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SOBRE A NOÇÃO DE

ESTÉTICA

Maria Eugénia Dias de Oliveira


CES-BH

JIMENEZ, Marc. O que é a estética? Trad. Fúlvia M.L.


Moretto. São Leopldo: UNISINOS, 1999. 413 p.

Marc Jimenez, professor na Universidade de Paris (Panthéon- Sorbonne),


ensina Estética na Unité de Formation et d' Arts Plastiques et Sciences
d' Art, onde é responsável pela formação de doutores e dirige o Centre
des Recherches en Esthétique; é membro da Société Française
d'Esthétique e da comissão de redação da Révue d'Esthétique, é tam-
bém diretor da "Collection d'Esthétique" das Éditions Klincksieck. Em
1988 veio ao Brasil para lecionar Estética no Curso de Pós-Graduação
em Artes Visuais da UFRGS e escolheu a Editora UNISINOS para a
publicação da tradução brasileira da presente obra.

A Estética, disciplina filosófica que tem a arte como objeto de reflexão,


recebe, segundo Marc Jimenez, sua revalorização em nossa época. Como
o seu objeto, a arte, encontra sua expressão ao nível dos sentimentos,
traduzir conceitualmente o que não é razão, mas emoção, já constitui
um primeiro empecilho à sua inclusão dentro do campo conceitua1. Ou
se tem expressão artística ou assimilação conceitua1. A característica
específica de cada um dos campos exclui o outro. A arte constitui, no
entanto, um dos modos simbólicos do homem e, seja através de sua
criação, seja de sua fruição, compõe o perfil compreensivo do ho-
mem. A filosofia é o conhecimento reflexo que o homem elabora de
si mesmo e tem como tarefa incluir a totalidade do seu objeto de
estudo: o próprio homem e, portanto, todos os seus modos expres-
sivos.

Compreender e explicar o desafio da reflexão sobre a arte é algo que


remonta à origem da Estética filosófica, mas é um movimento que se
revigorou a partir da atual produção artística que carece de legitimação.
A destruição sistemática de qualquer referência tradicional, a valoriza-
ção do novo, a destruição de padrões de avaliação, a apropriação da
arte como objeto de uma indústria cultural, conduz até mesmo à inda-
gação mais radical: quando existe arte? O que é arte? A sua definição
se modifica em cada contexto histórico? O que significa criticar uma
obra de arte? A crítica é compatível com o prazer e a fruição estéticos?
Como nos outros campos da filosofia, colocar questões torna-se mais
importante do que respondê-Ias.

O Autor divide seu livro em quatro partes: a autonomia estética, a


heteronomia da arte, as rupturas e as guinadas do século XX. As partes
têm desenvolvimento bastante desigual quanto à sua extensão e conteú-
do. Algumas delas (a primeira, em parte a segunda e a quarta) procu-
ram dar uma visão cuidadosa dos autores citados, outras (a terceira
parte e o segundo ítem da quarta parte) referem- se aos autores, sem se
deter na exposição compreensiva de seu pensamento. O tratamento do
pensamento estético desenvolvido durante o século XX parece-nos a
parte mais original do livro, e introduz o público a uma excelente visão
de conjunto do tema dificilmente encontrável na bibliografia disponí-
vel. É lamentável que o mesmo procedimento não tenha sido aplicado
à última parte do texto referente a autores que desenvolveram as suas
obras nos últimos trinta anos e que, entre esses autores, não tenha sido
incluído Umberto Eco, um dos grandes representantes da estética con-
temporânea de abordagem lingüística e semiótica, desenvolvida na
vertente da filosofia das formas simbólicas de Ernst Cassirer. Ao térmi-
no do livro, a presença de uma biliografia seletiva, de um índice de
nomes próprios e de um índice das noções, escolas e movimentos,
oferece ao leitor facilidade de manipular o seu conteúdo.

