O Fauno de Mármore - Hawthorne
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Sobre este e-book
Nathaniel Hawthorne
Born in 1804, Nathaniel Hawthorne is known for his historical tales and novels about American colonial society. After publishing The Scarlet Letter in 1850, its status as an instant bestseller allowed him to earn a living as a novelist. Full of dark romanticism, psychological complexity, symbolism, and cautionary tales, his work is still popular today. He has earned a place in history as one of the most distinguished American writers of the nineteenth century.
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O Fauno de Mármore - Hawthorne - Nathaniel Hawthorne
Nathaniel Hawthorne
O FAUNO DE MÁRMORE
1a edição
img1.jpgIsbn: 9786586079036
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Prefácio
Prezado Leitor
Nathaniel Hawthorne (Salem, 4 de Julho de 1804 - Plymouth, 19 de Maio de 1864) é considerado o primeiro o primeiro grande escritor dos Estados Unidos e um de seus maiores contistas, sendo o responsável por tornar o puritanismo de sua época um dos temas centrais da tradição gótica. Entre suas obras destacam-se: A Letra Escarlate, A Casa das Sete Torres, O Fauno de Mármore entre inúmeras coletâneas de contos.
O Fauno de Mármore,The Marble Faun
, publicado em 1860, foi o último dos quatro grandes romances de Nathaniel Hawthorne. Em 1858, Hawthorne e sua esposa Sophia Peabody mudaram-se para Itália por um ano e meio, período e ambiente que inspiraram o autor para a realização desta obra.
O Fauno de Mármore é o mais insólito romance de Hawthorne e, possivelmente, uma das mais estranhas entre as grandes obras de ficção norte-americana. Escrito na véspera da Guerra Civil Americana, Hawthorne definiu sua história em uma sensacional Itália. O romance mistura elementos de um conto, pastoral, romance gótico e guia de viagens. O clímax vem antes do meio da história e Hawthorne intencionalmente, deixa muitas dúvidas sobre os personagens na mente do leitor. O tema, característico de Hawthorne, é a culpa e a queda do homem.
Uma excelente leitura
LeBooks Editora
Ninguém pode, por muito tempo, ter um rosto para si mesmo e outro para a multidão sem no final confundir qual deles é o verdadeiro.
Nathaniel Hawthorne
Sumário
APRESENTAÇÃO
Sobre o autor e obra
Prefácio do Autor
Capítulo I — Miriam, Hilda, Kenyon, Donatelo
Capítulo II — O Fauno
Capítulo III — Reminiscências Subterrâneas
Capítulo IV — O Espectro da Catacumba
Capítulo V — O Estúdio de Miriam
Capítulo VI — O Santuário da Virgem
Capítulo VII — Beatriz
Capítulo VIII — A Vila Suburbana
Capítulo IX — O Fauno e a Ninfa
Capítulo X — A Dança Silvestre
Capítulo XI — Sentenças Fragmentárias
Capítulo XII — Um Passeio no Pinciano
Capítulo XIII — Um Estúdio de Escultor
Capítulo XIV — Cleópatra
Capítulo XV — Uma Companhia Estética
Capítulo XVI — Um Passeio ao Luar
Capítulo XVII — O Problema de Miriam
Capítulo XVIII — À Beira de um Precipício
Capítulo XIX — A Transformação do Fauno
Capítulo XX — O Canto Funéreo
Capítulo XXI — O Capuchinho Morto
Capítulo XXII — Os Jardins dos Médici
Capítulo XXIII — Miriam e Hilda
Capítulo XXIV — A Torre Entre os Apeninos
Capítulo XXV — Luz-do-Sol
Capítulo XXVI — A Genealogia de Monte Beni
Capítulo XXVII — Mitos
Capítulo XXVIII — A Torre das Corujas
Capítulo XXIX — Nas Ameias
Capítulo XXX — O Busto de Donatelo
Capítulo XXXI — O Salão de Mármore
Capítulo XXXII — Cenas Pelo Caminho
Capítulo XXXIII — Vidraças Pintadas
Capítulo XXXIV — Dia de Feira em Perúgia
Capítulo XXXV — A Bênção do Pontífice de Bronze
Capítulo XXXVI — A Torre de Hilda
Capítulo XXXVII — As Desertas Galerias de Quadros
Capítulo XXXVIII — Incenso e Altares
Capítulo XXXIX — A Catedral do Mundo
Capítulo XL — Hilda e um Amigo
Capítulo XLI — Flocos de Neve e Delícias Virginais
Capítulo XLII — Reminiscências de Miriam
Capítulo XLIII — A Extinção de uma Lâmpada
Capítulo XLIV — O Altar Abandonado
Capítulo XLV — A Fuga das Pombas de Hilda
Capítulo XLVI — Uma Caminhada na Campagna
Capítulo XLVII — O Camponês e a Agricultora
Capítulo XLVIII — Uma Cena no Corso
Capítulo XLIX — Uma Brincadeira de Carnaval
Capítulo L — Miriam, Hilda, Kenyon, Donatelo
Conclusão
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APRESENTAÇÃO
Sobre o autor e obra
img2.jpgNathaniel Hawthorne nasceu em 4 de julho de 1804, em Salem, EUA, filho de uma família puritana que exerceu grande influência sobre sua personalidade e sua obra.
Perdeu o pai muito cedo, tendo sido educado por um tio. Adquiriu o hábito da leitura devido a um problema físico que o afastava dos esportes juvenis. O romance Viagem do peregrino, de John Bunyan, as obras de Rousseau, Voltaire, Milton e Spencer causaram-lhe grande impressão, segundo todos os seus biógrafos, inspirando sua propensão literária para o simbolismo.
