Mudança Institucionais e Gestão Pública
Mudança Institucionais e Gestão Pública
Mudança Institucionais e Gestão Pública
São Carlos
2010
DANIEL ESTEVÃO DE MIRANDA
São Carlos
2010
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
22/02/2010
J~- P 4Á
Profa. Dra. Vera Alves Cepêda
Universidade Federal de São Carlos/UFSCar
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira
Profa. Dra. Vera Alves Cepêda
Profa. Dra. Carla Giani Marte 11i
~
Homolc?:5adO
na CPG-PPGPOL
a.Reuniãono dia3'lnaQl/~
Prof. Dr. Eduardo Garuti Noronha
Coordenador do PPGPOL
Dedico este trabalho à Olga Regina de Miranda,
minha mãe, cuja luta diária permitiu que eu
alcançasse e permanecesse em uma universidade
pública, direito que grande parte dos brasileiros
infelizmente não compartilham.
AGRADECIMENTOS
Por mais austera e abstrata que possa ser, toda pesquisa tem um lado humano e pessoal
que reflete as vivências daqueles que se aventuram pelos caminhos da ciência. Para ser possível,
a construção do conhecimento necessita não somente de boas técnicas e métodos, mas também
de amizade e cooperação.
Por isso, agradeço em primeiro lugar a Deus, que me concedeu a felicidade de trilhar o
caminho da ciência e, principalmente, de trilhá-lo ao lado de grandes pessoas, entre os quais
posso citar:
O professor Marco A. Nogueira, sempre presente, prestativo e ágil nos momentos mais
importantes do mestrado.
Meus colegas do Mestrado em Ciência Política – PPG-Pol/UFSCar: Aline Ramos, Aline
Michelle, Daniel Laporta, Pedro Ponce, Rafael Gumiero, Rafael Cabral, Roberta Cava, Ramon
Leonardi, Samuel Souza, Saulo Santil e Welton Alves. Cada um a sua maneira contribuiu para o
meu enriquecimento acadêmico e pessoal, fornecendo materiais, livros, apoio logístico ou moral
e, principalmente, uma convivência calorosa e inesquecível.
Agradeço às professoras Dra Vera Cêpeda e Carla Martelli por aceitarem o convite de
examinar e contribuir para esta pesquisa. Agradeço também ao professor Dr. Milton Lahuerta
pela leitura atenta da primeira versão deste trabalho.
Agradeço especialmente também à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Ensino Superior – CAPES, cujo auxílio financeiro foi essencial.
Por último, mas longe de ser menos importante, agradeço a Francine Ramos pelo simples
fato de estar ao meu lado.
RESUMO
Este trabalho tem por objeto a reforma gerencial brasileira de 1995. Situando-a no quadro mais
amplo de transformações pelas quais o Brasil vinha passando desde fins da década de setenta, quadro
este marcado pela transição democrática, pretende-se contribuir para um maior entendimento das
origens daquela experiência de reforma administrativa. Defende-se aqui que os rumos e proporções
que a reforma gerencial assumiu foram fortemente influenciadas (i) pela forma como se encerrou o
processo de redemocratização e a crise dos anos oitenta, isto é, pela afirmação hegemônica de uma
plataforma de reformas através da eleição de Fernando Henrique Cardoso - FHC para a Presidência
da República e (ii) pela atuação de Bresser-Pereira, Ministro da Administração do período, e sua
equipe no sentido de elevar o grau de legitimação de suas propostas e, consequentemente, de angariar
maiores apoios e recursos. A conclusão principal é a de que o MARE (Ministério de Administração e
Reforma do Estado) se tornou um dos principais centros de gravitação dos debates em torno do
significado histórico e propósitos do governo FHC, mesmo não estando entre os responsáveis
principais pela realização das grandes reformas destinadas a reestruturar o setor público brasileiro.
This research has as object the Brazilian managerial reform of 1995. Situating it in the context of
transformations through which Brazil was passing since end of seventies, context that was marked by
the democratic transition, aims to contribute to a greater understanding of that experience of
administrative reform. It is propose here that the ways and proportions that the managerial reform has
assumed were strongly influenced (i) by the form as the redemocratization process and the eighties
crises ended, that means, by the hegemonic affirmation of a reforms platform by the election of
Fernando Henrique Cardoso – FHC to the Presidency of Republic and (ii) by the role of Bresser-
Pereira, Administration Minister of period, and its team with the aims of to elevate the legitimation
degree of its proposals, and, consequently, of to get more supports and resources. The main
conclusion is that MARE (Administrative and State Reform Ministry) became one the greater
gravitation centers of the debates involving the historical signification and purposes of FHC
government, despite it do not be among the mains responsible actors by the concretization of the big
reforms conceived for the restructuration of Brazilian public sector.
Introdução ................................................................................................................. 9
conjunto de mudanças institucionais no Brasil a partir da década de 1980, pelo menos. Pretende-
se, assim, investigar não os processos de mudança institucional em si, mas tão somente os fatores
lo, pode-se afirmar que houve, no caso brasileiro, uma convergência de dois movimentos, ou
complexa combinação de alterações nas condições de produção econômica, nas estruturas sociais
9
institucionais brasileiros fariam parte daquele contexto mais amplo de fortes transformações das
instituições e estruturas produtivas nacionais, as quais foram construídas ao longo das décadas
anteriores. Nesta pesquisa, o esforço de análise se restringirá à origem e aos passos iniciais da
Problemática de pesquisa
Não obstante, esta pesquisa pretende terminar onde começa a maior parte das pesquisas
pesquisas acadêmicas sobre essa reforma procuraram captar aspectos específicos das propostas,
avaliar suas ações como um todo, sendo escassas as pesquisas mais amplas e sistemáticas sobre
suas origens. A explicação sobre essas origens está, normalmente, subordinada a uma posição
teórica e técnica e\ou a uma opinião política – favorável ou contra – formada em relação à
reforma. Assim, a explicação da origem é derivada, ocupando, em geral, posição secundária nas
Uma pesquisa mais sistemática sobre suas origens é relevante por dois motivos
principais:
mudanças institucionais. A fim de melhor explorar o valor heurístico desse recorte, a reforma
que se considerou aquela reforma como um caso que especifica mais concretamente as
características gerais que marcaram o período. Nesse sentido, por ter a reforma administrativa
uma dimensão institucional e ser parte do complexo institucional do Estado, ela servirá como
1
Daqui em diante “FHC”.
10
caso de estudo específico destinado a oferecer um ponto de visualização concreto daquele
de 1995. Ocorre que reformas administrativas normalmente são propostas, discutidas, criticadas
e aplicadas de maneira “silenciosa”, tanto para a maior parte da sociedade quanto para seus
principais setores organizados. Quer dizer, normalmente envolvem apenas os mais diretamente
Contudo, a reforma de 1995 assumiu proporções “ruidosas”, devido ao alto grau relativo de
visibilidade de suas propostas e ações concretas. Por que ela assumiu tais proporções? Por que
O plano inicial do governo FHC era reformar o Estado. Contudo, por tal propósito
entendia-se, basicamente, a reestruturação das relações entre setor público e setor privado até
então dominante. E isto através de amplas e profundas alterações nos padrões e esquemas de
articulação dos setores da economia, que contavam com forte dose de participação estatal, via
Para a administração direta, a receita não envolvia ações de grandes proporções: reforçar
colocadas pela globalização. E isto de maneira incremental, quer dizer, sem grandes planos e
ações, mas sim através de medidas específicas e ações tópicas no sentido de melhorar
11
concebido para tocar as mudanças na administração direta alcançou tão extraordinário nível de
polêmica e visibilidade?
movimento histórico das grandes iniciativas de reformas administrativas no Brasil do século XX.
Assim, apesar da retórica firme e da difusão insistente das novas idéias e propostas constitutivas
em relação ao que havia antes, pode-se inserir a reforma de 1995 em um movimento mais ou
menos pendular que remonta, pelo menos, ao regime militar – senão até a década de 1930.
Tal movimento refere-se à alternância entre períodos de (propostas de) reforma globais e
década de setenta, e a este um período de letargia. Com o governo Sarney (1985-1990), medidas
fortes foram anunciadas, mas pouco implantadas. Com Fernando Collor (1990-92), a retórica
neoliberal modernizante não conseguiu superar a si mesma, permanecendo apenas como retórica
e, quanto às ações empreendidas, estas não tiveram nenhum efeito modernizante, mas antes
Contudo, uma comparação em perspectiva histórica desse porte não somente fugiria das
intenções originais desta pesquisa como também não seria adequada para captar as
(1995-2002).
12
Por isso, a resposta, ou boa parte dela, às questões levantadas nesta pesquisa será buscada
desenvolvimentista. Este foi um período de incertezas quanto aos rumos da nação, tendo em vista
modernização brasileiro, nos anos oitenta, estagnou em sua dimensão econômica, sofreu fortes
críticas por seus resultados sociais, mas, simultaneamente, avançou firme no plano político. Tais
desdobramentos tiveram papel fundamental nos rumos que a transição brasileira foi tomando,
(2) Canalização dos debates sobre as reformas do Estado: O MARE tornou-se um dos
principais centros de gravitação dos debates acerca do novo papel do Estado ‘pós-nacional-
das chamadas “reformas do Estado”, constituídas por propostas e iniciativas que teriam ou
público. Debates que foram canalizados para o recém-criado MARE. Este, responsável
precipuamente por uma reforma institucional e interna ao Estado, tornou-se alvo dos críticos que
mais amplas que estavam se iniciando naquele momento também e que extravasam o âmbito de
13
(3) “Berço” contextual da reforma de 1995: Um dos fatores explicativos mais
importantes para a problemática aqui levantada é que a reforma administrativa nasceu, por assim
dizer, fora da administração pública. Isto não significa que não havia, internamente à
administração pública, propostas de reformas, mas sim que as direções e os perfis assumidos pela
tornaria o ministro da área e a principal figura pública da reforma gerencial: Luiz Carlos Bresser-
Pereira.
A discussão de cada um desses três pontos será aprofundada, respectivamente, nos três
Hipótese
pontos de concentração dos elementos (propósitos gerais, objetivos específicos, ações, decisões,
argumentos e justificações etc.) que formaram a imagem do governo FHC diante de boa parte da
mídia e, sobretudo, diante da esquerda, partidária ou acadêmica. Diante disso, aquele ministério
tornou-se alvo dos críticos do governo não somente em aspectos pontuais de sua proposta de
reforma administrativa, mas também em relação à proposta como um todo, dificultando seu
Defende-se aqui que o perfil da reforma gerencial de 1995 foi fortemente dependente das
argumentar que todo ministério tende a ter a “cara” de seu ministro, que imprime um estilo de
14
academicamente legitimada, a fim de servir de matriz teórica e de esteio político a uma dada
O que se aponta aqui, contudo, é a ocorrência de um fenômeno que vai além dessa lógica
ministerial “normal”, digamos assim. Um dos principais traços distintivos da reforma gerencial
de 1995 é que ela não foi tanto a expressão da emergência de forças na sociedade e/ou dentro do
aparelho do Estado pró-reforma gerencial, mas antes foi fortemente influenciada pela articulação
Tais afirmações, bem como a própria hipótese da pesquisa, poderiam sugerir a existência
Contudo, não é isto que se afirma aqui, na medida em que a reforma gerencial brasileira
não pode ser reduzida a um mero esforço pessoal de uma única pessoa. O fato de Bresser-Pereira
ter sido o responsável principal tanto pelas idéias centrais da reforma de 1995 quanto pela
montagem da equipe inicial que constituiria o núcleo do MARE – formado, em grande parte, por
ex-alunos/as e colegas de sua universidade de origem, a Fundação Getúlio Vargas (FGV)2 e por
altos funcionários da administração federal – indicam apenas, ainda que fortemente, que sua
atuação gerou um conjunto de ações – na burocracia federal, em alguns estados e até municípios
específico. Tal rumo se consolidaria pela intensa divulgação das idéias-mestras que lastreavam a
2
Fizeram parte da equipe inicial do MARE Cláudia Costin, Ângela Santana e Evelyn Levy, ex-alunas de Bresser-
Pereira; Regina Pacheco, da ENAP e colega de Bresser-Pereira na FGV, entre outros.
15
A busca de legitimação para as propostas de reforma gerencial levou o Ministro da
brasileira em relação à efetividade e qualidade da prestação dos serviços públicos por parte do
Supõe-se que aqui está uma das raízes principais tanto dos potenciais quanto da limitação
da reforma administrativa de 1995, que não conseguiu concentrar apoio político o suficiente para
superar os estreitos limites da política fiscal do governo FHC, principal crítica feita aos
resultados da reforma. A hipótese, portanto, baseia-se na idéia de que houve uma tentativa de
indução política, por parte do ministro Bresser-Pereira e de seu círculo de auxiliares, de uma
desenvolvimentista por meio de um amplo conjunto de reformas no setor público. Será a partir
Em suma, busca-se explorar alguns fatores e apontar alguns motivos das limitações da
reforma gerencial de 1995, tanto em suas dificuldades de se articular e/ou se transformar em uma
reforma mais ampla do Estado quanto em cumprir até mesmo os objetivos básicos a que se
propôs.
16
Material de análise
dedicada ao tema, já que tal bibliografia se formou exatamente pela incorporação e aplicação das
gerencial de 1995.
Tendo em vista tal estado da arte, considerou-se que não seria produtivo partir dela e
tomá-la somente como ponto de partida ou lastro teórico para análises de dados concretos, na
medida em que tal bibliografia já apresenta extensas e quase que exaustivas análises de dados
empíricos dos mais variados tipos. Optou-se, nesta pesquisa, por analisar a bibliografia como
parte do processo, e não simplesmente como uma primeira aproximação externa com o objeto de
Outra base de dados considerada foram notícias veiculas pela grande imprensa,
principalmente escrita. O objetivo foi captar, mesmo que minimamente, o clima da época, as
dimensão política de um movimento mais amplo de transformações pelas quais o país estava
17
ativação de uma onda de transformações institucionais. A análise transita tanto no plano do
No capítulo 2, expõe-se alguns debates travados, dentro dos círculos acadêmicos e através
da mídia impressa, em torno de temas e questões importantes para se entender o clima no qual
ocorreram a criação do MARE e a proposição de uma reforma gerencial para o Brasil. Além
disso, o segundo capítulo traz também uma “revisão” bibliográfica que se apresenta, mais
precisamente, como uma “análise” bibliográfica da reforma, isto é, uma análise da bibliografia
como parte da reforma e não como elemento externo à ela, conforme acima mencionado.
administrativa brasileira na era FHC (1995-2002). É uma reconstrução mais histórica, baseada
em depoimentos, memórias e entrevistas dos principais envolvidos naquela reforma, bem como
nas notícias veiculas pela imprensa nacional envolvendo os bastidores do governo F. H. Cardoso
Para encerrar a argumentação, serão feitas algumas Considerações Finais acerca do que
foi exposto nos capítulos anteriores, numa tentativa de explicitar, novamente, as principais teses
e pressupostos dos quais esta pesquisa partiu, assim como sumarizar os principais resultados aos
Por último, apresenta-se como Anexo uma cronologia que cobre o período entre junho de
1994 e dezembro de 1995 e tem por objeto a origem da reforma administrativa e a criação do
18
Capítulo 1
Transição e consolidação democrática:
A crise dos anos oitenta não foi um mero abalo conjuntural. Ela apresentou-se como uma
“crise de refundação” (DINIZ, 1997, 12) das bases do modelo de modernização até então
1964, sobre o papel e o destino dos principais setores e atores da sociedade brasileira
(trabalhadores, empresários, elites políticas, União, estados, municípios etc.), diante das
como sobre a posição que o país deveria ocupar na ordem econômica mundial.
final do século XX. Tal onda de transformações seria processada pela sociedade e pelo Estado
capítulo, sobre aquela que foi uma das mais ricas, complexas e importantes dimensões daquele
processo: a transição política em direção à democracia. Sendo assim, pelo menos três
19
características chamam a atenção no processo brasileiro: 1) sua duração e sua continuidade em
relação ao regime autoritário que chegava ao fim; 2) sua orientação segundo uma “dupla lógica”,
lógicas foi “complexa e não linear”, pois “o avanço num plano não necessariamente significa um
passo adiante no outro” (VIANNA, 1989, 87); disso resultou 3) o congestionamento da agenda
analítica. Por institucionais entendem-se as (propostas de) reformas que visavam à consolidação
seus valores e pressupostos. Já as (propostas de) reformas estruturais eram as que diziam
respeito, mais diretamente, aos interesses e condições materiais dos diversos setores ou atores da
ficou exposta a reexame pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento até então dominante.
público assim como suas relações com os setores privado. Como aquelas reformas situavam-se
politicamente, os avanços ou recuos em cada uma influenciavam o andamento das outras. Disto
resultava que cada reforma específica apresentava impactos positivos ou negativos tanto no nível
20
Sendo assim, tal distinção é genérica e analítica, pois, em última instância, a consolidação da
econômico, o qual dependia, por sua vez, do lastro político das instituições democráticas para ser
seus aliados civis tinham sobre ela, contribuíram para diminuir as incertezas quanto ao processo
redemocratização como um todo. Porém, se o processo político que levou à democracia seguiu,
desse modo, firme e seguro, esse mesmo processo político limitou o aprofundamento do
sociedade e as instituições. A transição – a maneira como foi conduzida por seus principais
anterior. Assim, seus avanços em relação à desmontagem do regime autoritário não foram
Tendo em vista que a “abertura” foi de iniciativa do próprio regime militar, este procurou
partir de 1974 (LAMOUNIER, 1985, 128). Para tanto, o regime que estava chegando ao fim
recorreu a alterações casuísticas na legislação eleitoral, manobrou, com sucesso, para que a
21
eleição do primeiro presidente civil fosse indireta e para que a Constituinte fosse “congressual”3
e não exclusiva.
curiosa singularidade – cada avanço no seu percurso serve mais para indicar um recuo do que o
Não obstante, a transição democrática abriu uma nova e forte oportunidade de impulso
criando uma cisão entre o “processo social da transição” e o “governo da transição” (VIANNA,
1989, 19-20), o qual não conseguiu articular-se adequadamente com os diversos atores que
entre setores amplamente conflitantes”; ii) dos “impasses institucionais que não podem ser
rompidos sem violação às regras básicas do jogo político, ou risco de instabilidade ainda maior”;
e iii) da “insuficiência de diagnóstico” diante da ausência de uma visão consensual sobre a crise
Contudo, apesar de longo, o curso da transição não foi nem retilíneo, nem totalmente
controlado “do alto”, mas antes cortado por tensões, conflitos, descontinuidades, afirmações e
3
Pilatti, 2008, xii. Rico em informações, esse livro traz uma das descrições e análises mais profundas já realizadas
sobre a Constituinte de 1987-8.
4
Cf., para uma discussão mais profunda sobre esse ponto, Weffort, 1989, 33-4.
5
Cf. ainda Diniz (1997) para análise mais detalhada, do ponto de vista histórico e político, da transição brasileira e
as relações entre governo e empresários.
22
reafirmações de direitos e condenação das práticas autoritárias, fazendo o processo avançar e se
prolongou não somente e necessariamente por que degenerou em “solução conservadora”, mas
estruturais6. A crise não era somente conjuntural – não envolvia só um governo – nem somente
institucional – não era só de um regime, o autoritário, no caso. Mas era uma crise da própria
momento com a lógica econômico-social, sobretudo quando era posta em evidência a chamada
regime militar9.
6
Os termos entre aspas são de Vianna (1989, 85). Sallum Jr. vai na mesma direção ao afirmar que a transição,
“mesmo não sendo um processo revolucionário de mudança social”, transcendeu, todavia, “a mera mudança
institucional” (1996, 7).
7
Cf. também Sallum Jr. e Kugelmas (1991) para uma análise da transição como crise do Estado desenvolvimentista
e Lamounier (1992) para uma análise do “modelo institucional” montado a partir de 1930 e sua crise nos anos 80.
8
Cf. o influente estudo de Linz e Stepan (1999). Nesta pesquisa comparativa, eles empregaram as seguintes
variáveis: a “estatalidade” (relações entre Estado, nação e democracia), regime não-democrático anterior, atores
relevantes tanto para o regime não-democrático quanto para o processo de transição\consolidação democrática e, por
fim, o contexto (internacional, a “economia política da legitimidade e coerção” e o ambiente em que a nova
constituição é elaborada) (Id., 1999, 11-5). No caso brasileiro, os autores apontam o peso da variável da “economia
política”, isto é, do desempenho econômico dos governos brasileiros durante o processo de transição e o contexto
marcante de desigualdades socioeconômicas, como fator explicativo para os rumos que a transição tomou, rumos
estes fortemente influenciados por fatores de ordem institucional também (Id., 1990, 204-26).
9
Para uma análise estatística das mudanças no sistema de distribuição de renda durante o regime militar, cf. Singer
(1986).
23
Além da superação da crise econômica e do aprofundamento do processo de transição
democrática, havia, na maior parte da população brasileira, uma forte expectativa de melhoria
geral na situação das pessoas mais negativamente atingidas pelas políticas econômicas do regime
militar. A questão social ocupava, sem dúvida, um lugar de forte destaque na definição dos
Esta preocupação marcou os primeiros passos do governo Sarney (1985-1990), sendo que
a evidência mais forte a favor da tese da centralidade e do peso do desempenho econômico para
os rumos a serem tomados pelo governo foi o Plano Cruzado, implantado por decreto em
fevereiro de 1986. Na formulação deste Plano, o temor de que qualquer medida fosse
concebido inicialmente para combater um tipo específico de inflação, a inercial, na primeira ação
de envergadura do Governo Sarney. Este teve que garantir aos trabalhadores um conjunto de
mecanismo de defesa automático dos salários, a escala móvel ou, como ficou mais conhecido, o
“gatilho salarial”, que “disparava” cada vez que a inflação atingia um patamar pré-estabelecido10.
problemas crescentes com o déficit público levaram o governo ao descrédito e, a médio prazo, ao
estreitamento da agenda pública. Contribuiu para tanto o estilo tecnocrático de gestão herdado do
regime militar, cuja continuidade se fez sentir na Nova República e que contribuiu para a
ineficácia das ações estatais. Em muitos momentos cruciais, estabeleceu-se o seguinte círculo
vicioso: os partidos e representantes de classe não eram chamados para as etapas de formulação e
planejamento das políticas governamentais e não recebiam, por isso, incentivos para se
10
Maiores detalhes sobre a transformação do Plano Cruzado de uma “simples” reforma monetária em uma espécie
de pacote que visava corrigir distorções na distribuição da renda, cf. Sardenberg, 1988, 290.
