Paula Toyneti Benalia - O Dia em Que Te Amei

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Copyright © Paula Toyneti Benalia, 2018

Copyright © The Gift Box, 2018


Todos os direitos reservados.
Direção Editorial:
Roberta Teixeira
Arte de Capa:
Gisely Fernandes
Revisão:
Kyanja Lee
Diagramação:
Carol Dias
Nenhuma parte do conteúdo desse livro poderá ser reproduzida em qualquer
meio ou forma – impresso, digital, áudio ou visual – sem a expressa autorização
da editora sob penas criminais e ações civis.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas ou acontecimentos reais é mera coincidência.
E N O
STE LIVRO SEGUE AS REGRAS DA L P
OVA RTOGRAFIA DA ÍNGUA ORTUGUESA.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária Responsável: Bianca de Magalhães Silveira - CRB/7 6333
Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Epílogo
O dia em que te toquei
Capítulo 1
Agradecimentos
Deus me livre! Esta seria a maior infelicidade de todas! Achar agradável um
homem que decidimos odiar!
Não me deseje este mal!
— Jane Austen
Para você, sempre a você, Alison, porque no dia em que te amei, minha vida
mudou para sempre. E como você diz, o universo é muito pequeno para o nosso
amor.
Precisamos do universo X universo.
CAPÍTULO 1

“Algumas coisas estão escritas para acontecer. Por mais que se esquive, os
olhares se cruzam, os sorrisos se tocam e, mesmo que o coração não saiba
naquele instante, o dia para se amar está marcado para acontecer.”
HELENA
Londres, 1801
Olhei para o lado e tentei endireitar a coluna. Não que eu estivesse em
uma posição que me arruinaria, mas minha mãe acharia que sim.
“Helena, endireite essa coluna. Nenhum homem na face da terra te
achará desejável e adequada como esposa, se você se portar dessa maneira...”
“Helena, você come em demasia, parece um cavalheiro...”
“Helena, você ri absurdamente alto...”
“Helena...”
Eu sempre era inadequada, segundo minha mãe, para seus próprios
propósitos. Nunca concordei, porém sendo rejeitada nas últimas duas
temporadas, comecei a pensar o contrário.
Depois de passar todos os bailes sentada, esperando por horas e com a
caderneta de danças vazia, eu tive certeza: seria solteirona e teria que aguentar
minha mãe pelo resto da vida me dizendo o quanto eu era inadequada e como lhe
dava gastos excessivos com vestidos que nunca seriam admirados.
Nessa noite, o de cor creme, em seda francesa, delicado e ornamentado
por fitas e flores de tecido, talvez realmente não pagasse o investimento, como
afirmaria meu pai, horas mais tarde.
Esse era o primeiro baile oferecido em Londres, na minha terceira
temporada, e minha falta de postura condizia com meu desânimo. Estava
enjoada de ficar escutando os comentários deselegantes das amigas da minha
mãe. Estava farta dos olhares de pena das minhas amigas que já estavam casadas
e com os filhos no colo. Estava irritada com tudo e odiava o mundo e o que a
sociedade me reservava.
O baile tinha um convidado especial, que deveria chegar em breve, e os
comentários sobre ele também me irritavam. Ele era comparado a um deus. Tudo
porque, segundo as línguas fofoqueiras, ele, o Duque de Misternham, escolheria
uma esposa nessa temporada.
Eu sei, ele era um duque, herdeiro de uns dos ducados mais antigos da
Inglaterra. Contudo, deus? Ele era um ser humano, como todos os outros, que
deveria sentir cócegas como eu e se alimentar como todo mortal. Além do que,
se dizia que ele já tinha levado metade da população feminina de Londres para a
perdição. Destruído casamentos, desonrado moças inocentes e levado homens a
duelaram com ele pelo menos uma vez por semana. Então, como ele poderia ser
comparado a um deus? Um homem tão mau e cheio de defeitos? Não sabia a
resposta. Eu só tinha uma certeza: não olharia para ele e nem me atreveria a
cruzar seu caminho. Não que ele fosse me notar, obviamente, não tinha grandes
expectativas quanto a isso.
Comei a sorrir, imaginando se ele não aparecesse. Todos estavam
idealizando o momento em que ele entraria no salão. E eu, imaginando se
chegasse o fim do baile e ele não comparecesse — o que realmente poderia
acontecer. As caras pregueadas e murchas de todas as mães que sonharam com
esse momento, em que suas filhas poderiam ao menos arrancar um suspiro do
duque.
Oh, céus! Eu teria outra crise de risos. Segurei os lábios apertados e
fechei os olhos, controlando a respiração. Minha mãe não me perdoaria por isso.
A última crise foi na mesa de jantar dos Bulivers, a família mais tradicional de
Londres. O pensamento me trouxe outra ânsia e não aguentei. Explodi em
gargalhadas que ecoaram pelo salão.
Tentando me controlar, pisei na ponta do meu pé direito, com a ajuda do
esquerdo. A dor deveria ser suficiente para me fazer chorar ao invés de rir.
Entretanto, deparei-me com um vazio no lugar onde deveria estar meu dedão. Eu
sempre tive todos os outros dedos do pé muito maiores que o dedão. Meu pé era
uma aberração. Minha irmã sempre dizia que quando um homem se casasse
comigo e visse meu pé, me devolveria no mesmo instante. Então, outro espasmo
e mais gargalhadas.
Procurei minha mãe pelo salão. Assim que visse seu olhar feroz, eu me
acalmaria. Encontrei-a rapidamente conversando com algumas senhoras
respeitadas e constatei que seu olhar não era dos melhores. Já o seu vestido, cor
de abacate, não tinha lhe caído nada bem. Céus, se continuasse rindo dessa
forma, não me casaria em nenhuma temporada e, com toda certeza, a minha
estaria encerrada esta noite. Meu pai me colocaria de castigo no quarto, trancada,
até a morte.
— A senhorita está bem? — Escutei uma voz grossa, única e perfeita
para os meus ouvidos.
Antes mesmo que levantasse os olhos, eu já tinha parado de rir e minha
pele estava arrepiada. E tudo apenas por causa de uma voz!
Eu já sabia quem poderia ser o seu dono, sua fama era iminente. Sua
postura e seus modos podiam ser reconhecidos por todos e, mesmo que nunca
tivesse colocado meus olhos nele antes, eu já sabia:
Duque de Misternham.
O novo deus de Londres; o devorador de damas inocentes; o destruidor
de lares... e os outros títulos eu não consegui mentalizar na hora... Oh, Deus! Se
sua voz já era assim...
Dei uma olhada nele e encontrei um par de olhos negros que
combinavam perfeitamente com os cabelos mais negros que já tinha visto e o
corpo mais... mais... Sim, ele era um deus da beleza, e me senti incapaz de
respirar só de vê-lo. Alto, talvez cerca de 1,85 a 1,90 m, com uma barba rente ao
rosto, que deixava seus lábios desenhados.
Me odiei e o odiei. Como podia proceder assim com alguém e se divertir
com isso? Era visível um sorriso nos seus lábios. Ele estava se divertindo com o
meu constrangimento. E era um sorriso pervertido e dissimulado.
Senti minhas bochechas queimar e me lembrei que deveria estender
minha mão para o cumprimento, já que ele esperava por isso.
Na verdade, ele nem deveria estar falando comigo, já que não tínhamos
sido apresentados. Definitivamente, ele gostava de arruinar jovens inocentes.
Como teimosia sempre foi o meu forte, não lhe dei o gosto de
cumprimentá-lo. Não porque corresse o risco de ser um escândalo. O simples
fato de eu respirar já o era. Eu só não me renderia aos seus encantos. Meu corpo
já o tinha feito, porém eu morreria a idolatrar um homem terrível como ele.
— Estou ótima! — respondi quando me achei capaz de falar. — Estou
rindo. Isso deve ser um bom sinal.
— Não está mais rindo, Senhorita. Suas bochechas estão coradas, no
entanto, seu sorriso se aplacou. O tom dos seus lábios combina perfeitamente
com sua pele nesse momento.
Abri a boca, inconformada com suas palavras indecentes. Eu queria dizer
como ele era inadequado, arrogante e presunçoso, mas tudo o que consegui foi
abrir a boca sem parar, feito uma vespa. Eu nem sabia se vespas tinham boca e se
a abriam. Minha capacidade de raciocinar estava indo embora, junto com minha
paciência.
— Me concederia uma dança na sua caderneta? — ele perguntou,
estendendo as mãos.
— Nunca! Minhas danças estão todas prometidas aos verdadeiros
cavalheiros presentes no salão.
— Então, não deve mais ter cavalheiros em Londres, já que aposto toda
minha fortuna que a sua está em branco. Ninguém te convidou para dançar,
Lady.
E sem mais nenhuma palavra ele se foi, me deixando com a sensação de
ser a garota mais idiota de toda a Inglaterra. Definitivamente, eu me sentia uma
vespa, um inseto que foi esmagado por ele e por toda sua arrogância.
CAPÍTULO 2

“Quando o ódio é a premissa do amor, ele nasce por caminhos tortos,


seguindo caminhos incoerentes e loucos. Mas quando amar foi sano,
racional? Se o foi, nunca foi amor.”
(Diário de Helena, Londres, 1801.)
HELENA
— Toda a temporada, Helena. Não tem discussão. Se eu a vir fora
daquele quarto, a coloco em uma carruagem e você vai para a casa de campo por
tempo indeterminado.
Senti meus olhos arder de raiva, mas não chorei. Nunca! Eu nunca
chorava. Não na frente das pessoas. Era minha ruína. O que eu faria no quarto
pelo resto da temporada? Livros e mais livros eram a solução mais plausível.
— Posso me retirar, papai?
— Sim. Suba direto para o seu quarto. Já selecionei e mandei para lá os
livros que você está autorizada a ler. Com toda certeza, são eles que estão
fazendo você se tornar essa... essa...
Ele não completou a frase. Era aberração que ele queria dizer.
Meu pai era um homem ruim. Somado a isso, ligado demais a todas as
convenções sociais e, assim como minha mãe, achava-me uma perda de tempo e
um gasto desnecessário de dinheiro.
Eu nunca seria uma dama perfeita e nunca teria o casamento perfeito que
eles sonhavam para as filhas. Minha irmã, sim, era a perfeição em pessoa. Eu
chegava muitas vezes a tocá-la, para ter certeza de que era real e não uma
boneca.
Fui para o quarto, na certeza de que nada poderia ficar pior. Eu estava
enganada, como sempre. Minha mãe me esperava e seu semblante não era nada
agradável.
— Eu não sei mais o que fazer com você, Helena. Você me envergonha...
— disse me reprendendo com o olhar.
Eu queria gritar e dizer para ela que eu tinha um coração e essas palavras
me magoavam. Não o fiz.
Assenti de forma contundente.
— Essa temporada você está de castigo, e não vou discutir os motivos
com você. Já os sabe melhor do que ninguém. Na próxima, entretanto, ou você
sai casada, ou então vai mofar na casa de campo Mosternao. Nem mesmo nós
iremos visitá-la. Será esquecida para que lembre pelo resto dos seus dias que
você nos envergonha.
Após despejar essas palavras, ciente de que me ferira, ela virou-se e saiu
batendo a porta. Me joguei sobre a cama e, mesmo querendo chorar até as
lágrimas secarem, não me permiti.
Eu era forte, sobreviveria a tudo isso. Em algum lugar, o meu príncipe
estaria me esperando e ele amaria cada um dos meus defeitos. Era assim nos
livros. Tinha que ser na vida real.
A próxima semana tardou a passar. Eu dormia, acordava, lia, voltava a
dormir, olhava pela janela para ver se o sol estava se pondo e dormia de novo.
Todas as refeições eram trazidas ao meu quarto e eu mal tocava nelas. Meus pais
não vieram me visitar e minha irmã também não se importou em me dizer um
bom-dia.
Eu ia enlouquecer.
Escutei um barulho e fui correndo para a janela. Tudo era uma distração
bem-vinda.
Uma carruagem elegante estacionou em frente a casa e não reconheci o
brasão. Quando por fim um homem desceu, na mesma hora meu corpo se
arrepiou. Era ele! O duque deus!
O que ele estava fazendo aqui? Só poderia ter vindo tratar assuntos de
negócios com meu pai, mas estranhei mesmo assim. Meu pai não tinha negócios
tão importantes que pudessem despertar o interesse de um duque. Ou então...
Senti o ar faltar com o pensamento. Será que ele gostaria de cortejar a minha
irmã? Não, isso não poderia acontecer.
Ela já era a perfeição em pessoa. Isso seria o meu fim. Se ela se casasse
com alguém tão perfeito e poderoso, meu pai me mandaria para o campo no
mesmo dia, só para evitar que ele não desistisse da ideia devido à minha falta de
jeito.
Perdida em meus pensamentos, não reparei que eu o encarava e ele
retribuía o olhar. Um olhar que ultrapassou todas as minhas barreiras e me fez
sentir coisas que eu nem saberia explicar.
Afastei-me correndo, afundando na cadeira. Um medo tomou conta de
mim e abracei meu corpo, tentando controlar os tremores. Eu nunca fui muito de
pedir coisas a Deus, mas nesse momento roguei a ele que se lembrasse de mim.

A conversa foi longa e, quando a carruagem saiu, já tinha anoitecido.


Se fosse o que eu tinha imaginado, em alguns minutos, minha mãe
entraria no quarto e contaria a novidade, me colocando abaixo da sua sola de
sapato com suas palavras cruéis.
Comecei a bater os pés desesperadamente e achei que fosse morrer
quando escutei a porta do quarto se abrindo.
Não era minha mãe. Era meu pai!
— Helena, precisamos conversar.
As coisas eram piores do que eu pensava. A carruagem já deveria estar
me esperando. Era meu fim.
Levantei-me e o encarei. Ele estava sorrindo. Parecia feliz em se livrar da
filha problemática.
— O Duque de Misternham está procurando uma esposa. Você deve
saber dessa informação.
Assenti e contive a vontade de sair correndo, só para não escutar meu
veredito final.
— Hoje ele me procurou e pediu a sua mão em casamento.
Meu mundo parou. Tive a certeza de que tinha enlouquecido. O
confinamento não estava me fazendo bem.
— Sente-se, vai ser melhor termos essa conversa com você acomodada.
— Eu não entendi. — Olhei para ele e ergui as sobrancelhas.
— Você vai entender. Vou te explicar. Não que você precise entender
alguma coisa. Você é mulher, Helena, e precisa aprender seu lugar na sociedade
— ele resmungou. — Eu não sei quais são as motivações do Duque. Isso não
importa. Ele quer se casar com você e ponto.
— Como as motivações dele não importam? E se for um assassino ou um
louco? Como não importa? Ele não pisa em Londres há uma década, ninguém
nem sabe onde ele estava, ou o que andava fazendo.
Meu tom de voz não era calmo e argumentar com meu pai não era o certo
a fazer. Só que eram a minha vida e o meu futuro.
— O que importa é que ele vai se casar com você, e me garantiu que só
vai consumar o casamento e depois te deixar em sua casa, aqui na cidade. Não
tem interesse em você como mulher, se é que você me entende. Ele nem quer um
herdeiro. Você não terá dificuldades em sobreviver. Ele tem várias propriedades
e casas espalhadas. Vai manter distância.
Sobreviver? Era só isso? Eu seria privada de ser amada, condenada a
uma existência infeliz, vendo meu marido colecionando amantes e proibida de
ter filhos. Casada com um homem arrogante e prepotente, que se achava o dono
do mundo e que me trataria como um objeto. Isso se tudo corresse perfeitamente
bem e ele não me trancasse em casa até a minha morte.
Eu conhecia histórias de mulheres que foram abandonadas no campo e
morreram doentes e sozinhas.
O mundo era cruel com as mulheres.
— Eu não vou me casar com ele. Você não pode me obrigar! — Minha
voz saiu fria e com uma segurança que eu não sentia.
— Eu não estou te dando escolhas e nem pedindo sua permissão, Helena!
— explicou ele. — Você vai se casar, e ele a quer amanhã. Vai conseguir uma
licença especial e em dois dias estarão casados. Ele também não está propenso a
festas ou eventos elegantes. Se prepare; amanhã, assim que o sol raiar, ele estará
aqui para levá-la. Você ficará livre do castigo. Isso já é um bom motivo para se
casar — ele acrescentou, sorrindo com maldade.
— Preciso estar presente à cerimônia e dizer sim, papai. Isso ainda não
mudou nessa sociedade mesquinha, onde os homens regem com crueldade e
esbanjam prepotência como se fossem deuses. Eu fugiria. Prefiro viver nas ruas,
passar fome e ser submetida a qualquer tipo de violência, a ser condenada a uma
vida dessas. Eu tenho o direito de escolher meu futuro.
— Aí é que você se engana. Eu espero não ter que demonstrar o quanto
você me pertence até ser do seu marido! — Observei o maxilar dele ficar rígido.
— Isso, Helena, não é um aviso. É uma ameaça.
Continuei o encarando, tentando não demonstrar minhas fraquezas. Meu
coração batia freneticamente e eu apertava meus pulsos com tanta força que os
nós dos dedos embranqueceram.
Quando ele saiu marchando, eu fiz minha escolha. Eu fugiria essa noite.
Peguei algumas joias de maior valor e fiz uma trouxinha, escondendo-a
dentro do espartilho. Seriam as únicas coisas que levaria.
Roupas seriam necessárias, mas dificultariam minha fuga.
Quando a casa por fim ficou em silêncio, abri a janela vagarosamente. Eu
precisaria fazer uma pequena escalada até chegar ao andar de baixo. Seria difícil.
Não impossível.
Coloquei meus pés para fora e fechei os olhos, buscando fôlego. Me
agarrei com todas as forças no parapeito da janela e busquei apoio para os pés na
janela de baixo, que era do escritório do meu pai. Não encontrei nada.
Desesperada, tentei voltar para o quarto. Droga! Parecia tão fácil. Eu não
conseguia voltar o pé para cima e meus braços começaram a perder a força. Com
os pés suspensos, eu tive a certeza: era meu fim.
O estrondo foi forte o suficiente para acordar a casa, e o tombo foi o
bastante para me fazer gritar de dor. Meu braço direito estava torcido embaixo
do corpo, e eu sentia uma dor dilacerante.
Em segundos, os criados, meu pai, minha mãe e minha irmã estavam ao
meu lado, olhando horrorizados.
— Você ia fugir! — meu pai gritou. — Vai conhecer a fúria de um
homem, Helena.
Olhei-o, horrorizada, vindo em minha direção. Puxou-me pelo braço e
me ergueu.
— Não, papai, está doendo, espera!
— É melhor se acalmar, Márquez... — minha mãe implorou. Ela nunca
me defendia, e eu estava fazendo algo que ela abominava. Porém, ela sabia do
que meu pai era capaz, por isso veio em meu socorro.
— Não, Alice, dessa vez ela vai sentir o peso das consequências. Ela não
vai mais nos envergonhar.
Minha mãe não discutiu. Minha irmã tapava a boca, segurando os
soluços, e todos os criados já tinham se afastado.
Éramos eu e meu pai.
Ele me arrastou até o quarto, não se importando com meus gritos e
apelos. Quando me jogou na cama, urrei. Eu tinha um braço quebrado com toda
a certeza, já que a dor era insuportável.
— Tire o vestido, Helena. Agora!
Comecei a tremer, desesperada. Eu tinha que obedecer, mas não
conseguia. Estava apavorada e minhas mãos tremiam tanto que não conseguiria
abri um botão sequer.
— Eu estou a cada minuto que passa perdendo um pouco mais da minha
paciência. AGORA!
Quando não me movi, ele se aproximou e, retirando um canivete do
bolso, cortou todo o meu vestido, me deixando somente com as roupas de baixo.
Ele queria me ferir ou, talvez, até me matar. Com todo o tecido da roupa,
sua surra não teria o efeito esperado.
— Você vai olhar pra mim enquanto te bato. Se desviar os olhos ou
chorar, vai apanhar em dobro.
Ele arrancou a cinta e pegou uma toalha. Tentei me levantar e fugir. Meu
Deus, ele me mataria.
Suas mãos foram mais rápidas e ele me agarrou, me jogando na cama
novamente. Tapou minha boca com uma toalha e, com a outra mão, deu a
primeira cintada.
Não sei quantas foram, não sei quanto tempo durou e, quando ele deu o
último golpe, eu não saberia dizer o que doía mais.
— Amanhã, seu noivo vem te buscar. Uma palavra sobre isso, qualquer
tentativa de fazê-lo desistir, será seu fim. Espero que tenha entendido! — ele
disse com voz branda. Nada de gritos. Não tinha mais raiva; ele já tinha
descontado tudo.
CAPÍTULO 3

“Se perder os sonhos, perdeu a vida. Precisa-se deles para acordar todos os
dias e ter uma razão para lutar. Deus, não me faça esquecer os meus pelos
caminhos...”
(Diário de Helena, Londres, 1801.)
HELENA
Sem conseguir me mexer, fiquei jogada na cama, esperando ao menos
uma criada para me socorrer.
Ele não tinha machucado meu rosto. O bom e digno Márquez, como
todos diziam, sabia que precisava de um belo rosto para manter o casamento. Já
o restante do meu corpo estava marcado. Espalhado por todo o lençol, sangue
que eu nem tinha consciência de onde surgia.
Meu corpo não importava, já que eu serviria só por uma noite. Fiquei
aterrorizada com a lembrança.
Nunca me esqueceria do dia em que uma das minhas amigas chegou
chorando ao meu quarto, depois do casamento, e contou a dor que sentiu, a
humilhação e os tapas no rosto que levou do marido quando reclamou.
Isso não era amor. Não era assim que eu sonhava.
Sonhos? Eu tinha bastante, minha mente vivia recheada deles.
Agora, estava impossibilitada de fugir, esperando o meu destino final.
Fiquei variando na cama, lembrando do que aconteceu e do que viria.
Nem assim me permiti chorar.
Depois disso apaguei.

— Vamos ter que colocá-la na banheira com ervas e sais. Ou então,


quando o duque chegar, não terá noiva para levar! — escutei falar ao longe.
Demorei para me lembrar de tudo o que tinha acontecido. Abri os olhos
lentamente.
Minha mãe e mais duas criadas preparavam a banheira.
Meu corpo estava moído. Eu não saberia dizer onde não doía. Já meu
coração estava em pedaços. Eu tinha perdido meus sonhos, e eles eram tudo que
me restavam.
— Você acordou. Tente se levantar, Helena! — minha mãe pediu, se
aproximando do meu campo de visão.
— Não consigo — sussurrei.
— Seu pai vai vir aqui se você não se apresentar na sala em uma hora.
— O que ele pode fazer, mãe? Me matar? Eu acho um destino muito
mais digno para minha vida.
— Mulheres não podem ter dignidade diante dos seus donos... — ela
respondeu com orgulho.
— Eu não tenho dono. Não sou um objeto! — disse com a força que me
restava.
— Andem, me ajudem a colocá-la na banheira. Se não por conta própria,
vai ser à força.
Como um vegetal, deixei que terminassem de tirar minha roupa.
Apoiando em meus braços, as três me arrastaram até a banheira.
Quando a água salgada entrou em contato com meus ferimentos, gemi.
Ninguém pareceu se importar. Estavam todos ocupados demais correndo contra
o tempo. Tinha um duque me esperando. E ele era considerado um deus.
Odiei-o. Muito mais que a meu pai, porque ele foi o responsável por
acabar com tudo na minha vida. Meu pai era o meio para isso, mas ele mostrou o
caminho para meu fim. Eu o odiaria enquanto meu coração batesse. Faria
questão de me lembrar a cada batida do coração que eu precisava odiá-lo.
Ele estava roubando tudo que ainda me restava. Eu faria de tudo para
envergonhá-lo quando pudesse, acabar com aquela postura prepotente, destruir
sua reputação.
Quando me tiraram do banho e me vestiram de seda para cobrir toda a
sujeira por baixo do meu corpo, deixada por meu pai, eu tinha um novo
propósito na vida.
Eu estava no inferno e levaria o duque de Misternham comigo.
Minha tarefa seria fazer ele odiar a si mesmo por um dia ter me
escolhido. Fosse qual o motivo que tivesse para isso, ele se odiaria por um dia
ter me conhecido!
CAPÍTULO 4

“Palavras afiadas são um dom dos homens. As mulheres foram reservadas à


beleza. Que eu nunca encontrasse as duas coisas juntas. Isso seria o meu
fim.”
(Anotações de George, Bruxelas, 1799.)
GEORGE
Eu me senti feliz, realizado, como não me sentia há muitos anos.
Quando coloquei a planta dos meus pés naquele salão de baile, eu tinha
um único intuito: escolher minha noiva.
O ambiente era totalmente inadequado para o que eu almejava, mas
precisava ocupar meu lugar tão esperado na sociedade, já que não tinha feito isso
depois que herdei o ducado.
Talvez por um milagre divino, lá estava ela. Como se, por capricho do
destino, tivesse sido colocada no meu caminho. Escutei sua gargalhada antes
mesmo de colocar os olhos em sua aparência de anjo. Sim, naquela noite aquela
mulher parecia um anjo com seus olhos azuis, os cabelos presos em cachos de
um castanho dourado que reluzia as luzes das velas e, mesmo com o vestido de
cor apagada, continuava linda. O rosto fino e de traços delicados não condiziam
com sua postura.
A sociedade cobra uma postura das damas e quem não as cumpre com
primor está fora do jogo, como uma carta de baralho sem valor que é descartada
sem nenhum remorso.
A imagem de Susan saindo de casa, arrastada por um lacaio, ainda é
muito vívida na minha memória, mesmo fazendo mais de vinte anos que aquilo
aconteceu.
Susan já era imprestável para os meus pais no dia em que nasceu. Meu
pai precisava de um herdeiro para o ducado. Minha mãe era a peça fundamental
para isso; na verdade, essa era sua única utilidade na vida do meu pai, um duque
arrogante que humilhava seus inferiores e maltratava os funcionários.
Quando minha mãe engravidou, ela estava feliz porque cumpria
fielmente seu papel de boa esposa. Até chegar o dia do nascimento de Susan e
ela não ser um menino.
Os lacaios sempre me contavam que, quando meu pai entrou no quarto e
ficou sabendo do infeliz fato, cuspiu na pequena Susan e deu um tapa na face da
minha mãe.
Meu pai amaldiçoou a criança que considerou imprestável, embora nem
tendo aberto os olhos ainda.
Nos anos que se seguiram, a duquesa de Misternham tentou engravidar
novamente, porém ante um destino não muito generoso, suas tentativas foram
infrutíferas.
Susan foi deixada em uma ala da casa onde era cuidada por uma babá
que se tornou sua preceptora. Como uma leprosa, ficou à margem de uma
sociedade que, defensora da boa estirpe, também se esqueceu rapidamente dela.
Depois de oito anos de tentativas, minha mãe, já cansada de tanto ser
agredida pelo duque, por fim estava grávida novamente. Meu pai deixou um
aviso claro: ou nascia um menino, ou ele daria um jeito de provocar sua morte e
encontraria uma duquesa à altura.
Minha mãe acreditou. Ela sabia que o duque nunca blefava.
Como se ela não tivesse escolha, aguardou pacientemente por sua
sentença.
Quando vim ao mundo, libertei minha mãe e condenei minha irmã. Sem
nenhuma serventia, ela seria uma péssima influência para o pequeno duque.
Nunca me deixaram vê-la, sequer uma vez. Porém, como todo bom garoto
arteiro, eu descobri o esconderijo de Susan e, mesmo sem compreender com
cinco anos de idade o significado da palavra proibido, eu sabia que não poderia
contar que a tinha visto.
Todos os dias, eu visitava aquele anjo de cabelos ruivos. Brincávamos,
nos divertíamos; os momentos mais felizes do meu dia eram estar com a minha
irmã.
Eu não sabia o que era a palavra amar até conhecê-la. Meu pai e minha
mãe se preocupavam exclusivamente com a minha educação para o futuro
ducado, um peso que eu já carregava como um fardo às costas.
Nunca tinha sido abraçado, mimado ou recebido qualquer outra
demonstração de afeto. Eu conhecia a punição. Sempre que fazia algo errado, as
surras que levava marcavam meu corpo, para que eu nunca esquecesse do meu
lugar no mundo.
Susan me apresentou o amor. Ela era doce, e compartilhávamos o
segredo de termos um ao outro. A babá era nossa cúmplice.
Mas os anos se passaram e Susan se tornou uma bela mulher, que não se
contentava mais com a prisão a que era submetida. Conheceu um dos lacaios que
lhe ofereceu algumas migalhas de amor e, ao descobrir que tinha engravidado a
filha indesejada de um duque, fugiu temendo ser morto.
Com cinco meses de gravidez, sabendo que não poderiam esconder uma
criança dentro da mansão, a babá apelou à minha mãe para que tivesse
compaixão da filha. Só que compaixão não era uma palavra que existia no
vocabulário da duquesa.
Com nove anos, vi minha irmã ser arrastada para fora de casa pelos
cabelos. Dois lacaios do meu pai faziam o serviço sujo, enquanto ele e minha
mãe assistiam à cena com nojo do que tinham criado. Na varanda do meu quarto
eu chorava, em prantos por não poder defendê-la. A surra seria demais para o
meu corpo, eu tinha consciência disso.
Naquele dia, eu jurei que eles pagariam por isso e que, quando me
tornasse duque, eu a encontraria. Susan partiu carregando consigo a única parte
do meu ser. Ela levou meu coração e o significado da palavra amor.
O duque morreu antes que eu tivesse idade suficiente para me vingar,
levando consigo a promessa da minha mãe de que faria de mim o duque mais
honrado da face da terra, garantiria que a minha duquesa seria a mais perfeita de
Londres e que manteríamos a linhagem impecável.
Ela só esqueceu de me consultar.
A depender de mim, a duquesa seria a mais imprópria e a linhagem
morreria comigo.
O maior propósito da minha vida, além da vingança, era encontrar Susan.
Eu passei os últimos dois anos rodando por vários países, mas nunca encontrei
nenhuma pista. Eu temia que ela não tivesse sobrevivido.

Helena era a perfeição em pessoa. Nunca tinha encontrado olhos mais


incríveis ou uma boca mais desejável. Isso seria bom para a consumação do
casamento. Eu desejava estar com ela na cama.
E o restante vinha como prêmio maior. Ela seria o escândalo de todas as
festas, porque o simples fato de ela respirar me parecia que viria acompanhado
de algum desastre ou vexame.
Antes de pedi-la em casamento para o seu pai, eu me informei e me
garantiram de que não havia em Londres uma dama mais imprópria. O velho
asqueroso, pai de Helena, não conteve o sorriso com a minha proposta e dobrou
o dote, caso eu garantisse abandoná-la em alguma das minhas casas de campo.
Ele não se importou em perguntar se eu sequer alimentaria a filha. Ele
era sujo, como todo o restante da sociedade.
Ajeitei a gravata enquanto esperava na sala a minha noiva descer. Não
foram necessárias promessas de amor ou sequer saber da sua boca se ela
desejava a união. Casamento era um contrato, onde só uma das partes se
satisfazia: os homens.
Eu não me importava. Desde que ela levasse suas lágrimas para longe
dos meus olhos e não me incomodasse, eu cuidaria para que tivesse joias e
vestidos que lhe aprazassem.
Na verdade, eu nunca me importava. Gostava das mulheres para me
satisfazer e depois descartava. Nunca me importei se eram casadas, inocentes ou
depravadas. Todas tinham o mesmo valor. Eram um corpo que trazia alívio para
os meus desejos. Nada mais.
Olhei para a escada quando escutei passos. Ela descia vagarosamente,
amparada pela mãe, como se doesse andar.
Não parecia feliz em se casar com o duque mais desejado de Londres.
Nossos olhos se encontraram e pude ver o ódio ali. Por trás das
esmeraldas incríveis, eu encontrei o que via no espelho todos os dias: desamor.
Desviei do seu olhar para me privilegiar com a visão que era seu corpo
perfeito, escondido por camadas de seda pura. Eu retiraria cada peça com a boca.
Senti o desejo pulsar. O casamento seria consumado, aplacaria meu
desejo, e eu poderia seguir em frente sem problemas. Ela seria uma peça de um
tabuleiro que eu levaria por onde me fosse útil.
— Bom dia, Milorde! — A mãe se curvou em reverência. Olhou para a
filha, esperando o mesmo comportamento, que não aconteceu.
Era um insulto não se reverenciar a um duque. Helena não se importava,
boa menina.
Sorri para as damas.
— Acho que não são necessárias mais palavras. Tudo já foi acertado.
Podem mandar a bagagem da dama para a minha carruagem. Já vamos partir.
— Não gostaria de tomar uma bebida conosco? — Márquez, o pai dela
perguntou.
— Não, obrigado. Não tenho tempo para formalidades. Assim que a
senhorita for estabelecida em alguma residência, mandarei uma mensagem para
que possam visitá-la quando desejarem.
Estendi a mão, pedindo que ela me acompanhasse. Eu não queria
estender mais que o necessário a visita.
Esperei que os criados ajudassem Helena a subir na carruagem, o que ela
fazia com dificuldade. Qual era o problema? Ela parecia bem saudável no baile.
Com toda certeza estava fazendo uma cena para que os pais desistissem. Quando
entrasse na carruagem, começariam as lágrimas.
Irritado, entrei depois dela e nem me dei ao luxo de me despedir dos que
ficavam.
Sentada com uma postura que beirava o desconforto, ela olhava para fora
da carruagem, mas do lado oposto da sua casa.
— Quer mais tempo para se despedir? — perguntei, tentando ser um
pouco humano.
— Não há necessidade. Minha partida será comemorada e minha
ausência, despercebida.
As palavras carregadas de mágoa fizeram com que uma pontada de
tristeza me incomodasse. Ditas sem olhar para mim, eram como se ela estivesse
tentando absorver a dura realidade.
— Cuidarei bem de você, Helena, se é este seu receio! — disse, tentando
aliviar sua ansiedade.
Eu nem sei por que me importava, mas nesse instante me pareceu o certo.
— Eu imagino que sim, assim como cuida dos seus cavalos. Bem
alimentados e respirando os ares do campo. Sempre ao seu dispor. Que honra me
dá, Milorde.
Suas palavras cruéis foram despejadas com ira. Seus olhos se
encontraram com os meus e fiquei sem palavras diante da atitude inesperada.
— Você não é um cavalo, minha Lady. Mas talvez eu tivesse mais apreço
se fosse. Cavalos não reclamam.
Não era bem o que eu gostaria de ter dito à minha noiva, na véspera do
nosso casamento. No entanto, se ela resolvesse bater de frente comigo, precisava
entender que estava lidando com alguém que tinha experiência em crueldade.
Tivera os melhores professores.
Que Deus a ajudasse se resolvesse se impor às minhas ordens.
CAPÍTULO 5

“Que meu destino seja amar, nunca odiar; que meus olhos encontrem o que
buscam por tanto tempo, que na primavera eu encontre flores e não
espinhos; que os sorrisos sejam correspondidos; as lágrimas encontrem um
lenço e o abraço, um aperto. Este é meu desejo: ter um amor.”
(Diário de Helena, Londres, 1798.)
HELENA
Não teve um abraço, um adeus e nem uma lágrima fingida. Assim foi a
minha despedida de casa.
Um alívio para a minha família.
Para o duque, entretanto, estava claro que eu seria um fardo. Por que me
escolher, então? Eu descobriria.
Meu corpo estava latejando de dores, pude sentir a temperatura começar
a se elevar. Se tivesse uma febre no caminho, era bem capaz que ele me jogasse
para fora da carruagem em movimento.
— Consegui uma licença especial, um padre bondoso, uma igreja
abandonada e algumas testemunhas sem importância. Vamos nos casar hoje
mesmo! — ele anunciou despretensiosamente.
Uma tontura quase me fez cair do banco. Eu teria que me entregar a ele
hoje, sem ter ideia do que um casal fazia na cama, a não ser pelos relatos de
algumas amigas que se casaram e choraram ao se lembrar da noite de núpcias. O
choro não fora de alegria!
Meu corpo não estava em condições de receber mais punições. Meu
Deus, o que eu faria?
O silêncio na carruagem era constrangedor. Continuei olhando para as
ruas de Londres, evitando seu olhar. Eu poderia senti-lo sobre mim.
A febre estava chegando com força. Tinha dificuldade para controlar os
tremores. Cruzei os braços para me aquecer e esconder minhas mãos trêmulas.
— Você sabe que terá que dormir essa noite comigo para validarmos o
casamento, não sabe? — perguntou ele por fim, quebrando o silêncio.
— Eu do-dormirei com vossa graça um-uma única noite... — minha voz
me traía, e estava tremendo compulsivamente — para validar o casamento, já fui
avisada disso.
— Ótimo. Que bom que já sabe do acordo que fiz com seu pai. É tedioso
dormir com a mesma mulher por mais de uma noite. Vocês são enjoativas.
Aproveitei suas palavras cruéis e olhei bem para ele. Eu precisava gravar
isso na minha memória, para que a sua beleza, que era incomparável, não
encontrasse lugar no meu coração. Por dentro, o duque era um monstro.
— Se está tremendo por medo, fique tranquila. Geralmente todas gemem
de prazer quando estão por baixo.
As palavras baixas me fizeram corar. Arrogante!
— Tenho certeza de que serei inesquecível para o senhor. Nenhum
gemido há de sair da minha boca. Você me enoja.
Um sorriso malicioso se abriu nos seus lábios perfeitos.
— Sou um ótimo apostador. Quer fazer parte de uma aposta?
— E o que seria? — perguntei mordendo a isca.
— Se você gemer uma única vez, eu venço.
— E qual seria o meu prêmio se você perder a aposta?
— Deixo você escolher o que quiser como prêmio. Assim como escolho
o meu.
— Qual se-seria? — Eu não sabia mais se gaguejava de frio, ou de
vergonha pelo que imaginava vir a seguir.
— Vou aproveitar meus privilégios de marido e te possuir em cima do
tapete persa da minha sala de estar.
Senti o ar faltar dos meus pulmões. Meu sangue, que já fervia pela febre,
parecia prestes a entrar em ebulição.
Sem me deixar abater, continuei:
— Achei que ter uma mulher mais de uma vez na sua cama era enjoativo.
— Na verdade, será uma vez na cama e outra no tapete! — Ele piscou o
olho, como se tivesse matado uma charada.
Odiei-o! Por me irritar, por ficar mais lindo quando piscava
maliciosamente, por não se importar com nada além do meu corpo....
E me odiei. Por pensar tudo isso.
Eu sonhava em como seria o corpo de um homem debaixo de todas
aquelas roupas. Os livros me davam alguma noção do que acontecia na cama de
um casal; mesmo o mundo real me provando que nada de bom poderia surgir
daquilo, eu sonhava com o amor e que este tornaria tudo diferente.
Então o odiei ainda mais por roubar todos os meus sonhos.
A carruagem parou e porta se abriu, nos livrando daquela discussão
infundada.
George desceu, estendo as mãos para me auxiliar.
Eu descobri que andar não era mais possível. Meu corpo não me
obedecia. Arqueada dentro da carruagem, eu não conseguia mudar os passos.
— Não adianta você começar a se fazer de doente. Não me comovo com
dramas, Helena! — ele disse irritado.
Eu precisava de forças para lutar. Movida por uma força chamada
vingança, consegui dar alguns passos. Meu único sonho de casamento com
George era transformar sua vida em um inferno.
Tentei descer sem pegar na sua mão. Quase caí e fui amparada por ele.
— Aiii! — Acabei deixando escapar um gemido de dor quando meu
corpo encostou no seu. Só o peso do vestido já estava me fazendo sofrer pelas
feridas.
— Já arranquei gemidos seus na porta da igreja. Acho que a aposta é
minha — ele se gabou, sem conseguir olhar além do próprio nariz e ver que eu
estava machucada. — Você deve estar com dores por conta de ficar sem se
mover dentro da carruagem. Parecia uma estátua! — ele completou.
Não respondi. Resolvi ficar quieta pelo resto do dia.
A cerimônia foi rápida. Nada de promessas, amor ou beijos. A única
coisa que precisei fazer foi dizer sim.
Quando fui colocada novamente dentro da carruagem, agora como uma
duquesa, eu não tinha mais forças nem para respirar.
Todo meu corpo estava desistindo. Meus olhos me traíam, querendo se
fechar, e os tremores aumentaram. Eu nem me importava mais em esconder meu
mal-estar.
Pela primeira vez, desde que o noivado foi anunciado, eu ansiava por
minhas núpcias. Eu ansiava por uma cama, não importando a que custo ela viria.
— Helena! Helena! — escutei George me chamando.
Vinha de tão longe sua voz. Será que ele estava me deixando?
— Não pode me jogar para fora... da-da carruagem... — suspirei. Falar
estava ficando difícil. Minha língua pesava... — Sou uma duquesa agora.
— Pelo amor de Deus, você está ardendo em febre. Por que não me
disse?
Sem muito jeito, senti quando seus braços apoiaram meu corpo.
— Vo-cê estava um pouco irritado... Vou ficar bem, meu mestre, milorde,
meu dono... precisa me dizer como quer que eu o chame... — As palavras
confusas me davam a sensação de que estava delirando.
— Pare com isso. Vai ficar bem. Vou cuidar de você.
— Como um cavalo... Certo?
Pensei na ironia da vida. Até no dia do meu casamento eu daria um
perfeito escândalo. Sem modos, doente, imprestável.
O destino tinha sérios problemas com a minha existência.
Tudo que pude pensar antes de apagar, foi que talvez eu gemesse na
cama sem querer, e George ganharia a aposta.
Eu estava doente. Não teria controle quando ele me possuísse. Apaguei
sonhando com um tapete persa.
CAPÍTULO 6

“Um duque nunca perde a compostura, nunca deve mostrar suas fraquezas
ou se acovardar. Isso está na sua essência. Na verdade, não como duque,
mas como homem. Não importam as circunstâncias, sejam elas por uma
mulher ou em caso de vida ou morte.”
(Anotações de George, Paris, 1800.)
GEORGE
Se eu realmente tinha um coração, ele quase parou quando Helena
desfaleceu nos meus braços.
Desesperado, bati no coche para que ele fosse mais rápido. Em poucos
minutos estávamos em frente à mansão Hasprind.
Peguei-a nos meus braços e desci rapidamente. De olhos fechados,
parecia um anjo, tão frágil.
Ignorei o pensamento, entrando como um furacão em casa. Todos os
criados me olharam com estranheza, sem entender.
— Busquem um médico, urgente. Vou acomodá-la no meu quarto.
Preparem a banheira se for necessário e não avisem a minha mãe sobre a nova
hóspede.
Meu desejo era esfregar na cara da minha mãe o meu casamento. Ela não
tinha ideia de que tinha me casado, muito menos com Helena. No entanto, na
atual circunstância, eu não precisava dela me atrapalhando ou fazendo cenas
histéricas.
Subi as escadas, quase tropeçando nos próprios pés.
— Você não pode morrer agora, minha duquesa. Não vou deixar.
Não era só um apelo, era uma promessa.
O receio de talvez a perder me trouxe um mal-estar inexplicável.
— Vamos, abra os olhos, Helena.
Depositei-a na cama. Tirei seus sapatos para deixá-la mais confortável.
Não pude deixar de reparar nos seus dedos totalmente disformes. Sorri. Ela era
um escândalo desde os pés.
Imaginei como seria beijar aqueles dedos. Eu a desejava.
Sem entender qual era o meu problema, por desejar uma mulher quase
morta, peguei uma toalha umedecida que um dos empregados trouxera e
coloquei sobre sua testa, na tentativa de diminuir a temperatura.
De onde vinha essa febre?
Desesperado, pedi que todos saíssem do quarto e comecei a tirar as
camadas de vestido que a cobriam.
Deixando-a só com as roupas de baixo, notei, horrorizado, várias marcas
de sangue que faziam com que o tecido se grudasse ao seu corpo. O que
acontecera? Como ela tinha se machucado dessa forma? Por que não dissera
nada?
Meu Deus, ela está toda ferida e não pude perceber nada. Me senti o
pior dos homens imbecis.
A espera pelo médico foi uma angústia que nunca mais almejava sentir.
Minha testa suava, como se a alta temperatura do seu corpo estivesse afetando
todo o ambiente.
Escutei passos apressados se aproximando.
— Ah, graças a Deus... — Levantei-me quando o médico abriu a porta
do quarto. — Não sei o que houve, mas a lady está toda machucada.
Estarrecido, voltou-se para Helena na cama, em seguida me crucificou
com o olhar.
— Deveria ter considerado que as damas são frágeis, vossa graça! —
disse fazendo uma leve reverência.
— Ah, não...eu nunca....eu... — Estava gaguejando, como um garoto
covarde. O homem poderoso tinha se perdido complemente diante daquela
dama.
Respirei fundo, me recompondo.
— Não lhe interessa como a dama se feriu. Faça com que ela se sinta
melhor, agora — disse rudemente. — Esta é uma ordem.
— Claro, vossa graça.
Desviei o olhar quando ele se aproximou, analisando as feridas por cima
do tecido. Não sei se por odiar vê-la ferida ou notar os olhos de outro homem em
cima da minha mulher.
Passei as mãos pelos cabelos, perdido. Todos os meus planos estavam
fugindo do meu controle. Não era assim que seria. Eu levaria Helena para a
cama, esqueceria de tudo no momento e faria sexo com ela, carnal, cheio de
desejo e nada de amor. Depois a apresentaria à minha mãe e compareceria a
todos os malditos bailes e festas para os quais tinha sido convidado.
Envergonharia minha mãe de todas as formas e, quando tivesse o
suficiente da minha vingança, colocaria Helena em uma carruagem e a mandaria
para alguma casa de campo, onde seria bem tratada e esquecida por mim.
O problema é que nada caminhava como planejado.
Após alguns instantes, o médico cujo nome nem me dei ao trabalho de
saber, resmungou, me tirando dos meus pensamentos.
— Vou providenciar uma compressa com ervas, que deve ser colocada
sobre os ferimentos. Creio que será suficiente para diminuir a infecção e,
consequentemente, a febre.
Assenti sem saber como agradecer. Percebi que somente então voltei a
respirar normalmente. Não tinha nada de anormal comigo. Só estava aliviado
porque aquela mulher era minha responsabilidade e meu instrumento de
vingança.
Só isso.
Nada mais que isso.
Aliviado pela constatação, saí do quarto dando ordens para que os
criados seguissem todas as orientações do médico.
— Só me chamem quando ela acordar! — ordenei.
Fui para o meu quarto, que ficava ao lado, olhando para a porta de
comunicação que me ligava ao quarto de Helena. A frustração tomando conta do
meu corpo, que, exaurido pelo longo dia, esperava pelo alívio com a mulher que
era minha por direito.
Mais frustrado ainda por perceber que o bem-estar dela me importava
tanto. Me servi de um gole de uísque e esperei. Eu não sei se entraria mais
naquele quarto. Pediria que me dessem notícias e manteria distância.
Aquela mulher estava me afetando. Isso era inadmissível.
A distância seria a forma ideal para esfriar todas as coisas do meu corpo.
Assim como o restante do dia, a noite foi infernal. Trancado no meu
quarto, recebia notícias de hora em hora. O sono, que nunca era um bom amigo,
decidiu se esvair por completo.
Quando os primeiros raios de sol adentraram a janela, levantei como um
furacão. Irritado e frustrado.
Chamei uma das serviçais que cuidaram de Helena, para saber as últimas
notícias.
— A lady está melhor, um pouco indisposta, mas sem febre. O chá foi
servido no quarto e ela disse que aguarda o senhor.
— E minha mãe? — perguntei preocupado.
— Como foi ordenado, ela não sabe da nova hóspede e está à espera do
senhor para o desjejum da manhã.
— Obrigado. Pode se retirar.
Depois de uma pequena mesura, fui deixado a sós com meus
pensamentos.
O que ela desejava falar comigo? Eu sim, tinha coisas a lhe dizer.
Apressado, fui até o seu quarto; entrei sem bater ou ser anunciado.
— Bom dia — disse, tentando não me comover com sua aparência pálida
e apática —, espero que esteja se sentindo melhor.
Sentada na beirada da cama, vestindo um simples vestido verde rendado,
sua beleza impressionava, mesmo na atual condição.
— Gostaria de me desculpar, meu senhor. — Ela levou a xícara de chá
até a boca, tentando esconder seu constrangimento, que não me passou
despercebido. — Nunca mais vai se repetir. Até à noite devo estar melhor para
cumprir com meus deveres.
— Eu sei que está ansiosa — brinquei, tentando ser simpático antes do
que viria a seguir —, mas a quero bem recuperada. Não tenho pressa —
completei, obviamente mentindo. Eu tinha pressa.
Suas bochechas coraram, deixando-a mais linda, se é que isso era
possível.
— Helena, quero que me diga como se machucou dessa forma.
Depositando a xícara de volta à bandeja, seus dedos se cruzaram e ela
começou a apertá-los em sinal de nervosismo.
— Já estou bem. Isso que importa.
— Eu lhe fiz uma pergunta. E minhas perguntas são ordens! — exclamei
rudemente.
Ela abaixou o olhar, e notei imediatamente como as palavras a
magoaram.
— Desobedeci a meu pai e fui punida.
A ira tomou conta do meu ser e precisei me controlar para não quebrar a
primeira coisa que encontrasse pela frente. Maldita sociedade hipócrita.
— A partir de hoje, está proibida de visitar sua família, e eles só entram
nessa casa sob minha ordem. Entendido?
Seus olhos se levantaram, cruzando com os meus. Jurei ver fogo dentro
deles.
— Você não é meu dono.
— Sim, amada esposa. Sou seu dono.
— Eu não sou sua amada. Sou sua nova égua que você adquiriu.
Satisfeito?
Seu tom de voz era ameaçador, e isso a deixava maravilhosa. A vontade
de beijar aqueles lábios me fez esquecer por um minuto qual era o seu papel na
minha vida.
— Ficarei satisfeito quando você se comparar a um bom e adestrado
cavalo. E quando cumprir seu dever de esposa.
Saí do quarto sem olhar para trás, ou acabaria agarrando aquela mulher
naquelas condições. Inferno!
CAPÍTULO 7

