Muito tempo.
Vamos deixar Aurora crescer, aprender a andar e falar.
— Tudo bem, vou sossegar. — Ergo as mã os em redençã o. — Quer
fazer uma aposta para ocupar o tempo em que nã o posso te pedir em
casamento.
— Qual?
— Aposto cem dó lares que ela dirá papai primeiro. — Lhe entrego
meu melhor olhar desa iador, gargalhando ao ver sua boca se abrir em
um gigantesco “O”. — E pegar ou largar.
— Negó cio mais do que fechado, porque eu tenho certeza de que ela
irá dizer mamã e. — Aperta minha mã o com irmeza, selando nosso
acordo. — Nã o é possı́vel que, alé m de perder para a aparê ncia, vou
perder na primeira palavra.
— Ser uma boa perdedora é uma ó tima caracterı́stica.
— Pois guarde para você , essa vitó ria é minha.
— Por isso que eu amo você , seu otimismo me contagia.
— Vai se ferrar, idiota. — Revira os olhos, deitando seu corpo sobre
o meu. — E eu amo você pela sua con iança, mesmo perante um jogo
perdido.
— Veremos entã o quem vai perder nesse segundo round.
Fazemos amor inú meras vezes. Com direito a palavras sujas,
silê ncio, troca de olhares. Tudo o que se pode imaginar. Perdi a conta de
quantas vezes dissemos que nos amamos nesse espaço de tempo.
Consumamos o que temos de melhor até nos cansarmos, até
começarmos a sentir falta da nossa ilha.
Ao retornar para casa, apresento Alyssa, que está brincando com
Aurora, cantando uma musiquinha infantil, para Jessamine. Ela pede
desculpas pela sua fuga, explica sem detalhes seus motivos e diz sentir
muito pela sua irmã . Conversamos por um bom tempo, chegamos a
convidá -la para jantar, mas Aly recusa. Diz que seu papel já foi
cumprido, e que precisa voltar para casa, uma vez que estava icando
tarde e sua namorada deveria estar preocupada. Nos despedimos.
Quando chega a hora de dormirmos, optamos por trazer nossa
garotinha para a cama. Queremos curtir essa noite em famı́lia. Dou um
beijo estalado na testa das duas mulheres que mais amo nesse mundo,
minhas meninas, antes de deitar a cabeça no travesseiro, fechando os
olhos, grato por nã o ser mais aquele garoto destruı́do.
Agora, sou um novo homem. Um homem que moveria o mundo
apenas para ver um sorriso no rosto das duas garotas que estã o de
mã os dadas, mesmo sem perceber, pois adoram icar juntas.
Sou o cara mais fodido de sortudo do mundo por ter a honra de
amá -las.
Nó s sempre seremos assim, cercados de amor até o ú ltimo dia de
nossas vidas.
“N , .
J
.”
(A B )

VÉSPERA DE NATAL...
Aurora e Nevada sã o uma dupla infalı́vel. Enquanto termino de
vestir sua roupinha de Natal, que consiste em um body vermelho todo
decorado de bengalas verdes, feito por mim, a cachorrinha faz questã o
de icar ao meu lado, os olhos atentos no bebê , como se estivesse
demonstrando sua preocupaçã o.
Estamos na casa dos meninos, aguardando pela chegada de Bryan e
Ellen, os ú ltimos integrantes que faltam para a nossa ceia natalina estar
completa. Trenton, Esther e Dominique passaram o dia inteiro na
cozinha, preparando todos pratos – que, com toda certeza do mundo,
estã o deliciosos – enquanto eu e Alexander nos ocupamos de arrumar a
casa.
Ao meu favor, minha garotinha passou o dia inteiro praticamente
dormindo, com sua iel escudeira fazendo escolta e latindo caso ela
ameaçasse começar a chorar. Tudo está perfeitamente acomodado,
desde a á rvore de Natal até os enfeites luminosos que dominam desde a
cozinha até a sala.
Sorrio, satisfeita ao ver como minha ilha está linda, colocando um
lacinho na sua cabeça, o qual faz um bom contraste com seus leves
cachinhos pretos antes de dar mais uma alisada no meu vestido,
igualmente vermelho.
— Está precisando de ajuda, francesa? — Trenton pergunta,
adentrando o seu antigo quarto com os cabelos molhados, já vestido.
Ele usa uma camiseta social vinho, combinando com meu vestido.