24
responsabilizarem por sua execução, não se empenhavam, de maneira direta, nem pelo sucesso
nem pelo fracasso dos pacotes do governo. Buscavam mais se prevenir e se antecipar às
expectativas de perdas imediatas do que confiar nos discursos do governo (DINIZ, 1997, 82-3).
oportuno do ponto de vista técnico para a aplicação de uma medida ou tomada de decisão tinha
que coincidir com o momento oportuno do ponto de vista político. E com as instituições
democráticas voltando a funcionar cada vez mais, os cálculos que fundamentavam as decisões
políticas passaram a ser cada vez mais pautados pela periodicidade das eleições. Estas últimas,
Sarney. Desde o governo Geisel (1974-79), as eleições foram retomando sua importância como
momentos cruciais de definição das direções que o sistema político deveria seguir. Além disso,
elas passaram a ser consideradas, pela oposição, como um caminho viável para se derrotar o
governo.
aquelas desejadas pelos governos militares, estes procuraram alterar as “regras do jogo” eleitoral
– mas não tentaram suspender o “jogo” em si, aceitando suas derrotas sem contestar a
legitimidade das urnas11. Devido a isso, os programas, políticas, medidas legais e econômicas
passaram a se submeter a tal periodicidade, marcada por um alto grau de exposição pública de
11
Cf. Lamounier (1985), para quem a transição brasileira foi “uma abertura pela via eleitoral” (1985, 127). Para
uma análise do importante papel desempenhado pela Justiça Eleitoral nesses momentos, assegurando a lisura das
eleições e, assim, reforçando sua força legitimadora, cf. Sadek (1990).
25
Além disso, a herança institucional do regime militar complicava ainda mais a crise. O
burocracia a ela ligada, ocupou grande parte do espaço que caberia aos corpos deliberativos
objetivos em torno das questões colocadas pela industrialização” (DRAIBE, 1985, 53).
montado no Brasil a partir dos anos 1930 em diante, foi sua “capacidade de articular diretamente
Além da supressão de parte do espaço que caberia aos corpos deliberativos, o Estado
intervencionista sob o regime militar tentou vedar, com graus variados de sucesso, a
várias formas de manifestações artísticas; e, até pelo menos o auge do “milagre econômico” no
início dos anos 1970, buscou legitimidade a partir dos resultados econômicos. Tornando-se o
funcionamento do sistema político redemocratizado. Isto ficava patente a cada momento em que
vinha à tona, por exemplo, o tema da “dívida social”. Esta serviu de base para as pressões vindas
12
Cf. Costa (1971) para uma análise histórica e descritiva do planejamento governamental brasileiro, com base em
uma exaustiva análise documental.
26
de diversos setores da sociedade brasileira, sobretudo os sindicatos e partidos ligados aos
trabalhadores, que não estavam dispostos a fazer acordos para corrigir os resultados negativos de
processos resultantes de tomadas de decisões dos quais eles não haviam sido chamados a
participar nas últimas duas décadas. Nesses setores, alimentava-se uma forte desconfiança em
relação ao governo, na medida em que eles estavam saindo de décadas de repressão e arrocho
salarial. Essa situação dificultava a formação, por parte do governo, de bases de apoio, na
Assim, o primeiro governo civil da Nova República sentiu o gosto amargo de ter sua
inflacionário e para a dívida externa. Tal saída passava pela composição de acordos ou pactos
sociais mais amplos que incluíssem os principais atores da nova ordem política. Contudo, as
demandas e necessidades represadas durante o regime militar invadiram as arenas políticas de tal
modo que o governo Sarney ficaria paralisado e desembocaria na aventura política que foi o
governo Collor, cujas medidas econômicas e comportamento político geral, marcado por um
relativo isolamento e amadorismo (NOGUEIRA, 1998, 132), mostravam a que ponto havia
Nem tudo foi espinhos durante a transição, porém. A Assembléia Nacional Constituinte
retomada das expectativas positivas em torno dos processos de mudanças pelos quais o país
27
almejados pela sociedade brasileira ao estabelecer todo um conjunto de princípios e dispositivos
para a cidadania.
Não somente o resultado final, o texto constitucional, mas também seu próprio processo
de elaboração foi, em si, um grande momento de celebração dos novos tempos democráticos.
esperança — uma promessa que não cabia no imaginário das elites das classes dominantes e no
Se, do lado de fora, a mobilização popular fora grande, no interior da ANC, prevaleceu,
contudo, o “realismo” dos políticos, sobretudo dos líderes partidários13, que costuraram acordos
cumprimento de tal agenda representou uma espécie de “acerto de contas com o passado”
(WEFFORT, 1989, 11). Na ANC 1987-88, além de cálculos e fatores de curto prazo, a cultura
política também teve peso importante, atuando como causa, na medida em que representava uma
político” ao longo das décadas anteriores, podendo ser considerada, inclusive, como uma espécie
13
O papel de líderes como Ulysses Guimarães e Mário Covas é ressaltado por vários analistas da ANC 1987-88,
como Pilatti (2008) e Souza (2001).
28
de “condensado histórico”, isto é, uma “forma relativamente cristalizada pela qual a sociedade
Contudo, tendo em vista que a crise brasileira não era nem somente conjuntural nem
somente política, mas sim do próprio modelo que presidira, até então, o processo de
delinear os contornos do regime democrático que se instalava. Com a finalização dessas tarefas
atuação dos líderes, como acima apontado, e à perspectiva de revisão constitucional, para a qual
todas as forças políticas principais esperavam poder reunir forças para alterar a Constituição na
direção que considerassem mais apropriada. Acreditava-se que tal “segunda rodada” abrir-se-ia
nas eleições presidenciais de 1989 e, sobretudo, com a revisão constitucional marcada para 1994:
Curioso notar que o artigo sobre a revisão constitucional foi aprovado pela
maioria dos partidos e por todos os partidos progressistas, o que mostra que os
mesmos estavam confiantes na ampliação das conquistas sociais e democráticas
da Constituição de 1988. Somente o PFL votou contra esse artigo, apesar de ter
se tornado, posteriormente, o principal defensor das reformas constitucionais
(SOUZA, 2001, 551, nota 14).
Tal solução de revisão foi uma atualização em menor escala da estratégia da “fuga para
14
Souza e Lamounier, 1990. Este artigo de Souza e Lamounier apresenta uma análise dos principais traços da
formação política brasileira que, segundo eles, teriam influenciado a ANC 1987-88.
15
Esta expressão é de J. L. Fiori e se refere à estratégia, largamente empregada ao longo do período de
industrialização mais intensa no Brasil, de “manter os mesmos compromissos [no interior das classes dominantes e
29
potencial de crises, mas sem eliminá-lo, adiando uma resolução mais definitiva em relação aos
pontos de divergência16.
Fernando Collor, que se apresentou como “uma espécie de ‘não-político’ fazendo política acima
dos interesses corporificados” (NOGUEIRA, 1998, 125), foi a expressão máxima das
as demandas da sociedade e para aglutinar atores e interesses em torno de questões cruciais para
nenhuma das grandes forças políticas em combate na Assembléia Nacional Constituinte. Ocorreu
Chegariam ao segundo turno, porém, os “dois candidatos que (...) haviam expressado com maior
clareza a desatualização das grandes estruturas partidárias brasileiras” (NOGUEIRA, 1998, 127),
na relação destas com as dominadas, apesar de seus conflitos] empurrando o desenvolvimento e a centralização
estatizante como solução e anúncio da próxima crise” (1995, xvii-xix).
16
Cf. Pilatti (2008, passim), que também ressalta o caráter consensual ou consociativo da ANC de 1987-8.
30
sobretudo das que vinham sustentando e definindo os rumos, até aquele momento, da transição
Desse modo, o embate final seria entre Collor, político até então desconhecido no cenário
Lula, o candidato do PT, partido que, na época, apresentava-se como “diferente” de todos os
revisão constitucional marcada para 1994. Essa revisão tornou-se, na verdade, uma oportunidade
para o governo federal viabilizar alterações conjunturais favoráveis, como a criação do Fundo
Constituição Federal. Isto ocorreria somente após 1995, com a posse do governo FHC. Além
disso, pouco tempo antes dessa revisão, o parlamentarismo fora derrotado no plebiscito de 1993.
formação de uma plataforma consistente de reformas estruturais que decidisse o jogo político,
Contudo, apesar de seu fracasso, o governo Collor conseguiu deixar sua marca na
transição. Esse governo foi um ponto de virada no movimento até então dominante, apesar de
31
promovidos por setores progressistas17, isto é, daqueles não identificados ou que não estiveram
vários setores da sociedade, especialmente na passagem da década de 1970 para a de 1980, para
1980, foi se configurando uma “pauta (política) minimalista”, na qual a questão social foi sendo
deixada de lado, e a inflação passou a ser tratada como fenômeno puramente econômico e não
como problema atravessado por uma série de fatores políticos e sociais (DINIZ, 1996, 117-8).
Essa reversão e estreitamento da agenda pública recebeu forte impulso após a vitória de
movimento em direção a uma “agenda da modernidade em sua visão neoliberal” (Id., Ibid., 116),
1988, a qual passou a estar no centro dos debates em torno das reformas estruturais, não somente
por que cumpriu a agenda formal da transição – esgotando-a, portanto –, mas também por que
estabeleceu, em seu próprio texto, todo um conjunto de dispositivos relativos aos setores básicos
17
Para uma análise das vitórias dos “progressistas” na ANC de 1987-88, cf. Pilatti (2008), cujo objetivo principal
nesta obra é exatamente entender como uma ANC majoritariamente conservadora gerou um texto constitucional tão
“progressista”. Para uma opinião divergente desta, cf. Couto (1998), para quem a Constituição de 88 cristalizou, em
seu texto, uma consciência social e política que transitava ainda nos quadros de pensamento e ação do nacional-
desenvolvimentismo bem como todo um conjunto de reivindicações emergentes que, através de pressões, foram
incorporados à Constituição como direitos, gerando uma agenda de reformas que necessariamente teria que passar
pela alteração de alguns dispositivos constitucionais.
32
1.2 Dimensões e definições na transição: Crise do regime e da forma de Estado
recriação das instituições poliárquicas” nem se esgotou nas iniciativas de se conformar um novo
“desenho institucional” (LIMA e CHEIBUB, 1996, 83-4) para o país, tarefas essas que, em si
A transição brasileira foi a dimensão política de um processo mais amplo gerado pela
crise do modelo global de desenvolvimento brasileiro nos anos oitenta. Isto resultou na re-
emergência, em fim de ciclo (LAMOUNIER, 1992, 40), dos principais problemas colocados nos
primórdios e/ou ao longo do processo de modernização brasileira e que tinham sido enquadrados
em um dado modelo de desenvolvimento, que por sua vez gerou seus próprios impasses,
desmoronando a partir dos anos 80. A crise dos anos oitenta foi um “momento de máxima
condensação dos conflitos que moveram o longo ciclo político-econômico de nossa História”
(FIORI, 1995, xvii-xviii, grifos nossos), na medida em que conteve em si “um pouco de todas as
crises e transições” pelas quais o Brasil passou ao longo do século XX (NUNES, 1997, 128).
Como tal crise e seus conflitos se condensaram no “núcleo político da sociedade”, ela
colocou em xeque não somente o regime autoritário, mas também “a própria forma do Estado, o
Pereira, a crise brasileira dos anos oitenta poderia ser definida como uma crise fiscal ou
defendendo que o “cerne da crise do Estado desenvolvimentista brasileiro” foi, do ponto de vista
econômico, a crise da dívida externa mais do que o desequilíbrio fiscal (2003, 50, nota 2). Havia,
com certeza, um forte desequilíbrio fiscal, mas o que estava em jogo era mais um padrão de
33
articulação nacional com a “ordem capitalista mundial” do que um esgotamento interno do
modelo em si, quer dizer, o “caráter externo da crise” (ID., 36) não excluía, mas antes envolvia e
147-50) do Estado Desenvolvimentista, instaurado a partir dos anos 30. Tal estilo de ação
atravessou vários regimes (Estado Novo, democracia de 1946-1964, autoritarismo pós-64), sendo
que sua máxima expressão fora o II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974-79), último
internacional de capitais” e, quando este sofreu o abalo dos choques de petróleo e da elevação do
nível de flutuação das taxas de juros internacionais em direção ascendente, deu-se, por volta de
A partir dos anos oitenta, portanto, há uma reversão das tendências e padrões de decisões
e orientação do Estado brasileiro que vinham presidindo o ciclo nacional de expansão econômica
conteúdo das “reformas estruturais” propostas para enfrentar os principais desafios do país a
partir dos anos oitenta, que foi “pródigo em questões novas e mesmo na inversão de significados
de outras que pareciam ter seu sentido já consagrado” (VIANNA, 1989, 37).
modernização brasileira, calcada fortemente na intervenção estatal, foi resultante não somente de
34
seu esgotamento em termos de desempenho objetivo, medido, sobretudo, com critérios
socioeconômicos. Tal modelo entrou em crise também por que as transformações sociais
uma sociedade civil enquanto “malha de aparelhos e de associações com as quais os interesses
sociais organizam-se e buscam afirmar-se perante os demais, diante do Estado e como Estado”,
buscando ser, portanto, não “o outro lado do Estado, mas o coração do Estado” democratizado
(II) De outro lado, diante dessas profundas transformações sociopolíticas, houve, com a
Isto porque, com o início do processo de liberalização do regime militar, tornou-se mais
96). É a partir do período 1974-76 que tais intelectuais – boa parte deles, pelo menos –, até então
transitar nos meios políticos e criar vínculos mais fortes e permanentes com os políticos
18
Cf., por exemplo, Vianna, que, em fins da década de oitenta, depositava grandes esperanças nas “novas
modalidades de vida associativa que se afirmam entre nós” enquanto “germes daquilo que se deverá tornar –
esperamos – nossas primeiras instituições de uma democracia participativa” (1989, 16). Cf. também Avritzer (1995),
que procurou construir uma concepção ampliada de democracia integrando às análises institucionalistas as
dimensões da cultura política e da vida associativa (“sociedade civil”).
35
Se na passagem da década de 1970 para a de 1980, parte importante do pensamento de
esquerda procurou construir uma concepção ampla de democracia, que fosse não somente
metade da década de 1980 houve a perda de um rumo propositivo por parte da esquerda, o que
estruturais” não mais como falhas e insuficiências do mercado que necessitavam ser corrigidas
pela intervenção estatal, e sim como intervencionismo estatal que deveria ser reduzido pela
Nogueira vai na mesma direção quando afirma que a ausência de uma “organização socialista
forte, moderna” e com capacidade de aglutinação de forças é um dos fatores que faz com que a
275).
gerou uma corrente de pressões sobre a estrutura institucional herdada do regime militar no
movimento que forçou alterações na hierarquia dos centros de poder: “o Congresso Nacional, o
Judiciário, os governos dos estados e os partidos políticos ganharam mais latitude de ação em
19
Cf. ainda Vianna (1989) e Nogueira (2001, 139-47; 2007b) para análises do papel da esquerda no Brasil
contemporâneo a partir de marcos referenciais gramscianos, e Coelho (2001) para uma análise da criação dos
partidos – PDT, PT, PSDB, mais precisamente – que se aproximaram, em maior ou menos grau, do socialismo
reformista e democrata da social-democracia.
36
Quanto à correlação de forças que definiu o campo de disputas políticas pós-
grande parte na atuação da classe empresarial” que, contudo, foi incapaz de “transcender os
interesses localizados e negociar propostas de teor mais abrangente” (DINIZ, 1997, 15-6). Além
disso, a difusão daquele ideário ficou limitada, além dos empresários, a parcelas significativas
dos meios de comunicação, às classes médias e, em menor grau, à classe política. Esse
neoliberalismo dos empresários não se identificava “com uma genuína vocação liberal” de
Estado mínimo, mas foi um meio de os empresários rearticularem sua inserção na nova ordem
1987-820. Mas, com a eleição de Collor, os impasses no campo de forças sociais e políticas
começam a se desfazer a favor daquele ideário, estreitando-se a agenda pública. Com isso,
caminha-se para o encerramento da longa fase de liberalização política e para a abertura de uma
nova fase: a de liberalização econômica (SALLUM JR., 2003, 42). Esta, contudo, somente se
Até então, as principais forças sociais e políticas permanecerão, por assim dizer, em
compasso de espera. Os setores mais à esquerda que obtiveram uma relativa vitória na
Constituinte de 1987-8 não conseguiram tornar dominante sua posição, na medida em que nas
eleições seguintes o candidato vitorioso teve nítida orientação conservadora. Apesar da retórica
neoliberal de Collor, este não obteve apoio amplo e continuado nem da parte dos setores
políticos conservadores nem da parte do empresariado que vinha difundindo o ideário neoliberal.
Sendo assim, de um lado e de outro, a vitória de Collor e seu posterior impeachment tornaram o
20
Cf. acima a discussão sobre a ANC 1987-88.
37
pleito eleitoral de 1994 decisivo. Quem ganhasse, teria a oportunidade de consolidar e pôr em
ingovernabilidade. Esses problemas são daqueles que podem até existir por algum tempo, porém
sobre controle e em estado de latência. Não obstante, quando se agudizam, passam a figurar nos
primeiros lugares da agenda pública de qualquer governo que queira lograr continuidade e
política, pois é a resolução de problemas como esses, que se agudizam em dado momento a
ponto de se tornarem quase obsessão, que sela o destino dos representantes políticos (partidos,
políticos, governantes, líderes populares, etc.), determina o fim da carreira de uns e o começo ou
a ascensão de outros.
Com a posse do primeiro governante escolhido a partir das eleições livres e abertas
21
Cf. Linz e Stepan (1999), que, contudo, tomam cuidado para não reduzir democracia a realização de eleições,
estabelecendo outros critérios de avaliação, como o consenso procedimental em relação à escolha dos governantes,
os quais devem ter “autoridade de gerar novas políticas” e separação entre os três poderes, os quais “não têm que, de
jure, dividir o poder com outros organismos” (1999, 22).
38
impeachment geraram uma comoção e mobilização públicas, comparáveis somente ao
movimento das Diretas-já! e ao período da Constituinte, que criaram um clima geral de união
nacional em torno da superação do fracasso do primeiro governo eleito diretamente após décadas
de autoritarismo.
Essa reviravolta política impactou as posições relativas das principais forças políticas
tanto em relação ao governo quanto umas em relação às outras. O novo presidente, Itamar
Franco, tentou aproveitar ao máximo aquele clima de união nacional gerado pelo processo contra
Collor para tentar formar um governo com base em um arco de coalizões o mais amplo possível,
que englobasse todas as principais forças partidárias brasileiras a fim de enfrentar a crise
econômica e política. Assim, o presidente Itamar conseguiu angariar apoio, para seu governo, de
vários dos principais partidos – PMDB, PFL, PSDB, por exemplo –, ou pelo menos de
representantes destes – como L. Erundina, que teve uma rápida passagem pelo Ministério da
De fato, até pelo menos o início do ano de 1993, PT e PSDB, os partidos que
polarizariam a disputa em 1994, mantinham a porta aberta para uma possível coalizão.
partir do plebiscito para a escolha da forma e do sistema de governo (21 de abril de 1993), esses
seguintes. Além disso, tal distância foi aumentando conforme o PSDB foi se aproximando do
Durante seus primeiros meses na pasta, dedicou-se a manter o que já vinha sendo feito, isto é, a
39
administração da economia em crise inflacionária, sem despertar grande temor em Lula, que
havia ficado em segundo lugar nas eleições presidenciais de 1989 e, desde o impeachment de
Collor, vinha se consolidando nas pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial
seguinte. Dentro do PT, acreditava-se que Paulo Maluf, que conquistara a prefeitura de São
anunciou um novo plano de combate à inflação, o Plano Real. Daí em diante, a sorte estava
lançada: se conseguisse obter sucesso com o plano, o ministro da fazenda conseguiria viabilizar
seu nome para a eleição presidencial. Se fracassasse, sua carreira política estava acabada.
de 1994. O plano de Lula era sair da presidência do partido, a fim de se dedicar mais a sua
campanha, e deixá-la nas mãos de José Dirceu, pois assim mantinha os moderados com força e
afastava as pretensões de Dirceu ao governo do estado de São Paulo, abrindo espaço para uma
aliança com o tucano Mário Covas. Contudo, o equilíbrio paralisante entre, de um lado, as alas
moderadas do partido e, de outro, as alas radicais, que adotavam uma linha de conduta
PSDB –, frustrou as pretensões de Lula: a única solução encontrada, para os radicais não
dominarem o partido ou provocarem estragos ainda maiores, foi ele permanecer na presidência
Lula discursou contra os tucanos, provocando reação negativa entre estes: “Se havia uma chance
entre nós, acabou”, disse um dos principais líderes do PSDB, o então Ministro da Fazenda
FHC22.
22
Dimenstein e Souza (1994, 177-9). As principais informações e dados históricos expostos nesta seção foram
extraídos dessa fonte.
40
Aproveitando-se da revisão constitucional marcada para 1994, FHC colocou em ação a
primeira etapa do novo plano de estabilização: a fim de garantir o equilíbrio fiscal, a equipe da
emergência”, que se tornou “Fundo ‘Social’ de Emergência” (FSE) para obter melhor recepção
pública. Na realidade, tal fundo era um mecanismo de controle das contas públicas através da
livre disposição, pela União, de parte de seu orçamento. A fim de obter sua aprovação no
negociações em torno da aliança para as eleições, que seria encabeçada por F. H. Cardoso23.