“Os livros já diziam que o amor deve ser perfeito, nunca premeditado ou
não correspondido, ou então traria sofrimento à alma. Quando o meu
chegar, ele será avassalador e eu saberei que é amor, porque não me fará
sofrer, somente amar.”
(Diário de Helena, Londres, 1800.)
HELENA
Meu sangue fervia de ódio por aquele homem, que assim como meu pai,
se achava acima de todos, o deus das mulheres, o soberano do mundo. Ele não
me conhecia!
Precisava me recuperar logo e, então, ele se arrependeria de vestir calças
e ter se casado comigo.
Ah, que sensação boa a da vingança! Abriu até meu apetite. Comi quase
tudo o que me foi servido no quarto.
Voltei para a cama depois disso. Por mais que me esforçasse, meu corpo
não correspondia a meus estímulos.
George não apareceu nos próximos dez dias, e minhas feridas
cicatrizaram, a febre foi embora. Prisioneira dentro do quarto, criados me
vigiavam e tinham ordens para não me deixarem sair. A cada minuto que era
mantida ali, só conseguia pensar em tudo que faria para destruir a imagem
daquela família. Começaria na noite de núpcias. George esperava a moça
recatada, a boa e envergonhada esposa. Ele já teria uma prévia do que
encontraria no caminho.
Uma vez, escutei em uma roda de fofocas — em muitos dos bailes nos
quais me escondia, entediada com tantas conversas chatas, sorrisos falsos e
mulheres caçando maridos — que, dentro de um quarto, uma boa esposa nunca
fazia barulhos, nunca devia se desnudar com as velas acesas e de maneira
alguma tocar no marido. Isso era considerado papel das amantes. O escândalo de
Helena!
Uma das criadas entrou no quarto, sem saber direito como agir. Ao que
tudo indicava, seguia ordens de George e não estava conseguindo colocá-las em
prática.
— Quer me dizer alguma coisa?
— Sim, Milady — disse constrangida —, o duque mandou informar que
vem visitá-la esta noite e que esteja preparada para recebê-lo como lhe é devido.
As palavras a fizeram corar, assim como a mim.
— Diga ao duque que honro com minhas palavras, e que a égua que ele
comprou para seu uso pessoal estará a seu dispor.
Sorri com a palavras que esperava que fossem transmitidas exatamente
como tinham sido ditas. Fiquei com pena da criada por ter sido colocada nessa
situação, no entanto, este era um dos primeiros infortúnios da minha longa
caminhada de vingança.
Fui até o meu baú de roupas, procurando por algo que me fosse útil nessa
noite. Infelizmente, as roupas eram decentes demais, comportadas em excesso.
Sentei na cama. Bufei irritada.
Pensei melhor e tive uma ideia brilhante. Com um sorriso nos lábios,
escolhi um vestido cafona, todo rendado em tons de rosa-bebê que, segundo a
minha mãe, se não estivesse no meu corpo, lembraria quem quer que o vestisse,
de um verdadeiro anjo. Eu o colocaria, faria o rosto mais inocente que ele já
tinha visto em Londres e, assim que convencido de que o seu negócio fora o
melhor já feito, que o seu cavalo era puro-sangue, passaria a mostrar o escândalo
que estava propenso a ser.
Apesar da vergonha, do medo de tudo o que se sucederia, estava
empolgada com meus planos. Eu precisava disso para não desabar. Precisava ter
esperanças de que alguma coisa na minha vida tinha sentido.
A criada me ajudou com os preparativos, rejeitei o jantar nessa noite,
com medo de não me sentir bem se me alimentasse, e fiquei pronta, sentada na
cama o aguardando.
Um frio no meu estômago foi inevitável. Precisava me fazer de forte,
mas a verdade é que por dentro eu era a Helena de sempre, morrendo de medo
de ser destruída por esse homem que parecia atropelar tudo que entrava em seu
caminho.
Escutei passos se aproximando da porta e gelei. Respirei fundo quando vi
a maçaneta se movimentar. Então ele entrou. Era como se até o ar parasse e
depois fizesse reverência para ele, que se impunha onde fosse; o seu perfume já
invadiu minhas narinas, me fazendo odiá-lo por gostar tanto daquele cheiro.
Homens não deviam cheirar bem! George vestia com elegância um terno escuro
com colete e uma camisa branca. A gravata torta e desarrumada demonstrava
que ele não fizera uso de seu lacaio para se vestir. Aquilo só acrescentava o ar de
cretino que já rondava sua fama.
Seus olhos se fixaram nos meus enquanto um sorriso indecente se
formava em seus lábios, como um convite ao pecado. Ele era o pecado!
— Pensei que poderia se atrasar, mas vejo que a expectativa para esta
noite fez com que você se antecipasse, assim como eu estou adiantado! — Ele
fechou a porta do quarto, se encostando nela, com as pernas cruzadas.
— Engano seu. Na verdade, o meu anseio é para que tudo termine logo.
Então, me preparei já prevendo que você pudesse se adiantar. Vejo que não se
contém para certos assuntos.
Ele jogou a cabeça para trás em uma risada que fez algumas gotas de
suor se formarem na minha testa. De repente, o quarto ficou quente. Não
entendia o motivo.
— Para sua decepção, pretendo fazer esta noite se estender. Nada será
rápido, nem tedioso, eu te garanto. — Ele deu alguns passos em minha direção.
A cada movimento seu, o ar se esvaía dos meus pulmões. — Está com medo,
Helena?
Ergui o rosto, sem me deixar esmorecer por suas palavras indecentes.
— Não sinto medo de nada! — disse sem pestanejar.
Havia seis velas acesas espalhadas pelo quarto. Como em jogo, ele foi até
uma delas e a apagou. Voltou seu olhar em minha direção. Dessa vez, o sorriso
tinha ido embora, sendo substituído por algo que eu não sabia distinguir.
Levantei-me. Precisava começar a agir. Meu corpo tremia. Estava
assustada. Fechei os olhos, lembrando por um instante do passado, das
humilhações, das surras e, por fim, de como fui entregue como um produto.
Não! Eu era forte! Tinha de ser!
Abri os olhos, caminhei em sua direção e coloquei uma mão em seu
peito.
— Não quero que apague as velas — sussurrei ao pé de seu ouvido. —
Você não negocia seus cavalos no escuro, negocia?
Afastei-me para ver sua reação e, pelo seu rosto pasmo e ausência de
palavras, estava no caminho certo.
Comecei a desabotoar os botões do vestido, um por um, com os dedos
ainda trêmulos. George parecia paralisado e me olhava como se faíscas saíssem
dos seus olhos.
Prolonguei sua espera. Para manter aqueles olhos sobre mim e para tentar
me manter em pé, o que me parecia impossível. O que eu estava fazendo não era
algo que julgasse possível.
Quando abri o último botão, ele escorregou por meu corpo, me deixando
nua na sua frente, já que me privei das roupas de baixo.
George abriu os lábios, as palavras continuavam ausentes, e me perguntei
por um minuto se ele fugiria do quarto. O meu instinto era me cobrir nem que
fosse com as mãos. Meu rosto queimava, indo contra o que se expunha ali.
Estava envergonhada.
Notei que sua respiração ficou irregular, e ele balançou a cabeça em
negativa.
— Você não faz ideia do que acabou de fazer! — disse aparentando
manter a calma. Acho que ninguém estava calmo nesse quarto!
Não entendi suas palavras e o olhei confusa.
Mas a resposta não veio, a não ser seus braços que me agarraram e seus
lábios que se uniram aos meus, a língua pedindo passagem para algo que eu não
sabia bem como fazer, a não ser o fato de que minhas pernas perderam as forças
e ele precisou me segurar.
CAPÍTULO 8

“Nada jamais me faria desviar o curso da minha vida. Eu tinha um


propósito. Os planos estavam traçados desde sempre. Quem poderia mudar
uma vírgula?”
(Anotações de George, Londres, 1799.)
GEORGE
De todos os meus pecados, eu soube, no momento em que a vi nua na
minha frente, que ela seria o maior deles.
Por um minuto pensei em desistir, em fugir dali, eu, o maior pecador, o
maior libertino da Inglaterra, o desertor de mulheres, o destruidor de lares, tinha
pensado em deixar minha própria mulher nua e lhe dar as costas.
Ela era perfeita, nua, um desenho feito por algum pintor indecente, que
precisava impressionar não só o mundo, mas a todos os deuses. Ela era a
Nefertiti, a rainha da beleza, uma divindade. A simetria perfeita do seu rosto, a
perfeição do seu corpo, o tom perfeito da sua pele clara, os seus olhos.
Ali, representando tudo de mais pecaminoso, em contraste com os seus
olhos que eram a representação da mais pura inocência, como eu não me
lembrava há muito tempo. Eu tinha perdido aquela pureza pelo caminho da
minha vingança e não encontrava aquilo em ninguém que me rodeava, muito
menos nas mulheres que tocava.
Eu sabia que se tocasse em Helena, aquilo estaria perdido, por isso minha
vontade de regredir, de voltar para trás. Só que era tarde demais. Por motivos
óbvios! Tinha Susan, que sempre viria em primeiro lugar em tudo. Sua inocência
também tinha gosto de sangue. E em segundo, o desejo por Helena era maior do
que tudo que já tinha sentido na vida.
Sem pensar em mais nada, a agarrei, precisando segurá-la em meus
braços, sentindo seu corpo frágil perder as forças. Ela não sabia muito bem como
beijar, mesmo querendo parecer o pecado em pessoa, e isso me deixou mais
excitado, fazendo pressionar ainda mais meu corpo contra o dela.
Helena gemeu quando soltei seus lábios e mordisquei sua orelha,
deslizando uma das mãos para um dos seus seios, que respondeu prontamente
aos meus estímulos. Sem poder esperar nem um segundo para possuí-la, peguei-
a em meus braços e a depositei na cama, parando um minuto para avaliar a
beleza do instante, que com toda certeza ficaria marcado na minha memória, por
mais que eu me esforçasse para esquecê-lo.
Suas bochechas estavam levemente ruborizadas, e ela parecia ao mesmo
tempo ansiosa e apreensiva.
— Não se preocupe, minha lady, cuidarei bem de você! — sussurrei
malicioso, desabotoando a camisa depois de tirar rapidamente o paletó. As
outras peças do vestuário saíram com a mesma rapidez e sua pele atingiu um tom
avermelhado quando me viu nu.
Era excitante demais vê-la envergonhada pela minha nudez.
— Gosta do que vê? — provoquei-a, lembrando do seu jogo, minutos
antes de tudo começar.
Ela engoliu em seco.
— Pouco me impressiona! — respondeu simulando desdém.
Ela era puro fogo. Precisava de todas as armas para não me queimar.
Debrucei-me sobre seu corpo, deixando minha respiração ofegante
próxima ao seu ouvido. Podia sentir seu coração acelerado bater junto ao meu
peito.
— Mente muito mal, minha lady.
Deslizei minha mão para o meio das suas pernas, e ela não conteve um
grito. Fui mais fundo querendo vê-la se perder. Queria que perdesse todo o
controle que tentava impor sobre mim, maldita bruxinha! No entanto, a verdade
é que quanto mais fazia isso, mais me descontrolava e quando a vi à beira do
precipício e gemendo, gritando meu nome, não me contive e me afundei, sem
controle, sem pensar em mais nada.
Não tinha vingança, nada de passado, nem futuro. Era diferente de tudo
que já tinha vivido, dos meus pecados. Era como se estivesse ali, naquela cama,
pagando por todos eles, ou talvez me redimindo.
Beijei seus lábios com ternura, agradecido por me proporcionar um
momento tão sublime.
Abri os olhos para ver a cabeça de Helena cair para trás e meu coração
pulsou de excitação.
— Quero ficar dentro de você... — sussurrei beijando o seu pescoço. As
palavras saíam sem meu consentimento. — Meu Deus, você é tão linda....
— George... — ela gritou, suas mãos afundaram em meus cabelos.
Minha visão ficou turva quando nossos olhares se encontraram e vi
lágrimas nos seus olhos, e não eram de tristeza — eram de paixão. Ela estava
sentindo o mesmo que eu.
Continuei a dominando, estava bêbado por aquele sentimento que nunca
tinha sentido na vida e que não queria que terminasse.
Então explodi junto com ela, sem conseguir sair de dentro dela como
previsto, cansado demais para pensar em qualquer coisa, e desabei do seu lado.
Quando dei por mim, levantei desesperado.
— Não, não, não, não, não!
Passei as mãos pelos cabelos, desesperado. Peguei os lençóis da cama e
de forma rude, abri as pernas dela e retirei o excesso das minhas sementes que,
espalhadas ali, me lembravam do quanto aquela mulher era perigosa.
Ela se encolheu na cama, a vergonha e o ódio estampados em seu rosto.
Recolhi minhas roupas do chão.
— Reze muito e se apegue a tudo que puder para não ter uma criança
sendo gerada no seu ventre. Tenho absoluta certeza de que tudo não passou de
um plano muito bem articulado para me enfeitiçar esta noite! — O ar parecia me
faltar aos pulmões. Como tinha sido tolo!
Tantas mulheres na vida. Poderia ter qualquer uma, colecionar amantes,
mulheres casadas, virgens inocentes, e lá estava, jogando todo o passado, a vida
de Susan no lixo.
— Você não sabe o que diz — murmurou.
Senti o maxilar se contrair. Odiei-a pelo poder de reduzir meu
autocontrole a nada. Maldita!
— Escute bem o que vou lhe dizer. — Respirei fundo para não gritar as
palavras que seriam ouvidas por toda a mansão. Apontei o dedo, para que
ficassem bem claras: — Se um filho nascer de você, os dois serão enviados para
uma casa cuja existência farei questão de ignorar e serão esquecidos. Morrerão à
míngua. Ele será um bastardo que nunca reconhecerei como filho. Farei questão
de dizer que você me traiu com um lacaio e que fugiu desta casa. Você será
esquecida e desonrada.
O ódio foi se acendendo no seu olhar com minhas palavras. Eu
imaginava que o meu era maior.
— Você sabe, Helena, que uma única palavra de um duque tem o poder
de destruir uma mulher. Você estará acabada e não terei o menor remorso. Eu
avisei que não queria filhos. Não haverá herdeiros. Essa linhagem termina em
mim. Está entendido?
Ela manteve o olhar, me desafiando, e não respondeu.
— Estamos entendidos? — gritei, dessa vez sem me importar se o mundo
escutasse.
— Sim, meu senhor! — respondeu, engolindo o próprio orgulho.
Antes de sair, apaguei todas as velas. Estava envergonhado pelos meus
próprios atos e deixá-la no escuro aplacava o que a mim se abatia.
Entrei no meu quarto pela porta de comunicação e a tranquei. Fiz a
mesma coisa com as velas que estavam acesas ali.
A luz do luar iluminava o suficiente para que eu me servisse de uma
bebida forte.
Bebi até não parar em pé.
Destruído pelo meu próprio orgulho, que estava em pedaços.
Quando o sol nascesse, eu faria jus a tudo que me fora imposto pelo
ducado e ao que tinha jurado por uma vida: vingança!
CAPÍTULO 9

“Quando ele chegar, me comparará a flores, usará os mais belos adjetivos


para descrever minha beleza e terá em nossa família o orgulho de sua vida.
Assim será, assim o espero todos os dias.”
(Diário de Helena, Londres, 1797.)
HELENA
Em um instante eu estava no céu e no instante seguinte, no inferno. Tudo
culpa daquele homem, o responsável por minha ruína. Senti ódio de mim mesma
por tudo que meu corpo havia sentido com seu toque. Os meus planos tinham se
esvaído no momento em que seus lábios tocaram os meus. Não sobrou nada!
George roubou a minha vida, meus sonhos, e, por fim, a minha
dignidade. Não tinha autocontrole, não tinha lógica, tudo virava vapor ao seu
toque. Me senti uma idiota!
Esperava que quando estivesse em uma carruagem rumo a uma de suas
casas de campo, depois que o tivesse envergonhado diante de toda uma Londres
que julgava mais as pessoas pelas roupas que usavam do que por seu caráter,
pudesse me sentir melhor. Embora me sentisse como fosse somente uma vespa,
ou um cavalo adestrado.
Meu coração não parava de bater desesperadamente, imaginando a
possibilidade de um filho nos meus braços. Sempre sonhara com uma família,
mesmo que isso significasse ser esquecida, caluniada e jogada à margem da
sociedade. De qualquer maneira, eu seria esquecida em breve e lembrada
somente como a coitada da mulher do Duque de Misternham, que, doente, foi
abandonada pelo marido que vivia se exibindo às amantes na cidade. Com o
tempo, meu nome seria esquecido e nem mais uma lembrança eu seria.
Se ao menos eu pudesse ter esse filho....
Puxei as cobertas, abraçando meu corpo. Eram tantos sentimentos: vazio,
solidão, tristeza, vergonha...
Mas o sol nasceria, clareando os pensamentos, me fazendo esquecer do
toque que ainda queimava minha pele e dos seus beijos, cujo sabor se mantinha
em meus lábios, e aí, sim, eu ergueria minha cabeça, como em tantas vezes
anteriores, e estaria pronta novamente para a minha vingança.
Lembrei-me das aulas tidas com minha ama e das lições aprendidas sobre
as guerras dos nossos antepassados. Em todas elas, mesmo não sendo mostrado
nos livros, eu me atentava ao fato de que só se vencia porque os inimigos não
ficavam atentos o suficiente para as armas dos adversários, que as juntavam e
chegavam com tudo. Nessa noite eu descobrira uma nova arma que não sabia
possuir até então: ele me desejava. Eu usaria isso a meu favor; afinal, George,
era acima de tudo, além do ducado, um libertino sem controle.
Esperava ser forte o suficiente. Aquele homem não parecia ser páreo para
ninguém. E para vencer essa batalha, o principal seria proteger o maior tesouro
em jogo: meu coração.
Adormeci, com a esperança de um novo dia. A esperança era algo que eu
não poderia perder.
Quando o dia amanheceu, fui informada por uma criada que o meu
desjejum seria ao lado de meu marido, que já me aguardava.
Agora não era mais prisioneira. Seria oficialmente apresentada como
duquesa daquela casa para os criados e outros hóspedes que ali pudessem se
encontrar. Eu já tinha escutado que George tinha uma mãe e receava que ela não
estivesse de férias ou em alguma casa de campo.
Troquei-me lentamente. Deixá-lo esperando era algo que já me fazia feliz
pela manhã. Fui acompanhada pela criada até a sala de jantar. Devido às
circunstâncias da minha indisposição dos últimos dias, causada pela surra do
meu pai, juntamente com a falta de afeto do meu marido, não me tinha sido
apresentada a mansão ainda.
Todos os criados estavam em pé, ao lado da mesa, e George se levantou
quando me viu.
— Bom dia, minha lady.
Assenti, sem vontade de devolver o cumprimento.
— Quero que conheçam a duquesa de Misternham. A partir de hoje, as
questões dessa casa estão sob suas ordens quando eu estiver ausente.
Todos fizeram uma reverência e foram dispensados, ficando somente
dois que serviriam a refeição.
— Por favor, já podem chamar a minha mãe — ele pediu.
Gelei com a menção. Já contava com essa possibilidade, no entanto, uma
sogra nunca era algo agradável. Eu já tinha ouvido histórias apavorantes de
como algumas delas infernizavam a vida de suas noras.
— Espero que esteja disposta esta manhã. Quero que se reúna com minha
mãe para uma tarde de chá e conversa.
A ideia me fez perder completamente o apetite, que era imenso pela
manhã. Eu tinha mais esse defeito para a longa “lista de imperfeições da
Helena”: minha mãe costumava dizer que eu me alimentava como um
cavalheiro, jamais como uma dama.
— Receio que não tenha outra escolha — disse, me servindo de um
pouco de leite.
Esperava pelo menos que sua mãe chegasse logo e ele não tocasse no
assunto da noite anterior. Receava que ele falasse sobre a possibilidade de ter me
engravidado, e não desejava suas palavras cruéis sobre mim logo de manhã. Já
que teria de tolerar uma sogra, que ao menos ela servisse para alguma coisa.
— Tenho negócios pendentes e estarei ausente por alguns dias!—
comunicou. A ideia de que ele abandonaria a mulher um dia depois do
casamento me trouxe um mal-estar, já prevendo que se encontraria com alguma
amante.
As pessoas comentariam. Eu seria motivo de burburinhos por toda
Londres, em breve.
— Na próxima semana, aceitei um convite para o baile da Condessa de
Vinceza. Quero apresentá-la como minha duquesa. Se precisar de alguma coisa
para a festa, é só pedir para o lacaio chamar uma modista e....
Ele parou, olhando para a porta, onde uma mulher de aparência triunfante
e poderosa entrara. Ela não olhou para o filho. Seus olhos se dispuseram a me
avaliar, sem piscar. Fiz menção de levantar, não porque fosse ligada a
cordialidades, mas porque estava com medo do olhar que me era dirigido. Era
assassino, e eu bem sabia o resultado disso; as cicatrizes do meu pai ainda
marcavam meu corpo.
— Não se atreva! — George segurou meu braço, me contendo.
Sem entender, me mantive no lugar; afinal, a ordem do meu marido era a
que importava.
Sem desviar os olhos de mim, ela caminhou até perto da mesa, apoiando
uma mão sobre a cadeira à minha frente. Então ela olhou para George.
— Vejo que resolveu trazer suas prostitutas para casa e mantê-las até o
café da manhã. Se seu pai fosse vivo, ele mandaria interná-lo em algum
hospício. Você perdeu completamente a razão.
Se fosse qualquer outro homem, estaria furioso e, no mínimo, um homem
na posição de George mandaria a mãe calar a boca. Mas ele sorria, parecia
triunfante, extasiado até. Isso me irritou terrivelmente, porque eu poderia até ter
uma longa lista de coisa que se encaixariam nos escândalos de Helena, mas eu
não era prostituta e nem tinha aparência para tal.
Fiquei esperando que me defendesse, ordenasse que ela pedisse perdão.
Ele não o fez.
— Bom dia, mamãe. Sim, o café está particularmente doce esta manhã!
— disse ironicamente.
— Me recuso a sentar nessa mesa com suas concubinas. — Dessa vez,
sua voz estava alterada. — Depois de anos fugindo de suas responsabilidades,
você volta. E é isso que faz? Me envergonhar? Meu único filho?
De repente, alguma coisa mudou dentro do olhar dele. Os olhos que me
encantaram desde o primeiro momento, perderam o brilho e se acenderam em
ódio.
George se levantou, jogando o garfo com tanta força sobre o prato, que
este se partiu ao meio.
— Se levante! — gritou, me dando uma ordem.
Não me atrevi a não obedecer. Por mais que quisesse gritar que ele não
mandava em mim, não tinha esse direito. Ele era meu marido e mandava. Engoli
o orgulho e me levantei, mas não antes de beber um último gole do meu leite. Eu
tinha que provocá-lo.
Isso pareceu acender ainda mais sua fúria, e o olhar que ele me desferiu
fez meus pelos se eriçarem.
— Olhe bem para essa mulher que você acabou de ofender. — Ele
apontou o dedo para a mãe, que sem parecer temer o filho, continuava com o
queixo erguido o enfrentando. — Aprenda a respeitá-la, porque a partir de hoje
ela é a nova dona desta casa, a quem você deve não só respeito, mas seguir suas
ordens e caprichos. Conheça a nova Duquesa de Misternham.
Céus! Ele se casava e não contava para a própria mãe!
Ela olhou horrorizada, intercalando os olhares entre mim e ele.
— Está buscando saber seus títulos, quantas vezes ela já esteve com a
rainha, ou o quê? — ele perguntou. — Ou talvez queira ir lá no seu quarto
procurar pelo convite de casamento que não recebeu.
— Estou buscando compreender dentre todos os filhos que gerei e perdi,
porque justamente você foi o escolhido para nascer.
Sem nenhuma outra palavra, até porque nada mais precisava ser dito,
acredito eu, ela saiu.
Abaixei o olhar para a mesa, sem saber como agir. A cena tinha sido
constrangedora, e acima de tudo fiquei com pena daquele homem por ser
desprezado pela mãe dessa forma. Eu sabia como era. Sabia muito bem!
— Você no meu escritório agora! — ele ordenou e saiu.
Segui-o, afinal, eu não sabia ainda onde era o escritório. Pretendia
descobrir quando ele se ausentasse nos próximos dias e eu fizesse a minha
excursão pela mansão, juntamente com o meu plano para os escândalos no baile
onde seria apresentada.
Se ele tinha uma mãe por quem nutria ódio, eu superaria a compaixão
que senti dele minutos atrás, lembrando de como tinha destruído a minha vida.
Ele teria uma mulher por quem ódio não seria a palavra ideal para descrever seu
sentimento. Nos livros talvez não existisse tal termo. George seria enterrado na
sua própria cova do casamento.
CAPÍTULO 10

“Tenha negócios e mais negócios. Cuide das propriedades e adquira


riquezas. Já mulheres, colecione noites que serão esquecidas pela manhã. O
que importa são momentos de prazer. Nunca adquira amores. Isso é a ruína
de um homem.”
(Anotações de George, Nova York, 1800.)
GEORGE
Ela se superava! Sempre!
Como era capaz de dizer que só tinha um filho? Falar aquelas palavras
debaixo do meu teto, o mesmo que a alimentava, que sustentava seus luxos? Eu
poderia isolá-la em uma das nossas casas de campo e privá-la da vida social que
tanto priorizava. Ou mesmo jogá-la na rua da amargura, como ela tinha feito
com Susan, porque esse, sim, era o destino que merecia depois da morte do
duque. Só não o fazia porque eu era o homem que meu pai não foi, não a
exilava, pois meus planos de vingança não eram pobres como aqueles. Isso seria
pouco pelo que ela fizera com minha irmã. Se Susan estivesse morta... Balancei
a cabeça, incapaz de pensar nisso; a vida miserável de isolamento não seria
suficiente para minha mãe. Eu a queria humilhada perante Londres.
Olhei para trás e vi Helena parada me olhando, confusa. Ela era a chave
para isso.
Mas tinha algo errado com aquela mulher. Se fosse qualquer outra que
tivesse presenciado a cena minutos antes, estaria à beira de um ataque de
lágrimas, no mínimo, tremendo ou algo assim. Ela não! Me olhava, com
curiosidade, analisando, as sobrancelhas arqueadas, os lábios carnudos que me
davam constante vontade de beijar, me fazendo lembrar da noite anterior que não
saía da minha mente, estavam semiabertos, como se ela quisesse perguntar
muitas coisas, e eu cheguei a me perguntar se tinha feito a escolha correta.
— Sente-se — ordenei, apontando para o divã que era uma das poucas
heranças que mantinha do escritório do meu pai.
— Estou bem em pé — ela garantiu, me desobedecendo, com o que
constatei mais uma vez o quanto poderia ser perigosa.
— Não foi um convite! — acrescentei, fazendo-a se lembrar do seu papel
ali.
Ela fez uma pequena reverência, abrindo um sorriso irônico.
— Claro, meu Lorde — e obedeceu.
Até o seu ato de sentar não tinha nada de gracioso. Ela não era delicada.
Seus gestos eram extravagantes em excesso e isso, em vez de deixá-la
deselegante como talvez todas as mulheres de Londres classificariam, a
tornavam única, exótica.
Perguntei-me como uma mulher como ela pôde ser ignorada em três
temporadas. Muito provavelmente porque todos os homens enxergavam o perigo
por trás daqueles olhos. Quando se buscava por uma esposa na alta sociedade
londrina, só se queriam mulheres com belos sorrisos que cuidariam do lar e dos
filhos. Nunca mulheres que se interessariam por política, ou ousariam desafiar
seus maridos com um simples não. Helena ousava até no olhar. Sorte a minha
que eu estava calejado pela vida. Porém, precisava terminar logo tudo aquilo e
enviá-la o mais longe possível. Definitivamente, ela era perigosa.
— Precisa ficar a par de algumas coisas na minha ausência, Helena! —
disse enquanto fechava a porta. Não queria minha mãe escutando por infortúnio
a nossa conversa. Ela era capaz de tudo. — Primeiro, quero lembrá-la de que sua
família não é bem-vinda na minha residência. Espero que tenha compreendido.
— Sim, sempre, como um bom cavalo adestrado — respondeu.
Pisquei algumas vezes, para não fazer duas coisas. Primeiro, dar-lhe
umas boas palmadas, que era o que Helena merecia. Depois, beijá-la, por sua
audácia.
— Acontece — disse, esfregando uma palma na outra, me contendo —
que, como não é uma égua, não posso amarrá-la, o que seria ideal na minha
ausência.
Abri um sorriso ao vê-la arregalar os olhos. Dessa vez, ela parecia enfim
assustada.
— Mas espero que se comporte bem e siga as minhas ordens, como uma
boa esposa. Também espero de você que cuide do castelo como uma lady e tome
as rédeas, não deixando isso para minha mãe. Tem a permissão para fazer da
vida dela um inferno! — disse com um sorriso no rosto.
O olhar assustado foi substituído por um ar sapeca e, como uma criança
arteira, ela abriu um sorriso de canto de boca. E tudo o que consegui foi desejar
vê-la sem roupa. Deus, qual era o meu problema? O principal motivo pelo qual
me ausentaria na próxima semana era para procurar algumas amantes. Perdia o
controle completamente perto dela e tinha consciência disso. Precisava buscar os
últimos resquícios da minha calma e depois voltaria para casa. Só de vê-la ali,
naquele divã, me fazia imaginar uma pintura dela, perfeita, nua, e depois meu
corpo sobre o seu.
Tinha algo errado comigo. Sempre fui um libertino. Nunca normal, nem
sempre perfeito. No entanto, o meu maior orgulho e minha maior proeza foi a
arte de nunca desejar a mesma mulher duas vezes. Isso fez com que nunca me
apaixonasse.
Helena, Helena, você é perigosa! Talvez feiticeira. Tinha escutado falar
que, em alguns lugares, se praticava feitiçaria entre mulheres. Olhei ressabiado
para ela.
— Isso inclui que tipo de conduta para com sua mãe? — ela me
perguntou atraída pela ideia.
— Qualquer uma, desde que mantenha a vida de vocês duas.
Não me passou despercebido quando ela apertou as mãos, tentando
conter as palmas. Precisei refrear uma gargalhada.
— Só se comunique comigo em casos de extrema urgência. Um lacaio
estará à disposição para entregar as cartas; ele saberá onde me encontrar! —
acrescentei.
Quando disse isso, seu olhar se entristeceu. As mulheres sempre sabiam
que quando seus maridos as deixavam logo após o casamento, saíam à procura
de amantes. Senti-me mal. Por mais que tivesse sido um cafajeste durante toda a
vida, nunca tivera uma mulher, e isso me fez lembrar de Susan. Odiaria que um
homem a magoasse dessa maneira. Me senti sujo nesse momento. Aproveitaria
minha ida até a cidade para buscar informações sobre seu paradeiro.
— Não acha cedo para se ausentar da mansão? As pessoas irão comentar
— ela disse, dessa vez com certo receio, olhando para as próprias mãos, que
mantinha entrelaçadas no colo.
Odiando o que se seguiria, odiando o homem que havia me tornado, mas
sabendo que era necessário cortar todos os laços de afeto que nos unia, respirei
fundo e o fiz.
— Nunca mais questione os meus atos. — Levantei-me, para não ficar
frente a frente com seus olhos e não ter que ver o seu sofrimento. — Eu não sei
que tipo de educação lhe deram, Helena, mas aqui eu dou ordens e você acata.
Ou então, antes mesmo de saber se tem um filho no seu ventre, estará em uma
carruagem bem longe daqui. Entendeu?
Ela assentiu, sem me olhar.
— Responda! — disse rudemente.
Ela era orgulhosa demais. Muito mais do que eu imaginava. Levantando-
se, sem se abater, ela olhou nos meus olhos.
— Perfeitamente — respondeu. Tinha ódio nas palavras cuspidas.
— Que bom! — acrescentei.
— Posso me retirar?
Assenti.
Quando ela colocou as mãos na maçaneta, já de costas, eu disse:
— Helena. — Ela me olhou com ira, o que fazia seus olhos adquirir uma
cor âmbar nas laterais, misturada com o azul. Era magnífica. — Quando eu
retornar, vou cobrar a aposta. Não esqueci dos seus gemidos na noite passada.
Abaixei os olhos e vi seus punhos se fecharem.
— Como quiser. Sem descumprir suas ordens. Só o lembrando de que
fica enojado de possuir uma mesma mulher na sua cama duas vezes! — rebateu.
— Eu tinha sugerido o meu tapete persa. Mas você me deu ideias
melhores esta manhã. Será neste divã.
Então, inesperadamente, e eu nem sabia onde ela poderia ter escutado
aquilo, Helena disse um palavrão. Jurava a mim mesmo que ela nem deveria
saber o significado daquilo ou nem teria dito. Ou, no mínimo, teria ficado corada
como qualquer mulher do planeta ficaria. Mas ela continuava me encarando,
ferozmente. E seu olhar me enlouqueceu de desejo. E a única certeza que tive foi
de que, sim, ela era uma bruxinha que deixaria minha vida de cabeça para baixo.
E para completar tudo, me deu as costas sem permissão. Mas eu a segurei
pelos braços, evitando ser desrespeitado dessa forma.
— Já andou a cavalo? — perguntei, antes que fosse eu a soltar um
palavrão.
— Não! — Helena respondeu, me encarando novamente.
— Será outra coisa que faremos quando eu voltar. Vou trazer um cavalo
puro sangue inglês Oregon, de valor inestimável. Você vai ver como se comporta
um que carrega o seu título e o seu valor. Quem sabe assim consiga se espelhar
nele.
As palavras saíram duras. Eu estava com raiva por tudo que ela
despertava em mim. Nenhuma mulher tinha esse direito e esse poder. Eu não
deixaria.
Aproximei-me dos seus lábios, provando a mim mesmo que poderia ficar
perto e não sentir nada. Como qualquer outra mulher, ela seria descartada em
breve. Então, ela arfou. Sua boca estava entreaberta para me receber. E o seu
perfume era perfeito.
Meu corpo foi ao encontro do seu, porque se encaixava perfeitamente.
Embora tão surpresa quanto eu, ela me recebeu quando meus lábios a tocaram, e
não fez nenhum movimento para se soltar.
Em resposta, soltou um gemido quando a minha língua invadiu sua boca,
sem reservas, parecendo um selvagem que nunca tinha beijado uma mulher na
vida. Tinha gosto de mel, de pureza, de desejo, de pecado, de tudo... Tinha gosto
de tudo que era bom!
— Você é um perigo — sussurrei no ouvido dela. — Vá embora! — pedi,
soltando seus braços. Na verdade, implorei, vendo-a se desvencilhar e correr, me
deixando frustrado.
Se eu tivesse ficado mais um minuto com ela nos meus braços, teria
perdido o controle e, mais uma vez, a vingança seria esquecida; mais uma vez,
Susan teria sido esquecida; e Helena, acesso livre ao meu coração. Aquilo tinha
que acabar.
Fui até a gaveta, juntei minhas coisas e parti atrás das mulheres que
sempre me foram suficientes, porque Helena nunca seria. Tinha algo nela que
nunca me satisfaria. Era como um abismo no qual se me permitisse afundar,
nunca mais sairia de lá.
CAPÍTULO 11

“As manhãs serão os momentos mais preciosos. Todos os dias, quando abrir
os olhos e eu notar que os seus estão me encarando e mostrando o quanto
me ama, será perfeito. No amor, tudo é.”
(Diário de Helena, Londres, 1800.)
HELENA
Fazia dois dias que ele tinha partido e meu coração parecia não ter
desacelerado; seu cheiro ainda estava nas minhas narinas e seu gosto insistia em
permanecer nos meus lábios. A insônia era minha companhia. Eu me revirava,
imaginando-o na cama com outras mulheres, o ciúme me corroendo e tentando
convencer a mim mesma que não passava de orgulho ferido, já que toda Londres
nesse momento deveria estar de burburinho às minhas costas. Mesmo que eu não
tivesse sido apresentada oficialmente como duquesa e que o casamento em si
tenha sido um escândalo, já que não fui cortejada, eu estava casada com o Duque
de Misternham.
Podia escutar os comentários, todos conjecturando como eu devia ser
sem graça por ter sido abandonada na primeira semana de núpcias. Como era
incapaz de agradar um homem. A humilhação cresceu dentro do meu peito e
levantei na madrugada, acendendo as velas, andando de um lado para o outro.
Precisava planejar o que faria no baile na próxima semana, ou enlouqueceria.
George precisava sentir na pele toda a humilhação a que me expunha.
Começaria chamando a modista pela manhã. O traje ideal já estava arquitetado
na minha mente.
Depois, o levaria à loucura, até conseguir gerar um filho dele. Já que esse
era o seu pior pesadelo, seria o meu maior desejo a partir de agora. Assim que
ele partiu, minhas regras desceram, me fazendo lamentar por não ter sido eficaz
da primeira vez. Mas um dia seria. Ele me desejava. Podia ver nos seus olhos.
Me valeria disso.
E tudo o que ele desejava, eu faria o contrário. George pediu que eu
acabasse com a mãe. E tudo o que fiz foi dar carta branca a ela. Coloquei todos
os criados à sua disposição e comando, me trancando no quarto. Se o castelo
pegasse fogo, eu ajudaria ateando mais fogo.
Quando o dia amanheceu, pedi que chamassem a minha modista e não a
que George instruíra. Como ele tinha deixado ordens para que cumprissem os
meus desejos, fui atendida.
Logo Lady Marshala, uma jovem modista que estava fazendo sucesso
por suas ideias inovadoras, chegou.
— Ai, como estou feliz, duquesa, por lhe atender! — disse falsamente.
Afinal, semanas antes, ela odiava costurar meus vestidos.
Diziam nas rodas de fofoca que precisava do dinheiro, mas que seria
jogar seu nome na sarjeta ver suas criações sendo usadas por uma figura como
eu, que tinha tão pouca representatividade na sociedade. Agora, como duquesa,
esse cenário parecia mudar. Eu só a chamei porque realmente o seu trabalho era
brilhante e precisava dele.
— O que vai querer? — perguntou empolgada, enquanto suas criadas a
ajudavam a tirar das várias maletas sedas das mais variadas cores. — Temos
creme, bege, azul-celeste, rosa-bebê....
— Preto! — cortei-a, antes que ela transformasse o meu quarto em uma
loja de tecidos.
Ela paralisou, e seus cílios espessos começaram a piscar excessivamente.
— Eu...me desculpe. Não fiquei sabendo que tinha perdido algum
familiar distante. Que indiscrição a minha. Está de luto, vossa graça. Me
desculpe! — Colocou a mão no peito, constrangida.
Abri um sorriso, já imaginando a mesma reação das pessoas no baile.
— Não estou de luto, Marshala. A cor foi escolhida por opção. Eu adoro
vestidos pretos.
Seu olhar foi da pena para o espanto, e depois para choque, em questão
de segundos. Era cômico.
— Espero que possa atender ao meu pedido. Ou será que, dentre tantas
sedas, você não terá nada que agrade uma duquesa? — Arqueei as sobrancelhas
em tom de dúvida.
Se tinha algo que Marshala odiava, é que duvidassem do seu trabalho. O
que a incentivava sempre era um desafio.
Rapidamente ela abriu outro baú e retirou uma seda preta, estendendo
sobre a cama.
Abri um sorriso de aprovação.
— Só preciso tirar suas medidas. Tenho alguns modelos que são última
moda em Nova Iorque. Tenho certeza que vai lhe agradar. Não ficará tão perfeito
devido à cor escolhida, mas com os ajustes ideais poderemos fazê-lo ficar com
um tom alegre.
Enquanto pegava a fita métrica, as criadas começaram a dobrar de volta
os tecidos espalhados.
— Quero que você seja generosa no decote e que use um espartilho bem
apertado, valorizando minhas curvas. As luvas devem ser brancas, e quero
discrição sua sobre o meu vestido: se vai continuar sendo minha modista,
ninguém saberá o que vou usar no baile, entendido?
— Com toda certeza, vossa graça! — confirmou.
Encomendei outros vestidos para algumas ocasiões futuras, e já exausta,
dispensei-a no final da tarde.
Maria Elisa, a mãe de George, não tinha dado o ar da graça. Ao descer
para jantar, agradeci porque mais uma noite jantaria sozinha, como todas as
outras desde que meu marido partira.
Me sentia solitária naquela casa. Por mais que não fosse perfeita, ao
menos eu tinha alguém para conversar quando morava com minha família.
Agora vivia isolada. Era triste.
Quando foi servido o primeiro prato, ela apareceu, me fazendo
arrepender por não ter pedido o jantar no quarto. Sem pedir licença, sentou na
mesa e nem um boa-noite esboçou. O silêncio era constrangedor. Seus olhos
estavam fixos na minha boca. Ela reparava na quantidade que eu comia.
Irritada demais para continuar calada, coloquei o garfo de volta à mesa e
a encarei.
— Algum problema? — perguntei.
— Só reparando como você é inadequada.
— Já pode se retirar... — Apontei para a porta. — Se já fez sua análise,
faço o convite para que se recolha ao seu quarto e faça seu jantar lá. Eu me casei
com George e não pretendo ser adequada para você.
— Se acha por um minuto sequer que ele a ama, anda lendo muitos
romances shakespearianos. Isso não passa de um capricho de George para me
irritar. Nesse momento, ele deve estar exausto em uma cama qualquer com
prostitutas, em bares de Londres. Daqui a alguns dias não vai nem sequer
procurá-la na cama. Você é uma infeliz, Helena. George quer me humilhar
perante Londres, fazendo com que você seja um escândalo e depois deixá-la
sozinha em uma casa de campo, já que nunca vai permitir que você tenha um
filho, para me punir com o fim da sua linhagem.
Se ela esperava que eu me acabasse em lágrimas, a surpresa ficou
estampada em seu rosto minutos depois, quando sorri. Por dentro eu fervilhava
de ódio. Não tinha lágrimas para derramar. Já tinham matado tudo dentro de
mim. Meus sonhos havia muito tempo tinham sido pisoteados por meu pai e,
mais recentemente, por George. Agora as coisas começavam a se encaixar na
minha mente. Não tinha razão nenhuma para que o Duque de Misternham se
casasse com uma mulher como eu, sem classe, com um dote inferior, um título
sem importância, beleza incomum, a não ser o escândalo estampado no rosto. A
não ser que isso fosse sua arma de vingança.
O problema é que a mesma arma que ele tinha nas mãos era a mesma que
eu mantinha carregada e apontada para sua testa. Eu o estava ajudando a destruir
a própria mãe. Dispúnhamos dos mesmos artifícios e eu, tola, achando que
estava arquitetando um grande plano de vingança. Ri com desgosto, vendo como
aquele homem poderia ser ardiloso, estando um passo à frente.
Tendo perdido o apetite, algo raro, pedi licença e me retirei da mesa.
Precisava pensar. Chegando ao meu quarto, sentei na grande poltrona que
deveria me fazer sentir uma princesa e, na verdade, me lembrava como era
plebeia. Abaixei a cabeça, pensando em desistir. Por fim, eu seria o fracasso que
meu pai tantas vezes afirmou. Minha mãe sempre contava nos jantares, rindo em
excesso, das lembranças do nascimento da minha irmã; em como ela percebeu,
já no parto, a diferença entre nós duas. Eu vim ao mundo com tanto escândalo,
que o meu choro foi ouvido a quarteirões, enquanto minha irmã nasceu como
uma dama: linda, reluzente e contida.
Levantei o rosto. Não! Eu não podia desistir agora, seria uma covarde.
Nem tudo estava perdido. Se o maior desgosto da minha família era a vergonha a
que eu os expunha, meu pai desejava sair por cima ao me destruir, entregando-
me àquele casamento que para ele representou seu bilhete de ouro. Uma filha
que sempre foi seu horror, de repente se tornava a esposa de um duque,
deixando-o acima da sociedade. Minha mãe, nesse momento, estava com toda
certeza empilhando convites e mais convites para bailes e chás da tarde, e eu
tinha aberto uma porta para que minha irmã fosse cortejada pelos melhores
partidos da Inglaterra.
De repente, tudo se acendeu. Meu mundo se iluminou novamente. Nada
estava perdido. Eu poderia acabar com eles, mantendo a vingança que estava
destinada a George. Se eu fosse o maior escândalo de Londres, sujaria o nome da
minha família, colocaria o nome de meu pai na lama e levaria o da minha irmã à
ruína. Quem iria querer se casar com ela, quando descobrissem que pertencia a
uma linhagem tão imperfeita, e tinha uma irmã com criação tão esdrúxula?
Todas as bocas de Londres e da Inglaterra em breve estariam falando que a
Família Deltolen não dera educação apropriada às filhas, e os pretendentes da
minha irmã deixariam de procurá-la; os convites para os eventos sociais
cessariam; e até às entradas para os famosos clubes noturnos que meu pai tanto
prezava se fechariam.
Nunca, nos últimos anos, eles ouviriam falar de uma mulher que
provocou mais escândalos em bailes que a Duquesa Helena de Misternham.
E, por fim, viria George. A ele, eu o venceria com o desejo — a arma
mais poderosa que uma mulher poderia usar. Com ela, já se venceram guerras e
se destruíram impérios.
Eu vi nos olhos dele como me desejava. Só tinha um problema para
resolver: a minha inexperiência. Mas já tinha escutado que prostitutas em
Londres salvavam casamentos falidos por pouco dinheiro. Quando os primeiros
raios de sol entrassem pela janela, eu entraria em uma carruagem e encontraria
uma delas. E quando George menos esperasse, eu o atingiria onde mais doía. Eu
carregaria um filho dele. O seu maior pesadelo. E por mais que ele ameaçasse
dizer que me abandonaria e que o filho seria um bastardo, em algum lugar do
mundo saberia que sua linhagem se perpetuou, e isso seria algo que ele nunca se
esqueceria. A minha vingança eterna!
CAPÍTULO 12

“O coração de um homem só pode estar em um lugar: dentro do peito.