Calça jeans, tê nis. Nada muito so isticado, pois estamos em famı́lia, mas
també m sem parecer relaxado. Lindo. Tira meu ar quando seu perfume
invade minhas narinas, fazendo-me caminhar até seu alcance, passando
ambas as mã os pelo seu pescoço e o beijando.
— Nã o, lindo. Terminei de arrumar nossas ilhas. — Aceno com a
cabeça para Aurora e Nevada, que estã o deitadas na cama. Ela se agita
ao ver o pai, balançando suas perninhas, implorando indiretamente por
atençã o.
— Sentiu minha falta, pequena? — Ele pega a ilha no colo,
enchendo seu rosto de beijos enquanto ela solta deliciosas gargalhadas
de bebê , tentando abraçar seu pescoço. — Parece que sim.
— Um dia inteiro sem sua atençã o faz falta para nó s. — Faço um
bico dramá tico, apoiando a cabeça no seu ombro. — Gostou das
roupinhas que eu iz?
— Ficaram lindas. Exatamente como a dona — elogia, observando
os detalhes presentes no body, parando para olhar a de Nevada
enquanto acaricia seus pelos brancos. — Nã o pensa em lançar uma
linha de roupas infantis?
— Talvez um dia. Por enquanto, meu foco é conquistar primeiro os
seus pais para depois chegar nos ilhos. — Dou uma risadinha, voltando
a colocar a cachorra no chã o, que corre para o andar debaixo. — Como
estã o as coisas na cozinha?
— Estavam ó timas, até o Alex querer opinar do seu jeito brincalhã o
nos pratos da Dom e levar uma “colherada” de pau na cabeça e icar
com um galo. — Ri alto.
Meus olhos se arregalam perante a informaçã o.
— Eu nã o acredito! Por Deus, Dominique nã o deixa nada barato.
— Ele mereceu. Ningué m mandou cutucar a fera indomada, que
estava quieta. Obvio que, apó s ver que o galo icaria feio, ela encheu o
rosto dele de beijos, mas nã o pediu desculpas. Apenas murmurava:
“Você mereceu, seu cretino”.
— A boa e velha Dominique Beaumont, que nã o muda nem com o
amor da sua vida.
— O amor nã o deve nos mudar, minha linda. Ele apenas deve nos
mostrar nossa melhor essê ncia. — Pisca, entrelaçando nossos dedos.
Descemos até a sala de estar, onde Dom está fazendo um curativo no
seu namorado e Esther terminando de colocar os ú ltimos pratos na
mesa.
— As convidadas de honra chegaram.
— A convidada de honra chegou. — Minha amiga para de colocar
gelo na testa do namorado, correndo para pegar sua a ilhada. — Meu
Deus, como você está linda, baby Aurora!
— Ei, nã o está se esquecendo de nada? — Alex aponta para o galo
na sua cabeça.
— Você tem duas mã os perfeitas, meu bem. Pode muito bem icar
segurando seu pró prio gelo.
— Essa garota é dura na queda! — Esther comenta, juntando-se a
todos nó s. — Pensei que os boatos ao seu respeito nã o fossem tã o
verdadeiros.
— E é por isso que eu a amo, senhora Grant. — Todos nó s
murmuramos um “Own” em conjunto, vendo as bochechas da garota
corarem. — Viu só ? Te deixo corada em troca de um galo. A vingança é
um prato que se come frio.
— Vai se f... — Antes de dizer o palavrã o, ela percebe que está com a
sobrinha no colo, interrompendo. — Vai... vai ser feliz, Alexander.
— Só se for com você .
— Nã o te falei que eles eram fofos de um jeito estranho? — sussurro
para minha sogra, ao mesmo tempo que observamos os trê s
conversando. — E a essê ncia de ambos como casal.
— E, de fato, sã o. — Dá uma risadinha. — Mas nã o sã o melhores que
o meu casal favorito. Como estã o as coisas com o Trenton?
— Melhores impossı́vel. — Solto um suspiro apaixonado, olhando
para o assunto da conversa. Ele está falando animadamente com seus
amigos, fazendo brincadeiras para a ilha rir e contagiar o ambiente.
Exalando uma espé cie de felicidade palpá vel para todos verem. — Nos
amamos, Esther. Nunca me senti tã o feliz e completa, tenho
absolutamente tudo. A ú nica coisa que me faltava nessa noite era a
companhia da minha irmã , Eleanor. Queria muito que você s se
conhecessem. — “Queria muito que você desse seus conselhos sábios
para o seu coração partido”, penso comigo mesma.