Conforme a implantação do Plano Real ia avançando, mais FHC e o PFL iam estreitando
laços, tornando ainda mais remotas, para o PSDB, as chances de alianças à esquerda. Quanto a
esta, o PT, uma vez mais dominado por seus radicais, agora na 9° Convenção Nacional do
que Lula estava disparado nas pesquisas e grande parte do partido vivia o clima de “já ganhou”,
Lula assim permaneceria até julho, quando foi lançada oficialmente a nova moeda, o Real
(1° de julho). Em curtíssimo prazo, sob os efeitos positivos do plano de estabilização, o jogo
começou a virar a favor de FHC, que ultrapassou Lula nas pesquisas de intenção de votos mais
ou menos um mês depois do lançamento da nova moeda. Até o lançamento da nova moeda, Lula,
apoiado nas pesquisas, fazia planos de ganhar no primeiro turno ainda. Ao final de agosto de
1994, contudo, segundo apontavam as pesquisas, já temia que FHC ganhasse no primeiro turno.
23
A proposta do Fundo Social de Emergência foi aprovada em 8 de fevereiro de 1994 e publicada em 2 de março do
mesmo ano, tornando-se a primeira Emenda Constitucional de Revisão que acrescentou ao Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias os artigos 71, 72 e 73. Cf. Constituição da República Federativa do Brasil, ADCT, art.
71, 71 e 73. Posteriormente, o FSE tornar-se-ia Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, finalmente, em 2002, em
Desvinculação das Receitas da União (DRU), mantendo-se a mesma finalidade. Para uma análise do contexto
político da Revisão constitucional de 1994, cf. Melo, 2002.
41
Contribuíram para isso também, além do desempenho objetivo do governo em estabilizar
contraposição, o clima de “já ganhou”, dentro do PT, tornou o partido desleixado quanto às
batalhas simbólicas via propaganda eleitoral, contribuindo, assim, para a disparada do adversário
na corrida eleitoral.
Quatro meses de convivência com uma economia estabilizada e com uma nova moeda
foram suficientes para virar o jogo a favor de F. H. Cardoso e contra Lula, que havia
permanecido durante mais de um ano como um dos grandes favoritos à sucessão presidencial.
Com a vitória de FHC, ainda no primeiro turno, reativou-se o ciclo revisionista aberto por
Collor, mas, agora, com uma plataforma de propostas de reformas estruturais bem mais
consistente, do ponto de vista de sua formulação técnica, e bem mais legitimada, não somente
pelas urnas, mas também pela base de apoio no Congresso Nacional e em importantes setores
a atender demandas específicas” (MOISÉS, 1995, 38). Essa distinção é apenas analítica, na
medida em que, na realidade, trata-se de um processo só. Contudo, ela é importante porque, no
24
Cf. Linz e Stepan (1996, 204-26) e Sallum Jr. (2003, 35-6), que, apesar de partirem de perspectivas teóricas
diferentes, também consideram que a transição no Brasil – e consequentemente a abertura do período de
consolidação democrática – se encerrou com a posse de Fernando H. Cardoso, em 1995, e não de Collor, em 1990.
Para uma polêmica análise crítica do significado da eleição de F. H. Cardoso, cf. Fiori (1994).
42
caso brasileiro, o “processo político teve uma expressiva potência de destruição da ditadura”, de
remoção do chamado “entulho autoritário”, “mas não teve igual potência para democratizar o
sociedade – por meio de reformas institucionais que dêem vazão à vitalidade da democracia
política. Aquele regime deve ser capaz de processar também as lutas em torno do controle e
desigualdades de toda ordem ocupa lugar central na agenda pública, ao lado da democratização
envolve também outros processos. Ela constitui, assim, “outra” transição, distinta da “primeira” e
que em geral encerra-se com a posse do primeiro governante escolhido em eleições livres e
abertas; 2°) a “segunda” transição ou consolidação democrática, fase que se inicia quando a
43
primeira se encerra e que só termina quando a democracia torna-se um regime “irreversível”, isto
Assim, a democratização social seria distinta, mas não estaria distante do processo de
consistência e, em grande medida, bases para um melhor desempenho (MOISÉS, 1995, 39-40).
políticos (MOISÉS, 1995, 40-1). Contudo, deve-se notar também que, sem as condições e
democratização social avançará sem ser, a todo momento, ameaçada por grupos poderosos
substantivas.
democratização política. A grande questão não é saber qual das duas democracias (política ou
social) vem antes, mas sim como elas podem ser articuladas a fim de que a luta por maior
Isto é importante por que, se por um lado, setores mais conservadores tendiam a se
satisfazer somente com uma democracia política limitada, ou melhor, com uma “forma
25
Para uma discussão conceitual quanto aos critérios empregados nas análises sobre consolidação democrática, cf.
Moisés (1995, 24-42) e Lima e Cheibub (1996).
44
autocrática de democracia restrita” (FERNANDES, 1981), os setores de esquerda mais radicais
tendiam a considerar a democracia política apenas como instrumento provisório (ou “tático”) na
luta por objetivos revolucionários maiores (ou “estratégicos”) (COUTINHO, 1979, 33-48). Em
relativo consenso institucional acerca das regras para processamento de conflitos. Disso resultou
que nenhum grupo politicamente importante poderia mais se considerar como externo e
indiferente aos mecanismos da democracia, ou seja, conforme a transição foi avançando, através
de seus ciclos eleitorais e debates em torno de questões cruciais, todos os grupos políticos
Isto não significa que não haja mais divergências. Se a democracia, dos anos oitenta em
diante, tornou-se cada vez menos questionada, a crise do desenvolvimentismo, bem como a
questão social, abriu um leque de questões em relação às quais as posições assumidas foram
extremamente divergentes.
Porém, os principais setores da sociedade dispõem-se cada vez menos a aceitar soluções
democracia, sua insuficiente consolidação, suas deformações e desvios, mas a democracia em si,
como arranjo institucional e substância mesma das relações políticas, cada vez mais torna-se
isso sim, os rumos do desenvolvimento brasileiro. E é em torno desse tema da agenda pública
45
que as posições políticas assumidas após a redemocratização têm seus sentidos mais bem
iluminados.
46
CAPÍTULO 2
Debates públicos em momentos decisivos:
Na Introdução, afirmou-se que esta dissertação pretende terminar onde começa a maior
parte das pesquisas sobre a reforma gerencial de 1995: suas origens. Para melhor situar tal
questão, este capítulo resgatará algumas discussões sobre o significado histórico do governo
FHC assim como reconstituirá o clima dos debates políticos e acadêmicos na época das eleições
significado histórico do governo FHC repercutiram sobre a visão que se teria, após as eleições,
Outro intuito é mostrar que as principais hipóteses e argumentos que fundamentam esta
brasileira. Recuperando argumentos e dados, propõe-se aqui um ajuste de foco e precisão a fim
Assim, essa espécie de “revisão” de bibliografia destoa do padrão geral, que procura
discutir com a bibliografia pertinente ao tema de pesquisa em foco com a finalidade de apontar o
que já foi dito e, consequentemente, pôr em relevo o estado da arte de um dado campo de
pesquisas e mostrar até onde as pesquisas foram, a fim de abordar temas, aspectos, dimensões
Aqui, o que se apresenta é algo ligeiramente diferente deste padrão, na medida em que
não se pretende apresentar “até onde” as pesquisas sobre a reforma gerencial já chegaram e que
47
caminhos trilharam26, e sim “de onde” elas normalmente partem. A intenção geral é a mesma,
quer dizer, mapear a literatura a fim de melhor inserir a pesquisa no amplo campo de pesquisas
Isto é assim em decorrência daquilo que pode ser considerado um dos principais legados
burocracia brasileira. Mais do que resultados concretos de grande porte, o principal êxito do
MARE foi ter gerado toda uma onda de discussões sobre a burocracia nacional e, a partir dela,
dos próprios rumos do Estado brasileiro. Isto não significa afirmar que aquele Ministério não
teve impacto concreto sobre a administração pública, e sim que não é tanto nessa dimensão que
pública no Brasil. Apesar (e também por causa) das críticas, o MARE gerou uma “onda”
bibliográfica enorme: livros, artigos, teses, dissertações – os mais variados tipos de contribuições
para o debate sobre Estado e administração pública no Brasil, onda que até hoje tem ressonância
terminar nas origens da reforma, isto é, de não ir muito além dela na discussão, mas abordar e
apontar aquilo que se considera o legado principal da reforma, ou seja, não somente ir muito
além da origem, mas também discutir o que permaneceu após o seu fim.
26
Cf., para revisões de literatura sobre a reforma gerencial de 1995, os artigos de Abrúcio e Pó (2002) e Souza e
Araújo (2003).
48
apresentada, isto é, a de que o MARE tornou-se um dos principais centros de gravitação dos
debates sobre os papéis a serem desempenhados pelo Estado, debates esses revigorados após a
crise do nacional-desenvolvimentismo.
Este é um resultado da reforma até certo ponto não antecipado que, contudo, auxilia na
análise das origens e significados da reforma administrativa de 1995. Pela análise dessa
Com o governo FHC, diversas propostas foram apresentadas para setores específicos da
Estado e sua crise foram “quebrados” em menores pedaços a fim de se processar melhor as
reformas propostas.
discussões especializadas e específicas, mas também atraiu parte da atenção que antes era
administração pública, assim como por pesquisadores e estudiosos de temas relativos ao Estado
de um modo geral.
49
Por outro lado, contudo, não se pode negar que, se alguma herança ficou do esforço
empreendido pelo MARE durante sua existência, nela devem ser incluídas as mudanças quanto
partir de então, passaram a ser empregados por praticamente todos aqueles que já se envolviam
administração pública brasileira dos anos 90 tenham surgido com o MARE, mas antes que este
Em todo caso, não se fará uma discussão sistemática nem sobre o legado da reforma, por
que foge ao escopo da pesquisa, nem uma revisão de literatura no sentido tradicional, conforme
já foi apontado acima, mas apenas discutir-se-á com alguns autores que, em maior ou menor
época das eleições presidenciais de 1994 pela recuperação de alguns debates travados naquele
momento, envolvendo o caráter e propósitos da candidatura FHC. Porém, não se fará uma
Expõe-se nesta seção um dos fatores que contribuíram para delinear o caráter polêmico
do MARE. Tal fator diz respeito ao governo do qual esse Ministério fez parte. Tal Ministério, em
50
si, já estava destinado, desde o começo, a se tornar mais visível do que o comum. Afinal de
contas, um Ministério que carrega, em seu próprio nome, o propósito de “reformar o Estado”
Contudo, não se pode desprezar o fato de que o Ministério é apenas uma parte de um
todo, e que a visão geral que se tem deste todo, isto é, do governo considerado de maneira geral,
é fortemente determinante da visão que se pode ter de seus setores específicos, como o
derivação, do MARE –, não se pode deixar de lado a carreira pregressa do Presidente. Neste
ponto da análise, aparece a hipótese segundo a qual o “projeto” do governo Cardoso pode ser
identificado, mesmo que de modo difuso e incompleto, já em sua época de juventude, quando era
Nessa linha de análise do governo FHC, pode-se entender por “projeto” dois fenômenos
considerados cruciais para o desenvolvimento brasileiro. Isto é, “projeto” no sentido mais amplo
do termo. O segundo trata dos alinhamentos políticos e decisões tomadas, das ações concretas e
bem definidas que configuram um conjunto de medidas práticas que, ao se articularem de modo
existentes e operantes na definição da agenda governamental, pode ser identificado pelo exame
51
acadêmicas (teóricas) assumidas ao longo da carreira etc. – que FHC teve ao longo de sua
concretos, sejam as realizações fiéis ou não às intenções originais. Nessa dimensão, o projeto,
que nunca é completo, se torna processo que vai se fazendo e se “completando” conforme é feito,
imperando em sua construção a(s) intenção(s) original(s) ou as pressões e tensões das condições
dentro das quais os atores se movem ou, o que é mais comum, um misto de intenção(s) e
condição(s).
Sendo assim, o ponto de partida da análise do projeto – no sentido lato do termo – será a
proposição de enterrar a “Era Vargas”, anunciada por FHC logo após se tornar Presidente27, que
pode ser remetida aos tempos em que ele, juntamente com alguns de seus colegas que
era a de não somente estabelecer outra imagem do país, quer dizer, de instaurar, no plano da
teoria, uma nova interpretação do Brasil, mas também a de superar, no plano prático e político, a
“Era Vargas”.
A pretensão de enterrar a Era Vargas teria sua “raiz no grupo que se articula,
Capital, no CEBRAP e na militância pública dos anos setenta; e, por fim, na atuação
propriamente política nos anos 80” (LAHUERTA, 1999, 235), chegando, então, aos mais altos
52
A crítica às tradições vinculadas à Era Vargas será feita, com vigor, no plano teórico.
Seja no que toca às formas de convivência e relacionamento entre “povo” e Estado, marcada, em
momentos decisivos da história brasileira, pelo populismo (IANNI, 1988; WEFFORT, 1968),
seja em relação aos padrões de relacionamento entre Estado e economia e, ligado a isto, à forma
Deste modo, poder-se-ia considerar que o “protagonismo” dos intelectuais nos anos 70 e,
intelectuais uspiano que se tornou uma espécie de senso comum entre a parcela ilustrada da
cidadania e se constitui na expressão da sociedade civil modernizada pelo regime militar” (Id.,
Ibid., 240).
do governo FHC de pôr fim a determinados traços da vida social, política e cultural brasileira,
Esse analista aponta aquele “projeto” do governo FHC como o coroamento político de
industrialização pelo qual o Brasil passou ao longo da segunda metade do século XX.
53
assumindo historicamente no país (BARBOZA FILHO, 1995, 110). Isto é, o sucesso da(s)
modernizador .
E isto não somente por causa da onda favorável à consolidação das instituições
democráticas gerada durante o fim do regime militar ou por causa da vitória eleitoral de um
bloco partidário favorável à superação do autoritarismo. “Enterrar a era Vargas” significava, para
modernização pela indução de transformações no nível federal tendo por base e referência o
“mundo” gerado em São Paulo. “Ou seja, a paulistinização do Brasil” (BARBOZA FILHO,
1995, 119).
Em certo sentido, isto aparece no fato de que os dois partidos que nasceram durante o
coincidência, o PSDB e o PT, isto é, dois partidos nascidos em São Paulo e que representaram,
cada um a seu modo, a imagem de uma nova sociedade (BARBOZA FILHO, 1995, 124).
O projeto de FHC representaria uma investida dos “paulistas no poder”, ou melhor, dos
paulistas retornando ao centro do poder federal pela eleição, após mais de seis décadas, de um
Presidente da República (BARBOZA FILHO, 1995, 118). A volta de um paulista ao posto mais
alto do sistema político brasileiro não foi, contudo, somente uma reconfiguração das relações de
54
poder político entre as regiões do país, com uma aliança São Paulo-Nordeste, materializada na
coligação PSDB-PFL (FHC-Marco Maciel), que deslocava, até certo ponto, mineiros, cariocas e
gaúchos.
nova força hegemônica, ou pelo menos em busca de afirmação hegemônica, que carregava em si
valores e ideais inspirados nas experiências concretas do estado mais desenvolvido, mais
Do lado dos críticos da pretensão de por fim à “era Vargas”, situa-se Vasconcellos
(1997). De um modo geral, seu livro analisa a trajetória de FHC e sua eleição para a presidência
mostrar que “a forma pela qual se alcança o poder determina o conteúdo do futuro governo”
(1997, 13).
Desse modo, ele combina uma crítica severa aos meios de comunicação brasileiros com
uma espécie de revisão da história brasileira tal qual esta fora interpretada pela sociologia
no plano da teoria já estaria sendo feito, portanto, desde pelo menos a década de sessenta em
diante.
A chegada ao posto máximo da política brasileira através de uma aliança com a direita e
o amplo uso dos meios de comunicação e do marketing, nos quais o Real transformou-se no
28
Outra análise favorável a FHC encontra-se em Lafer (2009).
55
principal cabo eleitoral de FHC, é inserida no quadro mais amplo da formação e trajetória deste
A “forma”, isto é, a aliança à direita, apoiada pela grande mídia assim como a trajetória
teórico e destinados ao desmonte após a vitória de FHC nas eleições de 1994. Com esta vitória, a
Além disso, Vasconcellos afirma que a própria maneira como FHC analisou o regime
militar já indicava sua posição em relação às questões centrais do país. Ao colocar como
brasileira, não precisando ser combinada com qualquer reivindicação mais forte no sentido de
fortalecer a soberania nacional ou dar continuidade à luta encampada pelo trabalhismo. Desde
56
sociedade brasileira” (VASCONCELLOS, 1997, 42-3). O governo FHC representaria, assim, a
Outros dois críticos que procuram apontar as linhas de continuidade entre as idéias de
FHC e seus posicionamentos políticos posteriores são Batista Jr. (1999) e Velasco e Cruz (1999).
das camadas dirigentes locais” (BATISTA JR., 1999, 217), ou seja, de inserção subordinada em
um mundo “globalizado”.
que ao mesmo tempo em que o Presidente apontava que se tratava de um fenômeno novo e
inescapável, ele também, em outros momentos, defendia que a lógica dos fenômenos objetivos –
internacionalização do sistema produtivo, que dos anos 1980 em diante seriam chamados de
naquela época, então ela não é um fenômeno novo, como FHC mesmo teria afirmado. Se ela não
é um fenômeno novo, por que então trocar uma categoria amplamente discutida e, até certo
ponto, analiticamente depurada – “dependência”, que constitui também uma das grandes
1999, 232). A preferência pelo emprego do termo “globalização” se justificaria porque ela é um
29
Para uma posição intermediária, porém crítica, neste debate sobre proposta de superação da “era Vargas”, cf.
Santos (2006).
57
“poderoso dispositivo retórico, o qual é sistematicamente usado na produção de razões que
justificam aspectos diferentes de uma política – como toda política – contraditória” (VELASCO
E CRUZ, 1999, 238-9). Mesmo assim, apesar da mudança de termos, seria “possível afirmar que
José de S. Martins considera também que a “lógica da globalização” já fazia parte das
preocupações e estudos do grupo de pesquisadores uspianos do qual FHC fez parte nos anos
1960. Havia, nesse grupo formado em torno de Florestan Fernandes, a intenção de mapear
não houve uma ida para a direita, porque aquela não era, necessariamente, uma perspectiva de
não somente enterrar a “era Vargas”, mas também grande parte da herança das lutas por uma
inserção internacional menos dependente do país. Neste contexto, sua própria carreira política e
produção acadêmica seriam consideradas como uma predisposição para a adoção de uma
A fixação dessa imagem terá como um de seus grandes momentos os debates travados,
pela grande imprensa escrita, em torno do significado da candidatura FHC. Antes, porém, de se
examinar mais detidamente tal debate, é importante ressaltar que a pretensão de enterrar a “era
58
Vargas” não era uma bandeira empunhada somente por FHC, mas também por outros
da superação da “Era Vargas” levanta algumas questões e pode ser explorada a partir da análise
de dois importantes debates ocorridos na primeira metade da década de 1990. Tais debates
colocaram em primeiro plano as intenções e ações concretas do bloco político vencedor das
Por debate, entende-se aqui a intervenção pública – via revistas acadêmicas, jornais de
ou não a algum partido político, posicionando-se em relação a alguma grande questão nacional
do momento e/ou respondendo a outros intelectuais com posições teóricas e/ou políticas
diferentes.
Por ser um clima de confrontação de idéias e valores é que se fala aqui de debate, em
sentido lato, portanto. A reconstituição, ainda que incompleta, desses debates expõe o nível de
protagonismo político dos intelectuais brasileiros pós-redemocratização. Como a crise dos anos
oitenta implicou (i) um altíssimo grau de exposição da estrutura social brasileira, isto é, de suas
mazelas e contradições; e (ii) a resolução e consolidação do regime político que estava surgindo
após o fim da ditadura ainda não havia chegado ao fim, os intelectuais tinham à sua frente uma
59
Dois debates são interessantes aqui. O primeiro girou em torno do plebiscito para a
1991) foi levada a sério, apesar da longa tradição presidencialista brasileira, por alguns reputados
especialistas do ramo. E não somente por especialistas brasileiros, na medida em que em seus
estudos comparativos sobre processos de transição democrática, Linz e Stepan, por exemplo,
afirmam que os primeiros 77 artigos da Constituição Federal de 1988 foram escritos tendo-se em
certo ponto, nos cálculos políticos de importantes atores políticos. O PT, o próprio Lula
Em que medida tais movimentações, teóricas e políticas, tinham efetivamente força para
se tornarem dominantes é questão que não será examinada aqui. O que interessa dessas
discussões em torno da forma e do sistema de governo é o debate em si, que, se por um lado
como o sistema eleitoral (NOGUEIRA, 1998, 144), acabou incluindo também, por outro, a
análise crítica das relações entre o “modelo institucional dos anos 30 e a presente crise
grandes oportunidades para alguns daqueles que defendiam a superação da “era Vargas”
intervirem na cena pública – acadêmica pelo menos – com uma forte carga de crítica.
Não há como não associar, por exemplo, a crítica de Lamounier, um dos maiores
60
partidária” e ao “presidencialismo plebiscitário” à desditosa experiência Collor, que tentara
governar apoiado somente em sua popularidade e ao largo – e acima – dos partidos políticos. A
via apontada para superar tais problemas seria a combinação entre parlamentarismo e
formação acadêmica. Líderes importantes do PSDB, como FHC e José Serra, dedicaram-se a
do sistema político brasileiro como um todo, focando principalmente, mas não somente, nas
Outro debate, mais curto e pontual, deixaria um legado maior. Ele seria travado quando
Esse debate foi travado pela imprensa escrita e focava as implicações possíveis, para os
rumos do país, da eleição de FHC. Tal debate indica duas conclusões importantes quando se leva
30
Cf. Cardoso (1990), que escreve um livreto de introdução à social-democracia no qual expõe, moderadamente, sua
posição à favor do parlamentarismo; e Cardoso e Serra (1992), que também escreveram um livreto dedicado
especificamente à defesa do parlamentarismo no Brasil.
