O Verdugo

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O verdugo
Hilda Hilst

@profhenriquelandim
HILDA HILST
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Hilda Hilst (1930-2004) foi uma ficcionista, cronista, dramaturga e


poeta brasileira, considerada pela crítica especializada como uma
das maiores escritoras em língua portuguesa do século 20. Hilda
iniciou sua produção literária em São Paulo, com o livro de
poemas Presságio (1950). Em 1965, ela se muda para Campinas e
inicia a construção da Casa do Sol, para ser um porto seguro de sua
criação. É na Casa do Sol que Hilda dedica-se exclusivamente ao
trabalho literário, realizando ali mais de 80% de sua obra. Em 1967,
ela estreia na dramaturgia e em 1970, na ficção, com Fluxo floema. Lygia Fagundes Telles e Hilda Hilst
Dona de uma linguagem inovadora e abrangente, Hilda produziu mais de quarenta títulos, entre poesia, teatro e
ficção, e escreveu por quase 50 anos, recebendo importantes prêmios literários do Brasil. Criadora de textos em
que Atemporalidade, Real e Imaginário se fundem, e os personagens mergulham no intenso questionamento dos
significados, buscando compreensão e encontro do essencial, Hilda retrata sem cessar a frágil e surpreendente
condição humana. Muitos de seus livros tiveram as edições originais esgotadas. A partir dos anos 2000, a Globo
Livros reeditou sua obra completa, e em 2016 os direitos de publicação passaram para a Companhia das Letras.
Hilda já ganhou traduções em países como Itália, França, Portugal, Alemanha, Estados Unidos, Canadá,
Argentina. O acervo pessoal deixado pela escritora se divide, hoje, entre a Sala de Memória Casa do Sol — onde
há, inclusive, produções inéditas — e o Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio da Universidade
Estadual de Campinas (Cedae-Unicamp). Informações tiradas do site da autora: www.hildahilst.com.br
OBRA: O verdugo
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Drama estático Engajamento social


AUTORA: Hilda Hilst

ANO DE PUBLICAÇÃO: 1969

GÊNERO LITERÁRIO: o livro é uma produção do gênero dramático (teatro).


Especificamente a obra é uma tragédia dividida em dois atos, não aos moldes
clássicos, em virtude da violência e da morte do protagonista ao final do livro.
MOVIMENTO LITERÁRIO: O verdugo é uma produção do Terceiro Tempo
Modernista (Pós Modernismo). O questionamento a respeito de um sistema,
alegoria do governo totalitário, antes visto como verdade absoluta. Além disso, a
própria condição existencial do sujeito é apresentada em crise.

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SE LIGA NO TRECHO:
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1° ATO

CENÁRIO:

Casa modesta, mas decente. Sala pequena. Mesa rústica. Dois bancos compridos junto à mesa. Um
velho sofá. Uma velha poltrona. Uma porta de entrada. Outra porta dando para o quarto. Paredes
brancas. Dois pequenos lampiões. Aspecto geral muito limpo. Nessa sala não deve haver mais nada,
nada que identifique essa família particularmente. Morem numa vila do interior, em algum lugar
triste do mundo. Mesa posta. O verdugo, a mulher, a filha e o filho estão sentados à mesma. A mulher
deve estar servindo sopa ao marido. É noite.
Mulher (Ríspida. Para o verdugo): Come, come, durante a comida pelo menos você deve se esquecer
dessas coisas. Que te importa se o homem tem boa cara ou não? É apenas mais um para o repasto da
terra. (Pausa)
Verdugo (Manso): Você não compreende.
SE LIGA NO TRECHO:
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Mulher: Não compreende, compreendo muito bem, mas que me importa? Não sou eu que faço as
leis. Estou limpa. E você também está limpo. (Pausa. Começam a tomar sopa)
Filho: O pai sabe que é imundície tocar naquela corda que vai matar o homem.
Filha: Cala a boca você.
Filho (Exaltado): Por quê? Por que é que eu tenho de calar? Você pensa apenas em você. E se o pai
vai ganhar dinheiro por fora desta vez é porque é mais difícil matar aquele homem do que qualquer
outro.
Verdugo: Ninguém falou em dinheiro ainda.
Filho (Dócil): Mas vão falar, vão falar. Espera, pai. (Pausa) O pai sabe que o homem dizia
coisas certas. O homem é bom.
Filha: Bom, bom (Com desprezo) Ha, ha, ele pôs fogo em todo o mundo. Fogo, só isso.
Filho: Ele é bom.
Mulher: Bondade é dar dinheiro para encher a barriga. Ele te deu dinheiro, por acaso?
Filho: Ele me deu outra coisa.
O TÍTULO DA PEÇA
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A profissão que dá título à peça e nomeia o protagonista é incomum para os


