Mudança Institucionais e Gestão Pública

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

DANIEL ESTEVÃO DE MIRANDA

MUDANÇAS INSTITUCIONAIS E GESTÃO PÚBLICA:


Sobre a Reforma Gerencial de 1995

São Carlos
2010
DANIEL ESTEVÃO DE MIRANDA

MUDANÇAS INSTITUCIONAIS E GESTÃO PÚBLICA:


Sobre a Reforma Gerencial de 1995

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciência Política, da Universidade
Federal de São Carlos - UFSCar, como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Orientador: PROF. DR. MARCO AURÉLIO
NOGUEIRA.

São Carlos
2010
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar

Miranda, Daniel Estevão de.


M672mi Mudanças institucionais e gestão pública : sobre a
reforma gerencial de 1995 / Daniel Estevão de Miranda. --
São Carlos : UFSCar, 2010.
141 f.

Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São


Carlos, 2010.

1. Democracia. 2. Brasil - transição política. 3. Reforma do


estado. 4. Governo Fernando Henrique Cardoso. I. Título.

CDD: 321.4 (20a)


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

BANCA EXAMINADORA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DE


Daniel Estevão de Miranda

22/02/2010

Prof. Dr/Marco Aurélio NogUeira


Onentador e Presidente
Universidade Federal de São Carlos/UFSCar

J~- P 4Á
Profa. Dra. Vera Alves Cepêda
Universidade Federal de São Carlos/UFSCar

Submetida à defesa em sessão pública


Realizadaàs 1O:OOh
no dia 22/02/2010.

Banca Examinadora:
Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira
Profa. Dra. Vera Alves Cepêda
Profa. Dra. Carla Giani Marte 11i

~
Homolc?:5adO
na CPG-PPGPOL
a.Reuniãono dia3'lnaQl/~
Prof. Dr. Eduardo Garuti Noronha
Coordenador do PPGPOL
Dedico este trabalho à Olga Regina de Miranda,
minha mãe, cuja luta diária permitiu que eu
alcançasse e permanecesse em uma universidade
pública, direito que grande parte dos brasileiros
infelizmente não compartilham.
AGRADECIMENTOS

Por mais austera e abstrata que possa ser, toda pesquisa tem um lado humano e pessoal
que reflete as vivências daqueles que se aventuram pelos caminhos da ciência. Para ser possível,
a construção do conhecimento necessita não somente de boas técnicas e métodos, mas também
de amizade e cooperação.
Por isso, agradeço em primeiro lugar a Deus, que me concedeu a felicidade de trilhar o
caminho da ciência e, principalmente, de trilhá-lo ao lado de grandes pessoas, entre os quais
posso citar:
O professor Marco A. Nogueira, sempre presente, prestativo e ágil nos momentos mais
importantes do mestrado.
Meus colegas do Mestrado em Ciência Política – PPG-Pol/UFSCar: Aline Ramos, Aline
Michelle, Daniel Laporta, Pedro Ponce, Rafael Gumiero, Rafael Cabral, Roberta Cava, Ramon
Leonardi, Samuel Souza, Saulo Santil e Welton Alves. Cada um a sua maneira contribuiu para o
meu enriquecimento acadêmico e pessoal, fornecendo materiais, livros, apoio logístico ou moral
e, principalmente, uma convivência calorosa e inesquecível.
Agradeço às professoras Dra Vera Cêpeda e Carla Martelli por aceitarem o convite de
examinar e contribuir para esta pesquisa. Agradeço também ao professor Dr. Milton Lahuerta
pela leitura atenta da primeira versão deste trabalho.
Agradeço especialmente também à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Ensino Superior – CAPES, cujo auxílio financeiro foi essencial.
Por último, mas longe de ser menos importante, agradeço a Francine Ramos pelo simples
fato de estar ao meu lado.
RESUMO

Este trabalho tem por objeto a reforma gerencial brasileira de 1995. Situando-a no quadro mais
amplo de transformações pelas quais o Brasil vinha passando desde fins da década de setenta, quadro
este marcado pela transição democrática, pretende-se contribuir para um maior entendimento das
origens daquela experiência de reforma administrativa. Defende-se aqui que os rumos e proporções
que a reforma gerencial assumiu foram fortemente influenciadas (i) pela forma como se encerrou o
processo de redemocratização e a crise dos anos oitenta, isto é, pela afirmação hegemônica de uma
plataforma de reformas através da eleição de Fernando Henrique Cardoso - FHC para a Presidência
da República e (ii) pela atuação de Bresser-Pereira, Ministro da Administração do período, e sua
equipe no sentido de elevar o grau de legitimação de suas propostas e, consequentemente, de angariar
maiores apoios e recursos. A conclusão principal é a de que o MARE (Ministério de Administração e
Reforma do Estado) se tornou um dos principais centros de gravitação dos debates em torno do
significado histórico e propósitos do governo FHC, mesmo não estando entre os responsáveis
principais pela realização das grandes reformas destinadas a reestruturar o setor público brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: transição democrática; reforma administrativa; governo FHC.


ABSTRACT

This research has as object the Brazilian managerial reform of 1995. Situating it in the context of
transformations through which Brazil was passing since end of seventies, context that was marked by
the democratic transition, aims to contribute to a greater understanding of that experience of
administrative reform. It is propose here that the ways and proportions that the managerial reform has
assumed were strongly influenced (i) by the form as the redemocratization process and the eighties
crises ended, that means, by the hegemonic affirmation of a reforms platform by the election of
Fernando Henrique Cardoso – FHC to the Presidency of Republic and (ii) by the role of Bresser-
Pereira, Administration Minister of period, and its team with the aims of to elevate the legitimation
degree of its proposals, and, consequently, of to get more supports and resources. The main
conclusion is that MARE (Administrative and State Reform Ministry) became one the greater
gravitation centers of the debates involving the historical signification and purposes of FHC
government, despite it do not be among the mains responsible actors by the concretization of the big
reforms conceived for the restructuration of Brazilian public sector.

KEY-WORDS: Democratic transition; Administrative reform; FHC government.


Sumário

Introdução ................................................................................................................. 9

Capítulo 1: Transição e consolidação democrática: A dimensão política da


crise da modernização

1.1 Transição brasileira: tempos e movimentos ........................................................... 19


1.1.1 O tempo da transição ............................................................................... 21
1.1.2 A dupla lógica do processo ...................................................................... 23
1.1.3 Um “foco de luz e esperança”: a Assembléia Nacional Constituinte ...... 27
1.1.4 Governo Collor: estreitamento da agenda e abertura do ciclo revisionista 30
1.2 Dimensões e definições na transição: Crise do regime e da forma de Estado .. 33
1.2.1 Rumo à consolidação democrática adiada ................................................ 39
1.3 Consolidação democrática: rumos da modernização ............................................... 43

Capítulo 2: Debates públicos em momentos decisivos: O MARE no contexto


de crítica ao neoliberalismo 47

2.1 Dois debates públicos revisitados ............................................................................ 50


2.1.1 Fim da “Era Vargas”. Mas começo do quê? ............................................. 52
2.1.2 Desaguadouro das pretensões ................................................................... 59
2.2 Reforma administrativa enquanto política pública .................................................. 68
2.3 Reforma gerencial: ideologia de um governo? ........................................................ 71
2.4 Afinidades efetivas ............................................. .................................................... 77

Capítulo 3: Reforma administrativa de 1995: uma crônica das origens 81

3.1 Quadro geral ............................................. ............................................................... 82


3.1.1 Antecedentes desfavoráveis ............................................. ........................ 83
3.2 Reforma de 1995: o fim da longa espera? ................................................................ 85
3.2.1 Reforma gerencial de 1995: uma narrativa de origem .............................. 87
3.2.2 A elaboração da proposta de reforma administrativa ............................... 90
3.2.3 Da “Estrutura e organização” ao Plano Diretor ....................................... 94
3.2.4 A reforma administrativa no primeiro ano do governo FHC: breve análise 97
3.2.5 As limitações contextuais do projeto de reforma gerencial do Estado
brasileiro ....................................................................................................................... 99
3.3 O MARE debaixo dos holofotes ............................................................................. 105

Considerações finais ................................................................................................... 107


Bibliografia ............................................. ................................................................... 118
Anexo I ........................................................................................................................ 127
Introdução

Esta dissertação destina-se a contribuir para a análise de um momento excepcional,

marcado por um conjunto de fenômenos e acontecimentos que desencadearam um amplo

conjunto de mudanças institucionais no Brasil a partir da década de 1980, pelo menos. Pretende-

se, assim, investigar não os processos de mudança institucional em si, mas tão somente os fatores

e contextos que levaram ao desencadeamento de uma onda excepcional de transformações

históricas no bojo da qual as pressões por mudanças institucionais se intensificou.

Na reconstrução analítica do contexto e da dinâmica da crise do Estado, a partir da década

de 1970 em diante, e, consequentemente, dos fatores e justificativas da necessidade de reformá-

lo, pode-se afirmar que houve, no caso brasileiro, uma convergência de dois movimentos, ou

mais precisamente, de um só e amplo movimento cujos efeitos desdobram-se em vários níveis.

Tal movimento refere-se às transformações recentes do capitalismo, que envolveram uma

complexa combinação de alterações nas condições de produção econômica, nas estruturas sociais

e padrões de sociabilidade e nos arranjos institucionais e políticos que fundamentaram o

desenvolvimento socioeconômico até então.

Explorar-se-á, portanto, o valor heurístico de um período histórico de grandes

transformações, as quais ativaram processos amplos e profundos de mudança institucional no

Brasil. A análise colocará em primeiro plano, portanto, as variáveis e fatores exógenos à

mudança institucional, e não endógenos a ela.

Subsumidos e sintetizados em expressões como “crise do Estado”, “reformas

institucionais” e “ajustes” entre outras, os processos e propostas de reorganização dos arranjos

9
institucionais brasileiros fariam parte daquele contexto mais amplo de fortes transformações das

instituições e estruturas produtivas nacionais, as quais foram construídas ao longo das décadas

anteriores. Nesta pesquisa, o esforço de análise se restringirá à origem e aos passos iniciais da

reforma administrativa do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso1 (1995-1998).

Problemática de pesquisa

Não obstante, esta pesquisa pretende terminar onde começa a maior parte das pesquisas

sobre a reforma administrativa de 1995: o surgimento da reforma gerencial. A maioria das

pesquisas acadêmicas sobre essa reforma procuraram captar aspectos específicos das propostas,

decisões e ações do MARE (Ministério da Administração e Reforma do Aparelho do Estado) ou

avaliar suas ações como um todo, sendo escassas as pesquisas mais amplas e sistemáticas sobre

suas origens. A explicação sobre essas origens está, normalmente, subordinada a uma posição

teórica e técnica e\ou a uma opinião política – favorável ou contra – formada em relação à

reforma. Assim, a explicação da origem é derivada, ocupando, em geral, posição secundária nas

análises sobre o MARE.

Uma pesquisa mais sistemática sobre suas origens é relevante por dois motivos

principais:

1) de acordo com a proposta desta pesquisa, recortou-se um período histórico

considerado singular, na medida em que nele desencadearam-se importantes processos de

mudanças institucionais. A fim de melhor explorar o valor heurístico desse recorte, a reforma

administrativa de 1995 será tomada como um ponto de concentração da análise, na medida em

que se considerou aquela reforma como um caso que especifica mais concretamente as

características gerais que marcaram o período. Nesse sentido, por ter a reforma administrativa

uma dimensão institucional e ser parte do complexo institucional do Estado, ela servirá como
1
Daqui em diante “FHC”.

10
caso de estudo específico destinado a oferecer um ponto de visualização concreto daquele

fenômeno, delineado de maneira mais geral e abstrata, ou seja, a onda excepcional de

intensificação das mudanças institucionais;

2) ao lado dessas considerações teórico-metodológicas, há um motivo peculiar à reforma

de 1995. Ocorre que reformas administrativas normalmente são propostas, discutidas, criticadas

e aplicadas de maneira “silenciosa”, tanto para a maior parte da sociedade quanto para seus

principais setores organizados. Quer dizer, normalmente envolvem apenas os mais diretamente

interessados, funcionários públicos dos diversos escalões, restringindo-se a cada repartição

pública – ou a um conjunto de repartições – envolvida no processo (Barbosa e Silva, 2008, 58).

Contudo, a reforma de 1995 assumiu proporções “ruidosas”, devido ao alto grau relativo de

visibilidade de suas propostas e ações concretas. Por que ela assumiu tais proporções? Por que

ela seguiu rumos, assumiu sentidos e tomou direções tão peculiares?

O plano inicial do governo FHC era reformar o Estado. Contudo, por tal propósito

entendia-se, basicamente, a reestruturação das relações entre setor público e setor privado até

então dominante. E isto através de amplas e profundas alterações nos padrões e esquemas de

articulação dos setores da economia, que contavam com forte dose de participação estatal, via

administração indireta principalmente.

Para a administração direta, a receita não envolvia ações de grandes proporções: reforçar

os órgãos vitais da burocracia, capacitando-os tecnicamente para enfrentar os novos desafios

colocadas pela globalização. E isto de maneira incremental, quer dizer, sem grandes planos e

ações, mas sim através de medidas específicas e ações tópicas no sentido de melhorar

paulatinamente o desempenho da administração pública direta. Por que, então, o ministério

11
concebido para tocar as mudanças na administração direta alcançou tão extraordinário nível de

polêmica e visibilidade?

Um caminho possível de análise seria inserir a reforma gerencial de 1995 no amplo

movimento histórico das grandes iniciativas de reformas administrativas no Brasil do século XX.

Assim, apesar da retórica firme e da difusão insistente das novas idéias e propostas constitutivas

da reforma gerencial, bem como da construção de uma auto-imagem modernizante e disruptiva

em relação ao que havia antes, pode-se inserir a reforma de 1995 em um movimento mais ou

menos pendular que remonta, pelo menos, ao regime militar – senão até a década de 1930.

Tal movimento refere-se à alternância entre períodos de (propostas de) reforma globais e

reformas incrementais. Ao impactante Decreto-lei 200, de 1967, seguiu-se uma “revolução

silenciosa” (MARTINS(b), 1997, 21) – mais precisamente, a implantação dos dispositivos e

medidas daquele Decreto. A este seguiu o Programa Nacional de Desburocratização, de fins da

década de setenta, e a este um período de letargia. Com o governo Sarney (1985-1990), medidas

fortes foram anunciadas, mas pouco implantadas. Com Fernando Collor (1990-92), a retórica

neoliberal modernizante não conseguiu superar a si mesma, permanecendo apenas como retórica

e, quanto às ações empreendidas, estas não tiveram nenhum efeito modernizante, mas antes

perturbador e desorganizador da administração. À “calmaria” do período Itamar Franco (1992-

94), finalmente, segue-se a estrondosa reforma gerencial de 1995.

Contudo, uma comparação em perspectiva histórica desse porte não somente fugiria das

intenções originais desta pesquisa como também não seria adequada para captar as

peculiaridades que cercaram a reforma administrativa empreendida durante o governo FHC

(1995-2002).

12
Por isso, a resposta, ou boa parte dela, às questões levantadas nesta pesquisa será buscada

nos efeitos conjunturais de alguns fatores estruturais:

(1) Esgotamento do modelo de desenvolvimento: a proposta de reforma da

administração pública de 1995 situou-se em um período de fim de ciclo – o nacional-

desenvolvimentista. Este foi um período de incertezas quanto aos rumos da nação, tendo em vista

a não configuração, naquele momento, de um novo bloco de poder hegemônico. O processo de

modernização brasileiro, nos anos oitenta, estagnou em sua dimensão econômica, sofreu fortes

críticas por seus resultados sociais, mas, simultaneamente, avançou firme no plano político. Tais

desdobramentos tiveram papel fundamental nos rumos que a transição brasileira foi tomando,

assim como também explicam, em grande parte, os diferentes posicionamentos diante da

proposta de reforma do MARE;

(2) Canalização dos debates sobre as reformas do Estado: O MARE tornou-se um dos

principais centros de gravitação dos debates acerca do novo papel do Estado ‘pós-nacional-

desenvolvimentista’ – na falta de termo melhor – e, assim, da questão da burocracia e da

regulamentação constitucional do funcionalismo público. Aqueles debates envolviam os rumos

das chamadas “reformas do Estado”, constituídas por propostas e iniciativas que teriam ou

tiveram repercussão tanto na dimensão institucional quanto na dimensão infra-estrutural do setor

público. Debates que foram canalizados para o recém-criado MARE. Este, responsável

precipuamente por uma reforma institucional e interna ao Estado, tornou-se alvo dos críticos que

miravam nas reformas estruturais – privatizações, desregulamentação, abertura comercial etc. –

mais amplas que estavam se iniciando naquele momento também e que extravasam o âmbito de

atuação do Ministério da Administração;

13
(3) “Berço” contextual da reforma de 1995: Um dos fatores explicativos mais

importantes para a problemática aqui levantada é que a reforma administrativa nasceu, por assim

dizer, fora da administração pública. Isto não significa que não havia, internamente à

administração pública, propostas de reformas, mas sim que as direções e os perfis assumidos pela

reforma foram resultantes dos impactos de fatores externos à burocracia, envolvendo a

composição ministerial do primeiro governo FHC (1995-1998) e a atuação daquele que se

tornaria o ministro da área e a principal figura pública da reforma gerencial: Luiz Carlos Bresser-

Pereira.

A discussão de cada um desses três pontos será aprofundada, respectivamente, nos três

capítulos constituintes da presente dissertação.

Hipótese

A hipótese principal a ser explorada é a seguinte: o MARE tornou-se um dos principais

pontos de concentração dos elementos (propósitos gerais, objetivos específicos, ações, decisões,

argumentos e justificações etc.) que formaram a imagem do governo FHC diante de boa parte da

mídia e, sobretudo, diante da esquerda, partidária ou acadêmica. Diante disso, aquele ministério

tornou-se alvo dos críticos do governo não somente em aspectos pontuais de sua proposta de

reforma administrativa, mas também em relação à proposta como um todo, dificultando seu

processamento político e, assim, determinando em grande parte seus rumos e resultados.

Defende-se aqui que o perfil da reforma gerencial de 1995 foi fortemente dependente das

propostas e da atuação do ministro da Administração Federal, L. C. Bresser-Pereira. Pode-se

argumentar que todo ministério tende a ter a “cara” de seu ministro, que imprime um estilo de

trabalho e normalmente representa e leva consigo alguma perspectiva sócio-política e/ou

14
academicamente legitimada, a fim de servir de matriz teórica e de esteio político a uma dada

concepção e conteúdo de política pública a serem implementados.

O que se aponta aqui, contudo, é a ocorrência de um fenômeno que vai além dessa lógica

ministerial “normal”, digamos assim. Um dos principais traços distintivos da reforma gerencial

de 1995 é que ela não foi tanto a expressão da emergência de forças na sociedade e/ou dentro do

aparelho do Estado pró-reforma gerencial, mas antes foi fortemente influenciada pela articulação

e sistematização de uma série de idéias e posicionamentos teóricos e políticos do ministro

Bresser-Pereira e de sua equipe.

Tais afirmações, bem como a própria hipótese da pesquisa, poderiam sugerir a existência

de uma espécie de “voluntarismo” de Bresser-Pereira, como se a reforma administrativa de 1995

tivesse sido o resultado apenas da vontade pessoal do ministro.

Contudo, não é isto que se afirma aqui, na medida em que a reforma gerencial brasileira

não pode ser reduzida a um mero esforço pessoal de uma única pessoa. O fato de Bresser-Pereira

ter sido o responsável principal tanto pelas idéias centrais da reforma de 1995 quanto pela

montagem da equipe inicial que constituiria o núcleo do MARE – formado, em grande parte, por

ex-alunos/as e colegas de sua universidade de origem, a Fundação Getúlio Vargas (FGV)2 e por

altos funcionários da administração federal – indicam apenas, ainda que fortemente, que sua

atuação gerou um conjunto de ações – na burocracia federal, em alguns estados e até municípios

– favoráveis a inovações no campo da administração pública, conferindo-lhes um rumo

específico. Tal rumo se consolidaria pela intensa divulgação das idéias-mestras que lastreavam a

proposta de reforma gerencial do MARE.

2
Fizeram parte da equipe inicial do MARE Cláudia Costin, Ângela Santana e Evelyn Levy, ex-alunas de Bresser-
Pereira; Regina Pacheco, da ENAP e colega de Bresser-Pereira na FGV, entre outros.

15
A busca de legitimação para as propostas de reforma gerencial levou o Ministro da

Administração a explorar o potencial de descontentamento de diversos setores da sociedade

brasileira em relação à efetividade e qualidade da prestação dos serviços públicos por parte do

Estado. A reforma gerencial adquiriria sustentabilidade e consistência na medida em que

conseguisse conquistar tais apoios.

Supõe-se que aqui está uma das raízes principais tanto dos potenciais quanto da limitação

da reforma administrativa de 1995, que não conseguiu concentrar apoio político o suficiente para

superar os estreitos limites da política fiscal do governo FHC, principal crítica feita aos

resultados da reforma. A hipótese, portanto, baseia-se na idéia de que houve uma tentativa de

indução política, por parte do ministro Bresser-Pereira e de seu círculo de auxiliares, de uma

determinada resposta à crise do Estado e, por conseqüência, da administração pública brasileira

que então se apresentava com toda força.

Nessa tentativa de indução e busca de legitimação, procurou-se alinhar as propostas

setoriais – administrativas, no caso – aos posicionamentos gerais do governo federal do qual

faziam parte, apresentando a reforma administrativa como parte fundamental do

empreendimento, que só estava começando, de superação da crise do Estado nacional-

desenvolvimentista por meio de um amplo conjunto de reformas no setor público. Será a partir

disso que os apoios e oposições se estabelecerão.

Em suma, busca-se explorar alguns fatores e apontar alguns motivos das limitações da

reforma gerencial de 1995, tanto em suas dificuldades de se articular e/ou se transformar em uma

reforma mais ampla do Estado quanto em cumprir até mesmo os objetivos básicos a que se

propôs.

16
Material de análise

O material de análise selecionado constitui-se, basicamente, da bibliografia acadêmica

dedicada ao tema, já que tal bibliografia se formou exatamente pela incorporação e aplicação das

mais variadas técnicas e metodologias de pesquisa – análise de documentos oficiais, análise de

discurso, entrevistas com atores importantes, trabalhos de campo, revisões bibliográficas,

análises comparativas etc. – sobre as idéias e acontecimentos fundamentais relativos à reforma

gerencial de 1995.

Tendo em vista tal estado da arte, considerou-se que não seria produtivo partir dela e

tomá-la somente como ponto de partida ou lastro teórico para análises de dados concretos, na

medida em que tal bibliografia já apresenta extensas e quase que exaustivas análises de dados

empíricos dos mais variados tipos. Optou-se, nesta pesquisa, por analisar a bibliografia como

parte do processo, e não simplesmente como uma primeira aproximação externa com o objeto de

estudo, como normalmente se procede em pesquisas acadêmicas.

Outra base de dados considerada foram notícias veiculas pela grande imprensa,

principalmente escrita. O objetivo foi captar, mesmo que minimamente, o clima da época, as

intervenções de alguns atores importantes, debates travados, declarações realizadas etc.

A fim de situar melhor, historicamente, as hipóteses e os argumentos da pesquisa,

apresenta-se, no capítulo 1, uma reconstrução analítica do processo de transição e consolidação

democráticas no Brasil. Essa reconstrução está focada no processo de redemocratização enquanto

dimensão política de um movimento mais amplo de transformações pelas quais o país estava

passando, transformações essas ligadas à crise do processo de modernização nacional e à

17
ativação de uma onda de transformações institucionais. A análise transita tanto no plano do

processo geral da transição quanto no da descrição do contexto conjuntural.

No capítulo 2, expõe-se alguns debates travados, dentro dos círculos acadêmicos e através

da mídia impressa, em torno de temas e questões importantes para se entender o clima no qual

ocorreram a criação do MARE e a proposição de uma reforma gerencial para o Brasil. Além

disso, o segundo capítulo traz também uma “revisão” bibliográfica que se apresenta, mais

precisamente, como uma “análise” bibliográfica da reforma, isto é, uma análise da bibliografia

como parte da reforma e não como elemento externo à ela, conforme acima mencionado.

No capítulo 3, apresenta-se uma espécie de narrativa analítica do surgimento da reforma

administrativa brasileira na era FHC (1995-2002). É uma reconstrução mais histórica, baseada

em depoimentos, memórias e entrevistas dos principais envolvidos naquela reforma, bem como

nas notícias veiculas pela imprensa nacional envolvendo os bastidores do governo F. H. Cardoso

e de sua reforma administrativa.

Para encerrar a argumentação, serão feitas algumas Considerações Finais acerca do que

foi exposto nos capítulos anteriores, numa tentativa de explicitar, novamente, as principais teses

e pressupostos dos quais esta pesquisa partiu, assim como sumarizar os principais resultados aos

quais ela chegou.

Por último, apresenta-se como Anexo uma cronologia que cobre o período entre junho de

1994 e dezembro de 1995 e tem por objeto a origem da reforma administrativa e a criação do

MARE. Nele encontram-se sumarizados os principais eventos e decisões que envolveram as

fases de surgimento, concepção e implantação inicial da reforma gerencial e que serviram de

base para boa parte das análises feitas nesta dissertação.

18
Capítulo 1
Transição e consolidação democrática:

A dimensão política da crise da modernização

A crise dos anos oitenta não foi um mero abalo conjuntural. Ela apresentou-se como uma

“crise de refundação” (DINIZ, 1997, 12) das bases do modelo de modernização até então

dominante no Brasil. Isto significou, basicamente, que a erosão da legitimidade do esquema

político de sustentação daquele padrão de modernização, declinante em termos de eficiência e

produtividade, implicou o retorno de algumas problemáticas nacionais cruciais. Estas se

encontravam, até então, relativamente equacionadas, e, entrando em crise aquele modelo,

fortaleceram-se as discussões e disputas, temporária e violentamente “suspensas” após março de

1964, sobre o papel e o destino dos principais setores e atores da sociedade brasileira

(trabalhadores, empresários, elites políticas, União, estados, municípios etc.), diante das

transformações estruturais requeridas e/ou induzidas pelo processo de desenvolvimento, bem

como sobre a posição que o país deveria ocupar na ordem econômica mundial.

É nesse fim de ciclo que se localizam os principais fatores impulsionadores da onda de

transformações e reformas infra-estruturais, institucionais e culturais que marcariam o Brasil do

final do século XX. Tal onda de transformações seria processada pela sociedade e pelo Estado

nacionais ao longo da redemocratização, cujo desenrolar e desfecho definiriam os rumos a serem

tomados pela modernização e consolidação democrática brasileira.

1.1 Transição brasileira: tempos e movimentos

Dentro desse contexto de transformações, o foco e o esforço de análise recairão, neste

capítulo, sobre aquela que foi uma das mais ricas, complexas e importantes dimensões daquele

processo: a transição política em direção à democracia. Sendo assim, pelo menos três

19
características chamam a atenção no processo brasileiro: 1) sua duração e sua continuidade em

relação ao regime autoritário que chegava ao fim; 2) sua orientação segundo uma “dupla lógica”,

política (fim do autoritarismo-consolidação democrática) e econômico-social (fim de um ciclo de

modernização conservadora, o nacional-desenvolvimentismo), sendo que a interação entre essas

lógicas foi “complexa e não linear”, pois “o avanço num plano não necessariamente significa um

passo adiante no outro” (VIANNA, 1989, 87); disso resultou 3) o congestionamento da agenda

de reformas institucionais e estruturais, devido à concentração de problemáticas a serem

enfrentadas, e seu posterior estreitamento, a partir do governo Collor.

A distinção entre reformas institucionais e reformas estruturais é apenas metodológica e

analítica. Por institucionais entendem-se as (propostas de) reformas que visavam à consolidação

da democracia através da construção de uma ordem jurídica e organizacional compatível com

seus valores e pressupostos. Já as (propostas de) reformas estruturais eram as que diziam

respeito, mais diretamente, aos interesses e condições materiais dos diversos setores ou atores da

sociedade, interesses que estavam fundados na infra-estrutura econômica e cuja configuração

ficou exposta a reexame pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento até então dominante.

As reformas do Estado destinavam-se a alterar as relações entre Estado e sociedade – no

sentido de fortalecer a democracia – e a atuação do Estado na economia – reestruturando o setor

público assim como suas relações com os setores privado. Como aquelas reformas situavam-se

no mesmo contexto, e muitas delas estavam, em diversos graus, entrelaçadas técnica e

politicamente, os avanços ou recuos em cada uma influenciavam o andamento das outras. Disto

resultava que cada reforma específica apresentava impactos positivos ou negativos tanto no nível

institucional quanto no estrutural das reformas do Estado.

20
Sendo assim, tal distinção é genérica e analítica, pois, em última instância, a consolidação da

democracia dependia, para melhor acomodar conflitos, da construção de um novo modelo

econômico, o qual dependia, por sua vez, do lastro político das instituições democráticas para ser

mais eficaz e legítimo em sua distribuição de custos e benefícios.

1.1.1 O tempo da transição

A duração e a continuidade da transição, bem como o relativo controle que os militares e

seus aliados civis tinham sobre ela, contribuíram para diminuir as incertezas quanto ao processo

e evitar, assim, radicalizações, tanto à esquerda quanto à direita, que comprometessem a

redemocratização como um todo. Porém, se o processo político que levou à democracia seguiu,

desse modo, firme e seguro, esse mesmo processo político limitou o aprofundamento do

movimento de democratização, reduzindo seu impulso e impacto mais imediato sobre a

sociedade e as instituições. A transição – a maneira como foi conduzida por seus principais

operadores políticos –, ao invés de impulsionar o movimento em direção à consolidação

democrática, amorteceu institucionalmente seus possíveis impactos de ruptura com o regime

anterior. Assim, seus avanços em relação à desmontagem do regime autoritário não foram

necessariamente correspondidos por uma consolidação do processo de democratização enquanto

“adensamento ético-político” das instituições (NOGUEIRA, 2007b, 215).

Tendo em vista que a “abertura” foi de iniciativa do próprio regime militar, este procurou

“monopolizar (...) a iniciativa de mudanças político-institucionais a serem implantadas” a fim de

alcançar seu “objetivo de atenuar o impacto de resultados eleitorais crescentemente adversos” a

partir de 1974 (LAMOUNIER, 1985, 128). Para tanto, o regime que estava chegando ao fim

recorreu a alterações casuísticas na legislação eleitoral, manobrou, com sucesso, para que a

21
eleição do primeiro presidente civil fosse indireta e para que a Constituinte fosse “congressual”3

e não exclusiva.

Como um analista da época observou, a “transição brasileira parece se revestir de uma

curiosa singularidade – cada avanço no seu percurso serve mais para indicar um recuo do que o

alcance da sua concretização” (VIANNA, 1989, 19).

Não obstante, a transição democrática abriu uma nova e forte oportunidade de impulso

aos processos de liberalização (expansão e consolidação dos direitos civis), democratização

(incremento dos graus e da qualidade da participação política e direitos políticos) e socialização

(consolidação dos direitos sociais e reafirmação do dever do Estado de garanti-los)4, que

culminariam na Constituinte de 1987-88.

Os sujeitos principais desses processos situavam-se mais na sociedade que no governo,

criando uma cisão entre o “processo social da transição” e o “governo da transição” (VIANNA,

1989, 19-20), o qual não conseguiu articular-se adequadamente com os diversos atores que

estavam à frente daquele processo, criando uma situação de ingovernabilidade5. Mais

precisamente, essa ingovernabilidade era resultante: i) da “dispersão mais equilibrada do poder

entre setores amplamente conflitantes”; ii) dos “impasses institucionais que não podem ser

rompidos sem violação às regras básicas do jogo político, ou risco de instabilidade ainda maior”;

e iii) da “insuficiência de diagnóstico” diante da ausência de uma visão consensual sobre a crise

que então se apresentava (LAMOUNIER, 1990, 14).

Contudo, apesar de longo, o curso da transição não foi nem retilíneo, nem totalmente

controlado “do alto”, mas antes cortado por tensões, conflitos, descontinuidades, afirmações e

3
Pilatti, 2008, xii. Rico em informações, esse livro traz uma das descrições e análises mais profundas já realizadas
sobre a Constituinte de 1987-8.
4
Cf., para uma discussão mais profunda sobre esse ponto, Weffort, 1989, 33-4.
5
Cf. ainda Diniz (1997) para análise mais detalhada, do ponto de vista histórico e político, da transição brasileira e
as relações entre governo e empresários.

22
reafirmações de direitos e condenação das práticas autoritárias, fazendo o processo avançar e se

consolidar, apesar de eventuais derrotas, recuos e manobras. O “tempo da transição” se

prolongou não somente e necessariamente por que degenerou em “solução conservadora”, mas

sim devido a seu aprofundamento, resultante da convergência das reformas e iniciativas

institucionais (pluripartidarismo; eleições regulares, livres e diretas; Constituinte etc.) e

estruturais6. A crise não era somente conjuntural – não envolvia só um governo – nem somente

institucional – não era só de um regime, o autoritário, no caso. Mas era uma crise da própria

“forma do Estado”, isto é, do Estado nacional-desenvolvimentista (SALLUM JR., 1996, 8)7.