61
intelectuais paulistas e uspianos não era tão sólido31; 2) a hegemonia neoliberal, mais do que
qualquer projeto intelectual difuso, seria o determinante central para os rumos assumidos pelas
Este último poderia até ter, como publicamente o manifestou, a pretensão de enterrar a
“Era Vargas”. Ele poderia até ter alimentado tal pretensão desde os tempos de juventude. A
proposta de enterrar a “Era Vargas” pode ter suas raízes e fundamentos teóricos nas atividades
concretização de tal pretensão dar-se-ia num contexto histórico de redefinição das prioridades e
alimentada por décadas, atuaria não tanto como um projeto, mas antes como uma predisposição,
por parte de FHC e seu grupo acadêmico de origem, que facilitaria o processamento e a
Não se afirma aqui que FHC estivesse “predestinado” ao neoliberalismo. Mas antes que
sua disposição reformista convergiu para um programa de governo que acabou se concretizando
candidatura FHC começou a ser construída paralelamente à elaboração do Plano Real, cujas
medidas necessitavam de apoio político, apoio este encontrado no PFL. Selando tal aliança,
31
Cf., por exemplo, a crítica tardia, em relação aos debates aqui considerados, às análises do populismo de Weffort e
Ianni feitas por Ferreira (2001, 321-377).
62
O debate na imprensa começou na época do lançamento oficial do Plano Real, em 1° de
19/06/1994), no qual defende a candidatura de FHC dizendo que não é somente esta última que
depende do êxito do Plano Real, mas que o próprio êxito deste plano também depende da
candidatura – e, é claro, da vitória – de FHC, pois este já estaria consciente das medidas a serem
tomadas, como a disciplina fiscal e monetária, as quais até poderiam elevar um pouco o
seu partido veio mais ou menos duas semanas depois. O cientista político José L. Fiori publica
aquela que seria, provavelmente, a análise mais polêmica do significado da candidatura de FHC.
Elevando o tom do debate, ele contrapõe-se a Bresser-Pereira afirmando que “o real não foi
criado para eleger FHC, FHC é que foi concebido para viabilizar no Brasil as teses do Consenso
Isto por que, reconhecendo os efeitos negativos, praticamente desastrosos, das medidas
Assim, segundo Fiori (1994), programas políticos neoliberais seriam formulados com base na
justificativa de que seus efeitos deletérios seriam passageiros e necessários a fim de se alcançar
posições políticas de FHC naquele momento seriam “seus próprios ensaios sobre o empresariado
industrial e a natureza associada e dependente do capitalismo brasileiro, datados dos anos 60”
63
(FIORI(a), 1994). Tendo em vista que a base tríplice – Estado, burguesia nacional e
multinacionais – sobre a qual se apoiou o desenvolvimento brasileiro dos anos 50 até os anos 70
Respondendo a tal crítica, Bresser-Pereira intervém uma vez mais em defesa de seu
companheiro de partido. Publica, uma semana depois, o artigo “Consenso do atraso”, no qual
repudia as posições de Fiori. Afirma que a candidatura FHC representa, no Brasil, “uma síntese
O próprio FHC responderia a Fiori também, afirmando que este teria cometido uma
escreveu FHC em sua defesa (Folha de S. Paulo, 24/07/94, Cadernos Mais!, 3-6). Ele se
contrapôs também a muitos críticos que só estariam vendo “o neoliberalismo como alternativa às
desenvolvimentista”. O que ele estaria tentando articular era uma alternativa que não estaria
presa nem ao passado brasileiro nem em total afinidade com o neoliberalismo (Folha de S.
Outra réplica à tese de Fiori foi elaborada pela cientista política Lourdes Sola, que
questionou o maniqueísmo na análise das propostas de FHC, ou seja, a exclusão de qualquer tipo
64
de terceira alternativa, para além do bem e do mal (SOLA, 1994, 42). Ela questiona também as
deduções de Fiori a respeito da formação das coalizões políticas no Brasil, principalmente a tese
segunda a qual estas últimas foram arquitetadas “fora do país” e “correspondem a um cálculo
estratégico das instituições que representam o Consenso de Washington” (SOLA, 1994, 43). A
coalizão PSDB-PFL não representa a mesma aliança política conservadora que permaneceu no
poder durante as décadas anteriores. Além disso, PT e PMDB terão também “que se definir” e
triunfalismo neoliberal” (Folha de S. Paulo, 17/07/94), no qual responde, uma vez mais, aos
críticos da candidatura FHC, só que agora de um modo mais indireto, menos reativo e mais
partes do globo, “a tarefa fundamental”, do Brasil e da América Latina de modo geral, “continua
a ser a de reformar o Estado”, quer dizer, superar a crise fiscal e “implementar reformas
comércio”. Esta seria a grande diferença do programa do PSDB e sua coligação em relação ao
PT: “Fernando Henrique quer reformar o Estado, Lula e o PT imaginam poder reformar a
Conceição Tavares endossou a tese crítica de J. L. Fiori. Em direção semelhante foi João M.
Quércia (PMDB). Já o cientista político Roberto Mangabeira Unger, ligado à época ao candidato
65
Leonel Brizola, do PDT, radicaliza a crítica ao Plano Real afirmando que este estaria à direita do
de reformas. Tal debate estender-se-ia por todo o governo FHC, estabelecendo uma espécie de
Pereira entre eles –, de um governo pragmático e pautado pela ética da responsabilidade diante
de desafios históricos colocados à nação brasileira33, a oposição – política e/ou acadêmica - não
Quer dizer, ao longo de seus dois mandatos, o presidente FHC, bem como toda sua
equipe, teria que enfrentar e responder a várias críticas que, em um momento do debate ou em
outro, remeteriam à imagem resultante daquela “polêmica original”, digamos assim, travada
que extensão e profundidade e em que momento(s) o governo FHC adotou ou não medidas
neoliberais já é outra questão, que não poderia ser tratada aqui para não se escapar do escopo do
trabalho.
32
Algumas das principais intervenções nesse debate sobre o caráter do governo FHC foram reunidos em Fiori(b)
(1994).
33
Cf. o já citado Discurso de despedida do Senado Federal.
66
Em todo caso, importantes parcelas da “produção” do governo federal, em termos de
política públicas, durante o período FHC (1995-2002), nasceriam, em maior ou menor grau, com
maneira geral, razão de ser do MARE. Um Ministério criado para “reformar o Estado” não
ficaria de fora das discussões envolvendo o caráter do governo do qual fez parte.
pasta não somente fora um dos mais fiéis escudeiros da candidatura FHC, mas também já havia
declarado, em mais de uma ocasião, sua adesão, ainda que crítica e parcial, ao Consenso de
Assim, logo após a criação do MARE, o debate travado quando do lançamento do Plano
Real passaria a gravitar também em torno do novo Ministério. Sintomático disto é a publicação
de 1994.
A tese fora escrita em 1984 e só foi publicada em 1995. Pelo prefácio escrito por Fiori
para essa primeira edição do livro, fica explícito que o propósito principal da publicação de sua
tese, mais de dez anos depois de ter sido ela escrita, era, uma vez mais, intervir na cena pública –
governo FHC.
A tese central do livro é um contraponto à visão oficial da crise brasileira adotada pelo
governo FHC, visão essa cuja expressão mais refinada e sistemática encontrar-se-ia,
67
principalmente, nos textos de Bresser-Pereira e nos documentos mais “políticos” do MARE,
Uma vez mais, só que agora partindo de uma análise de maior envergadura sobre a crise
do Estado, isto é, de sua tese de doutorado, Fiori reforça sua crítica ao governo FHC. Na medida
em que este último representou uma convergência em direção à interpretação neoliberal da crise
dos anos 1980, houve também, por implicação lógica, uma “convergência das propostas de
reforma administrativa dos Estados”, uma “mesma visão da crise vista desde uma ótica
gerencial”, difundida por P. Druker, A. Toffler, D. Osborne e T. Glaeber entre outros (FIORI,
1995, xv).
Neste ponto, o debate iria, digamos assim, se “setorializar”, isto é, conforme o governo
FHC foi avançando e propondo reformas mais concretas e específicas e tocando em frente uma
severa política econômica de ajuste fiscal, os debates mais polêmicos girariam, sucessiva ou
Isto não implicou, é claro, o fim das análises e discussões sobre o governo como um todo.
O que houve foi uma espécie de “ramificação” dos debates a partir de um mesmo gérmen
parte, ao MARE. Sendo assim, a seguir expõem-se as principais linhas de análise que se
abordar a bibliografia que se formou em torno dela a partir da consideração daquela reforma
68
Dessa perspectiva, reformas administrativas não estão, normalmente, entre as políticas
públicas mais visíveis e polêmicas. Isto por que não envolvem ou não impactam sobre nenhuma
por exemplo – nem exige o aporte de grandes somas de verbas e recursos – como políticas de
saúde e educação, subsídios para setores específicos etc. – para ser implantada, não despertando,
medidas pontuais ficam também circunscritas a cada ministério ou setor da burocracia e tem
Ao lado dessas medidas pontuais, que só podem ser chamadas de “reformas” no sentido
diretamente atingidos a se mobilizarem. É essa politização ainda mais evidente das discussões –
politização que acontece também, é claro, com toda política pública – que confere um caráter
diferencial à “reforma do aparelho do Estado”, dando-lhe uma visibilidade que não teria por se
Além disso, por ser uma atividade-meio, os órgãos responsáveis por ela são normalmente
69
resultados, cabendo a implantação das novas propostas a cada ministério específico, detentor de
Isso tudo faz com que a política de gestão do governo seja, na maior parte dos casos,
dotados de maior poder de gasto (como o da Saúde e da Educação, por exemplo) ou que
58).
Em suma, tudo isso faz com que ela seja uma política pública mais discreta, no que tange
sua visibilidade, e suave, no que tange seus impactos concretos sobre interesses cristalizados.
No que toca a literatura formada em torno da reforma gerencial, pode-se apontar pelo
(1) aquelas que focaram em uma das etapas do policy cicle (decisão, formulação,
entre a ciência política e a administração pública. Neste ponto, deve-se lembrar da revisão de
literatura de Abrúcio e Pó (2002) e a de Souza e Araújo (2003), que fizeram, com metodologias
diferentes, levantamentos sistemáticos da produção científica sobre gestão pública no Brasil com
campo de conhecimento;
(2) teses e dissertações acadêmicas na grande área das ciências sociais, que representam
uma ressonância e difusão de uma visão crítica, que deriva sua posição em relação ao MARE da
avaliação de que o governo FHC foi neoliberal. A literatura aqui é relativamente ampla.
70
(3) análises intermediárias entre (1) e (2), que enfatizam e analisam fases específicas do
ciclo de políticas públicas, mas também elaboram críticas gerais e apontam os problemas
(ABRÚCIO e COSTA, 1998; MARTINS, 2003; CAPELLA, 2006; REZENDE, 2004; MELO,
1998; 2005a; 2005b; 2008), que procurou, e ainda procura, naturalmente, apontar os resultados
reforma.
reforma de 1995, nem apresentar uma nova revisão de literatura sobre a temática, a discussão
abaixo apenas tenta explorar a hipótese da qual este trabalho parte à luz de algumas discussões
que já foram feitas em torno de questões consideradas aqui relevantes para o argumento central
da pesquisa.
debate se estendeu dos anos oitenta até pelo menos os anos noventa, sendo que, conforme as
reformas da era FHC foram avançando e, assim, tornando-se irreversíveis, tal debate foi
arrefecendo.
Estado”, com um ministro “militante” em busca de legitimação para suas propostas, propiciou a
71
Brasil, a partir da qual os esforços do governo FHC no sentido de pôr fim a “Era Vargas” foram,
A partir da elaboração dessa interpretação geral, cuja expressão mais acabada é o Plano
cúpula) era realçar a importância de seu ministério dentro do esforço maior do governo federal
acaba por atrair para si e para seu Ministério boa parte das discussões que até então estavam, em
maior ou menor grau, dispersas. Isto tornou o MARE um dos centros de gravitação dos debates
em torno da crise e das propostas de reforma do Estado e, consequentemente, elevou seu grau de
visibilidade muito acima do normal – para uma reforma administrativa – e tornou suas ações
Uma pesquisa que se aproxima de tal problemática é a de Capella (2006), que, partindo
do MARE fazia parte de uma estratégia simbólica deliberada, destinada a difundir uma imagem
específica do governo FHC. Nessa perspectiva de análise, o alto grau de visibilidade da reforma
Contudo, diante de tal tese, pode-se levantar alguns questionamentos: de quem foram,
72
“uma questão de interesse nacional”? Do governo como um todo? Do presidente? Ou de um
Nossa tese central consiste na idéia de que a reforma entrou na agenda porque
uma decisão política, deliberada, do governo Cardoso em sustentar uma
proposta que pudesse comunicar os valores básicos do governo a diferentes
atores. A dinâmica das idéias, a produção simbólica e o processo de
argumentação são centrais para o entendimento do processo de entrada do tema
da reforma administrativa na agenda governamental (CAPELLA, 2006, 3,
itálico da autora).
dentro do governo e a partir do próprio Presidente (MARTINS, 2003, 157), desde o surgimento
do MARE até sua extinção, cabe questionar se a criação desse ministério fez parte, realmente, de
em que os valores básicos defendidos pelo MARE, através de seus documentos oficiais, não
Ministérios responsáveis pelo ajuste fiscal e pela administração da nova moeda, como o
34
Cf., para este ponto, a pesquisa de Rezende (2004), que explica a extinção e “falha seqüencial”, isto é, a não
continuidade da reforma administrativa tal qual fora concebida pelo MARE, pelo conflito estabelecido entre os
objetivos da mudança institucional e os do ajuste fiscal, estes últimos dominantes no primeiro governo Fernando H.
Cardoso (1995-1998).
73
Indo em uma direção ligeiramente diferente de Capella, aqui se defende que os efeitos
retóricos e os impactos simbólicos do MARE não foram resultantes de uma decisão tão
“deliberada” assim, mas antes o resultado, digamos assim, colateral dos esforços de Bresser no
resultados alcançados pela reforma, mas não sua razão de ser. As propostas do MARE eram
“para valer”, digamos assim, e não somente lances discursivos em uma batalha simbólica. Se os
dificuldade de se implantar uma reforma em conflito, ou pelo menos com insuficiente acordo e
1998, 23-6). Se o impacto principal do MARE ocorreu no plano cultural (ABRÚCIO, 2007, 73)
– difusão de novos valores e conceitos, não se pode negar que nas outras duas dimensões houve
um ambiente adverso, dentro e fora do governo, ambiente este que se tornou ainda mais adverso
exatamente por causa do peso simbólico representado pelo MARE enquanto foco de atenção de
74
Portanto, as eventuais funções simbólicas que o MARE venha a ter cumprido – e de fato
cumpriu – não fizeram parte de uma estratégia deliberada do governo FHC. Se houve alguma
estratégia de difusão de novos valores e idéias, ela foi articulada pelo ministro Bresser-Pereira e
sua equipe, mas não pelo governo como um todo, o qual, pelo contrário, era um dos alvos
daquela estratégia, e não um de seus focos difusores: “Agora cabe ao Ministro Bresser
“reunião solene de lançamento do Plano Diretor” do MARE (MARTINS, 2003, 154, grifos
nossos).
Outros dois trabalhos que vão em direção semelhante, ou seja, que acentuam de maneira
modo, no principal lócus de produção da ideologia oficial, são os artigos de Andrews e Kouzmin
O primeiro artigo, de Andrews e Kouzmin, apresenta uma forte crítica às idéias da nova
administração pública por meio de uma análise do discurso elaborado por L. C. Bresser-Pereira
enquanto ministro da Administração Federal. A tese central do artigo é que o discurso construído
por este ministro visava, antes de tudo, dissociar as idéias e propostas da administração gerencial
da teoria da Escolha Pública (que estaria na base das principais propostas de tal linha da
administração pública), pois esta, por ser a principal expressão teórica dos setores conservadores,
não contaria com uma boa imagem perante muitos setores da sociedade.
Escolha Pública, haveria, segundo os autores, um esforço para apresentar as idéias da NAP como
75
isentas de ideologia e afinadas com as novas necessidades do tempo presente, marcado pela
globalização.
Lembrando que “a reforma administrativa brasileira não concebe a atual crise como uma
crise do capitalismo, mas como uma ‘Crise do Estado’”, os autores mostram que esta leitura da
crise leva a um diagnóstico no qual quase todos os principais pontos da reforma administrativa
brasileira então proposta pelo MARE estariam “baseados nos pressupostos teóricos da Escolha
Tomando o texto “A reforma do Estado nos anos 90: Lógica e Mecanismos de controle”,
de Bresser-Pereira (1997), a análise do discurso é então realizada com o objetivo de mostrar que
rigoroso do termo. Analisando o livro Reforma do Estado para a cidadania (1998)35, de Bresser-
Pereira, Oliveira afirma que ele se trata do “documento da ideologia do governo FHC”, uma
adequada. Por um lado, o ex-ministro do MARE tentou, em várias ocasiões, elaborar tanto uma
35
No artigo citado, Oliveira refere-e ao título do livro como “Reforma do Estado e cidadania”. Contudo, pela
referência às editoras, ao ano e às idéias discutidas, não há dúvida que se trata do livro Reforma do Estado para a
cidadania, constatando-se, assim, apenas uma pequena incorreção de escrita.
76
visão geral quanto fundamentar – técnica e politicamente – a necessidade e legitimidade das
Por outro lado, pode-se afirmar que Bresser-Pereira não buscou, pura e simplesmente,
justificar a todo preço o governo FHC, na medida em que procurou desenhar propostas que iam
além do império do ajuste fiscal (REZENDE, 2004). Ele buscou muito mais legitimar a reforma
que propôs e suas ações e decisões do que articular uma legitimação pura do governo. Além
disso, essa disposição de Bresser-Pereira de colocar-se como uma espécie de arauto de uma visão
desvelamento dos interesses reais por trás das operações discursivas que estruturam os
argumentos, tematizando aquilo que se considerou elidido nos textos, ou seja, as reais intenções.
O que deu margem a essas interpretações sobre as origens e razão de ser da reforma de
1995 foram, principalmente, suas afinidades com as reformas neoliberais então em curso.
36
Cf. Bresser-Pereira (1997; 1998; 2005; 2008).
37
Cf. Idem (1992; 1996).
77
medida em que onde não era possível a privatização propriamente dita, as propostas gerenciais
buscavam dar saídas alternativas, mas orientadas pela mesma idéia geral: a saída da crise do
Não podendo, devido sobretudo a questões técnicas e/ou políticas específicas e cada
setor público para o mercado, então a saída era buscar conformar a estrutura e o funcionamento
do aparelho estatal aos padrões e lógica do setor privado. Sob o guarda-chuva dessa idéia geral,
floresceram as mais diversas correntes que constituem antes um “campo de debate” (BENTO,
2003, XIII) que um bloco articulado e harmônico de teorias e propostas práticas, que ficou
idéias e de propostas foi, até certo ponto, negativamente comprometida quando promovida em
contextos marcados por uma nítida hegemonia neoliberal. Nesse sentido, o MARE sempre esteve
em uma posição desfavorecida frente aos outros ministérios, não conseguindo ir além de cumprir
Assim, se, por um lado, a Nova Administração Pública não está ligada de maneira
estrutural com o neoliberalismo, mas antes seus laços com este são históricos38, quer dizer, o
outro lado, não se pode dizer que ela não se insere nesse contexto em afinidade com o
neoliberalismo.
38
Cf. Abrúcio (2005) para uma exposição analítica das principais vertentes da nova administração pública, tomando
o caso britânico como paradigmático.
78
Em si, ela pode não ser neoliberal, mas suas ocorrências históricas sem dúvida nenhuma
têm uma complementaridade acentuada em relação ao núcleo das propostas neoliberais, ou seja,
estavam pautados pela proposta de transformação do usuário em cliente e em dar aos cidadãos
empreendedoras, isto é, mais ativas e criativas e menos reativas a normas, o que implica um
como foi a transição brasileira – analisada no capítulo 1 –, com um Presidente da República que
capitaneado por um economista que tinha sido ministro da Fazenda durante o mais conturbado
período da história brasileira recente e que se colocava como um dos pioneiros do neoliberalismo
no Brasil (BRESSER-PEREIRA, 1992, 18), punha em uma situação muito complicada qualquer
proposta oficial de reforma administrativa, por mais bem intencionada e construtiva que fosse.
O MARE tornou-se, por assim dizer, um ‘alvo fácil’, demasiadamente fácil, de se mirar e
atingir. Contudo, a mira estava apontada não tanto para o pequeno ministério, e sim para o
79
governo FHC como um todo e sua plataforma de reformas, levada a cabo pelo seu “núcleo duro”
e blindado.
É do que o governo FHC fez e significou, historicamente, que a maior parte dos estudos
sobre a reforma gerencial de 1995 parte. A condução da reforma pelo ministro Bresser-Pereira e
O Mare era um ministério pequeno, com poder muito limitado, mas nós o
transformamos em uma fonte de idéias e em um espaço de debates. Para
isso, além das muitas palestras, escrevi muito (...) Eu brincava com minha
equipe (...), dizendo, “nosso ministério pode ser pequeno e não ter poder,
mas nós transformamos o Mare e a Enap em uma pequena universidade”.
Não era bem verdade, mas indicava o quanto, naquele momento, o poder
do Estado se confundia com o poder das idéias” (BRESSER-PEREIRA,
2008, 29-30, grifos nossos).