— Por que ela nã o vem? Te ouço falar tanto dessa garota, que parece
que já a conheço.
— As coisas estã o complicadas no seu relacionamento — bufo,
espantando a preocupaçã o de irmã mais velha. — Eles praticamente
estã o separados, mas meio que ainda nã o querem admitir, entende? Ou
nã o querem aceitar. Entã o, no que provavelmente será uma falha
tentativa de reatar, El resolveu passar o Natal com a famı́lia dele.
Mesmo comigo insistindo para que os dois viessem até aqui.
— Você é a tı́pica irmã mais velha coruja, nã o é ?
— Sim, sou — admito com um sorriso envergonhado. — Ela sempre
será o meu bebezinho. Minha irmã zinha mais nova que merece todo
amor do mundo. Odeio vê -la sofrendo.
— O sofrimento faz parte do crescimento, querida. — Apoia sua
mã o contra a minha carinhosamente. — Felizmente, nã o podemos
poupar as pessoas ao nosso redor de sofrerem. Isso é mais do que
necessá rio para amadurecermos. Pense que, um dia, será Aurora vindo
chorar no seu ombro por uma desilusã o amorosa.
— Nã o, nã o e nã o! — Balançando a cabeça em negaçã o, arranco
uma gargalhada dela que me contagia. — Sinto calafrios só de pensar
nesse dia chegando. Ainda tenho muito tempo pela frente.
— Ele passa voando. Quando menos perceber, sua ilha terá dezoito
anos e estará querendo mudar de cidade para fazer faculdade. Em um
piscar de olhos, ela te contará sobre o primeiro amor, primeiro beijo,
primeira vez...
— O que você está falando que parece estar causando enjoos na
minha namorada, mamã e? — Trenton interrompe nossa conversa,
apoiando a mã o no meu ombro.
— Apenas passando um pouco da realidade de como é criar um
ilho — graceja, dando um gole no vinho que está tomando. — Ainda
mais com uma ilha, que será tã o bonita quanto a mã e e o pai. Já está
preparado para lidar com seus paqueras?
Ele també m faz careta, estremecendo o corpo exageradamente.
— Nã o, e nã o quero nem pensar nisso agora.
— Pois deveria. Aurora Grant Lanoie será o centro das atençõ es por
onde passar. No colegial...
— Mã e, você está querendo me matar do coraçã o? — Apoia a mã o
no peito dramaticamente. — Fazer isso com o pró prio ilho é ...
— Eu preciso de você s! — Todos somos interrompidos por um grito
gutural que invade a casa. Andamos apressadamente até a sala,
assustados, com os olhos se arregalando ao ver Ellen na porta.
O que nos assusta nã o é sua presença, mas sim o que a envolve:
sangue. A ruiva está usando um vestido branco, todo manchado de
vermelho. Um vermelho fresco, assustador.
Aurora imediatamente começa a chorar, entã o Trenton se
encaminha de levá -la para o andar de cima, sem entender
absolutamente nada. Aliá s, ningué m está entendendo nada.
— Ellen, o que aconteceu? — Aproximo-me delicadamente.
Ela recua, assustada ou com medo de me sujar.
— Eu nã o sei. Estava tudo programado, Bryan passaria no nosso
apartamento para me pegar, porque nã o consegui dizer nã o aos seus
olhos pidõ es, que imploravam pela minha companhia. — Para nossa
surpresa, ela ri. Sem encarar ningué m, itando um ponto ixo no chã o,
demonstrando seu estado de choque. — Deveria ter recusado, deveria
ter sido mais irme. Eu nã o o amo. Nunca vou amar. Nem sequer gosto
dele como ele gosta de mim...
— Nó s já sabemos disso — Alex corta a conversa. Exalando
preocupaçã o e medo, ele apoia ambas as mã os nos ombros de Ellen,
sem se importar em estar se sujando. — Que porra aconteceu para você
estar coberta de sangue?
Um silê ncio ensurdecedor atravessa toda a casa. Nem mesmo
Aurora está chorando. Nevada nã o ousa latir. Estamos tã o
concentrados, prestando atençã o em cada palavra que sai da boca
trê mula da garota ruiva e ensanguentada, que o tempo para por um
minuto. Meu coraçã o desfalca do peito apó s ouvir sua frase. Sua
sentença inal, algo que afetaria a vida de todos nó s para sempre.