1.1.2 A dupla lógica do processo

Além da duração e continuidade, a convergência da necessidade de reformas

institucionais e estruturais em um contexto de aguda crise econômica conferiu a especificidade

que o processo de transição brasileiro apresentou frente a processos semelhantes, e mais ou

menos contemporâneos, de redemocratização 8. A lógica política da transição cruzava a todo

momento com a lógica econômico-social, sobretudo quando era posta em evidência a chamada

“questão social”, ou seja, o abismo das desigualdades socioeconômicas, aprofundado durante o

regime militar9.

6
Os termos entre aspas são de Vianna (1989, 85). Sallum Jr. vai na mesma direção ao afirmar que a transição,
“mesmo não sendo um processo revolucionário de mudança social”, transcendeu, todavia, “a mera mudança
institucional” (1996, 7).
7
Cf. também Sallum Jr. e Kugelmas (1991) para uma análise da transição como crise do Estado desenvolvimentista
e Lamounier (1992) para uma análise do “modelo institucional” montado a partir de 1930 e sua crise nos anos 80.
8
Cf. o influente estudo de Linz e Stepan (1999). Nesta pesquisa comparativa, eles empregaram as seguintes
variáveis: a “estatalidade” (relações entre Estado, nação e democracia), regime não-democrático anterior, atores
relevantes tanto para o regime não-democrático quanto para o processo de transição\consolidação democrática e, por
fim, o contexto (internacional, a “economia política da legitimidade e coerção” e o ambiente em que a nova
constituição é elaborada) (Id., 1999, 11-5). No caso brasileiro, os autores apontam o peso da variável da “economia
política”, isto é, do desempenho econômico dos governos brasileiros durante o processo de transição e o contexto
marcante de desigualdades socioeconômicas, como fator explicativo para os rumos que a transição tomou, rumos
estes fortemente influenciados por fatores de ordem institucional também (Id., 1990, 204-26).
9
Para uma análise estatística das mudanças no sistema de distribuição de renda durante o regime militar, cf. Singer
(1986).

23
Além da superação da crise econômica e do aprofundamento do processo de transição

democrática, havia, na maior parte da população brasileira, uma forte expectativa de melhoria

geral na situação das pessoas mais negativamente atingidas pelas políticas econômicas do regime

militar. A questão social ocupava, sem dúvida, um lugar de forte destaque na definição dos

rumos do primeiro governo civil e, consequentemente, de todo o processo de redemocratização.

Esta preocupação marcou os primeiros passos do governo Sarney (1985-1990), sendo que

a evidência mais forte a favor da tese da centralidade e do peso do desempenho econômico para

os rumos a serem tomados pelo governo foi o Plano Cruzado, implantado por decreto em

fevereiro de 1986. Na formulação deste Plano, o temor de que qualquer medida fosse

interpretada ou percebida pelos trabalhadores como arrocho salarial transformou o Plano,

concebido inicialmente para combater um tipo específico de inflação, a inercial, na primeira ação

de envergadura do Governo Sarney. Este teve que garantir aos trabalhadores um conjunto de

benefícios e proteções: abono salarial, a instituição do seguro-desemprego e a armação de um

mecanismo de defesa automático dos salários, a escala móvel ou, como ficou mais conhecido, o

“gatilho salarial”, que “disparava” cada vez que a inflação atingia um patamar pré-estabelecido10.

No entanto, as experiências antiinflacionárias fracassadas, o peso da dívida externa e os

problemas crescentes com o déficit público levaram o governo ao descrédito e, a médio prazo, ao

estreitamento da agenda pública. Contribuiu para tanto o estilo tecnocrático de gestão herdado do

regime militar, cuja continuidade se fez sentir na Nova República e que contribuiu para a

ineficácia das ações estatais. Em muitos momentos cruciais, estabeleceu-se o seguinte círculo

vicioso: os partidos e representantes de classe não eram chamados para as etapas de formulação e

planejamento das políticas governamentais e não recebiam, por isso, incentivos para se

10
Maiores detalhes sobre a transformação do Plano Cruzado de uma “simples” reforma monetária em uma espécie
de pacote que visava corrigir distorções na distribuição da renda, cf. Sardenberg, 1988, 290.

24
responsabilizarem por sua execução, não se empenhavam, de maneira direta, nem pelo sucesso

nem pelo fracasso dos pacotes do governo. Buscavam mais se prevenir e se antecipar às

expectativas de perdas imediatas do que confiar nos discursos do governo (DINIZ, 1997, 82-3).

Do ponto de vista dos governantes e dos partidos, as decisões e dificuldades técnicas

submetiam-se, é claro, às regras do jogo político redemocratizado. O momento considerado mais

oportuno do ponto de vista técnico para a aplicação de uma medida ou tomada de decisão tinha

que coincidir com o momento oportuno do ponto de vista político. E com as instituições

democráticas voltando a funcionar cada vez mais, os cálculos que fundamentavam as decisões

políticas passaram a ser cada vez mais pautados pela periodicidade das eleições. Estas últimas,

aliás, marcaram todo o processo de “abertura” e redemocratização, e não somente o governo

Sarney. Desde o governo Geisel (1974-79), as eleições foram retomando sua importância como

momentos cruciais de definição das direções que o sistema político deveria seguir. Além disso,

elas passaram a ser consideradas, pela oposição, como um caminho viável para se derrotar o

governo.

Apesar de as direções tomadas, a cada eleição, não serem sempre e necessariamente

aquelas desejadas pelos governos militares, estes procuraram alterar as “regras do jogo” eleitoral

– reintroduzindo, por exemplo, o pluripartidarismo em 1979 na expectativa de dividir a oposição

– mas não tentaram suspender o “jogo” em si, aceitando suas derrotas sem contestar a

legitimidade das urnas11. Devido a isso, os programas, políticas, medidas legais e econômicas

passaram a se submeter a tal periodicidade, marcada por um alto grau de exposição pública de

quem as deveria conceber e/ou aplicar.

11
Cf. Lamounier (1985), para quem a transição brasileira foi “uma abertura pela via eleitoral” (1985, 127). Para
uma análise do importante papel desempenhado pela Justiça Eleitoral nesses momentos, assegurando a lisura das
eleições e, assim, reforçando sua força legitimadora, cf. Sadek (1990).

25
Além disso, a herança institucional do regime militar complicava ainda mais a crise. O

Estado, ou mais precisamente, o “vértice do Executivo”, a Presidência da República e a

burocracia a ela ligada, ocupou grande parte do espaço que caberia aos corpos deliberativos

democraticamente constituídos (partidos, sindicatos, Congresso etc.), na medida em que

conseguia promover, a cada plano governamental12, “uma dada articulação de interesses

objetivos em torno das questões colocadas pela industrialização” (DRAIBE, 1985, 53).

Assim, uma das principais causas da vitalidade e da força do Estado intervencionista,

montado no Brasil a partir dos anos 1930 em diante, foi sua “capacidade de articular diretamente

no interior do Executivo os interesses econômico-regionais e os econômico-funcionais”, fossem

“eles tradicionais ou modernos” (SALLUM JR. e KUGELMAS, 1991, 148).

Além da supressão de parte do espaço que caberia aos corpos deliberativos, o Estado

intervencionista sob o regime militar tentou vedar, com graus variados de sucesso, a

possibilidade de existência de uma verdadeira oposição, parlamentar ou não; censurou a mídia e

várias formas de manifestações artísticas; e, até pelo menos o auge do “milagre econômico” no

início dos anos 1970, buscou legitimidade a partir dos resultados econômicos. Tornando-se o

núcleo desse processo de concentração de poder decisório e de recursos, o Estado, apoiado em

importantes setores sociais e econômicos, conseguiu se tornar o principal responsável pelas

decisões em torno dos rumos que a industrialização brasileira deveria assumir.

A herança do protagonismo do Executivo na definição dos rumos do processo de

desenvolvimento brasileiro provocou substancial decréscimo de racionalidade com relação ao

funcionamento do sistema político redemocratizado. Isto ficava patente a cada momento em que

vinha à tona, por exemplo, o tema da “dívida social”. Esta serviu de base para as pressões vindas

12
Cf. Costa (1971) para uma análise histórica e descritiva do planejamento governamental brasileiro, com base em
uma exaustiva análise documental.

26
de diversos setores da sociedade brasileira, sobretudo os sindicatos e partidos ligados aos

trabalhadores, que não estavam dispostos a fazer acordos para corrigir os resultados negativos de

processos resultantes de tomadas de decisões dos quais eles não haviam sido chamados a

participar nas últimas duas décadas. Nesses setores, alimentava-se uma forte desconfiança em

relação ao governo, na medida em que eles estavam saindo de décadas de repressão e arrocho

salarial. Essa situação dificultava a formação, por parte do governo, de bases de apoio, na

sociedade, para suas políticas.

Assim, o primeiro governo civil da Nova República sentiu o gosto amargo de ter sua

governabilidade erodida diante da impossibilidade de encontrar uma saída para o processo

inflacionário e para a dívida externa. Tal saída passava pela composição de acordos ou pactos

sociais mais amplos que incluíssem os principais atores da nova ordem política. Contudo, as

demandas e necessidades represadas durante o regime militar invadiram as arenas políticas de tal

modo que o governo Sarney ficaria paralisado e desembocaria na aventura política que foi o

governo Collor, cujas medidas econômicas e comportamento político geral, marcado por um

relativo isolamento e amadorismo (NOGUEIRA, 1998, 132), mostravam a que ponto havia

chegado a baixa institucionalização e o funcionamento inadequado das instâncias responsáveis

pela deliberação democrática naquele momento.

1.1.3 Um “foco de luz e esperança”: a Assembléia Nacional Constituinte

Nem tudo foi espinhos durante a transição, porém. A Assembléia Nacional Constituinte

(ANC) de 1987-88, e seu resultado final, a Constituição de 1988, representou um momento de

retomada das expectativas positivas em torno dos processos de mudanças pelos quais o país

estava passando naquele momento. A Constituição de 1988 consagrou os avanços democráticos

27
almejados pela sociedade brasileira ao estabelecer todo um conjunto de princípios e dispositivos

legais e institucionais destinados a assegurar o funcionamento democrático do sistema político

pela limitação do poder discricionário do Estado e pela consolidação de direitos fundamentais

para a cidadania.

Não somente o resultado final, o texto constitucional, mas também seu próprio processo

de elaboração foi, em si, um grande momento de celebração dos novos tempos democráticos.

Para F. Fernandes (1988), na “percepção popular”, “a ANC converteu-se em um foco de luz, de

esperança — uma promessa que não cabia no imaginário das elites das classes dominantes e no

realismo de seus políticos profissionais”.

Se, do lado de fora, a mobilização popular fora grande, no interior da ANC, prevaleceu,

contudo, o “realismo” dos políticos, sobretudo dos líderes partidários13, que costuraram acordos

e articularam consensos em cada etapa do processo constituinte, o qual significou, assim, o

deslocamento da transição brasileira do “plano do governo para o da estrutura partidária”

(VIANNA, 1989, 107), isto é, o Legislativo, enquanto Assembléia Constituinte, tornou-se o

centro do processo de transição.

Com a Constituição de 1988, cumpriu-se a “agenda formal” da transição (VIANNA,

1989, 84-5), ou seja, assentaram-se as bases legais e institucionais da democracia brasileira. O

cumprimento de tal agenda representou uma espécie de “acerto de contas com o passado”

(WEFFORT, 1989, 11). Na ANC 1987-88, além de cálculos e fatores de curto prazo, a cultura

política também teve peso importante, atuando como causa, na medida em que representava uma

herança do passado recente, mas também como conseqüência do “funcionamento do sistema

político” ao longo das décadas anteriores, podendo ser considerada, inclusive, como uma espécie

13
O papel de líderes como Ulysses Guimarães e Mário Covas é ressaltado por vários analistas da ANC 1987-88,
como Pilatti (2008) e Souza (2001).

28
de “condensado histórico”, isto é, uma “forma relativamente cristalizada pela qual a sociedade

recorda suas expectativas passadas” 14.

Contudo, tendo em vista que a crise brasileira não era nem somente conjuntural nem

somente política, mas sim do próprio modelo que presidira, até então, o processo de

desenvolvimento nacional, todo um conjunto de reformas estruturais se impunha de maneira

imperiosa. Na Constituinte, os representantes dos principais partidos políticos e setores

organizados da sociedade – empresários, trabalhadores, movimentos sociais, etc. –, via lobby ou

outras formas de influência e pressão, se concentraram em firmar um arcabouço institucional e

delinear os contornos do regime democrático que se instalava. Com a finalização dessas tarefas

“formais”, abriu-se definitivamente o período de discussões em torno das reformas estruturais.

O relativo consenso em torno do texto final foi alcançado devido principalmente à

atuação dos líderes, como acima apontado, e à perspectiva de revisão constitucional, para a qual

todas as forças políticas principais esperavam poder reunir forças para alterar a Constituição na

direção que considerassem mais apropriada. Acreditava-se que tal “segunda rodada” abrir-se-ia

nas eleições presidenciais de 1989 e, sobretudo, com a revisão constitucional marcada para 1994:

Curioso notar que o artigo sobre a revisão constitucional foi aprovado pela
maioria dos partidos e por todos os partidos progressistas, o que mostra que os
mesmos estavam confiantes na ampliação das conquistas sociais e democráticas
da Constituição de 1988. Somente o PFL votou contra esse artigo, apesar de ter
se tornado, posteriormente, o principal defensor das reformas constitucionais
(SOUZA, 2001, 551, nota 14).

Tal solução de revisão foi uma atualização em menor escala da estratégia da “fuga para

frente”15, isto é, de se alcançar o consenso possível no momento e, desse modo, reduzir o

14
Souza e Lamounier, 1990. Este artigo de Souza e Lamounier apresenta uma análise dos principais traços da
formação política brasileira que, segundo eles, teriam influenciado a ANC 1987-88.
15
Esta expressão é de J. L. Fiori e se refere à estratégia, largamente empregada ao longo do período de
industrialização mais intensa no Brasil, de “manter os mesmos compromissos [no interior das classes dominantes e

29
potencial de crises, mas sem eliminá-lo, adiando uma resolução mais definitiva em relação aos

pontos de divergência16.

Praticamente, as forças políticas principais na ANC aceitaram tal estratégia devido à

expectativa de se resolver os impasses após as eleições, quando as urnas consagrassem o

primeiro Presidente eleito diretamente do período democrático recém-iniciado. Com a eleição,

acreditava-se, resolver-se-ia a “forma e conteúdo” da transição (VIANNA, 1989, 109), isto é, as

instituições democráticas voltariam ao pleno funcionamento, permitindo a inauguração e

ativação dos principais dispositivos constitucionais recém-estabelecidos, e as reformas

estruturais começariam a ser promovidas.

1.1.4 Governo Collor: estreitamento da agenda e abertura do ciclo revisionista

Não obstante, a transição caminhou para rumos inesperados. A vitória do candidato

Fernando Collor, que se apresentou como “uma espécie de ‘não-político’ fazendo política acima

dos interesses corporificados” (NOGUEIRA, 1998, 125), foi a expressão máxima das

dificuldades que as instituições representativas democráticas estavam encontrando para processar

as demandas da sociedade e para aglutinar atores e interesses em torno de questões cruciais para

a resolução da crise que se abatia sobre o país.

Apesar de seu discurso conservador, a eleição de F. Collor não representou a vitória de

nenhuma das grandes forças políticas em combate na Assembléia Nacional Constituinte. Ocorreu

que, durante a eleição presidencial de 1989, praticamente todos os candidatos procuraram se

distanciar e, em grande medida, se apresentar como opostos ao então presidente Sarney.

Chegariam ao segundo turno, porém, os “dois candidatos que (...) haviam expressado com maior

clareza a desatualização das grandes estruturas partidárias brasileiras” (NOGUEIRA, 1998, 127),

na relação destas com as dominadas, apesar de seus conflitos] empurrando o desenvolvimento e a centralização
estatizante como solução e anúncio da próxima crise” (1995, xvii-xix).
16
Cf. Pilatti (2008, passim), que também ressalta o caráter consensual ou consociativo da ANC de 1987-8.

30
sobretudo das que vinham sustentando e definindo os rumos, até aquele momento, da transição

democrática – PMDB, PFL, PDS.

Desse modo, o embate final seria entre Collor, político até então desconhecido no cenário

nacional e apoiado em um partido minúsculo, o PRN (Partido da Reconstrução Nacional), e

Lula, o candidato do PT, partido que, na época, apresentava-se como “diferente” de todos os

demais. Ambos os candidatos caminharam à margem das grandes coalizões político-partidárias

com as quais avançava a redemocratização. Contribui fortemente para isso o contexto de

aceleração inflacionária, pois “Sucessão presidencial em circunstâncias de hiperinflação (...)

tende a apagar ou a obscurecer as distinções político-ideológicas entre os candidatos, hora

favorável para as interpelações carismáticas” (VIANNA, 1989, 85).

Apesar da força e esperanças despertadas pela ANC, houve um relativo esvaziamento da

revisão constitucional marcada para 1994. Essa revisão tornou-se, na verdade, uma oportunidade

para o governo federal viabilizar alterações conjunturais favoráveis, como a criação do Fundo

Social de Emergência, e não para se alterar substantiva e estruturalmente pontos polêmicos da

Constituição Federal. Isto ocorreria somente após 1995, com a posse do governo FHC. Além

disso, pouco tempo antes dessa revisão, o parlamentarismo fora derrotado no plebiscito de 1993.

Diante da atuação de todos esses fatores e acontecimentos, adiou-se ainda mais a

formação de uma plataforma consistente de reformas estruturais que decidisse o jogo político,

que estava “empatado” desde 1988 (VIANNA, 1989, 23).

Contudo, apesar de seu fracasso, o governo Collor conseguiu deixar sua marca na

transição. Esse governo foi um ponto de virada no movimento até então dominante, apesar de

seus conflitos e recuos, de avanços em diversas áreas da sociedade e da economia brasileiras

31
promovidos por setores progressistas17, isto é, daqueles não identificados ou que não estiveram

vinculados ao regime político anterior.

O processo de redemocratização brasileiro caminhou de uma explosão de demandas de

vários setores da sociedade, especialmente na passagem da década de 1970 para a de 1980, para

o estreitamento da agenda pública em face da urgência de se debelar a inflação em um contexto

de fortes expectativas de crescimento econômico e distribuição de renda. Ao longo dos anos

1980, foi se configurando uma “pauta (política) minimalista”, na qual a questão social foi sendo

deixada de lado, e a inflação passou a ser tratada como fenômeno puramente econômico e não

como problema atravessado por uma série de fatores políticos e sociais (DINIZ, 1996, 117-8).

Essa reversão e estreitamento da agenda pública recebeu forte impulso após a vitória de

Fernando Collor de Melo, que representou, assim, um divisor de águas, alimentando o

movimento em direção a uma “agenda da modernidade em sua visão neoliberal” (Id., Ibid., 116),

em harmonia com o Consenso de Washington, ao qual ele aderiu com entusiasmo.

A configuração dessa agenda abriu um ciclo revisionista em relação à Constituição de

1988, a qual passou a estar no centro dos debates em torno das reformas estruturais, não somente

por que cumpriu a agenda formal da transição – esgotando-a, portanto –, mas também por que

estabeleceu, em seu próprio texto, todo um conjunto de dispositivos relativos aos setores básicos

que se tornariam alvo da reformas estruturais.

17
Para uma análise das vitórias dos “progressistas” na ANC de 1987-88, cf. Pilatti (2008), cujo objetivo principal
nesta obra é exatamente entender como uma ANC majoritariamente conservadora gerou um texto constitucional tão
“progressista”. Para uma opinião divergente desta, cf. Couto (1998), para quem a Constituição de 88 cristalizou, em
seu texto, uma consciência social e política que transitava ainda nos quadros de pensamento e ação do nacional-
desenvolvimentismo bem como todo um conjunto de reivindicações emergentes que, através de pressões, foram
incorporados à Constituição como direitos, gerando uma agenda de reformas que necessariamente teria que passar
pela alteração de alguns dispositivos constitucionais.

32
1.2 Dimensões e definições na transição: Crise do regime e da forma de Estado

A redemocratização brasileira não foi, portanto, somente um processo de “criação ou

recriação das instituições poliárquicas” nem se esgotou nas iniciativas de se conformar um novo

“desenho institucional” (LIMA e CHEIBUB, 1996, 83-4) para o país, tarefas essas que, em si

mesmas, já são muito complicadas.

A transição brasileira foi a dimensão política de um processo mais amplo gerado pela

crise do modelo global de desenvolvimento brasileiro nos anos oitenta. Isto resultou na re-

emergência, em fim de ciclo (LAMOUNIER, 1992, 40), dos principais problemas colocados nos

primórdios e/ou ao longo do processo de modernização brasileira e que tinham sido enquadrados

em um dado modelo de desenvolvimento, que por sua vez gerou seus próprios impasses,

desmoronando a partir dos anos 80. A crise dos anos oitenta foi um “momento de máxima

condensação dos conflitos que moveram o longo ciclo político-econômico de nossa História”

(FIORI, 1995, xvii-xviii, grifos nossos), na medida em que conteve em si “um pouco de todas as

crises e transições” pelas quais o Brasil passou ao longo do século XX (NUNES, 1997, 128).

Como tal crise e seus conflitos se condensaram no “núcleo político da sociedade”, ela

colocou em xeque não somente o regime autoritário, mas também “a própria forma do Estado, o

Estado Desenvolvimentista” (SALLUM JR. e KUGELMAS, 1991, 147-50). Segundo Bresser-

Pereira, a crise brasileira dos anos oitenta poderia ser definida como uma crise fiscal ou

“desequilíbrio estrutural do setor público” (1992, 19ss) resultante do esgotamento do padrão de

financiamento do Estado intervencionista. Sallum Jr. vai em direção ligeiramente diferente,

defendendo que o “cerne da crise do Estado desenvolvimentista brasileiro” foi, do ponto de vista

econômico, a crise da dívida externa mais do que o desequilíbrio fiscal (2003, 50, nota 2). Havia,

com certeza, um forte desequilíbrio fiscal, mas o que estava em jogo era mais um padrão de

33
articulação nacional com a “ordem capitalista mundial” do que um esgotamento interno do

modelo em si, quer dizer, o “caráter externo da crise” (ID., 36) não excluía, mas antes envolvia e

amplificava os efeitos negativos dos determinantes internos da crise do Estado.

O esgotamento da “capacidade de intervenção financeira no processo” de

desenvolvimento capitalista quebrou o “estilo de atuação” (SALLUM JR. e KUGELMAS, 1991,

147-50) do Estado Desenvolvimentista, instaurado a partir dos anos 30. Tal estilo de ação

atravessou vários regimes (Estado Novo, democracia de 1946-1964, autoritarismo pós-64), sendo

que sua máxima expressão fora o II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974-79), último

grande esforço brasileiro de emprego maciço da estratégia de substituição de importações,

concentrando-a no setor de bens de capital e intermediários. Contudo, a redução da “dependência

produtiva teve como contrapartida a elevação da dependência financeira em relação ao mercado

internacional de capitais” e, quando este sofreu o abalo dos choques de petróleo e da elevação do

nível de flutuação das taxas de juros internacionais em direção ascendente, deu-se, por volta de

1982, o estopim da crise na periferia (SALLUM JR. e KUGELMAS, 1991, 147-50).

A partir dos anos oitenta, portanto, há uma reversão das tendências e padrões de decisões

e orientação do Estado brasileiro que vinham presidindo o ciclo nacional de expansão econômica

e consolidação de uma sociedade urbano-industrial. Reverteram-se também, aos poucos, o

conteúdo das “reformas estruturais” propostas para enfrentar os principais desafios do país a

partir dos anos oitenta, que foi “pródigo em questões novas e mesmo na inversão de significados

de outras que pareciam ter seu sentido já consagrado” (VIANNA, 1989, 37).

Isto ocorreu, principalmente, devido a dois fenômenos:

(I) De um lado, a crise do modelo de desenvolvimento que orientou o longo ciclo de

modernização brasileira, calcada fortemente na intervenção estatal, foi resultante não somente de

34
seu esgotamento em termos de desempenho objetivo, medido, sobretudo, com critérios

socioeconômicos. Tal modelo entrou em crise também por que as transformações sociais

resultantes do vigoroso crescimento econômico entre fins de 60 e fins de 70 e o surgimento de

“uma teia de organizações” (SALLUM JR. e KUGELMAS, 1991, 148) espontâneas da

sociedade, a partir de empresários, trabalhadores, vizinhos18 etc. contribuiu para a formação de

uma sociedade civil enquanto “malha de aparelhos e de associações com as quais os interesses

sociais organizam-se e buscam afirmar-se perante os demais, diante do Estado e como Estado”,

buscando ser, portanto, não “o outro lado do Estado, mas o coração do Estado” democratizado

(NOGUEIRA, 2004, 247-8).

(II) De outro lado, diante dessas profundas transformações sociopolíticas, houve, com a

redemocratização, um hiperativismo político dos intelectuais progressistas. Jamais “se viu

tamanha presença de intelectuais profissionais na cena pública; não só escrevendo para e

aparecendo nas grandes mídias, mas também participando diretamente da formulação e

implementação de políticas junto a órgãos governamentais” (LAHUERTA, 1999, 239).

Isto porque, com o início do processo de liberalização do regime militar, tornou-se mais

visível “a forma de exercício da política de oposição que caracterizava os intelectuais

progressistas”, ou seja, o combate teórico e ideológico ao regime autoritário (COELHO, 2001,

96). É a partir do período 1974-76 que tais intelectuais – boa parte deles, pelo menos –, até então

envolvidos naqueles combates teóricos relativamente restritos ao meio acadêmico, começam a

transitar nos meios políticos e criar vínculos mais fortes e permanentes com os políticos

profissionais (COELHO, 2001, 96).

18
Cf., por exemplo, Vianna, que, em fins da década de oitenta, depositava grandes esperanças nas “novas
modalidades de vida associativa que se afirmam entre nós” enquanto “germes daquilo que se deverá tornar –
esperamos – nossas primeiras instituições de uma democracia participativa” (1989, 16). Cf. também Avritzer (1995),
que procurou construir uma concepção ampliada de democracia integrando às análises institucionalistas as
dimensões da cultura política e da vida associativa (“sociedade civil”).

35
Se na passagem da década de 1970 para a de 1980, parte importante do pensamento de

esquerda procurou construir uma concepção ampla de democracia, que fosse não somente

representativa, mas também fortemente participativa (NOGUEIRA, 2007b, 199), na segunda

metade da década de 1980 houve a perda de um rumo propositivo por parte da esquerda, o que

resultou na abertura de um espaço ocupado pelo neoliberalismo, que redefiniu as “reformas

estruturais” não mais como falhas e insuficiências do mercado que necessitavam ser corrigidas

pela intervenção estatal, e sim como intervencionismo estatal que deveria ser reduzido pela

privatização, desregulamentação e abertura ao mercado internacional (FIORI, 1995, xi-xiv)19.

Nogueira vai na mesma direção quando afirma que a ausência de uma “organização socialista

forte, moderna” e com capacidade de aglutinação de forças é um dos fatores que faz com que a

“democratização dos anos 70 e 80 se desenrole sob hegemonia liberal” (NOGUEIRA, 1998,

275).

O primeiro fenômeno (I), de mobilização das forças sociais e políticas da sociedade,

gerou uma corrente de pressões sobre a estrutura institucional herdada do regime militar no

sentido da (re)afirmação dos direitos humanos e da democracia, o que resultou em um

movimento que forçou alterações na hierarquia dos centros de poder: “o Congresso Nacional, o

Judiciário, os governos dos estados e os partidos políticos ganharam mais latitude de ação em

relação à Presidência da República” (SALLUM JR., 2003, 39), principalmente se comparados ao

período dos governos militares (1964-1985). A Constituinte de 1987-8 e o texto constitucional

resultante foram o ponto culminante de tal processo.

19
Cf. ainda Vianna (1989) e Nogueira (2001, 139-47; 2007b) para análises do papel da esquerda no Brasil
contemporâneo a partir de marcos referenciais gramscianos, e Coelho (2001) para uma análise da criação dos
partidos – PDT, PT, PSDB, mais precisamente – que se aproximaram, em maior ou menos grau, do socialismo
reformista e democrata da social-democracia.

36
Quanto à correlação de forças que definiu o campo de disputas políticas pós-

redemocratização (II), a difusão do “ideário neoliberal”, na década de oitenta, apoiou-se “em

grande parte na atuação da classe empresarial” que, contudo, foi incapaz de “transcender os

interesses localizados e negociar propostas de teor mais abrangente” (DINIZ, 1997, 15-6). Além

disso, a difusão daquele ideário ficou limitada, além dos empresários, a parcelas significativas

dos meios de comunicação, às classes médias e, em menor grau, à classe política. Esse

neoliberalismo dos empresários não se identificava “com uma genuína vocação liberal” de

Estado mínimo, mas foi um meio de os empresários rearticularem sua inserção na nova ordem

política de maneira favorável, mantendo o máximo de influência sobre as políticas econômicas

governamentais (VIANNA, 1989, 24).

A difusão desse ideário neoliberal não obteve grande ressonância na Constituinte de

1987-820. Mas, com a eleição de Collor, os impasses no campo de forças sociais e políticas

começam a se desfazer a favor daquele ideário, estreitando-se a agenda pública. Com isso,

caminha-se para o encerramento da longa fase de liberalização política e para a abertura de uma

nova fase: a de liberalização econômica (SALLUM JR., 2003, 42). Esta, contudo, somente se

firmaria enquanto orientação governamental hegemônica após a vitória de FHC, em 1994.

Até então, as principais forças sociais e políticas permanecerão, por assim dizer, em

compasso de espera. Os setores mais à esquerda que obtiveram uma relativa vitória na

Constituinte de 1987-8 não conseguiram tornar dominante sua posição, na medida em que nas

eleições seguintes o candidato vitorioso teve nítida orientação conservadora. Apesar da retórica

neoliberal de Collor, este não obteve apoio amplo e continuado nem da parte dos setores

políticos conservadores nem da parte do empresariado que vinha difundindo o ideário neoliberal.

Sendo assim, de um lado e de outro, a vitória de Collor e seu posterior impeachment tornaram o
20
Cf. acima a discussão sobre a ANC 1987-88.

37
pleito eleitoral de 1994 decisivo. Quem ganhasse, teria a oportunidade de consolidar e pôr em

prática uma determinada plataforma de reformas e continuaria a aprender a jogar o “jogo” da

democracia a partir do governo. Quem perdesse, continuaria também a aprender o mesmo

“jogo”, porém na oposição.

Antes, porém, de levar adiante um conjunto de reformas estruturais de conteúdo

determinado, havia os problemas conjunturais derivados dos desequilíbrios macroeconômicos –

crise da dívida externa, déficit governamental e, acima de tudo, aceleração inflacionária – e da

ingovernabilidade. Esses problemas são daqueles que podem até existir por algum tempo, porém

sobre controle e em estado de latência. Não obstante, quando se agudizam, passam a figurar nos

primeiros lugares da agenda pública de qualquer governo que queira lograr continuidade e

legitimidade perante o eleitorado. Estes problemas tornaram-se decisivos para a dinâmica da

política, pois é a resolução de problemas como esses, que se agudizam em dado momento a

ponto de se tornarem quase obsessão, que sela o destino dos representantes políticos (partidos,

políticos, governantes, líderes populares, etc.), determina o fim da carreira de uns e o começo ou

a ascensão de outros.

1.2.1 Rumo à consolidação democrática adiada

Com a posse do primeiro governante escolhido a partir das eleições livres e abertas

encerrar-se-ia, segundo critério comum no campo de análise da dinâmica das mudanças de

regimes políticos, o período da transição democrática e iniciar-se-ia o da consolidação

democrática21. Contudo, a vitória de um candidato – Fernando Collor – que não se situava em

nenhuma das grandes correntes políticas do momento e, posteriormente, seu isolamento e

21
Cf. Linz e Stepan (1999), que, contudo, tomam cuidado para não reduzir democracia a realização de eleições,
estabelecendo outros critérios de avaliação, como o consenso procedimental em relação à escolha dos governantes,
os quais devem ter “autoridade de gerar novas políticas” e separação entre os três poderes, os quais “não têm que, de
jure, dividir o poder com outros organismos” (1999, 22).

38
impeachment geraram uma comoção e mobilização públicas, comparáveis somente ao

movimento das Diretas-já! e ao período da Constituinte, que criaram um clima geral de união

nacional em torno da superação do fracasso do primeiro governo eleito diretamente após décadas

de autoritarismo.