Mais precisamente, poder-se-ia afirmar que o que houve foi um intenso uso do “poder
das idéias” como válvula de escape para um Ministério com pouquíssimo “poder do Estado”, isto
é, sem apoios firmes dentro do governo e com escasso poder de controle sobre os recursos vitais
Isto explica, em grande parte, por que um Ministério pequeno e que permaneceu
relativamente alheio tanto dos processos decisórios quanto da execução das principais políticas
que efetivamente tiveram impacto sobre o Estado brasileiro (concepção e implantação das
80
Capítulo 3
Reforma administrativa de 1995: uma crônica das origens
pública, assim como a determinação dos conteúdos das reformas, tornam-se cruciais para todos
suas diversas dimensões – político-institucional, social etc. –, teria que se consolidar num quadro
de reformas estruturais de conteúdos novos: não se tratava mais de montar um Estado interventor
Se os conteúdos eram novos, não eram, contudo, consensuais. Como o principal desafio
A partir deste amplo contexto, neste capítulo, a origem da reforma gerencial de 1995 será
analisada mais detidamente, focando-se nos elementos conjunturais que iluminam o sentido das
decisões tomadas no plano do curto prazo, decisões estas fundamentais para os rumos posteriores
da reforma. Após uma breve avaliação das iniciativas de reforma que foram feitas no período
O argumento central aqui é o de que o MARE tornou-se altamente visível devido à sua
ação ter se tornado uma política pública de amplas proporções – pelo menos em sua concepção e
ambição –, e não tanto incremental, em um contexto de definição dos conteúdos das reformas
estruturais levadas a cabo pelo governo FHC. Isso levou à crítica das propostas daquele
81
ministério não somente enquanto proposições destinadas a impulsionar e dar sentido a uma
reforma específica, mas também como um dos núcleos das reformas estruturais.
autoritário, mas também de iniciativas dedicadas a estabelecer uma nova configuração entre setor
manter a estabilidade monetária e, ao mesmo tempo, promover uma nova inserção internacional
do país, o que passava pela resolução do problema da dívida externa. Além disso, após a eleição
de Collor, a agenda pública de reformas foi sendo estruturada de tal modo que a reorganização
democratização.
passava pelo aprofundamento do processo de redemocratização, que envolvia não somente uma
revisão das relações Estado-sociedade, mas também uma reestruturação do aparato burocrático.
Isto porque, diante da força das práticas clientelistas e corporativistas no Brasil, criou-se,
empresas estatais – que permitiram, por um lado, sua relativa neutralização em relação a
82
interesses particularistas, mas, por outro, não implicaram a difusão de padrões meritocráticos
KUGELMAS, 1991, 149-52). “Com a crise econômica dos anos 80, percebeu-se no Brasil como
o Estado tivera enorme poder para aumentar sua presença direta na economia, porém não
Em um quadro como esse, “a discussão sobre a accountability vem dar novas dimensões
burocracia. Contudo, aqui não é o momento para se discutir em maior profundidade tais
Analisando-se mais detidamente, contudo, pode-se afirmar que sua iniciativa foi marcada
funcionários públicos39. Diante da repercussão de tais afirmações, Santos (1993), por exemplo,
83
central do Estado brasileiro, diferentemente do que defendia o governo Collor, não era seu
está onde não deveria, ao preço de não se encontrar onde a responsabilidade social de um Estado
combativa”, que “gerou mais reação do que ação” (MARTINS, 1995, 55) da parte dos
funcionários públicos40. Tudo isto debaixo de uma concepção muito restrita de gestão
foi uma “paralisia e incapacidade estrutural [por parte do setor público] de elaborar e
implementar políticas. ‘O ímpeto modernizante foi mais uma estratégia de marketing do que de
A principal contribuição construtiva do período Collor, ainda que limitada, foi a criação
positivos em relação aos objetivos gerais perseguidos pelos governos seguintes, isto é, de
República” (MARTINS, 1995, 56), escolhendo assim um caminho menos complicado e menos
polêmico para questão da administração pública que, contudo, representava apenas o adiamento
do combate aos problemas centrais da burocracia. Além disso, o governo Itamar estabeleceu uma
40
Abrúcio (2007, 70) vai na mesma direção ao afirmar que o governo Collor transformou o funcionalismo público
em “bode expiatório”.
84
“política de recomposição salarial no setor público baseada em critérios populistas, dissociada da
problemática estrutural da gestão de recursos humanos no setor público” (MARTINS, 1995, 56).
Ou seja, o primeiro governo civil escolhido por eleições diretas vagou sem um rumo
consistente e contínuo. E isto não somente por causa da mudança no posto político mais
relativo isolamento deste último e ao caráter do governo Itamar Franco, o qual, fazendo um
governo de transição, não se sentia à vontade para empreender grandes reformas (MELO, 2002,
61).
Assim, entre idas e vindas, decisões enérgicas foram tomadas, mas sem grandes
resultados práticos. Para completar tal quadro, a mudança de Presidente implicou na reversão dos
poucos efeitos, positivos e negativos, que eventualmente as iniciativas anteriores tenham gerado.
Assim, a administração pública seguia o mesmo destino do conjunto mais amplo de reformas
ressaltou a ausência da reforma administrativa nas propostas eleitorais de FHC. Em uma dessas
85
Contudo, se não havia a previsão de uma reforma de grandes proporções que envolvesse
O fim da “era Vargas” significava também uma revisão dos papéis do Estado e das
recém-eleito não considerava necessária uma reforma profunda na burocracia brasileira, mas
apenas “ajustes finos e melhorias localizadas”, pois “os órgãos vitais da burocracia pública
federal” – como o Banco Central, o Ministério da Fazenda e o Itamaraty, por exemplo – “já
estavam otimizados (bons quadros e marcos institucionais bem definidos)” (MARTINS, 2003,
123).
de políticas públicas, não somente há “problemas” que demandam “soluções”, mas também
“soluções” à espera de “problemas”. Esta é outra maneira de expor a hipótese central desse
trabalho, exposta na Introdução: portador de uma “solução”, Bresser-Pereira partiu em busca dos
86
3.2.1 Reforma gerencial de 1995: uma narrativa de origem
órgão que era diretamente ligado à Presidência da República e que ganhou status de ministério
apoio do Presidente, que, se não aderiu entusiasticamente às propostas, pelo menos deu espaço
para Bresser trabalhar. A sugestão do nome e a inclusão do termo “Reforma do Estado” foi uma
solicitação de Bresser-Pereira.
do MARE não eram partilhadas “pelo Presidente e por seus principais Ministros”, como Pedro
Malan (Fazenda), José Serra (Planejamento), Paulo Renato de Souza (Educação), Clóvis
Carvalho (Casa Civil) e Eduardo Jorge (Secretário Geral) (MARTINS, 1995, 155; COSTA,
2002, 28).
O que ocorria é que o bloco político vitorioso nas eleições de 1994 não carregava consigo
uma proposta de reformas que implicassem numa revisão do Estado “por dentro”, quer dizer, de
seu aparelho. A idéia chave era desregulamentar e privatizar, isto é, cortar o Estado “por fora”,
diretamente. É por isso que “a estratégia de reforma institucional de Bresser foi construída por
87
fora do núcleo do governo e sua concepção não se enquadrava facilmente nas linhas de ação
Dentro desse contexto, a proposta de Bresser “não lograva atenção em face da lógica
pragmática quer do ajuste fiscal (DINIZ, 2007, 49-50)41, quer da complexa gestão dos universos
Diretor exigiriam “esforços e riscos extras de convencimento” (MARTINS, 2003, 156). Assim,
pela lógica pragmática, era preferível buscar resultados por outras formas, introduzindo-se
solicitara que o próprio Presidente publicasse “um decreto, portaria, ou qualquer outro
instrumento afirmando que o Plano Diretor passava a ser uma política oficial do governo”
Civil. Tal desconfiança, segundo Bresser-Pereira, “manifestou-se durante os quatro anos em que
estive à frente do Mare, e foi um obstáculo à reforma, já que o ministro chefe da Casa Civil tinha
o controle da assinatura do presidente”, assinatura esta essencial para fazer avançar a reforma
41
Cf. Rezende (2004), que elaborou toda uma tese de doutorado para explicar a “falha sequencial” da reforma de
1995 a partir da predominância da lógica do ajuste fiscal sobre a da mudança institucional.
88
promovida por um Ministério pequeno e sem recursos, dependente da aprovação e apoio dos
Jorge – e não do ministro da área, ou seja, Bresser-Pereira, para ser o interlocutor do governo no
Emenda, discutido durante anos e já consolidado juridicamente, corria o risco de ser desfigurado,
o que poderia fragilizar uma das bases fundamentais da reforma gerencial proposta.
Fora do governo, mas dentro do Congresso, a base aliada, formada, além do PSDB, pelo
importantes aliados da reforma administrativa, pelo menos naqueles pontos em que lhes
funcionalismo público atraiu muito os governadores, já que a maior parte dos estados estava
liberação de recursos que poderiam ser investidos em outras áreas politicamente mais visíveis e
89
Fora do governo, os principais atritos, sem dúvida nenhuma, seriam com os funcionários
públicos e a CUT (Central Única dos Trabalhadores), que tinha no funcionalismo público uma de
Além das novas e polêmicas propostas trazidas pelo MARE e pelo Ministro da
Administração, havia ainda acesa a lembrança de sua participação no primeiro governo da Nova
República, pois o governo federal estava sendo processado pelos servidores, que alegavam ter
sofrido perdas salariais com o plano econômico lançado por Bresser-Pereira quando Ministro da
Sempre transitando nos meios empresariais, dos quais Bresser-Pereira já fazia parte há décadas
devido às suas relações profissionais com o Grupo Pão de Açúcar, o Ministro da Administração
ao mesmo tempo em que Bresser soube usar ativamente o espaço da imprensa para defender as
Desse modo, o tabuleiro do xadrez político estava assim colocado no ano de 1995. Dentro
conquistar apoio às suas idéias e de tornar sua proposta de reforma administrativa uma prioridade
tesoureiro nacional, Bresser-Pereira estava sendo cotado para assumir alguma pasta no recém-
90
eleito governo Mário Covas, no estado de São Paulo, possivelmente a Secretaria da Fazenda.
Tudo dependia, porém, de saber se ele seria ou não chamado pelo presidente também recém-
havia solicitado, e o presidente havia concedido, a pasta das Relações Exteriores. Contudo, assim
que a notícia se espalhou pela imprensa, membros influentes do Itamaraty pressionaram o recém-
eleito Presidente FHC que, em menos de 24 horas voltou atrás e consultou Bresser-Pereira sobre
a possibilidade deste ser alocado na então SAF (Secretaria da Administração Federal), que seria,
Note-se, portanto, uma vez mais, a ausência quase completa da previsão de uma reforma
de FHC, quanto nas projeções mais informais que já estavam sendo feitas das reformas que o
novo governo considerava essenciais. Inclusive, logo no primeiro mês de governo, o presidente
FHC teve que enfrentar desacordos dentro de seu próprio partido, o PSDB, pois alguns de seus
rapidamente expor os motivos pelos quais uma reforma mais ampla da administração federal se
Desde o primeiro dia em que teve a confirmação de que seria responsável pela
91
mesmo que somente em linhas gerais. Reflexo de décadas de ensino e pesquisa na área de
administração pública. Em texto recente, ele afirmou que “embora não estivesse ainda claro para
mim como seria a reforma [administrativa], eu conhecia a matéria o suficiente para estar
Entre os objetivos gerais da gestão, anunciados logo no primeiro dia após saber que posto
ocuparia no governo, estaria a unificação dos mercados de trabalho público e privado. Para tanto
funcionalismo, que teria privilégios – como a estabilidade e a aposentadoria especial, com menos
anos de serviço e vencimento integrais – mas, por outro lado, teria salários baixos e poucas
perspectivas de evoluir na carreira por mérito e competência. A intenção seria acabar com os
combinar a visão que já vinha construindo desde meados da década de oitenta sobre a crise
brasileira – que para ele seria fundamentalmente uma crise do Estado desenvolvimentista, isto é,
gerencial45.
O documento mais importante, que representa a síntese dessas duas visões, é o Plano
44
Cf. Bresser-Pereira, 1992; e Bresser-Pereira, Maravall e Przerworski, 1996.
45
Cf. Osborne e Glaeber (1994), livro considerado clássico na bibliografia da reforma gerencial; e Abrucio (2005),
que realiza um levantamento sobre as principais experiência de reforma gerencial em âmbito internacional .
92
torno dos princípios da reforma gerencial organizados em três dimensões: a institucional-legal, a
(1) em março de 1995, o encontro em Brasília com David Osborne, um dos autores de
Reinventando o Governo (1994), na época uma espécie de livro de cabeceira de quem estava
20);
(2) em maio do mesmo ano, Bresser faz uma “visita de cooperação à Grã-Bretanha”, de
onde veio a inspiração para os modelos de Agência Executiva e Organizações Sociais, “com
escala em Santiago de Compostela, sede de um congresso sobre gestão pública na época”, onde
com diferentes formas de propriedade e formas de administração” (MARTINS, 2003, 154), isto
é, a “matriz teórica da reforma” (BRESSER-PEREIRA, 2008, 22, itálico do autor). “Não aprendi
a reforma gerencial com o Banco Mundial e Washington, mas a aprendi com Londres e o
18).
(3) entre maio e julho de 1995, houve a redação preliminar do Plano Diretor, assim como
46
Cf. Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, 1995.
47
Em relação a esse ponto, cf. também a cronologia de Barbosa e Silva (2008, 59-60) e a do próprio Bresser-Pereira
(2008, 27-9), acerca dos primeiros passos da reforma administrativa de 1995. Consultar também, para os principais
acontecimentos citados ao longo deste capítulo, a cronologia que se encontra no Anexo I desta dissertação.
93
3.2.3 Da “Estrutura e organização” ao Plano Diretor
Aqui vale a pena um pequeno desvio de rota na exposição a fim de se comparar o Plano
Diretor, documento que sintetiza de maneira sistemática os principais pontos que nortearam a
ação do MARE ao longo de sua existência, com uma obra, resultante de uma inovadora pesquisa
dois volumes, ela apresenta, inicialmente, um amplo levantamento das relações entre
administração pública e sistema de governo em alguns países europeus, como França, Alemanha,
dois volumes são, majoritariamente, cientistas políticos estudiosos de administração pública. Tal
pública não de maneira isolada e puramente técnica, mas antes vinculando suas problemáticas às
48
Cf. Durand e Azevedo (1995) para um registro de um Seminário ocorrido em meados de 1994 sobre Reforma do
Estado, cujas análises vão em direção semelhante à obra de Jaccoud e Andrade analisada nesta seção. Tal seminário,
inclusive, contou com a participação de alguns pesquisadores responsáveis por Estrutura e Organização do Poder
Executivo.
94
administração ao sistema de governo” (JACCOUD e ANDRADE, 1993, 23). Cada eixo constitui
um capítulo da obra. Cada capítulo da obra reproduz um mesmo esquema geral: conceituação,
Esquema semelhante encontra-se no Plano Diretor do MARE (1995), que apresenta, também,
propostas centrais da reforma gerencial centradas numa diferenciação das formas de propriedade.
“uma reforma global e articulada de todo sistema, ou uma espécie de Plano Diretor, para a
caminho diretamente inverso: propôs uma reforma ampla e global da administração direta,
(JACCOUD e ANDRADE, 1993, 35-6), o MARE aponta o próprio modelo weberiano como o
grande entrave a ser superado (Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, 1995, 14-6).
Mais precisamente, não se trata de negar por completo o modelo burocrático clássico,
pois “a administração pública gerencial está apoiada na anterior [modelo burocrático clássico ou
weberiano], da qual conserva, embora flexibilizando, alguns dos seus princípios fundamentais”.
A diferença central residiria “na forma de controle que deixa de basear-se nos processos para
concentrar-se nos resultados (Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, 1995, 16).
49
Cf. o Plano Diretor (1995), que propunha ações em três macro-dimensões – institucional-legal, cultural e de
gestão, abrangendo, assim, todos os aspectos principais da administração pública.
95
De fato, isto representa uma proposta bem mais ambiciosa do que a de Estrutura e
Bresser-Pereira afirmaria ainda, depois, que aquele “documento da ENAP de 1993”, isto
em Brasília a partir da transição democrática (1985), até o final do governo Itamar”, (BRESSER-
carreira dos altos dirigentes públicos, que receberam, entre o final da década de oitenta e início
mudança, que se globaliza e se torna mais competitivo a cada dia” (BRESSER-PEREIRA, 1998,
181).
operada pelo governo FHC no sentido de redefinir as tarefas históricas do país diante dos
50
3.2.4 A reforma administrativa no primeiro ano do governo FHC: breve análise
Em poucas palavras, o ano de 1995 foi marcado pela tentativa de delineamento de uma
proposta geral para a reforma do Estado que fosse politicamente viável, mas sem deixar de ter
impacto positivo realmente marcante na administração pública brasileira. Contudo, esse primeiro
ano foi dominado por questões e declarações relacionadas ao cotidiano da administração federal.
50
Esta seção baseia-se, principalmente, em levantamentos realizados junto ao jornal Folha de S. Paulo
correspondente ao período que vai de meados de 1994 à dezembro de 1995. No Anexo I, apresenta-se uma
cronologia elaborada a partir de tal levantamento.
96
Sendo o MARE o “Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado”, a parte
que cabia à “Reforma do Estado”, neste primeiro ano, acabou sendo sufocada pela que coube à
Sem dúvida nenhuma, o assunto que prevaleceu nas discussões e nos protestos durante o
período considerado foi a proposta de flexibilização da estabilidade dos servidores públicos com
inclusão de novos critérios de demissão. Anunciada desde o primeiro momento em que assumiu
seu cargo, tal proposta geraria atritos e conflitos entre Bresser-Pereira e os representantes
sindicais do funcionalismo durante todo o ano de 1995, dividiria a base aliada em momentos
entidades responsáveis pela prestação de serviços sociais, como educação, saúde e cultura, de
entidades públicas e estatais em entidades públicas não-estatais, com base na figura jurídica das
“organizações sociais”.
sustentar uma tentativa de desestatização de alguns serviços públicos. Tais iniciativas e propostas
foram vistas, por importantes setores da sociedade, como um símile das privatizações que
De fato, ressaltando que hodiernamente a esfera pública não se identifica ou não se reduz
(Legislativo e Executivo) e pelas carreiras típicas de Estado (policial, jurídica, fiscal), que não
97
encontram e não podem encontrar similares na iniciativa privada, pois são responsáveis por
isto é, transferir sua execução direta do Estado para as “organizações sociais”, figuras jurídicas
destinadas a ocupar no novo espaço “público-não estatal” delineado pela reforma, sendo que o
governo manteria sua responsabilidade pelo financiamento e fiscalização de tais serviços, por
Estado e a política econômica que vigorou durante o governo FHC, política esta marcada pela
serviços sociais e de privatização das empresas estatais, Bresser estava em sintonia – ou pelo
Contudo, tal sintonia não foi suficiente, como observado acima, para evitar conflitos
dentro do alto escalão do Executivo federal e entre os técnicos responsáveis por tais reformas e
os congressistas, preocupados com suas convicções e com sua imagem perante o eleitorado. Essa
sintonia também não foi suficiente para deslanchar por completo a reforma do Estado pretendida
por Bresser-Pereira, que terminou por circunscrever-se, pelo menos em um primeiro momento, à
“administração federal”.
51
Cf., para todos esses pontos listados, Bresser-Pereira, 1998 e 2005.
98
3.2.5 As limitações contextuais do projeto de reforma gerencial do Estado brasileiro
inicialmente a esta pequena reconstituição factual, que serviu de pilar empírico a este estudo de
A hipótese geral deste estudo de caso diz respeito às origens e limitações da reforma do
Estado durante o primeiro governo FHC. Pois bem, a conclusão a que se pode chegar é que os
limites dessa reforma encontram-se, principalmente, em suas origens, isto é, em sua fase inicial
governo, de um movimento que havia surgido e se articulado na sociedade e que agora estaria
qualidade e pouca cobertura de boa parte dos serviços prestados pelo Estado tinha caráter
Federal em MARE
“mostrava que a reforma não era uma prioridade governamental. Como órgão
responsável por atividades-meio, o MARE não possuía densidade própria, não
representava interesses sociais relevantes, não atraía a atenção da opinião
pública e, pelo contrário, tendia a enfrentar resistências generalizadas da
burocracia federal, especialmente nos ministérios maiores, ciosos de sua
autonomia. Sem a vinculação direta à Presidência da República, o MARE seria
apenas um pequeno ministério sem recursos” (COSTA, 2002, 30).
Não sendo uma prioridade governamental e não contando com recursos, apoios e
condições tão favoráveis, a proposta de reforma gerencial do Estado surgiu das vicissitudes e
Seu perfil e os avanços que conseguiu ao longo de seu primeiro ano de existência
(período coberto por este estudo de caso), assim como a atenção que veio a receber da opinião
99
pública, podem ser atribuídos, em grande parte, à militância pessoal do ministro Bresser-Pereira
Isto estava relativamente claro desde os primeiros momentos do MARE e desde as suas
foi mencionado no segundo capítulo, “FHC encerrou a sessão expressando: ‘Agora cabe ao
É por isso que o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, que sintetizava as
propostas gerais e serviria de base para a elaboração e a implantação de ações específicas, pode
ser considerado como “uma ‘carta de crédito’ a Bresser, que teria de lutar para torná-lo
presidente à época da campanha, cuja lealdade e dedicação seriam recompensadas com aquela
públicas. A abertura daquela janela ocorreu, assim, devido em grande parte à postura
concomitantemente, para tornar o Plano Diretor algo não somente viável, mas operacional, que
fez com que o MARE entabulasse um esforço de ampliação de sua base de apoio dentro do
100
governo, cujos resultados principais foram mais no sentido de “diminuir resistências que angariar
inflação e das contas públicas, a proposta de reforma gerencial teria realmente muitas
dificuldades para se tornar, de fato, uma proposta da sociedade e, até mesmo, do próprio
aparelho do Estado, já que o único movimento que conseguiu gerar na maior parte do
basicamente as mesmas preocupações que o governo federal: o controle da inflação e das contas
públicas. Seu apoio era, assim, não tanto ao projeto de reforma de Estado, mas antes às medidas
Os aliados mais fortes da reforma do Estado, em sua dimensão mais ampla, que
alguns especialistas da área e entre alguns setores da imprensa, que não tinham condições de
sustentar uma mobilização social e política a fim de pressionar favoravelmente pela implantação
democrático, porém marcado por um alto grau de desmobilização da sociedade no que se refere
ao tema, e cujo perfil foi desenhado não a partir de amplas discussões nessa sociedade, mas sim
por um especialista e sua equipe, que, por melhor que tenham elaborado seu projeto, não
101
conseguiram ultrapassar as limitações inerentes ao contexto político em que se encontravam e à
Tendo em vista que, de uma maneira geral, o ímpeto inicial da reforma concebido pelo
MARE foi marcado (1) por uma forte crítica a determinados dispositivos da Constituição de
1988, especialmente seu capítulo sobre a Administração Pública, e (2) pela elaboração de uma
administrativas em países que estavam sob forte hegemonia neoliberal, a visão dos principais
atores, principalmente da oposição, seria condicionada por essa marca de origem do MARE,
reforçada pela visão geral do governo FHC como um experimento neoliberal nos trópicos sul-
configurada em torno do Decreto-lei 200, de 1967, afirmando que esta fora “um primeiro
Contudo, era perceptível e inegável que a chegada e a absorção das idéias da Nova
administrativas brasileiras. O Decreto-lei 200/1967 pode ter sido uma primeira e importante
experiência gerencial, mas não será em relação a ela, a seus sucessos e fracassos, que a reforma
52
Lembrando que tais conclusões se referem sobretudo ao primeiro ano de existência do MARE, mas podem ser
estendidas também a todo o período de sua existência.