A tradução e revisão deixam a desejar. Nas páginas 23, 57, 90, 105, 107,
menciona-se o "amador"da arte, quando há muito o termo correspon-
dente e fluentemente empregado em português é "fruidor"! Na página
264, por exemplo, a presença de vários termos erroneamente grafados,
a expressão "vomitar o pintor realista(?)" (página 278), a grafia errada
do termo "massiva" (página 3(1), "gás" (página 334), a tradução do
título do texto de Walter Benjamin empregando "reprodução mecânica"
por "reprodução técnica" (páginas 328 e 336), o emprego de "julgamen-
to de gosto "por" juízo de gosto" (página 372) são correções que irão
aprimorar o texto.

Marc Jimenez não se propõe, nesta obra, estabelecer um histórico rigo-


roso dos diversos sistemas filosófico-estéticos presentes à história da
filosofia. Aponta como elementos motivadorares de sua escolha a gran-
de diversidade de abordagens das teorias estéticas e o relativismo em
matéria de categorias estéticas ao longo da história

Desde o seu primórdio, no século XVIII, a estética define-se como


ciência e filosofia da arte. Jimenez propõe-se traçar" a história da
sensibilidade, do imaginário e dos discursos que procuram valori-
zar o conhecimento sensível, dito inferior, como contraponto ao
privilégio concedido, na civilização ocidental, ao conhecimento
racional".

o conceito 'estética' recebeu diversos sentidos ao longo da história:


doutrina do belo em PIa tão, teoria da arte em Aristóteles, expressão
humana do poder de criação divino em Santo Agostinho, expressão dos
grandes "gênios" humanistas na Renascença italiana, em Baumgarten
forma inferior do conhecimento, vinculada à sensibilidade e à apreen-
são da beleza; estudo das condições de possibilidade da expressão e do
juízo estéticos em Kant, expressão do Espírito absoluto em Hegel, em
Schiller conciliação entre o instinto formal e o instinto sensível na
realização do Estado em que a liberdade, reconhecida a princípio no
domínio da arte, estenda- se ao domínio da relações sociais e das
relações morais.

Marx, Nietzsche e Freud tentam compreender o significado de forças


inconscientes que regem ao mesmo tempo a atividade dos homens
e o devir da humanidade. Iconoclastas diante de explicações que
vinculam civilização e razão ao conceito de progresso, apresentam,
cada um dos três, a sua visão própria e reformuladora desse en-
tendimento. Em Marx, a arte é uma forma ideológica, ainda que guarde
peculiaridades que a distingam das outras formas de falsa consciência
da realidade. Em Nietzsche, a representação artística atesta a coexistên-
cia do elemento dionisíaco ao lado do componente apolíneo da civili-
zação. Em Freud, a emoção estética presente à criação e à fruição
estéticas deriva da esfera erótica.

Na época contemporânea, uma tranformação significativa reorientará a


reflexão estética: a arte afasta-se, de início paulatinamente, e a partir
das duas últimas décadas do século XIX, definitivamente, dos modos
expressivos tradicionais em cada campo de expressão - literatura,
pintura, música, dança, teatro, arquitetura - e testa a realização dos
novos modos expressivos introduzidos pela fotografia e pelo cinema.
Diante desta experiência será necessário formular uma conceituação
adequada ao momento qualitativamente diferente. Elaboram-se novos
conceitos - ruptura, vanguarda, descontruções formais, funcionalis-
mo, rebelião.

A atividade artística transforma-se em canal de expressão da insatis-


fação diante de uma sociedade percebida como agressiva ao próprio
homem, e proliferam manifestos que anunciam novas tendências ex-
pressivas e concepções de mundo. Diante dos conflitos surgidos no
início do século e do emprego da tecnologia científica para objetivos
bélicos, a arte, agora transformada em sua função de denúncia da
realidade humana opressiva, parte da recusa das formas tradicionais
de expressão chegando até mesmo a afirmar com o Dada a impossibi-
lidade de aceitar a tradição e de produzir as belas-artes em um mundo
tornado monstruoso por seu poder de auto-destruição. As obras produ-
zidas no período realizam formalmente a ruptura proclamada: torna-
se impossível compará-Ias a outras época da produção artística, pois
delas diferem conceitual e formalmente.