Essa reviravolta política impactou as posições relativas das principais forças políticas

tanto em relação ao governo quanto umas em relação às outras. O novo presidente, Itamar

Franco, tentou aproveitar ao máximo aquele clima de união nacional gerado pelo processo contra

Collor para tentar formar um governo com base em um arco de coalizões o mais amplo possível,

que englobasse todas as principais forças partidárias brasileiras a fim de enfrentar a crise

econômica e política. Assim, o presidente Itamar conseguiu angariar apoio, para seu governo, de

vários dos principais partidos – PMDB, PFL, PSDB, por exemplo –, ou pelo menos de

representantes destes – como L. Erundina, que teve uma rápida passagem pelo Ministério da

Administração, apesar da oposição que seu partido, o PT, fazia ao governo.

De fato, até pelo menos o início do ano de 1993, PT e PSDB, os partidos que

polarizariam a disputa em 1994, mantinham a porta aberta para uma possível coalizão.

Representantes de um e de outro partido alimentavam esperanças de tal aproximação. Contudo, a

partir do plebiscito para a escolha da forma e do sistema de governo (21 de abril de 1993), esses

partidos se distanciariam, inviabilizando uma possível aliança nas eleições presidenciais

seguintes. Além disso, tal distância foi aumentando conforme o PSDB foi se aproximando do

governo Itamar e o PT se opondo a ele.

Dois acontecimentos foram fundamentais para a configuração do campo de forças

eleitorais de 1994. Primeiro, a indicação de F. H. Cardoso para a Fazenda, em maio de 1993.

Durante seus primeiros meses na pasta, dedicou-se a manter o que já vinha sendo feito, isto é, a

39
administração da economia em crise inflacionária, sem despertar grande temor em Lula, que

havia ficado em segundo lugar nas eleições presidenciais de 1989 e, desde o impeachment de

Collor, vinha se consolidando nas pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial

seguinte. Dentro do PT, acreditava-se que Paulo Maluf, que conquistara a prefeitura de São

Paulo em 1992, seria o grande adversário de Lula.

Entretanto, as expectativas da conjuntura se alterariam no final de 1993, quando FHC

anunciou um novo plano de combate à inflação, o Plano Real. Daí em diante, a sorte estava

lançada: se conseguisse obter sucesso com o plano, o ministro da fazenda conseguiria viabilizar

seu nome para a eleição presidencial. Se fracassasse, sua carreira política estava acabada.

Outro acontecimento fundamental foi a 8° Convenção Nacional do PT, em 12 de junho

de 1994. O plano de Lula era sair da presidência do partido, a fim de se dedicar mais a sua

campanha, e deixá-la nas mãos de José Dirceu, pois assim mantinha os moderados com força e

afastava as pretensões de Dirceu ao governo do estado de São Paulo, abrindo espaço para uma

aliança com o tucano Mário Covas. Contudo, o equilíbrio paralisante entre, de um lado, as alas

moderadas do partido e, de outro, as alas radicais, que adotavam uma linha de conduta

fortemente ideologizada e crítica em relação ao pragmatismo de alianças – sobretudo com o

PSDB –, frustrou as pretensões de Lula: a única solução encontrada, para os radicais não

dominarem o partido ou provocarem estragos ainda maiores, foi ele permanecer na presidência

do PT. Assimilando a retórica radical, a fim de se adequar às correntes majoritárias no partido,

Lula discursou contra os tucanos, provocando reação negativa entre estes: “Se havia uma chance

entre nós, acabou”, disse um dos principais líderes do PSDB, o então Ministro da Fazenda

FHC22.

22
Dimenstein e Souza (1994, 177-9). As principais informações e dados históricos expostos nesta seção foram
extraídos dessa fonte.

40
Aproveitando-se da revisão constitucional marcada para 1994, FHC colocou em ação a

primeira etapa do novo plano de estabilização: a fim de garantir o equilíbrio fiscal, a equipe da

Fazenda propôs uma emenda constitucional estabelecendo a criação de um “fundo de

emergência”, que se tornou “Fundo ‘Social’ de Emergência” (FSE) para obter melhor recepção

pública. Na realidade, tal fundo era um mecanismo de controle das contas públicas através da

livre disposição, pela União, de parte de seu orçamento. A fim de obter sua aprovação no

Congresso, o ministro Cardoso se aproximou do PFL (Partido da Frente Liberal), iniciando-se as

negociações em torno da aliança para as eleições, que seria encabeçada por F. H. Cardoso23.

Conforme a implantação do Plano Real ia avançando, mais FHC e o PFL iam estreitando

laços, tornando ainda mais remotas, para o PSDB, as chances de alianças à esquerda. Quanto a

esta, o PT, uma vez mais dominado por seus radicais, agora na 9° Convenção Nacional do

partido, também se afastaria de qualquer possibilidade de alianças “moderadas”, sobretudo por

que Lula estava disparado nas pesquisas e grande parte do partido vivia o clima de “já ganhou”,

despreocupando-se, assim, de formar alianças.

Lula assim permaneceria até julho, quando foi lançada oficialmente a nova moeda, o Real

(1° de julho). Em curtíssimo prazo, sob os efeitos positivos do plano de estabilização, o jogo

começou a virar a favor de FHC, que ultrapassou Lula nas pesquisas de intenção de votos mais

ou menos um mês depois do lançamento da nova moeda. Até o lançamento da nova moeda, Lula,

apoiado nas pesquisas, fazia planos de ganhar no primeiro turno ainda. Ao final de agosto de

1994, contudo, segundo apontavam as pesquisas, já temia que FHC ganhasse no primeiro turno.

23
A proposta do Fundo Social de Emergência foi aprovada em 8 de fevereiro de 1994 e publicada em 2 de março do
mesmo ano, tornando-se a primeira Emenda Constitucional de Revisão que acrescentou ao Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias os artigos 71, 72 e 73. Cf. Constituição da República Federativa do Brasil, ADCT, art.
71, 71 e 73. Posteriormente, o FSE tornar-se-ia Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, finalmente, em 2002, em
Desvinculação das Receitas da União (DRU), mantendo-se a mesma finalidade. Para uma análise do contexto
político da Revisão constitucional de 1994, cf. Melo, 2002.

41
Contribuíram para isso também, além do desempenho objetivo do governo em estabilizar

a economia, a estratégia de marketing eleitoral do candidato do PSDB, que soube aproveitar o

momento para vincular sua imagem à do plano antiinflacionário bem sucedido. Em

contraposição, o clima de “já ganhou”, dentro do PT, tornou o partido desleixado quanto às

batalhas simbólicas via propaganda eleitoral, contribuindo, assim, para a disparada do adversário

na corrida eleitoral.

Quatro meses de convivência com uma economia estabilizada e com uma nova moeda

foram suficientes para virar o jogo a favor de F. H. Cardoso e contra Lula, que havia

permanecido durante mais de um ano como um dos grandes favoritos à sucessão presidencial.

Com a vitória de FHC, ainda no primeiro turno, reativou-se o ciclo revisionista aberto por

Collor, mas, agora, com uma plataforma de propostas de reformas estruturais bem mais

consistente, do ponto de vista de sua formulação técnica, e bem mais legitimada, não somente

pelas urnas, mas também pela base de apoio no Congresso Nacional e em importantes setores

organizados da sociedade. Configurando-se este quadro, o país entrou definitivamente em sua

fase de consolidação democrática24.

1.3 Consolidação democrática: rumos da modernização

Na análise do processo de redemocratização brasileiro, é importante distinguir (a)

democracia política de (b) liberalização – “afrouxamento das regras autoritárias” – e de (c)

democratização substantiva – a “adoção de programas de reformas econômicas e sociais voltadas

a atender demandas específicas” (MOISÉS, 1995, 38). Essa distinção é apenas analítica, na

medida em que, na realidade, trata-se de um processo só. Contudo, ela é importante porque, no

24
Cf. Linz e Stepan (1996, 204-26) e Sallum Jr. (2003, 35-6), que, apesar de partirem de perspectivas teóricas
diferentes, também consideram que a transição no Brasil – e consequentemente a abertura do período de
consolidação democrática – se encerrou com a posse de Fernando H. Cardoso, em 1995, e não de Collor, em 1990.
Para uma polêmica análise crítica do significado da eleição de F. H. Cardoso, cf. Fiori (1994).

42
caso brasileiro, o “processo político teve uma expressiva potência de destruição da ditadura”, de

remoção do chamado “entulho autoritário”, “mas não teve igual potência para democratizar o

país” (NOGUEIRA, 2007b, 207) para além da organização de instituições representativas.

Como a discussão deste capítulo procurou demonstrar, a maneira como se desenrola a

redemocratização, enquanto “destruição” do regime de exceção e remoção do chamado

“entulho” autoritário, é fundamental para os rumos a serem tomados pelo processo de

democratização propriamente dito ou, mais precisamente, de consolidação democrática. Um

regime democrático consolidado – ou em vias de se consolidar – deve ser capaz de processar

pacificamente não somente os conflitos envolvendo a pluralidade de interesses e identidades da

sociedade – por meio de reformas institucionais que dêem vazão à vitalidade da democracia

política. Aquele regime deve ser capaz de processar também as lutas em torno do controle e

distribuição de recursos, principalmente econômicos, disponíveis (MOISÉS, 1995, 38) – cerne

das reformas estruturais.

Contudo, tendo em vista o cenário socioeconômico latino-americano, o combate às

desigualdades de toda ordem ocupa lugar central na agenda pública, ao lado da democratização

política. A democratização substantiva ou social, digamos assim, pertence a outra dimensão e

envolve também outros processos. Ela constitui, assim, “outra” transição, distinta da “primeira” e

da “segunda” transições, portanto. Boa parte dos analistas dividem os processos de

democratização em dois grandes períodos: 1°) a “primeira” transição ou liberalização do regime,

que em geral encerra-se com a posse do primeiro governante escolhido em eleições livres e

abertas; 2°) a “segunda” transição ou consolidação democrática, fase que se inicia quando a

43
primeira se encerra e que só termina quando a democracia torna-se um regime “irreversível”, isto

é, livre de ameaças autoritárias25.

Assim, a democratização social seria distinta, mas não estaria distante do processo de

consolidação democrática. Muito pelo contrário, na medida em que a democratização social

tenderia a ampliar os efeitos e virtuosidades do regime político democrático, dando-lhe mais

consistência e, em grande medida, bases para um melhor desempenho (MOISÉS, 1995, 39-40).

Tais considerações escapam a vários analistas das transições, que analisaram a

redemocratização com base em um conceito de democracia vizinho ou praticamente equivalente

à “poliarquia” de Dahl (1997), ou seja, a democracia considerada somente em seus aspectos

políticos (MOISÉS, 1995, 40-1). Contudo, deve-se notar também que, sem as condições e

requisitos de convivência política postulados pelo modelo poliárquico, dificilmente a

democratização social avançará sem ser, a todo momento, ameaçada por grupos poderosos

estruturalmente privilegiados e desinteressados, portanto, em mudanças sociais amplas e

substantivas.

Sendo assim, é um equívoco contrapor a democratização social e econômica à

democratização política. A grande questão não é saber qual das duas democracias (política ou

social) vem antes, mas sim como elas podem ser articuladas a fim de que a luta por maior

igualdade e melhores condições de vida não resulte em violência política e retrocessos

autoritários. Reformas institucionais e estruturais caminham pari passu na conformação da nova

ordem em sua dimensão política tanto quanto em sua dimensão socioeconômica.

Isto é importante por que, se por um lado, setores mais conservadores tendiam a se

satisfazer somente com uma democracia política limitada, ou melhor, com uma “forma

25
Para uma discussão conceitual quanto aos critérios empregados nas análises sobre consolidação democrática, cf.
Moisés (1995, 24-42) e Lima e Cheibub (1996).

44
autocrática de democracia restrita” (FERNANDES, 1981), os setores de esquerda mais radicais

tendiam a considerar a democracia política apenas como instrumento provisório (ou “tático”) na

luta por objetivos revolucionários maiores (ou “estratégicos”) (COUTINHO, 1979, 33-48). Em

um extremo e no outro, a democracia terminava por ser reduzida e desvalorizada, denotando

fortes inclinações a soluções violentas para os conflitos sociais.

Conforme a transição foi avançando, os principais grupos políticos da sociedade foram

sendo, em maior ou menos grau, institucionalmente integrados ou passaram a fazer parte de um

relativo consenso institucional acerca das regras para processamento de conflitos. Disso resultou

que nenhum grupo politicamente importante poderia mais se considerar como externo e

indiferente aos mecanismos da democracia, ou seja, conforme a transição foi avançando, através

de seus ciclos eleitorais e debates em torno de questões cruciais, todos os grupos políticos

relevantes da sociedade passaram cada vez mais a serem responsáveis e a se sentirem

responsáveis pela manutenção e pelo desenvolvimento das instituições democráticas.

Isto não significa que não haja mais divergências. Se a democracia, dos anos oitenta em

diante, tornou-se cada vez menos questionada, a crise do desenvolvimentismo, bem como a

questão social, abriu um leque de questões em relação às quais as posições assumidas foram

extremamente divergentes.

Porém, os principais setores da sociedade dispõem-se cada vez menos a aceitar soluções

não-democráticas para a resolução de conflitos. Questiona-se este ou aquele aspecto da

democracia, sua insuficiente consolidação, suas deformações e desvios, mas a democracia em si,

como arranjo institucional e substância mesma das relações políticas, cada vez mais torna-se

menos questionável e questionada. O que muito se questionou – e ainda é questionado – foram,

isso sim, os rumos do desenvolvimento brasileiro. E é em torno desse tema da agenda pública

45
que as posições políticas assumidas após a redemocratização têm seus sentidos mais bem

iluminados.

46
CAPÍTULO 2
Debates públicos em momentos decisivos:

O MARE no contexto de crítica ao neoliberalismo

Na Introdução, afirmou-se que esta dissertação pretende terminar onde começa a maior

parte das pesquisas sobre a reforma gerencial de 1995: suas origens. Para melhor situar tal

questão, este capítulo resgatará algumas discussões sobre o significado histórico do governo

FHC assim como reconstituirá o clima dos debates políticos e acadêmicos na época das eleições

presidenciais de 1994. Em seguida, focar-se-á mais especificamente na bibliografia que se

formou em torno e a partir da reforma gerencial.

O intuito deste capítulo é duplo. Primeiramente, mostrar como os debates em torno do

significado histórico do governo FHC repercutiram sobre a visão que se teria, após as eleições,

do MARE e de seu projeto de reforma administrativa.

Outro intuito é mostrar que as principais hipóteses e argumentos que fundamentam esta

dissertação já se encontram, em maior ou menor grau, na literatura sobre a reforma gerencial

brasileira. Recuperando argumentos e dados, propõe-se aqui um ajuste de foco e precisão a fim

de se lançar mais luz sobre as origens da reforma gerencial.

Assim, essa espécie de “revisão” de bibliografia destoa do padrão geral, que procura

discutir com a bibliografia pertinente ao tema de pesquisa em foco com a finalidade de apontar o

que já foi dito e, consequentemente, pôr em relevo o estado da arte de um dado campo de

pesquisas e mostrar até onde as pesquisas foram, a fim de abordar temas, aspectos, dimensões

etc. ainda não estudados.

Aqui, o que se apresenta é algo ligeiramente diferente deste padrão, na medida em que

não se pretende apresentar “até onde” as pesquisas sobre a reforma gerencial já chegaram e que

47
caminhos trilharam26, e sim “de onde” elas normalmente partem. A intenção geral é a mesma,

quer dizer, mapear a literatura a fim de melhor inserir a pesquisa no amplo campo de pesquisas

sobre a reforma de 1995. O tratamento dado ao material, porém, é ligeiramente diferente.

Isto é assim em decorrência daquilo que pode ser considerado um dos principais legados

da reforma gerencial de 1995: o conjunto de novos conceitos, propostas e concepções para a

burocracia brasileira. Mais do que resultados concretos de grande porte, o principal êxito do

MARE foi ter gerado toda uma onda de discussões sobre a burocracia nacional e, a partir dela,

dos próprios rumos do Estado brasileiro. Isto não significa afirmar que aquele Ministério não

teve impacto concreto sobre a administração pública, e sim que não é tanto nessa dimensão que

se encontram seus maiores resultados.

Uma das maiores contribuições do MARE ao processo de reforma do Estado brasileiro

foi a institucionalização e, consequentemente, o estímulo ao debate sobre a administração

pública no Brasil. Apesar (e também por causa) das críticas, o MARE gerou uma “onda”

bibliográfica enorme: livros, artigos, teses, dissertações – os mais variados tipos de contribuições

para o debate sobre Estado e administração pública no Brasil, onda que até hoje tem ressonância

na produção e nos debates sobre Estado e gestão pública no país.

Em um primeiro momento, parece estranho uma dissertação se colocar o propósito de

terminar nas origens da reforma, isto é, de não ir muito além dela na discussão, mas abordar e

apontar aquilo que se considera o legado principal da reforma, ou seja, não somente ir muito

além da origem, mas também discutir o que permaneceu após o seu fim.

Tal procedimento justifica-se, contudo, pela necessidade de fundamentar a argumentação:

o legado bibliográfico do MARE se constitui na principal evidência empírica da hipótese aqui

26
Cf., para revisões de literatura sobre a reforma gerencial de 1995, os artigos de Abrúcio e Pó (2002) e Souza e
Araújo (2003).

48
apresentada, isto é, a de que o MARE tornou-se um dos principais centros de gravitação dos

debates sobre os papéis a serem desempenhados pelo Estado, debates esses revigorados após a

crise do nacional-desenvolvimentismo.

Este é um resultado da reforma até certo ponto não antecipado que, contudo, auxilia na

análise das origens e significados da reforma administrativa de 1995. Pela análise dessa

literatura, enquanto parte da reforma, busca-se aproveitar a vantagem do distanciamento

temporal em relação à reforma do MARE.

Com o governo FHC, diversas propostas foram apresentadas para setores específicos da

ação governamental (previdenciária, tributária, administrativa, privatizações,

desregulamentações etc.). A apresentação de propostas específicas implicou o reforço e a

intensificação da relativa fragmentação da complexa problemática global da “crise do Estado”,

resultando em uma setorialização e, consequentemente, numa especialização dos debates. O

Estado e sua crise foram “quebrados” em menores pedaços a fim de se processar melhor as

reformas propostas.

O MARE, devido a seus propósitos e posicionamentos, aglutinou não somente debates e

discussões especializadas e específicas, mas também atraiu parte da atenção que antes era

dispensada à questão global da crise do Estado.

Assim, por um lado, as realizações práticas e a herança de contribuições concretas

positivas resultantes das propostas de implantação de um modelo gerencial para a administração

pública brasileira foram fortemente questionadas por muitos críticos não-especialistas em

administração pública, assim como por pesquisadores e estudiosos de temas relativos ao Estado

de um modo geral.

49
Por outro lado, contudo, não se pode negar que, se alguma herança ficou do esforço

empreendido pelo MARE durante sua existência, nela devem ser incluídas as mudanças quanto

aos termos e conceitos – como “contratos de gestão”, “administração gerencial”, “núcleo

estratégico”, “agências executivas”, “agências reguladoras”, “organizações sociais” etc. – que, a

partir de então, passaram a ser empregados por praticamente todos aqueles que já se envolviam

ou passaram a se envolver, diretamente ou não, com a administração pública brasileira.

Isto não significa que todas as inovações técnicas, institucionais e conceituais da

administração pública brasileira dos anos 90 tenham surgido com o MARE, mas antes que este

impulsionou fortemente um movimento de inovação naquele campo e, principalmente, conferiu

um sentido, um rumo a tal movimento, configurado em uma proposta de reforma gerencial.

Em todo caso, não se fará uma discussão sistemática nem sobre o legado da reforma, por

que foge ao escopo da pesquisa, nem uma revisão de literatura no sentido tradicional, conforme

já foi apontado acima, mas apenas discutir-se-á com alguns autores que, em maior ou menor

medida, aproximaram-se, em suas pesquisas, das teses e hipóteses desta dissertação.

Antes dessa discussão com a bibliografia pertinente, expor-se-á o clima intelectual na

época das eleições presidenciais de 1994 pela recuperação de alguns debates travados naquele

momento, envolvendo o caráter e propósitos da candidatura FHC. Porém, não se fará uma

análise exaustiva desses debates – acadêmicos principalmente, mas apenas referência a

determinadas contribuições e intervenções decisivas no debate público, que posteriormente

repercutiriam sobre a imagem e posicionamentos políticos em relação ao governo FHC.

2.1 Dois debates públicos revisitados

Expõe-se nesta seção um dos fatores que contribuíram para delinear o caráter polêmico

do MARE. Tal fator diz respeito ao governo do qual esse Ministério fez parte. Tal Ministério, em

50
si, já estava destinado, desde o começo, a se tornar mais visível do que o comum. Afinal de

contas, um Ministério que carrega, em seu próprio nome, o propósito de “reformar o Estado”

dificilmente passaria despercebido, sob qualquer circunstância.

Contudo, não se pode desprezar o fato de que o Ministério é apenas uma parte de um

todo, e que a visão geral que se tem deste todo, isto é, do governo considerado de maneira geral,

é fortemente determinante da visão que se pode ter de seus setores específicos, como o

Ministério da Administração, por exemplo.

Na tentativa de se melhor entender o significado histórico do governo FHC – e, por

derivação, do MARE –, não se pode deixar de lado a carreira pregressa do Presidente. Neste

ponto da análise, aparece a hipótese segundo a qual o “projeto” do governo Cardoso pode ser

identificado, mesmo que de modo difuso e incompleto, já em sua época de juventude, quando era

“apenas” um pesquisador universitário.

Nessa linha de análise do governo FHC, pode-se entender por “projeto” dois fenômenos

distintos. Um primeiro refere-se às intenções gerais e difusas de superar determinados problemas

considerados cruciais para o desenvolvimento brasileiro. Isto é, “projeto” no sentido mais amplo

do termo. O segundo trata dos alinhamentos políticos e decisões tomadas, das ações concretas e

bem definidas que configuram um conjunto de medidas práticas que, ao se articularem de modo

mais sistemático, formam um projeto no sentido estrito do termo.

O primeiro fenômeno, que pode facilitar o mapeamento dos elementos previamente

existentes e operantes na definição da agenda governamental, pode ser identificado pelo exame

das idéias e posicionamentos – declarações do candidato e depois presidente, expectativas

criadas na população em geral e em setores específicos da sociedade, posições políticas e

51
acadêmicas (teóricas) assumidas ao longo da carreira etc. – que FHC teve ao longo de sua

carreira acadêmica e política antes de se tornar Presidente.

Já o segundo fenômeno relaciona-se à “realização” do projeto em termos práticos e

concretos, sejam as realizações fiéis ou não às intenções originais. Nessa dimensão, o projeto,

que nunca é completo, se torna processo que vai se fazendo e se “completando” conforme é feito,

imperando em sua construção a(s) intenção(s) original(s) ou as pressões e tensões das condições

dentro das quais os atores se movem ou, o que é mais comum, um misto de intenção(s) e

condição(s).

2.1.1 Fim da “Era Vargas”. Mas começo do quê?

Sendo assim, o ponto de partida da análise do projeto – no sentido lato do termo – será a

proposição de enterrar a “Era Vargas”, anunciada por FHC logo após se tornar Presidente27, que

pode ser remetida aos tempos em que ele, juntamente com alguns de seus colegas que

participariam, ocupando ou não cargos, de seu governo, era apenas um acadêmico.

Naqueles tempos de regime militar, anos sessenta e setenta principalmente, a pretensão

era a de não somente estabelecer outra imagem do país, quer dizer, de instaurar, no plano da

teoria, uma nova interpretação do Brasil, mas também a de superar, no plano prático e político, a

tradição “populista” e nacionalista da política brasileira, tradição esta sintetizada na expressão

“Era Vargas”.

A pretensão de enterrar a Era Vargas teria sua “raiz no grupo que se articula,

primeiramente, em torno do Florestan Fernandes, depois se desdobra em parte no grupo de O

Capital, no CEBRAP e na militância pública dos anos setenta; e, por fim, na atuação

propriamente política nos anos 80” (LAHUERTA, 1999, 235), chegando, então, aos mais altos

postos políticos nacionais (estaduais e municipais também) nos anos noventa.


27
Cf. “Discurso de Despedida do Senado Federal” (Presidência da República, de 14 de dezembro de 1994).

52
A crítica às tradições vinculadas à Era Vargas será feita, com vigor, no plano teórico.

Seja no que toca às formas de convivência e relacionamento entre “povo” e Estado, marcada, em

momentos decisivos da história brasileira, pelo populismo (IANNI, 1988; WEFFORT, 1968),

seja em relação aos padrões de relacionamento entre Estado e economia e, ligado a isto, à forma

dependente e periférica do desenvolvimento nacional (CARDOSO e FALLETO, 2000).

Tais atividades teóricas e analíticas resultariam na construção de um “‘projeto’ difuso que

quer remodelar e retificar a trajetória do país, aprofundando a ocidentalização de sua sociedade e

aproximando-a de experiências e padrões típicos daqueles vigentes em países mais

desenvolvidos” (LAHUERTA, 1999, 235).

Deste modo, poder-se-ia considerar que o “protagonismo” dos intelectuais nos anos 70 e,

principalmente, nos anos 80 “foi possível pela naturalização do programa do grupo de

intelectuais uspiano que se tornou uma espécie de senso comum entre a parcela ilustrada da

cidadania e se constitui na expressão da sociedade civil modernizada pelo regime militar” (Id.,

Ibid., 240).

Entre aqueles que, de um modo ou de outro, se posicionaram favoravelmente ao projeto

do governo FHC de pôr fim a determinados traços da vida social, política e cultural brasileira,

sintetizadas na expressão “era Vargas”, está Barboza Filho (1995).

Esse analista aponta aquele “projeto” do governo FHC como o coroamento político de

um processo estrutural mais geral de transformação da sociedade brasileira, resultante do ciclo de

industrialização pelo qual o Brasil passou ao longo da segunda metade do século XX.

As conseqüências deste ciclo no plano da sociabilidade e das relações Estado-sociedade

no Brasil condenaram à superação os próprios arranjos e pactos políticos que viabilizaram e

sustentaram as forças que imprimiram as direções que o processo de modernização foi

53
assumindo historicamente no país (BARBOZA FILHO, 1995, 110). Isto é, o sucesso da(s)

política(s) empreendida(s) levou à superação e condenaram à extinção não tanto o conteúdo –

urbano-industrializante e modernizador – ou os resultados principais – mudança e ampliação das

bases econômicas nacionais, mas principalmente a forma – autoritária – do processo

modernizador .

E isto não somente por causa da onda favorável à consolidação das instituições

democráticas gerada durante o fim do regime militar ou por causa da vitória eleitoral de um

bloco partidário favorável à superação do autoritarismo. “Enterrar a era Vargas” significava, para

os “paulistas no poder”, bem mais do que um slogan político ou um propósito conjuntural.

Significava levar ao plano nacional – e, consequentemente, tentar reproduzir em larga escala –

um outro tipo de sociedade, ou melhor, de sociabilidade gestada no interior da região mais

intensamente “modernizada” do país. Significava, portanto, dar um passo adiante na

modernização pela indução de transformações no nível federal tendo por base e referência o

“mundo” gerado em São Paulo. “Ou seja, a paulistinização do Brasil” (BARBOZA FILHO,

1995, 119).

Em certo sentido, isto aparece no fato de que os dois partidos que nasceram durante o

período de redemocratização e que mais cresceram e se consolidaram foram, não por

coincidência, o PSDB e o PT, isto é, dois partidos nascidos em São Paulo e que representaram,

cada um a seu modo, a imagem de uma nova sociedade (BARBOZA FILHO, 1995, 124).

O projeto de FHC representaria uma investida dos “paulistas no poder”, ou melhor, dos

paulistas retornando ao centro do poder federal pela eleição, após mais de seis décadas, de um

Presidente da República (BARBOZA FILHO, 1995, 118). A volta de um paulista ao posto mais

alto do sistema político brasileiro não foi, contudo, somente uma reconfiguração das relações de

54
poder político entre as regiões do país, com uma aliança São Paulo-Nordeste, materializada na

coligação PSDB-PFL (FHC-Marco Maciel), que deslocava, até certo ponto, mineiros, cariocas e

gaúchos.

A volta de um paulista à Presidência representava principalmente a formação de uma

nova força hegemônica, ou pelo menos em busca de afirmação hegemônica, que carregava em si

valores e ideais inspirados nas experiências concretas do estado mais desenvolvido, mais

“moderno” poder-se-ia dizer, da federação. Tratava-se de refundar um país marcado pelo

estatismo e organicismo a partir do referencial paulista, isto é, de seu mundo “liberal”

(BARBOZA FILHO, 1995, 123)28.

Do lado dos críticos da pretensão de por fim à “era Vargas”, situa-se Vasconcellos

(1997). De um modo geral, seu livro analisa a trajetória de FHC e sua eleição para a presidência

da República em 1994. O tom é fortemente crítico e o estilo ensaístico. Vasconcellos propõe-se a

mostrar que “a forma pela qual se alcança o poder determina o conteúdo do futuro governo”

(1997, 13).

Desse modo, ele combina uma crítica severa aos meios de comunicação brasileiros com

uma espécie de revisão da história brasileira tal qual esta fora interpretada pela sociologia

uspiana, interpretação esta que rejeitaria o trabalhismo através da crítica ao populismo e

apontaria os entraves ao nacionalismo pela análise da “dependência”. O enterro da era Vargas,

no plano da teoria já estaria sendo feito, portanto, desde pelo menos a década de sessenta em

diante.

A chegada ao posto máximo da política brasileira através de uma aliança com a direita e

o amplo uso dos meios de comunicação e do marketing, nos quais o Real transformou-se no

28
Outra análise favorável a FHC encontra-se em Lafer (2009).

55
principal cabo eleitoral de FHC, é inserida no quadro mais amplo da formação e trajetória deste

último assim como da sociologia paulista desenvolvida na USP.

A “forma”, isto é, a aliança à direita, apoiada pela grande mídia assim como a trajetória

anti-getulista, teria “determinado”, assim, o “conteúdo” do governo FHC: a reprodução do que

Vasconcellos chama de “capitalismo videofinanceiro” associado à proposta de enterro político

das tradições herdadas da era Vargas.

A trajetória anti-getulista de FHC – e da sociologia uspiana de modo geral – expressar-se-

ia pela desconsideração da herança nacionalista e do trabalhismo varguista, condenados no plano

teórico e destinados ao desmonte após a vitória de FHC nas eleições de 1994. Com esta vitória, a

história daria uma espécie de giro:

Com FHC em 1994 o projeto universitário paulistocêntrico de Armando


Salles de Oliveira realiza o sonho de 1934. As letras e as ciências sociais
da USP dão o revide contra Getúlio Vargas e a Revolução de 30
(VASCONCELLOS, 1997, 44).

Além disso, Vasconcellos afirma que a própria maneira como FHC analisou o regime

militar já indicava sua posição em relação às questões centrais do país. Ao colocar como

problemática central a ser resolvida a oposição autoritarismo x democracia, FHC teria

escamoteado a verdadeira face do regime militar, ou seja, sua natureza “entreguista”.

Ao se constatar que durante o regime militar houve crescimento econômico, tratar-se-ia

agora de combinar tal crescimento com a revitalização da democracia. Sendo assim, a

redemocratização bastaria como bandeira de luta dos setores progressistas da sociedade

brasileira, não precisando ser combinada com qualquer reivindicação mais forte no sentido de

fortalecer a soberania nacional ou dar continuidade à luta encampada pelo trabalhismo. Desde

“que o autoritarismo seja eliminado, não importa se permanece a condição subalterna da

56
sociedade brasileira” (VASCONCELLOS, 1997, 42-3). O governo FHC representaria, assim, a

continuidade do “entreguismo”, mas agora sob um regime democrático29.

Outros dois críticos que procuram apontar as linhas de continuidade entre as idéias de

FHC e seus posicionamentos políticos posteriores são Batista Jr. (1999) e Velasco e Cruz (1999).

Ambos afirmam que a “teoria” da dependência já revelaria o posicionamento de FHC em relação

à forma de inserção da economia brasileira no sistema econômico mundial. A “ideologia da

globalização” seria uma atualização e “radicalização do habitual posicionamento internacional

das camadas dirigentes locais” (BATISTA JR., 1999, 217), ou seja, de inserção subordinada em

um mundo “globalizado”.

Velasco e Cruz critica algumas ambigüidades no discurso de FHC sobre a globalização.

Analisando discursos, conferências e entrevistas de FHC em relação à globalização, ele afirma

que ao mesmo tempo em que o Presidente apontava que se tratava de um fenômeno novo e

inescapável, ele também, em outros momentos, defendia que a lógica dos fenômenos objetivos –

internacionalização do sistema produtivo, que dos anos 1980 em diante seriam chamados de

“globalização”, já teriam sido identificada pelos estudos sobre dependência e desenvolvimento.