102
pública” e os constituintes “decidiram completar a Reforma Burocrática” ao invés de atentar para
os “princípios da administração pública gerencial, que estava sendo implantada em alguns países
motivado por uma legítima reação ao clientelismo, mas também por “privilégios corporativistas
envolver em polêmicas após anunciar as metas de sua pasta, entre elas a de flexibilizar a
principalmente dos estratos médios e baixos do funcionalismo público. Por outro lado, o
Há aqui um fato interessante. Durante boa parte de sua carreira acadêmica, Bresser-
MARE, afirmava que um dos principais problemas do funcionalismo brasileiro era seu
corporativismo. Como a administração pública não é um todo monolítico, mas antes composta de
vários estratos, pode-se dizer que o fenômeno tecnoburocrático é típico de alto escalão, enquanto
o corporativismo é mais geral, podendo envolver qualquer dos estratos, ou até mesmo todos,
dependendo do caso.
Durante sua passagem pelo MARE, Bresser-Pereira afirmava que o corporativismo, e não
a tecnoburocracia, era o principal entrave interno à reforma gerencial. Ou seja, pode-se afirmar
que ele caracterizava desse modo a oposição do funcionalismo ao MARE porque tal oposição
não vinha dos altos escalões, ninho da tecnoburocracia, e sim dos baixos e médios escalões, que
53
Cf. Folha de S. Paulo, 3/11/1995 e o Anexo I deste trabalho.
103
faziam parte dos sindicatos que eram ligados aos partidos de esquerda, já posicionados contra o
governo FHC.
Como a oposição vinha desses estratos, isto aparecia nos discursos e críticas de Bresser
negativa do funcionalismo público, ou pelo menos expôs-se a que fosse assim visto pela
oposição política.
funcionalismo público. As razões de tal comportamento são mais complexas. “A falta de ações
solapada, comprometendo seu braço empresarial – a administração indireta, que abrigava parte
importante da “tecnoburocracia”.
objetos de estudo dos anos setenta – a tecnoburocracia – já não se apresentava tão explicitamente
era o chamado “núcleo duro” do governo FHC, que, contudo, não poderia ser definido como alvo
de reforma, mas antes como possível base de apoio para esta, conforme já exposto acima.
104
havia deixado a administração federal em péssimo estado e despertado uma sensação de
último frente ao governo e a predisposição para o embate direto eram um dos resultados
de reformas estruturais pelo governo do qual fazia parte; o apoio de organismos internacionais
criticados e vistos como instrumentos de interferência externa nos problemas nacionais, como o
Banco Mundial, entre outros fatores, “empurraram o MARE e sua proposta para debaixo dos
Como este capítulo mostrou, as propostas do MARE não eram consensuais dentro do
governo, frequentemente entrando em choque com o “núcleo duro” responsável pelo ajuste
fiscal. O MARE também não foi diretamente responsável pelas ações de maior envergadura
destinadas a conformar uma nova estrutura para o Estado brasileiro, como as privatizações, por
exemplo.
Apesar disso, elaborou uma visão sistemática e ambiciosa de Estado, ainda que criticável e
criticada – uma visão de Estado que estava sendo coroada como hegemônica no Brasil.
105
Tal visão não pode ser reduzida a um simples experimento neoliberal, mas também não
pode ser desvinculada de um contexto no qual a hegemonia neoliberal atuava como um fator de
peso e fortemente determinante dos conteúdos, formas e destinos das iniciativas de reformas.
que se destinavam não somente a dar subsídios técnicos à atuação dos responsáveis pela
implementação da reforma proposta pelo MARE, mas também a propagar e justificar uma nova
Tudo isso não somente resultou em uma exposição pública extremamente aberta a
discussões e críticas, como também acabou por atrair a atenção – e, em alguns casos, a ira – de
atores envolvidos.
dela, representavam um dos principais fatores determinantes das posições assumidas pelos
legitimação e apoio para seu ministério, procurava justificar e legitimar o projeto do governo do
Administração e Reforma do Estado, o que se pretendia atingir era, realmente, o projeto, bem
maior, de um governo que se colocava a tarefa histórica de encerrar a Era Vargas pela abertura
ao neoliberalismo.
106
Considerações finais
distanciado e mais frio que se tem quando se estuda um fenômeno que já passou por todos os
seus principais desdobramentos, a primeira grande questão que surge, em torno do MARE, não é
tanto porque ou em que medida ele não deu certo – tendo em vista os resultados projetados e os
porque ele conseguiu ir tão longe apesar das limitações e amarras que o envolviam.
pelo menos o fim do regime militar. As crises e mudanças globais do capitalismo, bem como os
novos jogos de hegemonia que passam então a prevalecer, contribuíram para compor um
Brasil, a denúncia de um regime autoritário e excludente envolveu, como não poderia deixar de
A era das reformas no Brasil contemporâneo abriu-se com a crise dos anos oitenta.
fatores condicionantes das posições dos principais atores estratégicos da democracia brasileira
naquele momento dizia respeito à resolução dos impasses gerados pela crise do nacional-
107
porém não fora suficiente nem para aglutinar os grandes interesses54 nem para propiciar
coalizões entre atores estratégicos que resultassem em uma linha de ação clara e consistente, com
mínino apoio político de curto e médio prazo, que encaminhasse a construção de um novo
modelo de desenvolvimento. Somente com a eleição de FHC, em 1994, é que tais nós e impasses
De modo geral, pode-se dizer que o longo processo de formação de uma sociedade
à maturidade nos anos 1970. Chegar à maturidade significava que praticamente toda a carga
potencial de transformação que o processo de modernização então carregava já havia sido posta
periférico.
não somente limitações endógenas, mas também restrições advindas de processos similares no
âmbito dos países do capitalismo central, que em geral estão em melhores condições de alterar os
padrões de conexão entre os mercados nacionais e, assim, atuar direta ou indiretamente sobre a
Contudo, isto não significa afirmar uma subordinação total dos interesses nacionais de
cada país da periferia aos ditames dos países centrais, mas antes apontar alguns condicionantes
dos cenários dentro dos quais os atores estratégicos de cada nação devem transitar a fim de
alcançarem seus objetivos, sejam eles políticos, econômicos, materiais, ideológicos etc.
Por isso o capítulo 1 focou naquele processo que representa o que havia de mais
54
Cf. Diniz, que analisa a atuação dos empresários entre fins da década de oitenta e início da de noventa, e aponta a
incapacidade desse grupo em “transcender os interesses localizados e negociar propostas de teor mais abrangentes”
(1997, 16).
108
modernização é um processo tão multidimensional, que talvez não seja o mais adequado falar em
estrutura econômica brasileira cessou seu ritmo vertiginoso em fins dos anos setenta, por outro
definitivamente na agenda. Apesar disso, nem a Constituição de 1988, nem as demais alterações
O capítulo 1 focou a redemocratização não somente por esta ser a dimensão mais
importante, naquele momento, da modernização, mas também por ser o macro-processo que
condicionou e foi condicionado pela crise geral do capitalismo, que, através dos ajustes internos
que cada país do centro realizou para melhor passar pela tormenta, impactou os panoramas
diversas questões originadas no contexto internacional ou que pelo menos passavam por ele.
Sendo assim, as influências, restrições e pressões internacionais mostraram sua face mais
noticiários pelo menos, apareciam – e em grande medida ainda aparecem – como uma entidade e
Essas pressões ocorrem em todo o mundo capitalista, mas revelam-se mais explicitamente na
109
Por outro lado, como a análise do processo brasileiro de redemocratização também
de dentro, representada pela demanda por maior democracia, principalmente. Essa demanda
significava, entre outras coisas, o fortalecimento dos poderes locais, que apresentavam uma
percepção acerca das causas e da resolução dessas questões. Significava também a valorização
dos movimentos sociais e do chamado “terceiro setor”, que reivindicavam demandas específicas,
como o combate à discriminação (raciais, de gênero, orientação sexual etc.), violência, pobreza,
Toda essa soma de fatores e circunstâncias concorreu para elevar a pressão por
mudanças institucionais. Se a crise era uma certeza, as saídas eram, digamos assim, uma questão
de opinião e posicionamento político. Cada um olhava a crise de seu ponto de vista, e o consenso
possível à época formou-se na esfera política, em torno da luta pelo fim do regime autoritário. Já
incerteza que marca esses períodos faz com que os atores políticos fiquem mais cautelosos,
porém mais combativos também. Os impasses da sociedade contemporânea geram muitas vezes
análises e respostas semelhantes em campos diferentes da luta política: tanto à direita quanto à
esquerda, o centro da crítica era o Estado. A diferença é que um lado via a necessidade ou a
pelo menos defendia mudanças não muito abruptas, o que exige a condução das reformas em um
110
sentido e velocidade determinados, ao passo que outro lado via a oportunidade da ruptura em
crise, porém aqueles problemas eram percebidos de maneiras diferentes, já que a crise atinge de
que vivenciam a modernidade a partir da periferia, aos quais não “são concedidos a
111
forte carga construtiva e propositiva, com boas intenções e respaldada por algumas experiências
convencimento dos atores situados nos principais postos de comando do governo federal teriam
Em tal contexto, o MARE, ao tentar justificar e angariar apoio para suas propostas pela
formulação sistemática de uma visão geral do governo e de seu lugar dentro dele, tornou-se um
dos principais focos difusores de uma nova imagem do Estado e, assim, veículo simbólico de
legitimação do governo FHC. “Bresser foi o elemento perturbador do sistema de crenças estáveis
que reinava na alta e na baixa burocracia governamental. Foi o elemento de ruptura, cujo ruído
provocaria mudança” (MARTINS, 2003, 159). Isto ficou claro, por exemplo, com a análise
comparativa entre o Plano Diretor do MARE e a pesquisa coletiva Estrutura e organização, feita
no capítulo 3.
hegemônica – era sectária” (MARTINS, 2003, 159). Porém, se não era hegemônica dentro do
governo, seria tomada como hegemônica, ou pelo menos afinada com a orientação hegemônica
importante que o “neoliberalismo” do qual o MARE fora acusado seja relativizado e analisado de
modo diferencial. Há nesse ponto um paradoxo de difícil resolução: a proposta MARE não pode
ser reduzida, simplificadoramente, ao caráter geral do governo FHC, no qual predominou uma
orientação neoliberal.
brasileira foram, até certo ponto, sufocadas pelo peso e pela hegemonia do ajuste fiscal. Ao
112
mesmo tempo, a estratégia adotada para implantação da reforma elevou o grau de visibilidade da
reforma, o que contribui tanto para seus êxitos quanto para seus fracassos. Tal estratégia
burocrático “weberiano” por outro modelo global, o gerencial, e não a adoção de uma postura
incrementalista de ajustes55; (2) tendo em vista que o MARE tinha pouco poder e “dependia
ministro Bresser-Pereira e sua equipe promoveram e divulgaram suas idéias ao máximo, seja
pela publicação de artigos acadêmicos, em jornais, de livros, seja pela realização de palestras e
seminários.
Adotar essa estratégia foi uma jogada arriscada, um lance ambicioso dentro de um
contexto restritivo. Como os principais atores do sistema político permaneceram, por pelo menos
concretizado com a eleição e a posse de FHC, em 1994-95 – para se lançarem a iniciativas mais
amplas de reforma, reformas estas que incluíam a própria reestruturação do aparelho burocrático,
Administração Pública, foram determinantes não somente para a resolução de uma crise setorial
geral.
contra os baixos níveis de prestação de serviços públicos” e da força crescente das propostas de
55
Além da obra organizada por Jaccoud e Andrade (1993), já analisada no terceiro capítulo, outro especialista que
afirmava a necessidade de uma reforma administrativa mais incrementalista do que global, é Martins(b), que, em
1993, ou seja, antes da criação do MARE, afirmava que “a reforma [do aparelho do Estado] é possível se for
adotada uma estratégia realista e flexível, tendo como meta mudanças parciais e incrementais, visando gerar um
efeito-demonstração” (1997, 11). A publicação é de 1997, mas o texto foi escrito em 1993.
113
“privatização e desregulamentação” (MARTINS, 1997, 8), Bresser-Pereira, com sua estratégia,
assim como as grandes ações empreendidas pelo governo FHC. A justificativa da reforma
Estado brasileiro exigiria “uma reforma gerencial que aproveitasse – naturalmente adaptando-os
mudança na administração direta, como a criação das figuras jurídicas das Organizações Sociais,
urgentemente de reforma para poder ficar à altura das novas responsabilidades que assumira nas
Pereira (2008, 11) acerca do porquê de ter aceitado o convite para a pasta da administração no
governo FHC.
A reforma de 1995, com sua “falha seqüencial” (REZENDE, 2004), aponta para um ciclo
incompleto de política pública, marcado por um processo ultra-criativo em sua fase decisão e
formulação, mas com fortes dificuldades de implementação e, assim, de avaliação – razão de ser
114
proposta setorial de reforma administrativa ao leque de reformas do governo como um todo; 3)
Retórico, representado por artigos, declarações e até mesmo documentos oficiais que visavam à
específicos.
2) a pluralidade de atores envolvidos levou ao aumento dos pontos de veto e dos custos
agências executivas; e a orientação dominante para o ajuste fiscal, nem sempre congruente com
as propostas de mudança institucional, que foram, assim, deslocadas do centro das atenções.
Como observação final, é importante notar que aquele ciclo de debates dos anos 1990, em
torno dos papéis a serem desempenhados pelo Estado brasileiro, ainda não se encerrou. A onda
115
maior intensidade. Esse arrefecimento é, provavelmente, resultante do desgaste dos contendores
um novo Estado.
via ciclos eleitorais regulares56, dos atores políticos mais relevantes do cenário nacional desde a
volta da democracia, na década de 1980. Através daqueles ciclos, as principais forças políticas e
O resultado dessa alternância no poder é duplo. Por um lado, representa uma elevação
significativa, por parte dos atores políticos, do nível de aprendizagem em relação ao jogo político
Em suma, a cada nova rodada eleitoral, a cada debate mais forte e substantivo em torno
das propostas de quem ocupa e detém, no momento, o poder, os atores aprendem a conviver uns
com os outros bem como com o regime democrático. Aprendem, assim, a se renovar
constantemente.
autoritária brasileira, após terem experimentado o poder “pelo alto”, controlando-o e não sendo
56
Esse ciclo foi aberto pela volta do pluripartidarismo (1979) e, “depois [das eleições] de novembro [de 1985], não
há mais força de esquerda externa à dinâmica da transição democrática. Se ela radicaliza e se afasta do centro, na
melhora das hipóteses, deixa-o sem luta ao eixo conservador” (VIANNA, 1989, 76).
116
objeto dele simplesmente, projetos foram testados, decisões foram tomadas, erros cometidos e
acertos alcançados.
democracia, com todos os principais atores, que voltaram à cena pública com a
redemocratização, tendo passado pelos altos cargos do poder, pode-se afirmar que a consolidação
da democracia brasileira está conduzindo a novas paragens. É provável, portanto, que um novo
117
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Jornal consultado
126
Anexo I
1994
58
29 e 30/11/1994 [FSP] – Bresser aparece na lista dos cotados para a secretaria da fazenda de
São Paulo.
06/12/94 [FSP] – “Na Fiesp, o nome dado como certo para o Ministério da Indústria e Comércio
é o do ex-ministro da Fazenda Bresser Pereira”.
20/12/94 [FSP] – FHC reúne-se com Bresser e com Rubens Barbosa, ambos cotados para o
Itamaraty. Não houve nenhum anúncio oficial mas a imprensa já considera Bresser como
ministro das relações exteriores.
21/12/94 [FSP] – “Diplomatas se opõe à indicação de Bresser”. Esperava-se a indicação de um
diplomata de carreira e o nome do embaixador brasileira na ONU, Luiz F. Lampréia, estava em
alta cotação. “Os protestos são feitos à moda do Itamaraty, uma Casa onde as divergências não
ultrapassam o nível do porão”. (...) “Diplomatas e políticos ficaram com a impressão de que o
convite a Bresser foi uma espécie de prêmio pelo papel que desempenhou na campanha. Ele foi
tesoureiro oficial do PSDB, um posto considerado espinhoso”.
22/12/94 [FSP] – “FHC recua e põe Bresser na SAF”. (...) “Em telefonema a Bresser, FHC
afirmou ter sofrido pressões para tirá-lo do cargo. A amigos, Bresser disse haver enfrentado
restrição do embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima e do senador eleito Antônio Carlos
Magalhães (PFL–BA)”. L. F. Lampréia vai para o Itamaraty.
57
A cronologia inicia-se em fins de 1994 para dar uma visão um pouco mais ampla da criação do MARE e da
elaboração da proposta de reforma da administração pública.
58
Jornal Folha de S. P. Tudo o que aparecer sob aspas será citação direta do jornal, caso contrário o autor da frase
será indicado.
127
“Luiz Carlos Bresser Pereira perdeu o posto de chanceler por volta de 23h de terça-feira, quando
recebeu um telefonema de Fernando Henrique Cardoso. Bresser estava em São Paulo. Recebeu a
ligação em casa. Falando de Brasília, o presidente eleito lhe disse que estava recebendo muitas
pressões contra sua indicação para o Itamaraty. Fernando Henrique omitiu os nomes dos
opositores de seu aliado. Apenas disse a Bresser que não tinha como desconsiderar as pressões.
Teria de recuar na escolha. Consultou-o sobre a possibilidade de ocupar o posto de secretário de
Administração do novo governo. Embora desejasse muito o Itamaraty, Bresser assentiu”. (...)
“A Folha apurou que Fernando Henrique ficou impressionado com a má recepção do nome de
Bresser no Itamaraty. Como ex-chanceler, não lhe agradava a idéia de levar insatisfação à Casa.
A forte reação abalou sua convicção da véspera. Disse aos auxiliares que estava decidido a
premiar Bresser, tesoureiro oficial de sua campanha com um posto na esfera federal. Bresser
desejava muito o Itamaraty. Havia conversado com o presidente também sobre o setor de
administração pública, mas de forma periférica (...). Bresser foi chanceler por pouco mais de
24h”.
23/12/94 [FSP] – ACM afirma que não influenciou na decisão do presidente FHC de voltar atrás
na escolha de Bresser para o Itamaraty e disse não ter nada de pessoal contra o novo ministro.
Bresser, por sua vez, afirma que não havia acusado ACM de ter influenciado na decisão de FHC,
mas que apenas havia comentado uma notícia da Folha de S. P.
24/12/94 [FSP] – Logo em seu primeiro dia de trabalho, Bresser terá que enfrentar um problema
criado por ele mesmo, quando era ministro da fazenda. “Na sua posse, a Associação dos
Funcionários Públicos Federais faz manifestação para pedir reposição de perdas salariais durante
o Plano Bresser”.
26/12/94 [FSP] – “Herança administrativa: Bresser Pereira herdará vários problemas de seu
antecessor, [general] Romildo Canhim. Entre eles, a terceira fase da isonomia salarial, a
montagem de um plano de carreira e a criação de um novo plano de seguridade para os
servidores”.
JANEIRO/95
128
incluir entre as possíveis causas já existentes de demissão de funcionários públicos, como, por
exemplo, a falta grave, outros motivos como excesso de servidores e mau desempenho.
28/01/95 [FSP] - O governo se vê obrigado a negociar com o próprio partido do presidente
(PSDB) pois alguns de seus membros não estavam tão dispostos a apoiar integralmente
propostas como o fim de alguns monopólios estatais, a reforma da Previdência, o fim da
estabilidade do funcionalismo público sob a alegação de que estas duas últimas medidas não
constavam no programado partido.
28/01/95 [FSP] - Bresser declara-se favorável ao fim da isonomia salarial entre os três poderes e
da aposentadoria integral do funcionalismo público.
27/01 - 01/02/95- Palestras de alguns ministros à parlamentares da base aliada do governo
(PSDB, PMDB, PFL, PTB, PP e PL) com o intuito de esclarecer as várias propostas de emendas
constitucionais referentes a cada setor.
FEVEREIRO/95
02/02/95 [FSP] – Bresser discute com representantes do funcionalismo público o aumento dos
salários destes. O ministro também se manifestou favoravelmente ao direito de greve mas disse
que estas deveriam ser tratadas como no setor privado, que não paga pelos dias parados.
02/02/95 [FSP] – Bresser levará proposta de restringir os cargos de DAS 1, 2 e 3 a funcionários
públicos de carreira. O intuito é estimula-los e reduzir apadrinhamento político.
08/02/95 [FSP] – PT entra com mandado de segurança coletivo contra os ministros Malan e
Bresser por causa do reajuste salarial dado ao servidores públicos.
11/02/95 [FSP] – Bresser é recebido com mini-protesto no Paraná. Cerca de 15 servidores
protestaram contra conseqüências do plano econômico por ele lançado quando era ministro da
fazenda. Na palestra que fez, Bresser afirmou que somente será mantida a estabilidade de
carreiras que não existem na iniciativa privada, como militar e juizes.