tempos modernos. Esse aspecto unido à localização da aldeia, onde se passa o
drama e que remete a um tempo mítico (a-histórico), portanto, sem que nela
se faça necessário precisar o lugar onde se desenrola a ação, nem o tempo,
somente caracterizados como uma “vila do interior” em “algum lugar triste do
mundo”. Desse modo, a negação ao realismo ou à associação imediata à
realidade concreta é parte do contexto objetivo selecionado intencionalmente
pela autora para estruturar o microcosmo dramatúrgico via alegoria, que
reconstrói a história pelos seus fragmentos. Claramente, a obra dramatúrgica
em questão estabelece pontos de encontro com a realidade histórica do Brasil,
na medida em que, pela estrutura da parábola, aponta para uma reflexão em
torno do cerceamento da liberdade individual, à repressão das ideologias
discordantes em relação ao poder estabelecido e à esperança utópica e
revolucionária, que começa a se revelar nas personagens.
O ENGAJAMENTO
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Em 1989 na entrevista intitulada “Um diálogo com Hilda Hilst”, Nelly Novaes Coelho pergunta a
Hilda:

OUVINTE: Qual o gênero em que você se encontra mais? A poesia, a ficção ou o teatro?

HH: Acho que é a poesia e a ficção. O teatro surgiu numa hora de muita emergência, em 67, quando
havia a repressão. Eu tinha muita vontade de me comunicar com o outro imediatamente. Como não
podia haver comunicação cara a cara, então fiz algumas peças, todas simbólicas, porque eu não tinha
nenhuma vontade de ser presa, nem torturada, nem que me arrancassem as unhas... Então, fiz, por
analogia, várias peças em que qualquer pessoa entenderia o que se pretendia dizer numa denúncia.
Fiz oito peças e, depois, parei. Era só uma emergência daquele momento em que eu desejava uma
comunicação mais imediata com as pessoas. Mas também não deu certo. As pessoas vão teatro para
se divertir; ninguém vai ao teatro para pensar. O negócio é não fazer coisas assim... que levam a
pensar.

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UM UNICÓRNIO
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Para o crítico literário Anatol Rosenfeld Hilda Hilst:


A supremacia feminina entre os novíssimos é fortalecida pela obra teatral de Hilda Hilst. Embora
não pertencendo à mesma geração e já consagrada como poeta só recentemente invadiu o
campo da dramaturgia. O teatro de Hilda Hilst, cerca de oito peças, não se filia a nenhum grupo.
A autora é uma espécie de unicórnio dentro da dramaturgia brasileira. Suas peças revelam
acentuado teor poético e certas tendências místico-religiosas, conquanto fora dos padrões de
qualquer religião tradicional. (ROSENFELD, 2000, p. 167).
Hilda Hilst configuraria, nas palavras de Rosenfeld, um caso à parte na literatura
contemporânea, e no tocante à dramaturgia, seria um caso especialíssimo, quase
extraordinário. Ao definir Hilda como “uma espécie de unicórnio dentro da dramaturgia
brasileira”, Anatol Rosenfeld singulariza a escrita de Hilst, sublinhando marcas de difícil
apreensão e possível encaixotamento em algum grupo específico de autoras.

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ÁRVORE
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É de uma riqueza semântica e simbólica incrível esse recurso que HH utiliza. O personagem,
ao cortar cabeças como copas de árvores, destrói a vida, ao passo que o Homem plasmado
em árvore finca suas raízes (ideias, ideologias, visões no mundo) no chão firme e
aparentemente irredutível que é o Verdugo. Neste viés o executor constrói a identidade
deste homem especial por uma via poética. Poderíamos pensar numa poética
nauseabunda? Um verdugo que tem como ofício matar outros, de repente metaforiza um
sujeito dando-lhe importância, e o mais crucial: isenta-lhe de qualquer julgamento feito por
instâncias superiores.

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O FILHO
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Filho, na condição de duplo do pai declara o que é fulcral neste diálogo: Ninguém tem o
mesmo rosto. É possível pensar o Filho como a consciência sistematizada do pai, que por
conta de um inacabamento social no qual está imerso não consegue dar clareza verbal para
as sensações que têm advindas das coisas que o Homem disse, e, por conseguinte usa do
aparato simples que possuí constituído de pensamentos breves e pontuado por uma ânsia
de saber e entender o lugar social que o cerca.