Aos dezessete anos, Hawthorne entrou para o Bowdoin College, no Maine, onde se graduou em 1825, na mesma turma do futuro poeta Longfellow. Não foi um aluno brilhante, mas voltou a Salem decidido a tornar-se escritor. Em 1828, publica seu primeiro trabalho, mas logo se arrepende, tendo feito tudo para destruir os exemplares disponíveis. Somente em 1837, incentivado por um amigo, resolve lançar Twice told tales (Contos duas vezes contados
), dezoito histórias alegóricas sobre problemas morais.
Nessa mesma época, conhece Sophia Peabody, a filha inválida de um vizinho, e apaixona-se por ela. Desejando se casar, aceita, por dois anos, um emprego de aferidor na alfândega de Boston, já que seus rendimentos de escritor eram insuficientes. Insatisfeito, sem um lar para viver com Sophia, decide morar numa espécie de comunidade utópica, mas não se adapta a esse tipo de vida e regressa depois de um ano a Salem.
Em 1842, finalmente consegue desposar Sophia, passa a viver em Concord, numa velha casa alugada, e começa a escrever Mosses from an old manse (Musgos de uma velha casa
). Mas novamente a falta de dinheiro faz com que retorne a Salem, com mulher e filha, para trabalhar como inspetor do porto. Ocupa o cargo até 1849, quando é afastado por motivos políticos.
Inicia-se, então, o grande período de criação de sua vida. Surge A letra escarlate, em 1850, que desde logo foi considerada a maior obra de imaginação da literatura americana. Segue-se A Casa das Sete Torres. Nomeado em 1855 cônsul em Liverpool, ali permanece até 1857. Depois viaja durante dois anos pela Itália. Seus trabalhos dos últimos anos — Hawthorne morreu em 1864 — incluem mais um significativo romance: O fauno de mármore.
Hawthorne se interessava pelo que ia dentro de cada personagem. Situou-se na Nova Inglaterra, desde que não podia deixar de lado todas as influências que tivera vivendo tanto tempo em Salem, a cidade que perseguia e queimava bruxos (Arthur Miller aproveitou um desses episódios históricos em sua peça As feiticeiras de Salem). O próprio escritor teve um ancestral que era chamado de juiz enforcador
e que fora, inclusive, amaldiçoado por uma de suas vítimas. Salem vivia de seus fantasmas e recordações de casas assombradas, de misteriosos crimes.
Nathaniel Hawthorne foi parte disso tudo, e para ele a literatura não era um fim em si, mas uma forma de entrar no âmago de uma questão: a relação do homem com a natureza e com Deus.
A obra
O Fauno de Mármore,The Marble Faun
publicado em 1860, foi o último dos quatro grandes romances de Nathaniel Hawthorne
Ao aproximar-se dos cinquenta anos, Hawthorne afastou-se das publicações e obteve uma nomeação política como cônsul dos Estados Unidos em Liverpool, na Inglaterra, cargo que ocupou de 1853 a 1857. Em 1858, Hawthorne e sua esposa Sophia Peabody mudaram-se para Itália por um ano e meio, período e ambiente que inspiraram o autor para a realização desta obra.
O Fauno de Mármore é a mais insólito romance de Hawthorne e, possivelmente, uma das mais estranhas grandes obras de ficção norte-americana. Escrito na véspera da Guerra Civil Americana, Hawthorne definiu sua história em uma sensacional Itália. O romance mistura elementos de um conto, pastoral, romance gótico e guia de viagens. O clímax vem antes do meio da história e Hawthorne intencionalmente, deixa muitas dúvidas sobre os personagens na mente do leitor.
O FAUNO DE MÁRMORE
Prefácio do Autor
Sete ou oito anos são passados (tantos, de qualquer modo, que já não os posso relembrar precisamente) desde que o autor deste romance apareceu pela última vez perante o público. Tomou-se um costume, para ele, preceder cada uma de suas humildes publicações com uma espécie familiar de prefácio, dirigido nominalmente ao Público, mas na realidade a uma pessoa com a qual ele se sente autorizado a demonstrar intimidade muito maior. Refere-se a um amigo afim, que melhor compreende seus propósitos, mais aprecia seus sucessos, é mais indulgente para com os seus defeitos e, sob todos os aspectos, mais íntimo e mais bondoso do que um irmão — aquele crítico simpático, em síntese, que um autor jamais encontra na realidade, mas ao qual implicitamente dirige seu apelo sempre que está cônscio de haver feito o que de melhor pôde.
O antigo estilo dos Prefácios chamava esse genial personagem de Bom Leitor’’,
Gentil Leitor,
Querido,
Indulgente, ou, com mais frieza,
Honrado Leitor", ao qual o romancista de outrora escolhia para fazer suas explicações preliminares e apresentar suas desculpas, certo de que seriam recebidas favoravelmente. Quanto a mim, nunca encontrei pessoalmente nem me correspondi pelo correio com essa essência representativa de todas as deliciosas e desejáveis qualidades que um leitor pode possuir. Mas, felizmente para mim, jamais cheguei à conclusão de que fosse um mero personagem mítico. Conservei sempre uma crença cega na sua existência e para ele escrevi, ano após ano, durante os quais o grande olho do Público ignorava quase por completo minhas mesquinhas produções.