Somente ali. Nunca em jogos, bebidas ou mulheres. Maldito o homem que
se condena a esses vícios. Fica fraco e sujeito a qualquer perdição.”
(Anotações de George, Edimburgo, 1799.)
GEORGE
Sentado no Clube Beltan, com um charuto nas mãos, observava Pietro
rodeado por três prostitutas. Ele contava algo a elas, que gargalhavam, enquanto
mantinha um copo de bebida em uma das mãos e, na outra, o seio de uma delas.
Ele não tinha reservas e muito menos escrúpulos.
Conheci-o em uma das viagens para as Índias, em minhas buscas por
Susan. Ele rodava o mundo gastando sua fortuna com mulheres e bebidas.
Sempre o achei imprudente e irresponsável, mas no momento o invejava.
Pietro, diferente de todas as pessoas que conheci na vida, não se
importava com nada e nem ninguém. Só em curtir a vida. Perdeu os pais e os
irmãos na infância, e ficou com o título e a fortuna. Não tendo nenhum parente
próximo, foi criado pelos próprios criados da mansão onde vivia, sem
parâmetros, sem respeito e nem educação pelo próximo.
Tratava a todos como iguais, não importando se estava diante do rei ou
de um criado; muitas vezes tratava os seus criados melhor que o rei. Foi o que
mais me fascinou quando o conheci, porque o que sempre odiei na hipocrisia da
sociedade eram suas convenções, regras e as classes sociais que tinham
condenado minha irmã — e às quais eu era preso por covardia e por vingança.
Pietro Vandik, não; ele não se importava, acabava com tudo o que tinha:
arruinara toda sua fortuna; não cuidava de suas propriedades, que estavam em
ruínas; os criados vivendo por conta própria; e, no momento, ele só retornava a
Londres para enfim encontrar uma esposa, porque necessitava de um dote
glorioso para pagar as dívidas e continuar na boa vida de que dispunha.
Os convites para os eventos sociais e as negociações de casamentos só
viriam porque ninguém sabia de sua real situação — exceto nós dois e seus
credores. Do que as pessoas tinham conhecimento, era de que Vandik sempre
fora um conde e herdeiro de uma fortuna. Eu só tinha pena da sua noiva. Ela
enfrentaria um casamento desgraçado, muito pior que Helena. Pietro era o tipo
de homem que levaria duas ou três mulheres para dividir a cama com sua mulher
na lua de mel.
A lembrança de Helena me trouxe à tona outros pensamentos. Eu estava
ali nessa noite, como nas duas anteriores, para me encontrar com belas
prostitutas e resolver os infortúnios que rondavam minha mente. Precisava me
aliviar e então voltar para casa. Temia por deixar Helena e minha mãe sozinhas.
Não havia sido uma boa ideia, ainda mais após constatar como a minha mulher
poderia ser ardilosa e minha mãe venenosa.
Entretanto, as coisas não estavam indo como planejado e nenhuma me
encantava como antes. As risadas forçadas, os batons vermelhos, os decotes
provocantes, os perfumes adocicados, tudo me enojava. Tudo indicava que eu
estava entediado, em vez de fervilhar de desejo.
Apaguei o charuto, irritado. Pietro me olhou e pareceu perceber.
Abandonou as mulheres e caminhou até mim.
— Que houve, caro amigo? Desejando minhas mulheres? Se quiser,
podemos dividi-las. Sabe muito bem que não tenho problemas em compartilhar...
— disse, levantando uma única sobrancelha, o que as mulheres sempre diziam
ser seu charme, enquanto eu achava que o deixava com cara de bobo.
— Nunca compartilho, Vandik. Deixe disso, meu amigo. Vamos jogar
cartas. Preciso de distração.
— Cartas, George? Ficou louco? Só se for para ver qual peça de roupa
aquelas elegantes damas vão tirar primeiro.
Ele fez sinal para que uma delas sentasse no seu colo.
Não me passou despercebido que ele as chamava de damas. Sempre
tratando todas por igual, quando toda a Inglaterra, para se referir a elas, usaria de
calão que nem ousaria dizer em frente a uma dama de verdade.
— Você tem alguma mulher na mente, Misternham... Ou já estaria em
algum dos quartos lá em cima, se deleitando com aquela morena que lhe serviu
bebidas há pouco.
Lembrei do beijo que roubara antes de sair. Foi um erro. O seu sabor
ficara marcado na minha memória e nem as últimas bebidas fortes eram capazes
de apagar.
— Estou preocupado por não ter notícias de Susan! — menti.
Realmente, eu tinha visitado o detetive naquela tarde, mas não era nela
que estava pensando no momento.
— O que Roamã disse?
Pierro sempre soube da minha caçada, afinal, foi graças a ela que nos
conhecemos.
— Sim. — Passei a mão pelos cabelos. Aquilo tinha me cansado nos
últimos anos. Era como se eu tivesse envelhecido dez anos em um. — Ele
encontrou uma pista em Nova Iorque, para onde estará seguindo na próxima
semana. Só que você sabe como ninguém como isso tem sido infundado e como
as esperanças acabam comigo. Toda vez que ele parte, eu me encho delas e,
quando ele volta, é como se tudo se esvaziasse e não sobrasse nada dentro de
mim a não ser angústia.
Pietro, vendo meu sofrimento, dispensou a loira que beijava seu pescoço.
Deu um tapa nada sutil nas suas nádegas e pediu que ela e outras duas o
aguardassem nuas no quarto, estendendo uma chave.
Servi vinho para nós dois, estendendo o copo para ele.
— Não acha que se sua irmã estiver viva, ela já seguiu a vida dela e quer
que você faça o mesmo?
Balancei a cabeça. Nunca aquilo entraria na minha cabeça.
— Em que condições? Como uma mulher sobrevive sozinha nessa
sociedade? Em um bordel como este ou pedindo esmolas? Acorde, Vandik, não
estamos falando de homens com dinheiro e poder, e sim de uma mulher
carregando um filho na barriga e sem dinheiro.
— Você está correndo nessa busca e em uma vingança que vai te enterrar
vivo. Seu pai está morto, George — disse com cuidado. — Não se impõe
vingança a mortos. Você está apontando uma arma para sua própria cabeça.
— Minha mãe ainda vive. Ela vai pagar por ele.
— E acha justo com sua mulher? — Pietro perguntou.
— Desde quando a vida foi justa? Foi com Susan? Foi com você, te
tirando tudo quando era uma criança?
Seu olhar se escureceu no mesmo minuto. Vandik nunca falava da morte
da família, e esse era um assunto intocável. Arrependi-me no mesmo minuto por
ter sido tão indelicado.
Ele se levantou, entornando o vinho todo de uma vez.
— Vejo você no baile. Quero ter o prazer de conhecer a Duquesa.
Ele estava irritado e aquilo era uma ameaça. Não a aceitei. Sabia que
passaria. Pietro nunca faria mal a mim. Mesmo do seu jeito torto, era um bom
amigo.
Acabei de tomar minha bebida. Olhei para as mulheres que estavam no
bar e outras espalhadas no salão de jogos. Da mesma forma, nenhuma me
chamava a atenção. A noite tinha terminado. Pela manhã, retornaria ao castelo,
para minha mulher. Com toda certeza, se a tivesse por mais algumas noites, o
frisson passaria. Aquilo tudo era o desejo por ela ser minha duquesa. Era
novidade estar casado e, juntando ao proibido, por ela ser minha forma de
vingança e eu estar me privando daquilo, me atraía ainda mais.
Nada que algumas noites com Helena em minha cama não resolvessem.
Na verdade, na minha cama, no divã, no tapete persa, na mesa do meu
escritório... Oh, céus, os lugares que imaginei nos últimos dias eram infinitos!
Eu estava encrencado.
Capítulo 13

“Eu o amaria, dia após dia, e ele se encantaria por minha pureza, como todo
bom marido, e no escuro somente a luz da lua seria testemunha do nosso
pecado.”
(Diário de Helena, Londres, 1801.)
HELENA
Meu coração estava acelerado. Juntei algum dinheiro que George deixara
para as despesas da modista e que não tinha gastado tudo e solicitei a carruagem,
para ir até ela. Não poderia levantar suspeitas.
Dali, iria a pé até o bordel que conhecia. Nunca tinha estado lá, e damas
teoricamente não deveriam saber onde ficava um. No entanto, esses se
proliferavam pelas ruas de Londres e ficava impossível esconder sua existência.
Quando o cocheiro me deixou em frente à modista, disfarcei e consegui
passar pela porta sem ser vista por ele, mais preocupado em reparar em dois
moleques que discutiam por uma bola.
Precisei andar várias ruas até encontrar o bordel que procurava. O local
era um cadáver velho, em uma rua suja, mas segundo as línguas fofoqueiras dos
bailes, por dentro era um dos mais luxuosos e comandado por Lady Nataly, uma
jovem prostituta que levava os homens à loucura e os fazia deixar fortunas em
sua cama. Ela era uma lenda. Era com ela que pretendia me encontrar.
Bati à porta, olhando com medo para trás. Era perigoso damas andarem
sozinhas pelas ruas de Londres; bandidos e estupradores estavam por toda parte.
Uma pequena fresta foi aberta e um parte de olhos negros me olhou com
curiosidade.
— O que deseja, senhora?
— Falar com Lady Nataly — respondi.
Ela tentou fechar a porta, com medo. Coloquei o meu pé para impedir.
— Diga que venho pedir um favor e trago muito dinheiro em retribuição.
Ela assentiu e saiu. Esperei por mais alguns minutos até ela voltar.
— Pode entrar. Ela vai recebê-la.
Quando as portas foram abertas, não pude deixar de ficar surpresa.
Apesar da extravagância, o lugar era lindo. Todo revestido de veludo vermelho e
preto, o grande salão não combinava com o casebre velho por fora. As mesas de
mogno escuro, todas entalhadas, denunciavam que o público à noite era
numeroso. O bar estava fechado, mas havia um arsenal incontável de bebidas; e
a um canto montado, um pequeno palco era adornado por um lustre que
lembrava os dos famosos teatros de Londres.
— Por aqui... — ela me chamou, tirando minha atenção do salão.
Subimos por uma escada para o andar de cima e fui levada a um
camarim, onde Nataly me esperava sentada em uma elegante poltrona vermelha.
— Deixe-nos a sós, Meri — pediu para a jovem que me acompanhou. —
E feche a porta.
Nunca tinha visto uma mulher mais bela. Seus longos cabelos ruivos
ondulados combinavam perfeitamente com os grandes olhos verdes que me
encaravam com curiosidade. As sardas estavam maquiadas, mas ainda eram
visíveis. Mesmo nesse horário da manhã, ela usava batom vermelho, que
contrastava com sua pele clara. O corpo voluptuoso era marcado pelo vestido
indecente, que deixava seus seios saltando do decote.
— Ma chérie, seja bem-vinda — disse com sotaque francês. — O que
deseja?
Fez sinal para que me sentasse à sua frente.
— Preciso de instruções. E estou disposta a pagar por isso.
Ela sorriu.
— Não durmo com mulheres, merci! — Estendeu a mão.
Corei com sua insinuação.
— Não entendeu, Nataly. Só quero que me ensine a arte do amor com
suas palavras, nada mais que isso — expliquei.
— Pardon, não posso abrir exceção. Dinheiro não é problema. Depois,
outras mulheres saberão e virão bater nessa porta. Este não é meu trabalho.
— Disseram que você ajudava muitas a salvar seus casamentos...
— Boatos, mon petit, boatos. Por isso não devo aceitar. — Ela colocou
suas mãos carinhosamente sobre as minhas. — Se acerte com seu marido. Amor
sempre é melhor que sexo, acredite em mim.
Balancei a cabeça. Não poderia desistir, não estando ali.
— Não é sobre amor, Nataly. Sou uma duquesa. Posso te oferecer muito
mais que dinheiro. Te ofereço proteção e fico te devendo um favor que pode me
cobrar quando quiser, da forma que desejar.
Ela me olhou, parecendo tentada dessa vez. Aquela mulher tinha todo o
dinheiro de Londres que precisasse. Os homens deixariam o que ela pedisse.
Pensei com tristeza que até meu marido poderia ter passado ali nos últimos dias.
— Me diz só uma coisa. Se não é sobre amor, sobre o que é? —
perguntou, me olhando nos olhos com preocupação.
Tinha um sorriso meigo por trás daquele batom vermelho. Não era uma
prostituta que falava comigo. Era uma mulher preocupada com uma amiga que
ela nem conhecia. Senti pena, imaginando o que a levava àquela vida, como
tantas outras na Inglaterra. Com o aumento da desigualdade social e do
desemprego, aquilo se alastrava como uma praga.
— Vingança — disse olhando nos seus olhos. — Não posso mais ser
humilhada! — completei.
Ela assentiu.
— Prometo que nunca ninguém saberá que estive aqui e, quando
precisar, não importa o que for, me procure. Farei o que for preciso para te
ajudar.
— Combinado. Me diz seu nome.
— Claro. Sou Helena, Duquesa de Misternham.
— Ah, você é a famosa duquesa escondida por George.
A forma como ela disse o nome do meu marido com intimidade me
incomodou. Só não deixei transparecer. Talvez ela até conhecesse seus gostos na
cama e isso me ajudasse.
— Helena, le sexe para os homens é diferente do que é para nós,
mulheres. E vou te explicar todos os detalhes. A primeira coisa que precisa
compreender, ma chérie, é que na cama não tem espaço para vergonha, pudor e
muito menos amor. Não para os homens. Se quer satisfazer seu marido, esqueça
seus sonhos, os poemas e tudo que imaginou e se entregue ao corpo e ao que
sente nele.
Assenti, absorvendo cada palavra do que ela dizia.
— Nunca perca o contato visual. Seduza seu marido com os olhos e, por
fim, com a boca. Use-a em todos os lugares que puder imaginar. Isso inclui todas
as partes do corpo de um homem.
Senti meu rosto combinar perfeitamente com o restante da decoração
daquele lugar. A declaração dela me fez corar terrivelmente. Como isso era
possível? Eu não estava preparada para o que buscava. Tinha sido um engano,
um terrível e grande engano!
Tentei levantar.
Nataly me segurou pelo braço.
— Fique onde está e não se assuste. Nada do que estou te dizendo é ruim
ou vai te ferir. Você só não está acostumada. Helena, sente atração por seu
marido? Quando ele te toca, faz você sentir coisas?
Lembrei-me da primeira noite em que estivemos juntos, de como perdi o
controle, do abismo em que caí sem ao menos saber para onde ia. Pensei em
como desejava retornar para lá, como nunca desejei outra coisa em toda minha
vida, e me odiava por isso. Ansiava por seu toque, por seus beijos, por qualquer
migalha sua e me enganava muitas vezes pensando que era só vingança. Como
era tola! Ia muito além de vingança.
— O seu silêncio já diz tudo, pobre mon couer. Está nas mãos dele na
cama. Não deve. O poder tem que estar nas suas mãos. Você o detém. Tem que
ser a senhora dele e nunca o contrário. Compreende?
— Não acho que consiga ser como você — refleti mais para mim mesma
—, cometi um engano vindo aqui.
— Não. Agora é uma questão de honra te ensinar. Homens são fortes,
vestidos diante da sociedade, mas perdem todo o poder diante de uma mulher
nua. Isso só depende de você, Helena. Olhe pra mim, você o deseja, lembre-se
de usar isso a seu favor. Aproveite para se deleitar desse momento, mas
mantenha o foco na sua vingança. Onde está seu marido agora?
— Com alguma outra mulher.
— Pobre cherri — ela estendeu a mão e acariciou meu rosto —, lembre-
se disso quando o vir e use suas armas. Vou ensinar todas elas a você. Vamos
começar até pela forma como você se alimenta perto dele, no jantar, quando
estão a sós, até o momento em que tira a roupa para ele. Tudo, tudo é uma
questão de estratégia.
E assim, Nataly começou a descrever detalhadamente coisas que eu
nunca imaginei nem em sonhos. Cada palavra era memorizada, cada gesto
imitado, cada atitude minimamente calculada.
Ao entardecer, me despedi de Nataly, considerando aquela mulher que
vivia à margem da sociedade e que talvez nunca mais encontrasse, uma amiga.
De longe avistei a carruagem que me trouxe e, disfarçadamente, fingi que saía da
modista. O cocheiro de nada desconfiou.
O caminho de volta foi cheio de reflexões e, quando coloquei meus pés
no castelo, senti que estava mudada. Tinha saído dali como dama e retornava
como cortesã — ao menos de alma.
CAPÍTULO 14

“Nada pode ser maior infortúnio para um homem que se encantar por uma
mulher. Não digo por sua beleza. Isso o fazemos sempre. O erro reside em
nos apaixonarmos por sua audácia.”
(Anotações de George, Londres, 1801.)
GEORGE
Cheguei em casa tarde da noite. Era proposital. Não estava disposto a
encontrar minha mãe, muito menos Helena.
Exausto, fui direto para o meu quarto. Não pude deixar de notar a
claridade que vinha por baixo da porta do quarto dela. Ainda estava acordada a
esse horário? Por qual motivo?
Senti uma vontade descontrolada de entrar lá sem pedir licença, como me
era direito, e arrancar sua roupa antes que ela se desse conta, e tomá-la ali, de pé,
encostada à parede do quarto, porque não daria tempo de arrastá-la para a cama.
Senti-me um selvagem. O que estava acontecendo comigo?
Fui para o meu quarto e fiz questão de trancar a porta de comunicação.
Ou cometeria uma loucura e não era uma boa hora. Me despi e entrei na banheira
que já estava à minha espera. Aquilo me acalmaria.
Quando deitei na cama, sabia que teria uma longa noite pela frente.
Pela manhã me tranquei no escritório, sem comunicar minha chegada. O
baile seria à noite, então todos já previam o meu regresso. Coloquei todas as
finanças atrasadas em dia, e ao me inteirar dos assuntos da propriedade, descobri
que Helena deixara tudo nas mãos da minha mãe, que gastara mais dinheiro do
que necessário, expulsara dois criados e castigara outros três. Aquilo me irritou
tanto que decidi adiantar minha conversa com minha mulher. Ao que parecia, se
eu dissesse para ela comer, ela faria jejum por um ano. Seu prazer era me
desagradar.
Procurei-a por toda a mansão. Ela não estava em canto nenhum. Seu
novo hobby também deveria ser se esconder de mim. Fui procurá-la nos jardins
e, de longe, pude vê-la olhando para o grande lago florido que, particularmente
nessa época do ano, era encantador pelas ervas daninhas que enfeitavam toda sua
volta. Ela estava maravilhosa em um vestido simples de cambraia na cor rosa-
claro, que deixava sua pele pálida e contrastava com o verde da vegetação. Seus
cabelos estavam soltos, balançando ao vento. Qualquer outra dama estaria
usando-os presos, manteria um xale nos ombros e as luvas nos braços. Não
Helena. Os braços estavam cruzados, provavelmente porque tinha frio.
Ela parecia pensativa, e eu daria metade da minha fortuna para saber
quais eram seus pensamentos.
Caminhei devagar para não a assustar.
— Vejo que cuidou com primor de tudo que deixei nas suas mãos.
Acredito que esteja aqui para analisar o tamanho das minhas terras, para estimar
o quanto valem e depois vendê-las para o primeiro comprador que aparecer,
minha senhora! — ironizei.
Ela se virou, surpresa com a minha chegada. Não sorriu ao me ver.
Afinal, não éramos um casal apaixonado. Eu não teria um abraço caloroso da
minha mulher depois de teoricamente ter ficado dias em Londres atrás de
amantes.
A propriedade ficava a poucos minutos da cidade. E já desejava arrastá-la
para lá, só de me deparar com seu olhar que me encantava.
— Na verdade, estava caçando o melhor lugar para fazer uma cova...
Estou em dúvida ainda. Quer dar alguma sugestão? – brincou, com um sorriso
maligno nos lábios.
Não aguentei. Por mais que tentasse me manter sério, gargalhei.
— E essa cova seria para quem?
— Estava calculando exatamente isso. Precisa ser grande, já que é para
duas pessoas — disse, fazendo menção de que incluía a mim e à minha mãe.
Eu adorava seu humor sarcástico. Mulheres costumavam ser tão sem
graça fora da cama. Helena era excepcional. Desviei os pensamentos, me
focando no que viera fazer ali.
— Não achou que deveria ter se concentrado em cumprir minhas ordens,
na minha ausência?
— Não, eu não achei! — respondeu sem pestanejar.
Precisei de alguns instantes para absorver a resposta. Era petulante
demais para uma pessoa só.
— Creio que me enganei na escolha de esposa; talvez os ares de Paris
façam bem para sua pele... — ameacei. Palavras vagas e sutis não estavam
resolvendo. — Tenho lindas casas de campo por lá. Acredito que posso adiantar
sua partida.
Sua expressão não mudou para assustada; ao contrário, ela abriu um
sorriso maior do que poderia caber naquele rosto delicado.
— Tenho minhas próprias convicções de que, no momento, sou mais útil
para vossa graça em Londres. Enquanto isso, creio que precisa se concentrar em
entender que não se casou com um cavalo ou uma égua, como imagina todos os
dias, e que não vou cumprir suas ordens, como um dos seus criados. Sei que
você é filho único, um garoto mimado que sempre teve tudo e não conheceu
limites, como sua mãe mencionou. Contudo, sou um ser humano e mereço o
mínimo do seu respeito.
Seus olhos faiscavam de ódio, apesar do seu sorriso.
A menção às lembranças das palavras da minha mãe a fez cometer um
erro terrível. Segurei seus braços, querendo calar a sua boca.
— Não se atreva a questionar minha autoridade. Entendeu? Como ousa
falar comigo assim? — gritei.
Imprimi força excessiva ao segurá-la, e ela se assustou. Violência parecia
ser algo que ela conhecia bem. Arrependi-me no mesmo instante, diminuindo a
pressão.
Tinha vontade de fazê-la engolir tudo que dizia. Como estava enganada!
Não conhecia Susan, não sabia do meu passado, de como tinha sido privado de
tudo que mais amei na vida. Ela, sim, fora mimada e ficava ali, fazendo juízo de
forma errada.
Não sabia como lidar com aquela mulher. Qualquer outro homem a
levaria para o quarto e lhe daria uma bela surra. Eu era incapaz de tal atitude.
Não estava em minha índole encostar um dedo em uma mulher. Mas minha
paciência estava por um fio. E não tinha nada que ela gostasse, não tinha
vínculos. Como castigar Helena? Como, Deus?
Ela nunca chorava, nunca se abatia, não conhecia suas fraquezas, não
tinha amigas a quem se apegar, a família ficara para trás. Nada. Era dura feito
uma pedra. Não temia nada, minhas ordens, minha mãe...nada.
De repente, me peguei temendo aquela mulher. Dentre minhas armas,
nenhuma tinha poder sobre ela. Era soberana e ainda controlava meus desejos
como nenhuma outra.
E precisava dela, ali em Londres, por algum tempo.
— Vá para o seu quarto. Está proibida de sair de lá, a não ser para o
baile. Todas as refeições serão servidas ali; não vai pisar nos jardins, nem ao
menos nas escadas. Entendeu?
— Estou de castigo? — perguntou, dando um sorriso debochado.
— Não. Estará ao meu dispor! — respondi com satisfação.
— Como quiser, milorde — disse em uma reverência.
O problema é que era uma falsa reverência. Nem sequer um fio de cabelo
seu se rendia aos meus pés.
Irritado, fiquei olhando-a se afastar. Mais tarde, fui para o meu quarto,
verificando se ela estava no dela. Ao menos, desta vez, ela tinha me obedecido.
Comecei a me arrumar para o baile. Não poderíamos sair tarde, já que
nos últimos tempos o aumento excessivo de cavalos prejudicava o trânsito
próximo a grandes eventos.
Estava ansioso. Isso era estranho. Odiava aqueles eventos. Talvez porque
fosse apresentar Helena e envergonhar minha mãe na mesma noite. Deveria ser
isso. De pé, na sala, olhando para as escadas enquanto a aguardava descer, me
dei conta de que era muito mais que isso. Estava ansioso por vê-la vestida de
gala, como na noite em que a vi pela primeira vez e estava imaginando como
seria tê-la em meus braços para uma valsa. E finalmente despi-la no final da
noite. Esses eram os planos.
Escutei passos e olhei para cima. Nada me preparou para o que vi.
Primeiro, os seus cabelos, divinamente encaracolados e presos em um
coque que os deixavam rebeldes e soltos; o seu vestido que era indecente e
deixava quem quer que a visse, imaginando praticamente tudo que estava por vir.
Seus seios pareciam saltar pelo decote e o espartilho estava tão apertado que eu
duvidava que ela respirasse. E, por fim, ela vestia nada menos do que preto!
Seu rosto se iluminou pelo meu espanto, e o sorriso foi inevitável.
— Não sabia que estava de luto... Será que me passou algum detalhe?
Cheguei a me preocupar. Alguma tia distante? Perdeu alguém que não sei?
— Não perdi ninguém — respondeu sorrindo ainda mais, o que a deixava
com os olhos brilhantes, e que Deus me ajudasse, como ficava linda. — Eu me
casei.
Senti vontade de colocá-la em meus ombros e a arrastar para a cama, tirar
seu vestido e, depois de me aproveitar do seu corpo, fazê-la se vestir como lhe
era devido. Mas ela estava perfeita para os meus planos.
Abri um sorriso cúmplice.
— Está de luto pelo casamento? – indaguei. — E me permite saber o que
perdeu para ficar de luto?
— Não creio que vá querer saber. Perderíamos o baile! — respondeu,
descendo as escadas lentamente, seus olhos fixos nos meus até chegar próxima
ao meu corpo.
— Não creio que esteja disposto a perder esta noite com assuntos fúteis
de sua esposa! — sussurrou perto do meu ouvido.
Senti que nunca mais poderia me mover. As suas palavras tinham
enviado estímulos a todas as partes do meu corpo. Onde ela tinha aprendido
isso? Helena não era essa mulher sedutora que estava na minha frente. Nunca!
Tinham sequestrado a minha inocente Helena e trouxeram outra que acabaria
comigo!
CAPÍTULO 15

“Que amar seja sempre meu mal e nunca odiar.”


(Diário de Helena, Londres, 1800.)
HELENA
Minha mente se tornou um manual de instruções. “Olhar fixo, manter o
contato visual”, dizia lady Nataly, “é primordial. Sussurre palavras ao ouvido
dele, não importa que sejam coisas para o irritar, isso terá efeito” — me
garantiu. Nataly me ensinou que a sedução, os olhares, provocar o desejo do
outro eram muito mais poderosos que o que se praticava na cama.
Pude perceber como ele se retesou com minhas palavras. Havia
funcionado. O que Nataly não me avisou foi sobre o efeito contrário que aquilo
teria em mim. Manter o olhar fixo ao dele me embebedava. Seus olhos eram
como uma noite de lua cheia. Negros como nunca tinha visto e brilhavam no
centro, reluzindo. Eu não via necessidade de piscar e me esqueci completamente
de respirar.
Quando me aproximei do seu corpo, alguma coisa entrou em colapso no
meu e achei que desmaiaria.
George não parecia irritado com a minha roupa inadequada, mas
perturbado com a minha presença. A roupa era um artifício para seus planos
contra a mãe.
— Minha mãe já nos aguarda na carruagem! Devemos nos apressar.
Assenti. Ele estendeu os braços, para que eu entrelaçasse o meu.
Esperava pela reação da minha sogra, ansiosamente.
George me ajudou a subir e lá estava ela, me olhando com o espanto de
quem tinha avistado um lobo nos arredores da floresta.
— Mas... mas o que é isso? — perguntou, me apontando.
— Depende, minha mãe, do seu nível de demência — George a atacou.
— Esta aqui é minha duquesa, lady Helena. Esqueceu que já a apresentei?
— Não se faça de cínico, George. Que roupas são essas que a deixa
vestir; ela está de luto?
— Não, mamãe. Helena apenas tem gostos peculiares.
Sorri para ela, completando a resposta, no intuito de deixá-la irritada
antes do baile. À beira de um colapso nervoso, ela se conteve, pois sabia que
pela expressão de George, quanto mais se irritasse, maior o divertimento dele.
Não tinha muitas coisas em mente sobre o que fazer naquela noite. Sabia
por certo que ser apresentada como a Duquesa Misternham após um casamento
às pressas, chegando com aqueles trajes, já seria escandaloso o suficiente. O
resto eu improvisaria.
Quando nos aproximamos da mansão Hestisardi, onde seria o baile, me
permiti indagar se minha família estaria lá. Com toda certeza, sim, e me
perguntei por que não tinha pensado nisso anteriormente. Aquilo me causou um
certo desconforto. Eu não queria vê-los, mas acho que já estava na hora. Agora
eu estava em posição superior e, sim, começaria a humilhá-los publicamente.
A carruagem parou. George me ajudou a descer, sem se preocupar com a
mãe. Como um casal recém-casado e apaixonado, ele pegou no meu braço e
dirigiu um longo sorriso a mim. E assim nos dirigimos para a mansão.
Os olhares eram inevitáveis — muitos curiosos, vários invejosos, alguns
escandalizados, outros surpresos —; as reações eram adversas, e eu estava
adorando tudo: me vingar daquela sociedade que, dias antes, me ignorava nos
bailes, me tratava como um ser invisível, era esplêndido.
Meu vestido parecia ter o peso do poder e, por onde passávamos, as
pessoas se curvavam ao que representávamos.
O salão estava alegre e muito iluminado por castiçais por todos os lados.
Assim que George me acomodou em uma cadeira, foi buscar um cartão de dança
para mim. Sua mãe se afastou; pelo visto, não estava feliz com nossa entrada
triunfal.
Esperei paciente por meu marido, que retornou em breve me entregando
o pedaço de papel que já me encheu a mente de ideias.
— Me daria a honra de ser o meu par nas duas primeiras danças? —
perguntei a ele com sorriso travesso.
Seu olhar foi de espanto. Até para quem que já esperava por escândalos
de minha parte, talvez não imaginasse tamanha audácia. Não era segredo que
dançar com o marido era a maior falta de educação nos bailes londrinos, o que
sempre considerei infame, já que você deveria poder dançar com seu cônjuge.
Outro maior pecado era dançar duas vezes com o mesmo par na mesma noite. Eu
cometeria os dois pecados em um único dia.
— Será um prazer, minha lady! — ele respondeu em uma reverência.
— Vamos dar uma volta pelo salão. Quero apresentá-la a alguns
conhecidos — meu marido gentilmente pediu.
As coisas tinham mudado de tom nesse lugar. Não havia espaço para
brigas. Éramos para todos um casal em perfeita sintonia; ainda que dias antes ele
tivesse deitado em outras camas, Londres parecia não se importar com isso. As
mulheres deveriam ser tolas e perdoar todos os deslizes de seus maridos e
recebê-los de braços abertos, mesmo que cheirando a uísque e perfume barato.
Esse era o preço a se pagar por usar saias. Não para mim, pensei!
Mas por mais que odiasse estar nessa posição, alguma coisa dentro de
mim se orgulhava por estar de braços dados com esse homem que monopolizava
os olhares de todas as mulheres do salão. O seu fraque perfeito parecia ter sido
esculpido para ele; a gravata sempre desarrumada deixava-o com um ar de
perversão; a barba negra que se formava e juntava com os cabelos negros na
mesma proporção; os olhos intensos e deslumbrantes; tudo nele era um conjunto
perfeito que, como por magia, fazia com que as pessoas ficassem hipnotizadas
pela sua beleza. Isso me perturbava.
Enquanto caminhávamos, ele avistou um rosto amigo e parou, esperando
que aquele homem viesse ao nosso encontro. Não pude deixar de notar que ele
passou os braços na minha cintura, levando meu corpo ao seu encontro, como se
me protegesse. Percebi que algo naquele novo visitante o incomodava e guardei
a informação como uma arma.
O homem em questão era diferente de todos que já tinha visto em
Londres. Primeiro por sua forma de andar. Era relaxada, não tinha a compostura
de qualquer outro convidado a estar em um salão como esse. Depois, o seu olhar
era perverso, como se despisse qualquer dama. Ele vinha em nossa direção e
mantinha seus olhos fixos em meus peitos. Também sua vestimenta não estava
nos termos para um evento; sua camisa tinha alguns botões abertos e ele não
usava gravata, ou qualquer outra coisa que mantivesse seu colarinho fechado.
Aquele homem era o pecado em pessoa.
Ao se aproximou, fez uma reverência e beijou minha mão. Senti George
se retesar.
— Quero apresentá-la a um grande amigo, o sexto conde de Goestela,
Pietro Vandik. — Fiz uma pequena reverência, imaginando como um homem tão
polido como George poderia ter um amigo como aquele. — Nos conhecemos em
algumas viagens mundo afora e nos tornamos grandes amigos — meu marido
completou, como se lesse meus pensamentos.
Perguntei-me novamente: se eles eram grandes amigos, por que temia
tanto sua presença perto de mim? Era incoerente.
— É um prazer finalmente conhecer a Duquesa de Misternham. Estava
ansioso por este encontro! — disse com um sorriso no rosto que era uma mistura
de simpatia com algo mais que eu não soube decifrar. No entanto, ao que tudo
indicava, George captou, pois me puxou de novo para si. Céus, ele estava com
ciúmes e precisava me aproveitar disso, pensei.
Alguém chamou meu marido e ele, relutante, precisou me deixar por
alguns instantes aos cuidados de Pietro, que não perdeu a oportunidade para se
mostrar.
— Me concederia uma dança na sua caderneta? — Ele curvou uma das
sobrancelhas, esperando minha resposta, e pensei se aquela expressão poderia
deixá-lo mais bonito. Sim, poderia! Deixava-o pronto para arrastar qualquer
mulher para cama.
Considerei que o senhor Vandik era um homem extremante perigoso e
isso me fez responder prontamente:
— Adoraria.
Abri a caderneta e anotei seu nome em duas valsas. Eu queria ser o
escândalo da noite e aproveitar para irritar meu marido. Seria o golpe perfeito.
Fiz alguns rabiscos e inverti a ordem. Tinha deixado as primeiras valsas para
George, mas decidi deixá-lo para o fim. Queria-o em meus braços terrivelmente
irritado, para então sussurrar palavras ao seu ouvido que o deixassem à beira de
um colapso.
— Creio que você não seja um homem adepto às normas sociais... —
joguei as cartas na mesa, me arriscando.
— Prefiro estar morto antes disso — Pietro respondeu intrigado.
— Então reservei as duas primeiras valsas para desfrutarmos juntos —
disse perigosamente. O jogo a que me propunha não era para meios termos. Ou
me arriscava ou me escondia em casa. E não estava aberta à segunda sugestão.
— Te encontro depois do jantar.
O sorriso que ele abriu foi impagável. Ele era amigo de George, mas por
algum motivo queria irritar meu marido. E estava pronto para isso.
George voltou e fechei a caderneta rapidamente para que ele não a visse.
— Nos vemos em breve! — Vandik se despediu.
— Quero apresentá-la a alguns conhecidos. — George pegou em meus
braços e saímos pelo salão. De longe, pude ver quando meus pais adentraram,
acompanhados de minha irmã Elisa, que, como sempre perfeita, vestia uma
perfeita musseline rosa-claro, que a deixava parecendo um anjo. Eles não me
viram de onde estavam e agradeci por isso. Deixaria a infelicidade para o jantar.
Andamos por todo o salão, conversei com várias pessoas que até então
não sabiam da minha insignificante existência, muitos me questionaram sobre o
luto, e garanti que era apenas meu gosto por roupas escuras.
Enquanto George se mantinha em uma conversa chata com um outro
duque, reparei na lady que estava sentada e parecia entediada, em um canto do
salão. Ela usava um vestido verde-claro que a deixava apagada, e parecia infeliz.
Me lembrei de quantas vezes estive nessa posição e isso me deixou nostálgica.
Por algum motivo, precisava me sentar ao lado dela e mostrar que sabia
do seu sofrimento, e mesmo não sendo o foco dessa noite, me desvencilhei de
George, que pareceu não notar, e fui ao encontro da jovem.
Sentei-me ao seu lado.
— Olá! — cumprimentei, tentando puxar assunto.
Ela me olhou deslumbrada. Seus olhos piscavam em excesso, e sorri. Era
graciosa demais.
— Que honra me dá conhecê-la, duquesa de Misternham! — Ajeitou-se
na cadeira.
— Por favor, me chame de Helena. Quem é você?
— Ah, claro, como sou tola — estendeu a mão. — Lady Charlote, filha
do duque de Hasterman, aquele que está conversando com seu marido.
Sorri, adorando sua simpatia. Ela não era a garota mais linda de Londres,
mas tinha belos cabelos cacheados loiros que a deixavam parecendo uma
boneca, e olhos azuis que eram, no mínimo, peculiares. Perguntei-me o que a
deixava infeliz, então, e abandonada nesse canto do salão.
— Creio que está esperando alguém? — perguntei, tentando entender. —
Digo, para preencher sua caderneta de dança.
Era isso que fazia durante todos os bailes tediosos das minhas
temporadas.
— Oh, não — respondeu prontamente, parecendo embaraçada —, a
minha está completa. Até tenho um noivo e meu casamento já está marcado.
Tenho tudo o que uma mulher pode desejar— sorriu com desgosto. — Ali está
ele — apontou para um homem que se aproximava da roda em que estavam
George e seu pai. — É um marquês, muito importante e com muitas
propriedades.
Olhei para um senhor de uns cinquenta anos, barrigudo e careca, e
entendi o que deixava Charlote em extremo estado de melancolia.
— Ele é um primo distante e estamos prometidos desde o dia em que
nasci. Ele é adorável.
Ela tentava se convencer disso, que parecia não entrar na sua cabeça.
Coloquei minha mão no seu ombro, com pena da jovem que, como tantas
outras como eu mesma, teria seus sonhos destruídos por um casamento
arranjado.
— E por que me parece infeliz? — perguntei.
— Não é o casamento, sabe — Charlote resmungou —, sempre tive um
espírito aventureiro. Imaginei que poderia realizar grandes feitos antes de me
casar. Mas parece que vou ser só a filha do duque de Hasterman e, quanto mais
perto a data do casamento, mais percebo que ninguém vai se lembrar dos meus
feitos em Londres, entende? Não quero ser lembrada só como a filha do duque, a
mulher do marquês. Quero ser alguém mais.
Sorri pela sua ingenuidade. Ela queria algo que nem sabia o que buscava.
Achava que uma aventura substituiria o que na verdade só seria completo com
um amor.
Eu não poderia mudar isso, mas poderia dar uma grande aventura à
Charlote. Sim, em alguns dos meus escândalos poderia colocá-la por trás, como
coadjuvante, e se isso a fizesse se sentir importante, me faria feliz também.
Sorri para aquela garota. Precisava de amigas. Sentia-me muito solitária
nos últimas dias.
George nos olhou e veio em nossa direção. Sussurrei algumas palavras ao
ouvido dela antes que ele se aproximasse.
— Vamos jantar, minha lady! — anunciou.
— Adoraria.
Tinha grandes planos para o jantar, junto com Charlote. E tinha o baile, a
noite em casa, tinha tantas coisas, que ele nem imaginava!
CAPÍTULO 16

“A vingança seria doce, como um bom vinho envelhecido e esperando para


ser tomado. E esse cálice seria solitário. Nunca compartilharia nenhum tipo
de sentimento, seja ele amor ou ódio.”
(Anotações de George, Londres, 1801.)
GEORGE
Eu já odiava tudo o que aquilo representava. O baile, a ansiedade, a
hipocrisia, as falsidades e tudo que continha o pacote de se fazer parte da elite
londrina. E, não obstante, tinha Pietro, que ainda irritado pelas minhas palavras
no clube, estava provocando minha mulher. Eu vi os seus olhares. Eram de caça.
Conhecia-os de longe. E por mais que não desejasse entrar no seu jogo, minha
vontade era convidá-lo para um duelo. Por Deus, eu estava enlouquecendo por
Helena. Ela estava acabando com minha sanidade.
De mulher recatada, de dama excluída da sociedade, hoje ela catalisava
todos os olhares invejosos. Os homens pareciam devorar seu decote. As
mulheres queriam ter sua audácia. E eu desejava trancá-la em casa.
Avistei-a conversando com a filha do Duque de Hasterman, e de tudo o
que ela fazia, aquilo me soou como a única coisa coerente. Eu tinha laços
importantes com aquele homem, e uma amizade entre as duas me pareceu ser
ideal.
Aproximei-me e a chamei para o jantar que já seria servido. Pedi que a
lady, sua nova amiga, nos acompanhasse. Helena nos apresentou. Peguei nos
braços das duas e fomos até à elegante sala de jantar. Minha cadeira estava
disposta ao lado de Helena.
— Será que vossa graça faria a gentileza de deixar o lugar para Charlote?
Desejo sentar perto dela esta noite! — Helena me pediu.
Considerei o pedido por um instante, ciente do insulto que era mudar os
lugares na mesa, quando a anfitriã os distribuía com cuidado. Abri um sorriso.
— Como quiser, minha lady.
Helena estava querendo fazer de tudo para ser o escândalo a que se
propunha e já podia escutar nas rodas alguns burburinhos a seu respeito.
— Charlote, aceita? — Helena perguntou.
Então, me dei conta de aquela moça era uma dama e que provavelmente
seria castigada pelo pai se fizesse tal coisa.
— Mas é claro que sim! — respondeu com um sorriso que me lembrava
o de Helena quando estava tramando algo.
Ao que parecia, Helena tinha encontrado uma amiga em Londres.
Considerei aquilo como algo ao meu favor. Precisava de coisas para punir minha
mulher. Usaria isso no futuro.
As pessoas começaram a chegar e se sentar. Minha mãe, de longe,
percebeu o que fazíamos e seu olhar me fuzilou por vários instantes.
Talvez por um destino fúnebre demais nessa noite, o local em que
Charlote se sentaria, era ao lado do meu sogro. E nada me trouxe mais prazer.
Tinha contas a acertar com aquele homem repudiante.
— Que honra me dá sentar ao seu lado! — ele falou quando percebeu
minha presença.
— Creio que não posso dizer o mesmo — respondi.
Seu olhar se apagou. Nossa última conversa tinha sido em bons termos.
Porém, as coisas mudaram.
— Bem, já que vossa graça está aqui, poderíamos combinar de fumar
alguns charutos, uma tarde dessas, na sua casa. Falaríamos de negócios e poderia
visitar minha filha — comentou, achando que minha forma rude de tratá-lo era
pela sua ausência de visitas.
Deixei que um criado me servisse uma taça de bebida antes de responder.
Que homem imbecil!
— Creio que não seja bem-vindo em nossa residência — disse
apreciando o bom vinho. — Está proibido de visitar Helena ou pisar os pés em
minhas propriedades. Se tem uma coisa que repugno, Márquez, é a covardia de
um homem.
Ele me olhava assustado.
— Eu não sei bem que mentiras Helena contou a você, mas posso me
explicar...
— Creio que se você ficar quieto, terá meu respeito essa noite. Tem
certas coisas que não precisam de explicação.
Lembrei das marcas de sangue no vestido de Helena, dela desfalecendo
em meus braços, das cicatrizes que marcavam seu corpo, e odiei aquele homem,
com toda força.
Escutei uma risada alta demais para uma mesa de jantar, vindo de uma
dama, e soube que era de Helena, antes mesmo de olhar. Por mais que soubesse
que ela estava encenando para escandalizar toda Inglaterra, era tão contagiante
que não pude deixar de sorrir. Olhei para ela, do outro lado da mesa. Gesticulava
enquanto contava alguma coisa para meia dúzia de pessoas que pareciam
hipnotizadas por seu assunto. Seus olhos faiscavam de alegria e me perguntei
para onde ia tudo aquilo quando ela entrava em casa. Charlote tentava se conter
ao seu lado, mas não obtinha muito sucesso.
Observei que minha mulher exagerava no vinho, o que era totalmente
impróprio. Tudo era impróprio a ela nessa noite. Então olhei para minha mãe,
que mantinha a cabeça baixa, os punhos cerrados nos talheres, e estava vermelha
como o vinho que enchia seu cálice.
O triunfo que senti me deixou em estado de profunda euforia. Estava
começando a vingar Susan, e isso era inestimável. Tive vontade de me levantar e
abraçar Helena por me proporcionar tal feito.
As refeições começaram a ser servidas, me tirando o foco. O primeiro
serviço trouxe uma sopa à lá reine, que estava terrivelmente forte, e fiz um
esforço absurdo para terminar e não ser indelicado com a anfitriã.
Olhei de relance para Helena que, comendo, parecia comportada. Ao que
tudo indicava, ela não tinha planos para estragar o jantar. Na sequência foram
servidos peitos de vitela, pernil de carneiro e pato selvagem. Os pratos principais
estavam agradáveis. Os acompanhamentos também.
Tudo estava perfeitamente calmo, como deveria ser para um jantar na
corte londrina. Até eu ouvir murmúrios e algumas expressões assustadas. Não
precisei olhar para saber que era ela. Sempre ela.
Respirei fundo e, mesmo desejando que ela tornasse tudo perfeito para
mim e odioso para minha mãe, temi pela anfitriã da noite. Quando por fim criei
coragem, lá estava Helena olhando com piedade para Charlote, com um pedido
de desculpas falso, enquanto a amiga tinha um pedaço de pato selvagem cravado
entre seu decote.
Gentilmente, Helena enfiou a mão no vestido e retirou o pedaço intruso,
voltando-o para o seu prato. Charlote pediu licença e se retirou para o lavabo.
Helena sorriu para todos os convidados e voltou à sua refeição.
Minha mãe não aguentou a cena e também se retirou da mesa. O silêncio
que se fez presente até o fim do jantar falou por todos. Ela tinha marcado
presença. Ninguém esqueceria da Duquesa de Misternham, com absoluta
certeza.
Levantei-me depois de servida a sobremesa, para buscar minha amada
esposa e enfim levá-la para dançar. Esse seria o próximo escândalo da noite.
Aproximei-me da sua cadeira e estendi a mão.
— Vamos?
Ela sorriu, mas não estendeu a sua de volta. Vi Pierro se aproximar.
— Desculpe-me, meu Lorde, mas já prometi a primeira dança ao seu
amigo Vandik. Achei que seria importante tratar bem seus amigos! — declarou,
virando-se para Pietro e pegando na sua mão, que já estava à sua espera.
Contive-me para não dar um soco na sua cara, que tinha um sorriso de
satisfação. Ele estava se vingando pelas minhas palavras irrefletidas no clube,
dias atrás. Tinham sido tolas, mas eram só palavras e não lhe davam o direito de
dançar com minha mulher. Não que dançar fosse algo incomum nos bailes, afinal
as mulheres estavam sujeitas a dançar com qualquer homem que não fosse o seu
marido. Essa era mais uma regra imposta por aquela sociedade ridícula. No
entanto, já havia presenciado Pietro dançando com outras, e ele se imaginava
sempre em um bordel e nunca em um baile da corte.
Senti que estava ficando vermelho de raiva e tentei me conter. Quanto
mais ele percebesse meu desconforto, maiores seriam suas provocações.
Conhecia Pietro o suficiente para saber que nada aplacava sua ira, só nunca a vi
dirigida a mim. E também conhecia Helena e sabia que ela me levaria para o
inferno se fosse preciso.
— Já dizia o antigo ditado: trate bem seus amigos e muito melhor seus
inimigos! — eu disse com voz convincente, em tom de brincadeira.
O sorriso dos dois, em retribuição, foi venenoso. Dei espaço para ela se
levantar com a ajuda dele e abri passagem.
Eu poderia arranjar qualquer outra dama do salão para valsar, provocar
ciúme em Helena ou até chamar Pietro para uma briga mais tarde, se me sentisse
ofendido. Tinha todas essas liberdades. Mas não o fiz. Afinal, ela era só uma
peça do meu jogo de xadrez para derrubar minha mãe e vingar Susan. Ela não
tinha poderes sobre mim e, se fizesse qualquer uma dessas coisas, estaria dando
um poder a ela que não estava disposto a ceder.
Então, deixei que Vandik a conduzisse até o salão de danças enquanto
meus olhos se fixaram à mão que passeava pelas costas da minha mulher, e o
imaginei pensando o que tinha por baixo do espartilho. Cerrei os punhos,
enquanto a boca adquiria um gosto amargo; eu mostraria à Helena na cama,
nessa noite, quem era seu dono, porque, sim, ela tinha um dono.
CAPÍTULO 17