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O CAPUZ
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A Mulher tem consciência de que o uso do capuz a transforma no próprio Estado, dotado de
plenas ações, que maquiadas por objetivos opressores, diz-se voltado para o bem comum
da coletividade. Ocorre uma inversão dos papeis entre a Mulher e o Verdugo. Mulher
entrega-se à morte simbólica, Chevalier & Gheerbrant são enfáticos ao dizer que esse
elemento, ao cobrir a cabeça simboliza desaparecimento e morte. O que resta da Mulher é
sublimado e morto sob o simbólico latente no capuz, elemento chave para o Verdugo, e que
o faz acreditar que a Mulher de fato, mergulhada na ambição, pode vir a executar o Homem
no seu lugar.

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OLHAR DE CAVALO
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O Homem possui olhos de cavalo, ele consegue ter uma visão do todo que é a vida; a
personagem é um ser evoluído diante do mundo oprimido a envolver o Verdugo, sua família
e os Cidadãos dessa vila localizada “em algum lugar triste do mundo”. Se os olhos do cavalo
podem ver além do que está à frente, os do Homem igualmente cumprem essa habilidade,
sendo profundo, inquietante e desmistificador.

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NOVO TEMPO
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As palavras do Homem representam um perigo para o sistema, os Juízes o denominam


como perigo sutil, o fato da personagem falar em liberdade e amor abala o mundo
previsível e sistemático a compor uma ditatura. A tensão ocasiona crise, e, por conseguinte,
a necessidade de matar o culpado perante a coletividade é crucial para a exposição plena do
poder, do regime a oprimir as pessoas. Os Juízes exigem a morte do Homem porque sabem
que a personagem representa a possibilidade de um novo tempo para os habitantes da
vila. A manutenção do poder do Estado depende da execução do Homem.

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OS CIDADÃOS
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É claro que os Cidadãos não assumem uma bandeira de defesa da vida, as personagens
flutuam, e nesse movimento acolhem o que responde às demandas do imediatismo
selvagem, marcado pela barbárie, que não calcula as ações a longo prazo, mas que prezam
pela resolução do agora, mesmo fugindo ou negando: Qualquer um dos Cidadãos está
suscetível a ter o lampejo de consciência que o Verdugo teve, por isso todos são alvos do
sistema; e mesmo que celebrem o dinheiro ganho no espaço mórbido, ainda assim existe,
uma vez que corromper-se significa aceitar comandos superiores a transformar todos em
massa de manobra. No fim são os Cidadãos os responsáveis por reafirmar o poder
opressivo das camadas que se auto intitulam superiores.

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O HOMEM
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Os Juízes exigem a morte do Homem porque sabem que a personagem representa a


possibilidade de um novo tempo para os habitantes da vila. A manutenção do poder do
Estado depende da execução do Homem.

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OS JUÍZES
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Os Juízes vêm à casa do Verdugo para tratar da execução do Homem e esse trânsito é
interessante, uma vez que os juízes estão paramentados com as vestes pretas, o que
simboliza a lei personificada.

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O VERDUGO
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O choro do Verdugo simboliza uma quebra nos valores que este possuía em relação à vida, E
marca o término de um ciclo e abre um caminho de reconstrução do ser. O ato de chorar o
despe de qualquer capuz, máscara que ele sustenta na sociedade da qual faz parte. O
reconhecer a si próprio passa, na experiência do Verdugo, pelo sofrimento do outro. O
Verdugo na condição de ouvinte e discípulo do Homem, símbolo de uma nova proposta de
pensar a vida, calcada na liberdade do ser.

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OS ESPAÇOS
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A casa do Verdugo A praça

Espaço em que se pode falar livremente, Representação do próprio Brasil. É na


expor anseios pessoais, projetos futuros e, praça que as personagens sofrem as
o mais importante, as ambições, restrições que o sistema impõe levante à
evidenciadas principalmente nas falas das morte alguns deles.
personagens femininas, ligadas ao material.
PERSONAGENS:
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1. Verdugo: homem de 50 anos


2. Mulher do Verdugo: possui 45 anos é sempre ríspida
3. Filho: espécie de duplo do pai, o Verdugo

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4. Filha: possui 28 anos e pensa como a mãe
5. Noivo da Filha: aspecto de pusilânime*, tem sempre um sorriso idiota
6. Carcereiro
7. Juiz Velho: 50 anos
8. Juiz Jovem: 30 anos
9. Cidadãos: são muitos, mas os que falam são apenas seis
10. O Homem: espécie de bússola moral para o protagonista
11. Os dois homens-coites

* que revela pusilanimidade, fraqueza moral; covarde, medroso, fraco.

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