Indiscutivelmente, tendo crido uma vez nesse gentil, bondoso, benevolente, indulgente, muito querido e honrado Leitor, enviava-lhe (a despeito das infinitas dificuldades que se opõem a que uma carta sem endereço positivo encontre o destinatário) as folhas que entregava a qualquer vento que estivesse soprando, na certeza de que acabariam por encontrá-lo. Mas existe ele agora? Nesse punhado de anos, desde a última vez em que ouviu falar de mim, não terá considerado encerrada sua tarefa terrena, retirando-se para o paraíso dos leitores gentis, onde quer que se situe, para gozar as delícias que lhe garantiu a bondosa caridade demonstrada para comigo? Tenho um triste pressentimento de que esta é a verdade. O Gentil Leitor
, no caso de qualquer romancista, tem a peculiaridade de possuir vida muito curta raramente ultrapassa uma moda literária e, exceto em ocasiões incomuns, fecha os olhos cansados antes que o escritor o tenha semilíquido. Mas, se acaso o encontrar, há de ser provavelmente sob alguma lousa coberta de musgo, gravada com um nome meio apagado que jamais reconhecerei.
Tenho, por conseguinte, pouca fé ou esperança (especialmente escrevendo, como o faço, numa terra estranha e depois de uma longa, muito longa ausência da minha) na existência desses amigos dos amigos, esse invisível irmão do espírito, cuja simpatia ansiosa tão frequentemente me encorajou a ser egoísta em meus prefácios, indiferente a que olhos sem bondade esmiuçassem o que não fora feito para eles. Estou presente à cerimônia, agora e, depois de estabelecer algumas particularidades sobre o trabalho aqui oferecido ao público, devo fazer meu cumprimento mais reverente a retirar-me para trás da cortina.
Este Romance foi esboçado durante uma permanência bastante considerável na Itália, sendo reescrito e preparado para o prelo na Inglaterra. O autor propusera-se a escrever apenas uma história fantasiosa, desenvolvendo uma moral meditada, sem pretender retratar o caráter e os costumes italianos. Viveu muito tempo no exterior de maneira que sabia que o estrangeiro raramente adquire de um país aquele conhecimento ao mesmo tempo, flexível e profundo, capaz de justificar a empresa de interpretar seus traços peculiares.
A Itália, como cenário do seu romance, foi-lhe principalmente valiosa por proporcionar-lhe uma espécie de ambiente poético ou fantástico, onde o momento atual não parecia tão terrivelmente presente como se mostra, e deve mostrar-se, na América. Nenhum autor, sem prévia experiência, pode conceber a dificuldade que existe em escrever um romance sobre um país no qual nenhuma sombra existe, nenhuma antiguidade, nenhum mistério, nenhum erro pitoresco e soturno, nada senão uma prosperidade comum, à luz do sol, como é felizmente o caso da minha querida terra natal. Muito tempo passará, creio eu, antes que romancistas encontrem temas nativos e facilmente manejáveis, quer nos anais de nossa valente república, quer em qualquer característica ou acontecimento provável de nossas vidas individuais. Romance, poesia, hera e líquens, precisam de ruínas para crescer.
Reescrevendo este volume, o autor ficou algo surpreendido ao verificar a extensão com que nele introduzir descrições de vários objetos italianos, antigos, pictóricos e esculturais. Não obstante, tais coisas enchem a imaginação em qualquer parte da Itália e especialmente em Roma, senão se pode impedir que tombem sobre o papel enquanto se escreve com liberdade e satisfação. Contudo, ao reproduzir o livro, nas vastas e melancólicas areias de Redcar, com o cinzento oceano alemão rolando sobre mim e o vento norte zumbindo sempre aos meus ouvidos, a completa mudança de cenário fez com que essas reminiscências italianas brilhassem tão vivamente que não pude atrever-me a suprimi-las.
Resta-me praticar um ato de justiça para com dois homens de gênio cujos trabalhos o autor permitiu-se usar com a maior liberdade. Tendo imaginado um escultor neste romance, foi necessário provê-lo com obras de mármore de tal natureza que continuassem a habilidade que lhe foi atribuída. Com essa intenção o autor pôs suas mãos traiçoeiras sobre um busto de Milton e a estátua de um pescador de pérolas, que encontrou no estúdio de Mr. Paul Akers, e que secretamente transportou para os planos do seu amigo imaginário, na Via Fezza. Não contente com esses furtos, praticou depois o roubo de uma estátua magnífica de Cleópatra, obra de Mr. William W. Story, um artista que o seu país e o mundo não tardarão a apreciar. Tinha a intenção de apropriar-se, também, de uma porta de bronze feita por Mr. Randolph Rogers, representando a história de Colombo numa série de admiráveis baixos-relevos, mas foi dissuadido pela sua repugnância em meter-se com a propriedade pública. Fosse capaz de roubar uma senhora e teria certamente se apoderado da admirável estátua de Zenóbia, esculpida por Miss Hosmer.
Deseja ele agora restituir as mencionadas esculturas aos seus respectivos proprietários, com os seus agradecimentos e a confissão de sua sincera admiração. O que delas é dito no romance não pertence à ficção em que se encontram embebidas, mas exprimem sua opinião genuína, a qual, sem a menor dúvida, estará de acordo com a do Público. Talvez seja desnecessário dizer que, ao roubar esses trabalhos, o Autor não tomou liberdade idêntica com os caracteres dos talentosos escultores o seu próprio homem de mármore é totalmente imaginário. LEAMINGTON, 15 de dezembro de 1859.