“Ter meus sonhos destruídos por aquele que deveria ser o personagem
principal destes, deveria ser a minha destruição. Mas não. Usaria para
salvação, nem que fosse ao menos da minha dignidade.”
(Diário de Helena, Londres, 1801.)
HELENA
Aquele homem era perigoso, e precisei pisar nos seus pés algumas vezes
para que ele controlasse certas liberdades que impunha a mim.
— Por que está fazendo isso? — perguntei, irritada o suficiente quando a
segunda valsa começou.
— O quê? Dançando com você? Ora essa, achei que você gostasse da
minha companhia, já que sugeriu duas danças na sua caderneta e não controlou a
ansiedade, me colocando à frente do seu marido.
Corei. Ele era um excelente dançarino, isso não poderia negar, mas de
nada valia sua companhia irritante, a não ser provocar ciúme em George, que
com um copo de uísque nos observava atentamente.
— Estou dizendo que amigos não mantêm esse tipo de comportamento,
Lorde Vandik. Ou então, posso julgar que meu marido escolhe muito mal os que
mantém.
Ele deu uma risada antes de dizer:
— Acredito que George saiba escolher tão mal os amigos como escolheu
a mulher! — zombou de mim.
Talvez aquele cretino sem escrúpulos, como julguei nos poucos minutos
que estive ao seu lado, pudesse pensar que me afetaria. Se soubesse como estava
enganado.
Encarei aqueles olhos maliciosos, que faiscavam de divertimento e que
deveriam encantar metade da Inglaterra com seu ar pecaminoso, e sorri em
deboche, como ele fazia.
— A diferença é que amigos não o satisfazem na cama — coloquei uma
mão no seu ombro, me aproveitando da dança, e sussurrei ao seu ouvido, já
imaginando George nos observando —, e ele pode trocá-los em qualquer clube
barato de Londres. Enquanto eu sou muito valiosa em outros quesitos.
Senti minha pele ferver pelo comentário indecente, sussurrado ao ouvido
de um estranho. As palavras de Nataly eram para ser usadas somente com meu
marido, porém percebi que todos os homens eram meros fantoches perante uma
mulher, e achei que Pietro merecia ser castigado por sua falta de lealdade para
com meu marido nessa noite.
Não me afastei. Esperei por sua resposta, que demorou alguns instantes
para chegar. Ao que parecia, ele estava surpreso.
— Acho que está indo longe demais. Não tenho intenções de enfrentar
um duelo com George.
Joguei a cabeça para trás e gargalhei. Eu tinha apavorado o pobre
homem, que se mostrava tão perspicaz.
— Covarde, como se mostrou desde o início. Também não tenho
intenções de ir além dessa dança com você, que já está me enjoando. Você me
parece ser um péssimo amigo. Espero que apareça muito pouco em nossa
residência! — completei, deixando-o sozinho no meio da valsa.
Caminhei sendo o centro das atenções daquela sociedade que, no
momento, me desprezava por ser tão escandalosa. Se eles soubessem quão
grande era o meu desprezo por eles, não teriam coragem nem de olhar em meu
rosto. O meu andar soava triunfante a todos e fixei meus olhos em George, que
me encarava furioso.
Mantive meus passos lentos. Até chegar a ele, aquela valsa terminaria e
seria a sua vez. Tinha muito pela frente, mesmo eu desejando ardentemente que
essa noite terminasse em breve. Ela sugava tudo de bom que restava em mim.
Era o quadro dos meus sonhos fracassados e, por mais que representasse a minha
vingança, nunca traria minha felicidade.
Quando parei na frente do meu Lorde, fiz uma pequena reverência e
estendi a mão. Ele a pegou, apertando meus dedos de forma que gemi. Era nossa
vez de dançarmos.
George me conduziu até o centro, seus passos eram firmes e ele mantinha
minha mão entre as suas, apertando-as, sem aliviar. A orquestra tocou as
primeiras notas destoantes de uma valsa. Ele inclinou a cabeça para o lado e me
olhou de uma maneira como se quisesse me arremessar contra a parede. Tinha
ódio e tinha desejo.
Ele me tomou em seus braços e me fez rodopiar, colando meu corpo ao
seu, em um movimento brusco. Não tinha nada de delicado em seus movimentos
como a música pedia.
— Gosta de palavras sussurradas ao ouvido?— disse no meu.
Meu corpo todo se arrepiou, não sabia se pelas palavras, ou pelo contato
com o dele. Para mim, não tinha ninguém ali no salão, nesse momento. Era
como se o mundo tivesse se apagado e restado só nós dois.
— Depende de quem as sussurra... — provoquei-o.
Ele apenas sorriu, mordendo o lábio inferior. Senti vontade de fazer
aquilo em sua boca, porque sentia raiva dele, mas desejava aqueles lábios
também, e seria uma junção dos meus dois desejos.
— Você gosta de brincar com fogo, Helena. Isso pode ser perigoso, já
que eu posso mandar fazer uma fogueira com Londres — me ameaçou.
Se ele imaginou que isso por um instante surtiria efeito em mim, era um
tolo.
— Quando você estiver fazendo sua fogueira em Londres, estarei no
campo, onde pretende me mandar, meu lorde. Até lá, imagino que vá me manter
bem viva, para seus nefastos planos. Torrada, não creio que eu tenha proveito.
Agora... — Fiz uma pausa, debruçando meu queixo no seu ombro. Aquilo me
parecia tão indecente e, no entanto, tudo que pude sentir foi seu perfume. Fechei
os olhos diante da sensação que me trouxe. Sorte que ele não via meu rosto. —
Posso estar um pouco aquecida para esta noite, e isso sim, pode ser do seu
agrado.
Não esperei uma resposta. Aproveitando o ritmo da música, me afastei
em um rodopio. Ele me puxou de volta, mantendo suas mãos em minha cintura,
os olhos fixos aos meus.
— Sou capaz de imaginar inúmeros adjetivos para descrever você... —
afirmou ele — e esta noite só consigo pensar em vários palavrões que gostaria de
dizer se não estivéssemos em um ambiente tão inapropriado. Você é uma
maldita, Helena. Vai se arrepender por usar desse mísero poder que detém
enquanto preciso de você aqui. Em breve, será só um pedaço de carne
descartável e, juro, não terei benevolência com seu futuro.
Lancei-lhe um olhar desafiador.
— Não preciso de sua piedade e muito menos das suas ameaças. Creio
que você já tirou tudo de bom e roubou meus maiores bens. Então, George, vou
usar da minha curta vida ao seu lado para tornar bastante infernal a sua,
insignificante.
Ele balançou a cabeça.
A música parou e esperamos que outra recomeçasse. Ele soltou a minha
mão. Ficamos em silêncio até que a música recomeçou.
Ele me olhou com intensidade e, relutante, pegou minha cintura
novamente. Dessa vez, senti que ele não desejava a dança e, sim, me matar se
isso fosse possível.
Começamos a rodopiar pelo salão. Ao menos na dança eu não parecia um
desastre como em todos as outras áreas da minha vida.
Decidi tentar acalmar meu marido. Afinal, éramos um casal para todos os
efeitos, e eu precisava manter meus planos de engravidar e, a ao que tudo
indicava, a ira e o desprezo que ele parecia sentir nesse momento não me
ajudariam mais tarde, no quarto, onde os planos de vingança da noite
terminavam.
— Espero que sua mãe esteja suficientemente infeliz para que pense em
colocar algumas ervas venenosas no meu chá pela manhã — disse com voz
calma. Eu sabia que fazê-lo pensar na ira da mãe e em como contribuí para isso,
ajudaria a dissipar o furor dirigido a mim.
— Aconselho-a a não ingerir nada que não seja preparado sob sua
supervisão, a partir de agora — concordou comigo. — Nunca a vi tão furiosa.
Aquilo me fez pensar o que levaria um filho a ter tanto ódio da mãe. Eu
tinha meus motivos para querer me vingar e odiar os meus pais e gostaria de
compreender os dele.
George ficou mudo. Seu olhar vagou para longe. Sua mente não estava
mais nesse salão, estava viajando para o desconhecido.
— Já amou muito algo a ponto de sentir que aquilo era parte do seu ser,
da sua existência? — ele me perguntou, me pegando de surpresa.
Neguei com a cabeça. Engoli seco, querendo no fundo lhe dizer que ele
me tirava aquele direito. Seus olhos estavam sombrios e me encaravam. Só que
não era mais ódio que tinha ali dentro, era mágoa.
— Na vida, podemos amar várias pessoas, e elas se tornarem parte do
nosso ser. Quando você perde alguém assim, é como se nunca mais se
encontrasse. Você nunca mais vai ser o mesmo. Minha mãe foi responsável por
me destruir por dentro, me subtraindo quem mais me importava na vida.
Nesse instante, fui tomada pelos ciúmes e desejei por um minuto ser uma
dessas pessoas na sua vida. Então compreendi que nunca seria. George amava
outra mulher, essa que ele dizia que sua mãe tinha tirado dele, e eu não passava
de uma lembrança diária desse amor, porque era o seu objeto de vingança para
sua amada.
Senti-me usada, magoada e ferida. Eu desejava ser uma mulher amada e
nunca achei que meu pedido pudesse ser injusto ou incoerente. Minha vontade
era sair correndo dali e entrar em um cômodo vazio, onde pudesse expor minha
tristeza e gritar até não ter mais voz. Só que tudo que fiz foi lançar um sorriso de
compreensão; afinal, mais do que nunca precisava ir até o fim e destruir aquele
homem.
Ele já tinha se apaixonado e me escolhera para se vingar por não ter o seu
amor. Esqueceu nessa negociação que eu era uma mulher que também queria
amor, que buscava felicidade. Ele esquecera de tudo.
Quando a dança terminou e fomos caminhando para a saída do salão,
minhas mãos tremiam. Comecei a repassar mentalmente as palavras de Nataly e
calcular até onde eu seria capaz de ir para cumprir o meu propósito. Bem lá no
fundo, me questionava se eu teria condições de sair intacta de tudo isso. Mas, em
uma guerra, mesmo o vencedor precisa contabilizar suas perdas e contar seus
mortos e feridos. Ninguém sai ileso. Eu precisava vencer; depois contabilizaria
minhas perdas, me lembrando também que nunca houve espaço para o coração
em uma guerra. Esse era o princípio fundamental de qualquer batalha.
CAPÍTULO 18

“Um homem deve repudiar a violência. Isso nunca tornou o seu humano
valente, só o faz covarde. Eu repudio toda forma de violência, seja ela
moral, física ou psicológica.”
(Anotações de George. Paris, 1799.)
GEORGE
Informei-me com o cocheiro, que anunciou que minha mãe já havia
partido fazia algum tempo. Provavelmente não aguentou tanto horror para suas
vistas que sonhavam com uma sociedade recebendo seu herdeiro em cerimônias
gloriosas, juntamente com sua duquesa perfeita.
No dia seguinte, eu lidaria com seus ataques de histeria. Mas essa noite
me concentraria em minha mulher, que a cada minuto me deixava mais confuso,
me fazendo desejá-la e odiá-la na mesma intensidade.
Entramos na carruagem. Ela se sentou no lado oposto ao meu. Isto era
bom, porque precisava me recuperar da torrente de sentimentos que me tomavam
nesse momento. Estava pensando se seria uma boa ideia tê-la nessa noite. Não
tinha controle sobre meus atos e tinha medo de duas coisas: machucá-la — o que
nunca me perdoaria se acontecesse —, ou então cometer o mesmo erro da
primeira noite em que a tomara, e isso estragaria tudo.
Quando a carruagem começou a sacolejar e o silêncio me incomodou
demais, decidi perguntar aquilo que me afligia por dias:
— Suas regras, elas já vieram?
Estava escuro ali, mas pude perceber Helena me encarando com fúria.
Aquilo a deixava com uma expressão que eu já conhecia muito bem. Franzia de
tal forma a testa que as sobrancelhas se sobrepunham e os olhos quase se
fechavam. A boca se abria como se ela quisesse despejar o mundo em palavras
em cima de alguém, o que não tardava a acontecer. Sua postura, que nunca era
ereta, nesse instante se tornava, como se ela ficasse pronta para enfrentar uma
guerra e os punhos se fechavam por baixo da luva, prontos para atacar. E tudo
isso, ao invés de a deixar detestável, a tornava incrivelmente desejável, a ponto
de eu agradecer por estarmos no escuro ou ficaria possivelmente muito
envergonhado.
— Não deveria responder a esta pergunta. Poderia deixá-lo na ânsia por
respostas e olhando para minha barriga por meses, imaginando se cresceria ou
não. Eu até poderia comer em excesso para ela crescer nos próximos dias —
gargalhou com a ideia —, mas não creio que esteja disposta a tal idiotice para
descer ao seu nível tão baixo, George. Sim, minhas regras desceram, para seu
alívio. Não tenho um filho seu sendo gerado em meu ventre.
Senti o ar saindo com alívio de meus pulmões com essas palavras. Se ela
soubesse o que isso significava...
Nesse momento senti minha raiva por ela crescer, porque brincava com
meus sentimentos de tal forma, sem ter ideia do que me levava a repudiar um
filho. Era egoísta e mesquinha, como todos criados nessa sociedade imunda.
Decidi que ela pagaria por todos os seus pecados nessa noite. Eu a
humilharia. Era isso que ela merecia. Eu a faria descer do pedestal em que se
colocava tão soberana. De repente, tudo clareou em meus pensamentos. Tinha,
sim, algo que eu poderia tirar de Helena e sorri, como o grande vencedor de uma
noite de rodada de cartas. Ela tinha algo que estava acima de tudo, acima da
família, dos amigos e até do seu próprio corpo: seu orgulho. Em êxtase, comecei
a bater os pés no chão. Começaria nessa noite e estenderia por dias, até que
lágrimas nunca derramadas brotassem daqueles olhos e ela implorasse uma
trégua.
A carruagem parou. Não a ajudei a descer dessa vez. Não estava para
cavalheirismo e, sim, para vingança.
Quando abri a porta da mansão, olhei para o seu queixo, que ela
mantinha erguido. Sinal do seu orgulho. Na manhã seguinte, aquilo mudaria.
— Suba para o seu quarto! — ordenei. As minhas palavras já eram mais
duras. O tom tinha mudado.
Ela parou e me olhou com estranheza.
— O quê? — perguntou.
— Suba para o seu quarto, dispa sua roupa e fique só com as de baixo.
Não se deite. Me espere em pé ao lado da cama. Não desobedeça em nada.
Vagarosamente, retirei o meu cinto. Era uma ameaça silenciosa, que
obviamente não pretendia cumprir, mas aquela mulher não conhecia ameaças por
palavras. Precisava ser mais rude.
Seus olhos pareciam saltar para fora. Abri um sorriso de satisfação — a
noite, por fim, começava a ficar perfeita.
— Vamos. Não tenho tempo para perder.
Como sempre, ela fez uma falsa reverência, com deboche. Não sei como
conseguia esse feito, mas ela o fazia. Ela se abaixava muito pouco, não o
suficiente, mantinha um desdém no olhar e aquilo me irritava.
Quando ela se virou para subir a escada, segurei seus braços.
— Faça isso direito. Ou ficaremos a noite toda tendo aulas de etiqueta.
— Você só pode estar de brincadeira! — ela sorriu com desgosto.
— Brincamos até esta noite, minha lady. Agora vamos começar a viver
exatamente como marido e mulher na Inglaterra. Vamos! Já!
Ela me encarou com fúria, relutante.
Ergui o cinto que estava na minha mão, para que ficasse na altura dos
olhos dela, lembrando quem tinha o poder ali. Tentei não fraquejar com o mal-
estar que isso me causava, porque o menor sinal de violência fazia aquela mulher
ceder e me lembrei das marcas espalhadas em seu corpo. Isso me fazia sentir
sujo.
Com uma delicadeza que ela não tinha, se abaixou e fez uma nova
reverência. Não estava perfeita, porém muito melhor que a anterior.
— Satisfeito? — perguntou em fúria.
— Está melhor. Vamos treinar todos os dias – garanti. — Agora suba e
faça o que ordenei.
Fiquei olhando Helena subir, degrau por degrau, com a cabeça erguida,
como um bom soldado indo para uma guerra. Quando ela sumiu de vista, peguei
o cinto e fui para os meus aposentos, a fim de me preparar para a minha batalha.
Afinal, teria que vencer as minhas guerras pessoais também, porque só de vê-la
nua sabia que perdia o controle e não poderia.
Certa vez, Pietro soltou em uma briga comigo — porque bons e velhos
amigos sempre devem dizer coisas verdadeiras nas horas das brigas, mesmo que
isso machuque — que eu deveria tomar cuidado para não acordar um dia e, ao
olhar meu reflexo, enxergar o meu pai ali. Porque a raiva pode ser tanta que
pensamos obsessivamente na pessoa odiada, a ponto de nos tornamos ela
própria. Ela se incute em nós sem que percebamos e, de repente, somos um só.
Ali sentado, pensando no que faria com Helena, lembrei de como meu pai
tratava minha mãe e me senti igual a ele — um velho nojento e asqueroso — e
me senti incapaz de continuar. Então precisei me lembrar de Susan, do seu
sorriso doce e em como aquilo se apagou no dia em que ela foi levada arrastada
pelos cabelos para fora de casa, chorando, aos gritos.
Lembrei dos aposentos onde ela ficava enclausurada como um bandido,
lembrei de tudo. Tinha que continuar. Não teria lugar para mais um covarde
naquela família.
Dei o tempo que achei necessário para que ela se despisse, e então abri a
porta de comunicação dos quartos, e lá estava ela. As velas deixavam seu corpo
iluminado não o suficiente para mostrar tudo como o dia o faria, mas o
necessário para desvendar sua beleza. E como era linda....não uma feiticeira. Era
uma deusa.
A passos lentos me aproximei da cama, onde ela me aguardava ao lado,
em pé, e coloquei o cinto em cima da cama. Era a prova de que eu não estava
brincando.
Procurei por resquícios de medo, pavor, e tudo o que encontrei em seus
olhos foi desprezo.
Precisava tirar alguma vantagem enquanto ela ainda estava coberta com
algumas peças de roupa. Quando estivesse completamente nua, receava que meu
corpo fosse o traidor.
— Me dispa! — ordenei. Essa noite não teria espaço para palavras
delicadas.
— Já enfrentei a fúria do meu pai por tantas vezes que perdi a conta. Não
temo por marcas no corpo e sei como ninguém apanhar calada — ela disse
olhando nos meus olhos. — O que faz você pensar que vou te obedecer? — me
desafiou.
— Porque não tenho limites! — ameacei-a mais uma vez.
Definitivamente, ela não temia nada. Poderia estar de frente a uma arma
que não mostraria medo.
Surpreendendo-me, seus dedos começaram a desabotoar os botões da
minha camisa, sem tirar as peças que estavam por cima e muito menos a gravata.
— Covarde, como todos os outros — ela sussurrou com desdém.
Quando uma pequena abertura surgiu, seus dedos encontraram passagem
até minha pele, que se arrepiou pelo toque das mãos quentes. Como um fraco e
tolo, não resisti e fechei olhos, porque o seu toque era maravilhoso.
— Vou te despir não porque está ordenando. Porque quero ver você se
render esta noite! — sussurrou novamente, desta vez perto do meu ouvido,
prensando seu corpo contra o meu.
Seus dedos agora não tremiam como antes e, com proeza, ela tirou a
parte de cima das minhas roupas, deixando as mãos percorrer meu corpo de
forma sensual. Se eu mesmo não fosse o primeiro homem que a tivesse levado
para a cama, apostaria muito dinheiro garantindo que essa mulher era experiente
e sabia muito bem o que fazia.
Suas mãos desceram perigosamente para as minhas calças, que ela
desabotoou, me tirando o resto do fôlego que ainda restava.
Então parou, se afastando e começou a tirar a própria roupa.
Tentei desviar os olhos e recobrar a consciência, buscando no fundo da
memória o que estava fazendo ali, os meus planos, mas estes já tinham virado
fumaça. Ela me hipnotizava com o olhar e um sorriso perverso.
As poucas roupas de baixo que ela mantinha viraram um montinho no
chão e lá estava ela, a minha deusa da luz — porque, sim, ela iluminava o quarto
mesmo estando no escuro. Helena caminhou de volta até mim e colou seu corpo
nu no meu, que ainda mantinha as calças. Seus seios nus entraram em contato
com o meu peito e tudo se perdeu.
Segurei sua nuca, obrigando-a a olhar mais uma vez para mim, para me
lembrar que não se brincava com essa mulher, e então invadi sua boca com os
lábios famintos, sem conseguir me controlar, minhas mãos passeando por seus
seios e escutando ela gemer nos meus braços.
Passei os dentes por seu lábio inferior, mordendo aquela boca que
poderia ser o meu pecado final. Isso fez com que ela empurrasse seu corpo mais
forte contra o meu e agarrasse meus cabelos.
Comecei a arrastá-la para a cama. Ela me deteve.
— Preciso terminar de tirar suas roupas, meu Lorde! — ela sussurrou,
levando sua mão até a minha braguilha, e descobri nesse instante que já tinha
chegado na lua.
— Sim, sim, por favor... — foi tudo o que consegui dizer.
— Isto, implore como um bom menino. Estou tirando suas roupas porque
está implorando. Compreenda que não nasceu no mundo homem para me dar
ordens.
Eu deveria discutir, fazer jus àquele cinto que mantinha em cima da
cama, mas me detive. Eu pensaria nisso mais tarde, porque no momento me
sentia incapaz até de respirar, quanto mais de pensar.
E foi assim que a joguei na cama, sabendo que novamente estava indo
com o inimigo, que já tinha perdido outra batalha e essa mulher seria o meu fim
— sim, ela sempre seria.
CAPÍTULO 19

“Nunca me contaram explicitamente o que se passa entre um homem e uma


mulher na cama, mas creio que com meu marido há de ser belo e não
haverá espaço para coisas pecaminosas, só amor e beleza.”
(Diário de Helena, Londres, 1800.)
HELENA
Aquela era a primeira noite dos meus novos planos e vê-lo perder o
controle mostrava que daria certo. Quando George menos pensasse, eu daria o
bote.
Nessa noite, mesmo ele tendo se descontrolado e suspendido sua
vingança de me humilhar, foi mais cuidadoso e, ao se desfazer de prazer,
espalhou suas sementes pela cama. Mas eu sabia que era uma questão de tempo,
e ele perderia o receio e, quando descuidasse, eu tomaria o controle.
Mas tinha outro detalhe que me fazia questionar o meu papel na cama
também. Não era só ele que perdia o controle. Mesmo tendo sido tão humilhada
e ameaçada, ao ser tocada por ele, não tinha mais aquele homem que eu odiava.
Tinha ternura, desejo e outras coisas que eu não compreendia, mas que me
faziam esquecer os motivos e me entregar às emoções. E estas representavam
um turbilhão a me atropelar e me deixar sem fôlego.
Embora fôssemos duas pessoas distintas naquela cama, quando nos
despíamos tornávamo-nos um, porque nos despíamos de tudo ou quase tudo —
uma vez que sua prevenção a não ter filhos se sobrepunha. Entretanto, George
era carinhoso, me chamava de sua, olhava nos meus olhos com desejo e não
ódio, e, no final, me abraçava, e isso me fazia sentir que estava protegida do
mundo, quando na verdade ele era o mundo que machucava.
Eram tantas incoerências que, quando ele se levantou para dormir em seu
quarto, me deixando sozinha na escuridão, engoli as lágrimas, porque dessa vez
elas insistiam em querer cair. Estava vazia sem ele. Por Deus, como poderia me
sentir preenchida por um homem que à luz do dia, fora daquele quarto, era o
mesmo que arrancava tudo de dentro de mim?
E nessas incoerências, tive uma noite infernal e fui recebida pela manhã,
logo no desjejum, por meu marido que não deteve em ler em voz alta o jornal
que tinha em suas mãos.
— Vejamos o que temos para esta manhã no jornal de Londres:
“S ERIA UMA NOITE PERFEITAMENTE NORMAL EM L ONDRES E SEUS EXTRAVAGANTES BAILES DA TEMPORADA — SE PODEMOS CHAMAR DE NORMAL

DAMAS E CAVALHEIROS SENDO LEILOADOS EM UM SALÃO DE BAILE. M AS, DEIXANDO AS CRÍTICAS À NOSSA SOCIEDADE PARA A PRÓXIMA EDIÇÃO,

GOSTARÍAMOS DE FALAR DAQUELA QUE TORNOU UMA NOITE MEMORÁVEL EM UM P RÓLOGO, SE LEMBRARMOS DAS GRANDES TRAGÉDIAS GREGAS EM QUE

A PRIMEIRA PARTE DA TRAGÉDIA ERA EXPOSTA. A NTES QUE ME PERGUNTEM — NÃO CREIO QUE SEJA NECESSÁRIO, JÁ QUE SEU NOME RONDA TODAS AS

BOCAS PELA MANHÃ —, ESTAMOS FALANDO DA NOVA D UQUESA DE M ISTENHAM, A GRANDE H ELENA, OU PODERÍAMOS CHAMÁ-LA DE H ELENA DE

T ROIA? J Á QUE ESTAMOS FALANDO DOS NOSSOS ANTEPASSADOS GREGOS, ESSA CARINHOSA HOMENAGEM PODERIA SER POR SUA BELEZA OU POR

COMEÇAR UMA GUERRA? D EIXO PARA VOSSOS SENHORES A RESPOSTA. M AS ELA SE VESTIU DE NEGRO SEM SE ENLUTAR; DANÇOU COM O MARIDO E,

ESCANDALOSAMENTE, DUAS VEZES COM O MELHOR AMIGO DESTE; PROVOCOU ALGUNS INFORTÚNIOS NO JANTAR. V AMOS TORCER PARA QUE NADA ALÉM

DISSO OCORRA, OU TEREMOS UM INCÊNDIO NOS PRÓXIMOS DEBUTS DA TEMPORADA. S Ó ESPERAMOS QUE O C ONDE DE M ISTERNHAM, TÃO FAMOSO

POR SEUS DUELOS EM TEMPOS PASSADOS, NÃO TENHA QUE DUELAR PELA PRÓPRIA MULHER, E QUE H ELENA NÃO RESOLVA ESCREVER O EPÍLOGO DE TODA

D
ESSA HISTÓRIA, PORQUE, AÍ SIM, EUS NOS LIVRE DESSE GRAND FINALE”.

Abaixando o jornal na mesa, ele me olhou com um enorme sorriso no


rosto.
— Creio que se você não era vista nos bailes, agora será lembrada por
muitos e muitos anos.
Sem paciência para suas provocações e muito pouco humor para sua
alegria, não respondi. Porém sorri por dentro, já prevendo as consequências que
aquilo teria para minha família. Com toda certeza, os convites para os bailes
diminuiriam nos próximos dias.
— Você não me parece de bom humor, que pena — me provocou. —
Que bom que eu estou. Já deixei um exemplar desse jornal embaixo da porta do
quarto de minha mãe e, em breve, vamos escutar os gritos.
— Se você sugere que isso vai melhorar meu humor, creio que está
enganado! — disse.
— Na verdade, estou mais preocupado comigo. Seu estado emocional no
momento pouco me importa — revidou com desdém —, até porque estou
partindo de viagem novamente esta tarde.
A menção à viagem fez com que um bolo se formasse em meu estômago.
De novo suas prostitutas.
— Devo me ausentar por vários dias, não sei ao certo quantos. E antes
que me pergunte, sim, pretendo me encontrar com minhas amantes.
A forma como ele disse, querendo me magoar, chegava a ser cruel. E o
que mais me incomodou foi o poder disso sobre mim. Sim, ele estava me
magoando. Não era só orgulho, era algo mais, talvez amor-próprio, por saber que
quando retornasse, ele ocuparia a minha cama novamente e eu me entregaria,
mesmo com resquícios de outras mulheres em seu corpo e mente.
Será que ele pensava nelas quando me tocava? Eu tinha sido perfeita,
como Nataly me ensinou, mas muitas das coisas que ela me disse pareciam tão
despudoradas que me senti incapaz de colocar em prática.
— Creio que não precisava me informar de nada; não me importo. Ficar
livre de você será uma dádiva — disse com desdém.
Servi-me de alguns biscoitos para não ficar deselegante e ele perceber
meu desconforto, apesar de ter perdido completamente a fome.
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Então, não me contive.
— Só tenho uma curiosidade. Se não sou suficiente, por que não fica só
com suas amantes? Disse que eu era enjoativa, que seria somente uma vez e não
cumpriu com suas palavras.
Os seus olhos se arregalaram e ele colocou a mão no peito.
— Você me ofende assim, minha duquesa. Eu não acho você insuficiente,
apenas polida em demasia para o meu gosto, e inocente demais para me
surpreender. Mas gosto de brincar com você e até que não me canse, é meu
direito como seu dono.
Ergui o olhar procurando as palavras certas que não fossem um dos
palavrões que conhecia. Sorri para ele, na verdade, foi quase uma gargalhada.
— Você mente mal. A questão é exatamente o contrário. Você se
surpreende quando me tem e isso o incomoda. — Levantei-me da mesa, porque
a conversa já estava se estendendo além da conta. — E não se engane sobre
polidez. Quando retornar de sua viagem, estarei o esperando para uma aventura
no quarto que vai deixá-lo pensando sobre muitas coisas por vários dias —
completei. Afinal, por mais que o questionasse, precisava que ele me quisesse
como mulher, ou não haveria um herdeiro.
Dei as costas a ele.
— Se minto mal, você blefa pior ainda! — me provocou, me fazendo
olhar para ele de novo.
Balancei a cabeça. Fui até ao lado da sua cadeira e me debrucei sobre a
mesa, praticamente em cima dos seus talheres. Seus olhos se fixaram no meu
peito, próximo do seu rosto.
— Espere para ver minhas habilidades com a boca, e depois
conversaremos a respeito dos meus blefes.
George praticamente deu um salto na cadeira. Lembrei de Nataly: “Dê
aos homens o que pensar, sempre muito o que pensar, ma chérie”.
Saí da sala de jantar com o rosto corado por meu comportamento
indecente e um sorriso de satisfação. Tinha cumprido bem o meu papel.
Agora planejaria meu próximo passo. Sempre um adiante do meu
marido. Ele planejava se encontrar com amantes nos famosos clubes de
prostituição e jogos de Londres, como todo bom marido faria. Esse era o
conceito. E o padrão era que toda boa esposa esperasse por seu regresso de
braços abertos e com um sorriso no rosto. Como eu não era essa esposa,
planejava reencontrar Nataly e descobrir com ela em qual desses clubes meu
marido estaria. E então eu o surpreenderia com uma visita.
Aquilo me pareceu tão pecaminoso que fui acometida por uma crise de
risos que não tinha havia tanto tempo. A ideia não era pegar a amante no flagra.
Não! A ideia era me misturar com as outras prostitutas e envergonhá-lo na frente
dos amigos e, consequentemente, ficar na boca de toda Londres como o maior
escândalo da história. Ele queria um escândalo? Pois bem, ele o teria, servido em
uma bandeja nas noites londrinas, junto ao seu uísque favorito.
Tinha receio de que Nataly não cooperasse novamente, mas acreditava
que ela gostasse de um desafio. Quando abri a porta do meu quarto, escutei
alguns gritos histéricos vindo de baixo. George discutia com a mãe.
Fechei a porta e me abstive de ouvir as ofensas que eram dirigidas a
mim. Afinal, tudo seguia conforme o plano. Nada fugia do que fora traçado.
Passei a mão pelo peito, invadida por certa angústia que desconhecia e não me
deixava pensar. Aquilo não fazia parte dos planos.
Não podia fazer.
CAPÍTULO 20

“Provavelmente minha irmã teria o oposto do meu temperamento. Mas o


que isso importava? Quando eu a tivesse em meus braços, o mundo pararia
e, então, entraria em órbita novamente, e tudo voltaria a fazer sentido, pois
irmãos não devem viver distantes. Essa é a verdadeira lógica da vida.”
(Anotações de George, Londres, 1788.)
GEORGE
“Você me enoja. Espero que encontre Susan morta, e esse seja seu
castigo.”
As palavras da minha mãe ainda ecoavam em minha mente. Tinha sido a
pior coisa que ela já tinha me dito nos últimos anos — isso porque eu a
humilhava publicamente. E que ela se preparasse: aquilo era só o começo!
E como se não bastasse, as palavras cruéis chegaram no pior momento, já
que naquela manhã tinha recebido uma carta de um dos detetives do caso de
minha irmã, pedindo com urgência que comparecesse ao seu escritório em
Londres.
Dentro da carruagem eu só conseguia pensar em desgraças, após ter me
preparado para o que vinha sonhando durante todos esses anos.
Meu Deus, eu não estava preparado para isso. Susan era a única coisa
boa da minha vida, minha única esperança de humanidade, meu lado bom,
minha certeza de felicidade e eu não poderia perdê-la, de forma alguma.
Passei as mãos pelos cabelos. A viagem parecia desgastante. Senti-me
velho, carregando toneladas de peso nas costas. Lembrei-me de Helena e da
forma como a irritei com a mentira de que encontraria prostitutas. Eu não estava
propenso para tais coisas.
Quando o coche parou, minhas pernas tremiam. Sabia que dessa vez teria
alguma notícia importante. Os detetives sempre esperavam por minhas visitas,
nunca mandavam cartas me chamando.
Desci com receio e, quando entrei no escritório escondido no subúrbio de
Londres, minhas mãos estavam suadas e meu coração palpitando de medo. Um
lacaio pediu que eu aguardasse seu senhor na pequena sala escura fétida de
charutos baratos, sentado.
Obedeci, pois acreditei que as notícias precisavam disso.
— Me desculpe por fazê-lo esperar, vossa raça! — o homem de meia-
idade, já calvo, se desculpou.
Balancei a cabeça, garantindo que não tinha problemas.
— O que foi? — perguntei sem delongas.
— Seguimos os rastros de Susan até Nova Iorque, mas as verdadeiras
pistas estavam em Paris. Susan foi para lá depois que seu pai a expulsou. — A
simples menção de certezas quase me fez desfalecer. Nos últimos anos, sempre
era talvez, achamos, pode ser... — Não soubemos muitas coisas dela, mas
encontramos alguns registros e o seu túmulo. Sinto muito.
Balancei a cabeça e desviei os olhos, impotente. A dor foi dilacerante,
como se alguém enfiasse uma faca no meu coração e tentasse arrancá-lo do peito
à força. Após tantos anos, as suspeitas daquilo se concretizava finalmente: minha
doce Susan, ela se fora.
Controlei as lágrimas que queimavam meus olhos e faziam a garganta
arder. Eu era um duque e não poderia chorar na frente de outro homem.
— O que aconteceu... Como? — murmurei.
Precisava de respostas.
— Sinto muito, vossa graça, mas não temos informações. Ela
praticamente foi enterrada como indigente, e as pessoas não a conheceram. Não
tinha família ou amigos próximos. Só uma filha, que disseram que veio para
Londres. É tudo que sei.
Uma filha! Susan tinha tido aquele bebê e era uma menina que estava
sabe-se lá Deus onde.
— Quer que procuremos pela menina?
— Não. Chega de buscas.
Não suportaria falsas esperanças e depois outro defunto para chorar.
Chega! Tudo terminava ali. Eu choraria pelas duas, nessa noite, e aquilo teria
fim. Afinal, se Susan não tinha sobrevivido, como a filha sobreviveria?
Levantei sem dizer mais nada. Parecia inútil.
Saí daquele lugar me sentindo sufocado. Entrei na carruagem, quase
arrastado, querendo matar alguém. Queria que meu pai estivesse vivo e, então, o
socaria até ver o sangue escorrendo da sua boca. Eu o odiava.
“Você pode me odiar, mas vai carregar meu sangue, meu título e vai
levá-lo para seus herdeiros. Serei seu reflexo no espelho e, quando olhar seus
filhos, vai me enxergar ali.”
Lembrei das suas palavras ditas em todas as nossas brigas.
Nunca! Nem que precisasse me castrar. Eu nunca teria um filho para vê-
lo refletido e sua espécie imunda se perpetuando. A primeira lágrima silenciosa
caiu. Sequei-a, envergonhado.
Não me permitiria chorar. Não agora. Eu era um duque. Precisava me
manter assim até estar no meu quarto. Bati no coche e pedi que me levasse até
uma de minhas casas da cidade, que estava fechada e sem nenhum criado para
me incomodar. Aquela noite eu só precisava de uma cama e de uma boa bebida.
Acabei adormecendo no sofá da sala.
E foi o que fiz, sem derramar uma lágrima, porque a dor era tanta que
preferi beber e dormir. A escuridão foi o melhor alívio para o meu coração.
Quando o dia amanheceu, escutei murros na porta. Quem poderia estar me
atormentando a essa hora?
— Já vai, pelo amor de Deus.
Minha cabeça doía terrivelmente.
— Se não abrir esta porta, George, vou arrombá-la! — Escutei Vandik
aos berros do outro lado.
Cambaleando, fui até lá, sabendo que ele cumpriria sua promessa. Assim
que o vi, a primeira coisa que fiz foi dar-lhe um murro. Ele foi para trás com o
impacto e se apoiou na parece. Assustado, me olhou com um sorriso no rosto e o
nariz sangrando.
— Isso é por dar em cima da minha mulher — disse. — Da próxima, será
um duelo!
— George, George, achei que não se importasse tanto com a garota.
Fiz menção de ir para cima dele novamente.
— Espere! — Ele estendeu as palmas das mãos me detendo. — Sabe
muito bem que nunca encostaria na sua mulher. Só estava me vingando de você
por ter tocado em um assunto proibido comigo. Me deixe entrar e ficar com
você. Acabei de falar com seu detetive e sei que não está bem, meu amigo. Sabia
que o encontraria aqui.
Aquilo me desarmou. Estava tão perdido que precisava de um amigo,
alguém que ficasse do meu lado, mesmo que em silêncio. Abri caminho para que
ele entrasse. Vandik me conhecia. Não disse nada. Foi até o pequeno bar e
encheu dois copos de uísque, me servindo um.
Sentei na cama e bebi, desolado, sem saber o que dizer, o que pensar.
Não tinha nada que pudesse descrever a dor do meu coração. Então me calei.
— Eu sinto muito, George, e se pudesse existir alguma coisa no mundo
que aliviasse a sua dor, pode ter certeza, meu amigo, que eu faria ou diria. Mas
eu já perdi tudo e sei o que está sentindo, e sei também que não há nada a fazer a
não ser sentir! — ele disse para si também, como um desabafo.
Deixei que uma lágrima rolasse. Por mim e por ele, porque sabia que
Vandik tinha perdido o pai, a mãe e dois irmãos, e eu não conseguia calcular a
dor dele.
— Como consegue?
Eu precisava saber, porque até então o que me fazia pensar em continuar
era a esperança de Susan estar viva. Sem ela, tudo tinha perdido o sentido. A
busca era o que me movia. Hoje eu enterrara tudo de bom junto com ela.
— Você segue sem pensar no amanhã. É isso que você faz. Acorda, vive
o hoje e nunca mais pensa que existe a palavra amanhã. Por que acha que eu não
tenho mais nada, não tenho um vintém, nem vínculos amorosos, não mantenho
amores, trato todos por iguais, e vivo intensamente? Para mim, meu amigo, a
vida é um eterno Carpe diem.
Sacudi a cabeça para clarear as ideias.
— Talvez após completar minha vingança, consiga ser como você,
Vandik. Primeiro, preciso enterrar meus defuntos do passado; depois será mais
fácil seguir em frente.
— Está enganado. Se você seguir agora, vai conseguir ter uma vida. Se
continuar persistindo nessa vingança, quando se der conta, estará se enterrando
junto e ficará sufocado até a alma. Vai morrer, George, acorda!
Balancei a cabeça, descartando o comentário dele.
— Olha para você, Pietro, que com seu estilo de vida perdeu tudo que
tinha e não dispõe de um vintém para pagar a própria bebida. Como acha que
pode me falar sobre persistir em algo? Você persistiu na desgraça todos os dias,
se enterrando em bebidas e mulheres.
Para minha surpresa, em vez de me dar um soco, que era o que eu
merecia, ele riu e seu olhar adquiriu algo parecido com pena.
— A diferença, George, é que sei onde estou me enfiando e tenho plena
consciência dos meus atos. Dinheiro é algo que posso conseguir com um bom
casamento, e minha alma continuará intacta. Já você, está sem que perceba, se
tornando aquilo que tanto temia: o reflexo do seu pai. Está perdendo a sua
essência, meu amigo. Isso me dá pena.
Ele virou o copo de uísque e se levantou. Sem dizer mais nada, saiu me
deixando com meus pensamentos.
Quando a porta se fechou, peguei o copo que tinha nas mãos e o
arremessei contra a parede, inconformado, desolado. Pietro estava errado. Meu
pai fora um homem infeliz, incapaz de sequer amar a si mesmo.
Lembrei-me das cenas dos últimos dias, das minhas mãos carregando um
cinto, das ameaças silenciosas contra Helena e me senti um covarde. As
lembranças me remeteram à imagem daquela mulher que era um anjo na beleza,
mas que, quando abria boca, despejava veneno. E meus olhos se enterneceram
porque um sentimento novo tomou conta do meu coração. Eu estava sentindo
algo que não era ódio, tristeza ou vingança: era saudade.
CAPÍTULO 21

“Certa vez, andando pelas ruas de Londres, dentro de uma carruagem, de


relance pude ver duas cortesãs se insinuando à luz do dia. Corei e pensei
que cominhos tortuosos suas vidas tomaram. Naquele instante, pensei que
nunca passaria por aquilo, aspirei à pureza do meu casamento, dos meus
sonhos românticos e do meu próprio traje, que nunca seria inadequado
como aqueles....”
(Diário de Helena, Londres, 1800.)
HELENA
Dessa vez, Nataly me recebeu com certa facilidade. As mulheres do
bordel já estavam familiarizadas com a minha aparência e logo me deixaram
entrar no ambiente que, durante o dia, não mantinha o ar pecaminoso; podia-se
dizer que havia certa elegância ali.
— Ela acabou de se levantar e pediu que aguardasse um instante para
poder se vestir — anunciou uma loira que não deveria ter mais que seus
dezesseis anos, com um sorriso afável.
Não pude deixar de imaginar o que tinha levado uma criança a esse lugar.
Dava pena. Também pensei na vida de Nataly, levantando-se com o sol já alto e
provavelmente se deitando quando este nascia.
— Não se incomode. Não me importo de esperar.
— Por favor, pode se sentar. Ela já mandará chamar, Vossa Graça.
Agradeci e me sentei em uma das poltronas vermelhas espalhadas pelo
local.
Não tardou para que a jovem voltasse para avisar que a milady me
aguardava. Subi as escadas que davam até o seu aposento e fui recebida por seu
sorriso caloroso.
Não dava para dizer que ela tinha acabado de acordar. Toda maquiada,
esbanjava beleza e jovialidade. Parecia pronta para uma noite de ópera, na qual
ela seria a atriz, obviamente.
— Me desculpe pelo infortúnio da demora, ma chérie! — disse enquanto
me dava um abraço afetuoso.
Se ela não fosse uma prostituta, o que me dava grande pesar, estaria
presente à maioria dos meus jantares. Eu apreciava muito sua companhia. Nataly
era uma pessoa extraordinária.
— Eu que devo pedir desculpas por tê-la acordado e vir incomodar
novamente. — Abaixei o rosto, realmente envergonhada.
— Não tens razões para ficar embarrassée. Já és da casa, mon couer.
— Obrigada, Nataly. Se estou aqui, é porque realmente necessito de sua
ajuda e não tenho a quem recorrer.
— Compreendo. Diga-me, problemas com seu amado? — indagou com
um sorriso astuto.
Assenti. Sim, sempre ele. Perguntava-me se já estaria na cama com
alguma mulher àquela hora do dia ou se esperava pela noite.
— Não se entristeça, ma petite. Homens e teu coração são como líquidos
imiscíveis. Não se misturam. Esta é a primeira lição que uma mulher precisa
compreender para não perder sua alma, ou então se despedaçará pelo caminho, e
o final será apenas solidão. Sabe disso, não é?
— Segui tudo o que me disse, mas tudo o que ele faz me afeta e não
consigo controlar isso — disse com sinceridade. Era como se o simples fato de
George respirar fosse importante. Tudo nele tinha um efeito em mim que se
multiplicava em milhares de vezes, só por ser ele — Acredito que o ódio que
sinto por ele me faça sentir dessa forma. Não tem outra explicação.
Ela me olhou com pena, fechou os olhos e respirou fundo.
— Não, petite, não é ódio. Isso que sente é amor, já está condenada.
Balancei a cabeça em negação.
— Não. Está enganada. Não se pode amar quem odiamos. Os
sentimentos são opostos e distantes.
Ela poderia entender de sedução, porém não conhecia os sentimentos.
Tinha certeza disso.
— Pense como quiser. Só entenda que o ódio é a premissa do amor, e
creio que está seguindo por esse caminho com esse homem. — Ela se sentou na
poltrona à minha frente. — Então, me diga em que posso ajudar. Gosto de você,
ma chérie, e tenho em mente algo que você possa fazer por mim em breve, como
troca de favores.
— George veio para Londres se encontrar com prostitutas, como ele
mesmo me confidenciou. Preciso saber onde ele estará esta noite, e então lhe
farei uma visita.
Poderia ser aquele mesmo prostíbulo que ele frequentava, poderia até ser
com Nataly que se deitava, pensei com desgosto.
Nataly deixou escapar uma risada inesperada.
— Você é uma mulher surpreendente, Helena. Se não tivesse vivenciado
sua inocência tão de perto, apostaria minha vida que você é uma vigarista.
— Poderá me ajudar? — questionei-a.
— Adoraria — assentiu —, será escandaloso e uma aventura intrigante,
como há muito tempo não vivencio. Creio que saiba onde encontrá-lo.
Observei-a por um minuto, buscando coragem para o que perguntaria em
seguida.
— Meu marido frequenta este lugar? — Mordi os lábios e senti que
corei.
— Já o vislumbrei algumas noites aqui, não vou mentir para você, couer.
— Já se deitou com ele? — perguntei sem conseguir evitar.
Nataly suspirou.
— Não. Mas isso não deveria ser sua preocupação, chérie. George já
deve ter se deitado com metade das prostitutas de Londres e, ao que sei,
comprometido a outra metade das mulheres. Seu coração deve estar ciente disso.
Tire seu coração da vingança ou não dará certo, isso eu lhe garanto.
— Tem razão.
Olhei para o teto. Meu estômago se contraiu de nervoso, mas não podia
voltar para trás agora.
— Esta noite acredito que George vai estar no Spret House, uma casa de
jogos e mulheres muito conhecida na cidade que, às sextas, costuma receber um
grande público por ter uma apresentação em que as mulheres da casa fazem um
leilão. Os homens amam uma competição. Eu odeio as sextas, particularmente
porque minha casa fica vazia por conta da Spret. Não posso competir com tal
absurdo.
Nataly fez um gesto com as mãos.
Meus olhos se iluminaram com o que ela acabara de me contar. Encarei-
a, as ideias fumegando na minha mente. Ela compreendeu no mesmo instante.
— Não. De forma alguma, é uma ideia insensé. Não farei parte disso. O
duque saberia que alguém a ajudou e me destruiria no dia seguinte.
Ela se levantou, me dando as costas.
— Por favor, Nataly. Prometo que ele não vai descobrir. Você tem os
meios para me colocar lá dentro, no palco, junto com as outras mulheres. George
vai se encarregar de dar o maior lance, tenho certeza. Serei o escândalo que ele
me pediu para ser e, ao mesmo tempo, o humilharei publicamente. Ele quer uma
prostituta, então servirei a ele.
— Não vai ganhar dele, mon couer. Ele vai matá-la! — disparou Nataly.
— Tudo tem limites e você está ultrapassando todos eles. Vai ferir o ego do seu
marido.
— Nataly, já chegou a um ponto da sua vida em que perdeu todos os
sonhos e viu sua dignidade abaixo dos pés? — perguntei.
Seu sorriso, seu brilho no olhar se apagaram no mesmo instante e me
arrependi das palavras que lancei. Claro que sim. Bastava olhar a posição que
essa mulher tão jovem ocupava. Obviamente que já tinham tirado tudo dela.
— Na verdade, pobre criança, não cheguei nem a ter sonhos, e dignidade
nunca fez parte do meu dicionário.
— Me desculpe... — disse com arrependimento.
— Não se desculpe. Não é você a culpada por isso. E quem o foi nem
deve estar vivo para pagar a conta. Mas deixemos isso para lá. — Ela inclinou a
cabeça para o lado, me observando. — Eu acredito de verdade que você só vai se
machucar, ma chérie, porque já ama o seu objeto de vingança, mas se assim o
quer, vou te ajudar.
Respirei aliviada ao ouvir suas palavras.
— Mas tem uma condição. — Levantou os dedos, apontando para o meu
peito com suavidade. — Quando estiver na sua casa, depois que toda a
tempestade passar e ninguém mais desconfiar que fui sua cúmplice, vai me fazer
um grande favor e, acredite, não será uma tarefa fácil.
Pensei do que essa mulher precisava. Dinheiro eu sabia que não era. Ela
pediria para os seus clientes e não para mim. Não necessitava de roupas, sapatos,
tinha homens influentes que dariam o que ela pedisse. Fiquei curiosa,
imaginando o que seria.
— No tempo certo, ma petite, no tempo certo! — ela completou, como se
lesse meus pensamentos. — Agora vamos para o meu quarto. Não vai conseguir
passar nem pela porta do Spret House vestida dessa maneira. Vamos transformá-
la em uma cortesã esta noite.
Meus olhos transbordaram de luxúria, e ela sorriu em retribuição.
Nessa noite, eu colocaria lenha na fogueira e que Deus me ajudasse,
porque eu sabia que o fogo não seria para brincadeira.
CAPÍTULO 22