A reflexão estética desenvolvida neste período compreende exemplos


antitéticos: Benedetto Croce abstendo-se de considerações sobre as trans-
formações ocorridas na arte contemporânea, cada um dos manifestos
dos grupos artísticos tentando a seu modo formular conceitual e ex-
pressivamente vias de reconciliação entre a arte e a vida.

Esgotada a fase das vanguardas históricas na década de 20, a reflexão


estética do século XX vai se dividir entre as duas tendências principais
introduzidas pelo novo modo de considerar a arte: a atividade artística
é a denúncia da limitação da racionalidade moderna ou anuncia o
primórdio de novos tempos?

Walter Benjamin busca nas novas propostas da arte um modelo apto


a substituir o desgaste da racionalidade cartesiana. Através das expres-
sões culturais, julga possível reestabelecer a pré-história do capitalismo
e apontar as raízes da desumanidade gerada a partir dele. Identifica o
empobrecimento da capacidade humana de comunicação, a transfor-
mação gerada na arte a partir dos novos modos de reprodução técnica
e a possibilidade de empregar conceitos provenientes da arte, entre
outros, para formular uma perspectiva epistemológica alternativa à
história dos acontecimentos que, em seu entendimento, faz uma descri-
ção lacunar do desenvolvimento da história.

Georg Lukács, diante do mundo contemporâneo caracterizado por ele


pelo desencantamento, pela reificação e perda do sentido humano da
vida, identifica inicialmente no romance e seu herói "problemático" a
expressão literária adequada à compreensão do homem contemporâneo
que perdeu a idéia de totalidade e encontra-se cindido em um mundo
marcado pela imanência e pela perda da totalidade. Posteriormente
adere ao marxismo, e identifica a revolução como fator de abertura do
horizonte de uma reconciliação entre o homem e o mundo. Concebe
então como tarefa da arte realizar a imagem da realidade tal como ela
se reflete na consciência dos homens numa composição autenticamente
ética.

Martin Heidegger aponta, na arte, a presença da dimensão ontológica


fundamental anterior à separação entre o sujeito pensante e o mundo
concebido a partir de sua atividade. A cultura ocidental desenvolveu-
se como emancipação progressiva do sujeito, triunfo da razão e vitória
da racionalidade em seu irreversível domínio da natureza. Neste mun-
do inóspito, o homem se angustia e é permanentemente habitado pelo
medo e pela inquietação que representa a perda do ser. O dizer poético
tem a vantagem de reestabelecer a unidade anterior ao surgimento da
técnica, aceder à verdade e portanto ao ser.

Herbert Marcuse desenvolve a sua filosofia como uma reflexão que


reconcilia Marx e Freud. A sociedade industrial manifesta um enorme
poder de integração e invalida todas as oposições de caráter político e
artístico que pregam um caminho alternativo à rentabilização desenfre-
ada das atividades humanas. Toda a energia, desejos e pulsões dos
indivíduos nesta sociedade deverão se sublimar em força de trabalho
em detrimento de seu desenvolvimento pessoal. É isto o que identifica,
para Marcuse, o "mal-estar da civilização".

Marcuse propõe-se a desenvolver o projeto de uma cultura não-repres-


siva que possa permitir aos homens reatarem com a idéia correta de
felicidade. De todas as atividades humanas, colocadas em sua maioria
sob o controle da razão, somente a arte pode conceber a utopia de uma
civilização não-repressiva, porque as projeções imaginárias, o univer-
so aparente que nos propõem, exprimem a negação do mundo real,
a vontade de romper com uma racionalidade que cinde o homem em
dois e somente explora uma parte de suas faculdades. Entretanto,
também a arte e a cultura podem ser integradas e sujeitas ao sistema
mercantil e à produtividade, ao princípio do rendimento, e à evo-
lução do capitalismo avançado em direção a um controle adminis-
trativo e institucional cada vez mais eficaz da existência pode con-
duzir ao fim da utopia, ao próprio desaparecimento da estética.