15/02/95 [FSP] – Bresser faz intervenção não programada na reunião do governo com centrais
sindicais. Ele afirmou que "Eu acho que estão todos loucos" ao defenderem a aposentadoria por
tempo de serviço, que o governo quer extinguir. Ele disse que a aposentadoria por tempo de
serviço beneficia a classe média e não o trabalhador.
15/02/95 [FSP] – Ministros modificam a apresentação das propostas de reformas constitucionais.
A sexta palestra realizada por Jobim, Malan, Serra, Bresser e Stephanes para explicar as
reformas dirigiu-se a uma platéia de líderes sindicais. As outras cinco palestras já realizadas
haviam sido para parlamentares da base aliada e para empresários.
19/02/95 [FSP] – Artigo de Bresser, “Cidadania e reforma”, onde afirma que a reforma da
previdência é fundamental para o saneamento das contas públicas. Neste artigo procura
descrever e justificar a entrada da proposta de reforma administrativa na agenda do governo. Ele
afirma que já havia um debate nacional sobre a o “nacionalismo estatizante” contido na
Constituição, mas que “Não estava claro, entretanto, a importância e urgência de se discutirem os
temas específicos da administração pública, particularmente problemas da aposentadoria integral
dos funcionários, do regime jurídico único e da estabilidade. Por isso, quando coloquei o
problema em debate ao nível nacional, a reação inicial foi de surpresa de quase todos e de
irritação dos que se sentiram atingidos”. Diz ainda que, à medida em que teve espaço na
imprensa para “esclarecer as propostas”, foi recebendo um apoio crescente por parte de amigos e
conhecidos, por parte de jornalistas, congressistas, governadores, prefeitos, inclusive do PT. Cita
também pesquisa realizada em SP, na qual a maioria dos entrevistados se colocou favorável à
129
flexibilização da estabilidade do funcionalismo público. Finalmente, a importância da reforma
administrativa foi reconhecida pelo próprio presidente, que inclui o tema nas palestras realizadas
a parlamentares e líderes sindicais e também na primeira leva de propostas de emendas
constitucionais. Por fim, afirma que foi a indignação dos cidadãos em geral perante os privilégios
corporativistas do funcionalismo público e a ineficiência do serviço público “que colocou o tema
da administração pública na agenda da reforma constitucional”.
19/02/95 [FSP] - Decisão de incluir a reforma do regime jurídico único entre as propostas de
emendas constitucionais que seriam enviadas ao congresso. Entre estas estavam a reforma
tributária, a da Previdência e a da ordem econômica.
21/02/95 [FSP] - Bresser defende uma proposta de mudança no Estatuto do Servidor Público
com o intuito de por fim à isonomia salarial entre os três poderes e facilitar, por exemplo, a
demissão por justa causa de servidores públicos, como ocorre na iniciativa privada. O objetivo
básico era enxugar a folha de pagamentos do governo e impedir ou dificultar novos aumentos de
salários decorrentes da aplicação da isonomia.
22/02/95 [FSP] - Outra emenda constitucional é proposta no âmbito da reforma administrativa: a
de se reservar 10% das vagas dos concursos públicos a funcionários públicos (“concurso
interno”) com o intuito de aproveitar os quadros que já têm experiência e como oportunidade de
promoção para aqueles que a desejam.
MARÇO/95
03/03/95 [FSP] - Após um encontro com o ministro Bresser Pereira, o então governador de São
Paulo, Mário Covas, declara seu apoio à proposta de emenda constitucional que modificaria o
capítulo relativo à administração pública e compromete-se a angariar o apoio de deputados e
outros governadores para estas proposta. A possibilidade de demissão de funcionários por
motivos de excesso de quadros agradou o governador.
06/03/95 [FSP] - “As declarações soltas do ministro da Administração, Luiz Carlos Bresser
Pereira, estão produzindo uma enorme corrida nas universidades, de professores solicitando
aposentadoria”
08/03/95 [FSP] - Deputados do PSDB reclamam da falta de argumentos mais sólidos para a
defesa das propostas de emendas constitucionais. As justificativas seriam genéricas demais e,
para alguns deputados, o ministro Bresser Pereira estava falando demais, provocando polêmicas
em excesso e sem necessidade.
10/03/95 [FSP] - Miguel Reale Júnior, secretário de administração pública de São Paulo, afirma,
discordando do ministro da mesma pasta na esfera federal, Bresser Pereira, que “se o governo
punisse os servidores públicos faltosos, não precisaria propor tantas mudanças para o
funcionalismo. Segundo ele, para isso precisaria haver vontade política.”
11/03/95 [FSP] - “O ministro da Administração e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser
Pereira, defendeu ontem a transformação das universidades e hospitais federais em organizações
semelhantes às entidades privadas sem fins lucrativos. (...) Indagado se isso não acabaria com o
ensino gratuito, o ministro afirmou que não vê razão para todas as vagas serem gratuitas. Nas
universidades, segundo ele, 70% das vagas poderiam ser ‘pagas. ‘Essas universidades são as
melhores e os pobres hoje estudam nas privadas’, afirmou”.
12/03/95 [FSP] - Em entrevista por telefone à Folha, David Osborne, autor do livro
“Reinventando o Governo” (juntamente com Ted Gaebler) e assessor do então presidente dos
EUA Bill Clinton na reforma do Estado deste país, dá sugestões para a reforma do Estado no
Brasil. Ao ser perguntado sobre que medida poderia ser tomada de modo mais imediato
respondeu: “Desregulamentar tudo o que for possível e estabelecer metas e cobranças para
130
resultados.” Além disso, uma medida fundamental no processo de reforma do Estado é expor as
estatais ao mercado. "A competição faz maravilhas", declarou na entrevista. O ministro Bresser
Pereira era um defensor ardoroso de suas idéias, que formaram o núcleo da proposta de reforma
gerencial da gestão pública defendido pelo MARE.
15/03/95 [FSP] - David Osborne chega ao país para encontrar-se com ministros responsáveis
pela reforma do Estado no Brasil enquanto o ministro Bresser Pereira revela sua pretensão de
contratá-lo como consultor do governo brasileiro através do BID ou do governo norte-americano,
com o qual haveria a possibilidade de se firmar um acordo de cooperação técnica.
16/03/95 [FSP] - Bresser conseguiu a quase unanimidade dos deputados dos mais diversos
partidos contra sua sugestão de o governo brasileiro ter um assessor estrangeiro pago pelo
governo norte-americano ou por alguma instituição multilateral estrangeira. “Nós, que estamos
aqui, não conhecemos direito a máquina, imagina o americano", disse um deputado. Além disso,
houve quem alegasse ser inconstitucional essa proposta.
16/03/95 [FSP] - Bresser defende a redução da quantidade de cargos de confiança ligados à
Presidência da República, que atingiriam a soma de 57 mil cargos.
22/03/95 [FSP] - Técnicos do MARE estudam uma forma mais adequada de conter e reduzir os
pedidos de reposição das perdas dos salários dos servidores atingidos pelos sucessivos planos
econômicos e, conseqüentemente, cortar o mais possível os gastos decorrentes dessas ações
judiciais vitoriosas. A estratégia básica seria a de melhorar a contestação por parte do governo,
quer dizer, melhorar sua argumentação jurídica.
23/03/95 [FSP] - Bresser responde às críticas que sofreu por sugerir a assessoria de David
Osbrne dizendo que o que pretendia não era entregar o ministério ou o processo de reforma do
Estado brasileiro a um estrangeiro, e sim que ele fizesse um diagnóstico sobre a situação do país
com relação à administração pública e depois apresentasse os resultados em seminários para os
membros do governo. Ressaltou ainda que a reforma do Estado é um projeto da sociedade
brasileira como um todo e não do governo ou do MARE. Este, segundo ele, dará apenas uma
pequena contribuição.
27/03/95 [FSP] - A proposta de fim da estabilidade do funcionário público bem como o fim da
isonomia salarial tornam-se cada vez mais polêmicas juntamente com a reforma tributária. Os
partidos, inclusive o do governo, o PSDB, estavam divididos com relação a essas propostas de
reforma vindas do governo.
29/03/95 [FSP] - Defesa do novo método de avaliação do ensino superior no Brasil
comparando-o ao ensino superior norte-americano, no qual as universidades são “instituições
públicas não-estatais” cujos segredos do sucesso são: 1) “total autonomia financeira e a completa
flexibilidade administrativa das universidades, que são todas instituições públicas não-estatais”;
2) “competição”, que propicia um controle por resultados (a posteriori) e não por “rígidos
processos de controle” a priori.
ABRIL/95
08/04/95 [FSP] - Tendo em vista que “A sede do ministério [da Administração e Reforma do
Estado] é alvo de pelo menos um protesto de servidores por semana”, o ministro Bresser decidiu
solicitar o desarmamento dos seguranças do prédio do ministério. Tal decisão repercutiu muito
bem na imprensa.
08/04/95 [FSP] - Apresentada a proposta de fim do direito de greve para os servidores das
“carreiras típicas” (fiscais da Receita, Previdência e Trabalho e delegados da polícia federal),
que, por outro lado, permaneceriam com “privilégios como estabilidade no emprego, salários
131
superiores à média do funcionalismo e oportunidade de treinamentos”. Em contrapartida, os
demais servidores perderiam o direito de estabilidade mantendo, porém, o direito de greve.
28/04/95 [FSP] - Bresser teve que andar a pé 1 km até seu escritório no MARE, devido a
protestos que ocorriam em frente ao prédio do ministério.
MAIO/95
11/05/95 [FSP] - o sociólogo Luciano Martins afirma que o corporativismo dos sindicatos seria
um dos principais entraves à reforma do Estado proposta pelo governo FHC, em seminário
organizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos. Bresser, que estava presente, afirmou que
“o decreto que pune grevistas da administração pública foi um recurso usado pelo governo para
inibir a prática corporativista no funcionalismo”.
17/05/95 [FSP] - em almoço dedicado à Roberto Marinho, Bresser fala sobre a emenda
constitucional que prevê flexibilização da estabilidade do servidor, planejada para ser enviada
em Julho de 1995 ao Congresso.
22/05/95 [FSP] - Artigo de Bresser, “As organizações sociais”, apresentando e defendendo a
figura jurídica das “organizações sociais”.
30/05/95 [FSP] - Diantes das resistências no Congresso, Bresser resolve mudar sua estatégia.
Ao invés de tentar convencer os congressistas a aprovarem de uma só vez as emendas da reforma
administrativa, vai buscar o apoio dos governadores para que estes ajudem a convencer os
congressistas e, além disso, “fatiará” a proposta de emendas: 1) uma tratará da polêmica
flexibilização da estabilidade; 2) outra trataria da remuneração do servidor, sendo que o
“governo defende que qualquer aumento dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário)
teria de ser feito através de projeto de lei”; 3) uma terceira trataria da “questão do regime jurídico
único para os servidores. O governo defende que os regimes jurídicos sejam diversificados e
definidos em lei complementar; 4) uma quarta emenda, que talvez seja juntada à terceira a fim de
formarem uma só proposta, é a que traz “alterações nas regras gerais da administração pública”.
JUNHO/95
05/06/95 [FSP] - Entrevista com David Hunt, ministro da reforma administrativa no Reino
Unido, que veio ao Brasil, a convite de Bresser, para falar sobre a reforma que está sendo
empreendida em seu país, em especial sobre o “Estatuto da Cidadania”, documento que “define
padrões de serviços públicos que o cidadão tem o direito de esperar e exigir”. Discorrendo sobre
os resultados já alcançados em seu país, Hunt ressalta as privatizações, que levaram a uma
redução de gastos por parte do governo e transferência de 1 milhão de trabalhadores do setor
público para a iniciativa privada.
12/06/95 [FSP] - A deputada Maria Laura Sales Pinheiro (PT-DF) critica a proposta de fim da
estabilidade do servidor público.
12/06/95 [FSP] - Entrevista do ministro Bresser-Pereira. Afirma que o regime jurídico único “é
um desastre para o país” e que, em ordem de prioridade, as emendas constitucionais constituintes
da proposta de reforma administrativa do Estado, que pretendia enviar ao Congresso, eram: 1) a
da “descentralização, vai devolver a autonomia a essas entidades [autarquias e fundações] e
permitir que adotem sistema de administração por objetivos”; 2) a que “flexibiliza a estabilidade
do servidor público”; 3) a terceira “trata das remunerações dos servidores dos três poderes.
Qualquer aumento de salários no âmbito do Executivo, Legislativo ou Judiciário passaria a ser
definido em projeto de lei, o que daria margem a uma maior isonomia de salários entre
funcionários públicos”. Bresser considera a primeira emenda a mais importante, mas espera
encontrar mais oposição na segunda. Mas afirma que já obteve apoio de boa parte dos
132
governadores e de muitos prefeitos. Além disso, Bresser afirmou que um “aumento da eficiência
do aparelho do Estado é fundamental” para que o aumento moderado esperado da carga tributária
tenha realmente efeitos positivos sobre a cobertura e qualidade na prestação de serviços públicos.
12/06/95 [FSP] - Decreto do Ministério da Adminstração que previa uma jornada de trabalho
semanal de 40hs esbarra em um problema técnico: “não há, na maioria das repartições federais,
um sistema eficiente para controlar o horário dos servidores”.
12/06/95 [FSP] - “O ministro Bresser Pereira está convicto de que a reforma administrativa
passa fácil no Congresso. Aposta no apoio da opinião pública e na ajuda dos governadores e
prefeitos, também às voltas com excesso de funcionários”.
17/06/95 [FSP] - Bresser discute com cinco especialistas britânicos o processo de reforma no
Reino Unido, na FGV do Rio.
20/06/95 [FSP] - O presidente Fernando H. Cardoso afirmou que “a principal dificuldade do
governo na reforma constitucional é a área administrativa”, o contrário do que havia dito o
ministro Bresser alguns dias antes (12/06/95), para quem não haveria grandes dificuldades de
aprovação da emenda no Congresso. A dificuldade, para o presidente, estaria na oposicão dos
grupos de interesses. Em outra ocasião, em uma reunião organizada por Bolívar Lamounier, o
presidente FHC solicitou a “participação de intelectuais, artistas e economistas em debates sobre
as mudanças que pretende promover no país”.
20/06/95 [FSP] - Entregue ao presidente “O projeto de Bresser [que] transforma hospitais,
universidades e entidades culturais (ou de pesquisa) em instituições regidas pelo direito privado,
mas sem fins lucrativos”.
22/06/95 [FSP] - Bresser estaria finalizando o projeto que daria às universidades total
autonomia. “Pelo projeto, as universidades serão geridas por um conselho, com participação do
governo, podendo obter recursos no mercado”. Apesar das mudanças, contudo, as universidades
continuariam a receber verbas governamentais, que seriam administradas com maior autonomia.
O projeto não é vinculativo, ou seja, as universidades não seriam obrigadas a adotar o novo
sistema, mas a expectativa era que todas o adotassem. O propósito é estender o modelo a museus
e hospitais, também de forma facultativa. Ele deverá ser enviado ao Congresso em agosto.
22/06/95 [FSP] - Bresser anuncia a criação de um conselho federal para discutir a reforma do
Estado, “nos moldes do programa Comunidade Solidária, responsável pela atuação
governamental na área social”, e que contará com a participação de 12 representantes da
sociedade civil. O anúncio foi feito na solenidade de criação da Câmara de Reforma do Estado,
que, ao contrário do conselho, conta apenas com representantes do governo, como os ministros
do Planejamento, da Fazenda, da Casa Civil, do Trabalho e o secretário-geral da Presidência.
Para Bresser, o apoio desses ministros é importante porque “são os que manejam as verbas
federais e, além disso, têm o poder de transformar os debates em ação governamental”. A idéia é
tornar, de fato, a reforma do Estado uma prioridade compartilhada por todo o governo.
23/06/95 [FSP] - A Andes (representantes dos professores das IES) e a Andifes (representantes
dos reitores) manifestaram seu estranhamento com relação ao fato de a proposta de autonomia
universitária ter sido apresentada pelo ministro da administração e não pelo ministro da
educação. Para essas entidades, a reforma deve ser discutida no âmbito do MEC. Além disso, a
Andes e a Andifes acusam a proposta de ser uma tentativa de privatização do ensino superior.
23/06/95 [FSP] - Entrevista de Bresser. Para Bresser, o “professor não precisa ser funcionário
público”, como diz o título da reportagem. Com relação às universidades, Bresser afirma:
“Pública sim, estatal não”, dizendo que a educação não deve dar lucro mas também não precisa
ser estatal. Disse que a proposta não foi incluída na LDB, que estava em tramitação no Senado,
133
porque o projeto serve não somente para as universidades, mas também para outros órgãos
públicos.
27/06/95 [FSP] - “o ministro Bresser Pereira vai fazer uma rodada gastronômica com as
lideranças partidárias. O objetivo é explicar o projeto de reforma administrativa do governo”.
JULHO/95
01/07/95 [FSP] - Segundo C. A. Sarndenberg, a inclusão da reforma administrativa na agenda
imediata do governo foi devido, em grande parte, à atuação do ministro Bresser “preparando um
bom projeto e convencendo o presidente Fernando Henrique Cardoso e lideranças políticas de
sua viabilidade”.
04/07/95 [FSP] - A Câmara de Reforma do Estado se reuniu pela primeira vez para discutir a
proposta de reforma administrativa. Bresser afirmou que a CF/88 representeou um retrocesso,
uma “reburocratização” irracional. “O ministro disse que a reforma administrativa é apenas parte
da reforma do Estado”.
07/07/95 [FSP] - O ministro Bresser declarou que uma lei complementar vai estabelecer o perfil
(ou seja, critério objetivos) dos funcionários públicos que poderão ser demitidos de acordo com
novos critérios propostos (excesso de pessoal e insuficiência de desempenho). O objetivo é evitar
demissões políticas.
07/07/95 [FSP] - Hilbert David Sousa, coordenador da Federação dos Trabalhadores das
Universidades Brasileiras _Fasubra/Sindical, critica as propostas para a educação do MARE.
08/07/95 [FSP] - MEC apresenta um proposta de autonomia universitária diferente da do
ministro Bresser. Representante do MEC afirmou que as universidades podem não querer adotar
o novo modelo de Bresser por temer posteriores reduções de verbas. 09/07/95 [FSP] - Governo
conclui hoje a proposta de reforma administrativa. Através dela, seria extinto o regime jurídico
único. Para fixar os novos critérios de demissão, “haverá lei complementar, que regula a
Constituição e é de categoria superior à legislação comum”.
11/07/95 [FSP] - Governo decide enviar ao Congresso, em agosto, as emendas referentes à
proibição de greve nas “carreira típicas” de Estado e a que restringe a proibição de estrangeiros
de ocuparem cargos públicos somente a tais “carreiras típicas”. Com relação às demissões de
funcionários públicos que as emendas poderão provocar, Bresser não foi conclusivo, disse que as
decisões a esse respeito por parte de estados e municípios não é de sua alçada e, com relação a
funcionários federais, foi vago, dizendo primeiro que poderiam ser numerosas mas, depois, disse
também que poderá não haver muitas demissões.
13/07/95 [FSP] - Bresser afirmou que as demissões deveriam ser práticas. Entre os critérios para
demissão por excesso de quadros, citou tempo de serviço e idade. “Questionado se não seria uma
injustiça, por exemplo, um jovem funcionário ser demitido, embora eficiente, Bresser disse ‘que
ninguém sabe exatamente o que é justo ou injusto. Temos que saber o que é possível, prático,
razoável, moralmente correto’.”
15/07/95 [FSP] - Governo prevê envio do projeto sobre as “organizações sociais” ao Congresso
dentro de 60 dias.
16/07/95 [FSP] - “Como parte da reforma administrativa, Bresser vai criar um ‘laboratório de
governo’. Quatro órgãos foram escolhidos para fazer novas experiências de gestão na
administração pública: Ibama, FAE, Inpi e Inmetro.”
18/07/95 [FSP] - “Líderes tucanos temem que Bresser Pereira centralize demais a discussão da
reforma administrativa na estabilidade do funcionalismo. Acham que o tema é politicamente
difícil e pode complicar a aprovação de outros pontos.”
134
19/07/95 [FSP] - Bresser pretende incluir na proposta de reforma um limite de idade para
admissão de funcionário público. Como a Constituição proíbe discriminação por raça, sexo e
idade, a medida terá que ser incluída na proposta de emenda constitucional.
20/07/95 [FSP] - Bresser declarou que o “governo não vai negociar com o Congresso Nacional
a emenda constitucional da reforma administrativa”. Ao invés disso, o ministro da administração
pretende discutir a proposta de reforma com as lideranças de cada partido da base aliada e
também com alguns partidos da oposição. “Na opinião de Bresser, a reforma ‘vai passar com
bem mais facilidade que se esperava’”.
21/07/95 [FSP] - Representantes Fórum Permanente das Carreiras e Categorias Típicas de
Estado se reúnem com Bresser para discutir o fim do direito de greve. Eles se posicionara contra
a medida.
22/07/95 [FSP] - A secretária-executiva do MARE, Cláudia Costin, “voltou a frisar que o
governo federal não pretende demitir servidores. ‘Ao contrário, a meta é empregar 20 mil novos
funcionários até o final do governo, principalmente nas áreas de fiscalização e gerenciamento’”,
disse C. Costin.
22/07/95 [FSP] - “A proposta de emenda constitucional sobre a reforma do Estado [que
começou a ser redigida em janeiro] já está na sua 58ª versão”. (...) “Ao todo, a proposta de
emenda propõe a alteração, adição ou supressão de 19 artigos da Constituição”.
28/07/95 [FSP] - O presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições
Federais de Ensino Superior), Antonio Diomário Queiroz, mais uma vez criticou a proposta de
autonomia universitária de Bresser.
AGOSTO/95
01/08/95 [FSP] - Bresser quer mudanças na Lei de Licitação.