“Nunca se pode desejar mais que sua própria sanidade. Isso serve para
dinheiro, apostas, bebidas, principalmente mulheres. O desejo é uma arma
mortífera. Ele corrói todas as suas entranhas e, sem que você perceba, está
viciado em algo que o faz esquecer até os seus princípios.”
(Anotações de George, Paris, 1800.)
GEORGE
— Não tenho clima para tal ocasião, Vandik, me desculpe.
— Entendo, George, mas ficar enfurnado neste quarto, bêbado, fumando
ou alternando em vigílias de sono, não creio que vá trazer sua irmã de volta. Ao
menos me acompanhe até o clube e me ajude a encontrar o que preciso. Se não
ganhar uns trocados esta noite, amanhã não terei nem calças para vestir.
Deu um olhar de súplica. Era um grande filho da mãe.
— Já escolheu sua noiva?
— Sabe muito bem que não. Quanto maior o dote, menor o cérebro. Meu
Deus — ele abriu os braços, inconformado —, o que aconteceu com as mulheres
da Inglaterra? Só sabem falar de cabelo, roupas e filhos. Não as suporto.
Balancei a cabeça e, mesmo sem querer, minha mente caminhou para ela,
minha feiticeira que estava em casa. Diferente de todas as outras, ela pensava em
tudo, menos em futilidades. Em meio à dor, abri um sorriso contido.
— Você está rindo da minha desgraça, George? — Vandik disse sorrindo.
— Que bom. É disso que precisa. Se ao menos você quisesse ter filhos, poderia
ter uma herdeira. Eu esperaria. Você poderia oferecer um dote generoso e
resolveria meus problemas, meu amigo.
— Sorte a minha que não terei filhos. Você será o pior marido da
Inglaterra, Pietro. Lembre-se de procurar uma propriedade que tenha muitas
janelas, para morar com sua esposa. Vai precisar delas para fazer escapar suas
amantes.
Ele gargalhou.
— Sabe muito bem que não preciso esconder ninguém. Elas dividirão a
cama com minha esposa. — Seus olhos piscaram com perversidade.
Balancei novamente a cabeça. Ele não tinha cura.
Resolvi levantar e me arrumar. Teria que ceder e ir com ele até a Spret
House ou ele não me daria sossego essa noite. Isso seria bom até para colocar
algumas coisas em ordem na minha mente e poder voltar para casa.
Em uma hora estávamos em frente à casa mais famosa e perversa de
Londres. As noites ali nunca eram tranquilas, mas as sextas eram
excessivamente agitadas. Todas as prostitutas da casa faziam uma encenação e
eram leiloadas. Os maiores títulos londrinos, os principais banqueiros e os
homens mais ricos se reuniam ali para mostrar seu poder e disputar as mulheres
mais belas. Corriam rumores de que, nessas noites, saíam carruagens de dinheiro
daquele estabelecimento pelos fundos. Ninguém poupava esforços. Não era só
uma questão de sexo. Era uma questão de poder.
Eu mesmo já cheguei a pagar uma fortuna por uma delas certa vez. E não
foi porque a desejava. Simplesmente porque me colocava em um duelo com um
velho inimigo e não poderia perder para ele. Sempre era uma questão de honra.
Outros prostíbulos tentavam imitar tal feito, entretanto, a Spret House
consolidara a fama e os homens se matavam por um lugar na primeira fila, nas
noites de sexta.
— Pedi que nos reservassem cadeiras na primeira fila — Pietro me
alertou, apontando para os dois únicos assentos livres na fileira abarrotada de
homens elegantes e barulhentos.
O local não era muito grande e não comportava tantos cavalheiros. Creio
que, quando foi inaugurado, não se tinha ideia da dimensão que aquilo teria. No
canto direito, um grande bar era servido por algumas mulheres, todas vestidas
com saias espalhafatosas e corseletes que mal continham seus peitos saltando
para fora. Suas maquiagens exageradas e suas posturas escandalosas entretinham
os clientes, que já se embebedavam no bar enquanto aguardavam o grande
espetáculo da noite que daria início ao leilão.
Abrimos com grande custo espaço entre a multidão de homens e
ocupamos os nossos lugares. Pierro estava animado. Já eu não compartilhava do
seu ânimo. Estava ali por mera companhia. Não tinha interesse algum em levar
qualquer mulher para cama; talvez a única que desejasse me aconchegar nos
braços fosse Helena, porque ia além de algo carnal. Ela traria alívio para algo do
meu coração que estava sangrando no momento. Senti medo por meu
pensamento.
— Dizem que este lugar é regido por Dom Carlos, um senhor calvo e de
respeito entre os homens de negócio de Londres, porém é só uma fachada. Ele
trabalha, gerencia todo o negócio e arrecada o dinheiro para uma dama que é a
verdadeira dona de toda a fortuna que mantém outro prostíbulo de fachada. Ela é
conhecida como a deusa do mercúrio por seus cabelos cor de fogo ou a deusa
Afrodite, a deusa do amor — Pietro começou a divagar. Agradeci por me tirar
dos pensamentos que me levavam à Helena. — E mais! Não são só os cabelos.
Dizem que aquele que é tocado por ela, sua pele queima de tanto desejo.
Gargalhou, jogando a cabeça para trás. Fez sinal para que uma das
mulheres lhe servisse uma bebida.
— Lendas que rondam todos esses lugares e fazem com que estejam
sempre lotados, como esta noite! — deduzi.
— Que seja. Não creio que haja uma dama que tenha esse poder sobre
mim, realmente. Acredita nisso? Que uma mulher possa te desmanchar da
cabeça aos pés com um simples toque? — perguntou.
De novo, sua imagem surgiu, nua, as mãos me tocando, as palavras
desafiadoras, o olhar penetrante, como se nada e nem ninguém no mundo
pudesse afetá-la. Ah, como era impossível e como era linda.
— Não. Isso é para mulheres, covardes e romances. Aos homens, cabem
apenas as peças teatrais, durante as quais somos torturados em dois ou três atos a
assistir tais devaneios desses artistas da modernidade.
Pietro pegou a bebida que a dama lhe trouxe e enfiou o dinheiro no meio
dos seus peitos.
— Está coberto de razão, George. Por isso, não faço romantismo com
casamentos. É um contrato e um bom negócio. Nada mais. Falando nisso, não
posso tardar em encontrar meu bom contrato. As coisas estão se apertando.
Olhei para ele com preocupação.
— E o que faz aqui esta noite, sentado na primeira fila, pronto para dar
um lance em um dos leilões mais caros da história? — perguntei intrigado.
— Me divertindo! — respondeu piscando o olho e parecendo óbvio.
— O dinheiro, Vandik! De onde vai vir? Do céu? — exclamei.
— Minha loucura não chegou a ponto de acreditar em milagres. O
dinheiro virá de uma aposta que ganhei ontem.
— E não acha sensato utilizar o dinheiro para pagar algum dos seus
credores ou alguma penhora?
— Isso seria como tentar adoçar a água do mar — disse gargalhando. —
Então, por que não aproveitar a noite?
Este era Pietro, um inconsequente. Invejei-o. Talvez se tivesse um por
cento dessa coragem e jogasse tudo para as costas, não carregasse esse fardo
que, no momento, me entortava a coluna.
O pequeno palco se iluminou. O show começaria. Meu estômago se
embrulhou. Eu queria vivenciar o luto por minha irmã e não estar nesse lugar.
Não importava se fizesse cinco, dez ou quanto anos que ela estivesse morta; meu
desejo era poder ao menos estar no seu túmulo nesse momento e levar flores.
Almejei ao menos um abraço para poder chorar, e esse não era o do meu
único amigo. Pietro, do seu jeito torto, estava tentando me consolar da única
forma que conhecia, me levando para os braços de mulheres. Ele tentava aliviar
a minha dor como fazia com a sua todos os dias: por meio do sexo. E eu sabia
tão bem quanto ele que isso era passageiro, momentâneo, e quando o gozo do
momento terminava, restava um vazio ainda maior, que tentava compensar com
jogos e bebidas. Um abismo em que ele se afundava cada vez mais e mais.
Não tinha fim para aquela dor e, pela primeira vez, em muitos anos da
nossa amizade, eu compreendi o seu sofrimento. Sempre tive a esperança de
encontrar Susan, enquanto Pietro não alimentava nada. Não tinha esperança, só o
vazio, a dor da perda. O vazio que eu sentia agora.
Olhei de relance para ele, que batia palmas quando as luzes da plateia se
apagaram e apenas o palco se iluminou, abrindo as cortinas. Mesmo na
semipenumbra, notei que seus olhos não condiziam com suas palmas eufóricas.
Havia dor ali e ninguém via. Me enxerguei nele. Essa seria a minha existência.
Sem amor, miserável.
Meus olhos arderam pelas lágrimas contidas. Jurei que faria dos últimos
dias da vida da minha mãe um inferno.
Odiei minha existência. Odiei Helena por me fazer almejar sua
companhia nesse momento e me fazer ter alucinações a ponto de vê-la no palco,
vestida como as outras prostitutas, e mesmo nunca se igualando a tal, porque sua
classe e beleza eram inigualáveis. Uma das damas de costas, vestida de um
vinho que lembrava pecado, me fazia jurar que era ela.
Balancei a cabeça lamentando tal pensamento. Parecia que estava sob
efeito de ópio. Todas as mulheres se intercalavam, uma de frente e uma de
costas, para os homens. Esse era o suspense da noite. A que me chamava a
atenção tinha um vestido que deixava suas costas muito nuas e um colar de
pedras negras adornava seu pescoço. Os cabelos estavam presos em um coque
alto, e ela mantinha com classe um xale na cintura preso aos braços, como se
estivesse em um baile e não em um leilão. Alguns cachos se soltavam do coque e
lembrei do cheiro dos cabelos da minha mulher. Algo misturado com amoras do
campo e lavanda. Era magnífico.
Nesse instante, como em tantos outros, soube que estava perdido.
Decidido, resolvi que estava na hora de levar outra mulher para cama. Essa era a
resposta para minha obsessão por Helena. Se tinha outra mulher que me
chamava a atenção, esse era o momento oportuno para me afogar em um mar
que não tivesse o seu sabor e seu cheiro. Estava disposto a gastar até a última
libra que tinha no bolso para ter aquela mulher nos meus braços essa noite.
CAPÍTULO 23

“Sempre tive a sensação de que não tinha valor para minha família.
Sensação não, certeza. Não tem dor maior que se sentir um objeto, e sem
valor algum. Mas os sonhos me traziam a certeza maior de que o futuro me
agraciaria com alguém que me veria como um tesouro.”
(Diário de Helena, Londres, 1799.)
HELENA
Nataly sabia o que fazia no seu meio. Já eu, não tive muito tempo para
pensar. Ela tinha contatos e deu ordens até na Spret House e, num piscar de
olhos, eu estava em cima de um palco, vestida como uma prostituta pronta para
ser leiloada.
Meu coração batia freneticamente e achei que sairia pela boca a qualquer
instante. Tinha me colocado em perigo. Talvez realmente merecesse uma surra
essa noite.
De costas, não podia ver George ou qualquer outro homem.
Ali, exposta, começava a conhecer o verdadeiro pecado escondido da
sociedade londrina, oculto por camadas e camadas de vestidos e ternos
impecáveis nos bailes. Os cheiros dos charutos, bebidas e perfumes baratos, os
risos escandalosos, as palavras de baixo calão. Era outro mundo. Este lado do rio
Tâmisa deixava o lado oeste de Londres parecendo outro país.
— Comecemos a diversão, queridos! — uma mulher anunciou,
arrancando mais salvas de palmas. — Preciso de silêncio, silencio, vamos lá, sei
que estão com as calças arriadas — gargalhou.
Tudo era escancarado. Nada contido.
— Começaremos com Caroline.
— Vinte libras — alguém falou.
— Trinta — outro cobriu a oferta.
— Alguém tem mais a oferecer? Ninguém? Isso, senhores, Caroline
vendida esta noite a trinta libras. Pode ir, querida.
Mesmo de costas, pude ver a movimentação. A mulher saiu do palco,
sendo acompanhada do seu comprador.
— Nossa próxima lady está de costas, meus amados, e como sabem,
nossas melhores ofertas ficam nesse patamar. Então, este produto está em um
lance mínimo de cinquenta libras. Lady Merlin está ansiosa, segundo me
confessou, para executar uma dança e vai fazer uma pequena amostra, não é,
querida?
Ela começou a rebolar no palco, e os gritos e palmas fizeram meu
estômago dar um nó. Aquilo ficava pior a cada instante.
— Se contenham, se contenham — a mulher que conduzia o leilão pediu.
— Quem pode dar mais que cinquenta libras para ver essa mesma dança, mas
obviamente com Merlin totalmente nua?
— Eu dou 100! — alguém gritou.
— 150! — outro rebateu.
— Vendida por 150.
Senti que minhas mãos suavam. Teria mais uma mulher e eu seria a
próxima. Fiquei com receio de que George leiloasse outra antes e eu ficaria à
mercê do destino. Porém, Nataly estava ali de prontidão para me socorrer e disse
que interviria no que fosse preciso.
A outra garota não pareceu tão interessante e foi leiloada por 20 libras.
A cena era tão perversa e suja. Mulheres sendo leiloadas como produtos,
como quadros. Chegara a minha vez.
— Hoje temos uma dama que deve interessar a todos os homens desse
salão. Não divulgaremos seu nome. Isso vai instigá-los nos lances. Os
cavalheiros não viram seu rosto, mas devo garantir que nunca a vi neste lugar e
nem beleza comparável.
— Eu dou 500 libras! — escutei a voz inconfundível do meu marido, que
desde a primeira vez que ouvi se gravou na minha memória.
Meu coração se encheu de dor. Ele não sabia que era eu, embora eu
soubesse o que ele fazia nesse lugar, e ter a prova tão concreta de que ele me
enganava e tão de perto me feria por dentro. As mulheres deveriam aceitar que
seus maridos dormissem com quem bem entendessem e depois sujassem suas
camas, suas memórias e seu casamento, mas não eu! Meu coração sempre
sonhou com um homem que me amaria e seria só meu.
Ergui o rosto, não me deixando abater. Esse não era o intuito da noite. E,
sim, humilhá-lo. Era o que o faria.
— 750 libras! — Alguém cobriu a oferta.
Um murmúrio se formou entre os homens. Considerei que o valor era
alto demais até para um leilão de mulheres.
— Ora, ora, rapazes, mas nem viram o rosto da donzela e já estão quase
duelando por ela. Então, deixe-me apresentá-la a vocês e talvez dobraremos este
valor.
Respirei fundo e senti a mão da mulher sobre meu ombro enquanto
delicadamente ela me virava para o público.
Palmas, gritos e palavras de baixo calão. Mas nada disso importou. Meus
olhos se fixaram nos de George que, no mesmo instante, fizeram o
reconhecimento dos meus. E nunca vi na vida tanto ódio. Era como se
faiscassem fogo de dentro.
— 950 libras! — um senhor gritou, cobrindo a última oferta.
Meu marido se agarrou com tanta força à poltrona em que estava
sentado, fazendo menção de se levantar. Senti minhas pernas tremerem, com
medo de que ele pudesse ir até o palco e me arrastar dali.
— 1200 libras! — ele por fim disse, me fazendo respirar novamente. Se
ele estava fazendo a oferta, não seria capaz de cometer tal loucura.
— Vejo que a donzela vale uma propriedade! — a mulher que conduzia o
leilão disse, soltando uma gargalhada.
— 1500 libras! — escutei alguém falando. Não acreditei ser possível dar
tanto dinheiro por uma mulher.
— 5000 mil libras! — George disse, dessa vez provocando um silêncio
pasmado em todos.
Ninguém cobriria a aposta.
— Vendida — foi a palavra final que escutei.
E assim fui vendida mais uma vez. Primeiro por meu pai e, agora, no
leilão. Na Inglaterra todas as mulheres tinham um preço e não importava se esse
era 20 libras, cinco mil ou nenhum guinéu. Os homens podiam comprá-las
porque estavam acima delas, por alguma razão que eu não compreendia. Com
pesar, pensei que talvez em algum século, no futuro, as coisas pudessem ser
diferentes. Meu corpo poderia se vender, mas meu coração nunca se curvaria a
isso.
George se levantou e subiu ao palco, pegando com força excessiva sua
propriedade. Gemi quando agarrou meus braços e me arrastou escada abaixo. No
entanto, ninguém se importou, porque às prostitutas esse tipo de comportamento
lhes era digno.
Conforme fomos passando entre seus conhecidos e alguns amigos, pude
enxergar a surpresa quando parte reconheceu na prostituta a duquesa, e então
sorri. Estava vingada essa noite. Mas como em todas as outras, isso não trazia
alívio para minha dor, não trazia paz, porque não devolvia os meus sonhos e não
recuperava nada do que eu tinha perdido.
Quando chegamos à carruagem, meu marido me jogou para dentro, como
se faz com um objeto descartável, e se sentou na minha frente. Achei que levaria
uma surra. Tudo o que obtive foi um olhar de desprezo, que doeu muito mais.
Reparei que ele tinha a aparência cansada, triste, e cheguei a me
perguntar se tinha agido corretamente. O percurso foi silencioso e pareceu muito
mais longo.
Já em casa, ele pegou novamente nos meus braços e continuou me
arrastando até para dentro do seu quarto dessa vez. Nunca tinha estado ali. Temi
por isso.
Não disse nada. Não tinha do que me defender. Tinha feito tudo para
deixá-lo irado. Ele me soltou. Passei os dedos pelos meus braços, tentando
aliviar a dor causada pela pressão dos seus dedos. Dando-me as costas, ele ficou
de frente para a janela, passando as mãos freneticamente pelos cabelos.
— Me dê um único motivo para eu não surrá-la esta noite, Helena. Só
um. Estou implorando. — Ele se virou, me encarando. Tinha súplica nos seus
olhos, além do ódio. — Não quero odiar a você e a mim pela manhã. E é isso
que vai acontecer. Então, estou te pedindo. Me dê um único motivo. Não me
insulte com palavras. Estou a ponto de te matar se relar em você hoje.
Apontou seus dedos trêmulos para mim. Só então percebi que também
tremia e que também estava com medo. Só de pensar em levar outra surra, meu
corpo já convulsionava de imaginar a dor.
Poderia dizer que o odiava, que queria vingança por ter destruído meus
sonhos, que era para ser o escândalo que ele me pedira, tinha dezenas de motivos
para lhe dizer, mas queria um que fosse plausível para aplacar sua ira. Então falei
o que mais me doía e expus — pela primeira vez desde nosso casamento e em
toda minha vida — o meu coração, porque por mais que fosse sonhadora, a
Helena que as pessoas conheciam era sempre fria e nunca baixava a guarda.
— Porque estava ferida, magoada. Você nem saiu da lua de mel e me
deixa para se deitar com outras prostitutas. Fui lhe servir de uma, para que
sentisse o quão humilhada me sinto, o quão ferida fico quando se deita comigo e,
na manhã seguinte, sai sem olhar para trás, ou quando diz, olhando nos meus
olhos, que vai se deitar com outra.
Ele assentiu, franzindo a testa.
— Alguma vez pensou nas consequências dos seus atos? O que acha que
aqueles homens vão pensar de mim quando me virem da próxima vez?
— Alguma vez pensou no que eles pensam de mim quando nos veem
juntos nos bailes? Alguma vez imaginou como têm piedade de mim ou pensam
que sou trouxa? Não queria um escândalo?
— Sou homem, Helena. Um duque. As posições são diferentes. Queria
um escândalo, não que me humilhasse como homem.
Eu ri com amargura. Ele enrijeceu ainda mais.
— E o que o faz diferente? Calças, ou ausência de coração?
Ele fechou os olhos diante da minha pergunta.
— Não sabe, não é? E sabe por que não consegue responder a esta
pergunta? Porque nunca soube o que é sentir dor na vida. Só sabe mandar e ter
tudo o que deseja. Ser servido, ter tudo ao seu dispor, ser o duque deus e ter
TUDO! — disse com voz alterada. Estava perdendo o controle novamente. Não
era justo. Nada era justo. — Me tirou tudo e quer o quê? Me bater agora? Então
vamos lá, faça mais essa vontade. Estou ao seu dispor.
Fiz uma reverência, como ele tinha me ensinado, e esperei por sua ira.
Desta vez sabia que não escaparia. E talvez meu corpo estivesse pedindo por
isso, por uma surra e, por fim, a escuridão para esquecer da dor que me
consumia neste momento.
E então, tudo o que escutei foi um soluço, tão profundo, tão cheio de dor,
que senti meu coração se partir ao meio.
Fiquei olhando-o se afastar, sentar na beirada da cama, colocar a cabeça
entre as mãos e chorar, feito uma criança. Não soube o que fazer. Eu sabia que
tinha errado, mas Deus, aquilo não era sobre mim. Não poderia ser.
Eu soube nesse instante que ele sabia exatamente o que era sentir dor.
Soube também que a dor dele entrava em meu coração e o dividia em centenas
de pedaços; descobri que era muito maior a tristeza de vê-lo sofrer do que a
minha própria. Percebi que daria qualquer coisa para aliviar o que quer que
estivesse machucando George agora. Uma lágrima que nunca tinha rolado por
meu rosto caiu, e eu soube nesse dia que o amava.
Deveria ter algo extremamente errado comigo.
CAPÍTULO 24

“Orgulho, rigidez, polidez, seriedade, indiferença, talvez sejam as melhores


qualidades que uma mulher vai encontrar em mim como marido.”
(Anotações de George, Londres, 1800.)
GEORGE
Deixei que a dor saísse. Ela era insuportável. Ali, no quarto, eu não era
mais um duque. Era só um homem cansado que tinha perdido a irmã e incapaz
de lidar com a própria esposa.
Sempre soube que o momento de me despedir de Susan seria difícil.
Apenas nunca o considerei insuportável e nunca imaginei ter companhia.
Não tinha coragem de encará-la. Sabia que parecia um fraco nesse
momento. Mas não me importava. Devia ter dado uma surra nela por sua
insolência, pela vergonha, os escândalos, e de que adiantaria? Só me odiaria na
manhã seguinte, e sabia que Helena não era uma mulher que se detinha com
violência. Se o fosse, as marcas no seu corpo já a teriam mudado. Ela era
obstinada, como nunca vira. E o pior é que gostava disso nela.
O único som no aposento eram meus soluços. Nem eu sabia que
precisava tanto chorar. Era como se a dor de tantos anos estivesse adormecida e
agora surgisse como um mostro apavorante.
— George.
O som do meu nome surgiu em meio ao meu choro, me surpreendendo.
— O que houve, me diz?
Algo na sua pergunta me fez olhar para ela. Dessa vez não tinha a
arrogância de sempre. As poucas velas que iluminavam o quarto mostraram que
seu rosto estava banhado por lágrimas. Sem desviar os olhos dos meus, e diante
do meu silêncio, ela disse:
— Me desculpe.
Doeu imaginar que ela se culpava pela minha dor. Helena não entendia,
não tinha como saber.
— Não sou filho único como minha mãe diz. Tive uma irmã: Susan —
disse tentando aliviar sua culpa, mesmo sabendo que ela não merecia minha
benevolência. — Ela foi a primogênita e não eu, como todos pensam. Por ser
mulher, foi odiada por meus pais desde o primeiro instante e tratada como um
descarte, mantida em um quarto como uma leprosa — continuei. Era bom
desabafar. — Anos depois, eu nasci para garantir o título e perpetuar o ego do
meu pai. A minha existência acabou de condenar a minha irmã. Eles só não
contavam que eu poderia amá-la. — Balancei a cabeça, perdido em
pensamentos.
Lembrei do riso dela, cujo som era maravilhoso e contagiante.
— Mas minha irmã cometeu um erro e foi expulsa de casa. Nunca mais a
vi. Procurei-a por todos esses anos e justamente hoje, enquanto você brincava de
prostituta, eu tinha descoberto que ela está morta.
Helena fechou os olhos, sem querer mostrar para mim as lágrimas que
caíam em abundância ou talvez a sua fraqueza, também exposta pela primeira
vez. Ali, no meu quarto, por uma ironia do destino, a fraqueza de ambos estava
escancarada.
Por um instante, olhando para ela, senti vontade de abraçá-la, consolá-la,
secar suas lágrimas e lhe dizer coisas que não, não deveria. Isso mudaria tudo.
Era perigoso e colocava em risco o que mais eu temia. Jamais poderia dar filhos
a uma mulher, então, nunca poderia amar, porque consequentemente, com o
passar do tempo, só o meu amor não seria suficiente, e privar uma pessoa que se
ama de algo era doloroso. Eu tinha certeza. Era um caminho sem volta.
Mas como se lesse seus pensamentos, mesmo receosa, a passos lentos ela
caminhou em minha direção e, quando não conseguiu mais resistir, se jogou em
meus braços. Aí, sim, desabou em um choro convulsivo.
Peguei seu corpo frágil no meu colo e a coloquei sentada nas minhas
pernas, aninhando sua cabeça no meu peito, apertando-a bem forte em meus
braços. E foi assim que o mundo parou e a dor sumiu.
Ela era a minha fraqueza e o meu remédio.
Fechei os olhos e aspirei seu perfume, não querendo que o tempo
passasse.
— Eu conheço a dor de perder alguém — sussurrei para que ela
compreendesse. — E sei que cada cicatriz do seu corpo doeu também.
Seu corpo convulsionou de encontro ao meu e aquilo me feriu de tal
forma que, a princípio, senti vontade de destruir o pai dela por cada dor imposta
à Helena. Mas pensei que vingança sempre me levava à escuridão, e ela não
merecia o mesmo destino que eu. E, assim, novamente a realidade veio sem
piedade, me lembrando de que eu a estava condenando a uma vida miserável; de
que minhas mãos não marcavam seu corpo, no entanto, minhas atitudes feriam
sua alma.
E foi assim, neste instante, que não suportei sentir que ela sofria, não
pude imaginar por nem um segundo mais que eu seria responsável por causar
dor e sofrimento a ela.
Como as cortinas abrindo em um espetáculo da minha vida, que parecia
uma trágica e icônica peça de teatro, eu vi claramente o que acontecia nesse
quarto.
Segurei seu rosto em minhas mãos, tentando conter o seu choro, e
comecei a beijar suas lágrimas que se misturaram com as minhas, até meus
lábios se perderem em sua boca, em um beijo tão doce que em nada lembrava a
salinidade das lágrimas.
Apertei seu corpo contra o meu, querendo protegê-la do mundo, mesmo
com a consciência de que o maior perigo estava ali mesmo: meu próprio eu.
Helena se agarrou aos meus cabelos, entregue aos meus carinhos. Éramos
duas pessoas quebradas, que se desnudavam de seu orgulho, para então se
encontrarem em um beijo que cobria nossas vergonhas. Ali não tinha um duque
e ela não era um escândalo. Éramos só dois seres humanos que precisavam de
um pouco de paz.
Pensei que havia tantas coisas a serem ditas, imaginei que poderia propor
a ela que tivéssemos um casamento mais digno, desde que ela soubesse os meus
motivos certos para não ter filhos. Desejei que ela me aceitasse de bom grado e
que eu fosse suficiente em sua vida. Mas era só mais uma noite, e o que
precisava ser dito poderia esperar pela manhã, pois no momento, meus dedos
agarravam seu vestido em uma tentativa desesperada de vê-la liberta daquelas
roupas e ter seu corpo nu em minhas mãos.
Ainda sobre meu colo, depositei seu corpo frágil sobre a cama e terminei
de despi-la. O seu olhar já tinha o desejo de sempre. Sua pele clara ruborizava
pela vergonha e sua boca ferina estava pronta para receber meus lábios
novamente.
Tirei a minha roupa e fui de encontro ao seu corpo, fechei os olhos e
senti, como em todas as outras vezes, que estava indo rumo à perfeição e, sim,
tinha encontrado meu lugar. Tinha paz quando nossos corpos se encontravam,
destoando do que éramos vestidos. Tinha compaixão, desejo, luxúria. Ela era o
láudano que aliviava minha dor.
— George... — ela clamava por meu nome, se entregando
completamente ao que sentia.
Coloquei-me em uma posição em que pudesse apreciar seu rosto
enquanto nossos corpos se saciavam. Nada dela me parecia ser suficiente.
E quando cheguei ao ápice, me doeu ter que me aliviar na cama, sabendo
que isso a magoava. Só que, dessa vez, não fugi como um covarde, me deitei ao
seu lado e a abracei, sentindo seu perfume, me inebriando no seu cheiro.
Nesse instante, soube que meus planos tinham fracassado, que era um
caminho sem volta e que seria incapaz de abandonar essa mulher.
Concluí então que, desde a primeira gargalhada que Helena soltou, o
primeiro escândalo que presenciei, eu a amei. E foi assim, abraçando a mulher
que tinha se passado por prostituta, me envergonhando perante Londres, e me
desafiava em todos os sentidos, colocava uma corda no pescoço perante minha
convicção, que descobri que a amava. Sabia exatamente o dia em que isso tinha
acontecido.
Perguntei-me como alguém poderia nadar contra a correnteza sem se
afogar? Parecia ser exatamente isto que eu tentava fazer com Helena. Que Deus
me ajudasse mais uma vez, já que, sim, eu amava o meu doce escândalo e não
pretendia abandonar minhas vinganças!
CAPÍTULO 25

“Pelo restante dos meus dias, por todas as feridas cicatrizadas do meu corpo
e pelas da minha alma, ainda abertas, eu precisava de amor, eu o teria. Isso
era uma promessa a mim mesma.”
(Diário de Helena, Londres, 1801.)
HELENA
O sol entrando pala janelas me fez acordar. Pensei estar sonhando quando
olhei para George, que ainda dormia profundamente, com as pernas entrelaçadas
entre as minhas e os braços me apertando pela cintura.
Lembranças da noite anterior fizeram com que meu coração se apertasse.
Algo mudou em mim, e eu acreditava, ao vê-lo ao meu lado, que em George
também. Uma esperança se iluminou dentro do meu ser e senti que talvez os
meus sonhos pudessem ser resgatados e que, sim, eu poderia ter a minha família.
Esperei, sem me mexer, ele acordar, o que não tardou a acontecer.
Um sorriso contido surgiu dos lábios perfeitamente desenhados no seu
rosto. A beleza dele sempre me tirava o fôlego.
— Creio que já dormi muito mais do que seria permitido a um homem
que tem propriedades para administrar e um escândalo para conter.
Coloquei as mãos sobre o rosto, envergonhada. Sim, eu provavelmente
tinha passado dos limites. Ah, se ele soubesse que uma das minhas únicas
amigas em Londres era uma prostituta.
— Não se envergonhe. Creio que vamos sobreviver a isso, só não posso
dizer o mesmo de minha mãe.
Dessa vez, um enorme sorriso estampou seus lábios. Pegando minhas
mãos entre as suas, ele as afastou do meu rosto.
— Me deixe olhar para a mulher mais linda de Londres. Não se esconda.
— Me diga, por que acha que em Londres aparência está além das
pessoas, principalmente quando se trata de mulheres? Acha que posso entrar
num baile sem ser julgada por minhas risadas escandalosas, meus atos insolentes
ou minha completa essência carregada de dolo?
Ele me escolhera por ser um escândalo. Nenhum homem em sã
consciência teria se casado comigo. E isso doía. Magoava-me saber que ninguém
poderia ser o que queria nesse mundo taxativo.
O silêncio se abateu sobre o ambiente e pensei que talvez o tivesse feito
refletir sobre sua irmã. Arrependi-me por minhas palavras. Antes de dizer algo,
ele me puxou para mais perto de si, me apertando em seus braços.
— Eu só sei que pode entrar em um baile em que sua risada é a mais
escandalosamente bela, seus atos insolentes fazem todos os homens se render
aos seus pés, e os seus comportamentos inaceitáveis fazem com que eles tenham
sonhos aos quais nem você vestida de prostituta faria jus. — Ele parou de falar,
depositando seus lábios sobre os meus em um beijo que me fez fechar os olhos e
então continuou sussurrando sobre eles. — E os homens correm de você, por
medo. Sabem que você vai destruí-los com pensamentos. Mulheres não devem
pensar.
Sorri com sua conclusão.
— O que elas devem fazer? — perguntei curiosa.
— Bordar, cuidar da casa, cuidar dos filh....
Ele se retesou diante da palavra retida. Ele ia falar de filhos, mas se
conteve. Fingi que não percebi, mas aquilo foi suficiente para que tudo mudasse.
George se afastou.
— Preciso me levantar. A obrigação me chama.
Depositando um beijo frio na minha testa, ele deixou a cama, vestiu o
roupão e saiu em direção ao seu quarto.
O vazio que sua ausência causou me trouxe uma melancolia sem fim.
Esse era o fim da nossa harmonia. Nunca seriamos uma família, concluí com
tristeza. Porém, muito tinha sido conquistado nessa noite. Precisava ir com
calma. Tudo poderia ser conquistado. Era isso que Nataly sempre dizia: “Para
uma mulher, não há limites”.
Diferente de todas as outras manhãs, me levantei com uma nova força,
me troquei e fui para a o café da manhã como a verdadeira dona dessa casa,
como a duquesa desse lar. George já ocupava o seu posto na mesa, ao lado da
mãe, que fez questão de me ignorar quando adentrei o cômodo.
Meu marido sorriu com gentileza, me recebendo com afeto. No entanto, a
harmonia foi quebrada no instante seguinte, quando sua mãe nos interrompeu:
— Devo lhe informar que é de bom decoro oferecer um baile após o
casamento. Sei que você não será capaz de organizar tal evento e estou disposta
a fazer isto por você.
Engoli em seco com o comentário e não esperei pela resposta de George:
— Na verdade, só não tinha pensado em fazê-lo porque estava muito
ocupada desfrutando as minhas núpcias. — O comentário indecente fez com que
meu rosto queimasse e ela se engasgasse com o copo de leite que bebia. — Mas
agora creio que posso dar andamento à festa tão aguardada por vossa graça e que
entrará para a história de Londres.
Desta vez, sua pele adquiriu um tom pálido e decidi que a vingança de
George se tornaria minha também. Se ele sofrera no passado por aquela mulher,
eu também me sentia na obrigação de fazê-la pagar por toda a tristeza causada ao
homem que nesse instante me olhava com admiração.
— George, creio que você não vai deixar que sua mulher destrua sua
propriedade e sua reputação com uma festa que será um verdadeiro fiasco! —
ela indagou, olhando indignada para meu marido.
Olhei na direção dele também, esperando por minha defesa, que não
tardou a chegar.
— Creio que teremos a melhor festa já vista em muito tempo. Você tem
todo o meu dinheiro, os meus criados e a mim ao seu dispor, minha lady — ele
disse, pegando minha mão por cima da mesa e levando aos seus lábios, em um
gesto de carinho que não era comum em público e muito menos a sós.
Senti-me lisonjeada e feliz, como nunca.
Aquilo seria emocionante. Organizar uma festa, mostrar para toda
Londres que eu não era só uma derrotada, esquecida nos bailes da capital, a filha
indigna. Eu era uma duquesa, casada com um homem que, por fim, poderia me
amar. Eu estava radiante!
A festa era o momento em que eu poderia lavar minha alma, mostrar ao
mundo meu valor. Eu poderia ser o escândalo, mas seria um escândalo de valor!
Eu daria a melhor festa já vista na cidade e, no fim da noite, faria questão
de continuar envergonhando minha sogra e meus pais, para que eles se
lembrassem do seu lugar nessa sociedade suja.
Indignada, sua mãe saiu da mesa.
— Teremos outro leilão nesse baile? — George perguntou me
provocando.
Gargalhei.
— Creio que não seria apropriado, meu Lorde. Mas estou pensando em
um baile de máscaras. Isso seria bem sugestivo.
— Ah, Helena... — Ele fechou os olhos brevemente e seu meio sorriso se
alargou. — Creio que seremos fofoca por muito tempo.
— Creio que sim! — assenti.
— Tem planos para esta tarde? — ele perguntou.
— Pretendia começar a organização do baile, por quê?
— Vou resolver alguns assuntos e depois preciso cumprir uma promessa
e te levar para cavalgar. Creio que deixamos esse assunto pendente. — Ele
piscou com malícia.
— Ah, sim. Seria necessário para minha compreensão sobre
adestramento e meu lugar na sociedade. Muito bem-vindo com um baile à vista.
Arqueando as sobrancelhas, ele se abaixou aproximando do meu ouvido.
— Seria extremamente necessário, minha lady. Quero te mostrar os
princípios básicos do adestramento do animal.
— Estou ansiosa— respondi em deboche.
Ele encostou os lábios na minha orelha, deixando um rastro de beijo por
ali que me fez flutuar por alguns instantes e esquecer do que falávamos.
— Se vista adequadamente e me encontre depois que almoçar, ao lado do
lago.
Suspirei tentando me recuperar, enquanto ele se retirava da sala de jantar.
De um dia para o outro tudo mudava. Tinha um marido que resolvera se
interessar por mim e uma vida que eu estava disposta a desfrutar, da minha
maneira.
A ideia do baile de máscaras surgiu como uma forma de poder trazer
Nataly para a festa. Eu a considerava uma grande amiga que me ajudara quando
tanto precisei, porém infelizmente ela nunca poderia frequentar os mesmos
eventos de minha classe social. No entanto, se estivesse disfarçada, isso seria
possível.
Empolgada, comecei a imaginar a noite do baile e tudo que poderia advir
dela. Também reveria Charlote. Estava com saudades daquela moça ingênua e
cheia de ideias malucas como eu. Seria uma noite histórica.
Pensei se poderia ser feliz com tudo aquilo e abrir mão da grande família
que sonhava, dos filhos... Então decidi deixar isso de lado momentaneamente.
Para cada coisa na vida tinha um momento certo, e para cada obstáculo, um
desvio, principalmente quando se tratava de amor.
CAPÍTULO 26

“Meu melhor amigo sempre dizia que mulheres são como tempestades.
Quando você menos espera, elas chegam e destroem tudo em você. A partir
daquele dia, comecei a considerar as tempestades algo fraco, que nunca me
deteriam.”
(Anotações de George, Paris, 1799.)
GEORGE
Debruçado sobre os papéis na minha mesa, lembrei de uma vez, ainda na
infância, quando peguei um resfriado e o médico preparou um remédio cheio de
erva que, além de um odor horroroso, era amargo como fel. Eu deveria ingerir
uma colher daquele líquido apavorante todas as manhãs, por sete dias
consecutivos. Para uma criança, aquilo era um castigo sem fim.
Quando choraminguei com Susan sobre minha lamentável situação, ela
com seu sorriso doce me disse que era algo simples de se resolver: era só pegar o
meu doce preferido, ingerir o líquido amargo tapando as narinas e rapidamente
comer o doce. Eu pouco sentiria do líquido amargo e o que ficaria na minha boca
seria o paladar adocicado. Suas palavras foram: “Nada de amargo pode superar
o doce da vida”.
Nessa manhã pensei em como Helena era o doce que me ajudava a
superar o cálice amargo dos últimos dias.
Alguém bateu à porta.
— Entre.
Era meu lacaio.
— Vossa Graça, chamou-me?
— Quero que sele dois cavalos, por favor. Escolha um bem manso e o
meu de costume.
— Sim, Milorde — ele assentiu e se retirou com minha permissão.
Tentei me concentrar para terminar o resto dos meus afazeres. Como
tinha me ausentado por alguns dias, muitas coisas tinham se acumulado. Uma
das minhas propriedades em Brighton estava com dificuldades na colheita e eu
precisava estar lá, mas devido ao casamento e aos meus propósitos com minha
mãe, não me permitia ausentar, o que dificultava e prejudicava mais os meus
negócios. Esperava resolver em breve, ou poderia ter prejuízos graves.
Organizei várias planilhas, encaminhei algumas cartas e, quando uma
certa silhueta não me saía da memória, decidi matar a saudade da minha dama.
Encontrei Helena sentada no sofá da sala, concentrada, com uma lista na
mão. Ela não me viu entrar e a surpreendi com beijo na bochecha, que a fez
corar.
— Fazendo a lista da festa ou dos convidados que pretende envenenar?
— perguntei com sarcasmo e um sorriso zombeteiro no rosto.
Colocando o dedo no rosto, ela se fez de pensativa.
— Na verdade, os dois. Quer me dar alguma sugestão de convidado ou
veneno? — Sorriu.
Sua concordância fez com que uma gargalhada ecoasse pela sala, e só
então percebi que era minha. Eu estava feliz. Ela me fazia feliz.
— Depois podemos pensar sobre isso. Pronta para nosso passeio?
— Não exatamente pronta, eu diria. Se o estivesse, estaria vestindo calça
como meu marido, assim poderia sentar-me em um cavalo adequadamente —
me respondeu com língua afiada, como somente Helena poderia, apontando para
o seu vestido de tecido leve próprio para montaria, na cor verde-água.
— Creio que isso não será empecilho para o nosso divertimento —
garanti, estendendo minha mão para que ela me acompanhasse.
— Seu divertimento está garantido exatamente nessa questão, aos tombos
que esse vestido me proporcionará.
Peguei sua mão envolvida em luvas de seda.
— Creio que não deixarei você cair. A não ser que eu fique por baixo.
O comentário em tom indecente fez com que ela corasse novamente, e
senti vontade de mudar meus planos e levá-la para o quarto, porém não poderia
fazer isso.
— Não sou mulher de ficar por baixo, você sabe disso — respondeu, me
surpreendendo como sempre.
Abri a porta da casa e a brisa da manhã nos surpreendeu, assim como a
paisagem bela do lugar que, se não fosse pelas lembranças do passado, seria
encantador. A vegetação era perfeitamente verde nessa época do ano e o lago
brilhava em contraste, refletindo as cores da mata e do céu.
De longe avistei os cavalos que já nos aguardavam.
— Ali! — apontei para os dois. — Aquele cinza é Joshua, meu preferido.
Sempre monto nele — expliquei para Helena.
— Devo presumir que ele é o mais adestrado, o que obedece às suas
ordens, e que lembra em comportamento muito mais um cachorro de madame a
um cavalo — disse com audácia, seus olhos faiscando em desejo por me
enfrentar. Ela gostava daquele jogo e eu ficava enfeitiçado por isso nela.
Parei nossa caminhada e entrelacei os braços em sua cintura, apreciando
seu olhar e a desafiando também.
— Acho que não sou muito adepto a cavalos domados. Joshua foi
encontrado perdido em uma mata aqui por perto. Estava assustado e arredio, e
não era um cavalo propício para ser domado. Era um dos mais ariscos que já
tinha encontrado na vida. E foi exatamente esse que escolhi para ser meu. Ele é
exótico, único.
Um dos cantos da boca dela subiu em um sorriso enviesado. Depositei
meus lábios ali, sentindo seu perfume encantador.
— Está dizendo que sou um cavalo indomável? — ela sussurrou. — E
faz caridade com coisas, como Joshua?
Sorri ainda mantendo meus lábios perto dos seus. Como uma mulher
poderia ser tão encantadora? Os meus planos nunca poderiam ter dado tão
errados. Nunca conseguiria deixá-la de lado. Ela era um furacão. O meu furacão.
— Estou dizendo que você é exótica, exclusiva e encantadoramente
indomável. Além de ser completamente minha.
Ela abriu os lábios sorrindo e os capturei, passando a língua pelo lábio
inferior, decidido a arrastá-la para o quarto.
Afundei os dedos em seus cabelos, sem me importar que desmancharia
seu lindo penteado. Precisava sentir a maciez daqueles cachos perfeitos.
Ela deixou escapar um gemido. Puxei seu corpo colando mais próximo
ao meu e ela me empurrou.
— Não! Por Deus! É dia e estamos ao ar livre. Ficou louco! — retrucou
rindo.
Assenti.
— Creio que sim. Acabei de mudar meus planos. Vamos cavalgar no
quarto. Teremos uma aula teórica de equitação.
Ela colocou as mãos sobre a barriga e se abaixou.
— Você está bem? — perguntei preocupado.
E então surgiu um estrondo! A gargalhada mais alta e estranha que já
tinha escutado na vida. Ela me olhou sem ar, com os olhos lacrimejando. Não
conseguia parar. Estava tendo uma crise de risos parecida com a que tivera no
primeiro baile em que a conhecera. Tudo que pude fazer, então, foi acompanhá-
la. Comecei a rir também e apontar para a casa, para onde deveríamos voltar.
Helena apontou para os cavalos e saiu correndo. Fui atrás dela, me sentindo
livre, me sentindo feliz.
Quando a alcancei, joguei-a nos meus ombros e a levei de volta para
casa, sem me importar se era um duque, um homem poderoso, se alguém estava
olhando. Só me importava que estava feliz com a minha mulher.
Ao abrir a porta de casa, Helena com seu escândalo chamou a atenção de
alguns criados, e assim fomos até o meu quarto, onde a joguei na cama e a despi,
de forma rápida, mas a amei de forma lenta.
E tudo era perfeito até que o fantasma do meu pai chegava e se colocava
entre nós; e quando eu derramava as minhas sementes na cama, podia ver a
tristeza se derramando no olhar da mulher que aprendi a amar. Mas convenci a
mim mesmo que com o tempo aquilo se apaziguaria, porque até as piores
tempestades cessavam. E a consciência me lembrava de que as tempestades
sempre deixavam destruição que o tempo não apagava.
Passamos a tarde na cama, falando de inutilidades, da festa, de coisas
bobas, de outras coisas importantes, e até de negócios. Com Helena era fácil.
Podia-se falar de qualquer coisa. De política a religião. Ela tinha uma resposta
para tudo.
— Me conta uma coisa, como você entrou naquele bordel? — acabei
perguntando em uma das nossas conversas banais.
E, de repente, a mulher de todas as respostas se calou.
Alguém bateu na porta para interromper um momento tão importante.
Levantei e coloquei o roupão. O meu lacaio sabia que odiava ser incomodado.
Deveria ser algo extremamente importante.
— Me espere na cama. É um minuto — pedi à Helena. Queria terminar
aquela conversa. Ela parecia pálida.
Abri uma fresta da porta.
— Me desculpe, Vossa Graça, sei que não gosta de ser incomodado, mas
é uma emergência.
Assenti para que ele continuasse.
— Senhorita Marcele está lá na porta. Disse que enviou uma carta para o
senhor faz um mês anunciando sua chegada para uma breve hospedagem de
férias. Comunicou que o senhor não respondeu, no entanto nunca a colocaria
para fora de sua propriedade.
— Oh, céus! — exclamei colocando a mão na testa.
Marcele era uma prima muito querida da minha família, de minha mãe, e
foi minha também, indo parar várias vezes na minha cama quando vinha passar
férias em casa. Olhei para Helena, que sorria apreensiva na cama. Eu não tinha
visto a carta de Marcele. Tinha ignorado muitas cartas nos últimos dias e agora
não tinha como colocar ela para fora de casa, e estaria muito encrencado se
Helena descobrisse nosso passado. Mas passado era passado. Eu agora era um
homem casado.
— Mande-a entrar e a acomode em um quarto de hóspedes — dei ordens
para o lacaio. — Já desço para recepcioná-la.
Quando ela saiu, olhei para minha mulher, que continuava pálida. Tinha
alguma coisa errada na história do bordel. E eu sentia que Marcele me traria
problemas.
Mulheres, mulheres, sempre as mulheres!
CAPÍTULO 27