Theodor W. Adorno, como Walter Benjamin e Herbert Marcuse, dá


testemunho dos sentimentos contraditórios e ambíguos inspirados pela
evolução da sociedade capitalista e pelo papel que ela confere à arte
moderna. Na sociedade atual, o próprio direito à existência da arte está
ameaçado pelo papel predominante das instituições culturais, das me-
dia, das estratégias de comunicação, e do impacto das modas. A razão
é ambigua: sendo capaz de libertar o homem de suas servidões e de
seus obscurantismos, cria também, sobretudo no seio do capitalismo
avançado, uma consciência tecnocrática a serviço de uma classe domi-
nante. As conseqüências deste fenômeno no plano artístico e cultural
explicam porque a "democratização cultural", colocada sob o controle
da racionalidade econômica, transformou- se em uma cultura
estandardizada, condicionada e comercializada segundo o modelo dos
bens de consumo. Adorno mostra a necessidade de submeter as obras
de arte a uma "análise imanente" que ponha em evidência o seu caráter
subversivo, polêmico, atenuado por sua assimilação dentro dos mu-
seus, das instituições culturais.

Segundo Adorno, as obras de arte imitam a racionalidde que reina no


universo desencantado da realidade para melhor assimilar a distância
que separa a aparência artística do real. Elas põem em causa o real
graças à sua forma não-habitual: desestruturada, deslocada. As formas
da arte moderna, também elas mutiladas, dizem assim o que é a ver-
dade do mundo e da sociedade, isto é, sua inautenticidade e sua fal-
sidade. Possuem um "conteúdo de verdade"que lhes permite resistir à
absorção pura e simples pela sociedade atual.

Marc Jimenez fecha o texto com considerações sobre a reflexão estética


desenvolvida nos últimos trinta anos. Os autores, apenas mencionados
em texto suscinto, são Mikel Dufrenne e sua consideração da relação
entre arte e política (sua obra fundamental - A Fenomenologia da
Experiência Estética - não foi referida, assim como também não o
foi o papel de envergadura exercido na direção e orientação de rumos
da Révlle d'Esthétiqlle). Hans Robert Jauss e a estética da recepção
são descritos a partir da teoria fundada sobre a valorização da fruição
estética. Jürgen Habermas, crítico de Adorno e Hockheimer, contrapõe
a "razão comunicativa" à "razão instrumental", identificando, entre as
diferentes formas de racionalidade, a expressão estética. Nelson Goodman
define a arte, assim como o método científico, como um modo simbólico
de construir o mundo. A arte é por ele considerada como um problema
de conhecimento, e a questão referente a ela não é mais "O que é a
arte?" mas "Quando há arte?". Arthur Danto, aplicando também a
teoria analítica à arte, diante da questão "Quando há arte?", afirma que
somente a interpretação permite explicar a transfiguração, por exemplo,
de objetos banais em obras de arte. Goodman e Danto consideram
dispensáveis e inadequados o juízo de gosto, a apreciação subjetiva e
a avaliação qualitativa.

A concepção da pós-moderidade e de seus sentidos contrários (crítica


da modernidade e esgotamento da utopia modernista ou crise que se
insere na tradição de ruptura modernista) ocupa hoje um lugar privi-
legiado no debate estético. Os sintomas da crise nem sempre são nega-
tivos. Apontam mesmo, algumas vezes, para a presença de iniciativas
públicas, do mecenato privado na subvenção da arte e na defesa do
patrimônio artístico e para o surgimento de um público cada vez maior
a desfrutar os benefícios dessas iniciativas, assim como para a presença
de meios de massa que investem para a transmissão e divulgação de
conteúdos estéticos. A lógica "cultural" estaria surgindo de uma exi-
gência de democratização na sociedade moderna.

Os grandes desafios a serem doravante enfrentados pela reflexão esté-


tica dizem respeito à dificuldade de estabelecer critérios de avaliação
para as manifestações expressivas numa época que resultou da quebra
dos valores pre-existentes e à correta administração da comunicação
artística numa sociedade de massas. E, last but not the least, o
desafio de enfrentar sempre o surgimento de novas concepções de
criação e fruição, não mais pretensamente fundadas sobre valores
intemporais e absolutos, mas tão mutáveis e históricas como o homem,
seu criador.

Endereço da Autora:
Rua Dante, 494 / 201
30240-290 Belo Horizonte - MG

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