Capítulo I — Miriam, Hilda, Kenyon, Donatelo
Quatro pessoas, em cujos destinos gostaríamos de interessar o leitor, estavam reunidas em um dos salões da galeria de escultura, no Capitólio, em Roma. Era aquela sala (a primeira, depois de subir a escadaria) no centro da qual está reclinada a nobre e muito patética figura do Gladiador Moribundo, prestes a cair no seu desmaio mortal. Ao longo das paredes adiavam-se Antinous, a Amazona, Apoio de Lycia, Juno todas as obras famosas da escultura antiga, brilhando ainda com a viva majestade de sua beleza e existência ideal, embora o mármore que as encarnava estivesse amarelecido pelo tempo e talvez corroído pela terra tímida na qual jazeram enterradas durante séculos. Aqui, igualmente, via-se um símbolo (tão atual agora como a era há dois mil anos) do Espírito Humano, com a sua escolha entre a Inocência e o Mal representada na bela figura de uma criança que apertava uma pomba contra o peito, ao mesmo tempo que era assaltada por uma serpente.
De uma das janelas desse salão via-se uma fila de largos degraus de pedra, descendo ao lado dos antigos maciços alicerces do Capitólio em direção ao derrubado arco triunfal de Septimius Severas, logo abaixo. Mais adiante, os olhos deslizavam sobre o Angulo do Foram desolados (onde as mulheres romanas estendem as roupas ao sol), passando sobre uma informe confusão de edifícios modernos, toscamente construídos com antigos tijolos e pedras, e sobre as cúpulas das igrejas cristãs, edificadas nos velhos pavimentos dos templos pagãos e suportadas pelos mesmos pilares que outrora os sustentaram. Além — ainda a pouca distância, considerando os inúmeros saltos que a história deu no espaço intermédio — ergue-se a grande estrutura do Coliseu, com o céu azul brilhando através da fila dos seus arcos superiores. Mais longe, a vista é obstruída pelos Montes Albanos, exatamente os mesmos, apesar de toda essa transformação e decadência, que na época em que Rômulo espiava por cima da parede semiacabada.
Olhamos rapidamente para essas coisas — para este sol brilhante, aquelas distantes montanhas azuis, as ruínas etruscas, romanas, cristãs, veneráveis no seu tríplice antiguidade, e para a companhia das mundialmente famosas estátuas do salão — com a esperança de pôr o leitor em um estado de espírito frequentemente experimentado em Roma. É um vago sentimento de lembranças graves a percepção de um tal peso e densidade de uma vida passada, da qual este lugar é o centro, que o momento presente é posto de lado, nossos negócios e interesses particulares tomam-se menos reais do que em qualquer outra parte. Olhada por esse prisma, nossa narrativa — na qual foram tecidos alguns fios etéreos e imateriais, entremeados de outros, extraídos do mais comum estofo da existência humana — não parecerá tão diferente da tessitura de nossas próprias vidas.
Lado a lado com a solidez maciça do Passado Romano, todos os assuntos que hoje manejamos ou sonhamos parecem tão evanescentes quanto miríficos.
Pode ser que às quatro pessoas que estamos procurando apresentar estivessem conscientes desse caráter fantástico do presente, comparado com os quadrados blocos de granito com os quais os romanos construíam suas vidas. Talvez isto contribuísse mesmo para o alegre estado de espírito em que se encontravam naquele momento. Quando achamos imersos em sombras e irrealidade, não parece valer a pena mostrar-se triste, mas sim rir tão alegremente quanto se pode, sem procurar grandes motivos para isso.
Desses quatro amigos nossos, três eram artistas, ou ligados à arte e, naquele momento, haviam ficado simultaneamente impressionados com a semelhança existente entre uma das estátuas, conhecida obra-prima da escultura grega, e um jovem italiano, o quarto membro do grupo.
— Você deve confessar, Kenyon, — disse uma jovem mulher de olhos negros que os seus amigos chamavam Miriam, que jamais cinzelou em mármore, nem modelou no barro, uma semelhança mais viva do que essa, apesar de julgar-se um habilidoso escultor de bustos. A reprodução é perfeita quanto ao caráter, o sentimento e as feições. Se fosse um quadro, a semelhança seria meio falaz e imaginária, mas aqui, neste mármore do Pentólico, é um fato substancial, e pode ser provado concretamente pelo toque e pela medida. Nosso amigo Donatelo é o próprio Fauno de Praxiteles. Não é verdade, Hilda?
— Não inteiramente... quase... sim, de fato, redarguiu Hilda, uma jovem delgada da Nova Inglaterra, de cabelos castanhos, cujas percepções de forma e expressão eram notavelmente claras e delicadas. — Se há alguma diferença entre os dois rostos, a razão, suponho, deve consistir em que o Fauno vivia nos campos e nos bosques, ao lado dos seus iguais, ao passo que Donatelo conhece um pouco as cidades e pessoas como nós. Mas a semelhança é muito grande e muito estranha.
— Não tão estranha assim, murmurou Miriam maliciosamente, pois nenhum Fauno da Arcádia era um simplório maior do que Donatelo. Ele mal possui a porção de talento que cabe a um homem, por pequena que seja. E pena que já não exista nenhuma das rústicas criaturas de sua raça que possa conviver com ele!
— Sua perversa! — Retrucou Hilda. — Você é multo ingrata, pois bem sabe que ele tem talento bastante, ao menos para adorá-la.
— Bois então é ainda mais tolo do que eu pensava, — disse Miriam tão amargamente que os calmos olhos de Hilda se sobressaltaram um pouco.
— Donatelo, meu caro amigo, — disse Kenyon em italiano, faça-nos o favor de tomar exatamente a mesma atitude dessa estátua.