— O Bryan levou um tiro. Ele está no hospital, e nã o sei dizer se vai
conseguir sair dessa.

CONTINUA EM
“IRREVOGÁVEL”.
“O
.”
(A B )

QUATRO ANOS DEPOIS...

— Papai, por que você tá aqui sozinho? — A doce voz da minha
garotinha preenche meus ouvidos.
Me viro no banco em que estou sentado, vendo-a de mã os dadas
com a avó .
— Me desculpe te interromper, ilho, mas ela começou a sentir sua
falta na festa.
— Nã o tem problema. Minha princesinha nunca me incomoda. —
Pego-a no colo, dando um beijo no seu rosto, atrapalhando-me nas
vá rias camadas do seu vestido de dama de honra. — O Chase já dormiu?
— Já ! — bufa, cruzando seus braços na altura do peito, fazendo uma
careta que me lembra sua mã e. — Ele é muito fraco pra festas.
— Ele só tem um ano, pequena. — Rio, ajeitando seus cabelos. —
Nessa idade, você també m era assim.
— A madrinha Dominique e o tio Alex me disseram que ele estava
mais alerta hoje. Foi só tomar um pouco de mamadeira e bum! — Ela
“cai” com a cabeça dramaticamente no meu ombro, imitando o ilho de
nossos amigos. — Caiu no sono.
— Como se você nã o izesse o mesmo. — Cerro meus olhos em tom
zombeteiro. — Nã o te dá sono depois de comer?
— Sim, muito.
— Exato. Aconteceu a mesma coisa com ele, meu amor. Mas Chas
ainda é um bebezinho. Você é um bebê crescido.
— Tá bom, papai. — Apoia a cabeça no meu peito, brincando com os
dedos da minha mã o. — Nã o podemos entrar? Tô icando com frio.
— Vai com a vovó , princesa. — Lanço um olhar para a minha mã e,
que logo pega a neta do meu colo. — Preciso pensar mais um pouco.
Prometo que em breve estaremos lá , dominando a pista de dança.
— Junto com a mamã e?
— Com todo mundo que você quiser. — Sorrio, dando um ú ltimo
beijo na palma da sua mã o. — Eu te amo.
— També m te amo.
Ela me dá um “tchauzinho” com a mã o enquanto retorna para o
salã o principal.
Hoje, estamos celebrando minha festa de casamento com Jessamine.
Sim, casamento. Uma ideia que me apavorou por tanto tempo se
transformou em um sonho, e nesse dia, se tornou realidade.
Como planejamos há alguns anos, celebramos na praia, trazendo
apenas a famı́lia e amigos mais pró ximos. O jardim do salã o, lugar onde
estou, tem uma vista de tirar o fô lego para o mar. Em retrospectiva,
encosto a cabeça no banco, inspirando o ar puro e praiano, pensando
em tudo o que nos ocorreu desde quando nos conhecemos até agora.
Sua marca de roupas, Lanoiê, deixou de ser apenas uma pequena
loja on-line para se tornar uma das maiores empresas de Boston em
pouco tempo. Jess nã o poderia estar mais satisfeita com o seu trabalho,
expandindo seu negó cio para lojas fı́sicas por toda cidade, e planejando
levá -la para mais lugares do mundo.
Eu nã o poderia estar mais orgulhoso, ver a mulher que amo, ver
minha esposa feliz me deixa no mesmo estado de espı́rito
automaticamente. Do meu lado, consegui inanciar meu pró prio centro
de treinamento para basquete pro issional. Já tenho uma boa gama de
alunos e funcioná rios, os quais sã o, em grande maioria, pertencentes à
universidade. Uns estagiando, outros treinando para conseguirem
ingressar nas grandes ligas. Eles sã o meus orgulhos. Juntos, somos
todos um time. Nã o me imagino fazendo outra coisa que nã o seja
treiná -los para serem os melhores. Por enquanto, meu atual maior
sonho é ver um deles na televisã o, representando o time que deseja
ingressar, para poder sentir meu peito se enchendo da sensaçã o de
“dever cumprido”.
— Abandonar a pró pria noiva no dia do seu casamento é um dos
sete pecados capitais, sabia? — Jess comenta com um sorriso sapeca,
sentando-se ao meu lado.
Dou o meu sorriso mais apaixonado ao vê -la do meu lado.
— Esposa, nã o noiva.