Velasco e Cruz então indaga: se a lógica da “globalização” já teria sido identificada

naquela época, então ela não é um fenômeno novo, como FHC mesmo teria afirmado. Se ela não

é um fenômeno novo, por que então trocar uma categoria amplamente discutida e, até certo

ponto, analiticamente depurada – “dependência”, que constitui também uma das grandes

contribuições do pensamento latino-americano ao entendimento da realidade social, por uma

expressão vaga – “globalização” – e eivada de polêmicas e imprecisões? (VELASCO E CRUZ,

1999, 232). A preferência pelo emprego do termo “globalização” se justificaria porque ela é um

29
Para uma posição intermediária, porém crítica, neste debate sobre proposta de superação da “era Vargas”, cf.
Santos (2006).

57
“poderoso dispositivo retórico, o qual é sistematicamente usado na produção de razões que

justificam aspectos diferentes de uma política – como toda política – contraditória” (VELASCO

E CRUZ, 1999, 238-9). Mesmo assim, apesar da mudança de termos, seria “possível afirmar que

Fernando Henrique Cardoso pratica a dependência que teorizou no passado” (VELASCO E

CRUZ, 1999, 243).

José de S. Martins considera também que a “lógica da globalização” já fazia parte das

preocupações e estudos do grupo de pesquisadores uspianos do qual FHC fez parte nos anos

1960. Havia, nesse grupo formado em torno de Florestan Fernandes, a intenção de mapear

sociologicamente as possibilidades abertas ao Brasil pelo processo de modernização em curso.

Entre os resultados principais desses estudos, estão as análises em torno da questão da

dependência. Contudo, com “a passagem da teoria da dependência para a teoria da globalização

não houve uma ida para a direita, porque aquela não era, necessariamente, uma perspectiva de

esquerda, e nem a atual perspectiva é, necessariamente, uma perspectiva de direita”

(MARTINS(a), 1997, 153).

A imagem do governo FHC que se fixaria, contudo, era a de um governo de direita,

afinado com os grandes interesses financeiros, nacionais e internacionais, e, assim, disposto a

não somente enterrar a “era Vargas”, mas também grande parte da herança das lutas por uma

inserção internacional menos dependente do país. Neste contexto, sua própria carreira política e

produção acadêmica seriam consideradas como uma predisposição para a adoção de uma

plataforma de reformas neoliberais.

A fixação dessa imagem terá como um de seus grandes momentos os debates travados,

pela grande imprensa escrita, em torno do significado da candidatura FHC. Antes, porém, de se

examinar mais detidamente tal debate, é importante ressaltar que a pretensão de enterrar a “era

58
Vargas” não era uma bandeira empunhada somente por FHC, mas também por outros

intelectuais acadêmicos. Tais debates serão expostos a seguir.

2.1.2 Desaguadouro das pretensões

A linha de análise que põe em relevo a trajetória de um grupo de intelectuais – paulista e

uspiano – como portadores de um conjunto de pretensões que convergiam na crítica e proposição

da superação da “Era Vargas” levanta algumas questões e pode ser explorada a partir da análise

de dois importantes debates ocorridos na primeira metade da década de 1990. Tais debates

colocaram em primeiro plano as intenções e ações concretas do bloco político vencedor das

eleições presidenciais de 1994, isto é, seu projeto no sentido estrito do termo.

Por debate, entende-se aqui a intervenção pública – via revistas acadêmicas, jornais de

grande circulação nacional ou quaisquer outros meios de comunicação – de intelectuais, ligados

ou não a algum partido político, posicionando-se em relação a alguma grande questão nacional

do momento e/ou respondendo a outros intelectuais com posições teóricas e/ou políticas

diferentes.

Por ser um clima de confrontação de idéias e valores é que se fala aqui de debate, em

sentido lato, portanto. A reconstituição, ainda que incompleta, desses debates expõe o nível de

protagonismo político dos intelectuais brasileiros pós-redemocratização. Como a crise dos anos

oitenta implicou (i) um altíssimo grau de exposição da estrutura social brasileira, isto é, de suas

mazelas e contradições; e (ii) a resolução e consolidação do regime político que estava surgindo

após o fim da ditadura ainda não havia chegado ao fim, os intelectuais tinham à sua frente uma

rara oportunidade de discutir – e influenciar, mesmo que minimamente – os rumos concretos do

processo político tematizando as grandes questões nacionais. Não perderiam a oportunidade.

59
Dois debates são interessantes aqui. O primeiro girou em torno do plebiscito para a

escolha da forma e regime de governo brasileiro. A “opção parlamentarista” (LAMOUNIER,

1991) foi levada a sério, apesar da longa tradição presidencialista brasileira, por alguns reputados

especialistas do ramo. E não somente por especialistas brasileiros, na medida em que em seus

estudos comparativos sobre processos de transição democrática, Linz e Stepan, por exemplo,

afirmam que os primeiros 77 artigos da Constituição Federal de 1988 foram escritos tendo-se em

mente a adoção do Parlamentarismo (LINZ e STEPAN, 1999, 206-7).

Além disso, a possibilidade de adoção do parlamentarismo no Brasil foi incluída, até

certo ponto, nos cálculos políticos de importantes atores políticos. O PT, o próprio Lula

inclusive, e setores do PSDB faziam planos de se coligarem caso o parlamentarismo fosse

escolhido como regime de governo (DIMENSTEIN e SOUZA, 1994, 51-2).

Em que medida tais movimentações, teóricas e políticas, tinham efetivamente força para

se tornarem dominantes é questão que não será examinada aqui. O que interessa dessas

discussões em torno da forma e do sistema de governo é o debate em si, que, se por um lado

terminou por restringir-se a questões específicas da estrutura político-institucional brasileira,

como o sistema eleitoral (NOGUEIRA, 1998, 144), acabou incluindo também, por outro, a

análise crítica das relações entre o “modelo institucional dos anos 30 e a presente crise

brasileira” (LAMOUNIER, 1992).

A eleição de Collor para a Presidência e o plebiscito marcado para 1993 representaram

grandes oportunidades para alguns daqueles que defendiam a superação da “era Vargas”

intervirem na cena pública – acadêmica pelo menos – com uma forte carga de crítica.

Não há como não associar, por exemplo, a crítica de Lamounier, um dos maiores

promotores do parlamentarismo no Brasil, ao consocialismo exacerbado “na esfera eleitoral-

60
partidária” e ao “presidencialismo plebiscitário” à desditosa experiência Collor, que tentara

governar apoiado somente em sua popularidade e ao largo – e acima – dos partidos políticos. A

via apontada para superar tais problemas seria a combinação entre parlamentarismo e

representação proporcional, cuja oportunidade de se concretizar seria o plebiscito marcado para

1993 (LAMOUNIER, 1992, 40).

Tal debate contou também com o apoio de importantes personagens políticos de

formação acadêmica. Líderes importantes do PSDB, como FHC e José Serra, dedicaram-se a

elaborar panfletos nos quais expunham, mais didaticamente, as principais características do

Parlamentarismo e as razões para adotá-lo no Brasil30.

A manutenção da República presidencialista, no plebiscito de 1993, encerraria o debate

Parlamentarismo x Presidencialismo, imprimindo-lhe outra direção: a da análise do desempenho

do sistema político brasileiro como um todo, focando principalmente, mas não somente, nas

relações Executivo x Legislativo, e/ou no desempenho de governos específicos, através

principalmente da análise de políticas públicas.

Outro debate, mais curto e pontual, deixaria um legado maior. Ele seria travado quando

do lançamento do Plano Real, em meados de 1994, momento em que a candidatura do PSDB se

viabilizaria politicamente na figura de FHC.

Esse debate foi travado pela imprensa escrita e focava as implicações possíveis, para os

rumos do país, da eleição de FHC. Tal debate indica duas conclusões importantes quando se leva

em consideração a interpretação da realidade brasileira forjada pelo grupo de intelectuais

uspianos, FHC à frente: 1) o consenso em torno do programa ou “projeto” construído pelos

30
Cf. Cardoso (1990), que escreve um livreto de introdução à social-democracia no qual expõe, moderadamente, sua
posição à favor do parlamentarismo; e Cardoso e Serra (1992), que também escreveram um livreto dedicado
especificamente à defesa do parlamentarismo no Brasil.

61
intelectuais paulistas e uspianos não era tão sólido31; 2) a hegemonia neoliberal, mais do que

qualquer projeto intelectual difuso, seria o determinante central para os rumos assumidos pelas

reformas durante o governo FHC.

Este último poderia até ter, como publicamente o manifestou, a pretensão de enterrar a

“Era Vargas”. Ele poderia até ter alimentado tal pretensão desde os tempos de juventude. A

proposta de enterrar a “Era Vargas” pode ter suas raízes e fundamentos teóricos nas atividades

acadêmicas de um importante grupo de intelectuais nos anos sessenta e setenta. Contudo, a

concretização de tal pretensão dar-se-ia num contexto histórico de redefinição das prioridades e

reavaliação das experiências brasileiras relativas a seu processo de desenvolvimento, em um

ambiente marcado por uma crescente hegemonia neoliberal.

Situada historicamente em tal contexto, a pretensão de enterrar a “Era Vargas”,

alimentada por décadas, atuaria não tanto como um projeto, mas antes como uma predisposição,

por parte de FHC e seu grupo acadêmico de origem, que facilitaria o processamento e a

concretização de um programa de reformas com altos graus de afinidade com o neoliberalismo.

Não se afirma aqui que FHC estivesse “predestinado” ao neoliberalismo. Mas antes que

sua disposição reformista convergiu para um programa de governo que acabou se concretizando

com forte dose de neoliberalismo. Como se mostrou no capítulo 1 desta dissertação, a

candidatura FHC começou a ser construída paralelamente à elaboração do Plano Real, cujas

medidas necessitavam de apoio político, apoio este encontrado no PFL. Selando tal aliança,

dificilmente FHC escaparia de um posicionamento – próprio ou atribuído pela oposição – mais à

direita do espectro político.

31
Cf., por exemplo, a crítica tardia, em relação aos debates aqui considerados, às análises do populismo de Weffort e
Ianni feitas por Ferreira (2001, 321-377).

62
O debate na imprensa começou na época do lançamento oficial do Plano Real, em 1° de

julho de 1994. Em 19 de junho do mesmo ano, o então tesoureiro da campanha do PSDB,

Bresser-Pereira, publica artigo intitulado “O real e o ciclo político” (Folha de S. Paulo,

19/06/1994), no qual defende a candidatura de FHC dizendo que não é somente esta última que

depende do êxito do Plano Real, mas que o próprio êxito deste plano também depende da

candidatura – e, é claro, da vitória – de FHC, pois este já estaria consciente das medidas a serem

tomadas, como a disciplina fiscal e monetária, as quais até poderiam elevar um pouco o

desemprego, mas assegurariam o sucesso do plano e da estabilização.

A primeira reação de peso a essa defesa de Bresser-Pereira da candidatura proposta por

seu partido veio mais ou menos duas semanas depois. O cientista político José L. Fiori publica

aquela que seria, provavelmente, a análise mais polêmica do significado da candidatura de FHC.

Elevando o tom do debate, ele contrapõe-se a Bresser-Pereira afirmando que “o real não foi

criado para eleger FHC, FHC é que foi concebido para viabilizar no Brasil as teses do Consenso

de Washington” (FIORI(a), 1994).

Isto por que, reconhecendo os efeitos negativos, praticamente desastrosos, das medidas

neoliberais a serem implementadas, os defensores do Consenso de Washington passaram a

reconhecer que o sucesso na implementação de tais medidas dependia de fatores políticos.

Assim, segundo Fiori (1994), programas políticos neoliberais seriam formulados com base na

justificativa de que seus efeitos deletérios seriam passageiros e necessários a fim de se alcançar

um bem maior, a médio e longo prazo.

Contudo, o que melhor explicaria a situação do capitalismo brasileiro bem como as

posições políticas de FHC naquele momento seriam “seus próprios ensaios sobre o empresariado

industrial e a natureza associada e dependente do capitalismo brasileiro, datados dos anos 60”

63
(FIORI(a), 1994). Tendo em vista que a base tríplice – Estado, burguesia nacional e

multinacionais – sobre a qual se apoiou o desenvolvimento brasileiro dos anos 50 até os anos 70

necessitava ser reconfigurada, em tempos de globalização financeira, FHC teria resolvido

acompanhar a posição do seu velho objeto de estudo, o empresariado brasileiro, e


assumiu como um fato irrecusável as atuais relações de poder e dependência
internacionais. Deixou seu idealismo reformista e ficou com seu realismo
analítico abdicando dos ‘nexos científicos’ para se propor como ‘condottiere’ da
sua burguesia industrial, capaz de reconduzi-la a seu destino manifesto de sócia-
menor e dependente do mesmo capitalismo associado, renovado pela terceira
revolução tecnológica e pela globalização financeira (FIORI(a), 1994).

Respondendo a tal crítica, Bresser-Pereira intervém uma vez mais em defesa de seu

companheiro de partido. Publica, uma semana depois, o artigo “Consenso do atraso”, no qual

repudia as posições de Fiori. Afirma que a candidatura FHC representa, no Brasil, “uma síntese

entre a visão nacional-desenvolvimentista e as idéias neoliberais do Consenso de Washington.

Uma síntese social-democrática e pragmática” (Folha de S. Paulo, 10/07/94).

O próprio FHC responderia a Fiori também, afirmando que este teria cometido uma

“falácia ecológica” ao reduzir sua candidatura a uma mera expressão do Consenso de

Washington no país: "Chega de artificialismos e de estereótipos conspiratórios deste tipo",

escreveu FHC em sua defesa (Folha de S. Paulo, 24/07/94, Cadernos Mais!, 3-6). Ele se

contrapôs também a muitos críticos que só estariam vendo “o neoliberalismo como alternativa às

ideologias presas a um passado em extinção, nacional-autoritário, nacional-popular ou nacional-

desenvolvimentista”. O que ele estaria tentando articular era uma alternativa que não estaria

presa nem ao passado brasileiro nem em total afinidade com o neoliberalismo (Folha de S.

Paulo, 24/07/94, Cadernos Mais!, 3-6).

Outra réplica à tese de Fiori foi elaborada pela cientista política Lourdes Sola, que

questionou o maniqueísmo na análise das propostas de FHC, ou seja, a exclusão de qualquer tipo

64
de terceira alternativa, para além do bem e do mal (SOLA, 1994, 42). Ela questiona também as

deduções de Fiori a respeito da formação das coalizões políticas no Brasil, principalmente a tese

segunda a qual estas últimas foram arquitetadas “fora do país” e “correspondem a um cálculo

estratégico das instituições que representam o Consenso de Washington” (SOLA, 1994, 43). A

coalizão PSDB-PFL não representa a mesma aliança política conservadora que permaneceu no

poder durante as décadas anteriores. Além disso, PT e PMDB terão também “que se definir” e

“produzir rapidamente não apenas um programa de estabilização, mas também de reformas

liberalizantes” (SOLA, 1994, 50).

Bresser-Pereira sustentaria o debate, ainda, pela publicação do artigo “O fim do

triunfalismo neoliberal” (Folha de S. Paulo, 17/07/94), no qual responde, uma vez mais, aos

críticos da candidatura FHC, só que agora de um modo mais indireto, menos reativo e mais

propositivo. Segundo Bresser-Pereira, com o enfraquecimento do neoliberalismo em outras

partes do globo, “a tarefa fundamental”, do Brasil e da América Latina de modo geral, “continua

a ser a de reformar o Estado”, quer dizer, superar a crise fiscal e “implementar reformas

econômicas orientadas para o mercado, privatizando, desregulamentando e liberalizando o

comércio”. Esta seria a grande diferença do programa do PSDB e sua coligação em relação ao

PT: “Fernando Henrique quer reformar o Estado, Lula e o PT imaginam poder reformar a

sociedade” (Folha de S. Paulo, 16/07/94).

Essa polêmica envolvendo intelectuais acirrou a disputa eleitoral, transposta agora ao

plano intelectual e acadêmico. Assim, a deputada federal do PT e renomada economista Maria da

Conceição Tavares endossou a tese crítica de J. L. Fiori. Em direção semelhante foi João M.

Cardoso de Melo, também economista e coordenador do programa econômico de Orestes

Quércia (PMDB). Já o cientista político Roberto Mangabeira Unger, ligado à época ao candidato

65
Leonel Brizola, do PDT, radicaliza a crítica ao Plano Real afirmando que este estaria à direita do

Consenso de Washington (Folha de S. Paulo, 15/08/94)32.

Em suma, a polêmica envolvendo as implicações do Plano Real e, principalmente, da

candidatura Cardoso à Presidência alimentariam o imenso debate sobre os rumos da crise do

nacional-desenvolvimentismo no Brasil e sua resolução via adoção de um programa neoliberal

de reformas. Tal debate estender-se-ia por todo o governo FHC, estabelecendo uma espécie de

padrão de crítica às suas principais realizações.

À auto-imagem, fomentada pelo Presidente e pelos seus principais escudeiros – Bresser-

Pereira entre eles –, de um governo pragmático e pautado pela ética da responsabilidade diante

de desafios históricos colocados à nação brasileira33, a oposição – política e/ou acadêmica - não

perderia nenhuma oportunidade de contrapor e difundir a imagem de um governo submisso ao

mercado financeiro internacional.

Quer dizer, ao longo de seus dois mandatos, o presidente FHC, bem como toda sua

equipe, teria que enfrentar e responder a várias críticas que, em um momento do debate ou em

outro, remeteriam à imagem resultante daquela “polêmica original”, digamos assim, travada

quando do lançamento oficial do Plano Real e da viabilização política da candidatura FHC.

Tal polêmica acirrou as posições e oposições, desaguando na associação – mesmo antes

de FHC vencer as eleições – da candidatura e, depois, do governo FHC ao neoliberalismo. Em

que extensão e profundidade e em que momento(s) o governo FHC adotou ou não medidas

neoliberais já é outra questão, que não poderia ser tratada aqui para não se escapar do escopo do

trabalho.

32
Algumas das principais intervenções nesse debate sobre o caráter do governo FHC foram reunidos em Fiori(b)
(1994).
33
Cf. o já citado Discurso de despedida do Senado Federal.

66
Em todo caso, importantes parcelas da “produção” do governo federal, em termos de

política públicas, durante o período FHC (1995-2002), nasceriam, em maior ou menor grau, com

aquela marca de origem neoliberal.

Entre as políticas públicas, inclui-se, obviamente, a(s) destinada(s) a elevar o

desempenho do governo pela promoção de reformas na administração pública e no Estado de

maneira geral, razão de ser do MARE. Um Ministério criado para “reformar o Estado” não

ficaria de fora das discussões envolvendo o caráter do governo do qual fez parte.

Para completar o potencial de polêmica que cercava a criação do MARE, o titular da

pasta não somente fora um dos mais fiéis escudeiros da candidatura FHC, mas também já havia

declarado, em mais de uma ocasião, sua adesão, ainda que crítica e parcial, ao Consenso de

Washington (BRESSER-PEREIRA, 1992).

Assim, logo após a criação do MARE, o debate travado quando do lançamento do Plano

Real passaria a gravitar também em torno do novo Ministério. Sintomático disto é a publicação

da tese de doutorado de J. L. Fiori, desencadeador do debate acima referido durante a campanha

de 1994.

A tese fora escrita em 1984 e só foi publicada em 1995. Pelo prefácio escrito por Fiori

para essa primeira edição do livro, fica explícito que o propósito principal da publicação de sua

tese, mais de dez anos depois de ter sido ela escrita, era, uma vez mais, intervir na cena pública –

acadêmica pelo menos – colocando-se de maneira crítica em relação ao recém-empossado

governo FHC.

A tese central do livro é um contraponto à visão oficial da crise brasileira adotada pelo

governo FHC, visão essa cuja expressão mais refinada e sistemática encontrar-se-ia,

67
principalmente, nos textos de Bresser-Pereira e nos documentos mais “políticos” do MARE,

como seu Plano Diretor.

Uma vez mais, só que agora partindo de uma análise de maior envergadura sobre a crise

do Estado, isto é, de sua tese de doutorado, Fiori reforça sua crítica ao governo FHC. Na medida

em que este último representou uma convergência em direção à interpretação neoliberal da crise

dos anos 1980, houve também, por implicação lógica, uma “convergência das propostas de

reforma administrativa dos Estados”, uma “mesma visão da crise vista desde uma ótica

gerencial”, difundida por P. Druker, A. Toffler, D. Osborne e T. Glaeber entre outros (FIORI,

1995, xv).

Neste ponto, o debate iria, digamos assim, se “setorializar”, isto é, conforme o governo

FHC foi avançando e propondo reformas mais concretas e específicas e tocando em frente uma

severa política econômica de ajuste fiscal, os debates mais polêmicos girariam, sucessiva ou

simultaneamente, em torno de cada uma dessas propostas ou ações.

Isto não implicou, é claro, o fim das análises e discussões sobre o governo como um todo.

O que houve foi uma espécie de “ramificação” dos debates a partir de um mesmo gérmen

comum: a discussão do caráter neoliberal ou não do governo FHC.

A parte das polêmicas e discussões relativas à reforma do Estado caberia, em grande

parte, ao MARE. Sendo assim, a seguir expõem-se as principais linhas de análise que se

conseguiram em torno da reforma gerencial de 1995.

2.2 Reforma administrativa enquanto política pública

Atendo-se mais especificamente ao debate sobre a reforma gerencial de 1995, pode-se

abordar a bibliografia que se formou em torno dela a partir da consideração daquela reforma

como uma política pública.

68
Dessa perspectiva, reformas administrativas não estão, normalmente, entre as políticas

públicas mais visíveis e polêmicas. Isto por que não envolvem ou não impactam sobre nenhuma

estrutura de distribuição de custos e benefícios – como uma reforma tributária ou previdenciária,

por exemplo – nem exige o aporte de grandes somas de verbas e recursos – como políticas de

saúde e educação, subsídios para setores específicos etc. – para ser implantada, não despertando,

consequentemente, debates mais tensos e intensos sobre a destinação de recursos.

Num sentido geral, as reformas administrativas realizadas quando da mudança de

governo, ou mesmo dentro de um mesmo mandato, envolvem somente alterações de

organograma, substituição de ocupantes de postos-chaves e outras ações de menor porte. Tais

medidas pontuais ficam também circunscritas a cada ministério ou setor da burocracia e tem

repercussão limitada, no tempo e no espaço.

Ao lado dessas medidas pontuais, que só podem ser chamadas de “reformas” no sentido

mais largo do termo, há também aqueles empreendimentos mais sistemáticos, abrangentes e,

dependendo do caso, ambiciosos de alterações em pontos-chaves da administração pública, com

repercussões amplas e duradouras.

No caso de reformas administrativas desse último tipo, há, no mínimo, grandes

expectativas e/ou temores de mudanças, o que normalmente leva os grupos interessados e

diretamente atingidos a se mobilizarem. É essa politização ainda mais evidente das discussões –

politização que acontece também, é claro, com toda política pública – que confere um caráter

diferencial à “reforma do aparelho do Estado”, dando-lhe uma visibilidade que não teria por se

referir a uma atividade-meio do governo.

Além disso, por ser uma atividade-meio, os órgãos responsáveis por ela são normalmente

apenas núcleos de discussão e proposição de projetos e, em outro momento, de avaliação dos

69
resultados, cabendo a implantação das novas propostas a cada ministério específico, detentor de

um conhecimento mais concreto e imediato e de autoridade sobre cada área.

Isso tudo faz com que a política de gestão do governo seja, na maior parte dos casos,

secundária e complementar em relação às políticas públicas capitaneadas pelos ministérios

dotados de maior poder de gasto (como o da Saúde e da Educação, por exemplo) ou que

condicionem este poder (como o do Planejamento e da Fazenda) (BARBOSA e SILVA, 2008,

58).

Em suma, tudo isso faz com que ela seja uma política pública mais discreta, no que tange

sua visibilidade, e suave, no que tange seus impactos concretos sobre interesses cristalizados.

Algo diferente ocorreu, portanto, com o MARE.

No que toca a literatura formada em torno da reforma gerencial, pode-se apontar pelo

menos quatro grandes perspectivas de análises:

(1) aquelas que focaram em uma das etapas do policy cicle (decisão, formulação,

implementação, avaliação) da reforma gerencial de 1995, situando-se, assim, a meio caminho

entre a ciência política e a administração pública. Neste ponto, deve-se lembrar da revisão de

literatura de Abrúcio e Pó (2002) e a de Souza e Araújo (2003), que fizeram, com metodologias

diferentes, levantamentos sistemáticos da produção científica sobre gestão pública no Brasil com

o intuito de avaliar os impactos da reforma gerencial sobre os debates e tendências daquele

campo de conhecimento;

(2) teses e dissertações acadêmicas na grande área das ciências sociais, que representam

uma ressonância e difusão de uma visão crítica, que deriva sua posição em relação ao MARE da

avaliação de que o governo FHC foi neoliberal. A literatura aqui é relativamente ampla.

Exemplares desta tendência e perspectiva são Carvalho (2002) e Costa (2000);

70
(3) análises intermediárias entre (1) e (2), que enfatizam e analisam fases específicas do

ciclo de políticas públicas, mas também elaboram críticas gerais e apontam os problemas

principais da reforma gerencial, não se restringindo, portanto, a questões técnicas e específicas

(ABRÚCIO e COSTA, 1998; MARTINS, 2003; CAPELLA, 2006; REZENDE, 2004; MELO,

2002; BARBOSA e SILVA, 2008);

(4) um quarto e último grupo de textos são os do ex-ministro, Bresser-Pereira (1997;

1998; 2005a; 2005b; 2008), que procurou, e ainda procura, naturalmente, apontar os resultados

positivos da reforma gerencial e os obstáculos e dificuldades que enfrentou para implantar a

reforma.

Como o propósito desta dissertação não é avaliar substancialmente os resultados da

reforma de 1995, nem apresentar uma nova revisão de literatura sobre a temática, a discussão

abaixo apenas tenta explorar a hipótese da qual este trabalho parte à luz de algumas discussões

que já foram feitas em torno de questões consideradas aqui relevantes para o argumento central

da pesquisa.

2.3 Reforma gerencial: ideologia de um governo?

A crise do nacional-desenvolvimentismo revigorou o campo de debates em torno das

questões mais cruciais da formação nacional e do processo de modernização brasileiro. Tal

debate se estendeu dos anos oitenta até pelo menos os anos noventa, sendo que, conforme as

reformas da era FHC foram avançando e, assim, tornando-se irreversíveis, tal debate foi

arrefecendo.

Nesse contexto, a criação de um ministério destinado a empreender uma “reforma do

Estado”, com um ministro “militante” em busca de legitimação para suas propostas, propiciou a

elaboração de uma dada interpretação geral da crise do Estado e da administração pública no

71
Brasil, a partir da qual os esforços do governo FHC no sentido de pôr fim a “Era Vargas” foram,

em parte, sistematizados e justificados.

A partir da elaboração dessa interpretação geral, cuja expressão mais acabada é o Plano

Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (1995), a estratégia de Bresser-Pereira (MARE e sua

cúpula) era realçar a importância de seu ministério dentro do esforço maior do governo federal

de empreender a aplicação de sua ampla plataforma de reformas no país.

Nesse esforço de elaboração de uma visão geral, a atuação do Ministro da Administração

acaba por atrair para si e para seu Ministério boa parte das discussões que até então estavam, em

maior ou menor grau, dispersas. Isto tornou o MARE um dos centros de gravitação dos debates

em torno da crise e das propostas de reforma do Estado e, consequentemente, elevou seu grau de

visibilidade muito acima do normal – para uma reforma administrativa – e tornou suas ações

muito mais polêmicas e cercadas de críticas.

Uma pesquisa que se aproxima de tal problemática é a de Capella (2006), que, partindo

do modelo da agenda-setting de análise de políticas públicas, defende a tese de que a existência

do MARE fazia parte de uma estratégia simbólica deliberada, destinada a difundir uma imagem

específica do governo FHC. Nessa perspectiva de análise, o alto grau de visibilidade da reforma

administrativa de 1995 foi promovido pelo governo, que teria empreendido

esforços explícitos e ambiciosos para elevar a discussão em torno da


administração pública ao status de uma questão de interesse nacional,
promovendo plena visibilidade às ações reformistas, a partir da constituição, pela
primeira vez na história administrativa brasileira, de um Ministério específico
para conceber planejar e executar políticas específicas para a administração
pública (CAPELLA, 2006, 1).

Contudo, diante de tal tese, pode-se levantar alguns questionamentos: de quem foram,

efetivamente, os “esforços explícitos e ambiciosos” no sentido de tornar a reforma administrativa

72
“uma questão de interesse nacional”? Do governo como um todo? Do presidente? Ou de um

ministro em busca de seu espaço e de legitimação?

Continuando, Capella sintetiza seu argumento desse modo:

Nossa tese central consiste na idéia de que a reforma entrou na agenda porque
uma decisão política, deliberada, do governo Cardoso em sustentar uma
proposta que pudesse comunicar os valores básicos do governo a diferentes
atores. A dinâmica das idéias, a produção simbólica e o processo de
argumentação são centrais para o entendimento do processo de entrada do tema
da reforma administrativa na agenda governamental (CAPELLA, 2006, 3,
itálico da autora).

Tendo em vista as dificuldades e desconfianças que o ministro Bresser-Pereira encontrou

dentro do governo e a partir do próprio Presidente (MARTINS, 2003, 157), desde o surgimento

do MARE até sua extinção, cabe questionar se a criação desse ministério fez parte, realmente, de

uma estratégia “deliberada” destinada a “comunicar os valores básicos do governo”, na medida

em que os valores básicos defendidos pelo MARE, através de seus documentos oficiais, não

eram necessariamente os mesmos do chamado “núcleo duro” do governo34, constituído pelos

Ministérios responsáveis pelo ajuste fiscal e pela administração da nova moeda, como o

Ministério da Fazenda, o Banco Central e a Casa Civil.

Capella afirma ainda que

Entendemos que a reforma administrativa do governo Cardoso se constitui no


domínio privilegiado da retórica e da ação simbólica (...), e não da produção de
resultados concretos e verificáveis”. A reforma administrativa é, assim,
“essencialmente política” (3). (...) “Nossa perspectiva neste estudo consiste em
compreender a reforma – e a própria administração pública – como uma questão
essencialmente política (...) [que se refere] à luta pela consolidação e difusão de
idéias e representações sobre o Estado. (...)“Em suma, esta tese tem como
objetivo analisar como o tema da reforma da administração pública é alçado à
agenda governamental durante o governo Fernando Henrique Cardoso,
constituindo-se num veículo de persuasão e divulgação sistemática do ideário
político deste governo (CAPELLA, 2006, 4-6, grifos nossos).

34
Cf., para este ponto, a pesquisa de Rezende (2004), que explica a extinção e “falha seqüencial”, isto é, a não
continuidade da reforma administrativa tal qual fora concebida pelo MARE, pelo conflito estabelecido entre os
objetivos da mudança institucional e os do ajuste fiscal, estes últimos dominantes no primeiro governo Fernando H.
Cardoso (1995-1998).

73
Indo em uma direção ligeiramente diferente de Capella, aqui se defende que os efeitos

retóricos e os impactos simbólicos do MARE não foram resultantes de uma decisão tão

“deliberada” assim, mas antes o resultado, digamos assim, colateral dos esforços de Bresser no

sentido de legitimar seu projeto.

A “consolidação e a difusão de idéias e representações sobre o Estado” foi um dos

resultados alcançados pela reforma, mas não sua razão de ser. As propostas do MARE eram

“para valer”, digamos assim, e não somente lances discursivos em uma batalha simbólica. Se os

resultados alcançados apresentaram-se principalmente no campo simbólico, isto foi resultante da

dificuldade de se implantar uma reforma em conflito, ou pelo menos com insuficiente acordo e

consenso, com os setores dominantes intra-governo.

A proposta original do MARE era empreender uma reforma em três dimensões:

institucional-legal, cultural e gerencial (Plano Diretor, 1995, 25-40; BRESSER-PEREIRA,

1998, 23-6). Se o impacto principal do MARE ocorreu no plano cultural (ABRÚCIO, 2007, 73)

– difusão de novos valores e conceitos, não se pode negar que nas outras duas dimensões houve

mudanças significativas, como a promulgação de uma Emenda Constitucional (institucional-

legal) e a criação de novas figuras jurídicas, como as Agências Executivas e as Organizações

Sociais, as quais não avançaram, principalmente, devido à ausência de estímulos adequados

diante do modelo organizacional alternativo das agências reguladoras, dotadas de maior

autonomia e, assim, mais atraentes (PÓ e ABRÚCIO, 2006).

Se os resultados da reforma administrativa ficaram aquém do esperado, foi por causa de

um ambiente adverso, dentro e fora do governo, ambiente este que se tornou ainda mais adverso

exatamente por causa do peso simbólico representado pelo MARE enquanto foco de atenção de

parte dos críticos do neoliberalismo do governo FHC.