O jovem riu e assumiu a mesma postura que a estátua vinha conservando há dois ou três mil anos. Na verdade, a não ser pela diferença do traje, e se uma pele de leão pudesse ser substituída pelo seu casaco, e a flauta rústica pela sua vara, Donatelo seria tomado perfeitamente pelo Fauno de mármore, miraculosamente transfigurado em carne e sangue.
— Sim, a semelhança é maravilhosa, observou Kenyon, depois de examinar o mármore e o homem com os seus olhos agudos de escultor. — Há um ponto, contudo melhor, dois pontos a respeito dos quais os abundantes cabelos do nosso amigo Donatelo nos impedem de verificar se a semelhança vai até os mínimos detalhes.
E o escultor dirigiu a atenção do grupo para as orelhas da bela estátua que estavam contemplando.
Devemos, porém, fazer mais do que referir-nos simplesmente a essa esquisita obra de arte é preciso descrevê-la, embora seja vão o nosso esforço por exprimir em palavras a sua mágica singularidade.
O Fauno era a imagem marmórea de um jovem, que apoiava seu braço direito no tronco ou cepo de uma árvore uma das mãos pendia descuidada ao seu lado na outra segurava o fragmento de uma flauta, ou qualquer outro instrumento musical silvestre. Sua única veste — uma pele de leão com as garras sobre o ombro — caía-lhe até a metade das costas, deixando nuas as pernas e toda a frente do corpo. As formas, assim exibidas, eram maravilhosamente graciosas, mas tinham contornos mais cheios e mais redondos, mais carne e menos músculos heroicos do que os velhos escultores concediam aos seus tipos de beleza masculina. Os traços do rosto correspondiam aos do corpo era muito agradável no contorno e na expressão, mas arredondado e como que voluptuosamente desenvolvido, sobretudo no pescoço e no queixo o nariz, quase reto, era ligeiramente encurvado para dentro, adquirindo assim um indescritível encanto de afabilidade e graça. A boca, de lábios cheios, porém delicados, parecia tão prestes a sorrir que provocava sorrisos em resposta. A estátua inteira — diferente de tudo quanto fora trabalhado nesse material severo que é o mármore — dava a ideia de uma criatura amável e sensual, feliz, jovial, pronta para o prazer, contudo, não de todo incapaz de deixar-se invadir pela emoção. Era impossível contemplar demoradamente essa figura de pedra sem experimentar por ela um sentimento afetuoso, como se a sua substância fosse cálida ao toque e impregnada de vida. O fenômeno assemelhava-se muito intimamente à mais agradável simpatia que nos pode ser desperta.
Talvez fosse a própria ausência de severidade moral, de qualquer componente elevado e heroico no caráter do Fauno, que o tomava um objeto tão delicioso para os olhos humanos e para a fraqueza do humano coração. O ser aqui representado não era dotado de nenhum princípio de virtude e seria incapaz de compreender tal coisa, mas seria verdadeiro e honesto por força de sua simplicidade. Não poderíamos esperar dele nem sacrifício, nem esforço por uma causa abstrata não havia um átomo de temperamento de mártir naquele mármore amaciado, mas teria uma capacidade de apego forte e tépido, agiria devotadamente através dos seus impulsos e chegaria a morrer se fosse necessário. Era possível também que o Fauno pudesse ser educado por intermédio de suas emoções, de maneira que a rude porção animal de sua natureza fosse eventualmente relegada ao inconsciente, embora jamais expulsa de todo.
A natureza animal, de fato, era a parte mais essencial da composição do Fauno pois as características de constituição bruta encontravam-se e combinavam-se com as de humanidade naquela estranha e, contudo, verdadeira e natural concepção da poesia e da arte antigas. Praxiteles havia sutilmente difundido através de sua obra aquele silencioso mistério que tão irremediavelmente nos espanta sempre que procuramos adquirir um conhecimento intelectual ou intuitivo das mais baixas espécies da criação. Mas o enigma é indicado apenas por dois sinais definidos estes são as duas orelhas do Fauno, em forma de folha, terminando em pequenas pontas, como as de alguns tipos de animais. Embora não fossem vistas assim no mármore, devem provavelmente ser consideradas como revestidas por um pelo fino, sedoso. Nas mais rudes representações dessa classe de criaturas mitológicas, há um outro detalhe de sua natureza bruta — uma certa cauda incipiente que, se imaginamos que o Fauno de Praxiteles também a possuísse, estaria escondida sob a pele de leão que era a sua veste. As orelhas pontudas e aveludadas, por conseguinte, eram as únicas indicações de sua natureza selvagem e agreste.
Só um escultor da mais fina imaginação, do gosto mais delicado, dos mais temos sentimentos, e do mais raro talento artístico — numa palavra um escultor que também fosse poetar — poderia ter concebido um Fauno com aquela aparência e depois logrado aprisionar no mármore a criatura fogosa e travessa. Nem homem, nem animal contudo, nenhum monstro, mas um ser no qual às duas raças se juntavam em terreno amigo. A ideia toma-se áspera à medida que a esmiuçamos e se enrijece em nossas mãos. Mas se o espectador medita longamente diante da estátua, adquirirá consciência do seu feitiço todos os prazeres da vida silvestre, todas as alegres e felizes características das criaturas que vivem nos bosques e nos campos, aparecer-lhe-ão mescladas e amalgamadas numa única substância, com as melhores qualidades do espírito humano. Árvores, plantas, flores, riachos da floresta, bois, e um homem simples. A essência de tudo isso havia sido conjugada há muito tempo e ainda existe dentro da marmórea superfície descolorida do Fauno de Praxiteles.