“Nunca consegui compreender como homens são capazes de colecionar


mulheres. Que Deus me livrasse desses libertinos.”
(Diário de Helena, Londres, 1799.)
HELENA
George fechou a porta e me olhou com as sobrancelhas arqueadas.
Parecia intrigado e, ao mesmo tempo, preocupado.
O pouco tempo que ele passou conversando com seu lacaio não foi o
suficiente para que eu encontrasse uma desculpa para sua pergunta. Como eu
tinha entrado no clube? Não tinha reposta plausível para tal indagação!
Aquele tipo de clube necessitava de um convite exclusivo para os
cavalheiros e era um passe livre para as damas que fossem realmente prostitutas,
o que eu não era. Não poderia simplesmente dizer que tinha uma amiga dona de
um bordel. Não arriscaria expor Nataly, não depois que ela tanto me ajudara.
— Creio que vamos ter essa conversa mais tarde — George disse,
passando as mãos pelos cabelos. — Temos visita para hospedar em nossa casa.
Surpreendi-me pelas duas coisas. Primeiro, aliviada pelo encerramento
do assunto por ora e, segundo, porque não era de bom decoro visitar recém-
casados para se hospedar, muito menos sem avisar, ou....
— Quem seria? Você não me disse nada! — comentei.
— Eu não sabia. É uma prima muito estimada por minha família. Ela
deve ter mandado uma carta que acabei não vendo, devido aos acontecimentos
dos últimos dias.
— Ela não sabe que você se casou? Provavelmente não estaria aqui se
soubesse, não é? — indaguei.
Ele balançou a cabeça.
— Creio que não tenha recebido a notícia do nosso repentino casamento.
Vou para o meu quarto me trocar. Espero você lá embaixo. Vou recepcioná-la.
Assenti, extremamente irritada. Estávamos em perfeita paz e aquela
prima deveria ser outra velha chata, como a mãe de George.
Não fiz questão de me trocar com urgência.
Conforme fui descendo as escadas até a sala, pude escutar a voz da
intrusa que não me pareceu em nada de uma velha chata, mas de uma jovem
audaz.
Quando meus pés adentraram a sala, pude vislumbrar uma dama de
cabelos loiros claros, olhos azuis perfeitos e um sorriso contagiante. Não,
definitivamente ela não era uma velha! Porém, meu maior incômodo foi
observar a forma como ela conversava com George, como se fossem íntimos!
Ele sorria enquanto ela dizia algo próximo ao seu ouvido e mantinha as mãos em
seu peito. Aquele não era o comportamento de uma dama! Mas que ironia, quem
era eu para falar de comportamentos aceitáveis para uma dama?
Algo me incomodou, mas balancei a cabeça. Era só uma sensação de
posse com George, já que ela era sua prima e ele meu marido. Agora que
estávamos nos entendendo, nada poderia tirar nossa paz.
Recompus-me e abri um sorriso, indo na direção dos dois. George ficou
sério no mesmo instante em que me viu, e a sua repentina mudança de atitude
fez com que algo se acendesse dentro da mente. Estranho, muito estranho...
— Marcele, deixe apresentar....
— Oh, essa deve ser... — ela interrompeu George e veio me
cumprimentar com um abraço afetuoso. Reparei que seu perfume era bom. Com
toda certeza deveria ser francês. Diziam que lá tinha os melhores. — Creio que é
a governanta.
Engoli em seco, enquanto ela se afastava e me observava.
— Não... — Ele passou a mão pelo rosto, parecendo constrangido.
Estava com vergonha de mim? Eu o mataria por isso mais tarde. — É minha
esposa, a Duquesa de Misternham, Helena.
Ela abriu a boca e ficou pasma por alguns instantes. Seu olhar confuso,
se alternando em mim e George.
— Por Deus, George! — disse por fim quando se recuperou do choque,
colocando as mãos na cintura, como se estivesse zangada. — Por que não nos
disse que estava passando por problemas financeiros? Papai teria te ajudado,
com toda certeza. Não precisava de um dote às pressas, se casando com a
primeira que o oferecesse.
Desta vez, o choque foi meu por suas palavras insolentes. Onde ela
pensava que estava, me desmerecendo dessa forma?
Meu olhar se fechou e, mesmo a contragosto, abri meu melhor sorriso em
sua direção.
— Creio que vocês não se veem ou conversam há bastante tempo. Mas
os negócios de George estão melhores do que nunca, não que isto seja da sua
conta. Na verdade, meu dote foi insignificante diante da sua riqueza! — O que
era uma verdade!
E como se diz que quando há uma cobra, sempre outra pode se juntar
para dar o bote, minha querida sogra chegou, já abrindo os braços para felicitar a
recém-chegada, com uma alegria indescritível.
— Marcele, que alegria ter você em nossa residência.
— Titia, que saudade.
Abraçaram-se por longos minutos. Amavam-se! Que bonitinho! Era
muito amor em família. Sorri com ironia, contemplando o rosto de George, que
olhava tudo ainda com preocupação.
— Estou muito constrangida! — Marcele abaixou o olhar se fazendo de
envergonhada. Era uma excelente atriz. — Não soube do casamento de George e
creio que sou um incômodo. Devo pedir que voltem minha bagagem para a
carruagem. Vou retornar agora mesmo para Paris.
— De forma alguma, querida! — Estendeu a mão e fez uma cara como
se estivesse sentindo dores horrorosas. — Você fica. Até porque vamos dar uma
grande festa e não temos nenhuma cantora em vista. Não é, George?
Todas nós olhamos para ele. Eu esperava sua reprovação.
Ele deu de ombros e por fim disse:
— Claro! Sempre é bem-vinda nesta casa.
Era o fim! Eu estava possessa. Não sei se pelo fato de que ela estava
sendo deselegante; ou porque ele não percebera meu incômodo com a presença
da moça; pelo fato dela ser linda e, ainda por cima, cantora...ou não sei! Tudo me
irritava naquela mulher. Por fim abri um sorriso, pensando que se Nataly
estivesse ali, ela agiria assim.
Aproximei-me de George e coloquei as mãos em seus ombros.
— Sim, você será! Deve estar cansada e vou pedir que levem sua
bagagem e que a acomodem em um dos nossos quartos de hóspedes. — Que eu
farei questão de que seja o pior da residência, pensei. — Querido, será que você
pode me acompanhar até a cidade esta tarde? Eu preciso comprar algumas coisas
e creio que preciso de um homem para me ajudar a carregar as compras. — Sorri
com olhar mimado.
Definitivamente, essa não era minha postura, no entanto, eu precisava
realmente comprar coisas para o baile e fugir dessa casa por uma tarde. Me faria
bem ficar longe daquelas duas.
— Que ótima ideia — Marcele interveio batendo palmas. — Estou
necessitada de novos vestidos, será que posso acompanhá-los?
George me olhou em socorro. Senti meu sangue ferver.
— Ah, me desculpe. Mas vou visitar Charlote, uma grande amiga, e
como não avisei que você iria, creio que ficaria deselegante. Querido, será que
sua carruagem poderá levar Lady Marcele à cidade amanhã? Assim, ela poderá
descansar esta tarde e fazer suas compras com mais tranquilidade.
Aquela mulher me olhou de forma diabólica. Foi algo sutil, que meu
marido não notou, já que no instante seguinte ela abriu um sorriso e assentiu.
Percebi que tinha conquistado uma inimiga. Mas era só mais uma na lista, e não
me importei. Tinha conquistado muitas coisas com George nesses dias, e não
seria uma mulher qualquer de olhos azuis, cabelos dourados, rosto angelical, que
chegaria para tomar.
Acompanhada de minha sogra, ela foi se acomodar em um quarto de
hóspedes que dei instruções para uma das criadas colocá-la. Era um dos menores
da casa.
Quando ela se afastou, George sorriu sem graça e pediu licença para ir
até o seu escritório. Tinha algo no ar que me incomodava. Eu sempre tive um
sexto sentido. Algo me dizia que Lady Marcele era mais que só uma prima.
Passei a mão pela nuca e deixei os pensamentos para trás, me lembrando
de que tinha muitas outras coisas para me preocupar, como a visita inesperada à
Lady Charlote, já que ela não fazia ideia de que apareceria na sua casa e aquilo
tinha sido só uma desculpa para que Marcele não fosse conosco até a cidade.
Também tinha todas as questões do baile. Olhei desanimada para o sofá
da sala, onde anteriormente tinha quebrado minha cabeça pensando nos detalhes
daquela festa. Por Deus, como se organizavam tantas coisas para uma única
noite? Tinha que se pensar nas cores das toalhas, das cortinas, na disposição dos
talheres, dos convidados, o cardápio. Nada poderia sair errado — e se desastres
eram comuns com minha presença, que dirá com minha organização!
Se era para fazer história, com certeza essa noite seria inesquecível.
CAPÍTULO 28

“Mulheres do passado são como uma página de um livro virado, um livro


que você gostou de ler, mas não pretende repetir a leitura. Seu lugar é no
passado, e você precisa de novas páginas: novas mulheres. Não pretendo
permanecer na mesma página, nem por duas noites. É demasiadamente
irritante.”
(Anotações de George, Londres, 1800.)
GEORGE
Parado em frente à Margins, uma loja de artigos finos, esperando
impacientemente há mais de uma hora enquanto Helena fazia suas compras,
pensava em como sairia daquele enrosco. Era óbvio que Marcele estava ali para
me causar problemas. Se não conseguisse o que almejasse, tornava a vida das
pessoas um inferno, como uma criança mimada que sempre fora.
Filha de um grande banqueiro, a família Rosfeld veio da Alemanha e fez
sua fortuna bancando principalmente a indústria têxtil, que estava em grande
expansão. Dizia-se que a fortuna do velho Junques era incalculável, assim como
sua frustração por não ter um título, o que o mantinha distante de muitas coisas
da sociedade. O dinheiro não comprava tudo na Inglaterra, porém ele acreditava
que compraria um bom casamento para sua filha, que viria carregado pelo título.
Marcele cresceu e foi educada para isso. O objetivo de sua vida se
concentrava em se casar com um duque ou, no mínimo, um marquês, e eu
acreditava que sua frustração ao me ver casado e saber que tinha perdido um
bom partido, se resumiria em uma boa birra.
Eu não me importaria com isso em qualquer outro momento da minha
vida. Mas nesse instante, a minha paz com Helena tinha um sabor tão doce, os
últimos momentos passados com ela foram tão maravilhosos, que eu não
pretendia deixar que aquela mulher pretensiosa quebrasse aquilo.
Precisava de um plano. Urgente!
Helena me olhava com desconfiança, como se já tivesse captado algo no
ar. Durante todo o trajeto pude sentir isso.
Olhei para a vitrine e vislumbrei minha mulher distraída escolhendo
alguma coisa que não distingui o que era. Ela sorria para a vendedora e tive
vontade de raptá-la e levá-la para algum canto daquelas vielas e possuir seu
corpo. Estava me sentindo um pervertido; se Pietro me visse ali, esperando
minha mulher fazer compras e tendo esses pensamentos, me chamaria de...
Era isso! Pietro era a solução. A ideia era brilhante. Ele tinha o título, e
ela a fortuna de que ele precisava. Era o casamento perfeito. Marcele não se
importaria com as perversões do meu amigo e Pietro a aproveitaria muito bem.
O baile era a oportunidade perfeita para apresentá-los e tudo se
encaixaria, incluindo a situação crítica de Vandik, que não tinha mais um vintém
no bolso e os credores se acumulando em um nível assustador que nem o
incomodavam mais. Eu me preocupava muito mais que ele.
Fiquei maquinando pelo que pareceu uma eternidade, até Helena sair da
loja carregada de sacolas, sendo conduzida por mais um batalhão de mulheres
que ajudaram a acomodar todas as coisas na carruagem.
Com um olhar de menina travessa, ela se aproximou com uma caixa nas
mãos.
— Este é para você. Um presente.
Abri a boca para responder algo. Então me percebi sem palavras,
surpreso. Não me lembrava qual a última vez que alguém tivera um gesto tão
nobre comigo. Tinha tanto brilho dentro dos olhos dela.
Sem me importar com as regras, peguei a caixa das suas mãos e coloquei
meus lábios sobre os seus.
Não tinha regras sociais entre mim e Helena. Não poderiam existir regras
entre sentimentos, e ela era avessa a etiquetas e eu amava isso nela.
Helena arregalou os olhos, surpresa com o meu beijo.
— Já tenho meu melhor presente — disse, com a emoção latente em
minha voz: — a sua existência em minha vida.
— Então, devo devolver? — ameaçou, tentando tirar o pacote das minhas
mãos.
Beijei-a novamente. Dessa vez, não encostei só meus lábios; invadi sua
boca sem pedir licença. Estava cada minuto mais encantado com seu jeito de ser
despretensioso, ameaçador e livre de viver a vida.
— Creio que já me deu o presente e não se deve recusar. Seria
deselegante.
Abri a pequena caixa de veludo azul-turquesa e encontrei um relógio de
bolso dourado. Quando o abri, pude vislumbrar com escritas gravadas em latim
quase imperceptíveis ao fundo, a palavra dia e hora. O relógio era uma
antiguidade.
— É para que, sempre que estiver longe de mim, olhe para o relógio e se
lembre do dia e da hora em que me conheceu. Saberá dos caminhos que tomou a
partir daquele dia, dos rumos que trilhou e das escolhas que fez e, assim, não
desejará olhar para trás.
— Eu não vou olhar para trás! — disse com convicção.
Abri as portas da carruagem, para que entrássemos. Queria ter essa
conversa longe dos olhos curiosos. Já dávamos um pequeno espetáculo na rua.
O presente era maravilhoso, suas palavras também. No entanto, tinha
algo por trás daquilo, e eu pude reconhecer o que era, porque sentia isso muitas
vezes na minha vida. Era medo.
Assim que nos acomodamos, reparei que ela mantinha os olhos fixos no
estofado extravagante do assento. Estava constrangida. Sabia que eu percebi seu
medo. Aproximei-me do seu corpo e ergui seu rosto delicado que, ao mesmo
tempo, tinha o ar resoluto de um soldado pronto para ir à batalha.
— Não se entristeça, vida minha. O que há? — perguntei, mesmo com
medo, já sabendo o motivo de todos os seus receios.
Seu olhar amedrontado me encarou.
— Já se deitou com aquela mulher?
A pergunta sem rodeios me pegou de surpresa, me deixando outra vez
sem palavras. Quando consegui me recompor, abri um sorriso, porque amava sua
audácia e sua coragem.
— Por que faz perguntas cujas respostas não quer escutar, quando talvez
já saiba o que vai ouvir, muito antes dos seus questionamentos?
Ela se endireitou, levantou a cabeça e desviou o olhar antes de me
devolver a resposta, e me surpreendi por perceber como já a conhecia tão bem.
Helena estava com o orgulho ferido e tentava esconder isso de mim.
— Só preciso saber com que tipo de pessoas estou lidando. Não sou esse
tipo de mulher que se magoa facilmente, meu lorde. — A forma cortês como me
chamou mostrava claramente que estava magoada, contradizendo suas palavras.
— Ela se juntou com sua mãe. Creio eu que estão tramando algo a meu respeito
nesse instante. Não acha?
— Acho que você mente muito mal, como sempre o fez. Tenho certeza
de que sim, estão tramando, sei que não se importa com isso, você nunca se
importaria com algo que viesse tão de baixo, e minha mulher, essa que está na
minha frente, me olhando neste instante, com medo da minha resposta, precisa
saber de algumas coisa primeiro.
Encostei minha testa na sua, e pude sentir que sua respiração ficou
irregular. Era impressionante a forma como nos tocávamos e nossos corpos se
acendiam.
Meus lábios se encaixaram aos dela, enquanto minhas mãos foram de
encontro ao seu corpo, erguendo-o com facilidade e o trazendo ao meu colo.
— Eu não poderia enumerar as mulheres que passaram por minha cama,
as que desonrei, as que vi nuas. E talvez nunca consiga fazer isso,
principalmente por não lembrar sequer os seus nomes... — comecei a dizer no
seu ouvido, com palavras sussurradas, como um segredo que seria só meu e dela,
ali, dentro da carruagem, onde o mundo não poderia nos enxergar e nem nos
ouvir. — Mas consigo memorizar o som do seu riso quando entrei naquele baile;
consigo saber, sem ao menos te ver, que você chegou, porque conheço todos os
seus cheiros, o seu sabor é inconfundível....
Ela arfou quando brinquei com meu nariz perto da sua orelha, querendo
sentir a maciez da sua pele ali. Eu queria absorver cada pedacinho do seu corpo,
memorizá-lo por inteiro.
— Você cheira a morango, misturado com lavanda, mas quando termina
de se banhar, seu cheiro se transforma em rosas banhadas pelo orvalho na
primavera. O som do seu riso me lembra o final de uma grande peça teatral que
agradou todo o público, em que, uníssono, chega aos ouvidos da plateia e
transborda aos olhos dos mais sensíveis, por ser forte e ao mesmo tempo tocante.
— Ela inclinou o pescoço, dando mais passagem para minha boca, que trilhou
alguns beijos por ali, e continuei: — A sua boca me lembra o sabor das
amêndoas que provei na Itália, e não é só pelo paladar, e sim pelas lembranças
felizes que tive lá e desejo repetir com você; já o seu corpo, este tem gosto de
pecado.
As mãos dela subiram e acariciaram os meus cabelos. Tomei sua boca,
beijando e aproveitando o seu sabor que amava. Ela retribuiu o beijo e, sem me
importar com mais nada, comecei a despi-la, até perceber o solavanco da
carruagem e depois notar que estava parando. Tínhamos chegado.
Olhamo-nos assustados, e como dois inconsequentes, nos recompusemos
em meio às nossas risadas.
Quando o cocheiro abriu a porta para descermos, estávamos vestidos,
porém Helena tinha as bochechas coradas que diziam muito, e eu não gostaria de
imaginar minha aparência.
— Você não iria visitar lady Charlote? — perguntei, me lembrando.
— Me esqueci completamente — disse colocando a mão na testa. —
Depois envio uma carta e um pedido de desculpas. Creio que já estou sofrendo
de amnésia da paixão.
As suas palavras me fizeram gargalhar.
Sabia que não conseguiria entrar em casa sem ser incomodado por minha
mãe ou Marcele, muito menos sem chamar a atenção com o barulho que
fazíamos, rindo feito duas crianças.
Peguei no braço de Helena e decidi que nada tiraria a alegria da minha
mulher, que tentava conter um sorriso.
Como esperado, assim que entramos, as duas nos aguardavam na sala.
Marcele nos olhou por alguns instantes, e em seguida lançou um olhar de
cumplicidade. Sua malícia deixava claro o que fizemos instantes atrás.
— Que bom que chegaram — minha mãe foi a primeira a dizer. —
Estávamos aguardando vocês para o almoço.
Marcele se levantou, vindo em minha direção.
— Esta casa não é a mesma sem você nem por um instante, meu primo.
Já estávamos entediadas. Aproveitei a oportunidade para contar algumas das
nossas aventuras à sua mãe da última vez que estivemos juntos na Itália. As
lembranças são tão fortes que não consigo esquecer, e ostento em meu pescoço
até hoje o presente que me deste naquela ópera.
Devo ter ficado sem cor ao ver o colar de diamantes que ela ostentava no
pescoço àquela hora do dia. Não era apropriado. A joia, comprada de um
comerciante italiano, era para ser usada à noite e custou uma pequena fortuna.
Pensei em como tinha sido inconsequente.
— Se me permitem, peço licença para subir até meus aposentos.
Andamos mais do que era apropriado e preciso me banhar.
Helena se desfez dos meus braços.
Irritado, olhei para as duas mulheres à minha frente, sabendo desde o
início que não facilitariam a minha vida. Antes de subir, disse irado:
— Creio que esteja na hora de ostentar anéis, Lady Marcele — declarei
para que Helena, mesmo de costas e já se retirando, pudesse escutar. — Se me
permitem...
Segui minha mulher, que a passos rápidos entrou em seu quarto. Não
deixei que ela fechasse a porta. Seu desejo era batê-la na minha cara, e eu bem
sabia que ela era audaciosa o suficiente para fazer tal coisa.
Ela sacudiu a cabeça.
— Não estou irritada. Só me deixe uns instantes e tudo ficará bem.
— Sabe muito bem que não me afeto mais com o passado. Não vamos
ser felizes se você se irritar com todas as minhas amantes do passado que
atravessarem o seu caminho — disse em tom de súplica. Eu odiava que
brigássemos, queria a paz que ela me trazia.
— Eu não vou me incomodar com as mulheres que passarem pelo meu
caminho — disse sem conseguir se conter, os dedos já apontados para o meu
rosto em tom de desacato. — Só com as que você traz para dentro da nossa casa.
Não sou obrigada a tal afronta. Até o baile, Lady Marcele fazendo questão de
dizer claramente que foi sua? Não aceito! Se me quer, pode mandá-la embora
desta casa.
Mesmo compreendendo sua ira, precisei me impor.
— Você não escolhe meus hóspedes, e não vai falar comigo neste tom.
Achei que já tinha compreendido isso. — Não estava acostumado com pessoas
me desafiando. Eu era um duque! Muito menos uma mulher, a minha mulher!
— E já deixei claro a você que não sou um dos seus cavalos. Discutimos
isso antes e achei que tivesse compreendido, milorde.
— Instantes atrás eu era George. Agora sou milorde? — perguntei com
ironia, agastado por vê-la tão irritada com algo que não era minha culpa. E mais
nervoso ainda sabendo que Marcele e minha mãe estavam conseguindo o que
queriam.
— Sim, Vossa Graça, se preferir, ou não sei como devo chamá-lo, já que
minhas práticas a convenções nunca foram as melhores — debochou de si
mesma. — Talvez seja por isso que nossos encontros sejam dentro de
carruagens, no quarto, e não em óperas acompanhada de presentes caros. No
fundo, talvez eu seja sua amante, e me manter trancada em casa seja uma
excelente ideia. Não darei escândalos, evitarei que seu nome seja jogado à
sarjeta, e você poderá toda semana ir à cidade a negócios e fazer boas compras!
Na cama!
— Acho que compreendo exatamente o que está dizendo. Seu ciúme está
lhe cegando e dizendo palavras injustas. — Minha voz era baixa e sombria. —
Eu tenho um mundo a lhe oferecer e a privei de uma única coisa para que
pudesse ficar comigo — disse fazendo referência aos filhos que não lhe daria. —
Creio que o mundo será suficiente se me deixar colocá-lo aos seus pés. Porém,
não me afronte desta maneira. Você não é um cavalo, mas é minha mulher e
minha propriedade.
As palavras duras trouxeram mágoa aos seus olhos. Meu olhar
impassível estava fixo ao dela.
— Quer ser minha mulher? Você já é. Amantes não possuo mais. O
passado não pode ser apagado. Estou lhe dando a chance de escrevermos o
futuro.
— Como sua submissa que aceita regras e amantes na sua casa? — me
desafiou novamente. Ela não tinha limites quando estava irritada.
— Como minha mulher, que terá o mundo se o quiser, mas que sim, deve
ter o meu respeito, sabendo que a última palavra sempre será minha.
Depois de me encarar por longos minutos, ela soltou a respiração e
fechou os olhos.
— Creio, então, que não tenha nascido para ser esposa de um duque.
Depois de uma curta reverência que ela fez sem classe alguma para me
provocar, me deu as costas. O assunto estava encerrado.
Queria dar umas boas palmadas nela, como sempre quando terminavam
nossas discussões, mas saí do quarto para não fazer tal besteira.
Desnorteado, entrei no meu quarto, pensando se um dia conseguiríamos
nos acertar. Éramos diferentes, e Helena não conseguia compreender o meu
papel na sociedade. Ela queria uma família; eu queria só uma esposa. Nada se
encaixava no nosso casamento, a não ser o fato de que eu sentia que meu ar
faltava quando não a tinha, que algo dentro de mim se partia em mil pedaços
quando a magoava e não conseguia, nem por um piscar de olhos, imaginar um
amanhã sem ela.
Eu a amava, menos suas insolências. Por Deus, eu amava até suas
insolências!
CAPÍTULO 29

“Sempre amei olhar o céu noturno. Admirar a lua, as estrelas... Sempre me


diziam que beijos eram carregados delas. Eu esperava ansiosa por aqueles
que me fariam flutuar.”
(Diário de Helena, Londres, 1800.)
HELENA
Os dias que se seguiram foram um tormento. Organizando aquela maldita
festa, sem ter muitas ideias do que fazer; aguentando Marcele que, a cada minuto
ao meu lado, se aproveitava para dizer o quanto já tinha se divertido com George
e contar suas histórias; e aguentar a mãe dele colocando defeitos em tudo que eu
escolhia para o baile.
Desejei pegar uma carruagem e sair para algum lugar distante, onde
ficasse só com meus pensamentos e ninguém me importunasse. Mas pensei não
ser uma boa ideia. As coisas entre mim e George não estavam bem. Havia dias
ele não me visitava em meu quarto, e eu era como uma hóspede indesejada em
uma casa que não era a minha.
Sentia-me infeliz. Pensei que, se ao menos tivesse meus filhos, aquela
sensação seria preenchida com amor. Nessa semana, lamentei por não poder ser
mãe como nunca antes. Odiei George por tudo, por minhas tristezas, minhas
privações e, no fim, sempre acabava pensando nele antes de dormir, suas mãos
me tocando, seus beijos...
Era como uma doença. Meu corpo estava tomado por ela. Só conseguia
pensar nele, e nada mais era importante se ele não estivesse sorrindo para mim.
Mesmo os dias ensolarados ficaram tristes e sombrios.
Coloquei todos os meus esforços na festa. Planejando cada detalhe,
enviando os convites, mas quanto mais se aproximava a data, mais meu coração
se apertava. Eu queria ser o escândalo que dançaria com meu marido umas três
valsas, receberia palavras sussurradas ao ouvido durante a festa, beijos
roubados... eu o queria de volta. Era uma tola, insensata.
Não conseguia ser aquela mulher que assentia a tudo o que o marido
dizia. Lembrei-me de minha mãe, que a vida toda, mediante um único olhar do
meu pai, se calava. Onde estava aquela mulher dentro de mim? Tentava me
controlar, porém as indagações surgiam como uma tempestade que precisava sair
de dentro do meu corpo. Comecei a sentir raiva de mim e raiva dele, porque
queria que eu fosse um escândalo, mas quando bem entendesse, e a duquesa
perfeita quando bem lhe aprazasse.
A vingança perdeu o gosto; nada do que a modista mostrava, me
encantava para o baile, e faltando poucos dias, minha roupa ainda não estava
sendo feita, porque nem o tecido escolhera.
— Olha, já estamos fazendo as roupas de todas as ladies mais
importantes. Lady Marcele trouxe-nos um tecido de Paris para o seu vestido que
vai ficar divino! — minha modista comentou.
Meu sangue ferveu. Além de cantar na minha festa, ela queria ser a mais
elegante.
Pensei em Nataly, em como ela me veria com desgosto nessa situação. Já
tinha enviado o convite e esperava que ela viesse. O baile seria de máscaras e
não teria problema algum em aparecer.
— Preciso de algo majestoso — disse por fim. — Nada de cores pálidas.
Ela me olhou assustada.
— Negro outra vez, duquesa? — perguntou com desgosto na voz.
Sorri ao ver seu semblante. Neguei com a cabeça.
— Não. Desta vez, vamos usar azul-turquesa. Não vamos economizar em
cetim e rendas.
Algo surgiu na minha mente.
— Preciso de papel e tinta. Devo ter por aqui. — Comecei a procurar
pelas gavetas das penteadeiras. — Encontrei. Me dê alguns minutos, e te
desenho exatamente o que desejo.
Comecei a traçar as linhas de um vestido. Passei muito tempo sentada
nos bailes, rejeitada, então sabia muito bem o que ficava bem e o que não
agradava no vestido de uma dama. Os riscos foram surgindo conforme a minha
imaginação me levou. Quando terminei, fiquei encantada com o que vi. Era
exatamente como sonhava.
Entreguei o pedaço de papel para lady Marshala, que olhou fixamente
por alguns instantes sem ao menos piscar. Em seguida, me encarou com um
sorriso nos lábios que ia de orelha a orelha.
— Isso é....magnífico, duquesa! Magnifico! Nunca vi algo tão belo por
aqui. Creio que seja a última moda em Paris. Você esteve por lá?
— Não, Marshala. Apenas bom gosto por coisas bonitas. Consegue fazer
em tempo hábil? Tem a máscara, outros detalhes que vamos vendo conforme
você for confeccionando o vestido.
— Creio que sim. Desafios sempre foram meu defeito: amo-os. Vou pedir
todo o material de que preciso e começo ainda hoje. Será minha obra-prima da
costura! — disse extasiada.
E assim meus dias foram sendo preenchidos por coisas fúteis, como toda
boa esposa.
George fazia questão de não cruzar comigo dentro de casa e pensei se ele
viajaria atrás de alguma amante. Passava horas olhando pela janela ao anoitecer,
com medo de que sua carruagem partisse.
Quando não aguentei mais o silêncio, inventei algumas desculpas e fui
bater na porta do seu escritório.
Engoli meu orgulho, respirei fundo e entrei quando ele permitiu.
Encaramo-nos por alguns minutos, em silêncio. Ali, sentado atrás da
mesa, com alguns papéis nas mãos, seu rosto tinha uma expressão cansada.
Desejei abraçá-lo. Seu olhar não tinha o mesmo brilho; no entanto, continuava
lindo. Nessa manhã, sua beleza era sombria, como se me castigasse de alguma
forma. Os lábios carnudos perfeitos estavam contraídos, a testa enrugada pela
expressão carrancuda, seu olhar era sério e a frieza, palpável.
— Pode dizer o que precisa? — disse por fim, quebrando o silêncio.
— Preciso que dê uma olhada na lista de convidados. Receio que possa
ter esquecido de enviar convite a alguém e isso seria imperdoável! — Estendi o
papel para que ele olhasse.
— Pode deixar aqui. Assim que terminar minhas anotações, os vejo.
Fiquei parada na sua frente, sem saber o que fazer. Não esperava que ele
fosse tão frio.
— Deseja mais alguma coisa? — perguntou.
— Desejo meu marido de volta — foi tudo que consegui dizer.
Soltando os papéis na escrivaninha, ele afundou os dedos pelos cabelos e
desviou o olhar. Sua expressão suavizou quando voltou a me encarar.
— E o que mais deseja, Helena? Acha que sou capaz de te dar realmente
o que deseja? Receio que te deva desculpas pelo casamento, por meus planos
precipitados de vingança que envolviam você, porque ser o marido que deseja
me parece impossível. Assim como você ser a mulher que preciso ao meu lado.
As palavras atingiam meu coração como uma faca afiada. Meus olhos
estavam secos, por minha incapacidade e orgulho de chorar, mas por dentro eu
gritava.
— Já trabalhou com jardinagem? — a pergunta inesperada surgiu da
minha boca.
— Nunca tive interesse e nem tempo para tais afazeres.
— Eu adoro a natureza e, mesmo com minhas poucas habilidades
palpáveis, muitas vezes ajudei a cuidar de algumas plantas no jardim de casa,
quando era mais jovem — disse a ele.
Gostaria de contar que o fazia para fugir do medo quando sabia que
levaria uma surra do meu pai pela noite. As plantas me acalmavam e me faziam
companhia. Não era o momento para tal divagação. Respirei fundo e continuei:
— Quando você planta uma flor, ela precisa de cuidados, principalmente
quando foi recém-plantada, ou não vai brotar na terra e morrer em consequência.
Se você estiver trabalhando com algum jardineiro, precisam estar de acordo. Se
um regou pela manhã, o outro não pode regar à tarde. Se um esqueceu de molhar
a terra, o outro deve fazê-lo. É uma sintonia. Todos que cuidam da planta
precisam entrar em acordo. Não se pode jogar adubo e depois lavar a terra. Não
podem querer os dois regar ou os dois abandoná-la. Compreende?
Ele assentiu, em silêncio, me encarando.
— Nosso casamento é como uma planta nova. Precisa de cuidados e não
podemos os dois trabalhar para envenená-lo. Um precisa regar em um dia, e o
outro, no outro. Não se precisa ter sempre a última palavra. Se há amor, tem que
existir o perdão, a renegação...
Aquelas palavras tinham efeito em mim, principalmente. Meu orgulho
me dilacerava por dentro, mas o amor que sentia por ele me fazia querer mudar.
— Um casamento vai muito além, Helena, das suas ideias românticas. —
Ele se levantou, caminhando em minha direção, até que estivéssemos olho a olho
e pegou na minha cintura. — Mas creio que talvez esteja sendo um tolo por
acreditar nos seus sonhos, porque a amo. Se você diz que podemos nos acertar,
se existe a menor chance de um futuro feliz com você, eu me rendo a ele, porque
um dia sem você foi o mais insuportável dos tormentos.
Ele levantou a mão e a colocou no meu rosto. Aninhei-o entre seus
dedos, sentindo tanta falta do seu toque, que meu coração deu um salto no peito.
— Amo-te muito mais que do que almejei nos meus contos de fadas... —
sussurrei.
George abriu um sorriso, que logo se desfez para que então seus lábios se
encontrassem com os meus. Ergui meus pés para ficar na mesma altura e então
passei meus braços por seu pescoço, aproveitando tudo daquele beijo para matar
a saudade.
Quando perdemos o fôlego, ele me abraçou, me conduzindo ao lugar
mais seguro que meu coração encontrava abrigo. Não existia nada que eu
temesse quando ele me abraçava, a não ser os segundos seguintes quando se
afastava.
— Me desculpe... — sussurrei. Sabia das regras, do meu lugar na
sociedade e principalmente do seu lugar como um duque.
— Quero te dar o mundo, já o prometi e cumprirei. Só aceite que sou seu
marido, o Duque de Misternham, e isso significa que quando digo que a amo,
nada pode modificar, nem se reescrever. E me aceite como seu único membro da
família, me perdoando por isso todos os dias.
Assenti, sentindo a dor das suas últimas palavras. Só precisava que meu
coração se aquietasse. Precisava de tempo, e dele! O resto se encaixaria.
Afastando-se, ele foi em direção à porta do escritório e a fechou.
— Creio que temos assuntos pendentes dos últimos dias... — disse com
um sorriso malicioso. — Se vou te dar o mundo, vamos começar pelas estrelas.
E assim nos perdemos. No momento em que mais nos aceitávamos, não
tinha orgulho, não tinha títulos, só amor. Até ele ser despejado sobre nós,
lembrando que no final, sempre existiria uma barreira, um passado atormentando
o futuro.
CAPÍTULO 30

“Algumas memórias não precisam ser desenterradas. Deixa para os fracos


as caixas dos sentimentos contendo os resquícios dos passados que
enterramos e não desejamos trazer à tona.”
(Anotações de George, Paris, 1789.)
GEORGE
Sentado no escritório, olhava para Pietro que me encarava com uma
expressão de horror. Meus planos de casamento para ele com Marcele já tinham
sido expostos, e ele me encarava assustado.
— Pode me dizer qual o problema do que acabei de dizer? — perguntei
sem compreender. Parecia-me a solução exata para o que ele precisava,
principalmente olhando para o seu rosto com um aspecto desagradável após
levar um soco de um dos seus credores na noite anterior.
— Receio que eu não esteja preparado para a vida conjugal — disparou.
Seus olhos estavam carregados de um medo que eu nunca o vira compartilhar,
nem quando estava sob a mira de um revólver. — Sei da minha situação, só não
posso, meu caro amigo. Não dá!
Passei as mãos pelos cabelos, transtornado.
— Qual o seu problema, Vandik? Não consegue enxergar? Se eu
vendesse todas as minhas propriedades, não sei se conseguiria pagar metade da
sua dívida, que você acumula como se fossem mulheres. Por Deus, homem, não
vai crescer?
Ele deu um murro na minha mesa, me fazendo perder toda a paciência.
— Você que não compreende. Não posso viver nessa brincadeira que
você está. Só de pensar, prefiro a forca. Creio que você enlouqueceu, olhe para
você, falando da sua mulher como se ela fosse uma deusa, quando não passam
de seres importunos que só servem para dar prazer. Talvez, se você me deixar
compartilhar Helena, eu entenda do mal que está sofrendo e...
Voei no pescoço dele, agarrando seu colarinho.
— Se deseja que eu não acabe com o resto que ficou intacto do seu rosto,
retire-se desta casa, sem falar o nome da minha mulher nenhuma vez mais.
— Me desculpe, George — disse, realmente arrependido —, me perdoe,
meu amigo.
Soltei-o, sabendo que passava dos limites quando o assunto era Helena.
Pietro sempre foi brincalhão e falar de compartilhar mulheres era sua brincadeira
preferida. Costumava gargalhar quando ele dizia isso. Só que os tempos
mudaram e só de imaginar outro homem olhando para minha mulher, meu
sangue fervia.
Após soltá-lo, me afastei.
— Não consigo lhe ajudar, se você não se ajudar. O cerco se fechou.
Creio que se não se casar em breve, terá que fugir para outro país. Vou lhe
arranjar algum dinheiro para que passe uma temporada como fugitivo, se é isso
que deseja! — disse por fim. — Não compreendo bem seus motivos de continuar
nesta vida. Não tem mais idade para tais aventuras! — critiquei-o.
Encarando-o, pude perceber bem lá no fundo que, por trás dos olhos
brincalhões de sempre, do sorriso malicioso, tinha uma aparência cansada.
— O que há? — perguntei, querendo que desabafasse.
Ele balançou a cabeça.
— Só preciso disso. Um pouso de dinheiro, mais umas centenas de
mulheres e depois do baile fugirei. Como a sua festa será um baile de máscaras,
não terei problemas em aparecer por aqui. Seria deselegante recusar o convite de
sua mulher! — disse, desconversando.
— Deixarei tudo que precisa separado para a noite. Assim que terminar,
você foge. Sentirei sua falta.
Ele abriu um sorriso, aquele que sempre aqueceu o meu coração. Era um
bom amigo.
— Agora você tem sua lady. Sou só um estorvo. Já está enfeitiçado,
Misternham. Nossos dias de glória já eram.
Levantou-se, olhando para todo o cômodo. Sempre fazia isso antes de
partir. Como se quisesse guardar na memória cada detalhe do que ficava. Senti
meu coração se apertar. Seria perigoso e nem saberia se ele retornaria. Vandik
era explosivo, envolvia-se em brigas, duelos, jogos, todo tipo de prostituição,
além dos desafios e bebidas. Ele se arriscava ao limite da vida para se sentir
vivo, e eu sabia que talvez não o veria de novo depois dessa viagem.
— Tem certeza de que um casamento não é uma possibilidade? —
perguntei em uma última tentativa.
Ele negou com a cabeça.
— Você é a única pessoa a quem me dei ao luxo de me apegar nos
últimos anos, sabendo que se algo lhe acontecer, estarei morto por dentro, meu
amigo — confessou com um desgosto que nunca vira. — Se é que tem algo vivo
aqui dentro ainda... — Socou o peito. — Não me permito amar nunca mais. Me
deixe ser livre. Pássaros não foram feitos para serem presos.
Abriu o sorriso que não vinha de dentro, mas que era sua marca. Saiu, me
deixando. Por fim, entendia o que significava o pássaro que vira uma vez
desenhado nas suas costas, cravado com tinta permanente, que Pietro contara
que fora feito por um grupo de marinheiro em uma das suas viagens.
Aquele tipo de desenho costumava ser marcado na pele de criminosos,
assassinos ou nos próprios marinheiros, mas Vandik dissera que gostava da
forma como se expressavam e pediu que fosse marcado também. Agora, aquilo
fazia sentido para mim, pois era feito com agulhas que marcavam a pele, como,
talvez, o tempo tenha o marcado profundamente.
Depois que se foi, me concentrei nos cadernos de registros de contas,
para ver de onde tiraria o dinheiro para ele. Precisava ser uma quantidade
suficiente para mantê-lo em segurança por um bom tempo. Perdi-me nisso pelo
resto da tarde, até Helena bater na porta me trazendo um chá.
Eram os melhores momentos do meu dia, quando a via. Os últimos dias
tinham sido de harmonia. Helena tentava ser a esposa que precisava, mas era
visível como se anulava, cada dia mais quieta, contida, para não dizer ou fazer o
que não era aceitável.
Por um lado, me sentia bem com isso, e por outro me entristecia, porque
amava a mulher pela qual me apaixonara, cheia de atitudes, diferente de todas as
outras, que não se importava com a sociedade. Mas não poderia voltar atrás na
minha palavra. Precisava do seu respeito e agora o tinha.
— Achei que precisava de um descanso. Não tem se alimentado direito e
anda trabalhando demasiadamente — disse, colocando a bandeja em cima da
minha escrivaninha.
Ignorei as comidas e a puxei para o meu colo.
— Estou necessitado de outras coisas... — Beijei seus lábios macios. Ela
sempre cheirava tão bem!
— George — ela me empurrou sorrindo —, a porta está aberta. Qualquer
um pode chegar! — me censurou.
— Não me importo. Você é minha mulher e sou dono desta casa.
— Te amo... — ela disse sorrindo.
— Te amo também. Deixe-me ver o que trouxe aqui... — Espiei a
bandeja que estava cheia de biscoitos, bolos e uma xícara de chá.
— Faltando dois dias para o baile, se não se alimentar de acordo, não
poderá dançar três valsas escandalosamente com sua duquesa — me tentou
maliciosamente. — Mas creio que isso não será correto e que não vamos dançar
no baile. Dessa vez vou seguir todos os protocolos sociais e serei a dama perfeita
que um duque precisa! — completou, piscando um olho.
— E onde fica a vingança contra minha mãe? — disse, tentando-a.
Ela gargalhou, fazendo com que meu sangue fervesse de desejo.
— Creio que só minha presença nessa residência todos os dias seja um
castigo para a eternidade daquela mulher. Já viu como me olha durante o jantar?
Não sei como não fui envenenada ainda... — disse satisfeita consigo mesma.
— Quero que sempre seja o meu escândalo, vida minha, desde que
compreenda as minhas ordens, entende a diferença? — disse, beijando seu
pescoço.
Ela assentiu, mas pude ver a mágoa dentro do seu olhar. Ela não
compreendia. Enganei-me dizendo a mim mesmo que, com o tempo, ela
aceitaria. Era assim que todo casamento funcionava, não era? Mas existiam na
história mulheres como Helena? Pensava nos meus amigos, nos conhecidos, e
sempre me lembrava de damas submissas. Por Deus, ela era única.
Sem querer pensar nisso, abracei-a, apertando seu corpo contra o meu,
porque a amava demais para abrir mão de tudo que sentia por ela, por meu
orgulho. E a amava demais para ver a expressão de tristeza que se formava em
seu rosto toda vez que a fazia sofrer, como instantes atrás, quando a coloquei em
uma posição inferior.
Então minha consciência lembrava de minha irmã e me mostrava como
eu era parecido com meu pai, como a sociedade me moldara exatamente àquilo
que eu odiava, em torno de um título que desprezava; enquanto meu coração me
alertava que, se continuasse nessa linha de pensamento, em breve estaria dando
filhos à Helena, porque homens fracos se submetem ao coração, e esta é uma
terra que as mulheres habitam.
De repente, tudo se rompeu. Eu nem sabia mais quem eu era e o que
desejava ser. Passei anos da vida com um propósito, buscando por algo, baseado
na vingança por Susan. E Helena chegou bagunçando tudo, me fazendo esquecer
os meus propósitos, o meu orgulho, me fazendo esquecer de Susan.
Abraçando-a com tanta força ali, no escritório, pude perceber que daria a
vida por essa mulher, e se ela me pedisse nesse momento, eu lhe daria todos os
filhos que quisesse, só para vê-la feliz. O pensamento me trouxe tanto medo que
a afastei.
Ela me olhou assustada.
— Me desculpe... — disse perplexo. — Lembrei-me que Pietro esqueceu
um documento muito importante aqui! — Peguei alguns papéis sem importância
dentro da gaveta, tentando me recompor.
Parei na porta do escritório e olhei para ela, que tinha uma expressão
desolada, sabendo que eu iria para a cidade e não voltaria nessa noite.
Eu estava sobressaltado, porque olhando para Helena nesse momento,
desejava correr para os seus braços e me manter aconchegado dentro de casa. Ela
tinha me feito esquecer da vingança, do ódio e me tornara um homem que eu não
desejava ser. Um homem que eu odiava.
A única forma de acabar com isso, era fazer com que ela me odiasse
também. Então, fechei a porta, quebrando seu coração e me tornando o que era
para ser. O homem frio, o duque vingativo, o Duque de Misternham.
Não juntei nenhuma roupa. Entrei dentro da carruagem e parti para a casa
de Pietro, o único lugar em que eu poderia encontrar abrigo sem cometer
nenhuma loucura.
Quando encostei em frente à sua casa e entrei sem ser anunciado, ele me
olhou assustado, já que tínhamos nos encontrado havia pouco tempo.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou sem compreender.
— Preciso de abrigo por uma noite ou duas talvez! — pedi.
— Sabe que não tenho luxos, como em sua casa, e meus criados já se
foram por falta de pagamentos, mas sempre é bem-vindo em meu lar — disse
com os braços abertos. — Pode me dizer ao menos o que aconteceu nesse breve
período de tempo? Segundos atrás quase me esganou por imaginar que eu
desejava sua mulher, e agora a abandona.
Balancei a cabeça, sem saber o que dizer. Estava assustado, perdido.
— Ele sempre estará aqui. Quando o enterrei, achei que tinha partido,
mas não. — disse com ódio, apertando a palma da mão com tanta força que
cravei as unhas a ponto de sentir dor. — Ele sempre estará em todos os lugares,
me lembrando de como sou parecido com ele, de como seu sangue corre em
minhas veias, como seu título se perpetua, por mais que eu o ignore e tente
destruí-lo.
Mordi os lábios e, quando percebi, pude sentir o gosto do sangue na
minha boca. Fechei os olhos, me lembrando do que o medo fez questão que
minha memória apagasse. Eu não queria lembrar, por Deus, eu não queria
lembrar, mas minha mente estava voltando àquilo e, para me castigar por amar
Helena, me punia.
Senti as gotas de suor se acumulando na minha testa. Escutei Pietro me
chamando ao longe, mas eu não podia voltar mais. Já era tarde. Abracei meu
corpo e fui entregue às lembranças do dia em que Susan foi arrastada para fora
de casa. Corri até o quarto do meu pai e, desesperado, mesmo sendo uma
criança, o soquei, chorando, sabendo que ele estava sendo injusto.
Naquele dia, ele me disse que me mostraria como ser um homem de
respeito, que nunca mais eu choraria como uma menina. Naquele dia, meu pai
me surrou até que seu fôlego faltou e gotas de sangue escorreram dos seus
dedos. Depois, cuspiu no meu rosto me acusando de ser fraco e covarde, mesmo
eu sendo só uma criança e nem saber por quais erros já pagava e, antes de me
largar desfalecido, disse que esperava, sim, que sua linhagem se perpetuasse em
mim, mas que tivesse mais sorte.
Deixei escapar um grito de dor. Revivi a dor, a vergonha e o medo que
senti naquela ocasião.
O duque continuava vivo m minha mente. Estava presente no meu corpo,
como se ainda cuspisse em mim todos os dias, me olhando com seu sorriso
perverso e me acusando.
— George, você está me assustando... — Pietro me chamava de volta.
Eram memórias que nunca tinha compartilhado com ninguém, que me
castigavam como uma doença. Eu era só uma criança indefesa e Susan estava
morta. Senti as lágrimas arder nos olhos. Me recusei a chorar. Ele não merecia
minhas lágrimas. Imaginei que ele gargalharia e me chamaria de covarde.
Sem saber o que fazer, me sentindo aquele garoto assustado novamente,
olhei para Pietro, que não dizia mais nada e parecia compreender que algo de
terrível me atormentava.
— Estou morto por dentro sem ela... — disse por fim. — Ele a tirou de
mim também. Ele sempre estará entre nós como uma doença.
Meu pai tinha conseguido levar Helena também. Mesmo morto, ele
arrancara minha mulher de mim, como fez com Susan. Eu nunca seria um
marido digno para Helena. Nunca daria os filhos que ela sonhava. O ódio sempre
me consumiria e ele sempre estaria entre mim e ela.
Abaixei no chão, agarrei meus pés e ali fiquei, sem rumo, porque a vida
pode ser cruel uma centena de vezes, mas nada disso tem importância até você
perder um grande amor.
CAPÍTULO 31