— Oh, droga! — Dá um tapinha leve na pró pria testa como
“puniçã o”. — Eu havia me esquecido que agora sou casada.
— Se acostume, Jessamine Lanoie Grant. — Puxo-a para o meu
peito, fazendo-a recostar a cabeça contra ele, esticando as pernas pelo
banco.
Seu vestido de casamento é um tom de bege meio rose, com um tule
transparente nos ombros, detalhes em renda branca caindo até a saia.
Um cinto ino, dourado e discreto traz um ar a mais de glamour para a
peça, que foi inteiramente desenhada por ela. Minha mulher é , sem
sombra de dú vidas, a noiva mais bonita do mundo.
— Esse é o nosso felizes para sempre.
— Jessamine Lanoie Grant — repete seu novo nome, fechando os
olhos em suspiro, mas logo os abrindo para se encontrarem com os
meus. — E um bom nome, Trenton Lanoie Grant. O que você está
fazendo aqui sem ningué m?
— Estava parando para pensar um pouco, linda. — Ajeito uma
mecha de cabelo que se desprendeu do seu coque atrá s da orelha,
observando seu rosto descansar contra minha palma. — Em tudo o que
vivemos até aqui. Nosso primeiro beijo, primeiro encontro, o
nascimento da nossa ilha... todos os fatores que corroboraram para
estarmos aqui.
Suas bochechas coram diante das palavras ditas.
— E chegou a alguma conclusã o?
— Apenas de que você é o amor da minha vida. — Dou um sorriso,
fazendo com que ela se sente, aproximando o rosto do meu, deixando
nossos lá bios pró ximos. — E de que iremos passar toda a eternidade
juntos, exatamente como nos nossos votos.
— Na saú de e na doença, na riqueza e na pobreza, mesmo quando
odiarmos um ao outro.
— Especialmente quando odiarmos um ao outro. Se bem que é
impossı́vel te odiar.
— Mesmo na minha TPM? E també m quando chego sem paciê ncia
alguma do trabalho?
— Ok, esses dias sã o mais difı́ceis... — admito, levando um
empurrã o no ombro seguido de uma gargalhada deliciosa. — Poré m,
nã o deixo de te amar. Você ica quente como nunca quando está com
raiva.
Jess revira os olhos, sem tirar o sorriso do rosto.
— Tudo bem, eu aceito. També m te suportarei nos dias de treinos
malsucedidos.
— Viu só ? Fomos feitos um para o outro.
— Eu sei. — Ela beija meus lá bios com leveza, voltando a itar o mar.
— Eu amo você , Trenton. Amo ser sua esposa. Vou te amar até a ú ltima
batida do meu coraçã o.
— Eu també m amo você , francesa. — Abraço seu corpo apertado. —
Vou te amar daqui pela eternidade.
— Juntos para sempre? — Estende o dedo mindinho na minha
direçã o, pedindo por uma promessa.
Entrelaço-os.
— Juntos para sempre.
Voltamos para a festa apó s passarmos mais um tempo em silê ncio,
admirando o oceano, contemplando nossas juras de paixã o que nã o
precisam necessariamente serem ditas.
Quando colocamos os pé s no salã o, Aurora corre animadamente
para o nosso colo, nos puxando para a pista de dança. O resto da noite
se alastrou com todos nó s em famı́lia, comemorando, fazendo gracinhas
para todos rirem e preenchendo o ambiente com o ú nico sentimento
que conseguimos exalar: o amor.
Por muito tempo, pensei que seria infeliz pela eternidade.
Acreditava que nunca mais conseguiria ser feliz novamente. Para minha
sorte, estava errado. Enquanto via minha linda esposa chamando a
atençã o de todos que pregavam os olhos no seu corpo, reluzente à sua
luz pró pria no salã o, comemorando com os amigos e famı́lia enquanto
dançava com a nossa ilha no colo, percebi que a felicidade estava nos
pequenos detalhes. Eu nã o precisava de muito para ser feliz, nunca
precisei. Basta um simples beijo de Jess no começo do dia, um “eu te
amo, papai” vindo de Aurora para me deixar completo.
Elas sã o tudo o que eu preciso. Minhas meninas, minhas garotas,
minha famı́lia. Ainda temos muito pela frente. Vamos sorrir juntos,
brigar juntos, comemorar juntos. Independente de qual for a
tempestade, sabemos que temos um ao outro.