Ademais a ideia talvez não tenha sido sonho, mas antes a reminiscência de um poeta sobre um período em que a afinidade do homem com a natureza era mais íntima e a sua comunhão com todos os seres vivos mais coesa e cara.
Capítulo II — O Fauno
— Donatelo, — exclamou jovialmente Miriam, não nos deixe nessa perplexidade! Levante esses caracóis castanhos, meu amigo, e deixe-nos ver se essa maravilhosa semelhança abrange também as pontas das suas orelhas. E se assim for, gostaremos muito mais de você.
— Não, queridíssima se dá pensativa, e estremecendo — respondeu Donatelo, rindo, mas com uma certa ansiedade. — Peço-lhe que admita a ponta de minhas orelhas como garantida.
Enquanto falava, o jovem italiano deu um pulo e saltou com leveza bastante para um verdadeiro fauno com isto colocou-se fora do alcance da bonita mão estendida como para resolver o assunto de maneira positiva.
— Eu me transformaria em um lobo dos Apeninos, continuou ele pondo-se do lado oposto ao Gladiador Moribundo, se tocasse as minhas orelhas assim suavemente. Nenhum dos da minha raça pode suportá-lo. Sempre foi um ponto vulnerável, meu e dos meus ancestrais.
Ele falava o italiano com um rústico sotaque toscano, e uma espécie de pronúncia vaga, indicando que até agora conversara principalmente conosco do campo.
— Bem, bem... — disse Miriam, seu ponto vulnerável — seus dois pontos vulneráveis, se é que você os tem — estão a salvo no que me diz respeito. Apesar de tudo, como é estranha essa semelhança! Oh! É impossível, naturalmente, continuou ela em inglês, com um jovem real e comum como Donatelo mas vocês veem como essa peculiaridade define a posição do Fauno embora posto de modo que não se possa garantir sua filiação, mesmo assim nos inclinamos favoravelmente para a boa criatura. Não é sobrenatural, mas se encontra precisamente na orla da natureza contudo, dentro dela. Qual é o indefinível encanto dessa ideia, Hilda? Você mesmo gosta de pensar nisso.
— Mas decerto, acrescentou Kenyon, você concorda com Miriam e comigo que há algo de muito tocante e impressionante nesta estátua do Fauno. Em qualquer época muito remota ele deve ter existido deveras. A natureza precisava e ainda precisa dessa bela criatura. Situando-se entre o homem e o animal, simpatizando com ambos, compreendendo a linguagem das duas raças e interpretando a existência inteira tanto de uma como da outra. Que pena que ele tenha desaparecido para sempre dos ásperos e empoeirados caminhos da vida... a não ser que, aduziu o escultor em um sussurro jovial, agora ele seja Donatelo!
— Você não pode imaginar como essa fantasia me domina, — respondeu Miriam entre zombeteira e ansiosa. — Imagine um ser verdadeiro, igual a esse Fauno mítico quão feliz, alegre e satisfatória seria a sua vida, gozando o lado cálido, sensual e terreno de sua natureza divertindo-se no júbilo dos bosques e dos rios vivendo como os nossos quadrúpedes... como a nossa humanidade vive durante a infância inocente antes de pensar no pecado, na dor ou na moral! Ah! Kenyon, se Hilda e você e eu... se, ao menos, eu tivesse orelhas pontiagudas! Porque suponho que o Fauno não tem consciência, nem remorsos, nem apertos no coração, nem lembranças perturbadoras de qualquer espécie e muito menos um futuro tenebroso.
— Que entonação trágica foi esta última, Miriam! — exclamou o escultor. E, examinando o rosto, espantou-se ao vê-lo pálido e quase em prantos. — De que maneira súbita você se transformou!
— Passará como veio, — disse Miriam — como uma trovoada neste céu romano. Veja o sol está brilhando de novo!
A esquivança de Donatelo em mostrar suas orelhas pesaram-lhe um pouco e ele agora veio para perto de Miriam, olhando-a com um ar solícito, como se pedisse perdão. Sua expressão muda e desconsolada tinha qualquer coisa de patético contudo, também podia excitar o riso, tão parecida era com o aspecto de um cão que se sente em falta ou em desgraça. Era difícil compreender o caráter daquele jovem. Tão cheio de vida animal como ele era, tão alegre em seu comportamento, tão esbelto, tão bem desenvolvido fisicamente, não dava a impressão de obra incompleta, de natureza mutilada ou limitada. Não obstante, no seu convívio aqueles amigos familiares concediam-lhe, habitual e instintivamente, como se o fizessem a uma criança ou a qualquer outra coisa sem lei, o direito de não obedecer estritamente às regras convencionais e mal notavam suas excentricidades. Havia em Donatelo uma característica indefinível que o situava além de quaisquer normas.
Ele segurou a mão de Miriam e beijou-a, olhando-a nos olhos sem dizer palavra. Ela sorriu e fez-lhe uma carícia descuidada, estranhamente parecida com a que se faz a um bonito cão quando ele se coloca no caminho para recebê-la. Não que fosse uma carícia intencional, mas apenas um simples toque, entre tapa e afago, feito com um dedo. Podia ser um sinal de amizade ou talvez um gesto jocoso de castigo. De qualquer modo pareceu proporcionar a Donatelo um esquisito prazer, tanto que ele se pôs a dançar em volta das grandes de madeira que circundavam o Gladiador Moribundo.
