127369-Texto Do Artigo-284416-1-10-20180221
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Olga Kempinska
ABSTRACT: The paper investigates the capital importance of Samuel Beckett’s prose in the process of
the elaboration of Hilda Hilst’s “fictions”. Taking as its starting point some of the intertextual traces of
Molloy in Fluxo-floema, the paper analyzes the interiorization of the communication scene and empha-
sizes dramatic elements of Hilst’s poetics, insisting on the painful splitting of the subjectivity under the
effect of the violence inherent to the coincidence of word and emotion.
A passagem destacada por Hilst provém da narrativa feita por Moran, um agente que
toma a voz na segunda parte do livro de Beckett, ocupando-se do “caso Molloy”,2 sobre
o qual confecciona um relatório. Da observação de Moran resulta que Molloy “rolava
a cabeça, proferindo palavras ininteligíveis” e que “estava sempre a caminho”.3 Não sem
motivo, Moran fica muito perplexo. O que significa falar consigo mesmo? Como bem
nota Paul Ricœur, colocar-se essa pergunta leva à reflexão acerca do “destino da subje-
tividade na literatura”,4 intimamente ligado à forma do monólogo interior. O monólogo
O Beckett me interessou muito, porque aí eu já senti ele como um desaforo, sabe, ele é
um desaforo, tudo o que ele diz, entende? Então, o personagem conta todos os peidos
que dá, e ele conta isso com uma mise-en-scène, com uma certa soberba e tal, e eu acho
isso muito bom, sempre que você começa a falar de coisas que as pessoas têm medo.6
Hilst sublinha seu fascínio pelo irlandês, em quem descobre também a estranha eficácia
dos gestos desesperados: “e esse homem me interessou, eu me interessei por toda a obra
dele, e é o homem que eu mais admiro como escritor. Porque ele teve a coragem de assu-
mir a própria condição e falar dessa condição grotesca, torpe quase, que é a condição
humana”.7 À primeira vista, Hilst aprende com Beckett sobretudo a arte do desaforo.
Mas seriam os textos do irlandês realmente tão chocantes por sua abordagem do corpo
em suas atividades escatológicas? Não se deve esquecer que, em 1981, quando descreve
os motivos de sua admiração por Beckett, Hilda Hilst está no momento da construção
5 Sallenave, Danièle. “Em torno do ‘monólogo interior’: leitura de uma teoria”. In: Masculino, feminino,
neutro. Ensaios de semiótica narrativa. Tradução de T. Franco Carvalhal et al. Porto Alegre: Editora Globo,
1976, p. 112.
6 Diniz, Cristiano (org.). Fico besta quando me entendem. Entrevistas com Hilda Hilst. São Paulo: Globo,
2013, p. 80.
7 Ibidem.
8 Nascimento, Elma Lia. “Farewell to a cursed poet”. Brazzil News 24/7. Brazzil Magazine, fev. 2004. Dis-
ponível em: http://www.brazzil.com/2004/html/articles/feb04/p106feb04.htm. Acesso em: 29 out. 2016.
9 Wittgenstein, Ludwig. Anotações sobre as cores. Tradução de J. C. Salles Pires da Silva. Campinas:
Editora da Unicamp, 2009, p. 67.
10 Idem, p. 183.
11 Idem, p. 161.
12 Diniz, Cristiano (org.). Fico besta quando me entendem, cit., p. 160.
13 Idem, p. 81.
E que eu diga isso ou aquilo ou outra coisa, na verdade pouco importa. Dizer é inventar.
Falso como se espera. Você não inventa nada, acredita inventar, escapar, não faz mais que
balbuciar sua lição, restos de um castigo, tarefa decorada e esquecida, a vida sem lágrimas,
tal como você a chora. E depois que merda. Vejamos.27
21 Ibidem.
22 Idem, p. 76.
23 Idem, p. 77.
24 Idem, p. 65.
25 Idem, p. 91.
26 Jelinek, Elfriede. “Hören Sie zu!”, 2004. Acessível em http://www.elfriedejelinek.com/. Acesso em:
27 out. 2016.
27 Beckett, Samuel. Molloy, cit., p. 54.
40 Para citarmos apenas encenações brasileiras recentes: em 2012, Matamoros (com Maíra Gerstner) e
Primeiro amor (com Ana Kfouri).
41 Auerbach, Erich. Mimesis. A representação da realidade na literatura ocidental. Vários tradutores
(s/n). São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 483.
42 Diniz, Cristiano (org.). Fico besta quando me entendem, cit., p. 53.
43 Idem, p. 106.
44 Idem, p. 97.
45 Baudelaire, Charles. O spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de A. Zir. Porto Alegre:
L&PM Pocket, 2016, p. 14.
46 Diniz, Cristiano (org.). Fico besta quando me entendem, cit., p. 125.
50 Queiroz, Vera. Hilda Hilst: três leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 2000, p. 24.
51 Deleuze, Gilles. “The Exhausted”. In: Essays Critical and Clinical. London: Verso, 1998, pp. 152-74.
52 Diniz, Cristiano (org.). Fico besta quando me entendem, cit., p. 34.
53 Hilst, Hilda. Fluxo-floema, cit., p. 19.
54 Beckett, Samuel. Malone morre. Tradução de P. Leminski. São Paulo: Brasiliense, 1986, pp. 5-6.
55 Idem, Novelas. Tradução de E. Araújo Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 27.
56 Hilst, Hilda. Fluxo-floema, cit., p. 75.
57 Idem, p. 76.
58 Ibidem.
É justamente o que eu queria discutir com você: eticamente algum escritor, alguma pes-
soa, pode assumir a tremenda responsabilidade de romper os limites que o outro aceitou,
ou porque lhe foram impostos de fora ou porque se arrumou diante dessa conciliação
com a opressão externa e o condicionamento interno de que foi vítima? Revelar ao outro
que ele pode ser muito mais e pode ser ele mesmo com uma liberdade total de qualquer
tipo de repressão política, econômica, sexual, religiosa, psicológica etc., eu me pergunto,
não pode levar uma pessoa à morte, à loucura sem retorno?66
64 Diniz, Cristiano (org.). Fico besta quando me entendem, cit., p. 127.
65 Idem, p. 39.
66 Idem, p. 57.