No inal das contas, Jessamine conseguiu.
Ela conseguiu ser a luz ofuscante que faltava para iluminar o
coraçã o do garoto destruı́do.
E eu nã o poderia ser mais grato por esse feito tã o extraordiná rio.
E se a Emery nunca tivesse falecido, o que teria acontecido na história de
Jessamine e Trenton?

Meu relacionamento com Emery havia chegado ao im. Algo que


nunca, em um milhã o de anos, imaginei que fosse acontecer.
Depois de nos formarmos juntos, morarmos juntos, e basicamente
termos arquitetado uma vida inteira um ao lado do outro, havı́amos
chegado ao im. Nos ú ltimos meses, nosso relacionamento estava
esfriando. Em, que se especializou como cirurgiã de trauma, nã o estava
mais suportando a rotina dos hospitais de Boston. Ela queria algo a
mais. Queria a emoçã o de estar em uma guerra, em um campo de
combate, ajudando pessoas, mais especi icamente no Iraque. Mesmo
nã o gostando muito da ideia, pois sabia o quanto colocaria sua vida em
risco, a apoiei. Apoiei desde quando fez sua inscriçã o, até ser aceita, e
comprar suas passagens.
O que eu nã o imaginava era que elas seriam só de ida. Tentamos
tocar um relacionamento a distâ ncia por seis meses. Mas, do mesmo
jeito que começamos tudo juntos, decidimos em uniã o que nã o estava
dando mais certo. Eu nã o suportava a saudade de casa; ela nã o
suportava a ideia de voltar para casa. Lá era o seu lugar. Eu ouvia seus
relatos de paixã o, puro amor pelo trabalho, e eles me deixavam feliz.
Porque o meu maior desejo sempre seria ver aquela garota feliz,
independente se fosse comigo ou nã o.
O nosso té rmino foi tã o difı́cil, que simplesmente decidi sair de
fé rias de Boston. Nã o conseguia icar no nosso apartamento, sentindo
seu cheiro, recordando-me de cada momento que passamos juntos
naquele lugar. Entã o, cometi uma loucura: vendi-o e comprei uma
passagem para Londres. Londres. Nã o me pergunte o porquê , mas algo
nessa cidade sempre me atraiu. Deve ser o clima frio, que combina
perfeitamente com o meu coraçã o apó s seis meses de té rmino.
Estou de fé rias do meu cargo de treinador no time da Boston
University, algo que me incentivou ainda mais a tomar a decisã o de
expandir novos ares. Mesmo apó s quase dois anos de formado,
continuo lá , treinando os futuros jogadores da NBA. Penso em tocar o
meu pró prio negó cio, quem sabe até uma escola, mas nã o estou com
cabeça para pensar em investimentos nesse momento. Por agora,
minha melhor companhia é um copo de whisky em um bar do centro da
cidade, num sá bado à noite.
— Uma taça de Chardonnay, por favor — pede uma mulher ao meu
lado. Seu sotaque forte chama minha atençã o – ainda estou me
acostumando com as letras fortes dos londrinos – fazendo-me virar a
cabeça para encará -la. No momento que nossos olhares se encontram,
nos reconhecemos. — Espera aı́... eu te conheço de algum lugar.
— Eu també m. — Analiso-a de cima abaixo, percebendo o quanto
ela é bonita. Linda. E impossı́vel esquecer uma garota como essa. —
Acho que estudamos juntos. Você por algum acaso é amiga da
Dominique?
— Sim! E você é o Trenton. — Sorri, estendendo a mã o para me
cumprimentar. — Sou a Jessamine. Andava com você s no ú ltimo ano da
faculdade.
— Jessamine! — repito seu nome, devolvendo o aperto de mã o
animado. Ela se aproximou do nosso grupo depois de livrar Alexander
de quase matar um cara por tentar ferir a Dom. Nã o chegamos a nos
tornar amigos pró ximos, mas gostava da sua agregaçã o ao time. —
Caramba, fazia muito tempo que eu nã o te via.
— Quase dois anos completos. — Ri, sentando-se ao meu lado no
bar de apoio. — Jamais imaginaria que fosse encontrar algué m de lá
aqui na minha casa. O que te fez pegar um voo de praticamente nove
horas até aqui?
— Um coraçã o partido. — Suspiro com um sorrisinho triste. —
Lembra da Emery?
— A loira mé dica, sua namorada?
— Ex-namorada. Terminamos há seis meses.