— São os próprios passos do Fauno Dançante, — disse Miriam, a parte, a Hilda. — Que criança, que ingênuo, ele é! Continuamente me surpreendo tratando Donatelo como se fosse um mero frango. Contudo, ele não pode reclamar tais privilégios por sua pouca idade, pois ele tem pelo menos... que idade pensa você que ele tenha, Hilda?
— Vinte anos talvez, replicou Hilda olhando para Donatelo. — Mas na verdade não sei dizer. Talvez seja muito, ou talvez seja pouco. Ele nada tem com o tempo, mais há na sua face um aspecto de juventude eterna.
— Todas as pessoas de pouca inteligência têm esse aspecto, — disse Miriam ironicamente.
— Creio que Donatelo possui o dom da mocidade eterna, como Hilda sugeriu, observou Kenyon, rindo. — Julgando pela idade desta estátua, a qual, segundo estou cada vez mais convencido, Praxiteles cinzelou para ele, Donatelo deve ter pelo menos vinte e cinco séculos de idade contudo, parece mais jovem do que nunca.
— Quantos anos você tem, Donatelo? perguntou Miriam.
— Não sei, signorina, — respondeu ele. — Mas não devo ter muitos porque só comecei a viver depois que a conheci.
— Diga-me agora qual o velho cavalheiro de sociedade capaz de transformar em galanteio tolo em um cumprimento mais elegante do que este! — exclamou Miriam. — Natureza e arte às vezes são uma coisa só. Mas que feliz ignorância é a do nosso amigo Donatelo! Não saber que idade tem! É o mesmo que ser imortal na terra! Se ao menos eu pudesse esquecer a minha!
— É muito cedo para desejar esquecê-la, observou o escultor. — Você é um quase nada mais velha do que Donatelo, parece.
— Eu me satisfaria em esquecer apenas um dia da minha vida, — disse Miriam. Depois ela pareceu arrepender-se da alusão e acrescentou rapidamente — Os dias de uma mulher são tão cheios de tédio que eu aceitaria como uma dádiva a supressão de um deles.
Essa conversa havia sido travada em um estado de espírito que todas as pessoas imaginativas, sejam artistas ou poetas, gostam de entreter. Nesse estado elas encontram às vezes as mais profundas verdades lado a lado com o mais ocioso dos gracejos, e exprimem as primeiras ou os segundos, sem distinguir, aparentemente, qual o mais valioso, ou sem atribuir nenhum valor a qualquer deles. A semelhança entre o Fauno de mármore e o seu companheiro vivo produzira nos três amigos uma impressão profunda, meio séria meio alegre, e os havia transportado a certa região etérea, desprendendo, como é agradável senti-los desprendidos, seus pesados pés terrenos do chão da vida presente. O mundo pusera-se a flutuar, por um momento, aliviando-os, durante aquele breve espaço, de toda a costumeira responsabilidade de tudo quanto haviam dito e pensado.
Deve ter sido sob essa influência... ou, talvez, porque os escultores sempre abusam das obras dos seus colegas, que Kenyon lançou-se numa crítica ao Gladiador Moribundo.
— Eu costumava admirar essa estátua excessivamente, observou ele, porém mais tarde senti-me cansado e entediado com a ideia de que o homem ficasse apoiado durante tanto tempo sobre o braço no próprio instante de sua morte. Se ele está tão terrivelmente ferido, por que não cai e morre sem mais ajuda? Momentos fugazes, emergências iminentes, intervalos imperceptíveis entre duas respirações, não deviam ser incrustadas no eterno repouso do mármore em todo assunto escultural, deve haver uma moral estável, se é que há necessidade de que exista uma, fisicamente representada. De outro modo, é como lançar um bloco de mármore ao ar e, por algum truque mágico, imobilizá-lo de repente. Sente-se que ele deve cair e é desagradável que não obedeça às leis naturais.
— Compreendo, — disse Miriam maliciosamente, você acha que a escultura deve ser uma espécie de processo fossilizador. Mas, na verdade, a sua arte congelada nada tem a ver com o objeto e a liberdade da minha e da de Hilda. Na pintura não há objeções similares à representação de breves fragmentos do tempo talvez porque tuna história possa ser mais totalmente contada através da pintura, e reforçada com circunstâncias que lhe dão o colorido de uma época. Um pintor, por exemplo, jamais teria representado aquele Fauno fora de sua remota antiguidade, sozinho e desolado, sem um companheiro que conservasse aquecido o seu coração simples.
— Ah, o Fauno! — exclamou Hilda com um pequeno gesto de impaciência. — Estive olhando muito para ele e agora, ao invés de uma bela estátua, eternamente jovem, vejo apenas uma pedra corroída e desbotada. Essa transformação é muito comum às estátuas.
— E às pinturas também, redarguiu o escultor. — É o espírito do espectador que transfigura a própria Transfiguração. Desafio qualquer pintor a emocionar-me e impressionar-me sem a minha própria ajuda e consentimento.
— Então você carece de um sentido, — disse Miriam.