74
Portanto, as eventuais funções simbólicas que o MARE venha a ter cumprido – e de fato

cumpriu – não fizeram parte de uma estratégia deliberada do governo FHC. Se houve alguma

estratégia de difusão de novos valores e idéias, ela foi articulada pelo ministro Bresser-Pereira e

sua equipe, mas não pelo governo como um todo, o qual, pelo contrário, era um dos alvos

daquela estratégia, e não um de seus focos difusores: “Agora cabe ao Ministro Bresser

convencer o Governo, o Congresso e a Sociedade”, teria dito o então Presidente FHC na

“reunião solene de lançamento do Plano Diretor” do MARE (MARTINS, 2003, 154, grifos

nossos).

Outros dois trabalhos que vão em direção semelhante, ou seja, que acentuam de maneira

crítica o papel do MARE e, principalmente, de Bresser-Pereira no sentido de promover uma

espécie de justificativa geral da plataforma de reformas do governo FHC, constituindo-se, desse

modo, no principal lócus de produção da ideologia oficial, são os artigos de Andrews e Kouzmin

(1998) e de Oliveira (2002).

O primeiro artigo, de Andrews e Kouzmin, apresenta uma forte crítica às idéias da nova

administração pública por meio de uma análise do discurso elaborado por L. C. Bresser-Pereira

enquanto ministro da Administração Federal. A tese central do artigo é que o discurso construído

por este ministro visava, antes de tudo, dissociar as idéias e propostas da administração gerencial

da teoria da Escolha Pública (que estaria na base das principais propostas de tal linha da

administração pública), pois esta, por ser a principal expressão teórica dos setores conservadores,

não contaria com uma boa imagem perante muitos setores da sociedade.

Além da busca de dissociação entre a Nova Administração Pública (NAP) e teoria da

Escolha Pública, haveria, segundo os autores, um esforço para apresentar as idéias da NAP como

75
isentas de ideologia e afinadas com as novas necessidades do tempo presente, marcado pela

globalização.

Lembrando que “a reforma administrativa brasileira não concebe a atual crise como uma

crise do capitalismo, mas como uma ‘Crise do Estado’”, os autores mostram que esta leitura da

crise leva a um diagnóstico no qual quase todos os principais pontos da reforma administrativa

brasileira então proposta pelo MARE estariam “baseados nos pressupostos teóricos da Escolha

Pública” (ANDREWS e KOUZMIN, 1998, 100).

Tomando o texto “A reforma do Estado nos anos 90: Lógica e Mecanismos de controle”,

de Bresser-Pereira (1997), a análise do discurso é então realizada com o objetivo de mostrar que

o discurso sobre a reforma administrativa apresentado pelo governo brasileiro -


especialmente como ele aparece nos artigos do ministro Bresser-Pereira - utiliza-
se de atos da fala com a intenção de produzir efeitos perlocucionais, sendo que o
principal efeito perlocucional desejado é produzir a impressão de que a
administração gerencial é uma proposta progressiva. Para que esta estratégia
tenha sucesso, o contexto da reforma administrativa é transformado numa
construção artificial introduzida no próprio discurso, de forma que o ouvinte seja
induzido a aceitar este contexto ‘construído’ como ele é apresentado pelo emissor
do discurso” (ANDREWS e KOUZMIN, 1998, 102).

Já o texto de Oliveira (2002) é mais polêmico e combativo do que acadêmico, no sentido

rigoroso do termo. Analisando o livro Reforma do Estado para a cidadania (1998)35, de Bresser-

Pereira, Oliveira afirma que ele se trata do “documento da ideologia do governo FHC”, uma

espécie de “manual do governo Fernando Henrique Cardoso”. Bresser-Pereira seria, portanto, o

“ideólogo mais eminente e representativo do governo FHC” (Oliveira, 2002, 140).

Tal interpretação da atuação de Bresser-Pereira pode ser considerada apenas em parte

adequada. Por um lado, o ex-ministro do MARE tentou, em várias ocasiões, elaborar tanto uma

35
No artigo citado, Oliveira refere-e ao título do livro como “Reforma do Estado e cidadania”. Contudo, pela
referência às editoras, ao ano e às idéias discutidas, não há dúvida que se trata do livro Reforma do Estado para a
cidadania, constatando-se, assim, apenas uma pequena incorreção de escrita.

76
visão geral quanto fundamentar – técnica e politicamente – a necessidade e legitimidade das

reformas do governo do qual fez parte36.

Por outro lado, pode-se afirmar que Bresser-Pereira não buscou, pura e simplesmente,

justificar a todo preço o governo FHC, na medida em que procurou desenhar propostas que iam

além do império do ajuste fiscal (REZENDE, 2004). Ele buscou muito mais legitimar a reforma

que propôs e suas ações e decisões do que articular uma legitimação pura do governo. Além

disso, essa disposição de Bresser-Pereira de colocar-se como uma espécie de arauto de uma visão

ou versão da social-democracia no Brasil vem de antes do governo FHC37.

O que há de comum entre essas duas análises – de Andrews/Kouzmin e Oliveira – é a

caracterização dos textos de Bresser-Pereira como ideologia no sentido marxista: falseamento da

realidade. O procedimento da análise crítica foi basicamente o mesmo também: escolha de um

texto considerado representativo e, a partir dele, elaboração de uma crítica em termos de

desvelamento dos interesses reais por trás das operações discursivas que estruturam os

argumentos, tematizando aquilo que se considerou elidido nos textos, ou seja, as reais intenções.

Tendo em vista, assim, a importância que as discussões em torno do caráter do governo

FHC tiveram para os debates em relação às propostas da reforma administrativa, a seguir

discute-se as questões relativas ao neoliberalismo da reforma gerencial.

2.4 Afinidades efetivas

O que deu margem a essas interpretações sobre as origens e razão de ser da reforma de

1995 foram, principalmente, suas afinidades com as reformas neoliberais então em curso.

De fato, parte importante das propostas da chamada “nova administração pública”

preenchiam uma lacuna importante no processo de reforma do Estado de perfil neoliberal, na

36
Cf. Bresser-Pereira (1997; 1998; 2005; 2008).
37
Cf. Idem (1992; 1996).

77
medida em que onde não era possível a privatização propriamente dita, as propostas gerenciais

buscavam dar saídas alternativas, mas orientadas pela mesma idéia geral: a saída da crise do

Estado encontrava-se fora deste último, no mercado (privatização) ou na sociedade

(‘publicização’) (FERLIE apud BARBOSA e SILVA, 46).

Não podendo, devido sobretudo a questões técnicas e/ou políticas específicas e cada

contexto nacional, haver a transferência do controle direto de determinadas áreas ou entes do

setor público para o mercado, então a saída era buscar conformar a estrutura e o funcionamento

do aparelho estatal aos padrões e lógica do setor privado. Sob o guarda-chuva dessa idéia geral,

floresceram as mais diversas correntes que constituem antes um “campo de debate” (BENTO,

2003, XIII) que um bloco articulado e harmônico de teorias e propostas práticas, que ficou

conhecido como “Nova Administração Pública”.

Como a experiência brasileira demonstra, a parte mais construtiva dessa corrente de

idéias e de propostas foi, até certo ponto, negativamente comprometida quando promovida em

contextos marcados por uma nítida hegemonia neoliberal. Nesse sentido, o MARE sempre esteve

em uma posição desfavorecida frente aos outros ministérios, não conseguindo ir além de cumprir

um papel marginal e secundário, de reforço da política fiscal praticada no governo FHC.

Assim, se, por um lado, a Nova Administração Pública não está ligada de maneira

estrutural com o neoliberalismo, mas antes seus laços com este são históricos38, quer dizer, o

momento histórico de fortalecimento da Nova Administração Pública coincide com a ascensão

de governos neoliberais, como a de M. Tatcher (1979-1990), na Inglaterra, por exemplo, por

outro lado, não se pode dizer que ela não se insere nesse contexto em afinidade com o

neoliberalismo.

38
Cf. Abrúcio (2005) para uma exposição analítica das principais vertentes da nova administração pública, tomando
o caso britânico como paradigmático.

78
Em si, ela pode não ser neoliberal, mas suas ocorrências históricas sem dúvida nenhuma

têm uma complementaridade acentuada em relação ao núcleo das propostas neoliberais, ou seja,

a redução ou “enxugamento” do Estado, propondo saídas que apontam para o mercado.

Assim, os dois eixos principais da reforma gerencial se localizam no ambiente externo e

estavam pautados pela proposta de transformação do usuário em cliente e em dar aos cidadãos

maiores responsabilidades diretas sobre a comunidade da qual fazem parte e,

concomitantemente, no âmbito interno, transformar as burocracias em organizações

empreendedoras, isto é, mais ativas e criativas e menos reativas a normas, o que implica um

reposicionamento do funcionalismo, no sentido de torná-lo mais próximo dos trabalhadores da

iniciativa privada (BARBOSA e SILVA, 2008, 45).

Em suma, em um momento de desfecho histórico de um processo político fundamental,

como foi a transição brasileira – analisada no capítulo 1 –, com um Presidente da República que

venceu as eleições apoiado em um bloco partidário de centro-direita (PSDB-PFL) e defensor de

uma polêmica plataforma de reformas sociais e econômicas, qualquer movimento em direção à

concretização daquela plataforma envolveria conflitos e discussões.

A criação de um ministério para cuidar especificamente da “Reforma do Estado”,

capitaneado por um economista que tinha sido ministro da Fazenda durante o mais conturbado

período da história brasileira recente e que se colocava como um dos pioneiros do neoliberalismo

no Brasil (BRESSER-PEREIRA, 1992, 18), punha em uma situação muito complicada qualquer

proposta oficial de reforma administrativa, por mais bem intencionada e construtiva que fosse.

O MARE tornou-se, por assim dizer, um ‘alvo fácil’, demasiadamente fácil, de se mirar e

atingir. Contudo, a mira estava apontada não tanto para o pequeno ministério, e sim para o

79
governo FHC como um todo e sua plataforma de reformas, levada a cabo pelo seu “núcleo duro”

e blindado.

É do que o governo FHC fez e significou, historicamente, que a maior parte dos estudos

sobre a reforma gerencial de 1995 parte. A condução da reforma pelo ministro Bresser-Pereira e

sua equipe acentuou tal tendência:

O Mare era um ministério pequeno, com poder muito limitado, mas nós o
transformamos em uma fonte de idéias e em um espaço de debates. Para
isso, além das muitas palestras, escrevi muito (...) Eu brincava com minha
equipe (...), dizendo, “nosso ministério pode ser pequeno e não ter poder,
mas nós transformamos o Mare e a Enap em uma pequena universidade”.
Não era bem verdade, mas indicava o quanto, naquele momento, o poder
do Estado se confundia com o poder das idéias” (BRESSER-PEREIRA,
2008, 29-30, grifos nossos).

Mais precisamente, poder-se-ia afirmar que o que houve foi um intenso uso do “poder

das idéias” como válvula de escape para um Ministério com pouquíssimo “poder do Estado”, isto

é, sem apoios firmes dentro do governo e com escasso poder de controle sobre os recursos vitais

para sua sobrevivência.

Isto explica, em grande parte, por que um Ministério pequeno e que permaneceu

relativamente alheio tanto dos processos decisórios quanto da execução das principais políticas

que efetivamente tiveram impacto sobre o Estado brasileiro (concepção e implantação das

agências reguladoras, privatizações, desregulamentação etc.) atraiu para si e concentrou parte

substancial do debate sobre o Estado – seus papéis e estruturas – no Brasil.

80
Capítulo 3
Reforma administrativa de 1995: uma crônica das origens

Em um contexto de crise e reforma do Estado, a definição das prioridades da agenda

pública, assim como a determinação dos conteúdos das reformas, tornam-se cruciais para todos

os atores e setores da sociedade. Conforme foi avançando, o processo de democratização, em

suas diversas dimensões – político-institucional, social etc. –, teria que se consolidar num quadro

de reformas estruturais de conteúdos novos: não se tratava mais de montar um Estado interventor

que suprisse as carências e falhas do mercado, mas sim de “desconstruí-lo”.

Se os conteúdos eram novos, não eram, contudo, consensuais. Como o principal desafio

da reforma do Estado no Brasil estava em compatibilizar iniciativas em múltiplos planos –

financeiro, administrativo-gerencial e de “democratização do Poder público” (ABRÚCIO e

COSTA, 1998, 14) –, tal compatibilização implicava, inevitavelmente, em escolhas quanto a

prioridades, aliados – e adversários – e custos decorrentes.

A partir deste amplo contexto, neste capítulo, a origem da reforma gerencial de 1995 será

analisada mais detidamente, focando-se nos elementos conjunturais que iluminam o sentido das

decisões tomadas no plano do curto prazo, decisões estas fundamentais para os rumos posteriores

da reforma. Após uma breve avaliação das iniciativas de reforma que foram feitas no período

imediatamente anterior à criação do MARE, a análise se deterá na formulação inicial e nas

iniciativas primeiras do então recém-criado MARE.

O argumento central aqui é o de que o MARE tornou-se altamente visível devido à sua

ação ter se tornado uma política pública de amplas proporções – pelo menos em sua concepção e

ambição –, e não tanto incremental, em um contexto de definição dos conteúdos das reformas

estruturais levadas a cabo pelo governo FHC. Isso levou à crítica das propostas daquele

81
ministério não somente enquanto proposições destinadas a impulsionar e dar sentido a uma

reforma específica, mas também como um dos núcleos das reformas estruturais.

3.1 Quadro geral


A agenda pública brasileira das duas últimas décadas do século XX compunha-se não

somente das reformas destinadas à reconstrução da democracia e à remoção do entulho

autoritário, mas também de iniciativas dedicadas a estabelecer uma nova configuração entre setor

público, setor privado e o emergente terceiro setor.

A persecução desses objetivos gerais estava balizada pela imperiosidade de se atingir e

manter a estabilidade monetária e, ao mesmo tempo, promover uma nova inserção internacional

do país, o que passava pela resolução do problema da dívida externa. Além disso, após a eleição

de Collor, a agenda pública de reformas foi sendo estruturada de tal modo que a reorganização

do aparelho do Estado e a redefinição de suas funções apontavam para a abertura de um ciclo

revisionista da então recém-promulgada Constituição de 1988. Tudo isso articulado ao avanço da

democratização.

Constando-se que a superação da crise não dependia somente de ajustes

macroeconômicos pontuais, mas também da criação de novas instituições – paralela e

complementarmente à reforma das já existentes –, aumentou-se o nível de complexidade da

formulação de soluções para a crise, na medida em que a superação da crise fiscal-financeira

passava pelo aprofundamento do processo de redemocratização, que envolvia não somente uma

revisão das relações Estado-sociedade, mas também uma reestruturação do aparato burocrático.

Isto porque, diante da força das práticas clientelistas e corporativistas no Brasil, criou-se,

ao longo do processo de industrialização, ilhas de excelência no aparato burocrático – como as

empresas estatais – que permitiram, por um lado, sua relativa neutralização em relação a

82
interesses particularistas, mas, por outro, não implicaram a difusão de padrões meritocráticos

para o restante da administração. Pior do que isso, as agências insuladas se autonomizaram em

relação aos centros políticos, configurando uma situação de balcanização (SALLUM e

KUGELMAS, 1991, 149-52). “Com a crise econômica dos anos 80, percebeu-se no Brasil como

o Estado tivera enorme poder para aumentar sua presença direta na economia, porém não

conseguiria minimamente comandar suas empresas” (ABRÚCIO e COSTA, 1998, 9-10).

Em um quadro como esse, “a discussão sobre a accountability vem dar novas dimensões

à democracia” (PÓ e ABRÚCIO, 2006, 680), sobretudo em seu relacionamento com a

burocracia. Contudo, aqui não é o momento para se discutir em maior profundidade tais

questões. O que é importante frisar é a centralidade da questão do Estado e de seu aparato

burocrático nas discussões e ações em torno da consolidação da democracia brasileira.

3.1.1 Antecedentes desfavoráveis


Como já analisado no capítulo 1, de maneira geral a “aventura Collor”, digamos assim,

foi determinante para os rumos da redemocratização brasileira. A partir de seu auto-proclamado

neoliberalismo, o governo Collor apresentou a primeira proposta, de recorte neoliberal, de

reforma da administração pública pós-redemocratização, levantando “a pauta da década sem

conseguir dar-lhe o devido desenvolvimento” (BARBOSA E SILVA, 2008, 56).

Analisando-se mais detidamente, contudo, pode-se afirmar que sua iniciativa foi marcada

por um ativismo eivado de equívocos. Primeiramente, partiu-se de um “modelo ingênuo de

estado minimalista” (MARTINS, 1995, 55). Paralelamente a isto, o governo apoiou-se em um

diagnóstico equivocado, baseado em constatações infundadas, como o pretenso excesso de

funcionários públicos39. Diante da repercussão de tais afirmações, Santos (1993), por exemplo,

apoiado em uma argumentação fortemente quantitativa, procurou demonstrar que o problema


39
Estima-se que por volta de 108 mil funcionários públicos foram demitidos ou colocados em disponibilidade
durante o governo Collor (MARTINS(b), 1997, 31).

83
central do Estado brasileiro, diferentemente do que defendia o governo Collor, não era seu

“gigantismo”. Pelo contrário, “o Estado brasileiro é ridiculamente pequeno e disforme, isto é,

está onde não deveria, ao preço de não se encontrar onde a responsabilidade social de um Estado

moderno demandaria” (SANTOS, 1993, 103).

Em seguida, adotou-se uma forma de implantação “autoritária, inconseqüente e

combativa”, que “gerou mais reação do que ação” (MARTINS, 1995, 55) da parte dos

funcionários públicos40. Tudo isto debaixo de uma concepção muito restrita de gestão

governamental, a qual estava centrada e reduzida à Presidência da República. O resultado geral

foi uma “paralisia e incapacidade estrutural [por parte do setor público] de elaborar e

implementar políticas. ‘O ímpeto modernizante foi mais uma estratégia de marketing do que de

realizações’” (MARTINS, 1995, 55).

A principal contribuição construtiva do período Collor, ainda que limitada, foi a criação

do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Setor Público e o Programa Brasileiro

de Desregulamentação, que permaneceriam ativos nos governos seguintes, gerando resultados

positivos em relação aos objetivos gerais perseguidos pelos governos seguintes, isto é, de

melhoria de desempenho do setor público através de sua reorientação para o usuário-cliente e

recuo da presença estatal na economia (privatizações, desregulamentações etc.).

Com a queda de Collor, o governo Itamar tentou reverter as decisões e iniciativas

anteriores. Ao fazê-lo, reorganizou a “macro-estrutura governamental nos moldes da Nova

República” (MARTINS, 1995, 56), escolhendo assim um caminho menos complicado e menos

polêmico para questão da administração pública que, contudo, representava apenas o adiamento

do combate aos problemas centrais da burocracia. Além disso, o governo Itamar estabeleceu uma

40
Abrúcio (2007, 70) vai na mesma direção ao afirmar que o governo Collor transformou o funcionalismo público
em “bode expiatório”.

84
“política de recomposição salarial no setor público baseada em critérios populistas, dissociada da

problemática estrutural da gestão de recursos humanos no setor público” (MARTINS, 1995, 56).

Ou seja, o primeiro governo civil escolhido por eleições diretas vagou sem um rumo

consistente e contínuo. E isto não somente por causa da mudança no posto político mais

importante do país, após o impeachment de Collor, mas também devido, principalmente, ao

relativo isolamento deste último e ao caráter do governo Itamar Franco, o qual, fazendo um

governo de transição, não se sentia à vontade para empreender grandes reformas (MELO, 2002,

61).

Assim, entre idas e vindas, decisões enérgicas foram tomadas, mas sem grandes

resultados práticos. Para completar tal quadro, a mudança de Presidente implicou na reversão dos

poucos efeitos, positivos e negativos, que eventualmente as iniciativas anteriores tenham gerado.

Assim, a administração pública seguia o mesmo destino do conjunto mais amplo de reformas

estruturais e institucionais durante a transição: permanecia em compasso de espera.

3.2 Reforma de 1995: o fim da longa espera?

O período FHC também foi intensamente ativo, mas, diferentemente de seus

antecessores, apresentou resultados mais concretos e duradouros. Em um primeiro momento, não

havia, nem sequer no programa de campanha do candidato FHC, um projeto ou proposta

específica para a administração pública. O próprio Bresser-Pereira, em vários momentos,

ressaltou a ausência da reforma administrativa nas propostas eleitorais de FHC. Em uma dessas

ocasiões, relatou que

Na primeira reunião que tive com o presidente, alguns dias antes de


começar o novo governo, disse a ele que planejava realizar essa reforma
[administrativa] (...). Fernando Henrique observou que essa reforma não
estava na agenda, que não fizera parte dos compromissos de sua
campanha. Não me impediu, entretanto, de dar os primeiros passos em
direção a ela (BRESSER-PEREIRA, 2008,10-1, grifo nosso).

85
Contudo, se não havia a previsão de uma reforma de grandes proporções que envolvesse

a administração direta, havia, porém, a inclinação presidencial para considerar a superação da

“era Vargas” como um dos grandes desafios de seu governo.

O fim da “era Vargas” significava também uma revisão dos papéis do Estado e das

estratégias de desenvolvimento, até então pautadas no nacional-desenvolvimentismo, diante dos

imperativos da globalização (CARDOSO, 2005, 15). Contudo, mesmo assim, o Presidente

recém-eleito não considerava necessária uma reforma profunda na burocracia brasileira, mas

apenas “ajustes finos e melhorias localizadas”, pois “os órgãos vitais da burocracia pública

federal” – como o Banco Central, o Ministério da Fazenda e o Itamaraty, por exemplo – “já

estavam otimizados (bons quadros e marcos institucionais bem definidos)” (MARTINS, 2003,

123).

Nesse contexto, é possível observar nitidamente que, no processo de formação da agenda

de políticas públicas, não somente há “problemas” que demandam “soluções”, mas também

“soluções” à espera de “problemas”. Esta é outra maneira de expor a hipótese central desse

trabalho, exposta na Introdução: portador de uma “solução”, Bresser-Pereira partiu em busca dos

“problemas”, pela construção de um diagnóstico da burocracia brasileira que justificasse a

adoção das medidas propostas pelo ministério que encabeçava.

No que toca a administração pública, portanto, Bresser-Pereira caminhou na contramão

da disposição inicial do governo de mexer o mínimo possível na burocracia e

desconstitucionalizar, na medida em que propôs uma “abrangente revisão do capítulo referente à

administração pública” na CF/88 (Ibid., 153).

Analisemos com um pouco mais de detalhamento o surgimento dessas propostas.

86
3.2.1 Reforma gerencial de 1995: uma narrativa de origem

O MARE surgiu em fins de dezembro de 1994, quando o presidente recém-eleito, FHC,

convidou L. C. Bresser-Pereira para assumir a SAF (Secretaria da Administração Federal), um

órgão que era diretamente ligado à Presidência da República e que ganhou status de ministério

para abrigar um dos principais colaboradores da campanha de FHC.

Assim, Bresser-Pereira entrou na composição ministerial “na cota de FHC” (MARTINS,

2003, 152), e suas propostas de reforma da administração pública conquistariam um relativo

apoio do Presidente, que, se não aderiu entusiasticamente às propostas, pelo menos deu espaço

para Bresser trabalhar. A sugestão do nome e a inclusão do termo “Reforma do Estado” foi uma

solicitação de Bresser-Pereira.

Dentro do governo, o diagnóstico geral (problemas) e as propostas (esboço de soluções)

do MARE não eram partilhadas “pelo Presidente e por seus principais Ministros”, como Pedro

Malan (Fazenda), José Serra (Planejamento), Paulo Renato de Souza (Educação), Clóvis

Carvalho (Casa Civil) e Eduardo Jorge (Secretário Geral) (MARTINS, 1995, 155; COSTA,

2002, 28).

O que ocorria é que o bloco político vitorioso nas eleições de 1994 não carregava consigo

uma proposta de reformas que implicassem numa revisão do Estado “por dentro”, quer dizer, de

seu aparelho. A idéia chave era desregulamentar e privatizar, isto é, cortar o Estado “por fora”,

diminuindo seu campo de ação e, consequentemente, elevando a eficiência geral da economia

brasileira através da elevação da participação do setor privado.

A idéia inicial era, portanto, contornar a questão da burocracia, e não enfrentá-la

diretamente. É por isso que “a estratégia de reforma institucional de Bresser foi construída por

87
fora do núcleo do governo e sua concepção não se enquadrava facilmente nas linhas de ação

prioritárias” (COSTA, 2002, 38).

Dentro desse contexto, a proposta de Bresser “não lograva atenção em face da lógica

pragmática quer do ajuste fiscal (DINIZ, 2007, 49-50)41, quer da complexa gestão dos universos

institucionais da saúde e da educação”, na medida em que as soluções apresentadas pelo Plano

Diretor exigiriam “esforços e riscos extras de convencimento” (MARTINS, 2003, 156). Assim,

pela lógica pragmática, era preferível buscar resultados por outras formas, introduzindo-se

alterações pontuais que otimizassem setores específicos da burocracia.

A zona de conflito principal situava-se entorno do Presidente. Para este último,

os conselheiros em administração pública de seu governo eram Eduardo Jorge e


Clóvis Carvalho. Há claros sinais de que FHC desdenhou da proposta de Bresser,
mas pagou para ver, embora de forma desconfiada (há pelo menos um caso de
sondagem direta de FHC a um notório especialista em gestão, sobre as idéias de
Bresser) e sob a vigilância atenta de seus ministros mais próximos (MARTINS,
2003, 157).

Dois acontecimentos ilustram essa situação. O primeiro ocorreu quando do lançamento

oficial do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, no final de 1995. Bresser-Pereira

solicitara que o próprio Presidente publicasse “um decreto, portaria, ou qualquer outro

instrumento afirmando que o Plano Diretor passava a ser uma política oficial do governo”

(BRESSER-PEREIRA, 2008, 28). Contudo, nunca obteve o que solicitara. O motivo: a

desconfiança de Educado Jorge, Secretário Geral da Presidência, e de Clóvis Carvalho, da Casa

Civil. Tal desconfiança, segundo Bresser-Pereira, “manifestou-se durante os quatro anos em que

estive à frente do Mare, e foi um obstáculo à reforma, já que o ministro chefe da Casa Civil tinha

o controle da assinatura do presidente”, assinatura esta essencial para fazer avançar a reforma

41
Cf. Rezende (2004), que elaborou toda uma tese de doutorado para explicar a “falha sequencial” da reforma de
1995 a partir da predominância da lógica do ajuste fiscal sobre a da mudança institucional.

88
promovida por um Ministério pequeno e sem recursos, dependente da aprovação e apoio dos

outros ministros (BRESSER-PEREIRA, 2008, 28-9).

Outro acontecimento foi a indicação, feita pelo Presidente da República, de Eduardo

Jorge – e não do ministro da área, ou seja, Bresser-Pereira, para ser o interlocutor do governo no

Congresso Nacional durante o processo de negociação da Emenda Constitucional 19, elaborada

pela equipe do MARE e destinada a alterar o capítulo referente à Administração Pública da

Constituição Federal de 1988 (BRESSER-PEREIRA, 2008, 26-7). Isto geraria dificuldades

adicionais para o processamento político da proposta dentro do Congresso, já que o texto da

Emenda, discutido durante anos e já consolidado juridicamente, corria o risco de ser desfigurado,

o que poderia fragilizar uma das bases fundamentais da reforma gerencial proposta.

Fora do governo, mas dentro do Congresso, a base aliada, formada, além do PSDB, pelo

PFL e pelo PTB, representou um importante apoio à proposta de reforma da administração,

apesar de ter causado sérios problemas ao governo em momentos decisivos, quando

congressistas “rebeldes” se negaram a votar com o governo na proposta de Emenda

Constitucional 19, acima mencionada42.

Havia também governadores que, ao longo da elaboração da proposta, tornaram-se

importantes aliados da reforma administrativa, pelo menos naqueles pontos em que lhes

interessavam mais. Assim, por exemplo, a proposta de flexibilização da estabilidade do

funcionalismo público atraiu muito os governadores, já que a maior parte dos estados estava

endividada. A flexibilização da estabilidade era vista como a abertura de uma oportunidade de

enxugamento da máquina administrativa através de cortes de gastos na folha de pagamento e

liberação de recursos que poderiam ser investidos em outras áreas politicamente mais visíveis e

vantajosas, como a infra-estrutura.


42
Cf. a pesquisa de Melo (2002, 47-58), para uma análise mais profunda do processo e do conteúdo da mudança.

89
Fora do governo, os principais atritos, sem dúvida nenhuma, seriam com os funcionários

públicos e a CUT (Central Única dos Trabalhadores), que tinha no funcionalismo público uma de

suas principais bases.

Além das novas e polêmicas propostas trazidas pelo MARE e pelo Ministro da

Administração, havia ainda acesa a lembrança de sua participação no primeiro governo da Nova

República, pois o governo federal estava sendo processado pelos servidores, que alegavam ter

sofrido perdas salariais com o plano econômico lançado por Bresser-Pereira quando Ministro da

Fazenda do governo Sarney, em 1987.

Os principais aliados fora do governo foram os empresários e alguns setores da imprensa.

Sempre transitando nos meios empresariais, dos quais Bresser-Pereira já fazia parte há décadas

devido às suas relações profissionais com o Grupo Pão de Açúcar, o Ministro da Administração

contou na maior parte do tempo com o apoio deste setor.

Já com relação à imprensa, parte desta (principalmente comentaristas econômicos e

alguns editoriais) também apoiou firmemente a proposta de reforma administrativa do governo,

ao mesmo tempo em que Bresser soube usar ativamente o espaço da imprensa para defender as

propostas de seu ministério.

Desse modo, o tabuleiro do xadrez político estava assim colocado no ano de 1995. Dentro

deste contexto é que se insere a atuação imediata do ministro Bresser-Pereira no sentido de

conquistar apoio às suas idéias e de tornar sua proposta de reforma administrativa uma prioridade

na agenda do governo, respaldada pelo apoio de setores importantes da sociedade.

3.2.2 A elaboração da proposta de reforma administrativa

Ativo promotor da campanha à presidência de FHC em 1994, da qual foi inclusive

tesoureiro nacional, Bresser-Pereira estava sendo cotado para assumir alguma pasta no recém-

90
eleito governo Mário Covas, no estado de São Paulo, possivelmente a Secretaria da Fazenda.

Tudo dependia, porém, de saber se ele seria ou não chamado pelo presidente também recém-

eleito FHC para algum posto no governo federal.

Em meados de dezembro de 1994, a imprensa chegou a anunciar que Bresser-Pereira

havia solicitado, e o presidente havia concedido, a pasta das Relações Exteriores. Contudo, assim

que a notícia se espalhou pela imprensa, membros influentes do Itamaraty pressionaram o recém-

eleito Presidente FHC que, em menos de 24 horas voltou atrás e consultou Bresser-Pereira sobre

a possibilidade deste ser alocado na então SAF (Secretaria da Administração Federal), que seria,

como o foi, transformada em Ministério para elevar-lhe o status.

Note-se, portanto, uma vez mais, a ausência quase completa da previsão de uma reforma

de grande porte na administração federal tanto no programa de governo da coligação partidária

de FHC, quanto nas projeções mais informais que já estavam sendo feitas das reformas que o

novo governo considerava essenciais. Inclusive, logo no primeiro mês de governo, o presidente

FHC teve que enfrentar desacordos dentro de seu próprio partido, o PSDB, pois alguns de seus

membros se colocaram contra algumas propostas de reforma do governo (como a previdenciária

e a de flexibilização da estabilidade do funcionalismo público, por exemplo) alegando que tais

medidas não constavam no programa de governo do partido.

O próprio Bresser-Pereira não somente admitiria isto, mas também procuraria

rapidamente expor os motivos pelos quais uma reforma mais ampla da administração federal se

impunha como necessária. Em fevereiro de 1995 publica artigo em um jornal de circulação

nacional expondo as razões da criação do ministério e a proposição da reforma administrativa43.

Desde o primeiro dia em que teve a confirmação de que seria responsável pela

administração federal, Bresser-Pereira tinha propostas de mudança na administração pública,


43
Bresser-Pereira, “Cidadania e reforma”, Folha de S.Paulo., 19/02/95.

91
mesmo que somente em linhas gerais. Reflexo de décadas de ensino e pesquisa na área de

administração pública. Em texto recente, ele afirmou que “embora não estivesse ainda claro para

mim como seria a reforma [administrativa], eu conhecia a matéria o suficiente para estar

convencido da sua necessidade e oportunidade” (BRESSER-PEREIRA, 2008, 11).

Entre os objetivos gerais da gestão, anunciados logo no primeiro dia após saber que posto

ocuparia no governo, estaria a unificação dos mercados de trabalho público e privado. Para tanto

seria necessário inverter a situação que, segundo Bresser-Pereira, vigorava dentro do

funcionalismo, que teria privilégios – como a estabilidade e a aposentadoria especial, com menos

anos de serviço e vencimento integrais – mas, por outro lado, teria salários baixos e poucas

perspectivas de evoluir na carreira por mérito e competência. A intenção seria acabar com os

privilégios, mas criar maiores perspectivas de carreira.