— Oh, Trent. Sinto muito. — Toca meu braço gentilmente, em um
conforto estranhamente bom. — Você s eram um casal tã o bonito! E
uma pena.
— Sabe que eu nã o acho tanto? As vezes, acredito que nã o fomos
feitos um para o outro — desabafo os pensamentos que estavam presos
na minha cabeça. Ela nã o me conhece a fundo, nã o fará diferença. E é
bom poder conversar com algué m que nã o te conhece o su iciente para
te julgar. — No futuro, quero estar com uma pessoa que me ame tanto
quanto ama o seu trabalho. Ela tinha a opçã o de voltar para casa, passar
um tempo comigo, e nã o quis. Eu respeito, mas ainda dó i. Nã o é disso
que se trata o amor? Tentar achar um jeito de encaixar suas paixõ es?
— O amor é muito complicado. — Ri fraco, sem tirar seus lindos
olhos dos meus. Como eu nã o reparei na sua beleza antes? Sabia que
Jess era uma garota bonita, mas de perto... uau. — E difı́cil. Dolorido
també m. Aı́ é onde encontramos o problema, porque o amor nã o é para
ser sobre dor, escolhas, trocas. E para ser um sentimento bom, que te
traz mais felicidades do que tristezas. Se nã o, de que vale amar algué m?
— Você tem razã o. — Dou mais um gole na minha bebida, re lexivo.
— Nosso relacionamento foi ó timo enquanto durou. Vivemos bons
momentos, só nã o era para ser. E estou em Londres, ora essa! — Ergo
meu copo tentando descontrair, oferecendo um brinde indireto. Ela
percebe rapidamente, batendo sua taça contra o vidro. — Com um rosto
conhecido. Nã o vou icar me martirizando.
— E disso que eu gosto! — Dá uma risada gostosa, bebendo um
pouco do vinho. — Olha, nã o querendo ser atirada... — Aproxima-se de
mim, deixando a boca pró xima do meu ouvido. — Mas eu nunca
deixaria um homem como você sozinho em casa.
Isso foi um lerte? E ó bvio que foi. A con irmaçã o vem com o seu
sorriso malicioso, olhos reluzindo de desejo.
Mordo meu lá bio inferior de leve, erguendo uma sobrancelha.
— E eu nunca deixaria uma mulher como você fugir de mim
facilmente.
Aquele foi o começo de algo que seria in inito. Uma circunstâ ncia
tã o inesperada, literalmente uma cilada do destino me fez conhecer a
mulher que eu colocaria uma aliança no dedo e a chamaria de amor
pela eternidade.
No mesmo dia, nos beijamos como nunca. Beijar Jessamine foi
completamente diferente de beijar outra pessoa. Quando nossos lá bios
se tocaram, eu senti que era ela. Eu sei, surreal, até mesmo bizarro, mas
ao mesmo tempo inexplicá vel. Nos sentimos tã o conectados de
primeira, que a levei para o meu hotel, e passamos a noite inteira
intercalando entre fazer sexo e conversar.
Descobri que ela cursou moda, e queria ser uma grande estilista.
Estava de fé rias junto com a irmã , Eleanor, visitando a cidade natal
novamente. As duas me acolheram como o turista perdido, e passamos o
verã o inteiro juntos. Cheguei até a icar uns dias no apartamento que
ambas haviam alugado por lá , dividindo as contas para conseguir
economizar. E, em segredo: també m o iz para poder icar mais perto
dela.
Depois daquele beijo, simplesmente nã o conseguia mais icar
desgrudado do seu corpo caloroso. Mal me lembrava de quem era
Emery. Aquela francesa me pegou para si de um jeito tã o intenso, que
até hoje me pergunto se ela també m sentiu desde o começo que
serı́amos um casal.
Descobrir sobre sua bipolaridade foi um processo difı́cil. Ela teve
uma crise durante a viagem, apó s brigar feio com os pais. Eu nã o sabia
o que fazer, estava assustado com a situaçã o. Depois de sua irmã
acalmá -la, Jessamine me chamou para conversar e contou sobre o
distú rbio. Disse que nã o queria falar antes, porque tinha medo de que
eu fosse me afastar por conta disso. Até parece! Nã o me afastaria
daquela garota nem se ela fosse uma assassina em sé rie. Nã o julguei
sua insegurança, apenas iz o meu melhor: acolhi-a. Mostrei que, apesar
de tudo, ainda tinha um carinho imenso por ela e queria protegê -la de
tudo, até mesmo dos seus pró prios demô nios.