“O perdão é um gesto nobre, mas não se deve confundir perdão com amor.
E nem amor com tolice.”
(Diário de Helena, Londres, 1800.)
HELENA
A vida é uma caixa cheia de lembranças que faz de você um ser humano.
Se as lembranças são boas, você se transborda em uma caixa de sorrisos. Se
ruins, depende de como você vai abrir essa caixa: se com amargura ou com
aprendizado.
Olhando para a porta do escritório, com o coração despedaçado mais uma
vez, eu poderia me afundar em lágrimas, em amargura, e me transformar na
vítima de uma história que insistia em dizer que as minhas lembranças não
poderiam ter finais felizes. No entanto, uma lição que eu sempre ouvia em todas
as minhas batalhas, é que soldados amargurados se trancam em memórias de
guerras e nunca vencem as barreiras do passado. Eu não seria a mulher frustrada
que se debruçaria na cama e choraria por dias, e dessa vez, não seria a dama
perfeita que imploraria pelo amor de George.
Amor tinha limites e a dor também.
Fiquei por horas ali me recompondo, porque doía muito e eu não me
permitiria chorar. Quando senti que conseguia respirar sem dificuldades, me
levantei, deixando para trás aquele lugar que me trazia lembranças dele, seu
cheiro, seu toque e seu abandono.
Ele não voltaria aquela noite. Vi no seu olhar um pedido de desculpas
silencioso. Por mais que me amasse, tinha muitas coisas entre nós dois que
nunca seriam superadas.
Decidi, assim que fechei aquela porta, que concluiria o que eu tinha me
proposto desde o início: teria um filho de George. Não era mais por vingança. Eu
só queria ter alguém para amar, uma família, e seria mais fácil ser enviada para
bem longe dali por um motivo que justificasse seu ódio, do que por sua
incapacidade de me amar.
Lembrei-me de uma instrução de Nataly: As mulheres são a perdição de
um homem, mas se você combinar com bebidas, terá o que desejar.
Nataly não estaria ali para me ver colocar em pratica todos os
ensinamentos que tanto aprendi com ela, já que enviou uma carta desculpando-se
por não poder comparecer ao baile. Não informou os motivos, apenas se
desculpou. Por mais que tivéssemos as máscaras para nos escondermos, creio
que aquele não era o seu mundo.
O baile seria a noite perfeita para os meus planos. Uma noite em que o
seduziria e o embebedaria. Meus pensamentos foram interrompidos por uma
criada. Levei um susto quando ela apareceu na minha frente.
— Me desculpe, vossa graça. Lady Marshala está à sua espera na sala de
visitas. Disse que é urgente.
Estranhei sua repentina visita. Já havia feito todas as provas do vestido
do baile e só estava esperando a entrega. Será que algo dera errado?
Rapidamente caminhei até ela. Tranquilizei-me ao ver que Marshala
tinha uma aparência feliz e não parecia alguém desesperada que não conseguiria
entregar uma encomenda.
— Olá, Marshala. Em que posso ser útil?
— Desculpe-me chegar de surpresa, mas tenho assuntos que creio ser do
seu interesse.
Fiz sinal para que se sentasse. Acomodamo-nos no sofá. Ela parecia
hesitante.
— Algum problema com minha encomenda?
— Oh, não... de forma alguma. Creio ser o vestido mais lindo que já
confeccionei em toda a minha vida. — disse orgulhosa. — A questão é
exatamente essa. Comentei com algumas senhoras da sua habilidade com
criações, e tenho vários pedidos para que você faça desenhos para as senhoras
mais elegantes de Londres.
Fiz menção de me impor. Ela estendeu a mão.
— Olhe, não leve como uma ofensa e sei que não precisa de dinheiro. No
entanto, mulheres não medem esforços para se sentirem lindas, tanto é que estão
oferecendo verdadeiras fortunas por suas criações. Seria uma parceria perfeita.
Ando com problemas financeiros na loja e esta seria a solução. Atrairia novos
clientes.
— Creio que não seja adequado a mulher de um duque trabalhar — foi
meu primeiro pensamento. Se George descobrisse, se sentiria desonrado e não
me perdoaria.
— Eu compreendo perfeitamente. Por isso estou lhe dando um nome
falso. Ninguém saberá que é você; seria um segredo.
Minha cabeça pensava em tudo. Seria uma afronta sem perdão a George,
no entanto, parecia a oportunidade de ser uma mulher que não dependia do
marido para comprar todas as suas coisas e, se algo não desse certo no nosso
casamento, uma possibilidade de me manter em segurança, sem precisar ser
sustentada por ele e, para isso, me sujeitar a ser abandonada em alguma casa de
campo, esquecida do mundo.
Pensei que aquilo era impróprio de tal forma, que eu seria considerada
uma vergonha perante a sociedade. Mas estava na hora de parar de me preocupar
com convenções.
— Quantas encomendas já temos? — perguntei por curiosidade.
— Com minhas indicações, tenho dez vestidos encomendados. Isso se
tornará algo muito maior quando os modelos ficarem conhecidos. Vou precisar
contratar ajudante! — disse extasiada. — Seremos sócias de um negócio
lucrativo.
Pensei por alguns minutos. Ela me olhava em silêncio.
— Vamos tentar... — disse por fim. — Mantenha isso em segredo. Você
vai me mandar por cartas as informações das clientes, o que desejam, seus
gostos... e lhe envio de volta o desenho. Dessa forma, não corremos o risco de
desconfiança. Alguém poderia estranhar sua visita constante a esta casa. E uma
vez por semana vou até sua loja com a desculpa de ver novos vestidos e recebo
meu pagamento.
Ela sorriu, parecendo deliciosamente satisfeita.
— Temos um acordo. Aqui está — ela me estendeu alguns papéis —, são
os pedidos que já temos.
Peguei os papéis, sabendo no fundo que se George descobrisse, nunca me
perdoaria. Considerei, então, que não haveria perdão algum para se buscar,
quando tudo estivesse terminado.
— Só uma pergunta — indaguei quando ela se levantava para ir embora.
— Que nome devo assinar nas criações?
— Lady Ludmila.
— Posso saber o porquê da escolha do nome? — perguntei curiosa.
— O significado do nome Ludmila é: aquela que é amada pelo povo, e
assim você será em breve entre as mulheres. Gosto de história e pesquisei nos
livros. Existiu na Boêmia, no século X, e conhecida por Santa Ludmila. Era uma
princesa.
— Conheço a história, mas Santa Ludmila era conhecida por ajudar os
pobres, o que não será o caso! — ironizei.
— Ajudaremos os ricos. Mas não estamos mais no século X, não é? —
disse achando graça.
— Sim. Só espero não ter o mesmo fim, já que a princesa foi enforcada.
Seus olhos se abriram em horror e, por fim, ela sorriu.
— Não. Estamos entrando em outra era. Não se enforcam mulheres em
Londres.
Talvez não em praça pública, mas éramos todos os dias sufocadas em
lento processo, posto que, submissas aos homens, nossas vontades e escolhas
não tinham importância alguma.
— Já vou indo.
Ela se despediu, me deixando com os pensamentos amargos sobre a
condição das mulheres, nesse mundo que considerava injusto, em que só
poderiam falar de bordados, eventos sociais e outras futilidades. Nunca poderiam
se impor aos maridos, ou trabalhar, muito menos dedicar-se a uma simples
leitura mais conteudista, necessitando sempre serem puras e submissas.
E George ainda me privara da única coisa que a sociedade considerava
justa para as mulheres: a maternidade.
Mas o que me impedia de ser diferente? Minhas mãos não estavam
amarradas, as ideias corriam soltas, e meu coração já não tinha ilusões para
amores românticos. Com esses pensamentos, fui até meu quarto, olhando para
todos os papéis, cada anotação, e a cabeça produzindo muitas coisas.
Precisei pegar alguns papéis e tintas no escritório de George, dos quais
esperava que ele não desse falta. Quando fosse à cidade, precisaria comprar
matéria-prima para o trabalho.
Os dois dias passaram rápido, e todos os vestidos já estavam desenhados.
Isso fez com que os pensamentos se desviassem de George, que, como esperado,
não apareceu em casa e, ao que tudo indicava, chegaria só à noite para a festa.
Por mais que me enganasse, o coração doía e o aperto no peito mostrava
que a ausência do meu marido era doença para a qual não conhecia remédio.
A casa estava barulhenta, tudo sendo arrumado. O salão de baile tinha
criados se atropelando para que tudo ficasse perfeito, o que sabia muito bem que
não aconteceria. Afinal, eu era Helena, e detalhes não eram meu ponto forte —
escândalos, sim.
Para relaxar, entrei na banheira e fiquei afundada em ervas
cuidadosamente preparadas por minha criada, que me ajudou a vestir e pentear.
O resultado, pela sua cara de espanto, parecia ter se superado.
O vestido era de cor azul-turquesa, confeccionado em seda sem corte na
cintura. O espartilho fora ajustado perfeitamente ao corpo e o decote quadrado,
aos seios, deixando-os o suficientemente à mostra para enlouquecer um homem.
As mangas longas não eram as espalhafatosas de sempre — que considerava em
muitos vestidos um exagero que quase cobriam o rosto das mulheres —; eram
justas e delicadas, a não ser no punho, onde várias camadas de seda faziam
pequenas dobras. O corpo do vestido era todo pregueado em ziguezague até a
cintura. Atrás, fitas de veludo haviam sido pregadas no mesmo formato fazendo
um emaranhado de fios que contrastavam com o azul do fundo. E para
completar, a saia feita em várias camadas de tecido para farfalhar quando me
movesse, era enfeitada com os desenhos do próprio tecido. A sobrecapa que o
compunha era de um tom um pouco mais escuro e confeccionada em um veludo
liso que formava pregas em toda sua extensão, terminando nas laterais do
vestido, e lembrava pequenas flores.
Precisei reconhecer que a união do meu desenho com o trabalho
impecável de Marshala criou uma obra-prima, que, com toda certeza, seria o
deslumbre de grande maioria dos convidados.
Sorri, pensando que esta deveria ser a minha grande noite; consciente,
porém, de que a felicidade tinha um gosto amargo sem ele.
Soube que ele já tinha chegado, pois ouvira barulhos no seu quarto. Sem
dizer nem um oi, um pedido de desculpas, ou sequer vir ao meu quarto olhar em
meus olhos e mesmo silencioso como sempre, me pedir perdão.
Saí do quarto, temendo meu coração. Quando o via, era como se tudo se
dissolvesse, inclusive minhas memórias. Só existia um grito de socorro interno,
buscando por meu ar que vinha dele.
Senti um frio na barriga, e então escutei um barulho. A porta do quarto
dele se abrira. Mesmo de costas, podia sentir seu olhar sobre mim e nossa
respiração ficando irregular. Respirei fundo e me virei.
Perfeito, em um terno escuro, completado por um casaco, a gola
elegantemente arrumada, deixando o colarinho alto da camisa, estava lindo.
Sempre estava. O ar faltou quando ele me encarou com os olhos brilhando.
— Está perfeita — murmurou sem ar, abrindo um sorriso discreto. — A
mulher mais bela que meus olhos já contemplaram.
Seu elogio parecia sincero. E era como se dissesse para si mesmo. O
sorriso se desfez e o olhar de tristeza de sempre apareceu, me sugerindo que ele
considerava que tinha acabado. Era um olhar de despedida, com desculpas
incluídas nele.
Assenti, sem dizer uma palavra. Temia que minha voz denunciasse minha
amargura.
Dei as costas a ele, me preparando para descer as escadas.
— Espere! — disse me chamando de volta. — Vamos deixar que esta
noite seja como planejado? Venha comigo. Seja minha esposa escandalosa?
Senti ódio por suas propostas. Era como se meus sentimentos não
importassem e eu fosse um fantoche que ele usava e, quando culpado,
abandonava em um canto. Mas tendo em vista meus planos, me pareceu a
oportunidade perfeita.
Sabendo que teria que seduzi-lo essa noite, me aproximei, ficando
próxima ao seu corpo e fiz uma reverência.
— Como quiser, Graça. Esta noite estou a seu dispor! — disse com ironia
nas palavras, sorrindo. — Como sempre— completei.
Ele sorriu em retribuição.
— Vamos descer então, minha lady! — disse, estendendo o braço. —
Creio que tenho a mulher mais bem vestida de toda a Inglaterra ao meu lado.
Antes de aceitar seu braço, coloquei a mão no seu ombro e me aproximei
da sua orelha.
— Desejo ser para meu marido a mulher mais linda da Inglaterra quando
estiver sem todo este aparato.
Senti que seu corpo se retesou e sorri, deixando um beijo em seu rosto.
Eu podia ser amável, tentaria ser a mulher que ele desejava nos últimos
dias, aprendera regras de etiqueta, de bom comportamento, e até me anularia por
esse casamento. George sabia disso e mesmo assim me desprezara. Mas ele sabia
também o quanto eu poderia ser vingativa. Ele só não imaginava até onde iria
uma mulher que tinha seu coração despedaçado. Eu poderia ser muito mais que
vingativa. Eu desejava ser cruel nesse momento.
CAPÍTULO 32

“A beleza sempre foi a arma de destruição dos homens. Adorava estudar


desde a beleza na mitologia grega, das deusas até às imperatrizes. Conhecer
a fundo seus inimigos deixa o homem forte e imune nas batalhas.”
(Anotações de George, Londres, 1800.)
GEORGE
O jantar tinha sido razoavelmente tranquilo. Exceto por alguns detalhes
que ela esquecera ou talvez não soubesse, como ter colocado amantes sentadas
próximas aos maridos, servido comidas impróprias para a ocasião, a ausência de
alguns talheres na mesa. Coisas que, na verdade, eram sua marca. Mas as
pessoas se divertiram quando a orquestra começou a tocar e os primeiros casais a
dançar.
Minha mente não parava de ir até o escritório, onde deixei preparado
todo o dinheiro para a fuga de Pietro, além de uma carta com recomendações
para os criados e a governanta de uma das minhas casas de campo, explicando
como desejaria que minha mulher fosse recebida. Percebi que, quanto mais a
tivesse por perto, mais a magoaria. Não poderia me perdoar por isso.
Mas meu coração me dizia que estava errado. A garantia de que só seria
feliz ao lado dela me arrebentava por dentro. E ali estava ela, linda, perfeita,
como nunca vira. Helena refletia luz, como o sol quando o dia amanhecia, e ela
iluminava toda a minha existência. Seu brilho me atingia de tal forma que ela
ameaçava clarear o meu passado, e eu não conseguia aceitar — por Susan, eu
não poderia.
— Me concederia uma dança? — perguntei me aproximando por trás,
enquanto ela distraidamente olhava para os convidados.
Ela se virou sorrindo, um sorriso enorme por trás de uma máscara cheia
de brilhos que usava, mas eu vi a dor nos seus olhos. Odiei-me, como me odiei.
Precisava deixá-la partir. Meu egoísmo me lembrava que era a última
noite ao seu lado; precisava de tudo dela, depois a deixaria.
— Devo abrir uma exceção, afinal, creio não termos tido escândalos
suficientes esta noite. E Vossa Graça está de máscara, não deve chamar atenção.
Estendi a mão, que ela pegou com as mãos cobertas por sua luva suave
de seda. Quando a música começou, puxei seu corpo para perto do meu,
colocando as mãos por trás do seu pescoço e aninhando sua cabeça no meu
ombro. Respirei fundo, gravando seu cheiro em minha mente.
A valsa lenta me fez fechar os olhos. E me fez retornar aos últimos dias
que passei ao seu lado; seus sorrisos, suas palavras afiadas, suas provocações,
tudo veio à minha mente, como uma peça de teatro de cujo último ato eu não
desejava participar.
— Não vi seus pais e nem sua irmã... — comentei, precisando
desesperadamente mudar o foco dos meus pensamentos.
— Não compareceram. Minha mãe enviou uma carta dizendo que não
sou boa influência para minha irmã e que envergonho a família. Pediu com
muita gentileza que não misture mais meu nome ao de sua família. Ao que tudo
indica, sou renegada agora. Ou sempre fui na verdade, não é? — indagou mais a
si mesma do que a mim. — Não se aceitam diferenças, comportamentos distintos
ou algo que não encaixa no manual da sociedade perfeita. Imagino que, em
outros tempos, eu já teria sido morta logo que nasci, tal minhas atitudes
constituem afronta à sociedade. Não há espaço para Helena em Londres. Não há
espaço para Helena em lugar algum.
As palavras cruéis entravam como facas no meu coração. Olhava para ela
e enxergava tanto de Susan. Mesmo pequeno, eu já conseguia compreender sua
insatisfação com um mundo que não a aceitava como era. E essa mesma
semelhança nos separava, me fazendo lembrar todos os dias de alguém que eu
não poderia ser.
O mundo me tornava um homem amargo, cheio de rancores, e que não
conseguia ver um futuro sem marcas do passado. Soltei uma das mãos que
segurava suas costas e passei no seu rosto, querendo gritar para todo mundo ali
como ela era linda e perfeita da forma que era; que nunca conhecera uma mulher
que merecesse mais amor e que fosse tão digna de respeito.
Lembrei das suas cicatrizes e sangrei por dentro sabendo que deixaria
uma no seu coração.
— Em uma das minhas viagens a Roma, certa vez, tive a oportunidade de
conhecer as pinturas e estudar muito sobre mitologia grega. Lembro que, uma
vez, fiquei encantado com a história da deusa Hemera. Conhece sua história?
Ela negou com a cabeça. Parecia incapaz de respirar enquanto meus
dedos acariciavam seu rosto. Como sempre, éramos nós dois dançando como se
o mundo não existisse.
— Hemera foi a primeira deusa a apresentar o sol. Filha da noite Nix e da
escuridão Ébero, ela chegou como a personificação da manhã, trouxe luz...
As palavras se perderam em meus pensamentos. Quando escutei falar de
Hemera pela primeira vez, pensei se algum dia teria uma deusa que me
apresentaria a luz — e ali estava Helena, irradiando luz por onde passava.
— Hemera – continuei — era a guardiã entre as fronteiras dos mundos
das sombras e da luz. Fiquei imaginando como foi o dia em que ela apareceu,
enquanto o historiador contava para todo o grupo aquela história incrível.
Imagina, só escuridão, e alguém te apresenta a luz. — Abri um largo sorriso, me
aproximei do seu ouvido e sussurrei: — Mas minha imaginação foi suprimida
por você. Eu soube exatamente o que eles sentiram, porque você, lady Helena,
Duquesa de Misternham, foi o sol que chegou nas minhas noites mais sombrias.
Uma lágrima se derramou por baixo da sua máscara. Colhi-a com os
dedos. Nada mais foi dito. Tínhamos um amor que feria, e isso era tudo. Amor
não foi feito para machucar. Eu deveria fazê-la sorrir nesse momento, e ela
estava chorando, chorando, Deus!
Dançamos outra valsa, pela incapacidade de nos separarmos. Era como
se ela soubesse que era uma despedida. Helena sentia as coisas.
Quando a música terminou e precisei deixá-la dançar com outros
homens, fui até o canto do salão pegar uma bebida forte, que bebi como água.
Na sequência virei outra. Até os criados pareciam sentir minha angústia e me
perseguiam com bebidas em suas bandejas.
— Vai deixá-la, não é? — Pietro chegou sem que eu percebesse. —
Ama-a e vai deixá-la?
Assenti. Ele me conhecia tão bem. Não tinha por que mentir.
Estendi a mão quando ele ameaçou falar. Não queria discursos sobre
passado, meu pai...
Vandik assentiu em compreensão.
— Seu dinheiro já está pronto no escritório. Quando quiser partir, me
procure.
— Não vou partir essa semana — disse me surpreendendo —, vou
precisar do dinheiro sim, como um empréstimo, só não vou partir esses dias.
Precisa de mim, George.
Sorri com amargura.
— Você está maluco. Não faz ideia do que preciso.
— Sei exatamente do que precisa e como vai ter. Vamos sair, beber, jogar
cartas, fazer apostas malucas e terminar na cama com muitas mulheres. Não vou
deixar você na mão agora.
Bebidas, mulheres, cartas, sua forma de me consolar. Esse era o ombro
amigo de Pietro. Se ele soubesse como isso não resolveria nada!
— Se você diz... — disse sem paciência para discutir. — Não é mais
criança e sabe se cuidar.
Bati no seu ombro, virando outro copo de bebida. Senti que já estava um
pouco alterado.
— Vou voltar para minha mulher. Preciso de uma última noite.
Abandonando seu olhar de crucificação, fui atrás de Helena, me
deparando com Marcele pelo caminho.
— Onde vai com tanta pressa, George? — Ela colocou seu corpo na
minha frente, impedindo minha passagem. — Me deve uma dança.
— Não devo nada a você. Marcele, a questão é o contrário. Você precisa
me deixar em paz. Já não sou o título que precisava, convenhamos.
Ela sorriu. Era maliciosa.
— Não é. Isso não quer dizer que não podemos nos divertir como tempos
atrás.
Suas mãos pousaram no meu peito, jogando os seios em minha direção.
Ela me enojava.
— Me deixe em paz e saia dessa casa pela manhã — disse, retirando suas
mãos. Aproveitei que estava alterado pela bebida e fiz o que deveria ter feito
desde o início. — Se não sair, suas malas estarão na rua pela manhã.
Procurei Helena por toda a parte. As pessoas já começavam a se despedir
para partir. Graças a Deus a festa estava acabando.
Minha mãe tentava ser a perfeita dama de sempre, elegantemente sendo
respeitável e adorável com todos, exceto com Helena.
Preocupei-me quando não a encontrei em nenhum lugar.
Decidi ir até seu quarto. Quem sabe ela estava passando mal, e eu
bebendo sem saber. Um criado passou com uma bandeja e perguntei por ela. Ele
não soube responder. Aproveitei para me servir de mais dois copos de bebida
que ele servia.
Minha cabeça começou a rodar, já sentindo os efeitos do álcool.
Subi a escada e parei em frente à porta do seu quarto, tentando ouvir
alguma coisa. Nada.
Preocupado, bati.
— Helena, está aí? — chamei.
— Só um instante! — ela respondeu, me deixando mais aliviado.
Esperei pacientemente. Até ouvir sua voz dizendo que poderia entrar.
Quando abri a porta, as velas estavam apagadas, mas pude ver pela
claridade do luar que entrava pelas vidraças, sua silhueta nua.
A minha deusa Hemera estava na minha escuridão, brilhando sem roupa.
Senti o fogo que sempre se acendia dentro de mim. Minha respiração
falhou e fiquei parado, olhando perdidamente para ela, só me perguntando como
viveria sem aquilo.
Dei alguns passos, o suficiente para fechar a porta e a tranquei.
— É isso que quer? — perguntei, me sentindo um idiota. Helena sabia
que não teria mais de mim. Sabia que estávamos ruindo.
— Não vem ao caso o que quero. No momento, preciso pensar no que
desejo — respondeu com a respiração entrecortada, me desafiando.
— E o que deseja? — perguntei, entrando no seu jogo.
— Que esta noite esteja ao meu dispor...
Sempre! Ela sempre me desafiava. Pensei, derrotado, que já estava ao seu
dispor desde o momento em que entrou nessa casa. Poderia até tentar discutir se
estivesse sóbrio e convencê-la de que, mesmo estando aos seus pés, ela me devia
submissão. Mas minha cabeça girava e não creio que tivesse capacidade para
isso agora. Decidi me render aos seus encantos e ao que meu corpo tanto
desejava.
— Sou todo seu esta noite... — respondi com voz rouca de desejo,
andando ao seu encontro.
Antes que pudesse tocá-la, ela estendeu os braços e com agilidade
começou a me despir, prolongando a minha espera.
O barulho da festa se findando já ficava para trás, e nossa respiração
ofegante preenchia o silêncio.
Quando a última peça de roupa caiu, seus lábios me tocaram e, sim, a
escuridão foi embora e a luz chegou ao meu ser, com tanta força que me inebriou
mais que a bebida. Peguei-a nos braços e a coloquei na cama. Ela se afastou, me
empurrando.
— Não. Hoje você está ao meu dispor.
Com maestria, ela se colocou por cima do meu corpo. E me entreguei,
porque queria tudo dela nessa noite, porque nada mais importava, porque sua luz
me cegava e, sim, porque a amava.
CAPÍTULO 33

“Nunca temia a solidão, pois sempre sonhava com uma grande família.
Onde tivesse amor, a solidão não tinha espaço. Era a ordem natural da
vida...”
(Diário de Helena, Londres, 1799.)
HELENA
Suas mãos me tocavam, me queimando de desejo, e reduziam meu
coração a pó, porque sabia que era uma despedida.
Eu só precisava cumprir o meu intuito. Precisava engravidar nessa noite.
Então, por que estava com medo? Por que olhava para ele na cama com tanta
ternura, sabendo que, mesmo embriagado, ele me amava com amor e doçura?
Fechei os olhos, me entregando a todas as sensações, me entregando ao
sentimento que me levava à beira do abismo, sabendo que, dessa vez, sua mão
não estaria lá para me puxar para cima. Seria uma descida ao inferno depois que
terminasse.
E foi por isso que quando consegui fazer com que ele não se desfizesse
das suas sementes na cama e fechasse os olhos dizendo que me amava, lágrimas
rolaram com abundância do meu rosto, pingando em nossos corpos suados.
George já dormia nesse instante, enquanto meu coração se desmanchava em
lágrimas.
Doía tanto, muito mais que todas as surras da minha vida, muito mais
que ser desprezada por uma vida pela minha família. Era uma dor que não tinha
comparação.
Deitei ao seu lado e adormeci, ouvindo meus próprios soluços.

Quando o dia amanheceu, estava sozinha. Me agarrei ao seu cheiro que


ficara nos lençóis, sabendo que nunca mais o teria.
Coloquei a mão sobre a barriga e pedi a Deus que tivesse um pedacinho
dele ali.
A porta de comunicação com seu quarto abriu, me assustando.
Parado na porta, ele me observou por longos minutos em silêncio. Seu
olhar era triste e perdido. Então soube que George sabia das minhas intenções na
noite anterior e me arrependi da traição. Sabia desde o início que não teria
perdão para esse pecado.
Engolindo em seco, parecia que procurava palavras para dizer. Desviei o
olhar, envergonhada.
— Sabia o que estava fazendo na noite passada? — me perguntou
quando o silêncio ficou insuportável.
Assenti, lágrimas não derramadas formando um bolo no meu coração e
estômago. Ele assentiu várias vezes, como se precisasse de um tempo para
assimilar o que escutava.
Quando me olhou novamente, além da tristeza e da dor, tinha raiva.
— Não me venha com recriminação. Nós dois sabemos que iria me
deixar esta manhã de qualquer forma... — me defendi.
— Deixaria, porque a amo absurdamente a ponto de desistir do meu ar
para não magoá-la ainda mais. Deixaria para não ver seu olhar de tristeza toda
vez que os fantasmas do meu passado atropelassem nossa vida, me fazendo
desejar morrer por ter transformado você em minha mulher, sabendo que
merecia o mundo mais perfeito aos seus pés. — Ele parou e respirou fundo. —
Agora estou lhe deixando, Helena, porque sinto tanto ódio de você, que no
momento ultrapassa o amor que achei ser infinito.
As palavras vieram como um soco no meu rosto. Não choraria, não desta
vez.
— Não é só o seu ódio que ultrapassa nosso amor, George. O seu
passado, o seu pai, sempre foram maiores que o amor que sentia por mim. Seu
ódio, seu desejo por vingança de Susan, sua mãe, sempre estiveram entre nós.
Tudo esteve entre nós o tempo inteiro! Sempre!
Ele sorriu com amargura.
— Compreende? — gritei
— Tantas coisas que você não compreende. Susan está morta.
Eu compreendia suas palavras, não suas atitudes.
— Por que não podemos ser uma família? Se sou a luz que clareia sua
escuridão, como disse ontem, prefere ir para as sombras e deixar minha luz se
apagar sozinha? — perguntei gritando por respostas.
— Você ilumina minha vida, mas o sol não consegue limpar os impuros.
O dia amanhece, traz paz, alegria, mas não limpa o que se sujou pela noite. Ele
faz exatamente o contrário; ele atenua o lixo. E meu pai sujou todo o passado.
Susan está morta, junto com meu pai, mas eu estou aqui todos os dias para me
lembrar de que não consigo sequer procurar por minha sobrinha, porque não
consigo chorar por mais um morto! O passado se foi, mas eu estou aqui para me
lembrar todos os dias de que sou a perpetuação desse sangue sujo que corre nas
minhas veias, que posso ser o reflexo, que posso continuar essa linhagem e não
vou me permitir. Nunca!
— Seu passado nunca me importou. Achei que tivesse compreendido
isso desde o primeiro minuto que soube que o amava. Você só precisa deixar isso
para trás e escolher a mim. Se me amasse de verdade, não titubearia nem por um
segundo na sua escolha! — recriminei-o. — Eu tinha deixado o sonho de ser
mãe por você.
Por Deus, ele sabia que nada importava. Estava disposta a tudo por ele,
tinha deixado meus sonhos de princesa, meus sonhos de ter filhos, tudo por ele.
Mas olha como estávamos agora? Eu tentando engravidar a qualquer custo para
atingi-lo, ou talvez enganando a mim mesma para manter um pedaço de George
comigo, já prevendo que tudo teria fim.
— O que desejo fazer pelo amor que sinto por você, não sou capaz.
Queria voltar no tempo e nunca a ter tirado da sua casa. Você não pode pertencer
a mim. Meu pai me tocou de todas as formas... — Ele fez uma pausa. Tinha tanta
amargura na sua voz que senti vontade de abraçá-lo. Dei um passo para trás,
temendo minha reação.
— Não posso olhar para um filho meu sabendo que ele tem o sangue de
meu pai, que carrega sua linhagem, a linhagem do homem que matou minha
irmã e, principalmente, sabendo que não sou digno do seu amor. Estou marcado
na alma, e você colocou a maior das barreiras entre nós esta noite. Vou cuidar
para que tenha tudo, mas não quero saber nem a resposta se está grávida ou não.
E espero que um dia me perdoe.
Ele me encarou, os olhos carregados de lágrimas não derramadas.
Senti-me impotente. Não conseguia aplacar sua dor e muito menos fazê-
lo esquecer o passado e almejar um futuro. Meu amor não era suficiente. E se
gerasse um filho, seria eternamente motivo de ódio dele.
As lágrimas que me esforcei tanto para não derramar começaram a cair
pelo rosto. Abracei meu próprio corpo, para tentar conter os soluços.
George levantou a mão, quase tocando meu rosto e então se afastou, com
tanta dor nos olhos que me partiu por dentro.
— Nenhum homem vai amá-la mais do que eu, minha Hemera. Me
perdoe.
Foi tudo o que ele disse, antes de sair e fechar a portar, me deixando aos
prantos, sabendo que tinha perdido a coisa mais importante da minha vida.
Deitei na cama, tentando me acalmar, mas a dor veio dilacerante e me entreguei
a ela, porque não tinha orgulho, só dor.
Abracei meu corpo e chorei. Até ficar sem lágrimas e adormecer.
Quando abri os olhos, já tinha escurecido novamente. Passava o dia
dormindo e desejava voltar para aquele sono que me fazia esquecer da dor.
Lembrei que não tinha sequer me alimentado.
Alguém bateu na porta do quarto. Era uma criada.
— Com licença, duquesa. Vossa graça pediu para ajudá-la com as malas.
A senhorita deve partir pela manhã.
— Pode deixar que não preciso de ajuda.
Eu precisava dele e, se não o podia ter, começaria uma nova vida
sozinha, ao menos pelos próximos nove meses. Assim esperava.
CAPÍTULO 34

“Amor....uma palavra que desapareceu do meu mundo no dia em que perdi


Susan. Nunca existiria na minha vida um dia em que o sol nascesse para o
amor novamente. A minha alma era negra como a noite.”
(Anotações de George, Londres, 1800.)
GEORGE
O papel que mantinha na mão durante toda a noite, que já tinha relido
centenas de vezes, estava com marcas das minhas lágrimas. Era uma carta que
escrevi no dia do baile, antes de dançar com Helena e ser seduzido por sua
beleza, ou talvez pelo amor que sentia por aquela mulher, minha mulher.
Decidi reler uma vez mais, como se aquele papel me fizesse tê-la de
alguma forma, nem que fosse só nas lembranças.
O que dia em que te amei....
Houve um silêncio. Sim, um silêncio como se o mundo parasse e se
rendesse para receber o nosso amor. Talvez as pessoas não tenham percebido
esse momento, mas entre nós foi nítido, foi vivido, e só existimos eu, você e o
silêncio.
Meus ouvidos contemplaram sua risada muito antes dos meus olhos, e
ela ficou gravada na minha mente como o som preferido do meu mundo.
E você me olhou. Não foi um olhar superficial. Ele tocou o meu e chegou
até a minha alma. E eu nem lembrava que tinha uma.
Mesmo sem compreender, esse foi o dia em que te amei pela primeira
vez. Meu mundo não fez mais sentido sem o seu, meu sorriso só era completo
com sua gargalhada, e meu olhar só enxergava o dia se fosse por intermédio de
seus olhos.
Então, eu te toquei. E o mundo parou mais uma vez para receber a sua
beleza e, dentre todos os sentimentos que já tinha experimentado na minha
existência sem sentido, te tocar foi a mais sublime e foi a partir daí que eu
encontrei sentido em estar vivo.
E nessa hora te amei mais uma vez, sem me dar conta; afinal, as
riquezas da vida precisam de tempo para serem descobertas.
Quando eu achei que não tinha como ser mais perfeito, te beijei, e foi
como chegar ao céu e, nesse dia, eu soube que chegaria ao infinito se
precisasse, por você.
Pensei com desgosto que, quando o dia amanhecesse, toda magia
acabaria, porque sim, jurei que você fosse uma feiticeira. E o dia amanheceu,
silencioso, para receber o seu comando, e você falou, me desafiou, me instigou e
usou todas as palavras que nunca imaginei possíveis de sair da sua linda boca
para me enfeitiçar ainda mais.
E nesse dia eu também a amei, já prevendo que algo estava errado,
porque até a sua ausência consentida era sentida.
Assim foram se passando os dias, cheios de emoções, risos, lágrimas,
escândalos. Com você fui capaz de sonhar com o futuro, e vivi intensamente o
presente.
E assim eu amei todos esses dias, cada dia mais consciente de que não
era mais um e, sim, a junção de nós dois.
Foi assim que descobri que você não era uma feiticeira —você é uma
deusa, a deusa da minha luz. E quando descobri tudo isso, percebi que era
incapaz de ser o homem que pudesse honrá-la, ser digno do seu amor.
E no dia em que te amei, me perdi. Não sei respirar sem a sua presença,
não sei ver o mundo colorido sem seus olhos, não consigo tocar o céu sem o seu
apoio, não ouso sorrir sem a sua resposta....
Você, Helena, é a minha existência.
O mundo vai acordar barulhento pela manhã, sem receber o nosso amor.
O céu vai se tornar cinzento e o perfume das flores, imperceptível.
E vou caminhar, sem saber para onde, tentando não olhar para trás e
pedindo todos os dias que você me perdoe, que sua luz clareie sua caminhada e
você seja feliz.
A mim, restou o barulho ou talvez o silêncio da solidão.
Duque George de Misternham, Londres, 1801.
Eu a mandaria para uma casa na cidade. O campo me parecia perigoso no
momento, principalmente se ela estivesse grávida. Porém, depois de um ano, ela
partiria para sempre.
Nos meus planos, não a veria e não me permitiria saber se gerava um
filho meu. Não poderia. A ideia era insuportável.
Nada faltaria a ela. Nada, só o meu amor indigno.
Era madrugada ainda e eu esperava o amanhecer para vê-la partir. Sem
esperanças de mais nada. Alguém entrou no escritório. Levantei o olhar e
encontrei o da minha mãe.
— Não o vejo trancado neste escritório a noite toda faz muito tempo.
Algum problema grave? Dívidas? — perguntou, arqueando a sobrancelha em
preocupação.
Claro, ela não estaria ali por preocupação comigo. Era o dinheiro.
Encarei-a por um longo momento, pensando em como já estava cansado
de querer me vingar, de tolerar suas afrontas e seu cinismo.
Sentia-me tão velho, com tanta dor nas costas por carregar os pesos do
passado. Estava na hora de começar a me desfazer de alguns deles.
— Como pôde conviver com isso? Como pôde ser cúmplice daquele
homem? — perguntei, precisando compreender.
Ela abriu um sorriso aberto.
— Seu pai fez o que achou necessário e lhe agradeci pelo homem que se
tornou. Tirando essa desfaçatez do seu casamento, você se tornou um homem
forte, George. Ele se desfez do que sujava o nome da família e o honrou para seu
próprio bem.
Engoli em seco, precisando de tempo para absorver esses absurdos.
— Agradeceu-lhe por expulsar Susan, agradeceu-lhe por ser um covarde
que precisava punir seus filhos para se sentir bem? — gritei, dando um murro na
mesa sobre a qual tinha os braços apoiados.
— Não agradecemos os meios. Olhamos os resultados. Susan teve o
destino que merecia e você se tornou o homem que precisava.
Meus dedos tremiam. Minha vontade era levantar e arrastá-la para fora,
assim como tinham feito com Susan. Respirei fundo e me contive.
— Faça suas malas. Não tem mais espaço para você nessa casa. Ainda
hoje vou pedir que te levem para uma das minhas casas de campo mais afastada
de Londres! — disse com voz fria.
Desta vez, ela arregalou os olhos e abriu a boca, tentando buscar
palavras.
— Sempre achou que poderia fazer o que bem entendesse, não é? Pois
bem, realmente me tornei um homem forte o suficiente para fazer o que devia ter
feito há anos. E não pense que vai ter uma vida fácil. Não terá criados ao seu
dispor.
— Não pode fazer isso com sua mãe! — disse com voz trêmula.
— Pague para ver. Se não for por bem, te arrasto daqui como fez com
Susan. Não haverá arrependimentos e vai compreender na pele o tamanho do
meu ódio por você e por tudo que me faz lembrar.
— É por ela? — perguntou se referindo à Helena.
Levantei da cadeira, negando com a cabeça.
— Pela primeira vez, é por mim. Não tem nada a ver com qualquer outra
pessoa.
Sempre teve! Uma vingança por Susan, atos em memória do meu pai, por
causa dos abusos impensáveis. Dessa vez era por mim. Somente por mim.
Peguei a carta que estava em cima da escrivaninha e saí, deixando-a ainda
perplexa com o anúncio.
Procurei por meu lacaio, dando todas as instruções sobre a partida de
minha mãe e Helena, me certificando também se Marcele tinha partido depois da
festa. Ele garantiu que sim. Um problema a menos.
Sentei na sala e fiquei inerte, até o dia amanhecer.
Foi assim que a encontrei pela manhã, descendo as escadas com uma
pequena valise nas mãos, acompanhada do lacaio que carregava suas malas.
Seu olhar era fixo no meu. Helena tinha a aparência cansada, como se
não tivesse dormido bem. Os olhos estavam inchados. Ela chorara, pensei com
desgosto.
Senti uma vontade imensa de correr até ela e abraçá-la, sentir seu cheiro
e beijar seus lábios.
Ela se aproximou e me levantei para me despedir.
— Então é somente isso? Um adeus a até nunca mais? — perguntou,
estendendo a mão que estava vazia.
Aquiesci, me sentindo o perfeito idiota que era. Estendi a carta que tinha
nas mãos.
— Isso é para você. Abra quando quiser.
Assentindo, ela fechou os olhos e respirou fundo, os olhos marejados de
lágrimas.
— Receio que não queira saber notícias minhas ou de qualquer outra
coisa — disse, se referindo a um possível filho.
Assenti uma vez mais, incapaz de dizer qualquer outra palavra, porque
doía, porque estava tudo errado, porque a amava, porque estava destruindo tudo
de bom que existia nas nossas vidas, porque me odiava nesse instante....
— Isto está errado, George! — disse com voz embargada, colhendo uma
lágrima silenciosa que escorria do seu belo rosto. — Nós dois merecemos o
amor. Mas não posso te obrigar. Não se luta uma guerra sozinho. Você desistiu
de mim e não vou perdoá-lo por isso. Nunca irei perdoá-lo por isso.
Foram suas últimas palavras antes de me dar as costas e sair, levando a
minha alma, a minha luz e toda a minha vida consigo.
CAPÍTULO 35

“Sempre gostei do inverno. Imaginava essa estação do ano quando estivesse


ao lado do meu marido. Parecia algo tão romântico. Chegava a me dar
calafrios.”
(Diário de Helena, Londres, 1800.)
HELENA
As malas adquiriram um peso bem maior do que representavam. A casa
não era grande, mas parecia imensa pela solidão do último mês em que os únicos
habitantes eram eu, os empregados e o silêncio. O inverno chegou sem aviso e
mais castigador do que eu acreditava ser.
O tempo... Este parecia cruel e meu inimigo constante, lembrando-me a
cada dia que a dor não ia embora, que a saudade de George era infinita, e que
minha única esperança, meu filho, poderia escapar a qualquer instante por entre
meus dedos. Todas os dias, eu acordava com a única esperança de estar gerando
um filho de George e isso me movia e me fazia continuar.
A carta escrita por ele era a única prova de que o seu amor por mim um
dia existiu, que não era uma ilusão minha e, por isso, eu a relia todos os dias,
enquanto estava naquela morada.
Os desenhos que tinha de fazer para Marshala também me motivavam.
Estávamos cheias de projetos. Cada dia mais os boatos da nova modista se
espalhavam pela cidade, e filas se formavam na porta da pequena loja da
comerciante. Eu mudei a assinatura e agora assinava como “Hemera, sua deusa”,
uma forma de tentar chamar a atenção de George.
Queria que ele se sentisse traído, como eu me sentia, queria que me
procurasse para tirar satisfação, queria vê-lo de alguma forma. Era tola, sabia
disso. Eu o amava e isso me tornava tola. O amor é algo que deixa qualquer ser
humano desprovido de coerências. Essa era a única explicação para minhas
atitudes, nos últimos dias.
Quando a primavera chegou, com ela veio a certeza de que eu gerava um
filho dele e também a mesma certeza de que George não voltaria mais para mim.
E com isso, percebi que estava na hora de finalmente ser uma mulher
independente. Os negócios estavam melhores do que nunca e já tinha dinheiro
suficiente para me manter sozinha. Não seria uma vida de luxos como tinha
agora, porém digna para mim e meu filho.
Marquei um chá com Nataly à tarde; ela me ajudaria com seus contatos a
alugar uma boa casa em Londres.
Enquanto a aguardava, lia o jornal da manhã e sorria com as fofocas, me
deparando com uma pequena nota em que falavam de Hemera. Eram cada vez
mais comuns pautas dos meus vestidos nos jornais londrinos.
E STA COLUNA JÁ DISCUTIU MUITAS E MUITAS VEZES SOBRE OS VESTIDOS QUE ANDAM CAINDO OU ELEVANDO O GOSTO DE NOSSAS LADIES, NOS

D
ÚLTIMOS MESES. A
E ESPALHAFATOSOS ELES NÃO TÊM NADA! ELEGÂNCIA OS MANTÉM, A SEDA OS TORNA UM EVENTO PURO, OS FINOS TECIDOS FAZEM
O GOSTO DAS MAIORES DAMAS DA SOCIEDADE, E O ACABAMENTO É DA MAIS PURA CLASSE.

A SSINADOS POR H EMERA, ELES ANDAM ILUMINANDO AS NOITES LONDRINAS POR ONDE QUER QUE PASSEM. O QUE TODOS ANDAM SE
PERGUNTANDO É QUAL SERIA A VERDADEIRA IDENTIDADE DESSA DAMA QUE ENCANTA A TODOS COM SEUS MODELOS E SE ESCONDE POR TRÁS DO PAPEL?

S E
ERIA ELA TÃO BELA QUANTO SUAS CRIAÇÕES? SSA É A PERGUNTA QUE ESTA COLUNISTA FAZ NO DIA DE HOJE.

L S L
ADIES E EDAS, NONDRES, 02 DE OVEMBRO DE 1801.

Escutei a carruagem se aproximar. Nataly chegara para sua visita.


Levantei-me, arrumei o vestido e fui até a porta recebê-la.
Com seu sorriso cativante e seus cabelos cor fogo, ela estava radiante.
— Ma petite, como fico feliz em vê-la! — disse me dando um abraço
afetuoso.
Nunca nos víamos, mas trocávamos cartas com frequência e sua amizade
era algo que considerava como um tesouro de grande valor. Depois de nos
acomodarmos na sala de visitas e eu pedir que nos servissem um chá, ela foi a
primeira a perguntar:
— Como andas o bebê? Tenho me preocupado ultimamente com você
sozinha nesta casa, e agora com um filho no ventre.
— Vou sobreviver... — disse. Seria mentira dizer que ficaria bem. —
Quero me mudar desta casa. Preciso me ver livre de George de qualquer forma e
vai me fazer bem saber que não necessito mais do seu dinheiro.
— Sabes que não me engana, ma chérie. Quer fazer isto na esperança de
que seu amado a procure! Quer vê-lo e o ama como uma tola. Mas não vou
questioná-la. Tens seus motivos e um filho sempre é um motivo inquestionável.
Aluguei uma casa em meu nome! — disse me estendendo uma chave. — Você
me paga os aluguéis. Creio que ficará preservada de fofocas por algum tempo.
Mesmo que queria chamar a atenção de seu marido, não será bom para seu filho
ter a atenção toda da sociedade sobre vocês.
Assenti.
— Tens razão. Sou grata por tudo que está fazendo. Saiba que pagarei um
dia.
Ela abriu um sorriso largo com sua boca coberta por um batom vermelho.
— Tenho carinho por você, ma chérie, mas compreenda que não faço
caridade e, sim, isso terá um preço, como já disse desde a primeira vez que nos
vimos. Mas deixemos isso para a hora devida. Hoje pretendo falar de negócios
com você — disse me surpreendendo.
— Negócios? — perguntei.
— Sim, ma petite, negócios. Creio que não saibas exatamente sobre todas
as minhas fontes de renda e não conheças a verdadeira Nataly. Não devo te
contar toda a história. Levaríamos dias! – gargalhou. — Devo dizer que a Spret
House, onde você foi leiloada para seu marido, é a casa de jogos mais famosa de
Londres. Nela os homens deixam suas fortunas, suas propriedades e suas almas
nas mesas de jogos, além dos seus segredos nos fins de noites, nos quartos das
prostitutas. O dono da Spret House detém mais fortuna, hoje, que muitos
marqueses, baroneses, duques e condes dessa cidade reunidos.
Peguei as xícaras que a criada tinha acabado de servir e experimentei o
chá maravilhoso da minha erva preferida, enquanto prestava atenção à história
que Nataly contava, sem entender o que isso tinha a ver conosco.
— Hoje, ma chérie, Spret House é gerenciada por Dom Carlos, um
senhor que todos imaginam ser o dono do negócio. Todavia, Lady Helena, quem
fundou e tornou o que realmente o clube é, sou eu.
Engasguei com o chá e comecei a tossir, incapaz de acreditar no que
escutava. Ela me olhava com um sorriso audaz no rosto, tomando um gole de
chá. Gostava do que causava em mim. Divertia-se com aquilo.
— Não pode ser — comentei quando recuperei a voz. — Como?
— Como disse, é uma longa história que não tenho tempo agora para
divagar com você, ma chérie. Estou aqui para falar de negócios. A Spret House
vai passar por mudanças. O clube se tornou pequeno para o que é. As cartas para
adesão não param de chegar. Cada dia mais recebemos pedidos de condes,
barões, marqueses, empresários, duques, e até o rei, que estão desejosos de pagar
fortunas para serem aceitos em nosso clube. Então vamos nos mudar para um
novo lugar, amplo e luxuoso. Duas coisas precisam ser acertadas.
— E o que seria? — perguntei curiosa.
— Primeiramente Dom Carlos está velho e cansado. Não quer mais
assumir a responsabilidade. Pobre coitado! E como não confio em ninguém,
creio que terei de me casar com arranjos para que esse homem assuma a frente
dos negócios por mim, por dinheiro, obviamente, chérie. E a segunda questão:
quero sociedades para me ajudar com questões administrativas.
Curiosa, olhei para a mulher à minha frente que se vestia como prostituta,
tentava esconder seu sotaque francês, manter a postura de uma dama, mas sua
classe não permitia, tinha mais dinheiro do que eu poderia imaginar, e tantos
segredos que seus olhos chegavam a ser sombrios.
— Nataly, tudo que me disse já é muito confuso... — disse, deixando a
xícara sobre a mesa à nossa frente. — Mas estou mais confusa ainda pensando
no porquê está me contando tudo isso e por que me disse que falaríamos de
negócios.
Ela apoiou uma das suas mãos no meu braço, sorrindo.
— Quero você, chérie, como sócia.
— O quê? Enlouqueceu, Nataly? — perguntei pasma.
— Não, petite, estou mais lúcida que nunca estive. Preciso de alguém da
nobreza dentro do clube, alguém que saiba me dizer quem são as pessoas
importantes, como se vestem, o que comem, suas preferências, as bebidas que
devo servir, o charuto que devo comprar, o vestido certo que devo colocar nas
damas...você vai desenhá-los!
Levantei-me do sofá, olhando-a incrédula.
— Nataly, desenho vestidos de baile e não vestidos de prostitutas.
Assim que as palavras saíram da minha boca, soube que a tinha ofendido.
— Você pode desenhar o que eu vou usar. Estou cansada de ser
reconhecida a milhas de distância como prostituta. As pessoas não sabem quem
sou, não tem ideia de quem sou, chérie. Estou te propondo muito dinheiro. E
você está aqui, com um filho bastardo, tentando chamar a atenção de alguém
que....
Ela parou. Sabia que também me ofenderia. Dei as costas a ela, olhando
para a vidraça.
Coloquei as mãos sobre minha barriga. Como poderia entrar nesse
mundo com um filho no ventre? Mas era uma oportunidade de trazer George até
mim, pensei. Tinha certeza de que ele viria.
— As pessoas não podem descobrir! — disse, me virando. — De forma
alguma.
— Não irão. Os homens nunca colocariam os pés em um clube se
descobrissem que uma mulher o coordena, chérie. Por isso, antes de inaugurá-lo,
vou fazer questão de arranjar alguém à altura para ficar à frente dos negócios.
Assim como você assina como Hemera, o clube também tem uma fachada.
Todos temos muito a esconder — disse sorrindo. — Você, para Londres, é a
deusa da luz, não a verdadeira Helena. No fundo, perante os homens eu sou
Afrodite, a deusa do amor... Cada um tem a faceta que merece, Helena.
Ela parou, perdendo o sorriso.
— Tenho tantos nomes. Gosto de pensar nas deusas. Vamos prometer
para os homens os céus. Spret House: deusas de Londres. Eles terão bebidas,
jogos e mulheres. Nós teremos o dinheiro, as propriedades e o poder.
Ela sorria e seus olhos tinham algo mais. Como se quisesse punir alguém
com seu poder. Isso me assustava e também me alegrava, porque era exatamente
o que eu almejava no momento.
— Tem uma sócia — respondi com a audácia que sempre tive. — Quero
segredo absoluto. Quando o clube vai inaugurar?
— Deve demorar. Vai ter tempo de gerar seu filho tranquilamente.
Preciso fazer todos os ajustes da mudança e o mais complicado, chérie, arranjar
um marido que seja inteligente o suficiente para enganar a todos, tolo na medida
exata para se submeter a uma mulher e o mais importante, ma petite, aceite se
vender a mim.
Assenti com os olhos arregalados. Parecia tão natural para ela essa
procura, como se estivesse pensando no vestido que compraria para a próxima
temporada. Nataly era uma mulher peculiar, sem dúvida, e de muitas facetas.
— Bom, devo-me ir. Tenho muitos afazeres. Pode fazer sua mudança
amanhã. Tenho criados que irão ajudá-la. Fico muito feliz com nossa parceria,
mon couer.
Despedimo-nos e, quando Nataly partiu, fiquei com a sensação de que
seguiria um caminho sem volta. E a sensação era maravilhosa. Sentia-me livre,
como se pudesse alcançar o mundo.
Estava pronta para atingir George. Sabia que devia deixá-lo para trás.
Tinha certeza disso. Mas não se pode seguir sem o coração. O corpo não
caminha sem seus batimentos cardíacos. Parecia muito errado, tudo muito
errado, mas para mim, nada me parecia tão correto.
CAPÍTULO 36