04/08/95 [FSP] - O ministro Bresser muda de opinião e decide pela preservação do direito à
greve para os funcionários das “carreiras típicas” de Estado que, contudo, pela nova proposta,
poderão perder a estabilidade.
08/08/95 [FSP] - “A bancada do PMDB na Câmara reúne-se hoje com o ministro Bresser
Pereira para discutir a sua proposta de reforma administrativa, que irá em breve para o
Congresso. A estabilidade do funcionalismo deve ser o tema quente.”
09/08/95 [FSP] - PMDB critica proposta de reforma administrativa e propõe duas mudanças: 1)
“permanência do termo ‘isonomia’ (salários iguais para quem exerce função semelhante no
poder público) extinto na emenda do governo”; 2) “tornar mais claro o direito de ‘ampla defesa’
para o servidor em processo de demissão”. Bresser aceitou as alterações.
13/08/95 [FSP] – Artigo de Bresser, “O público não-estatal”, no qual defende o projeto das
“organizações sociais”, que seriam um tipo especial de organização pública não-estatal, e cujos
objetivos principais seriam dar maior autonomia e responsabilidade pela prestação de serviços
públicos a algumas entidades, como as universidades. As “organizações sociais” seriam
norteadas por princípios como: “maior parceria com a sociedade” e “controle social direto por
meio dos conselhos de administração”.
14/08/95 [FSP] – Reitores das IES federais criticam a proposta de autonomia universitária de
Bresser.
15/08/95 [FSP] – Entre a proposta de J. Serra de fazer um grande “enxugamento” na máquina
administrativa do governo federal (extinguindo órgãos e demitindo funcionários) e a de Bresser,
de concentrar a reforma administrativa na estabilidade e remuneração do funcionalismo, o
presidente FHC decidiu-se pela proposta de Bresser. “Venceu a idéia de fazer a reestruturação da
máquina administrativa caso a caso, ao longo de todo o governo FHC. Na avaliação do
135
presidente e dos seus líderes no Congresso, uma reforma global não seria aprovada no
Congresso”. A proposta de Serra poderia dificultar a aprovação, no Congresso, de outras
reformas importantes para o governo, além de atrair a oposição de governadores. “FHC está
coordenando pessoalmente a reforma administrativa e gerencia as divergências entre os
ministros. É a forma de FHC de tentar reduzir atritos no governo”.
16/08/95 [FSP] – Bresser afirma estar estudando forma de limitar cargos de comissão, os DAS,
e restringi-los a funcionários públicos de carreira.
23/08/95 [FSP] – Bresser assinará portaria que visa a “eliminar o trânsito de funcionários
públicos para a iniciativa privada e vice-versa. A portaria deve criar uma espécie de ‘executivos
de governo’", inicialmente por concurso público e depois pela oferta de cursos por parte de
órgãos da administração federal a pretendentes de cargos de alto escalão.
24/08/95 [FSP] – Congresso recebe proposta de emendas constitucionais sobre a administração
pública. As propostas incluem a flexibilização da estabilidade dos servidores e o fim do regime
jurídico único, sendo que parte do funcionalismo poderá ser regido pela CLT. A CUT organizou
protesto contra essas propostas na esplanada dos ministérios.
31/08/95 [FSP] – Bresser usará lei aprovada pelo Congresso, que limita a 60% do orçamento os
gastos dos estados com folha de pagamento. Segundo Bresser, o cumprimento desta lei implicará
demissões, mas a lei não estabelece mecanismos para tanto. Daí, segundo o governo, a
importância da flexibilização da estabilidade do funcionalismo.
SETEMBRO/95
01/09/95 [FSP] - Café da manhã de Bresser com bancada do PRP e do PP.
04/09/95 [FSP] - Bresser afirma que “reforma administrativa proposta pelo governo vai ampliar
as defesas do Estado brasileiro frente influências ‘negativas’ do setor privado”.
06/09/95 [FSP] - A bancada do PSDB manifestou sua preocupação ao ministro Bresser com o
dispositivo de demissão por excesso de quadros. O temor é que haja demissões em massa nos
estados e municípios. O ministro respondeu dizendo que uma lei complementar estabelecerá os
critérios em tais casos de demissão.
12/09/95 [FSP] – Em reunião com 19 secretários estaduais de administração, Bresser pediu que
não se desse muita ênfase à quebra da estabilidade e às demissões, mas que procurassem “’
mostrar a valorização do funcionário com a aprovação da reforma’". 23/09/95 [FSP] - Em
palestra para intelectuais no Instituto Fendinad Braudel, Bresser critica os tribunais de contas,
que não estariam cumprindo bem sua missão de fiscalização, e os altos salários do judiciário.
Mais uma vez ressalta que a proposta de reforma administrativa, apesar das pressões no
Congresso, conta com forte apoio de prefeitos e governadores.
23/09/95 [FSP] – Em palestra para executivos financeiros, Gustavo Loyola, presidente do BC,
afirmou que para o avanço do programa de estabilização, são necessárias duas providências:
aprovação da reforma administrativa e as privatizações. “Para o presidente do BC, o aspecto
essencial da reforma administrativa, definida pelo ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, é
permitir que os governos reduzam suas despesas com pessoal”, que cresceram e permaneceram
altas por causa da estabilidade e da isonomia, dispositivos a serem limitados pela reforma
administrativa. Por outro lado, “A venda de estatais, federais e estaduais, segundo Loyola,
renderá o dinheiro suficiente para quitar as dívidas históricas do setor público, construídas ao
longo de anos de gastos descontrolados”.
27/09/95 [FSP] – O deputado Prisco Viana (PPB-BA), relator da proposta de emenda
constitucional da reforma administrativa, disse ter encontrado oito “inconstitucionalidades” e
oito “erros jurídicos” no texto. As emendas sugeridas pelo relator, 16 ao total, que alteram pontos
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básicos relativos à flexibilização da estabilidade e ao teto de remuneração dos servidores,
desfigurariam a reforma administrativa, tal qual foi proposta por Bresser, que reagiu dizendo que
"É totalmente absurdo, a visão do relator é estritamente burocrática, é um absurdo ilógico". Disse
também que "Se isso for aprovado, acabou a emenda, vamos todos para a praia, porque ficará
provado que o país não tem jeito". A base aliada no Congresso pretende se rearticular para
derrubar as propostas de emenda do deputado Prisco, contando obter a mesma vitória que
haviam obtido horas antes, quando derrotaram a proposta do deputado Marcelo Déda (PT-SE) de
fatiar a reforma administrativa em quatro emendas diferentes, o que atrasaria sua tramitação.
29/09/95 [FSP] – Editorial favorável à reforma administrativa, atacada pelos interesses do
funcionalismo, “uma das mais arraigadas corporações”.
30/09/95 [FSP] - Luiz Carlos Santos, deputado pelo PMDB de São Paulo e líder do governo na
Câmara dos Deputados, defende a proposta de reforma administrativa do governo ressaltando o
apoio dos governadores, que tem parte substancial de suas receitas comprometidas com a folha
de pagamento impedindo-os de realizar investimentos em infra-estrutura, por exemplo.
OUTUBRO/95
03/10/95 [FSP] – Artigo de Bresser “O cidadão e o servidor”. Afirma que as
“inconstitucionalidades” apontadas pelo deputado Prisco Viana não existem.
04/10/95 [FSP] – Governo movimenta-se em busca de apoio para a votação, na CCJ da Câmara,
do parecer do deputado Prisco Viana. A expectativa é que o governo ganhe por um voto de
diferença. Segundo o líder do PFL, Inocência Oliveira, “não há como fazer um Orçamento
equilibrado, diminuindo despesas, se não for feita uma reforma administrativa”, por isso decidiu
apoiar a manutenção da proposta original do governo.
05/10/95 [FSP] – Governo recua e adia votação do parecer de Prisco Viana sobre a emenda da
reforma administrativa na CCJ. A estratégia agora é “aumentar as salvaguardas para a demissão
de servidores públicos para tentar anular as resistências na Câmara”.
05/10/95 [FSP] – “FHC disse a líderes partidários que está satisfeito com o apoio dos
governadores à reforma administrativa, mas, no Planalto, persiste a avaliação de que os governos
estaduais deveriam estar fazendo mais pela aprovação”. A votação na Câmara foi adiada para o
dia 17 de outubro. Bresser, por sua vez, reúne-se com Paes de Andrade, presidente do PMDB,
para esclarecer a proposta de reforma administrativa.
08/10/95 [FSP] – Carta do leitor aponta o forte apoio da imprensa à proposta de reforma
administrativa do governo e acusa tanto um quanto outro de terem com referencial “sempre o
funcionalismo público de Brasília. Os que trabalham fora de Brasília deveriam ser melhor
conhecidos”.
10/10/95 [FSP] – PT reúne seus deputados, mais de 50 prefeitos e 2 governadores para discutir a
reforma administrativa proposta pelo governo. Prefeitos e governadores são favoráveis. Mas os
deputados são contra. Marco Maciel reúne líderes do PFL e do PTB para tentar selar unidade na
bancada. Bresser declara que a proposta do governo será aprovada porque não há grandes
divergências.
11/10/95 [FSP] – O presidente FHC não conseguiu convencer deputados do bloco PFL-PTB a
apoiarem o fim da estabilidade do funcionalismo público. O ponto de maior discordância é o dos
critérios de demissão propostos pelo governo. Também não conseguiu vencer as resistências,
nesse bloco partidário, à medida que “reserva 20% das vagas dos concursos para os funcionários
já pertencentes ao serviço público”. Contudo, “PFL e PTB recuaram da oposição ao ponto do
projeto que autoriza o Executivo a promover a fusão, incorporação e extinção de empresas
estatais, sem autorização do Legislativo”.
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13/10/95 [FSP] – Artigo do jurista Dalmo Dallari, “O público e o privado”. Nele, o jurista afirma
que a reforma até aqui apresentada pelo governo não é uma verdadeira “reforma do Estado”, pois
não toca em algumas questões fundamentais como “como o federalismo, o equilíbrio dos
Poderes, o Legislativo bicameral, a efetiva participação do povo na definição das políticas
públicas e no controle do governo etc.”. O “principal objetivo da reforma em preparo é a redução
dos gastos públicos”.
14/10/95 [FSP] – Bresser afirma que os deputados da CCJ estão sofrendo “pressões clientelistas”
e que “essas pressões são maiores até do que a oposição ‘corporativista’ dos funcionários
públicos à reforma administrativa”. O ministro afirmou que o governo não cederá com relação ao
fim da estabilidade dos atuais funcionários públicos.
15/10/95 [FSP] – Artigo de Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado e professor universitário,
criticando a proposta do governo. Afirmando que houve uma eficaz manipulação do debate por
parte do governo, pelo qual “Obteve-se o equilíbrio entre a insatisfação do povo em relação à
prestação de serviços públicos básicos _educação, saúde, assistência social_ e a solução mágica
que se oferecia, cheia de bodes expiatórios, em esconjuração pública das insuficiências da ação
governamental em atendimento das necessidades do povo”. Entre os “bodes expiatórios”
escolhidos pelo governo, estariam 1) a Constituição, que teria tornado o país “ingovernável”; 2)
o servidor público, que seria “responsável pela insuficiência dos serviços públicos”.
15/10/95 [FSP] – Entrevista de Bresser. Ele afirma que é a força do patrimonialismo que está
levando muitos parlamentares a fazer declarações contra a proposta de reforma administrativa do
governo. “Eu sei de deputados que vão votar a favor, mas estão fazendo declarações para
consumo da clientela”. Quanto ao tempo de implantação da reforma, ele diz que é de médio
prazo. Países com Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia vêm promovendo tais reforma a pelo
menos dez anos.
15/10/95 [FSP] – Artigo de Fernando Rodrigues procura mostrar que, apesar da concentração do
debate atual em torno da estabilidade do funcionário público, a reforma administrativa
propriamente dita ainda está por vir, “Já que contratar ou demitir funcionários é apenas um pré-
requisito para fazer alguma coisa”. O articulista comenta alguns pontos importantes do Plano
Diretor de Reforma do Aparelho de Estado e aponta uma ausência: “como evitar, mesmo na
administração gerencial, as demissões políticas. A estabilidade atual impede a demissão política.
Mas permite a contratação _e o Estado incha. Com chance de demitir, um político inescrupuloso
poderia mandar embora qualquer servidor para colocar em seu lugar um apadrinhado”.
15/10/95 [FSP] – Governo federal desconhece a quantidade total – dos três níveis – de
servidores públicos no país. A estimativa é varia entre 6 e 8 milhões pessoas. Segundo o MARE,
a estimativa é de 6,5 milhões de pessoas, que representaria menos de 10% da PEA (População
Economicamente Ativa), o que faz do funcionalismo brasileiro menor do que o norte-americano
ou inglês, por exemplo. "Apesar disso, os brasileiros que precisam de serviços públicos têm
impressão de que há um inchaço de barnabés. Isso ocorre por causa de três motivos básicos: 1) a
grande maioria é destreinada, 2) o sistema distribui de forma desigual os funcionários e 3) a
remuneração em cargos importantes é menor do que em funções equivalentes na iniciativa
privada". Pelas contas de Bresser, o Executivo Federal tem por volta de 576.930 funcionários. As
informações sobre os salários destes mais de meio milhão de pessoas foram fornecidas à Bresser
por um assessor parlamentar do PT. Com relação ao número de funcionários nos
municípios,"'Esse número não existe. Você não vai encontrá-lo', diz o presidente da Associação
Brasileira de Municípios, Welson Gasparini". Um levantamento deste tipo nunca foi feito devido
à quantidade de municípios brasileiros.
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16//10/95 [FSP] – Artigo de L. Nassif sobre as discussões em torno da proposta de reforma
administrativa do governo. “Hoje em dia, são raros os debates públicos em que uma das partes
não procure desqualificar a parte contrária, rotulando argumentos, insinuando interesses ocultos
e apelando para o repertório ao qual recorrem em geral aqueles que não dispõem de
conhecimento e talento para defender suas próprias idéias”. Nassif pensa que a proposta do
governo é boa mas pode e precisa ser melhorada, através, sobretudo, do debate público e
democrático.
17/10/95 [FSP] – O presidente em exercício, Marco Maciel, articula apoio para reverter a
tendência desfavorável para governo na CCJ, que votará o parecer de Prisco Viana.
18/10/95 [FSP] – Jânio de Freitas ataca a proposta de reforma administrativa do governo. “O que
se passa é que o projeto Bresser Pereira contém uma combinação ruinosa: a possibilidade de
demissão e as nomeações sem concurso, por meio só de um processo dito ‘seletivo’”. O
problema é que os “políticos nomeadores estão vendo aí [fim da estabilidade] não é o obstáculo,
é a facilidade: para contornar a restrição [extinção do cargo em caso de demissão por excesso],
basta nomear para um cargo novo, até usando a verba que a demissão deixou disponível. Com
isso os nomeadores nem se sujeitariam à denúncia de aumento de gasto com pessoal, embora
pudessem fazer milhares de nomeações.
19/10/95 [FSP] – Governo perderia na CCJ da Câmara caso não tivesse adiado a votação. Apesar
de ter maioria, o governo detectou desertores de sua base aliada. Presidente FHC pediu empenho
pessoal dos ministros no convencimento dos revoltosos.
20/10/95 [FSP] – FHC faz acordo com parlamentares dissidentes da base aliada (PFL e PTB),
pelo qual estes poderão negociar mudanças no texto da proposta. Caso não se chegue a nenhuma
acordo, os partidos deverão fechar questão em torno da aprovação da redação original. Bresser
cancelou reunião na Fiesp para se dedicar somente às negociações no Congresso. Entre os pontos
mais polêmicos da proposta, está a questão dos novos critérios de demissão de servidores.
21/10/95 [FSP] – Bresser aceitou discutir mudanças na proposta de emenda, mas não na CCJ.
Ele espera que esta comissão aprove o projeto na íntegra e somente depois negociará com os
líderes partidários mudanças na proposta.
21/10/95 [FSP] – PFL defende proposta pela qual se retiraria do texto enviado pelo governo o
dispositivo da demissão por excesso de quadros, adotando-se uma proposta alternativa que
implicaria na ampliação da estabilidade dos servidores. A intenção é garantir o apoio do bloco
PFL-PTB e até mesmo setores do PMDB à reforma administrativa. FHC achou “interessante” a
proposta do PFL, mas disse que o acordo deveria ser negociado com Bresser.
21/10/95 [FSP] – C. Rossi destaca “exagero no empenho com que, de um lado e do outro, se
discute a reforma administrativa”. De um lado, parece que se a reforma não for aprovada o
governo cai. De outro, se for aprovada parece que o funcionalismo será fuzilado.
23/10/95 [FSP] – Bresser rejeitou proposta que prevê ampliação da estabilidade, mas gostou da
idéia de que o critério de demissão por excesso de quadros só seja aplicado quando as despesas
com folha de pagamento ultrapassem 60% da receita dos estados. O governo admitiu incluir no
projeto uma data limite, talvez 31 de dezembro de 1998, além da qual todos os funcionários
ganhariam estabilidade.
23/10/95 [FSP] – Inocêncio Oliveira, líder do PFL na Câmara, disse que seu partido é contra a
ampliação da estabilidade e que tal proposta foi um “bode”, expressão que designa “dispositivo
que é colocado num projeto para dar margem a negociação”.
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24/10/95 [FSP] – O deputado Roberto Magalhães (PFL-PE), presidente da CCJ (Comissão de
Constituição e Justiça) da Câmara, foi convencido por seu partido a apoiar a proposta governista
de reforma administrativa.
24/10/95 [FSP] – Pefelistas se mobilizam para pressionar rebeldes da base aliada para votarem a
favor do governo.
24/10/95 [FSP] – Governo fecha apoio de parlamentares em torno de sua proposta de reforma
administrativa, que sofreu algumas alterações.
25/10/95 [FSP] – Confusão durante a votação da emenda da reforma administrativa na CCJ. A
pressão e xingamento dos cerca de 70 servidores tiraram do sério alguns deputados e a sessão
quase terminou em pancadaria.
24/10/95 [FSP] – Governo aprova proposta sobre flexibilização da estabilidade por um placar
apertado, 27 de 51. Conseguiu apenas um voto a mais do mínimo necessário. “Com a garantia de
manutenção da proposta original obtida ontem, o governo tentará incluir na comissão especial,
próxima etapa da emenda, o acordo fechado na segunda-feira com os líderes do PFL, PMDB,
PSDB e PTB”. O caminho da proposta será o seguinte agora: será encaminhado a uma comissão
especial que poderá sugerir mudanças na redação; depois deverá ser votada, em dois turnos, na
Câmara. Se for aprovada com uma votação de no mínimo 60% dos deputados (308), então será
enviada ao Senado.
27/10/95 [FSP] – Bresser afirma que não haverá cortes no funcionalismo, mas que o excesso de
quadros será resolvido por meio da colocação em disponibilidade dos funcionários e de
programas de demissão voluntária.
27/10/95 [FSP] – Governo enfrenta nova batalha na CCJ para manter sua proposta de
flexibilização da estabilidade. A votação é em torno de um destaque feito pelo PT que retira da
proposta governista o dispositivo de demissão por excesso de quadros.
NOVEMBRO/95
07/11/95 [FSP] – Pesquisa realizada pelo PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais)
aponta um índice de 74%. “O ministro [Bresser] disse que os empresários e a imprensa estão
entre os maiores aliados do projeto. ‘A maioria dos funcionários ainda se opõe’, comentou”.
09/11/95 [FSP] – Bresser afirma que poderá “rever a possibilidade de demissões por excesso de
quadros, prevista na reforma administrativa, nas áreas de saúde, educação, meio ambiente e
ciência e tecnologia”.
DEZEMBRO/95
06/12/95 [FSP] – Anunciada a criação do Conselho de Reforma do Estado, cuja primeira reunião
deverá acontecer em janeiro. Tendo caráter consultivo, ele será composto de 12 personalidades a
serem escolhidas pelo presidente FHC, “entre empresários, professores universitários,
funcionários públicos aposentados e profissionais liberais”. “Bresser participará das reuniões
como assistente, com os secretários-executivos dos ministérios da Fazenda, do Planejamento, da
Casa Civil e da Secretaria Geral da República”. Além disso, Bresser afirmou que o Plano Diretor
de Reforma do Aparelho do Estado "será lei, entre aspas, para o Executivo".
08/12/95 [FSP] – “O deputado Moreira Franco (PMDB-RJ) vai introduzir na emenda da reforma
administrativa mecanismos para controlar a terceirização no setor público”, que estaria sendo
usado nos estados como meio de introdução de apadrinhados e cabos eleitorais no serviço
público. Bresser declarou que "A Constituição e o Regime Jurídico Único estimulam fortemente
a terceirização. Por causa dos benefícios dos servidores, os administradores, em vez de contratar,
preferem terceirizar. Se nós não mudarmos isso, a terceirização vai ter um aumento brutal".
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16/12/95 [FSP] – O leitor, Ruy C. de Barros, afirma: “Sou contra o sr. Bresser Pereira tentar
jogar a população contra o funcionalismo, nivelando este por baixo”.
18/12/95 [FSP] – Após a constatação de erros na polêmica lista montada pelo MARE dos
maiores salários do funcionalismo público – que estariam ultrapassando o teto legal -, sua
publicação pela imprensa oficial foi suspensa. A lista já havia sido disponibilizada para a
imprensa.
19/12/95 [FSP] – Jânio de Freitas critica a lista do MARE dizendo que “Foram mais de 11 mil
pessoas expostas a danos morais para que o governo obtivesse uma repercussão favorável às
medidas que pretende contra o funcionalismo civil. Não podia haver recurso de maior baixeza _e
praticada em nome da moralização do serviço público”.
19/12/95 [FSP] – A Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (Adepf) decidirá se
processará ou não o MARE pela divulgação da lista dos maiores salários do funcionalismo
público, pois 669 nomes da lista são de policiais federais.
23/12/95 [FSP] – Câmara solicita lista dos funcionários públicos que ganham salários acima do
permitido em lei.
23/12/95 [FSP] – Artigo de Bresser “Reformas: França e Brasil”. Comparando o processo de
reformas estruturais nos dois países.
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