Algumas semanas depois que chegamos em Boston, completando
mais ou menos trê s meses e meio que Jess e eu está vamos fazendo sexo
sem compromisso, ela descobriu que estava grá vida.
Meu Deus! Foi a é poca mais bizarra das nossas vidas. Porque, por
mais estranho que pareça nó s icamos felizes. Obvio, foi uma gravidez
cem por cento inesperada, está vamos despreparados, surtando. Poré m,
no im, valeu a pena. Cristo, como valeu! Nã o demoramos muito para
começarmos a morar juntos em um apartamento novo, dividindo o
tempo entre decorar o quarto do nosso bebê , escolher nomes, e nos
adaptarmos a nossa pró pria vida e rotinas. Temia ser algo difı́cil,
cansativo, só que tudo ao lado dela era tã o delicioso de ser vivenciado,
que foi uma das melhores experiê ncias de convivê ncia que já tive.
Tivemos uma linda garotinha: Aurora, que nos trouxe a luz que
tanto precisá vamos. Pedi Jess em casamento durante a gravidez, pouco
antes da nossa pequena nascer. Pois é, uma loucura. Em menos de um
ano de relacionamento, percebi que ela era a garota dos meus sonhos.
Nã o queria mais nenhuma outra pessoa ao meu lado. Nossa famı́lia,
nossa ilha, a vida que construı́mos juntos ao longo dos anos fez
absolutamente tudo valer a pena.
Emery e eu poderı́amos nã o ter terminado. Podı́amos ter tocado o
relacionamento, vivido infelizes, ou felizes por um tempo. Mas hoje eu
sei, sem sombra de dú vidas, que o destino arrumaria um jeito de
colocar a Jess no meu caminho.
Porque ela é o meu verdadeiro amor, independente de toda ou
qualquer circunstâ ncia.
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a todos você s, meus
leitores, que estã o me acompanhando nesse universo da trilogia
CORRUPTOS. Nã o sei expressar em palavras o quanto sou grata a cada
um de você s por nã o me fazerem desistir, por todos os feedbacks
positivos, todos os surtos no grupo das Corrompidas no WhatsApp,
literalmente tudo! Se nã o fosse por cada um de você s, eu nã o estaria
aqui hoje.
Obrigada ao meu time de betas por sempre estarem me
acompanhando, dizendo o que eu poderia ou nã o melhorar no livro.
Você s sabem mais do que ningué m o quanto foi difı́cil para mim me
conectar com essa obra, e sei que o resultado nã o seria o mesmo sem
você s do meu lado.
Muito obrigada a Larissa Chagas por dar vida aos meus personagens
atravé s de suas capas maravilhosas.
Obrigada a Carla Santos, revisora deste livro tã o intenso. Seu
trabalho é incrı́vel, e com certeza contarei com o seu serviço em todas
as minhas futuras obras.
E, por mais estranho que possa soar, muito obrigada a você s dois,
Jessamine e Trenton. Você s foram o meu maior desa io literá rio. Nunca
tive tanta di iculdade de escrever um livro como senti com esse no
começo; e, se nã o fosse por isso, nã o teria amadurecido tanto como
escritora. Espero que a histó ria de você s toque o coraçã o de muitos
leitores, assim como tocou o meu.
Ainda nã o paramos por aqui. Agora, vejo você s em “IRREVOGAVEL”.
Mal posso esperar para lhes apresentar a histó ria do Bryan!
Luiza Luz acredita que o poder da palavra pode mudar o mundo.
Atravé s de histó rias cativantes, a autora tem como objetivo instigar
seus leitores a se permitirem desfrutar de todos os sentimentos
possı́veis: felicidade, raiva, tristeza, e o mais importante de todos: o
amor.
Estudante de jornalismo e apaixonada pela escrita, Luiza deseja
mostrar um pouco do seu universo particular, chamado criatividade,
para todos aqueles que leem seus livros.
Instagram:
@autoraluizaluz

Twitter:
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E-mail:
[email protected]
SÉRIES:

Trilogia CORRUPTOS:

Corrompido – Livro 1
Destruído – Livro 2
Irrevogável – Livro 3

OUTRAS OBRAS:

Para sempre com você (Conto de Natal)


In initas possibilidades de um inal hipoteticamente feliz

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