O grupo ia agora atravessando os vestíbulos daquela opulenta galeria, parando aqui e acolá para olhar a profusão de formas nobres e encantadoras que haviam sido exumadas do túmulo profundo no qual a velha Roma fazia enterrada. Entretanto, a personificação do antigo Fauno na pessoa de Donatelo dava um aspecto mais vívido a todos aqueles fantasmas de mármore. Por que não se impregnaria de vida cada uma daquelas estátuas? Antinous poderia erguer a sobrancelha e dizer-nos por que estava para sempre triste. Apoio de Lycia poderia tanger a sua lira e, à primeira vibração, o outro Fauno de mármore vermelho, que está numa atitude imóvel de dança, pularia alegremente para diante, conduzindo aqueles Sátiros com as suas peludas pernas de cabra, martelando o chão com os seus pequenos cascos, e todos unindo as mãos com as de Donatelo! Baco também, com um rubor róseo difundido pela sua superfície manchada pelo tempo, poderia descer do pedestal e oferecer um cacho de uvas purpurinas aos lábios de Donatelo — porque o deus reconheceria nele o elfo do bosque que tão frequentemente partilhava de seus prazeres. E aqui, neste sarcófago, as figuras esquisitamente talhadas adquiririam vida e perseguiriam uma à outra em tomo das suas bordas com aquela selvagem alegria tão estranhamente representada nesses velhos féretros — embora com alguma sutil alusão à morte, cuidadosamente velada, mas manifestando-se irresistivelmente através dos símbolos de alegria e tumulto.
Enquanto os quatro amigos desciam a escada, contudo, o jogo de sua fantasia transformava-se em um humor muito mais sombrio, consequência natural, aliás, da hilaridade que há pouco os havia dominado.
— Você sabe, — disse Miriam confidencialmente a Hilda, que eu duvido da semelhança de Donatelo com o Fauno, a respeito da qual tanto falamos? Na verdade, não me impressionou tão fortemente como a você e Kenyon, embora eu partilhasse de tudo que vocês quisessem imaginar, pelo simples prazer do momento.
— Eu estava certamente exaltada e você também parecia estar, tornou Hilda voltando-se e olhando para Donatelo como para se certificar da semelhança. — Mas os rostos mudam tanto, de hora para hora, que o mesmo conjunto de traços não se conserva sempre o mesmo, pelo menos para olhos que veem mais a expressão do que o contorno. Como ele se tomou de repente triste e sombrio!
— Zangado também, penso eu! Sim, é mais cólera do que tristeza, — disse Miriam. — Já vi Donatelo nesse estado uma ou duas vezes. Se você o examinar bem, observará uma estranha mistura de buldogue ou de qualquer outro animal feroz, na constituição do nosso amigo. Um traço de selvageria deveras inesperado numa criatura usualmente gentil como ele. Donatelo é um jovem singular. Eu gostaria que ele não andasse atrás de mim com tamanha frequência.
— Você enfeitiçou o pobre rapaz, — disse o escultor, rindo. — Você tem a faculdade de enfeitiçar as pessoas e isto lhe proporciona um singular cortejo de acompanhantes. Vejo um outro atrás daquela coluna e é a presença dele que despertou a raiva de Donatelo.
Tinham agora emergido do portão do palácio. Parcialmente escondido por uma das colunas do pórtico achava-se uma dessas figuras frequentemente encontradas nas ruas piazzas de Roma em qualquer outro lugar. Parecia haver acabado de pular de um quadro e, na verdade, parecia prestes a encontrar o seu caminho para uma dúzia de outros quadros, pois outro não era senão um desses modelos vivos, trigueiros, de barba cerrada, selvagem no aspecto e nas vestes, desses que os artistas transformam em santos ou assassinos de acordo com as necessidades pictóricas do seu trabalho.
— Miriam, murmurou Hilda um tanto assustada, é o seu modelo!
Capítulo III — Reminiscências Subterrâneas
O modelo de Miriam tem relação tão importante com a nossa história que é essencial descrever o modo singular do seu primeiro aparecimento, e como ele se tornou, subsequentemente, um seguidor da jovem artista. Inicialmente, porém, devemos dedicar uma página ou duas à posição da própria Miriam.
Havia algo de ambíguo nessa jovem mulher. Embora isto não implicasse, necessariamente, nada de errado, teria produzido impressão desfavorável à sua recepção na sociedade, em qualquer lugar que não fosse Roma. A verdade é que ninguém sabia coisa alguma sobre Miriam, nem bem nem mal. Ela aparecera sem apresentação, alugou um estúdio, pregou seu cartão na porta e demonstrava considerável talento como pintor a óleo. Seus colegas professores do pincel faziam, é verdade, críticas abundantes aos seus quadros, concedendo que eram bastante boas para os ociosos esforços de um amador, mas faltando-lhes a habilidade treinada e a experiência que distingue os trabalhos de um verdadeiro artista.
Não obstante, fossem quais fossem suas faltas, os quadros de Miriam tinham boa aceitação entre os patronos da arte moderna. Se careciam de presumível mérito técnico, sua ausência era compensada pelo calor e pela paixão que ela sabia pôr nas suas produções e cuja influência todos sentiam. Sua própria natureza era muito colorida e assim eram também os seus quadros.
Miriam, aparentemente, denotava grande liberdade em suas relações. Suas maneiras nada tinham de tímidas parecia muito fácil travar conhecimento com ela e não muito difícil transformar em intimidade um contato casual. Esta, ao menos, era a impressão que ela dava, depois da primeira aproximação, mas não era a conclusão a que chegavam os que realmente procuravam conhecê-la. 11o etéreo, liberal e afável era o comportamento de Miriam para com todos que penetravam na sua esfera que, possivelmente, nunca adquiriam consciência do fato. Mas de tal maneira se conduzia que eles não iam adiante e raramente tinham avançado mais nas suas boas graças no dia seguinte do que na véspera. Por uma qualidade sutil, conservava as pessoas a distância, sem deixá-las, porém, perceber que estavam excluídas do seu círculo íntimo. Parecia-se com uma dessas