De modo geral, a proposta de reforma administrativa de Bresser-Pereira procuraria

combinar a visão que já vinha construindo desde meados da década de oitenta sobre a crise

brasileira – que para ele seria fundamentalmente uma crise do Estado desenvolvimentista, isto é,

de sua forma de intervenção, de sua estrutura burocrática e da estratégia de desenvolvimento que

havia feito do Estado o ator principal no processo de industrialização44 – com as concepções de

reforma do aparelho do Estado que se agrupavam em torno da chamada administração pública

gerencial45.

O documento mais importante, que representa a síntese dessas duas visões, é o Plano

Diretor de Reforma do Aparelho de Estado (1995). Nele apresenta-se um diagnóstico do Estado

e da administração pública brasileiros grandemente tributários da interpretação sobre a crise do

Estado de Bresser-Pereira e um conjunto sistemático de propostas de reforma que giram em

44
Cf. Bresser-Pereira, 1992; e Bresser-Pereira, Maravall e Przerworski, 1996.
45
Cf. Osborne e Glaeber (1994), livro considerado clássico na bibliografia da reforma gerencial; e Abrucio (2005),
que realiza um levantamento sobre as principais experiência de reforma gerencial em âmbito internacional .

92
torno dos princípios da reforma gerencial organizados em três dimensões: a institucional-legal, a

cultural e a que diz respeito à gestão pública propriamente dita46.

Durante a elaboração desse Plano Diretor, os eventos marcantes foram:

(1) em março de 1995, o encontro em Brasília com David Osborne, um dos autores de

Reinventando o Governo (1994), na época uma espécie de livro de cabeceira de quem estava

envolvido em reformas da administração pública. Nesse encontro, Osborne apontou para a

experiência britânica e neo-zelandesa de reforma do Estado (BRESSER-PEREIRA, 2008, 18-

20);

(2) em maio do mesmo ano, Bresser faz uma “visita de cooperação à Grã-Bretanha”, de

onde veio a inspiração para os modelos de Agência Executiva e Organizações Sociais, “com

escala em Santiago de Compostela, sede de um congresso sobre gestão pública na época”, onde

Bresser-Pereira montou o quadro de referência do Plano Diretor, combinando “setores do Estado

com diferentes formas de propriedade e formas de administração” (MARTINS, 2003, 154), isto

é, a “matriz teórica da reforma” (BRESSER-PEREIRA, 2008, 22, itálico do autor). “Não aprendi

a reforma gerencial com o Banco Mundial e Washington, mas a aprendi com Londres e o

governo britânico”, afirmaria Bresser-Pereira muitos anos depois (BRESSER-PEREIRA, 2008,

18).

(3) entre maio e julho de 1995, houve a redação preliminar do Plano Diretor, assim como

discussões intragovernamentais, levantamento de dados e elaboração de diagnósticos, que se

estenderam até novembro, quando ocorreu o lançamento do Plano Diretor47.

46
Cf. Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, 1995.
47
Em relação a esse ponto, cf. também a cronologia de Barbosa e Silva (2008, 59-60) e a do próprio Bresser-Pereira
(2008, 27-9), acerca dos primeiros passos da reforma administrativa de 1995. Consultar também, para os principais
acontecimentos citados ao longo deste capítulo, a cronologia que se encontra no Anexo I desta dissertação.

93
3.2.3 Da “Estrutura e organização” ao Plano Diretor

Aqui vale a pena um pequeno desvio de rota na exposição a fim de se comparar o Plano

Diretor, documento que sintetiza de maneira sistemática os principais pontos que nortearam a

ação do MARE ao longo de sua existência, com uma obra, resultante de uma inovadora pesquisa

coletiva, que, similarmente, apresentava diagnósticos e algumas proposições para a

administração pública brasileira.

Estrutura e organização do Poder Executivo (JACCOUD e ANDRADE, 1993)

representa o resultado de uma ampla pesquisa sobre as implicações, para a administração

pública, da adoção de um sistema de governo presidencialista ou parlamentarista. Publicada em

dois volumes, ela apresenta, inicialmente, um amplo levantamento das relações entre

administração pública e sistema de governo em alguns países europeus, como França, Alemanha,

Itália, Grã-Bretanha. No segundo volume, a administração pública brasileira é analisada tendo-se

em vista a escolha do Presidencialismo como sistema de governo no plebiscito de abril de 1993.

A grande inovação desta pesquisa sobre a administração pública brasileira, em relação às

precedentes, é a perspectiva adotada: a da ciência política. Os pesquisadores responsáveis pelos

dois volumes são, majoritariamente, cientistas políticos estudiosos de administração pública. Tal

perspectiva é inovadora principalmente por que representa um esforço de pensar a administração

pública não de maneira isolada e puramente técnica, mas antes vinculando suas problemáticas às

das instituições políticas com as quais se relaciona48.

Na análise da administração pública brasileira, foram escolhidos três eixos de análise e

discussão: 1) política de recursos humanos; 2) modernização organizacional; 3) “articulação da

48
Cf. Durand e Azevedo (1995) para um registro de um Seminário ocorrido em meados de 1994 sobre Reforma do
Estado, cujas análises vão em direção semelhante à obra de Jaccoud e Andrade analisada nesta seção. Tal seminário,
inclusive, contou com a participação de alguns pesquisadores responsáveis por Estrutura e Organização do Poder
Executivo.

94
administração ao sistema de governo” (JACCOUD e ANDRADE, 1993, 23). Cada eixo constitui

um capítulo da obra. Cada capítulo da obra reproduz um mesmo esquema geral: conceituação,

diagnóstico da situação e alternativas e recomendações (JACCOUD e ANDRADE, 1993, 31).

Esquema semelhante encontra-se no Plano Diretor do MARE (1995), que apresenta, também,

algumas definições iniciais, um breve histórico da administração pública brasileira e, então, as

propostas centrais da reforma gerencial centradas numa diferenciação das formas de propriedade.

A grande diferença entre ambos os documentos diz respeito, contudo, ao caráter e

extensão da reforma postulada. Enquanto os autores de Estrutura e organização não propõem

“uma reforma global e articulada de todo sistema, ou uma espécie de Plano Diretor, para a

modernização do serviço público” (JACCOUD e ANDRADE, 1993, 31), o MARE resolve ir no

caminho diretamente inverso: propôs uma reforma ampla e global da administração direta,

baseada precisamente em um Plano Diretor49.

Além disso, os diagnósticos divergiam fortemente. Enquanto Estrutura e organização

parte do pressuposto da insuficiente consolidação do modelo weberiano de burocracia pública e,

consequentemente, aponta o patrimonialismo como um dos grandes males a ser combatido

(JACCOUD e ANDRADE, 1993, 35-6), o MARE aponta o próprio modelo weberiano como o

grande entrave a ser superado (Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, 1995, 14-6).

Mais precisamente, não se trata de negar por completo o modelo burocrático clássico,

pois “a administração pública gerencial está apoiada na anterior [modelo burocrático clássico ou

weberiano], da qual conserva, embora flexibilizando, alguns dos seus princípios fundamentais”.

A diferença central residiria “na forma de controle que deixa de basear-se nos processos para

concentrar-se nos resultados (Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, 1995, 16).

49
Cf. o Plano Diretor (1995), que propunha ações em três macro-dimensões – institucional-legal, cultural e de
gestão, abrangendo, assim, todos os aspectos principais da administração pública.

95
De fato, isto representa uma proposta bem mais ambiciosa do que a de Estrutura e

organização, que apontava apenas a necessidade de integração entre os dois modelos –

consolidação do weberiano e introdução do gerencial – a fim de se alcançar, de maneira

conjugada, a neutralidade do primeiro e eficiência do segundo.

Bresser-Pereira afirmaria ainda, depois, que aquele “documento da ENAP de 1993”, isto

é, o Estrutura e organização, “expressava uma ideologia burocrática, que se tornou dominante

em Brasília a partir da transição democrática (1985), até o final do governo Itamar”, (BRESSER-

PEREIRA, 1998, 181). Segundo o ex-ministro, aquela ideologia influenciaria a estruturação da

carreira dos altos dirigentes públicos, que receberam, entre o final da década de oitenta e início

da de noventa, uma “orientação rigorosamente burocrática, voltada para a crítica do passado

patrimonialista, ao invés de voltar-se para o futuro e para a modernidade de um mundo em rápida

mudança, que se globaliza e se torna mais competitivo a cada dia” (BRESSER-PEREIRA, 1998,

181).

Assim, Bresser-Pereira procurava justificar, uma vez mais, a rotação de perspectivas

operada pelo governo FHC no sentido de redefinir as tarefas históricas do país diante dos

imperativos de uma modernidade “globalizada”, na qual era necessário inserir-se.

50
3.2.4 A reforma administrativa no primeiro ano do governo FHC: breve análise

Em poucas palavras, o ano de 1995 foi marcado pela tentativa de delineamento de uma

proposta geral para a reforma do Estado que fosse politicamente viável, mas sem deixar de ter

impacto positivo realmente marcante na administração pública brasileira. Contudo, esse primeiro

ano foi dominado por questões e declarações relacionadas ao cotidiano da administração federal.

50
Esta seção baseia-se, principalmente, em levantamentos realizados junto ao jornal Folha de S. Paulo
correspondente ao período que vai de meados de 1994 à dezembro de 1995. No Anexo I, apresenta-se uma
cronologia elaborada a partir de tal levantamento.

96
Sendo o MARE o “Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado”, a parte

que cabia à “Reforma do Estado”, neste primeiro ano, acabou sendo sufocada pela que coube à

“Administração Federal”. Era o prenúncio do destino que caberia a esse ministério.

Sem dúvida nenhuma, o assunto que prevaleceu nas discussões e nos protestos durante o

período considerado foi a proposta de flexibilização da estabilidade dos servidores públicos com

inclusão de novos critérios de demissão. Anunciada desde o primeiro momento em que assumiu

seu cargo, tal proposta geraria atritos e conflitos entre Bresser-Pereira e os representantes

sindicais do funcionalismo durante todo o ano de 1995, dividiria a base aliada em momentos

decisivos e atrairia críticas inclusive de membros do próprio governo.

Outro ponto polêmico foi o anúncio da meta de Bresser-Pereira de transformar as

entidades responsáveis pela prestação de serviços sociais, como educação, saúde e cultura, de

entidades públicas e estatais em entidades públicas não-estatais, com base na figura jurídica das

“organizações sociais”.

Os primeiros passos da reforma gerencial no Brasil foram, assim, no sentido de (a)

aproximar as regras de funcionamento do mercado de trabalho público às do privado e de (b)

sustentar uma tentativa de desestatização de alguns serviços públicos. Tais iniciativas e propostas

foram vistas, por importantes setores da sociedade, como um símile das privatizações que

estavam sendo anunciadas e preparadas para as empresas públicas.

De fato, ressaltando que hodiernamente a esfera pública não se identifica ou não se reduz

à esfera estatal, a proposta de reforma do Estado do ministério Bresser-Pereira baseava-se em

uma reestruturação que visava:

(1) reforçar o “núcleo estratégico” do Estado, constituído pelos cargos eletivos

(Legislativo e Executivo) e pelas carreiras típicas de Estado (policial, jurídica, fiscal), que não

97
encontram e não podem encontrar similares na iniciativa privada, pois são responsáveis por

serviços exclusivos do Estado. Esse reforço destinava-se a aumentar a governança estatal, ou

seja, sua capacidade de formulação, implementação e fiscalização de políticas públicas;

(2) “publicizar” os serviços sociais – educação e saúde, principalmente – e científicos,

isto é, transferir sua execução direta do Estado para as “organizações sociais”, figuras jurídicas

destinadas a ocupar no novo espaço “público-não estatal” delineado pela reforma, sendo que o

governo manteria sua responsabilidade pelo financiamento e fiscalização de tais serviços, por

meio de contratos de gestão;

(3) privatizar a produção de bens e serviços fornecidos pelas empresas estatais e

terceirizar o fornecimento de vários bens e serviços intermediários – como limpeza, segurança

etc. – na administração pública51.

Havia, portanto, forte complementaridade entre esta proposta de reforma do aparelho do

Estado e a política econômica que vigorou durante o governo FHC, política esta marcada pela

austeridade fiscal e pelo programa de privatizações. Ao elaborar uma proposta sistemática e

teoricamente bem embasada de concessão de maior autonomia às entidades responsáveis pelos

serviços sociais e de privatização das empresas estatais, Bresser estava em sintonia – ou pelo

menos buscando estar – com o governo do qual fazia parte.

Contudo, tal sintonia não foi suficiente, como observado acima, para evitar conflitos

dentro do alto escalão do Executivo federal e entre os técnicos responsáveis por tais reformas e

os congressistas, preocupados com suas convicções e com sua imagem perante o eleitorado. Essa

sintonia também não foi suficiente para deslanchar por completo a reforma do Estado pretendida

por Bresser-Pereira, que terminou por circunscrever-se, pelo menos em um primeiro momento, à

“administração federal”.
51
Cf., para todos esses pontos listados, Bresser-Pereira, 1998 e 2005.

98
3.2.5 As limitações contextuais do projeto de reforma gerencial do Estado brasileiro

A partir de agora já há elementos suficientes para contrapor a hipótese formulada

inicialmente a esta pequena reconstituição factual, que serviu de pilar empírico a este estudo de

caso, da elaboração do projeto de reforma do Estado do MARE.

A hipótese geral deste estudo de caso diz respeito às origens e limitações da reforma do

Estado durante o primeiro governo FHC. Pois bem, a conclusão a que se pode chegar é que os

limites dessa reforma encontram-se, principalmente, em suas origens, isto é, em sua fase inicial

de formulação, enquanto política pública, e de armação de seu suporte institucional.

A proposta de reforma gerencial do Estado de 1995 não representou a culminância, no

governo, de um movimento que havia surgido e se articulado na sociedade e que agora estaria

sendo implementado pelo Estado. A insatisfação da maioria da população com relação à má

qualidade e pouca cobertura de boa parte dos serviços prestados pelo Estado tinha caráter

altamente difuso. Segundo Valeriano Costa, a transformação da Secretaria da Administração

Federal em MARE

“mostrava que a reforma não era uma prioridade governamental. Como órgão
responsável por atividades-meio, o MARE não possuía densidade própria, não
representava interesses sociais relevantes, não atraía a atenção da opinião
pública e, pelo contrário, tendia a enfrentar resistências generalizadas da
burocracia federal, especialmente nos ministérios maiores, ciosos de sua
autonomia. Sem a vinculação direta à Presidência da República, o MARE seria
apenas um pequeno ministério sem recursos” (COSTA, 2002, 30).

Não sendo uma prioridade governamental e não contando com recursos, apoios e

condições tão favoráveis, a proposta de reforma gerencial do Estado surgiu das vicissitudes e

pressões durante a montagem do ministério do presidente FHC.

Seu perfil e os avanços que conseguiu ao longo de seu primeiro ano de existência

(período coberto por este estudo de caso), assim como a atenção que veio a receber da opinião

99
pública, podem ser atribuídos, em grande parte, à militância pessoal do ministro Bresser-Pereira

e de sua equipe e à sua capacidade de aproximar as propostas de mudança institucional das

propostas de ajuste fiscal, então dominantes no governo.

Isto estava relativamente claro desde os primeiros momentos do MARE e desde as suas

primeiras ações de envergadura. Na “reunião solene de lançamento do Plano Diretor”, como já

foi mencionado no segundo capítulo, “FHC encerrou a sessão expressando: ‘Agora cabe ao

Ministro Bresser convencer o Governo, o Congresso e a Sociedade” (MARTINS, 2003, 154) de

suas propostas de reforma administrativa.

É por isso que o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, que sintetizava as

propostas gerais e serviria de base para a elaboração e a implantação de ações específicas, pode

ser considerado como “uma ‘carta de crédito’ a Bresser, que teria de lutar para torná-lo

operacional” (COSTA, 2002, 31).

Como já foi apontado acima, Bresser-Pereira fora um ativo e importante aliado do

presidente à época da campanha, cuja lealdade e dedicação seriam recompensadas com aquela

“carta de crédito”, isto é, com a “abertura de uma janela a um empreendedor” de políticas

públicas. A abertura daquela janela ocorreu, assim, devido em grande parte à postura

presidencial, marcada pela amizade com Bresser, por um “temperamento desconfiadamente

experimentalista” e democrático, chegando a ser, “em alguns casos, lassivamente pluralista”

(MARTINS, 2003, 159).

Foi exatamente essa luta para manter a credibilidade de seus projetos e,

concomitantemente, para tornar o Plano Diretor algo não somente viável, mas operacional, que

fez com que o MARE entabulasse um esforço de ampliação de sua base de apoio dentro do

100
governo, cujos resultados principais foram mais no sentido de “diminuir resistências que angariar

adesões à coalizão intragovernamental” (MARTINS, 2003, 158).

Nascido dentro do governo, aliás, dentro de um governo cujas prioridades giravam em

torno da consolidação do Plano Real, e cujas preocupações se voltavam para o controle da

inflação e das contas públicas, a proposta de reforma gerencial teria realmente muitas

dificuldades para se tornar, de fato, uma proposta da sociedade e, até mesmo, do próprio

aparelho do Estado, já que o único movimento que conseguiu gerar na maior parte do

funcionalismo foi um movimento contrário, de protestos e acusações.

É claro que setores importantes da burocracia, principalmente sua cúpula, e da sociedade

apoiaram a proposta, como os empresários e governadores. Porém, uns e outros tinham

basicamente as mesmas preocupações que o governo federal: o controle da inflação e das contas

públicas. Seu apoio era, assim, não tanto ao projeto de reforma de Estado, mas antes às medidas

que contribuíssem para aqueles objetivos fiscais.

Os aliados mais fortes da reforma do Estado, em sua dimensão mais ampla, que

ultrapassava a mera administração cotidiana do pessoal do serviço público, encontravam-se entre

alguns especialistas da área e entre alguns setores da imprensa, que não tinham condições de

sustentar uma mobilização social e política a fim de pressionar favoravelmente pela implantação

integral do projeto do MARE.

Este foi o resultado geral de uma tentativa de reforma do Estado em um ambiente

democrático, porém marcado por um alto grau de desmobilização da sociedade no que se refere

ao tema, e cujo perfil foi desenhado não a partir de amplas discussões nessa sociedade, mas sim

por um especialista e sua equipe, que, por melhor que tenham elaborado seu projeto, não

101
conseguiram ultrapassar as limitações inerentes ao contexto político em que se encontravam e à

posição periférica que seu ministério ocupava no governo52.

Tendo em vista que, de uma maneira geral, o ímpeto inicial da reforma concebido pelo

MARE foi marcado (1) por uma forte crítica a determinados dispositivos da Constituição de

1988, especialmente seu capítulo sobre a Administração Pública, e (2) pela elaboração de uma

reforma que estava em sintonia com as experiências internacionais recentes de reformas

administrativas em países que estavam sob forte hegemonia neoliberal, a visão dos principais

atores, principalmente da oposição, seria condicionada por essa marca de origem do MARE,

reforçada pela visão geral do governo FHC como um experimento neoliberal nos trópicos sul-

americanos, como já discutido no capítulo 2.

Tentando diminuir o peso negativo e relativizar a influência das experiências

internacionais sobre a reforma que propunha, Bresser-Pereira tentara vincular a proposta de

reforma gerencial de 1995 às reformas administrativas brasileiras anteriores, principalmente a

configurada em torno do Decreto-lei 200, de 1967, afirmando que esta fora “um primeiro

momento da administração gerencial no Brasil” (BRESSER-PEREIRA, 2005, 244).

Contudo, era perceptível e inegável que a chegada e a absorção das idéias da Nova

Administração Pública ao Brasil orientaram a apropriação dessa herança de reformas

administrativas brasileiras. O Decreto-lei 200/1967 pode ter sido uma primeira e importante

experiência gerencial, mas não será em relação a ela, a seus sucessos e fracassos, que a reforma

de 1995 será concebida e implantada.

Na verdade, entra aquele decreto e a criação do MARE há a Constituição Federal de

1988. “A Constituição de 1988 ignorou completamente as novas orientações da administração

52
Lembrando que tais conclusões se referem sobretudo ao primeiro ano de existência do MARE, mas podem ser
estendidas também a todo o período de sua existência.

102
pública” e os constituintes “decidiram completar a Reforma Burocrática” ao invés de atentar para

os “princípios da administração pública gerencial, que estava sendo implantada em alguns países

do primeiro mundo” (BRESSER-PEREIRA, 1998, 175). A reforma promovida pela Constituição

de 1988 fora, segundo Bresser-Pereira, uma “contra-reforma”, um “retrocesso burocrático”

motivado por uma legítima reação ao clientelismo, mas também por “privilégios corporativistas

e patrimonialistas” (BRESSER-PEREIRA, 2005, 247-8).

Na conjuntura em que se encontrara, logo após assumir o recém criado MARE e se

envolver em polêmicas após anunciar as metas de sua pasta, entre elas a de flexibilizar a

estabilidade dos funcionários públicos53, o ministro Bresser-Pereira encontrou forte oposição

principalmente dos estratos médios e baixos do funcionalismo público. Por outro lado, o

chamado “alto escalão” da burocracia apoiou as propostas de reforma gerencial.

Há aqui um fato interessante. Durante boa parte de sua carreira acadêmica, Bresser-

Pereira analisou o fenômeno da tecnoburocracia (1972; 1981). Contudo, ao se tornar ministro do

MARE, afirmava que um dos principais problemas do funcionalismo brasileiro era seu

corporativismo. Como a administração pública não é um todo monolítico, mas antes composta de

vários estratos, pode-se dizer que o fenômeno tecnoburocrático é típico de alto escalão, enquanto

o corporativismo é mais geral, podendo envolver qualquer dos estratos, ou até mesmo todos,

dependendo do caso.

Durante sua passagem pelo MARE, Bresser-Pereira afirmava que o corporativismo, e não

a tecnoburocracia, era o principal entrave interno à reforma gerencial. Ou seja, pode-se afirmar

que ele caracterizava desse modo a oposição do funcionalismo ao MARE porque tal oposição

não vinha dos altos escalões, ninho da tecnoburocracia, e sim dos baixos e médios escalões, que

53
Cf. Folha de S. Paulo, 3/11/1995 e o Anexo I deste trabalho.

103
faziam parte dos sindicatos que eram ligados aos partidos de esquerda, já posicionados contra o

governo FHC.

Como a oposição vinha desses estratos, isto aparecia nos discursos e críticas de Bresser

como um obstáculo “corporativista” – e não “tecnoburocrático” – à modernização do Estado e da

administração pública brasileira. Consequentemente, o MARE acabou difundindo uma imagem

negativa do funcionalismo público, ou pelo menos expôs-se a que fosse assim visto pela

oposição política.

É claro que não se pode deixar de levar em consideração a atuação corporativista do

funcionalismo público. As razões de tal comportamento são mais complexas. “A falta de ações

efetivas na área de Recursos Humanos da administração pública”, principalmente durante os

anos oitenta, “teve como contrapartida o crescimento do corporativismo dos servidores”

(JACCOUD e ANDRADE, 1993, 33). Além disso, o enfraquecimento da “tecnoburocracia” foi

consequência do fim do regime militar e, principalmente, da crise do Estado que, endividado e

em meio a uma situação de descontrole da inflação, teve sua capacidade de investimento

solapada, comprometendo seu braço empresarial – a administração indireta, que abrigava parte

importante da “tecnoburocracia”.

Assim, quando Bresser-Pereira ficou encarregado da administração federal, um de seus

objetos de estudo dos anos setenta – a tecnoburocracia – já não se apresentava tão explicitamente

na realidade político-administrativa brasileira. O que mais se aproximava daquele antigo objeto

era o chamado “núcleo duro” do governo FHC, que, contudo, não poderia ser definido como alvo

de reforma, mas antes como possível base de apoio para esta, conforme já exposto acima.

A ausência de políticas administrativas, principalmente de recursos humanos, bem

concebidas e implantadas, somada às tentativas mal-sucedidas de reforma da década anterior,

104
havia deixado a administração federal em péssimo estado e despertado uma sensação de

insegurança e oposição dentro do funcionalismo público. As reações de desconfiança deste

último frente ao governo e a predisposição para o embate direto eram um dos resultados

negativos da crise econômica pela qual o país passava.

3.3 O MARE debaixo dos holofotes

Em suma, a crítica de Bresser-Pereira à Constituição de 1988 e a acusação de esta não ter

atentado para os princípios da Nova Administração Pública, desenvolvida e aplicada em

contextos de reformas neoliberais; o anúncio e concretização progressiva de um amplo conjunto

de reformas estruturais pelo governo do qual fazia parte; o apoio de organismos internacionais

criticados e vistos como instrumentos de interferência externa nos problemas nacionais, como o

Banco Mundial, entre outros fatores, “empurraram o MARE e sua proposta para debaixo dos

holofotes” (BARBOSA e SILVA, 2008, 67).

Como este capítulo mostrou, as propostas do MARE não eram consensuais dentro do

governo, frequentemente entrando em choque com o “núcleo duro” responsável pelo ajuste

fiscal. O MARE também não foi diretamente responsável pelas ações de maior envergadura

destinadas a conformar uma nova estrutura para o Estado brasileiro, como as privatizações, por

exemplo.

O MARE, portanto, não foi, concretamente, o responsável único e direto pela

consolidação e implementação de uma agenda de reformas estruturais de conteúdos novos.

Apesar disso, elaborou uma visão sistemática e ambiciosa de Estado, ainda que criticável e

criticada – uma visão de Estado que estava sendo coroada como hegemônica no Brasil.

105
Tal visão não pode ser reduzida a um simples experimento neoliberal, mas também não

pode ser desvinculada de um contexto no qual a hegemonia neoliberal atuava como um fator de

peso e fortemente determinante dos conteúdos, formas e destinos das iniciativas de reformas.

Assim, a elaboração de um Plano Diretor e de todo um conjunto de publicações e estudos

que se destinavam não somente a dar subsídios técnicos à atuação dos responsáveis pela

implementação da reforma proposta pelo MARE, mas também a propagar e justificar uma nova

visão de Estado e de administração pública consubstanciou a ativa e combativa atuação do

ministro Bresser-Pereira através dos meios de comunicação de massa.

Tudo isso não somente resultou em uma exposição pública extremamente aberta a

discussões e críticas, como também acabou por atrair a atenção – e, em alguns casos, a ira – de

importantes atores não diretamente vinculados à administração pública, aumentando o número de

atores envolvidos.

Como a crise do nacional-desenvolvimentismo, e os impasses e debates gerados a partir

dela, representavam um dos principais fatores determinantes das posições assumidas pelos

diversos atores no cenário político nacional, a atuação de um ministro que, em busca de

legitimação e apoio para seu ministério, procurava justificar e legitimar o projeto do governo do

qual fazia parte, tornou-se “alvo fácil” para críticas e oposições.

Contudo, se a mira estava apontada para o pequeno e marginal Ministério da

Administração e Reforma do Estado, o que se pretendia atingir era, realmente, o projeto, bem

maior, de um governo que se colocava a tarefa histórica de encerrar a Era Vargas pela abertura

ao neoliberalismo.

106
Considerações finais

Analisando mais profundamente as origens do MARE e dispondo da vantagem do olhar

distanciado e mais frio que se tem quando se estuda um fenômeno que já passou por todos os

seus principais desdobramentos, a primeira grande questão que surge, em torno do MARE, não é

tanto porque ou em que medida ele não deu certo – tendo em vista os resultados projetados e os

efetivamente alcançados. Antes, a questão interessante aqui é exatamente a inversa: como e

porque ele conseguiu ir tão longe apesar das limitações e amarras que o envolviam.

Um primeiro movimento de resposta a tal questão relaciona-se à constatação da

necessidade de uma reforma na administração pública, que se impunha imperiosamente desde

pelo menos o fim do regime militar. As crises e mudanças globais do capitalismo, bem como os

novos jogos de hegemonia que passam então a prevalecer, contribuíram para compor um

contexto internacional de busca de soluções “fora” do Estado e ao largo de sua burocracia. No

Brasil, a denúncia de um regime autoritário e excludente envolveu, como não poderia deixar de

ser, a crítica ao aparelho de Estado configurado nessa situação não-democrática, reafirmando-se

a necessidade de encontrar soluções fora do Estado, mas dentro da democracia.

Desse modo, quanto à necessidade de reformas, não há e não houve grandes

questionamentos. O que muitos críticos questionaram foram os rumos e proporções que as

reformas tomaram, não tanto sua necessidade.

A era das reformas no Brasil contemporâneo abriu-se com a crise dos anos oitenta.

Dentro do contexto histórico analiticamente reconstruído no capítulo 1, o mais importante dos

fatores condicionantes das posições dos principais atores estratégicos da democracia brasileira

naquele momento dizia respeito à resolução dos impasses gerados pela crise do nacional-

desenvolvimentismo. A redemocratização do sistema político fora uma condição necessária,

107
porém não fora suficiente nem para aglutinar os grandes interesses54 nem para propiciar

coalizões entre atores estratégicos que resultassem em uma linha de ação clara e consistente, com

mínino apoio político de curto e médio prazo, que encaminhasse a construção de um novo

modelo de desenvolvimento. Somente com a eleição de FHC, em 1994, é que tais nós e impasses

começaram a ser desatados e resolvidos.

De modo geral, pode-se dizer que o longo processo de formação de uma sociedade

moderna, de base urbano-industrial, desencadeado no Brasil a partir da década de 1930, chegara

à maturidade nos anos 1970. Chegar à maturidade significava que praticamente toda a carga

potencial de transformação que o processo de modernização então carregava já havia sido posta

em ação, conformando um tipo de sociedade de perfil nitidamente capitalista, ainda que

periférico.

Todavia, não se pode esquecer que, na periferia do capitalismo, a modernização apresenta

não somente limitações endógenas, mas também restrições advindas de processos similares no

âmbito dos países do capitalismo central, que em geral estão em melhores condições de alterar os

padrões de conexão entre os mercados nacionais e, assim, atuar direta ou indiretamente sobre a

trajetória dos processos internos de outras nações.

Contudo, isto não significa afirmar uma subordinação total dos interesses nacionais de

cada país da periferia aos ditames dos países centrais, mas antes apontar alguns condicionantes

dos cenários dentro dos quais os atores estratégicos de cada nação devem transitar a fim de

alcançarem seus objetivos, sejam eles políticos, econômicos, materiais, ideológicos etc.

Por isso o capítulo 1 focou naquele processo que representa o que havia de mais

avançado no amplo processo de modernização brasileira: a redemocratização. Quer dizer, a

54
Cf. Diniz, que analisa a atuação dos empresários entre fins da década de oitenta e início da de noventa, e aponta a
incapacidade desse grupo em “transcender os interesses localizados e negociar propostas de teor mais abrangentes”
(1997, 16).

108
modernização é um processo tão multidimensional, que talvez não seja o mais adequado falar em

“processo”, como se fosse um somente, mas antes em um conjunto de processos que se

combinam e se condicionam em seus avanços, recuos, impasses e impactos.

Dessa forma, se o conjunto de processos que compuseram a modernização da infra-

estrutura econômica brasileira cessou seu ritmo vertiginoso em fins dos anos setenta, por outro

lado, no mesmo período, a modernização das instituições e práticas políticas entrou

definitivamente na agenda. Apesar disso, nem a Constituição de 1988, nem as demais alterações

produzidas pelo processo de redemocratização, conseguiriam dar passos firmes em direção à

resolução dessa agenda ou à introdução de novas e melhores instituições políticas.

O capítulo 1 focou a redemocratização não somente por esta ser a dimensão mais

importante, naquele momento, da modernização, mas também por ser o macro-processo que

condicionou e foi condicionado pela crise geral do capitalismo, que, através dos ajustes internos

que cada país do centro realizou para melhor passar pela tormenta, impactou os panoramas

nacionais. A agenda da redemocratização incluía o processamento de questões referentes não só

às grandes questões nacionais e ao legado do passado autoritário imediato, mas também a

diversas questões originadas no contexto internacional ou que pelo menos passavam por ele.

Sendo assim, as influências, restrições e pressões internacionais mostraram sua face mais

terrível por meio do “mercado”, principalmente o financeiro, e da “globalização” que, nos

noticiários pelo menos, apareciam – e em grande medida ainda aparecem – como uma entidade e

um processo que pairam acima da soberania e da capacidade de autodeterminação de cada país.

Essas pressões ocorrem em todo o mundo capitalista, mas revelam-se mais explicitamente na

periferia capitalista, mais vulnerável aos dinamismos do mercado mundial.