“Um coração indomado pode até pertencer aos livros, às peças teatrais a
que assisto com tédio. Mas para os meros mortais, que domam cavalos e
damas impulsivas, como não controlariam algo que pulsa dentro do seu
próprio peito?”
(Anotações de George, Paris, 1978.)
GEORGE
O dia amanheceu como todos os outros. Sem graça, sem cor e
barulhento. Esse, particularmente, começou mais barulhento que os demais, com
uma carruagem se aproximando. Estranhei. Levantei da cadeira do escritório e
espiei pela vidraça.
Meu coração quase saiu pela boca quando reconheci minha própria
carruagem, que deixei à disposição na casa em que Helena estava hospedada,
encostando em frente à mansão.
Saí em disparada com os pensamentos fervilhando. Ela estaria passando
mal? Queria-me de volta? Diria que não estava grávida e tudo ficaria bem?
Deus, eu sentia tanto sua falta. Estava morto por dentro sem ela.
Abri a porta de casa desesperado e em seguida a da carruagem, antes que
alguém pudesse descer, mas tudo que encontrei foram duas criadas, um lacaio e
alguns poucos pertences.
— Alguém pode me dizer o que isso significa? — disse rudemente em
voz altiva.
Todos se encolheram e me olharam assustados.
— Desculpe, milorde! — o lacaio foi o primeiro a se manifestar. — Não
pudemos fazer nada, fomos surpreendidos pela noite e, quando acordamos esta
manhã, a casa já estava vazia e tudo que encontramos foi um bilhete da Milady
Helena.
Ele me estendeu o papel. Peguei-o com as mãos trêmulas.
Sei que sou um peso. Estou libertando você dessa responsabilidade.
Devolvo-lhe os criados, o lacaio e os seus pertences de maior valor.
A partir de hoje não preciso ser nem mais uma lembrança.
Helena
Todos me olhavam, esperando ordens, e tudo o que fiz foi pegar o papel e
picá-lo em dezenas de pedaços. Voltei para dentro de casa, entrei no escritório e
bati a porta com tanta força que os móveis até tremeram.
Olhei para os jornais que mantinha em cima da mesa, dezenas deles.
Todos continham notícias da nova e famosa desenhista de vestidos da cidade que
assinava como Hemera. Poderia ser uma coincidência? Eu duvidava! Primeiro,
porque a mulher desenhava para Marshala, a mesma modista de Helena. Os
vestidos começaram a surgir depois que ela partiu; algumas damas passaram a
usar preto; e agora Helena tinha dinheiro para se sustentar.
Ou talvez não. E se ela tivesse encontrado outro homem? Só de pensar,
senti meu sangue ferver. Eu a tinha deixado livre. Isso poderia ter acontecido. E
se por orgulho fosse morar em um lugar perigoso, sem se alimentar direito?
Conhecia Helena e sabia que era capaz de tais coisas. E se estivesse doente, indo
se tratar no campo?
Tantas coisas rondavam meus pensamentos. Desnorteado, me sentindo
incapaz de respirar na casa, pedi que o coche me levasse para um passeio até o
Hyde Park. Precisava refletir.
Os últimos meses tinham transcorrido como se eu vegetasse. Abandonei
os negócios, as coisas iam de mal a pior, os empregados se cuidavam por conta
própria, as propriedades dando prejuízos, minha barba estava por fazer, não saí
quase de casa, não encontrava alegria em nada...
A minha luz tinha partido. Entrava na escuridão e tudo tinha perdido o
sentido. Achei que, com o passar dos dias, aquilo se amenizaria, mas estava
enganado. A ausência dela era um tormento e cada dia ficava pior. Sentado em
um banco no Hyde Park, à beira do lago, olhei para o meu reflexo nas águas.
Fiquei imaginado como teria sido se a tivesse levado para um passeio ali.
Tantas coisas que não fiz com ela. Nunca tínhamos ido a uma ópera, a um teatro,
a passeios ao parque, a viagens...
Passei as mãos pelo rosto, cansado, desnorteado. Tinha sido tão
insensato, imaturo, ao planejar tudo de forma tão cruel, me esquecendo
completamente que me casaria com outra pessoa, uma mulher doce que roubou
meu coração no primeiro sorriso, na verdade, na primeira gargalhada. Detestava
ser daquela maneira, cruel, mesquinho como meu pai.
Então, por que sentado nesse banco me sentia como se estivesse olhando
para o seu reflexo nas águas? As palavras de Pietro por fim faziam sentido. Se
Susan estivesse viva, será que ela teria orgulho do irmão que via refletido ali?
Não! Ela teria vergonha.
Eu sequer fui atrás de procurar por sua filha, minha sobrinha, agindo
como um covarde, me escondendo como tal.
Deixei que tudo do meu pai se incutisse em mim e ao invés de fazer
vingança, me tornei seu reflexo, destruindo minha própria vida, a possibilidade
de escrever minha história. Continuava escrevendo a mesma dele. A história do
duque não terminava. Não fora enterrada com ele.
Olhei ao longe, e vi uma mulher carregando nos braços uma pequena
criança. Como poderia privar Helena daquilo? Uma criança teria o sangue do
meu pai, contudo teria a luz da minha mulher — o amor correria por suas veias:
o nosso amor. Ele teria sua língua afiada e provocaria desastres já desde
pequeno. Seria suficiente para uma criança ser feliz?
Eu estava errado. Ela não era o meu fim. Helena era minha salvação.
Só não sabia se ela me perdoaria e nem onde encontrá-la. E se realmente
estivesse com outro? E se realmente tivesse desistido de mim? Tantas coisas
poderiam ter acontecidos nos últimos meses...
Sem poder ficar nem mais um segundo longe da minha mulher, saí
correndo dali e pedi ao coche que me levasse até a casa de Pietro, que não partira
de Londres e continuava se metendo em problemas.
Encontrei-o ainda dormindo e precisei tirá-lo da cama à força, já que
provavelmente devia ter bebido até tarde.
— Meu Deus, o que houve? Algum infortúnio logo pela manhã?
— Preciso dos seus favores. Quero que encomende um vestido para dar
de presente para uma das suas amantes... — sugeri.
Minha esperança era que Hemera fosse realmente Helena. Poderia
contratar um detetive para procurá-la, mas isso demoraria dias e eu estava com
pressa.
— Ficou louco? Sabes muito bem que não tenho dinheiro e nem tempo
para tais luxos! — protestou incomodado.
— Preciso encontrar Helena. Ela partiu de uma das minhas casas essa
noite e creio que ela seja lady Hemera, essa tal desenhista de quem tanto se fala
nos últimos meses. Precisa me ajudar.
Ele sorriu.
— Sabia que voltaria atrás. Está um trapo, George. Isso não haveria de
durar muito tempo. Nesses termos, o ajudarei. Me diga o que devo fazer.
— Vá até a loja de lady Marshala e diga que precisa de algo especial.
Marque um horário com a desenhista para amanhã. Diga que não aceita a
encomenda sem falar com a desenhista. Ofereça muito dinheiro e não diga seu
nome. Se for Helena, vai reconhecê-lo. Amanhã, no horário marcado, vou
comparecer em seu lugar.
— Bom plano, meu amigo — ele disse me dando um pequeno tapa no
ombro. — Recomendo que faça a barba, corte os cabelos e se alimente por um
mês. Depois marcaremos a visita.
Gargalhou com seu próprio comentário. Não sorri. Estava sem paciência
para brincadeiras.
— Me desculpe, George. Farei o que pediu, mas pelo amor de Deus, ao
menos faça a barba, ou sua mulher pensará que se trata de um mendigo.
— Faça o que pedi e deixe que eu cuido da minha aparência.
— E se não for ela? — perguntou curioso.
— Encomendarei o vestido e você dará de presente para alguma amante,
como o plano inicial.
— Vou torcer por isso! — disse piscando o olho.
Desta vez eu sorri, sabendo que seu comentário não era sincero. Quando
dei as costas para sair, ele me chamou:
— George — seu olhar era compassivo e não tinha o tom de brincadeira
de sempre —, vá atrás de sua mulher e enterre o passado dessa vez. Era isso que
Susan desejaria e, acima de tudo, é isso que você merece.
Assenti, pela primeira vez sem discordar dele. Quando ele sorriu,
erguendo as sobrancelhas como sempre fazia, desejei que um dia pudesse
encontrar uma mulher para amar e que os seus fantasmas também fossem
enterrados.
Fui para casa me refazer, não só a barba, o cabelo, mas buscar a minha
integridade, tudo o que deixei perdido pelos cantos da casa. Durante aqueles
meses fui me dissolvendo em um homem que nem sabia onde estava, mas agora
sabia, a cada passo que dava rumo ao encontro dela, que o encontrava
novamente.
Eu só queria abraçá-la. Eu só queria amá-la. Eu só a queria, e meu
coração saltava de imaginar que com ela viria mais um. Mesmo que eu tivesse
de enfrentar todos os meus medos e abandonar todo o meu passado para que
tudo que estivesse sonhando se tornasse realidade.
CAPÍTULO 37

“Os sonhos nunca contemplam o real. Nos meus diários esqueci de dizer
que o amor é surpreendente, que ele é mágico. Ele chegou e superou todos
os meus sonhos, porque nada poderia se comparar ao amor do meu duque.
Não existem palavras para descrever os sentimentos que vivenciamos. Eu o
amo. Infinitamente.”
(Diário de Helena, Londres, 1802. )
HELENA
— É uma péssima ideia. Os negócios estão ótimos. Não precisamos
disso. Desde o início combinamos que não me exporia e assim deve ser!
Sentada na pequena sala onde Marshala costurava muitas das minhas
criações, nos desentendíamos pela primeira vez. Ela me olhava irritada e eu não
arredava o pé.
— Combinamos desde o início que o sigilo sobre a minha identidade
seria o primordial. Não estou te entendendo, Marshala. Quando as prioridades
mudaram? — perguntei cruzando os braços.
Aquela jovem cheia de ideias mantinha a testa enrugada. Seus longos
cabelos negros estavam soltos essa manhã. Como ela não receberia nenhum
cliente, não se importou em prendê-los.
— Ele garantiu que não vai dizer a ninguém. E além do mais, se disser, a
palavra dele não vai importar. Ele não terá provas. Estamos precisando nos
mudar. Olhe para isso? Está ficando impossível trabalhar neste cubículo com
tantas encomendas. — Ela levantou as mãos.
Realmente, as encomendas não paravam de chegar. Só no último mês
precisamos contratar mais duas ajudantes e os tecidos se acumulavam em caixas
empilhadas por todos os cantos e mesas. Estava ficando impossível atender a
todos os pedidos ali.
— Ele jogou no meu rosto um bolo de dinheiro e a escritura de uma
propriedade. Isso daria para fazer a mudança com folga. Não podemos ignorar.
Olhei para ela, pensativa.
— Eu não te entendo às vezes, Helena! — bufou irritada. — Quer que
George a encontre, assina como Hemera, mas se esconde atrás dos papéis.
Deseja ficar à margem de tudo, mas se coloca em uma sociedade no clube mais
famoso de Londres. Você só pode ser maluca!
Dessa vez ela sorria e eu também, porque as incoerências da minha vida
eram tantas que nem eu compreendia. Apreciava que não estivéssemos
discutindo mais. Nos últimos dias passamos a conviver tanto que me afeiçoei
àquela jovem de poucas palavras, mas de sorrisos gentis e ideias brilhantes.
— Creio que nem eu me entendo — disse por fim. — Vamos fazer esse
encontro. Apesar de ser estranho, não acha? Esse homem querer me ver
pessoalmente e se interessar tanto pelos vestidos que sua amante vai vestir?
— Eu acho estranho o dinheiro que esses homens gastam com mulheres
que não lhes pertencem. Neste caso, não vejo nada de mais ele querer garantir
que fique do seu gosto, já que não deve estar acostumado a comprar roupas,
como as mulheres... — disse deixando escapar um leve suspiro.
— Seja como for, vamos marcar esse encontro para amanhã, após o
almoço, e aqui na loja. Não devemos marcar com nenhuma outra cliente.
Ninguém pode me ver por aqui. E avise-o que mando cortar sua língua se
alguém souber da minha identidade.
Marshala jogou a cabeça para trás e gargalhou.
— Quem olha para você não imagina que por trás do olhar doce se
esconde essa mulher perversa. Você é uma mulher surpreendente. Nunca
imaginei que aceitaria minha proposta quando entrei na sua casa aquele dia.
George não sabe o que perdeu.
O assunto fez com que se dissipasse a alegria nos meus olhos.
— Devemos deixar alguns tecidos previamente separados para facilitar
meu trabalho... — disse, mudando de assunto.
Ela assentiu. Percebeu meu desconforto, porém não comentou. Passamos
a tarde organizando a pequena sala bagunçada para poder receber o Lorde.
Realmente, precisávamos de uma mudança.
— Você não me disse o nome dele... — perguntei quando, exausta,
colocava a última caixa dentro do pequeno armário cujas portas quase não
fechavam mais, de tão abarrotado.
— Apresentou-se como Barão de Farolmer. Seu rosto me pareceu tão
familiar, mas não creio ter ouvido esse nome em nenhum outro lugar! —
Marshala comentou pensativa.
— Realmente, não conheço essa família. Mas creio que o que importa é o
dinheiro.
Ficamos conversando até mais tarde e quando cheguei em casa, cansada
do trabalho, tomei um banho e fui dormir, sem ter muito tempo para pensar. Era
assim que fazia nos últimos dias. Era a maneira que tinha para me esconder. Era
minha maneira de não pensar tanto nele.
As manhãs sempre eram piores. Acordar sem George era doloroso e
olhar minha barriga crescendo, mesmo que bem pouco ainda e saber que ele
nunca veria aquilo, o meu pior pesadelo.
Coloquei um espartilho mais solto, disfarçando a pequena protuberância
que começava a se formar e escolhi para vestir um vestido azul-claro que ficava
solto no corpo e não marcava em nada minha cintura. Ninguém sabia da minha
gravidez a não ser Nataly. Não tinha dividido meu segredo com Marshala para
não a preocupar em relação aos negócios.
Tínhamos encomendas feitas para as próximas duas temporadas e isso
representava trabalho para muitos meses. Pretendia deixar tudo adiantado.
Quando meu pequeno nascesse, eu não pretendia trabalhar tanto, já que queria
tempo só para ele.
Olhei o jornal da manhã e bati o olho nas colunas de fofocas. Sempre
procurava ver se tinha o nome de George ali, com medo de encontrar algo. Sabia
que isso não tardaria a acontecer. Sabia também que não estava preparada para
isso.
O que me surpreendeu, entretanto, foi uma nota anunciando um noivado.
A minha irmã se casaria em breve e, para minha maior surpresa, não era com
nenhum marquês, conde, duque ou barão. Era com um comerciante local. Fiquei
feliz porque deduzi que ela se casaria por amor. Eu gostaria de acreditar que sim.
Ou talvez minha ruína a tivesse comprometido tanto que tudo o que restara a
meu pai foi isso ou vê-la solteira pelo resto da vida. O jornal dizia que o bom
moço tinha algumas posses e que o casamento com a filha do Marquês seria
notório na sociedade. Eu sabia, porém, que meu pai pagava por aquela coluna.
Dobrei o jornal e fui para a loja. Tinha que me encontrar com aquele
Lorde e depois passar o resto dos dias com meus desenhos.
Parei em frente à fachada e fiquei observando a pequena vitrine que hoje
tinha um vestido lilás exposto. Tinha sido uma das minhas últimas criações e era
um vestido simples para um caminhar, talvez durante o dia, no Hyde Park.
Confeccionado em seda pura e de caimento leve, próprio para o verão.
A loja não estava aberta ainda ao público e, quando entrei, Marshala
mexia em alguns papéis sobre a mesa.
— Que bom que chegou. O Lorde avisou que deve se adiantar.
— Meu Deus, essa mulher deve ser muito importante para que esses
vestidos sejam tão desejáveis! — disse irritada.
— Creio que não sejam os vestidos, querida, mas o que eles vão
proporcionar! — ela respondeu sorrindo com doçura.
Marshala era sozinha, assim como eu, mas diferente de mim, nunca tinha
se envolvido com ninguém. Não que eu soubesse. Nunca falava de nenhum
homem, não comentava de ninguém, não falava da família... era sempre sozinha.
Na verdade, Marshala era um mistério.
— Quando nos mudarmos, precisamos pensar em um nome para essa
loja. Fica estranho olhar essa fachada sem um nome, não acha? — perguntei.
— Sim. Vamos pensar em algo. Quer esperar lá dentro da salinha? Já vou
abrir para alguns clientes e, quando ele aparecer, o levo até lá.
Assenti, peguei meus papéis e caminhei até lá, encostando a porta.
Sentei na única poltrona disponível, para descansar os pés e aguardei
pacientemente o cavalheiro que viria encomendar os vestidos. Lembrei que
precisava de mais tinta para os desenhos. Fui até o armário. Escutei a porta se
abrir. Parei e olhei para trás.
Não era um Lorde qualquer ou um cliente qualquer que encomendou os
vestidos para sua amante.
Era George. Meu George.
Meu coração deu um pulo. Minha respiração parou, o sangue deixou de
circular e acreditei que até o mundo parou de girar nesse instante.
Não sabia se deveria rir, chorar ou expulsá-lo dali, o que seria, sim, a
atitude correta. Abaixei as mãos que estavam erguidas no armário, tentando me
recompor, e por um instante me permiti observá-lo.
Seus olhos pareceriam fundos e cansados. O seu semblante estava pálido.
Não era o mesmo George de meses atrás. Tinha perdido o brilho.
Quando consegui tomar fôlego e me recompor, disse de forma gélida:
— Creio ter acontecido algum engano. Já pode se retirar.
Ele fechou os olhos por um momento. Em seguida, meneou a cabeça.
— Só me deixe falar uma última vez. Depois...
— Depois o quê? — interrompi-o. — Você vira as costas e decide que
quer ir embora de novo? Por favor, eu não suporto mais!
Meu coração não aguentava nem um segundo de sofrimento. Só de olhar
para ele, já estava em pedaços novamente e demoraria meses reconstruindo tudo.
Meses para me livrar da sua imagem.
— Helena, eu o enterrei! — ele disse.
Balancei a cabeça, sem entender.
— Quando meu pai se foi, eu fiquei com tanto ódio que guardei tudo
dentro de mim. Ódio por mim e pela Susan. Peguei uma caixa, escrevi uma
carta, guardei um charuto dele, algumas coisas da Susan e deixei tudo lá e aqui
— ele deu um soco no seu coração —, mantive-me preso a essa escuridão por
todos esses anos, sem perceber que fiquei amargo e me tornei um reflexo do meu
pai. Mas hoje, eu o enterrei. Hoje, meu pai realmente morreu, Helena. Hoje ele
se foi. Eu não enterrei meu pai no dia em que ele morreu. Eu só o enterrei hoje.
Eu ainda tenho raiva dele, mas não quero que ele tenha influência em mais nada
na minha vida.
Seus olhos brilhavam pelas lágrimas acumuladas.
— Não tem problema sentir raiva das pessoas, George. O problema é
sentir raiva de si mesmo. Acho que se culpa por não ter conseguido salvar Susan.
Dessa vez, as lágrimas saltaram sem reserva. Ele as limpou com as costas
da mão, envergonhado.
— Eu deveria ter feito alguma coisa. Poderia ter tentado bater naqueles
homens, gritado mais talvez. Eu não sei....
— Meu Deus, George, você era uma criança. O que poderia fazer?
— Eu não sei! — Ele abriu os braços, inconformado. — Poderia tê-la
procurado mais antes que ela morresse, eu poderia ter tentado tantas coisas que
não fiz. Eu só sei que preciso enterrar tudo isso e seguir em frente. Eu perdi
Susan, mas não posso perder você. Eu sei que não está grávida e, se puder
acreditar em mim, eu lamento muito por isso.
As palavras me pegaram desprevenida e precisei me apoiar ao armário ao
meu lado. Ele não tinha como ver a barriga que crescia. Eu a mantinha
escondida.
Fui tomada por uma emoção sem tamanho sabendo que ele desejava
aquela criança que crescia no meu ventre.
— Eu não quero um filho seu, eu quero vários! Quero uma família, quero
toda a sua luz irradiando na minha vida, quero sua gargalhada escandalosa nos
meus ouvidos, o seu cheiro constante sendo minha companhia, quero seu abraço
pela manhã... eu quero tudo de você. E quero os pequenos, que virão cheios do
seu amor, ao meu redor, todas as manhãs da minha vida, Helena!
Tinha súplica, tinha amor na sua voz.
— George... eu....
— Não! — ele me interrompeu. — Não diga não. Eu sei que errei com
você, sei que não mereço nada seu, mas me deixe provar, me deixe, minha
Hemera? Eu vou curar todas as cicatrizes do seu coração e vou beijar todas as do
seu corpo por todos os dias da minha existência. Não tenha medo, porque eu
estou aqui e, desta vez, eu não vou estragar as coisas, estou me dando inteiro,
Helena. Não sou o duque, George Misternham, Lorde, milorde... sou
simplesmente o seu marido, o marido da Helena.
Dessa vez foram meus olhos que transbordaram ao ver aquele homem
cheio de orgulho, cheio de si, se entregando completamente ao amor que sentia
por mim. Sim, eu era toda dele. Não existia Helena sem o seu duque, sem o seu
marido, não mais. Voei nos seus braços porque era ali o meu lugar, não existia
sentido na luz sem escuridão.
CAPÍTULO 38

“Aprendi a abrir mão de tudo por amá-la e aprendi que nada me fazia mais
feliz. Aprendi que só era feliz se ela também fosse. E aprendi
principalmente que orgulho não importa, no fim das contas.”
(Anotações de George, Londres, 1802.)
GEORGE
A vida inteira eu soube exatamente que o sentido da minha vida era a
vingança. E agora, olhando a minha mulher, eu tive a certeza de que o sentido do
meu mundo era ela, não mais a vingança.
Eu desistiria de todas as minhas convicções se fosse necessário, abriria
mão do meu título, e até das minhas riquezas, por ela, porque a minha maior
riqueza e minha maior nobreza residiam nela.
Afaguei seus cabelos e respirei fundo, sentindo todo seu perfume. Era
como se não tivesse respirado nos últimos meses. Acariciei o seu rosto, me
demorando em ver como era linda. Então, encostei meus lábios nos seus,
matando a saudade do seu sabor, tentando me conter, pois a saudade era imensa
e desejava tomar tudo dela, todo o seu corpo.
— Me diga que continua me amando? — sussurrei com os lábios colados
aos seus. — Que não estraguei tudo?
— Nem que me traísse, me abandonasse e morresse mil vezes, para
deixar de te amar, George! — ela declarou.
— Fale de novo... — pedi e a tomei em outro beijo até que nós dois
perdêssemos a respiração.
— Eu te amo, meu amor! — ela disse de novo, desta vez acariciando o
meu rosto, emocionada. — George, eu preciso saber... realmente quer ser pai?
As palavras não me pegaram de surpresa desta vez. Sabia do seu receio.
Eu tinha sido um canalha tantas vezes que não seria fácil Helena confiar em
mim, mas estava disposto a ser paciente e mostrar a ela que desta vez seria
diferente.
— É tudo que desejo. Quero vê-la feliz e se isso a fará feliz, me fará
também. Além do mais, imagine ver uma cópia de você gargalhando ou um
menino teimoso que tenha seu gênio? Que Deus nos ajude.
Seus olhos brilharam e as lágrimas, que já estavam secando, voltaram a
brotar.
— Não vai precisar esperar, meu amor... — Ela sorriu, deslizando a mão
até sua barriga. — Já carrego um filho nosso em meu ventre.
Pude sentir exatamente quando meu coração parou de bater por alguns
instantes e o mundo deixou de existir, resumindo-se à sensação de tocar as mãos
dela sobre sua barriga. Era um misto de sensações inexplicáveis: emoção,
ternura, amor, receio e medo. Sim, eu estava extasiado pela notícia, e também
com medo.
Quando recuperei a respiração e meus batimentos cardíacos
normalizaram, eu me abaixei a abracei seu corpo, beijando sua barriga. As
palavras ainda faltavam, mas eu me sentia completo.
Sabia que tinha um longo caminho pela frente, que o medo me faria
duvidar em muitos momentos da minha capacidade de amar, que ficaria tentado
a olhar para trás em outros, mas estava ali, abraçando minha maior riqueza e, por
ela, eu daria a minha vida. Por eles, eu iria conseguir.
— Eu vou tentar ser um bom pai — disse me levantando, beijando seus
lábios novamente, sem me conter, porque o amor que sentia por essa mulher era
imensurável. — Não vou ser o melhor, longe disso, mas vou dar o meu melhor.
Sequei suas lágrimas e ela sorriu lindamente.
— Você será o melhor pai, George; pra mim, você o será, porque vai
amá-lo, vai se dispor de tudo como está fazendo agora, porque é isso que você
faz: deixa tudo por amor. Você é generoso, e tem o coração mais aberto ao amor
que já conheci e será um pai maravilhoso, tenho certeza disso. Vamos aprender
juntos, vamos superar nossos passados juntos...
— Será que posso te levar para casa agora? – perguntei receoso. —
Preciso de tudo de você nesse instante e não suporto mais a sua ausência.
— Creio que preciso dar satisfações à Marshala — disse com
cumplicidade. — Esperávamos fechar uma grande negociação esta tarde, e
tínhamos planos mirabolantes para o dinheiro e a propriedade que foi garantida
em troca dos vestidos, por seu cúmplice.
— Ah, Vandik, sempre exagerado... Eu tinha dito para ele oferecer
dinheiro em troca de um vestido. Ele reservou a tarde e chegou a colocar uma
das minhas propriedades em jogo. — Afinal, o que está fazendo aqui, Helena?
Sabe que não a desampararia!
No mesmo segundo me arrependi pelas minhas palavras e, antes que ela
dissesse alguma coisa, coloquei meus dedos sobre seus lábios.
— Não, não me diga nada. Sei muito bem o que está fazendo aqui, e não
esperaria menos de você. Me desafiar, ser dona da sua própria vida e cuidar de si
mesma é tudo que poderia fazer. Essa é você.
— Sim, essa sou eu! — ela concordou sorrindo. No entanto, agora tenho
uma sócia, e você ao menos vai pagar por alugar vestidos para mim, senhor
Misternham. Afinal, os meus já estão ficando apertados e precisamos de dinheiro
para a loja.
Fiz uma careta simulando estar irritado.
— Não tente me enganar. Sei que não está irritado.
— Desde quando desenha vestidos? — perguntei curioso.
— Ficar sentada tanto tempo nos bailes, rejeitada, serviu de algo.
Aprendi tudo sobe moda e resolvi usar minhas habilidades para me distrair.
Tenho um dom para o desenho que desconhecia e juntei com o bom gosto que
desenvolvi de observar as damas nos bailes.
— Não sabe como fico feliz por ter sido desprezada tanto tempo!
— George! — ela me reprovou, dando um pequeno tapa em meu peito.
— Estava guardada para mim. Não pode me condenar por meu egoísmo.
Beijei a ponta do seu nariz, descendo até os seus lábios. Meus dedos
foram chegando até as suas costas e encostei meu corpo ao seu.
— Precisamos ir... — sussurrei.
— Sim... precisamos! — ela concordou corada.
Ajudei-a a organizar seus papéis e explicar para Marshala os infortúnios
da aparição do seu marido. Garanti que manteria a compra e o que fora
combinado por Pietro. A pequena fortuna que ele combinou com a dama valia
cada libra. Na verdade, toda minha fortuna não tinha valor sem Helena.
Quando entramos na carruagem, parecia que algo ainda a incomodava.
— Deixamos algo para trás com Marshala? — perguntei mantendo suas
mãos entrelaçadas às minhas, enquanto sua cabeça estava encostada em meu
ombro.
— Não. Acabaremos de acertar o restante na próxima semana. Nada
urgente. Sei que é uma afronta trabalhar, mas gosto do que faço — ela disse,
afastando seu rosto e me olhando nos olhos — Não vai me privar disso, não é?
— Ainda acha que tenho algum poder sobre você? — perguntei sorrindo.
— Achei que já soubesse o suficiente para compreender que o poder está todo
em suas mãos, ou esqueceu que a deusa aqui é você? Fique tranquila, minha
doce esposa, você não será privada de absolutamente nada.
— Obrigada! — ela respondeu com o sorriso mais largo que eu já tinha
visto em seu rosto. — E tem outras coisas que precisa saber antes de me aceitar
de volta.
Encostei minha cabeça no apoio da carruagem, sabendo que pelo seu
semblante travesso e preocupado, não eram coisas de uma dama, como: “eu
comprei vestidos novos”, “quero ir para Paris”, “quero um colar novo”; eram
coisas estilo Helena — complicadas e escandalosas.
— Quando estive naquele clube, o Spret House, na vez que me passei por
prostituta, eu cheguei até lá através de uma amizade imprópria: uma prostituta
que contratei para me ajudar a te conquistar e me colocar dentro daquele lugar.
Por todos os meus pecados! Ela estava louca! Até para Helena aquilo era
demais. Fiquei sem fala diante das suas palavras, e a minha cara deveria estar
péssima, pois ela me olhava com espanto enquanto continuava:
— E nesses meses que ficou fora, foi Nataly quem me ajudou em tudo.
Foi ela que me deu apoio, que me alugou uma casa em seu nome para me
proteger da sociedade, e quem esteve presente quando você não estava. Ela foi e
é uma boa amiga. Agora, Nataly precisa de mim e fizemos uma sociedade.
— Por Deus, Helena! Que sociedade você poderia ter com esse tipo de
mulher?
Eu estava chocado. Sim, quando conheci Helena, eu sabia que ela era um
escândalo. Quando me casei com ela, tive certeza. Na convivência, comprovei
que era muito maior do que eu imaginava, mas agora eu estava a ponto de atestar
sua insanidade escandalosa perante a sociedade, se é que isso existia.
Olhei para suas mãos. Ela mantinha os dedos cruzados, um batendo no
outro, sem parar. Estava nervosa. E mordia os lábios.
— Continue... — pedi, antes que eu tivesse um infarto.
— Nataly, ao contrário do que todos pensam, é a verdadeira dona do
Spret House e vai fechar o clube e reabri-lo em outro lugar, mais amplo e
luxuoso. Me disse que lá, ela detém dinheiro e poder, como quase nenhum outro
homem em Londres.
— Bem que Pietro disse. Sempre achei que aquele lugar fosse regido por
Dom Carlos — divaguei. — Bom, mas isso não vem ao caso. O que você tem a
ver com isso? Não estou compreendendo aonde quer chegar.
— Nataly quer algumas sócias. E eu vou ser uma delas!
Se eu tivesse um coração frágil, teria morrido nesse instante. Se ainda
desejasse vingança da minha mãe, ela estaria concluída nesse minuto. Se
acreditasse que mortos ouvissem, meu pai estaria se remexendo no túmulo. E se
tivesse alguma certeza de que Helena conhecia a palavra juízo, imaginaria que
ela o teria perdido no dia em que nasceu.
Ela abriu um sorriso tímido de canto de boca e colocou uma mão em
cima da minha.
— Sei que a princípio pareceu uma péssima ideia. Também achava. Mas
agora não posso voltar atrás. Nataly precisa de mim e devo favores a ela.
— O que eu devo dizer a você, Helena? — perguntei perdido e
inconformado com aquela situação, mas um pequeno sorriso se formou nos meus
lábios.
— Que deve me domar? — ela perguntou, achando graça da minha cara
surpresa.
— Creio que devo aprender a andar no seu galope, caindo quantos
tombos forem necessários, porque você, amor meu, é um cavalo indomável. E
sinceramente? Não acredito que conseguirei domar você, minha deusa!
EPÍLOGO

H Á MUITO TEMPO NÃO SE VIA UM BAILE TÃO SOFISTICADO EM L ONDRES. A CONDESSA DE LOSCOVIS NÃO ECONOMIZOU NO BOM GOSTO, NAS
FLORES, NA BOA MÚSICA E NOS CONVIDADOS DE TODAS AS PARTES DA NOBREZA.

M UITAS DAS DAMAS DESFILAVAM COM SEUS VESTIDOS PERFEITOS, DESENHADOS POR HEMERA, QUE TODOS SABIAM, COM A INAUGURAÇÃO DA

NOVA LOJA M ADEMOISELLE, QUE SE TRATAVA DA D UQUESA DE M ISTERNHAM.

A MAIORIA DAS DAMAS NÃO SE IMPORTAVA DE PAGAR PEQUENAS FORTUNAS POR SUAS CRIAÇÕES, QUE JUNTAMENTE COM A INSÍGNIA M ARSHALA,

VINHAM FAZENDO SUCESSO NAS RODAS DA ALTA SOCIEDADE. E NÃO ERAM SÓ PELOS VESTIDOS; ERAM PRINCIPALMENTE PELAS FOFOCAS. N UNCA FORA

ACEITÁVEL QUE UMA DUQUESA DESONRASSE O MARIDO DESTA FORMA: TRABALHANDO! E AS MÁS LÍNGUAS DIZIAM QUE O CASAMENTO OS DOIS
ACABARIA NA RUÍNA.

N ÃO É O QUE ESTA COLUNISTA PENSA; ACREDITO QUE AS DAMAS QUE O DIZEM, ESTÃO NA VERDADE COM INVEJA DO QUADRO PRESENCIADO NO
BAILE, QUE VOU PINTAR PARA MEUS QUERIDOS LEITORES.

IMAGINEM A CENA:

A DAMA MAIS BEM VESTIDA DA FESTA, CHEGANDO EM UM PERFEITO VESTIDO LILÁS, QUE EVIDENCIA SEUS CABELOS CASTANHOS QUASE DOURADOS

E SUA GRAVIDEZ JÁ AVANÇADA, FAZENDO-A PARECER UM ANJO, DE TÃO RADIANTE E FELIZ. A O SEU LADO, O DUQUE, DE BRAÇOS DADOS, FITANDO-A COMO

SE NADA MAIS EXISTISSE AO SEU REDOR, COMO SE O MUNDO SE REDUZISSE À SUA MULHER: H ELENA.

Q UANDO ENTRAM NO SALÃO, AS PESSOAS PARAM PARA OLHAR, COCHICHAM, FALAM MAL E, DISFARÇADAMENTE, DIZEM QUE ESTÃO INFELIZES,

ENQUANTO OS DOIS SORRIEM E G EORGE TOCA O VENTRE DA ESPOSA, SEM SE IMPORTAR COM AS CONVENÇÕES DO LUGAR.

A PÓS O JANTAR, QUANDO A VALSA COMEÇA, A GRANDE H ELENA, CONHECIDA POR SEUS ESCÂNDALOS, JÁ TEM DUAS VALSAS RESERVADAS AO

MARIDO, COMO VEM PRATICANDO EM TODOS OS BAILES. D ANÇAM, TROCAM SORRISOS, OLHARES, ALGUMAS CARÍCIAS, E TODOS NO SALÃO CONTINUAM

LANÇANDO OLHARES DE INVEJA, JURANDO QUE AQUELE CASAL ESTÁ POR UM TRIZ. ESTÃO RUINDO.

Q UANDO A MÚSICA PARA, CONVERSAM COM OS AMIGOS. E SCUTEI DE FONTE SEGURA QUE G EORGE CONFIDENCIOU A SEU MELHOR AMIGO,

P IETRO VANDIK, QUE NUNCA ESTEVE TÃO EM PAZ E FELIZ. E


ENTÃO SE ESCUTA UMA GARGALHADA! A
GARGALHADA DE H
ELENA, E O SALÃO,
HORRORIZADO, SE DETÉM PARA OBSERVAR, E ELE OLHA, ESTUFA O PEITO, COMO SE ESTIVESSE SEM AR, NÃO PISCA E ABRE O MAIOR SORRISO DO MUNDO.

N ÃO, NÃO CREIO QUE ESSE SEJA O OLHAR DE UM HOMEM TERRIVELMENTE IRRITADO. N ÃO, NÃO CREIO QUE ESSE SEJA O COMPORTAMENTO DE UM

CASAL QUE ESTÁ EM RUÍNAS. H


Á MUITOS E MUITOS ANOS QUE NÃO VEJO EM L ONDRES UM AMOR TÃO ESCANDALOSAMENTE VERDADEIRO.

ESSA É A OPINIÃO DESTA COLUNISTA E DE TODOS QUE ESTAVAM NO BAILE, MAS QUE, COBERTOS POR INVEJA, DIRÃO EXATAMENTE O CONTRÁRIO —
MESMO NA FORCA.

N ÃO DEIXEM DE ACOMPANHAR NAS PRÓXIMAS COLUNAS SOBRE A PROCURA DO D UQUE DE M ISTERNHAM POR UMA SOBRINHA DESAPARECIDA.

E TAMBÉM SOBRE A REINAUGURAÇÃO DE UM GRANDE CLUBE PARA HOMENS NA CIDADE, O S PRET H D


OUSE: EUSAS DE L
ONDRES.

A TÉ A PRÓXIMA, NOS VEMOS EM BREVE!

L ADIES E SEDAS, L
ONDRES, 24 DE A BRIL DE 1802.
CAPÍTULO 1

NATALY
A casa estava cheia. Era a última noite naquele salão. Depois ficaríamos
fechamos por alguns meses e reabriríamos no novo local que já estava sendo
preparado para receber a Spret House.
Dom Carlo também se aposentaria. Estava cansado de ficar por trás
daquela vida agitada, das cobranças, de cuidados dos credores, das minhas
meninas problemáticas, dos bêbados, dos jogadores e das minhas vinganças.
Estava cansado de tudo e eu não o julgava.
Desde que comecei aquele negócio, Dom Carlos era um comerciante que
fornecia lenhas. Depois que o velho senhor me protegeu de homens que queriam
nos fazer mal, as coisas começaram a melhorar e ele sempre esteve ao meu lado.
Se tinha uma coisa que eu sabia reconhecer era lealdade.
Estava deixando-o partir, mas a casa de jogos precisava de alguém que
ficasse a frente. Estávamos em 1803, e não se aceitavam mulheres a frente de
nada. Quando o sol se punha, a Spret recebia duques, condes, marqueses,
comerciantes, barões e todos os homens ricos e importantes da cidade. Éramos o
clube mais famosos de jogos e prostituição. Lá, deixavam suas fortunas e seus
segredos; em troca, eu lhes dava diversão. Mas precisava de um homem, e meu
segredo ficaria mantido até a minha morte. Aqueles homens não poderiam saber
que tinha uma mulher que comandava aquele império, ou então, tudo ruiria.
Naquele mundo eu era Nataly, uma prostituta, uma lenda. Ninguém
saberia dizer quantos homens já tinham passado pela minha cama ou não.
Muitos diziam que sim, contam histórias para os seus amigos, inventavam
fantasias e aquilo fazia de Nataly a deusa do amor. O que era verdade ou mentira
ficaria comigo até a morte, assim como meus segredos da Spret House.
Entretanto, para alguém que detinha tantos segredos, o maior dilema da
minha vida eu enfrentava naquele momento: substituir Dom Carlos. Eu não
confiaria em mais ninguém. Só tinha uma forma de garantir que não fosse traída:
eu precisava encontrar um marido. Um que tivesse cérebro suficiente para
controlar meus negócios, dívidas exorbitantes para poder ser comprado, nenhum
coração para se colocar na bandeja e escrúpulo algum para aceitar fazer parte
deste contrato.
— Tem certeza de que vai se expor esta noite? — Dom Carlos perguntou
preocupado.
Eu sempre ficava à espreita. Minhas aparições eram raras. Como toda
lenda, eu pouco era vista.
— Preciso estar atenta e só eu para identificá-lo. Conheço todas as fichas,
sei de cada dívida que eles têm, as terras que tomei de cada um, seus segredos...
mas os conheço por nome. Preciso vê-los jogando, ver suas habilidades. Preciso
conhecê-los pessoalmente, se são ardilosos, se tem boa presença. Sabe que
preciso de alguém que faça a diferença.
Ele sorriu em compreensão.
Eu tinha investido quase tudo o que tinha no novo clube, porque queria
fazer a maior fortuna já vista com ele. E não era por dinheiro. Era por vingança!
Não para uma pessoa . Eu odiava a sociedade como um todo e queria destruir um
por um que pisasse dentro daquele lugar. Arrancaria os seus segredos, seu
dinheiro e deixaria os maiores burgueses de Londres nas ruínas, como já tinham
feito com minha mãe.
— Está noite deixe todas as mesas livres para as apostas. Quero que
todos se endividem. Não coloque limites. Preciso que todos os cavaleiros de
Londres fiquem à beira da ruína. Estarei de olho em cada mesa. Dobre, triplique
as apostas! Coloque prostitutas servindo bebidas por conta da casa. Quando eu
der a ordem para encerrar, você e os credores farão as negociações com todos,
menos com o que eu der sinal. Este será o escolhido, aquele que será o meu
marido. Está noite, Dom Carlos, eu o escolherei. Não tenho outra opção.
Ele assentiu, deixando-me sozinha no escritório.
Retoquei meu batom, coloquei uma máscara para disfarçar e não chamar
muita atenção, respirei fundo e pensei nela mais uma vez. Ela nunca me disse o
nome da sua família, daqueles que a deixaram em ruína e foram responsáveis por
tudo que ela passou. Mas eu sou Nataly e em breve serei dona de metade de
Londres, pensei com um sorriso no rosto. Não só os bens, mas os segredos
seriam meus.
Com aqueles pensamentos, desci as escadas para o barulho infernal que
estava lá em baixo e comecei a analisar, mesa por mesa.
Dava para ver os tolos que perdiam com facilidade, aqueles que
ganhavam por sorte, aqueles que tinham habilidades, mas eu sabia que eram
casados, outros que não tinham aparência, até que um me chamou a atenção.
Primeiro por sua beleza. Eu sabia identificar um homem bonito de longe,
afinal, esse era o meu mundo.
Jogado de forma despojada na cadeira, diferente de todos os outros
cavalheiros do salão, ele não usava gravata por baixo do colete e do terno de
corte impecável, o que demonstrava que tinha bom gosto, mas era um libertino
nato. Sua camisa tinha dois botões abertos, o que era quase uma afronta para
uma dama. Não para mim obviamente. O cavalheiro olhava atentamente para as
cartas dispostas na mesa e mantinha as sobrancelhas arqueadas, em atenção ao
jogo. Notei quando ele disfarçadamente olhou, rapidamente, para todos os rostos
dos seus adversários que estavam cravados na mesa. Isso era um bom sinal; ele
analisava seus concorrentes. Na sequência, voltou a olhar suas cartas, sem
demonstrar qualquer sinal em sua face do que tinha nas mãos.
Afastei-me quando percebi que ele me olhou, paralisando seu olhar por
alguns instantes. Não queria chamar sua atenção nem queria perder o foco. Se
tinha algo que faria uma mulher perder o foco era o olhar daquele homem. Era
penetrante. Seus olhos eram verde-escuros, quase pretos, pude reparar.
De longe continuei observando-o durante toda a noite. Pude ver quando
blefou, como era mais esperto que os outros jogadores e que, no final, lamentou
todas as apostas, na certeza de que ganharia e nesta hora eu precisava que ele
perdesse. Foi assim que também pude perceber que, acima de tudo, aquele
homem era muito esperto, mas tudo se perdia quando via um par de peitos.
— Ma cherrie... — chamei Laura, uma das minhas meninas. Era assim
que chamava todas as minhas protegidas, as cortesãs que ficavam sobre minha
responsabilidade e que se tornaram minha família. — Está vendo aquele lorde?
— Apontei. — Sirva bebidas a ele e o distraia do jogo. Preciso que ele perca a
rodada de poker. Faça o que for necessário. Não se preocupe, eu pagarei sua
noite, petite.
Fiquei olhando, então ela cumpriu seu papel e pisquei para que Dom
Carlos, que estava próximo, se aproximasse.
— Quem é o cavalheiro? — preguei fazendo sinal com o olhar.
Ele gargalhou como gostava de fazer sempre que eu estava me
envolvendo em encrencas.
— Pietro Caster Fiester Goestela Vandick, sexto Conde de Goestela.
Perdeu os pais e os dois irmãos em um acidente suspeito e silencioso na infância,
herdou uma fortuna que destruiu ao longo dos anos em sua vida boêmia e
libertina. Hoje acumula tantas dívidas e credores em sua sola do sapato que, se
somássemos, chegaríamos até outros continentes. Se está vivo é por sua infinita
bondade à vossa graça, o Duque de Misternham, que vive lhe emprestando
dinheiro e remendando seus machucados, e por sua lábia, que não tem fim.
Coleciona amantes, disputa duelos como passatempo e neste momento —
apontou para mesa, onde Pietro colocava a mão na testa como eu previa —
acabou de perder uma fortuna na mesa de jogos, acrescentando mais uma dívida
às que já são imensas no clube.
Sorri imensamente. Ele era tudo de que eu precisava.
Sem família, sem passado, sem dinheiro, ardiloso, sem coração, sem
escrúpulos, de boa aparência e precisando ser comprado.
— Mande-o subir ao meu escritório. Esta noite vamos acertar suas
dívidas.
Dom Carlos me olhou incrédulo, mas não ousou discutir. Ninguém
ousava!
Eu já tinha feito a minha escolha. Estava indo fechar meu contrato, fazer
minha negociação. A minha vida era sempre um negócio, em busca de uma
grande justiça. Não tinha lugar para sentimentos no meu mundo.
Caminhei lentamente subindo as escadas. Olhando para trás, aquele clube
que me dava o poder de tudo, daqueles homens que achavam que tinham tanto,
mas, no final da noite, deixavam tudo nas minhas mãos. Seu dinheiro, suas
posses, suas terras, seus segredos, e eu os guardava para o dia da minha
vingança.
Faltava descobrir tudo sobre Susan, tudo sobre minha mãe e aí sim, eu
começaria a detonar todas as bombas, como em uma guerra.
No momento, eu precisava me concentrar no meu futuro marido, pensei
sorrindo. Pobre homem! Ele não imagina a guerra em que estava entrando e
também que não tinha escolha. Eu o tinha escolhido e quando Nataly escolhia,
você estava marcado com fogo para sempre.
AGRADECIMENTOS

Escrever um livro é um desafio! Sempre será um desafio, não importa o


estilo e a narrativa, mas neste livro cada um deles foi duramente superado.
Sempre fui apaixonada por romances de época. Quem me conhece, sabe
do meu amor por esse gênero, por Julia Quinn e por tudo que se passou nos
séculos passados. Quando comecei a escrever, queria começar por esse tipo de
narrativa, mas sabia que isso iria requerer de mim muito tempo e estudo que, na
ocasião, eu não tinha para dispor.
O sonho continuou e foi crescendo. Após publicar cinco livros, chegou o
momento em que decidi que não poderia ignorar minha verdadeira paixão. Ainda
continuo sem tempo para me dedicar aos estudos; no entanto, essa paixão me fez
criar tempo e a passar noite debruçada em livros e pesquisas que fizeram essa
história nascer.
E foi assim que a série Deusas de Londres surgiu. Afinal, um sonho não
caberia em um único livro. E para que isso fosse possível, eu precisei contar com
a ajuda e o apoio de pessoas que não são pessoas: são anjos!
A primeira delas é a idealizadora deste projeto, que o abraçou com tanto
amor que este livro é todo dela: Roberta Teixeira. Quando enviei os primeiros
capítulos de George e Helena, ela foi a primeira a dizer “vai ser sucesso”, e esse
seu apoio é o que move todas nós, dentro da editora. Você é puro coração, é
amor, é união. Muito obrigada por abraçar o livro e por me abraçar dentro da
Editora Gift.
Meu amor infinito à Roberta Andrade: você organiza a minha vida
literária e dá Coca-Cola pro meu marido, hahaha. Você é a melhor. Cuida de todo
mundo, não importa se estamos em duas ou em cem. Carinho é seu sobrenome.
Obrigada!
Carol Dias, amor da vida, obrigada por me socorrer sempre, né? Eu
encho o saco, e você resolve a minha vida. Te amo, lindeza.
Família doce sabor! Eu não vivo sem vocês nem um minuto! Nem um
segundo! Amo mais que chocolate, mais que brigadeiro, amo muito e amo
infinitamente. Obrigada!
Caira, você é meu anjo, minha riqueza. Te amo, amiga.
Ma, amiga, como você é paciente comigo, me escutando falar tanto deste
livro. Obrigada.
Luísa Soresini, obrigada por me socorrer sempre às pressas. Você sabe
que sempre será assim, né?
Meu amor eterno a meus familiares. Pai, mãe, Guto, Pri... eu os amo
tanto. Muito obrigada!
Amor, meu marido, minha eterna gratidão, meu amor por você é maior
que tudo, obrigada por sua paciência com minhas histórias. Dessa vez escrevi
quase tudo em longas jornadas noturnas. Você nunca reclamou. Sei que me
ausentei de tantas coisas por isso e você nunca questionou. Você sempre estava
lá, me apoiando, em tudo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo muito!
Deus, obrigada sempre. Você supera meus sonhos.
E a vocês, meus leitores, que estão comigo em todos os livros, muito
obrigada. Que este livro seja mais um que possa conduzir vocês ao passado e a
grande reflexões e aventuras. Que Helena traga luz; e George, paixão e
abdicação — representando um amor que ultrapassa o tempo, séculos e
barreiras, como deve ser —, mas sempre lembrando que, no final, na última
página, o amor é que deve prevalecer acima de tudo e ser aquilo que realmente
importa.
A The Gift Box é uma editora brasileira, com publicações de autores
nacionais e estrangeiros, que surgiu no mercado em janeiro de 2018. Nossos
livros estão sempre entre os mais vendidos da Amazon e já receberam diversos
destaques em blogs literários e na própria Amazon.
Temos o nosso próprio evento, o The Gift Day, onde fazemos parcerias
com outras editoras para trazer autores nacionais e estrangeiros, além de
modelos de capas.
A The Gift também está presente no mercado internacional de eventos,
com patrocínio e participação em alguns como o RARE London (Fevereiro) e
RARE Roma (Junho).
Somos uma empresa jovem, cheia de energia e paixão pela literatura de
romance e queremos incentivar cada vez mais a leitura e o crescimento de
nossos autores e parceiros.
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todas as novidades.
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Table of Contents
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Epílogo
O dia em que te toquei
Capítulo 1
Agradecimentos

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