109
Por outro lado, como a análise do processo brasileiro de redemocratização também

procurou mostrar, a maturidade do processo de modernização revelava-se pelas pressões vindas

de dentro, representada pela demanda por maior democracia, principalmente. Essa demanda

significava, entre outras coisas, o fortalecimento dos poderes locais, que apresentavam uma

pauta de questões estruturadas a partir de suas vivências e necessidades específicas e de sua

percepção acerca das causas e da resolução dessas questões. Significava também a valorização

dos movimentos sociais e do chamado “terceiro setor”, que reivindicavam demandas específicas,

como o combate à discriminação (raciais, de gênero, orientação sexual etc.), violência, pobreza,

destruição do meio ambiente etc.

Toda essa soma de fatores e circunstâncias concorreu para elevar a pressão por

mudanças institucionais. Se a crise era uma certeza, as saídas eram, digamos assim, uma questão

de opinião e posicionamento político. Cada um olhava a crise de seu ponto de vista, e o consenso

possível à época formou-se na esfera política, em torno da luta pelo fim do regime autoritário. Já

os dissensos permaneceram fortes na esfera econômica, envolvendo a complexa questão dos

rumos do desenvolvimento nacional.

Devido ao conjunto de interesses em jogo, que se agudizam em tempos de crise, a

incerteza que marca esses períodos faz com que os atores políticos fiquem mais cautelosos,

porém mais combativos também. Os impasses da sociedade contemporânea geram muitas vezes

análises e respostas semelhantes em campos diferentes da luta política: tanto à direita quanto à

esquerda, o centro da crítica era o Estado. A diferença é que um lado via a necessidade ou a

inevitabilidade de que alguns elementos considerados fundamentais tivessem continuidade, ou

pelo menos defendia mudanças não muito abruptas, o que exige a condução das reformas em um

110
sentido e velocidade determinados, ao passo que outro lado via a oportunidade da ruptura em

direção a alguma forma de organização social diferente.

Todos olhavam a mesma realidade, porém o faziam de posições políticas e pontos de

vistas teóricos e ideológicos diferentes. Viam os mesmos problemas e compartilhavam a mesma

crise, porém aqueles problemas eram percebidos de maneiras diferentes, já que a crise atinge de

modos diversos os vários segmentos da sociedade. Permanecia, porém, a percepção de que se

estava em uma época de transformações e que o correto entendimento da natureza dessas

mudanças seria crucial para a tomada de posições e decisões.

O contexto em que tais fatores atuaram e as peculiaridades das circunstâncias que

condicionaram a ativação e o delineamento da trajetória das mudanças institucionais no Brasil

foram analisados no capítulo primeiro a partir de uma reconstrução analítica do processo de

redemocratização. Tal análise global apresentou apenas a lógica e os desdobramentos mais

amplos das transformações estruturais pelas quais o país estava passando.

Outra circunstância determinante do processo brasileiro de redemocratização, ainda que

derivada da crise de fim de ciclo do nacional-desenvolvimentismo, foi o ressurgimento

simultâneo das principais problemáticas históricas implicadas no processo de modernização

brasileiro. Esse entrelaçamento ultra-complexo de questões cruciais diversas é típica de países

que vivenciam a modernidade a partir da periferia, aos quais não “são concedidos a

experimentação e o aprendizado na administração de crises, cada uma a seu tempo, nem a

capacidade de impedir que os desvios equivocados no tratamento de uma repercutam na

intensidade ou magnitude das demais” (SANTOS, 2006, 19).

Sendo assim, a reforma gerencial de 1995 apresentava não somente propostas

“negativas”, de redução, corte, enxugamento no e do Estado, mas também carregava em si uma

111
forte carga construtiva e propositiva, com boas intenções e respaldada por algumas experiências

internacionais. Contudo, em contexto de predominância de ajuste fiscal, os esforços de

convencimento dos atores situados nos principais postos de comando do governo federal teriam

que ser fortes.

Em tal contexto, o MARE, ao tentar justificar e angariar apoio para suas propostas pela

formulação sistemática de uma visão geral do governo e de seu lugar dentro dele, tornou-se um

dos principais focos difusores de uma nova imagem do Estado e, assim, veículo simbólico de

legitimação do governo FHC. “Bresser foi o elemento perturbador do sistema de crenças estáveis

que reinava na alta e na baixa burocracia governamental. Foi o elemento de ruptura, cujo ruído

provocaria mudança” (MARTINS, 2003, 159). Isto ficou claro, por exemplo, com a análise

comparativa entre o Plano Diretor do MARE e a pesquisa coletiva Estrutura e organização, feita

no capítulo 3.

Dentro do governo e em relação à burocracia, a visão de Bresser-Pereira “não era

hegemônica – era sectária” (MARTINS, 2003, 159). Porém, se não era hegemônica dentro do

governo, seria tomada como hegemônica, ou pelo menos afinada com a orientação hegemônica

do governo como um todo, pelos críticos do neoliberalismo do governo FHC.

Para se entender de modo mais completo a experiência da reforma gerencial de 1995, é

importante que o “neoliberalismo” do qual o MARE fora acusado seja relativizado e analisado de

modo diferencial. Há nesse ponto um paradoxo de difícil resolução: a proposta MARE não pode

ser reduzida, simplificadoramente, ao caráter geral do governo FHC, no qual predominou uma

orientação neoliberal.

As propostas construtivas que o MARE apresentou para a administração pública

brasileira foram, até certo ponto, sufocadas pelo peso e pela hegemonia do ajuste fiscal. Ao

112
mesmo tempo, a estratégia adotada para implantação da reforma elevou o grau de visibilidade da

reforma, o que contribui tanto para seus êxitos quanto para seus fracassos. Tal estratégia

assentou-se em dois pilares: (1) proposta geral de superação paradigmática da modelo

burocrático “weberiano” por outro modelo global, o gerencial, e não a adoção de uma postura

incrementalista de ajustes55; (2) tendo em vista que o MARE tinha pouco poder e “dependia

exclusivamente de sua capacidade de convencimento” (BRESSER-PEREIRA, 2008, 41), o

ministro Bresser-Pereira e sua equipe promoveram e divulgaram suas idéias ao máximo, seja

pela publicação de artigos acadêmicos, em jornais, de livros, seja pela realização de palestras e

seminários.

Adotar essa estratégia foi uma jogada arriscada, um lance ambicioso dentro de um

contexto restritivo. Como os principais atores do sistema político permaneceram, por pelo menos

dez anos, em compasso de espera, aguardando a resolução do processo de redemocratização –

concretizado com a eleição e a posse de FHC, em 1994-95 – para se lançarem a iniciativas mais

amplas de reforma, reformas estas que incluíam a própria reestruturação do aparelho burocrático,

a existência do MARE e a forte militância em torno de novas idéias, sintetizadas na Nova

Administração Pública, foram determinantes não somente para a resolução de uma crise setorial

e particular – a do aparelho administrativo do Estado –, mas para a crise brasileira de um modo

geral.

Tendo em vista o “consenso negativo com respeito ao Estado”, resultante da “reação

contra os baixos níveis de prestação de serviços públicos” e da força crescente das propostas de

55
Além da obra organizada por Jaccoud e Andrade (1993), já analisada no terceiro capítulo, outro especialista que
afirmava a necessidade de uma reforma administrativa mais incrementalista do que global, é Martins(b), que, em
1993, ou seja, antes da criação do MARE, afirmava que “a reforma [do aparelho do Estado] é possível se for
adotada uma estratégia realista e flexível, tendo como meta mudanças parciais e incrementais, visando gerar um
efeito-demonstração” (1997, 11). A publicação é de 1997, mas o texto foi escrito em 1993.

113
“privatização e desregulamentação” (MARTINS, 1997, 8), Bresser-Pereira, com sua estratégia,

ocupou dois espaços possíveis na conjuntura:

1) complementaridade em relação às reformas econômicas, consubstanciadas nas

privatizações e desregulamentações. A “reforma é gerencial porque busca inspiração na

administração das empresas privadas” (BRESSER-PEREIRA, 1998, 17), isto é, no mercado,

assim como as grandes ações empreendidas pelo governo FHC. A justificativa da reforma

gerencial era similar à adotada para as privatizações e desregulamentações: o crescimento do

Estado brasileiro exigiria “uma reforma gerencial que aproveitasse – naturalmente adaptando-os

– os grandes avanços ocorridos durante o século XX na gestão das empresas privadas”

(BRESSER-PEREIRA, 2008, 11);

2) reforço do movimento de descentralização e pró-direitos sociais mediante propostas de

mudança na administração direta, como a criação das figuras jurídicas das Organizações Sociais,

entidades centrais do setor público não-estatal. O “aparelho do Estado brasileiro necessitava

urgentemente de reforma para poder ficar à altura das novas responsabilidades que assumira nas

áreas da saúde e da educação a partir de transição democrática de 1985”, escreveu Bresser-

Pereira (2008, 11) acerca do porquê de ter aceitado o convite para a pasta da administração no

governo FHC.

A reforma de 1995, com sua “falha seqüencial” (REZENDE, 2004), aponta para um ciclo

incompleto de política pública, marcado por um processo ultra-criativo em sua fase decisão e

formulação, mas com fortes dificuldades de implementação e, assim, de avaliação – razão de ser

dos debates travados quanto ao sucesso ou fracasso da reforma gerencial no Brasil.

O processo de formulação da reforma desdobrou-se em vários níveis: a) Técnico,

envolvendo a administração pública strictu sensu; b) Político, pela tentativa de vinculação da

114
proposta setorial de reforma administrativa ao leque de reformas do governo como um todo; 3)

Retórico, representado por artigos, declarações e até mesmo documentos oficiais que visavam à

difusão de uma nova imagem do Estado e de seu aparelho administrativo e, consequentemente, à

justificação da reforma gerencial; 4) Teórico, na medida em que envolveu e ativou um amplo

movimento de pesquisa – na ciência política, administração pública, economia, direito etc. – em

diversas áreas, envolvendo a proposta de reforma como um todo ou determinados temas

específicos.

Tendo em vista a pluralidade de níveis de formulação da reforma,

1) a avaliação – positiva ou negativa, em graus variados – também ocorreu em diversos

níveis, sendo favorável ou não conforme a perspectiva adotada, o posicionamento do pesquisador

ou especialista e a interpretação dos dados;

2) a pluralidade de atores envolvidos levou ao aumento dos pontos de veto e dos custos

de mobilização, convencimento e comprometimento dos atores, no mesmo movimento de busca

de ampliação da coalizão de apoio.

Tendo em vista, ainda, uma situação de consenso intra-governo não consolidado, 3)

observou-se a existência de propostas concorrentes com graus diversos de convergência ou

divergência em pontos importantes, como a proposta de agências reguladoras frente a das

agências executivas; e a orientação dominante para o ajuste fiscal, nem sempre congruente com

as propostas de mudança institucional, que foram, assim, deslocadas do centro das atenções.

Como observação final, é importante notar que aquele ciclo de debates dos anos 1990, em

torno dos papéis a serem desempenhados pelo Estado brasileiro, ainda não se encerrou. A onda

de mudanças institucionais, aberta pela redemocratização, se arrefeceu, saindo de sua fase de

115
maior intensidade. Esse arrefecimento é, provavelmente, resultante do desgaste dos contendores

e da irreversibilidade da maior parte das iniciativas já empreendidas no sentido da construção de

um novo Estado.

Além disso, deve-se levar em consideração também o movimento de inclusão política,

via ciclos eleitorais regulares56, dos atores políticos mais relevantes do cenário nacional desde a

volta da democracia, na década de 1980. Através daqueles ciclos, as principais forças políticas e

sociais do país ocuparam ou estão ocupando, sucessiva ou simultaneamente, os cargos eletivos

mais importantes do sistema político brasileiro nos três níveis da federação.

O resultado dessa alternância no poder é duplo. Por um lado, representa uma elevação

significativa, por parte dos atores políticos, do nível de aprendizagem em relação ao jogo político

democrático, suas regras, limites e potencialidades. Por outro, representa um relativo

esgotamento do potencial de projetos e propostas que as principais forças políticas e sociais

tinham para o país, na medida em que já tiveram oportunidades de pô-las em prática.

Aquele relativo esgotamento leva à disposição e à necessidade de os atores terem novas

idéias e experimentarem novas práticas, na medida em que os problemas nacionais permanecem

não resolvidos e, aqueles já resolvidos apontam para a necessidade de outras reformas.

Em suma, a cada nova rodada eleitoral, a cada debate mais forte e substantivo em torno

das propostas de quem ocupa e detém, no momento, o poder, os atores aprendem a conviver uns

com os outros bem como com o regime democrático. Aprendem, assim, a se renovar

constantemente.

Depois da tentativa de acertar as contas com a “Era Vargas” e com a experiência

autoritária brasileira, após terem experimentado o poder “pelo alto”, controlando-o e não sendo

56
Esse ciclo foi aberto pela volta do pluripartidarismo (1979) e, “depois [das eleições] de novembro [de 1985], não
há mais força de esquerda externa à dinâmica da transição democrática. Se ela radicaliza e se afasta do centro, na
melhora das hipóteses, deixa-o sem luta ao eixo conservador” (VIANNA, 1989, 76).

116
objeto dele simplesmente, projetos foram testados, decisões foram tomadas, erros cometidos e

acertos alcançados.

Com o ciclo de alternância no poder se completando, após duas décadas e meia de

democracia, com todos os principais atores, que voltaram à cena pública com a

redemocratização, tendo passado pelos altos cargos do poder, pode-se afirmar que a consolidação

da democracia brasileira está conduzindo a novas paragens. É provável, portanto, que um novo

ciclo de acerto de contas se abra.

117
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Folha de S. Paulo, Arquivos on-line da Folha de S.P., disponíveis em:


http://www1.folha.uol.com.br/folha/arquivos/. Foram consultadas as edições do período entre
maio de 1994 e dezembro de 1995.

126
Anexo I

Cronologia sobre a reforma gerencial de 199557

Fonte de dados: Arquivos on-line da Folha de S.P.


http://www1.folha.uol.com.br/folha/arquivos/
Palavra-chave: “Bresser-Pereira” - 425 ocorrências.
Data do recolhimento do material: ao longo do segundo semestre de 2006.

Esta cronologia expõe os acontecimentos, declarações e decisões mais importantes que


ocorreram entre o período imediatamente anterior à criação e durante o primeiro ano de
existência do Ministério da Administração e Reforma do Estado, daqui em diante “MARE” ou
“Secretaria da administração federal”, entre meados de 1994 e todo o ano de 1995. O critério
básico de seleção do material foi o de sua relevância ou não em relação à implantação da reforma
gerencial proposta pelo MARE. Levou-se em consideração posicionamentos do ministro
Bresser-Pereira, ocupante da pasta, que repercutiram na imprensa por meio de suas declarações,
entrevistas, artigos de sua autoria etc. Também foi levado em consideração tomadas de posição e
opiniões referentes à implantação da reforma, como do então presidente Fernando Henrique
Cardoso, de outros ministros, congressistas, especialistas, jornalistas, sindicalistas entre outros.
Esta reconstituição factual tem por objetivo reconstituir, através do olhar da imprensa, é claro, o
clima no qual transcorreu o processo de construção da proposta reforma.

1994
58
29 e 30/11/1994 [FSP] – Bresser aparece na lista dos cotados para a secretaria da fazenda de
São Paulo.
06/12/94 [FSP] – “Na Fiesp, o nome dado como certo para o Ministério da Indústria e Comércio
é o do ex-ministro da Fazenda Bresser Pereira”.
20/12/94 [FSP] – FHC reúne-se com Bresser e com Rubens Barbosa, ambos cotados para o
Itamaraty. Não houve nenhum anúncio oficial mas a imprensa já considera Bresser como
ministro das relações exteriores.
21/12/94 [FSP] – “Diplomatas se opõe à indicação de Bresser”. Esperava-se a indicação de um
diplomata de carreira e o nome do embaixador brasileira na ONU, Luiz F. Lampréia, estava em
alta cotação. “Os protestos são feitos à moda do Itamaraty, uma Casa onde as divergências não
ultrapassam o nível do porão”. (...) “Diplomatas e políticos ficaram com a impressão de que o
convite a Bresser foi uma espécie de prêmio pelo papel que desempenhou na campanha. Ele foi
tesoureiro oficial do PSDB, um posto considerado espinhoso”.
22/12/94 [FSP] – “FHC recua e põe Bresser na SAF”. (...) “Em telefonema a Bresser, FHC
afirmou ter sofrido pressões para tirá-lo do cargo. A amigos, Bresser disse haver enfrentado
restrição do embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima e do senador eleito Antônio Carlos
Magalhães (PFL–BA)”. L. F. Lampréia vai para o Itamaraty.

57
A cronologia inicia-se em fins de 1994 para dar uma visão um pouco mais ampla da criação do MARE e da
elaboração da proposta de reforma da administração pública.
58
Jornal Folha de S. P. Tudo o que aparecer sob aspas será citação direta do jornal, caso contrário o autor da frase
será indicado.

127
“Luiz Carlos Bresser Pereira perdeu o posto de chanceler por volta de 23h de terça-feira, quando
recebeu um telefonema de Fernando Henrique Cardoso. Bresser estava em São Paulo. Recebeu a
ligação em casa. Falando de Brasília, o presidente eleito lhe disse que estava recebendo muitas
pressões contra sua indicação para o Itamaraty. Fernando Henrique omitiu os nomes dos
opositores de seu aliado. Apenas disse a Bresser que não tinha como desconsiderar as pressões.
Teria de recuar na escolha. Consultou-o sobre a possibilidade de ocupar o posto de secretário de
Administração do novo governo. Embora desejasse muito o Itamaraty, Bresser assentiu”. (...)
“A Folha apurou que Fernando Henrique ficou impressionado com a má recepção do nome de
Bresser no Itamaraty. Como ex-chanceler, não lhe agradava a idéia de levar insatisfação à Casa.
A forte reação abalou sua convicção da véspera. Disse aos auxiliares que estava decidido a
premiar Bresser, tesoureiro oficial de sua campanha com um posto na esfera federal. Bresser
desejava muito o Itamaraty. Havia conversado com o presidente também sobre o setor de
administração pública, mas de forma periférica (...). Bresser foi chanceler por pouco mais de
24h”.
23/12/94 [FSP] – ACM afirma que não influenciou na decisão do presidente FHC de voltar atrás
na escolha de Bresser para o Itamaraty e disse não ter nada de pessoal contra o novo ministro.
Bresser, por sua vez, afirma que não havia acusado ACM de ter influenciado na decisão de FHC,
mas que apenas havia comentado uma notícia da Folha de S. P.
24/12/94 [FSP] – Logo em seu primeiro dia de trabalho, Bresser terá que enfrentar um problema
criado por ele mesmo, quando era ministro da fazenda. “Na sua posse, a Associação dos
Funcionários Públicos Federais faz manifestação para pedir reposição de perdas salariais durante
o Plano Bresser”.
26/12/94 [FSP] – “Herança administrativa: Bresser Pereira herdará vários problemas de seu
antecessor, [general] Romildo Canhim. Entre eles, a terceira fase da isonomia salarial, a
montagem de um plano de carreira e a criação de um novo plano de seguridade para os
servidores”.

JANEIRO/95

02/01/95 [FSP] - A SAF (Secretaria de Administração Federal) transforma-se, por decreto


presidencial, em Secretaria de Administração Federal e Reforma do Estado, ganhando status de
ministério sob o comando de Luiz Carlos Bresser-Pereira.
03/01/95 [FSP] - anúncio das metas de cada ministro, sendo que as de Bresser na Administração
Federal foram: 1) Flexibilização da estabilidade dos servidores públicos 2) Rever a política de
admissão de servidores restrita aos concursos públicos 3) Transformação de universidades,
escolas, museus e hospitais ligados ao governo em entidades não-governamentais e fundações 4)
Criação de “uma carreira de altos administradores públicos, com formação em nível de pós-
graduação, efetivamente bem pagos”
4/5/01/95 [FSP]- Adib Jatene, ministro da Saúde naquela época, declara publicamente seu
desacordo em relação à proposta do ministro da Administração Federal, Bresser-Pereira, de
acabar com a estabilidade dos funcionários públicos, o que gera grande repercussão na imprensa,
já que com menos de uma semana de governo FHC é obrigado a enfrentar e ter que resolver
atritos entre os membros do alto escalão de seu governo.
26/01/95 [FSP] - O presidente FHC, juntamente com outros ministros de seu governo, decide
incluir o fim da estabilidade dos funcionários públicos entre as propostas de emendas
constitucionais que o governo pretendia encaminhar ao Congresso no mês seguinte. A idéia era

128
incluir entre as possíveis causas já existentes de demissão de funcionários públicos, como, por
exemplo, a falta grave, outros motivos como excesso de servidores e mau desempenho.
28/01/95 [FSP] - O governo se vê obrigado a negociar com o próprio partido do presidente
(PSDB) pois alguns de seus membros não estavam tão dispostos a apoiar integralmente
propostas como o fim de alguns monopólios estatais, a reforma da Previdência, o fim da
estabilidade do funcionalismo público sob a alegação de que estas duas últimas medidas não
constavam no programado partido.
28/01/95 [FSP] - Bresser declara-se favorável ao fim da isonomia salarial entre os três poderes e
da aposentadoria integral do funcionalismo público.
27/01 - 01/02/95- Palestras de alguns ministros à parlamentares da base aliada do governo
(PSDB, PMDB, PFL, PTB, PP e PL) com o intuito de esclarecer as várias propostas de emendas
constitucionais referentes a cada setor.

FEVEREIRO/95

02/02/95 [FSP] – Bresser discute com representantes do funcionalismo público o aumento dos
salários destes. O ministro também se manifestou favoravelmente ao direito de greve mas disse
que estas deveriam ser tratadas como no setor privado, que não paga pelos dias parados.
02/02/95 [FSP] – Bresser levará proposta de restringir os cargos de DAS 1, 2 e 3 a funcionários
públicos de carreira. O intuito é estimula-los e reduzir apadrinhamento político.
08/02/95 [FSP] – PT entra com mandado de segurança coletivo contra os ministros Malan e
Bresser por causa do reajuste salarial dado ao servidores públicos.
11/02/95 [FSP] – Bresser é recebido com mini-protesto no Paraná. Cerca de 15 servidores
protestaram contra conseqüências do plano econômico por ele lançado quando era ministro da
fazenda. Na palestra que fez, Bresser afirmou que somente será mantida a estabilidade de
carreiras que não existem na iniciativa privada, como militar e juizes.
15/02/95 [FSP] – Bresser faz intervenção não programada na reunião do governo com centrais
sindicais. Ele afirmou que "Eu acho que estão todos loucos" ao defenderem a aposentadoria por
tempo de serviço, que o governo quer extinguir. Ele disse que a aposentadoria por tempo de
serviço beneficia a classe média e não o trabalhador.
15/02/95 [FSP] – Ministros modificam a apresentação das propostas de reformas constitucionais.
A sexta palestra realizada por Jobim, Malan, Serra, Bresser e Stephanes para explicar as
reformas dirigiu-se a uma platéia de líderes sindicais. As outras cinco palestras já realizadas
haviam sido para parlamentares da base aliada e para empresários.
19/02/95 [FSP] – Artigo de Bresser, “Cidadania e reforma”, onde afirma que a reforma da
previdência é fundamental para o saneamento das contas públicas. Neste artigo procura
descrever e justificar a entrada da proposta de reforma administrativa na agenda do governo. Ele
afirma que já havia um debate nacional sobre a o “nacionalismo estatizante” contido na
Constituição, mas que “Não estava claro, entretanto, a importância e urgência de se discutirem os
temas específicos da administração pública, particularmente problemas da aposentadoria integral
dos funcionários, do regime jurídico único e da estabilidade. Por isso, quando coloquei o
problema em debate ao nível nacional, a reação inicial foi de surpresa de quase todos e de
irritação dos que se sentiram atingidos”. Diz ainda que, à medida em que teve espaço na
imprensa para “esclarecer as propostas”, foi recebendo um apoio crescente por parte de amigos e
conhecidos, por parte de jornalistas, congressistas, governadores, prefeitos, inclusive do PT. Cita
também pesquisa realizada em SP, na qual a maioria dos entrevistados se colocou favorável à

129
flexibilização da estabilidade do funcionalismo público. Finalmente, a importância da reforma
administrativa foi reconhecida pelo próprio presidente, que inclui o tema nas palestras realizadas
a parlamentares e líderes sindicais e também na primeira leva de propostas de emendas
constitucionais. Por fim, afirma que foi a indignação dos cidadãos em geral perante os privilégios
corporativistas do funcionalismo público e a ineficiência do serviço público “que colocou o tema
da administração pública na agenda da reforma constitucional”.
19/02/95 [FSP] - Decisão de incluir a reforma do regime jurídico único entre as propostas de
emendas constitucionais que seriam enviadas ao congresso. Entre estas estavam a reforma
tributária, a da Previdência e a da ordem econômica.
21/02/95 [FSP] - Bresser defende uma proposta de mudança no Estatuto do Servidor Público
com o intuito de por fim à isonomia salarial entre os três poderes e facilitar, por exemplo, a
demissão por justa causa de servidores públicos, como ocorre na iniciativa privada. O objetivo
básico era enxugar a folha de pagamentos do governo e impedir ou dificultar novos aumentos de
salários decorrentes da aplicação da isonomia.
22/02/95 [FSP] - Outra emenda constitucional é proposta no âmbito da reforma administrativa: a
de se reservar 10% das vagas dos concursos públicos a funcionários públicos (“concurso
interno”) com o intuito de aproveitar os quadros que já têm experiência e como oportunidade de
promoção para aqueles que a desejam.
MARÇO/95
03/03/95 [FSP] - Após um encontro com o ministro Bresser Pereira, o então governador de São
Paulo, Mário Covas, declara seu apoio à proposta de emenda constitucional que modificaria o
capítulo relativo à administração pública e compromete-se a angariar o apoio de deputados e
outros governadores para estas proposta. A possibilidade de demissão de funcionários por
motivos de excesso de quadros agradou o governador.
06/03/95 [FSP] - “As declarações soltas do ministro da Administração, Luiz Carlos Bresser
Pereira, estão produzindo uma enorme corrida nas universidades, de professores solicitando
aposentadoria”
08/03/95 [FSP] - Deputados do PSDB reclamam da falta de argumentos mais sólidos para a
defesa das propostas de emendas constitucionais. As justificativas seriam genéricas demais e,
para alguns deputados, o ministro Bresser Pereira estava falando demais, provocando polêmicas
em excesso e sem necessidade.
10/03/95 [FSP] - Miguel Reale Júnior, secretário de administração pública de São Paulo, afirma,
discordando do ministro da mesma pasta na esfera federal, Bresser Pereira, que “se o governo
punisse os servidores públicos faltosos, não precisaria propor tantas mudanças para o
funcionalismo. Segundo ele, para isso precisaria haver vontade política.”
11/03/95 [FSP] - “O ministro da Administração e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser
Pereira, defendeu ontem a transformação das universidades e hospitais federais em organizações
semelhantes às entidades privadas sem fins lucrativos. (...) Indagado se isso não acabaria com o
ensino gratuito, o ministro afirmou que não vê razão para todas as vagas serem gratuitas. Nas
universidades, segundo ele, 70% das vagas poderiam ser ‘pagas. ‘Essas universidades são as
melhores e os pobres hoje estudam nas privadas’, afirmou”.
12/03/95 [FSP] - Em entrevista por telefone à Folha, David Osborne, autor do livro
“Reinventando o Governo” (juntamente com Ted Gaebler) e assessor do então presidente dos
EUA Bill Clinton na reforma do Estado deste país, dá sugestões para a reforma do Estado no
Brasil. Ao ser perguntado sobre que medida poderia ser tomada de modo mais imediato
respondeu: “Desregulamentar tudo o que for possível e estabelecer metas e cobranças para

130
resultados.” Além disso, uma medida fundamental no processo de reforma do Estado é expor as
estatais ao mercado. "A competição faz maravilhas", declarou na entrevista. O ministro Bresser
Pereira era um defensor ardoroso de suas idéias, que formaram o núcleo da proposta de reforma
gerencial da gestão pública defendido pelo MARE.
15/03/95 [FSP] - David Osborne chega ao país para encontrar-se com ministros responsáveis
pela reforma do Estado no Brasil enquanto o ministro Bresser Pereira revela sua pretensão de
contratá-lo como consultor do governo brasileiro através do BID ou do governo norte-americano,
com o qual haveria a possibilidade de se firmar um acordo de cooperação técnica.
16/03/95 [FSP] - Bresser conseguiu a quase unanimidade dos deputados dos mais diversos
partidos contra sua sugestão de o governo brasileiro ter um assessor estrangeiro pago pelo
governo norte-americano ou por alguma instituição multilateral estrangeira. “Nós, que estamos
aqui, não conhecemos direito a máquina, imagina o americano", disse um deputado. Além disso,
houve quem alegasse ser inconstitucional essa proposta.
16/03/95 [FSP] - Bresser defende a redução da quantidade de cargos de confiança ligados à
Presidência da República, que atingiriam a soma de 57 mil cargos.
22/03/95 [FSP] - Técnicos do MARE estudam uma forma mais adequada de conter e reduzir os
pedidos de reposição das perdas dos salários dos servidores atingidos pelos sucessivos planos
econômicos e, conseqüentemente, cortar o mais possível os gastos decorrentes dessas ações
judiciais vitoriosas. A estratégia básica seria a de melhorar a contestação por parte do governo,
quer dizer, melhorar sua argumentação jurídica.
23/03/95 [FSP] - Bresser responde às críticas que sofreu por sugerir a assessoria de David
Osbrne dizendo que o que pretendia não era entregar o ministério ou o processo de reforma do
Estado brasileiro a um estrangeiro, e sim que ele fizesse um diagnóstico sobre a situação do país
com relação à administração pública e depois apresentasse os resultados em seminários para os
membros do governo. Ressaltou ainda que a reforma do Estado é um projeto da sociedade
brasileira como um todo e não do governo ou do MARE. Este, segundo ele, dará apenas uma
pequena contribuição.
27/03/95 [FSP] - A proposta de fim da estabilidade do funcionário público bem como o fim da
isonomia salarial tornam-se cada vez mais polêmicas juntamente com a reforma tributária. Os
partidos, inclusive o do governo, o PSDB, estavam divididos com relação a essas propostas de
reforma vindas do governo.
29/03/95 [FSP] - Defesa do novo método de avaliação do ensino superior no Brasil
comparando-o ao ensino superior norte-americano, no qual as universidades são “instituições
públicas não-estatais” cujos segredos do sucesso são: 1) “total autonomia financeira e a completa
flexibilidade administrativa das universidades, que são todas instituições públicas não-estatais”;
2) “competição”, que propicia um controle por resultados (a posteriori) e não por “rígidos
processos de controle” a priori.
ABRIL/95
08/04/95 [FSP] - Tendo em vista que “A sede do ministério [da Administração e Reforma do
Estado] é alvo de pelo menos um protesto de servidores por semana”, o ministro Bresser decidiu
solicitar o desarmamento dos seguranças do prédio do ministério. Tal decisão repercutiu muito
bem na imprensa.
08/04/95 [FSP] - Apresentada a proposta de fim do direito de greve para os servidores das
“carreiras típicas” (fiscais da Receita, Previdência e Trabalho e delegados da polícia federal),
que, por outro lado, permaneceriam com “privilégios como estabilidade no emprego, salários

131
superiores à média do funcionalismo e oportunidade de treinamentos”. Em contrapartida, os
demais servidores perderiam o direito de estabilidade mantendo, porém, o direito de greve.
28/04/95 [FSP] - Bresser teve que andar a pé 1 km até seu escritório no MARE, devido a
protestos que ocorriam em frente ao prédio do ministério.
MAIO/95
11/05/95 [FSP] - o sociólogo Luciano Martins afirma que o corporativismo dos sindicatos seria
um dos principais entraves à reforma do Estado proposta pelo governo FHC, em seminário
organizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos. Bresser, que estava presente, afirmou que
“o decreto que pune grevistas da administração pública foi um recurso usado pelo governo para
inibir a prática corporativista no funcionalismo”.
17/05/95 [FSP] - em almoço dedicado à Roberto Marinho, Bresser fala sobre a emenda
constitucional que prevê flexibilização da estabilidade do servidor, planejada para ser enviada
em Julho de 1995 ao Congresso.
22/05/95 [FSP] - Artigo de Bresser, “As organizações sociais”, apresentando e defendendo a
figura jurídica das “organizações sociais”.
30/05/95 [FSP] - Diantes das resistências no Congresso, Bresser resolve mudar sua estatégia.
Ao invés de tentar convencer os congressistas a aprovarem de uma só vez as emendas da reforma
administrativa, vai buscar o apoio dos governadores para que estes ajudem a convencer os
congressistas e, além disso, “fatiará” a proposta de emendas: 1) uma tratará da polêmica
flexibilização da estabilidade; 2) outra trataria da remuneração do servidor, sendo que o
“governo defende que qualquer aumento dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário)
teria de ser feito através de projeto de lei”; 3) uma terceira trataria da “questão do regime jurídico
único para os servidores. O governo defende que os regimes jurídicos sejam diversificados e
definidos em lei complementar; 4) uma quarta emenda, que talvez seja juntada à terceira a fim de
formarem uma só proposta, é a que traz “alterações nas regras gerais da administração pública”.

JUNHO/95
05/06/95 [FSP] - Entrevista com David Hunt, ministro da reforma administrativa no Reino
Unido, que veio ao Brasil, a convite de Bresser, para falar sobre a reforma que está sendo
empreendida em seu país, em especial sobre o “Estatuto da Cidadania”, documento que “define
padrões de serviços públicos que o cidadão tem o direito de esperar e exigir”. Discorrendo sobre
os resultados já alcançados em seu país, Hunt ressalta as privatizações, que levaram a uma
redução de gastos por parte do governo e transferência de 1 milhão de trabalhadores do setor
público para a iniciativa privada.
12/06/95 [FSP] - A deputada Maria Laura Sales Pinheiro (PT-DF) critica a proposta de fim da
estabilidade do servidor público.
12/06/95 [FSP] - Entrevista do ministro Bresser-Pereira. Afirma que o regime jurídico único “é
um desastre para o país” e que, em ordem de prioridade, as emendas constitucionais constituintes
da proposta de reforma administrativa do Estado, que pretendia enviar ao Congresso, eram: 1) a
da “descentralização, vai devolver a autonomia a essas entidades [autarquias e fundações] e
permitir que adotem sistema de administração por objetivos”; 2) a que “flexibiliza a estabilidade
do servidor público”; 3) a terceira “trata das remunerações dos servidores dos três poderes.
Qualquer aumento de salários no âmbito do Executivo, Legislativo ou Judiciário passaria a ser
definido em projeto de lei, o que daria margem a uma maior isonomia de salários entre
funcionários públicos”. Bresser considera a primeira emenda a mais importante, mas espera
encontrar mais oposição na segunda. Mas afirma que já obteve apoio de boa parte dos

132
governadores e de muitos prefeitos. Além disso, Bresser afirmou que um “aumento da eficiência
do aparelho do Estado é fundamental” para que o aumento moderado esperado da carga tributária
tenha realmente efeitos positivos sobre a cobertura e qualidade na prestação de serviços públicos.
12/06/95 [FSP] - Decreto do Ministério da Adminstração que previa uma jornada de trabalho
semanal de 40hs esbarra em um problema técnico: “não há, na maioria das repartições federais,
um sistema eficiente para controlar o horário dos servidores”.
12/06/95 [FSP] - “O ministro Bresser Pereira está convicto de que a reforma administrativa
passa fácil no Congresso. Aposta no apoio da opinião pública e na ajuda dos governadores e
prefeitos, também às voltas com excesso de funcionários”.
17/06/95 [FSP] - Bresser discute com cinco especialistas britânicos o processo de reforma no
Reino Unido, na FGV do Rio.
20/06/95 [FSP] - O presidente Fernando H. Cardoso afirmou que “a principal dificuldade do
governo na reforma constitucional é a área administrativa”, o contrário do que havia dito o
ministro Bresser alguns dias antes (12/06/95), para quem não haveria grandes dificuldades de
aprovação da emenda no Congresso. A dificuldade, para o presidente, estaria na oposicão dos
grupos de interesses. Em outra ocasião, em uma reunião organizada por Bolívar Lamounier, o
presidente FHC solicitou a “participação de intelectuais, artistas e economistas em debates sobre
as mudanças que pretende promover no país”.
20/06/95 [FSP] - Entregue ao presidente “O projeto de Bresser [que] transforma hospitais,
universidades e entidades culturais (ou de pesquisa) em instituições regidas pelo direito privado,
mas sem fins lucrativos”.
22/06/95 [FSP] - Bresser estaria finalizando o projeto que daria às universidades total
autonomia. “Pelo projeto, as universidades serão geridas por um conselho, com participação do
governo, podendo obter recursos no mercado”. Apesar das mudanças, contudo, as universidades
continuariam a receber verbas governamentais, que seriam administradas com maior autonomia.
O projeto não é vinculativo, ou seja, as universidades não seriam obrigadas a adotar o novo
sistema, mas a expectativa era que todas o adotassem. O propósito é estender o modelo a museus
e hospitais, também de forma facultativa. Ele deverá ser enviado ao Congresso em agosto.
22/06/95 [FSP] - Bresser anuncia a criação de um conselho federal para discutir a reforma do
Estado, “nos moldes do programa Comunidade Solidária, responsável pela atuação
governamental na área social”, e que contará com a participação de 12 representantes da
sociedade civil. O anúncio foi feito na solenidade de criação da Câmara de Reforma do Estado,
que, ao contrário do conselho, conta apenas com representantes do governo, como os ministros
do Planejamento, da Fazenda, da Casa Civil, do Trabalho e o secretário-geral da Presidência.
Para Bresser, o apoio desses ministros é importante porque “são os que manejam as verbas
federais e, além disso, têm o poder de transformar os debates em ação governamental”. A idéia é
tornar, de fato, a reforma do Estado uma prioridade compartilhada por todo o governo.
23/06/95 [FSP] - A Andes (representantes dos professores das IES) e a Andifes (representantes
dos reitores) manifestaram seu estranhamento com relação ao fato de a proposta de autonomia
universitária ter sido apresentada pelo ministro da administração e não pelo ministro da
educação. Para essas entidades, a reforma deve ser discutida no âmbito do MEC. Além disso, a
Andes e a Andifes acusam a proposta de ser uma tentativa de privatização do ensino superior.
23/06/95 [FSP] - Entrevista de Bresser. Para Bresser, o “professor não precisa ser funcionário
público”, como diz o título da reportagem. Com relação às universidades, Bresser afirma:
“Pública sim, estatal não”, dizendo que a educação não deve dar lucro mas também não precisa
ser estatal. Disse que a proposta não foi incluída na LDB, que estava em tramitação no Senado,

133
porque o projeto serve não somente para as universidades, mas também para outros órgãos
públicos.
27/06/95 [FSP] - “o ministro Bresser Pereira vai fazer uma rodada gastronômica com as
lideranças partidárias. O objetivo é explicar o projeto de reforma administrativa do governo”.

JULHO/95
01/07/95 [FSP] - Segundo C. A. Sarndenberg, a inclusão da reforma administrativa na agenda
imediata do governo foi devido, em grande parte, à atuação do ministro Bresser “preparando um
bom projeto e convencendo o presidente Fernando Henrique Cardoso e lideranças políticas de
sua viabilidade”.
04/07/95 [FSP] - A Câmara de Reforma do Estado se reuniu pela primeira vez para discutir a
proposta de reforma administrativa. Bresser afirmou que a CF/88 representeou um retrocesso,
uma “reburocratização” irracional. “O ministro disse que a reforma administrativa é apenas parte
da reforma do Estado”.
07/07/95 [FSP] - O ministro Bresser declarou que uma lei complementar vai estabelecer o perfil
(ou seja, critério objetivos) dos funcionários públicos que poderão ser demitidos de acordo com
novos critérios propostos (excesso de pessoal e insuficiência de desempenho). O objetivo é evitar
demissões políticas.
07/07/95 [FSP] - Hilbert David Sousa, coordenador da Federação dos Trabalhadores das
Universidades Brasileiras _Fasubra/Sindical, critica as propostas para a educação do MARE.
08/07/95 [FSP] - MEC apresenta um proposta de autonomia universitária diferente da do
ministro Bresser. Representante do MEC afirmou que as universidades podem não querer adotar
o novo modelo de Bresser por temer posteriores reduções de verbas. 09/07/95 [FSP] - Governo
conclui hoje a proposta de reforma administrativa. Através dela, seria extinto o regime jurídico
único. Para fixar os novos critérios de demissão, “haverá lei complementar, que regula a
Constituição e é de categoria superior à legislação comum”.
11/07/95 [FSP] - Governo decide enviar ao Congresso, em agosto, as emendas referentes à
proibição de greve nas “carreira típicas” de Estado e a que restringe a proibição de estrangeiros
de ocuparem cargos públicos somente a tais “carreiras típicas”. Com relação às demissões de
funcionários públicos que as emendas poderão provocar, Bresser não foi conclusivo, disse que as
decisões a esse respeito por parte de estados e municípios não é de sua alçada e, com relação a
funcionários federais, foi vago, dizendo primeiro que poderiam ser numerosas mas, depois, disse
também que poderá não haver muitas demissões.
13/07/95 [FSP] - Bresser afirmou que as demissões deveriam ser práticas. Entre os critérios para
demissão por excesso de quadros, citou tempo de serviço e idade. “Questionado se não seria uma
injustiça, por exemplo, um jovem funcionário ser demitido, embora eficiente, Bresser disse ‘que
ninguém sabe exatamente o que é justo ou injusto. Temos que saber o que é possível, prático,
razoável, moralmente correto’.”
15/07/95 [FSP] - Governo prevê envio do projeto sobre as “organizações sociais” ao Congresso
dentro de 60 dias.
16/07/95 [FSP] - “Como parte da reforma administrativa, Bresser vai criar um ‘laboratório de
governo’. Quatro órgãos foram escolhidos para fazer novas experiências de gestão na
administração pública: Ibama, FAE, Inpi e Inmetro.”
18/07/95 [FSP] - “Líderes tucanos temem que Bresser Pereira centralize demais a discussão da
reforma administrativa na estabilidade do funcionalismo. Acham que o tema é politicamente
difícil e pode complicar a aprovação de outros pontos.”

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19/07/95 [FSP] - Bresser pretende incluir na proposta de reforma um limite de idade para
admissão de funcionário público. Como a Constituição proíbe discriminação por raça, sexo e
idade, a medida terá que ser incluída na proposta de emenda constitucional.
20/07/95 [FSP] - Bresser declarou que o “governo não vai negociar com o Congresso Nacional
a emenda constitucional da reforma administrativa”. Ao invés disso, o ministro da administração
pretende discutir a proposta de reforma com as lideranças de cada partido da base aliada e
também com alguns partidos da oposição. “Na opinião de Bresser, a reforma ‘vai passar com
bem mais facilidade que se esperava’”.
21/07/95 [FSP] - Representantes Fórum Permanente das Carreiras e Categorias Típicas de
Estado se reúnem com Bresser para discutir o fim do direito de greve. Eles se posicionara contra
a medida.
22/07/95 [FSP] - A secretária-executiva do MARE, Cláudia Costin, “voltou a frisar que o
governo federal não pretende demitir servidores. ‘Ao contrário, a meta é empregar 20 mil novos
funcionários até o final do governo, principalmente nas áreas de fiscalização e gerenciamento’”,
disse C. Costin.
22/07/95 [FSP] - “A proposta de emenda constitucional sobre a reforma do Estado [que
começou a ser redigida em janeiro] já está na sua 58ª versão”. (...) “Ao todo, a proposta de
emenda propõe a alteração, adição ou supressão de 19 artigos da Constituição”.
28/07/95 [FSP] - O presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições
Federais de Ensino Superior), Antonio Diomário Queiroz, mais uma vez criticou a proposta de
autonomia universitária de Bresser.
AGOSTO/95
01/08/95 [FSP] - Bresser quer mudanças na Lei de Licitação.
04/08/95 [FSP] - O ministro Bresser muda de opinião e decide pela preservação do direito à
greve para os funcionários das “carreiras típicas” de Estado que, contudo, pela nova proposta,
poderão perder a estabilidade.
08/08/95 [FSP] - “A bancada do PMDB na Câmara reúne-se hoje com o ministro Bresser
Pereira para discutir a sua proposta de reforma administrativa, que irá em breve para o
Congresso. A estabilidade do funcionalismo deve ser o tema quente.”
09/08/95 [FSP] - PMDB critica proposta de reforma administrativa e propõe duas mudanças: 1)
“permanência do termo ‘isonomia’ (salários iguais para quem exerce função semelhante no
poder público) extinto na emenda do governo”; 2) “tornar mais claro o direito de ‘ampla defesa’
para o servidor em processo de demissão”. Bresser aceitou as alterações.
13/08/95 [FSP] – Artigo de Bresser, “O público não-estatal”, no qual defende o projeto das
“organizações sociais”, que seriam um tipo especial de organização pública não-estatal, e cujos
objetivos principais seriam dar maior autonomia e responsabilidade pela prestação de serviços
públicos a algumas entidades, como as universidades. As “organizações sociais” seriam
norteadas por princípios como: “maior parceria com a sociedade” e “controle social direto por
meio dos conselhos de administração”.
14/08/95 [FSP] – Reitores das IES federais criticam a proposta de autonomia universitária de
Bresser.
15/08/95 [FSP] – Entre a proposta de J. Serra de fazer um grande “enxugamento” na máquina
administrativa do governo federal (extinguindo órgãos e demitindo funcionários) e a de Bresser,
de concentrar a reforma administrativa na estabilidade e remuneração do funcionalismo, o
presidente FHC decidiu-se pela proposta de Bresser. “Venceu a idéia de fazer a reestruturação da
máquina administrativa caso a caso, ao longo de todo o governo FHC. Na avaliação do

135
presidente e dos seus líderes no Congresso, uma reforma global não seria aprovada no
Congresso”. A proposta de Serra poderia dificultar a aprovação, no Congresso, de outras
reformas importantes para o governo, além de atrair a oposição de governadores. “FHC está
coordenando pessoalmente a reforma administrativa e gerencia as divergências entre os
ministros. É a forma de FHC de tentar reduzir atritos no governo”.
16/08/95 [FSP] – Bresser afirma estar estudando forma de limitar cargos de comissão, os DAS,
e restringi-los a funcionários públicos de carreira.
23/08/95 [FSP] – Bresser assinará portaria que visa a “eliminar o trânsito de funcionários
públicos para a iniciativa privada e vice-versa. A portaria deve criar uma espécie de ‘executivos
de governo’", inicialmente por concurso público e depois pela oferta de cursos por parte de
órgãos da administração federal a pretendentes de cargos de alto escalão.
24/08/95 [FSP] – Congresso recebe proposta de emendas constitucionais sobre a administração
pública. As propostas incluem a flexibilização da estabilidade dos servidores e o fim do regime
jurídico único, sendo que parte do funcionalismo poderá ser regido pela CLT. A CUT organizou
protesto contra essas propostas na esplanada dos ministérios.
31/08/95 [FSP] – Bresser usará lei aprovada pelo Congresso, que limita a 60% do orçamento os
gastos dos estados com folha de pagamento. Segundo Bresser, o cumprimento desta lei implicará
demissões, mas a lei não estabelece mecanismos para tanto. Daí, segundo o governo, a
importância da flexibilização da estabilidade do funcionalismo.
SETEMBRO/95
01/09/95 [FSP] - Café da manhã de Bresser com bancada do PRP e do PP.
04/09/95 [FSP] - Bresser afirma que “reforma administrativa proposta pelo governo vai ampliar
as defesas do Estado brasileiro frente influências ‘negativas’ do setor privado”.
06/09/95 [FSP] - A bancada do PSDB manifestou sua preocupação ao ministro Bresser com o
dispositivo de demissão por excesso de quadros. O temor é que haja demissões em massa nos
estados e municípios. O ministro respondeu dizendo que uma lei complementar estabelecerá os
critérios em tais casos de demissão.
12/09/95 [FSP] – Em reunião com 19 secretários estaduais de administração, Bresser pediu que
não se desse muita ênfase à quebra da estabilidade e às demissões, mas que procurassem “’
mostrar a valorização do funcionário com a aprovação da reforma’". 23/09/95 [FSP] - Em
palestra para intelectuais no Instituto Fendinad Braudel, Bresser critica os tribunais de contas,
que não estariam cumprindo bem sua missão de fiscalização, e os altos salários do judiciário.
Mais uma vez ressalta que a proposta de reforma administrativa, apesar das pressões no
Congresso, conta com forte apoio de prefeitos e governadores.
23/09/95 [FSP] – Em palestra para executivos financeiros, Gustavo Loyola, presidente do BC,
afirmou que para o avanço do programa de estabilização, são necessárias duas providências:
aprovação da reforma administrativa e as privatizações. “Para o presidente do BC, o aspecto
essencial da reforma administrativa, definida pelo ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, é
permitir que os governos reduzam suas despesas com pessoal”, que cresceram e permaneceram
altas por causa da estabilidade e da isonomia, dispositivos a serem limitados pela reforma
administrativa. Por outro lado, “A venda de estatais, federais e estaduais, segundo Loyola,
renderá o dinheiro suficiente para quitar as dívidas históricas do setor público, construídas ao
longo de anos de gastos descontrolados”.
27/09/95 [FSP] – O deputado Prisco Viana (PPB-BA), relator da proposta de emenda
constitucional da reforma administrativa, disse ter encontrado oito “inconstitucionalidades” e
oito “erros jurídicos” no texto. As emendas sugeridas pelo relator, 16 ao total, que alteram pontos

136
básicos relativos à flexibilização da estabilidade e ao teto de remuneração dos servidores,
desfigurariam a reforma administrativa, tal qual foi proposta por Bresser, que reagiu dizendo que
"É totalmente absurdo, a visão do relator é estritamente burocrática, é um absurdo ilógico". Disse
também que "Se isso for aprovado, acabou a emenda, vamos todos para a praia, porque ficará
provado que o país não tem jeito". A base aliada no Congresso pretende se rearticular para
derrubar as propostas de emenda do deputado Prisco, contando obter a mesma vitória que
haviam obtido horas antes, quando derrotaram a proposta do deputado Marcelo Déda (PT-SE) de
fatiar a reforma administrativa em quatro emendas diferentes, o que atrasaria sua tramitação.
29/09/95 [FSP] – Editorial favorável à reforma administrativa, atacada pelos interesses do
funcionalismo, “uma das mais arraigadas corporações”.
30/09/95 [FSP] - Luiz Carlos Santos, deputado pelo PMDB de São Paulo e líder do governo na
Câmara dos Deputados, defende a proposta de reforma administrativa do governo ressaltando o
apoio dos governadores, que tem parte substancial de suas receitas comprometidas com a folha
de pagamento impedindo-os de realizar investimentos em infra-estrutura, por exemplo.
OUTUBRO/95
03/10/95 [FSP] – Artigo de Bresser “O cidadão e o servidor”. Afirma que as
“inconstitucionalidades” apontadas pelo deputado Prisco Viana não existem.
04/10/95 [FSP] – Governo movimenta-se em busca de apoio para a votação, na CCJ da Câmara,
do parecer do deputado Prisco Viana. A expectativa é que o governo ganhe por um voto de
diferença. Segundo o líder do PFL, Inocência Oliveira, “não há como fazer um Orçamento
equilibrado, diminuindo despesas, se não for feita uma reforma administrativa”, por isso decidiu
apoiar a manutenção da proposta original do governo.
05/10/95 [FSP] – Governo recua e adia votação do parecer de Prisco Viana sobre a emenda da
reforma administrativa na CCJ. A estratégia agora é “aumentar as salvaguardas para a demissão
de servidores públicos para tentar anular as resistências na Câmara”.
05/10/95 [FSP] – “FHC disse a líderes partidários que está satisfeito com o apoio dos
governadores à reforma administrativa, mas, no Planalto, persiste a avaliação de que os governos
estaduais deveriam estar fazendo mais pela aprovação”. A votação na Câmara foi adiada para o
dia 17 de outubro. Bresser, por sua vez, reúne-se com Paes de Andrade, presidente do PMDB,
para esclarecer a proposta de reforma administrativa.
08/10/95 [FSP] – Carta do leitor aponta o forte apoio da imprensa à proposta de reforma
administrativa do governo e acusa tanto um quanto outro de terem com referencial “sempre o
funcionalismo público de Brasília. Os que trabalham fora de Brasília deveriam ser melhor
conhecidos”.
10/10/95 [FSP] – PT reúne seus deputados, mais de 50 prefeitos e 2 governadores para discutir a
reforma administrativa proposta pelo governo. Prefeitos e governadores são favoráveis. Mas os
deputados são contra. Marco Maciel reúne líderes do PFL e do PTB para tentar selar unidade na
bancada. Bresser declara que a proposta do governo será aprovada porque não há grandes
divergências.
11/10/95 [FSP] – O presidente FHC não conseguiu convencer deputados do bloco PFL-PTB a
apoiarem o fim da estabilidade do funcionalismo público. O ponto de maior discordância é o dos
critérios de demissão propostos pelo governo. Também não conseguiu vencer as resistências,
nesse bloco partidário, à medida que “reserva 20% das vagas dos concursos para os funcionários
já pertencentes ao serviço público”. Contudo, “PFL e PTB recuaram da oposição ao ponto do
projeto que autoriza o Executivo a promover a fusão, incorporação e extinção de empresas
estatais, sem autorização do Legislativo”.

137
13/10/95 [FSP] – Artigo do jurista Dalmo Dallari, “O público e o privado”. Nele, o jurista afirma
que a reforma até aqui apresentada pelo governo não é uma verdadeira “reforma do Estado”, pois
não toca em algumas questões fundamentais como “como o federalismo, o equilíbrio dos
Poderes, o Legislativo bicameral, a efetiva participação do povo na definição das políticas
públicas e no controle do governo etc.”. O “principal objetivo da reforma em preparo é a redução
dos gastos públicos”.
14/10/95 [FSP] – Bresser afirma que os deputados da CCJ estão sofrendo “pressões clientelistas”
e que “essas pressões são maiores até do que a oposição ‘corporativista’ dos funcionários
públicos à reforma administrativa”. O ministro afirmou que o governo não cederá com relação ao
fim da estabilidade dos atuais funcionários públicos.
15/10/95 [FSP] – Artigo de Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado e professor universitário,
criticando a proposta do governo. Afirmando que houve uma eficaz manipulação do debate por
parte do governo, pelo qual “Obteve-se o equilíbrio entre a insatisfação do povo em relação à
prestação de serviços públicos básicos _educação, saúde, assistência social_ e a solução mágica
que se oferecia, cheia de bodes expiatórios, em esconjuração pública das insuficiências da ação
governamental em atendimento das necessidades do povo”. Entre os “bodes expiatórios”
escolhidos pelo governo, estariam 1) a Constituição, que teria tornado o país “ingovernável”; 2)
o servidor público, que seria “responsável pela insuficiência dos serviços públicos”.
15/10/95 [FSP] – Entrevista de Bresser. Ele afirma que é a força do patrimonialismo que está
levando muitos parlamentares a fazer declarações contra a proposta de reforma administrativa do
governo. “Eu sei de deputados que vão votar a favor, mas estão fazendo declarações para
consumo da clientela”. Quanto ao tempo de implantação da reforma, ele diz que é de médio
prazo. Países com Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia vêm promovendo tais reforma a pelo
menos dez anos.
15/10/95 [FSP] – Artigo de Fernando Rodrigues procura mostrar que, apesar da concentração do
debate atual em torno da estabilidade do funcionário público, a reforma administrativa
propriamente dita ainda está por vir, “Já que contratar ou demitir funcionários é apenas um pré-
requisito para fazer alguma coisa”. O articulista comenta alguns pontos importantes do Plano
Diretor de Reforma do Aparelho de Estado e aponta uma ausência: “como evitar, mesmo na
administração gerencial, as demissões políticas. A estabilidade atual impede a demissão política.
Mas permite a contratação _e o Estado incha. Com chance de demitir, um político inescrupuloso
poderia mandar embora qualquer servidor para colocar em seu lugar um apadrinhado”.
15/10/95 [FSP] – Governo federal desconhece a quantidade total – dos três níveis – de
servidores públicos no país. A estimativa é varia entre 6 e 8 milhões pessoas. Segundo o MARE,
a estimativa é de 6,5 milhões de pessoas, que representaria menos de 10% da PEA (População
Economicamente Ativa), o que faz do funcionalismo brasileiro menor do que o norte-americano
ou inglês, por exemplo. "Apesar disso, os brasileiros que precisam de serviços públicos têm
impressão de que há um inchaço de barnabés. Isso ocorre por causa de três motivos básicos: 1) a
grande maioria é destreinada, 2) o sistema distribui de forma desigual os funcionários e 3) a
remuneração em cargos importantes é menor do que em funções equivalentes na iniciativa
privada". Pelas contas de Bresser, o Executivo Federal tem por volta de 576.930 funcionários. As
informações sobre os salários destes mais de meio milhão de pessoas foram fornecidas à Bresser
por um assessor parlamentar do PT. Com relação ao número de funcionários nos
municípios,"'Esse número não existe. Você não vai encontrá-lo', diz o presidente da Associação
Brasileira de Municípios, Welson Gasparini". Um levantamento deste tipo nunca foi feito devido
à quantidade de municípios brasileiros.

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16//10/95 [FSP] – Artigo de L. Nassif sobre as discussões em torno da proposta de reforma
administrativa do governo. “Hoje em dia, são raros os debates públicos em que uma das partes
não procure desqualificar a parte contrária, rotulando argumentos, insinuando interesses ocultos
e apelando para o repertório ao qual recorrem em geral aqueles que não dispõem de
conhecimento e talento para defender suas próprias idéias”. Nassif pensa que a proposta do
governo é boa mas pode e precisa ser melhorada, através, sobretudo, do debate público e
democrático.
17/10/95 [FSP] – O presidente em exercício, Marco Maciel, articula apoio para reverter a
tendência desfavorável para governo na CCJ, que votará o parecer de Prisco Viana.
18/10/95 [FSP] – Jânio de Freitas ataca a proposta de reforma administrativa do governo. “O que
se passa é que o projeto Bresser Pereira contém uma combinação ruinosa: a possibilidade de
demissão e as nomeações sem concurso, por meio só de um processo dito ‘seletivo’”. O
problema é que os “políticos nomeadores estão vendo aí [fim da estabilidade] não é o obstáculo,
é a facilidade: para contornar a restrição [extinção do cargo em caso de demissão por excesso],
basta nomear para um cargo novo, até usando a verba que a demissão deixou disponível. Com
isso os nomeadores nem se sujeitariam à denúncia de aumento de gasto com pessoal, embora
pudessem fazer milhares de nomeações.
19/10/95 [FSP] – Governo perderia na CCJ da Câmara caso não tivesse adiado a votação. Apesar
de ter maioria, o governo detectou desertores de sua base aliada. Presidente FHC pediu empenho
pessoal dos ministros no convencimento dos revoltosos.
20/10/95 [FSP] – FHC faz acordo com parlamentares dissidentes da base aliada (PFL e PTB),
pelo qual estes poderão negociar mudanças no texto da proposta. Caso não se chegue a nenhuma
acordo, os partidos deverão fechar questão em torno da aprovação da redação original. Bresser
cancelou reunião na Fiesp para se dedicar somente às negociações no Congresso. Entre os pontos
mais polêmicos da proposta, está a questão dos novos critérios de demissão de servidores.
21/10/95 [FSP] – Bresser aceitou discutir mudanças na proposta de emenda, mas não na CCJ.
Ele espera que esta comissão aprove o projeto na íntegra e somente depois negociará com os
líderes partidários mudanças na proposta.
21/10/95 [FSP] – PFL defende proposta pela qual se retiraria do texto enviado pelo governo o
dispositivo da demissão por excesso de quadros, adotando-se uma proposta alternativa que
implicaria na ampliação da estabilidade dos servidores. A intenção é garantir o apoio do bloco
PFL-PTB e até mesmo setores do PMDB à reforma administrativa. FHC achou “interessante” a
proposta do PFL, mas disse que o acordo deveria ser negociado com Bresser.
21/10/95 [FSP] – C. Rossi destaca “exagero no empenho com que, de um lado e do outro, se
discute a reforma administrativa”. De um lado, parece que se a reforma não for aprovada o
governo cai. De outro, se for aprovada parece que o funcionalismo será fuzilado.
23/10/95 [FSP] – Bresser rejeitou proposta que prevê ampliação da estabilidade, mas gostou da
idéia de que o critério de demissão por excesso de quadros só seja aplicado quando as despesas
com folha de pagamento ultrapassem 60% da receita dos estados. O governo admitiu incluir no
projeto uma data limite, talvez 31 de dezembro de 1998, além da qual todos os funcionários
ganhariam estabilidade.
23/10/95 [FSP] – Inocêncio Oliveira, líder do PFL na Câmara, disse que seu partido é contra a
ampliação da estabilidade e que tal proposta foi um “bode”, expressão que designa “dispositivo
que é colocado num projeto para dar margem a negociação”.

139
24/10/95 [FSP] – O deputado Roberto Magalhães (PFL-PE), presidente da CCJ (Comissão de
Constituição e Justiça) da Câmara, foi convencido por seu partido a apoiar a proposta governista
de reforma administrativa.
24/10/95 [FSP] – Pefelistas se mobilizam para pressionar rebeldes da base aliada para votarem a
favor do governo.
24/10/95 [FSP] – Governo fecha apoio de parlamentares em torno de sua proposta de reforma
administrativa, que sofreu algumas alterações.
25/10/95 [FSP] – Confusão durante a votação da emenda da reforma administrativa na CCJ. A
pressão e xingamento dos cerca de 70 servidores tiraram do sério alguns deputados e a sessão
quase terminou em pancadaria.
24/10/95 [FSP] – Governo aprova proposta sobre flexibilização da estabilidade por um placar
apertado, 27 de 51. Conseguiu apenas um voto a mais do mínimo necessário. “Com a garantia de
manutenção da proposta original obtida ontem, o governo tentará incluir na comissão especial,
próxima etapa da emenda, o acordo fechado na segunda-feira com os líderes do PFL, PMDB,
PSDB e PTB”. O caminho da proposta será o seguinte agora: será encaminhado a uma comissão
especial que poderá sugerir mudanças na redação; depois deverá ser votada, em dois turnos, na
Câmara. Se for aprovada com uma votação de no mínimo 60% dos deputados (308), então será
enviada ao Senado.
27/10/95 [FSP] – Bresser afirma que não haverá cortes no funcionalismo, mas que o excesso de
quadros será resolvido por meio da colocação em disponibilidade dos funcionários e de
programas de demissão voluntária.
27/10/95 [FSP] – Governo enfrenta nova batalha na CCJ para manter sua proposta de
flexibilização da estabilidade. A votação é em torno de um destaque feito pelo PT que retira da
proposta governista o dispositivo de demissão por excesso de quadros.
NOVEMBRO/95
07/11/95 [FSP] – Pesquisa realizada pelo PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais)
aponta um índice de 74%. “O ministro [Bresser] disse que os empresários e a imprensa estão
entre os maiores aliados do projeto. ‘A maioria dos funcionários ainda se opõe’, comentou”.
09/11/95 [FSP] – Bresser afirma que poderá “rever a possibilidade de demissões por excesso de
quadros, prevista na reforma administrativa, nas áreas de saúde, educação, meio ambiente e
ciência e tecnologia”.

DEZEMBRO/95
06/12/95 [FSP] – Anunciada a criação do Conselho de Reforma do Estado, cuja primeira reunião
deverá acontecer em janeiro. Tendo caráter consultivo, ele será composto de 12 personalidades a
serem escolhidas pelo presidente FHC, “entre empresários, professores universitários,
funcionários públicos aposentados e profissionais liberais”. “Bresser participará das reuniões
como assistente, com os secretários-executivos dos ministérios da Fazenda, do Planejamento, da
Casa Civil e da Secretaria Geral da República”. Além disso, Bresser afirmou que o Plano Diretor
de Reforma do Aparelho do Estado "será lei, entre aspas, para o Executivo".
08/12/95 [FSP] – “O deputado Moreira Franco (PMDB-RJ) vai introduzir na emenda da reforma
administrativa mecanismos para controlar a terceirização no setor público”, que estaria sendo
usado nos estados como meio de introdução de apadrinhados e cabos eleitorais no serviço
público. Bresser declarou que "A Constituição e o Regime Jurídico Único estimulam fortemente
a terceirização. Por causa dos benefícios dos servidores, os administradores, em vez de contratar,
preferem terceirizar. Se nós não mudarmos isso, a terceirização vai ter um aumento brutal".

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16/12/95 [FSP] – O leitor, Ruy C. de Barros, afirma: “Sou contra o sr. Bresser Pereira tentar
jogar a população contra o funcionalismo, nivelando este por baixo”.
18/12/95 [FSP] – Após a constatação de erros na polêmica lista montada pelo MARE dos
maiores salários do funcionalismo público – que estariam ultrapassando o teto legal -, sua
publicação pela imprensa oficial foi suspensa. A lista já havia sido disponibilizada para a
imprensa.
19/12/95 [FSP] – Jânio de Freitas critica a lista do MARE dizendo que “Foram mais de 11 mil
pessoas expostas a danos morais para que o governo obtivesse uma repercussão favorável às
medidas que pretende contra o funcionalismo civil. Não podia haver recurso de maior baixeza _e
praticada em nome da moralização do serviço público”.
19/12/95 [FSP] – A Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (Adepf) decidirá se
processará ou não o MARE pela divulgação da lista dos maiores salários do funcionalismo
público, pois 669 nomes da lista são de policiais federais.
23/12/95 [FSP] – Câmara solicita lista dos funcionários públicos que ganham salários acima do
permitido em lei.
23/12/95 [FSP] – Artigo de Bresser “Reformas: França e Brasil”. Comparando o processo de
reformas estruturais nos dois países.

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