Apneia em Adultos
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DOI: https://doi.org/10.1590/2177-6709.24.3.099-109.sar
Introdução: a Síndrome da Apneia e Hipopneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é uma doença muito prevalente e que
traz importantes consequências para a vida dos seus portadores. O tratamento da condição é relevante para a melhora do
bem-estar geral e da expectativa de vida dos afetados. Os tratamentos odontológicos mais frequentes para a SAOS são os
dispositivos de avanço mandibular (DAMs) e a cirurgia ortognática de avanço maxilomandibular (AMM) — essa última,
possivelmente, é a única opção de tratamento com alta probabilidade de cura do problema.
Objetivo: o presente artigo faz uma revisão narrativa da SAOS sob a perspectiva de 25 anos de experiência clínica no
tratamento da doença.
Conclusão: os DAMs são uma sólida opção de tratamento para o ronco primário e apneias leves ou moderadas. Apneias
graves, em pacientes que não se adaptam ou se recusam a usar o CPAP, também podem ser tratadas com os DAMs. A ci-
rurgia ortognática de AMM é uma alternativa segura e muito eficaz de solução da SAOS.
Palavras-chave: Apneia obstrutiva do sono. Ronco. Cirurgia ortognática. Odontologia. Avanço mandibular.
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Clínica particular (Brasília/DF, Brasil). Como citar: Faber J, Faber C, Faber AP. Obstructive sleep apnea in adults.
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Universidade de Brasília, Programa de Pós-graduação em Odontologia Dental Press J Orthod. 2019 May-June;24(3):99-109.
(Brasília/DF, Brasil). DOI: https://doi.org/10.1590/2177-6709.24.3.099-109.sar
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Universidade Católica de Brasília, Graduação em Odontologia (Brasília/
DF, Brasil). » O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente
a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias.
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As consequências da SAOS comprometem não só o avançada durante o sono19,20 (Fig. 2A, 2B; Fig. 3 e Fig. 4),
indivíduo, mas também toda a sociedade: além do im- promovendo um aumento do espaço orofaríngeo durante
pacto direto da doença, há o impacto indireto nos gastos o uso do dispositivo e, consequentemente, diminuindo as
públicos, absenteísmo, acidentes de trânsito e trabalho, obstruções21. Eles agem tracionando os tecidos moles em
etc.18 Após se iniciar o tratamento adequado para cada direção anterior, em especial os músculos genioglossos,
indivíduo portador da SAOS, todas essas complicações gênio-hióideos, digástricos e milo-hióideos. Esse tipo de
demonstram grande melhora10,18. aparelho, no entanto, não promove uma correção das vias
aéreas, o que resultaria, em última instância, em cura ou
TRATAMENTO melhora permanente — seu efeito é observado apenas
O algoritmo de tratamento pode envolver a perda enquanto o paciente o utiliza.
de peso e a mudança de postura durante o sono, mas, O ideal é que o paciente seja tratado pelo dentista
frequentemente, terapias com graus variados de invasi- com aparelhos ajustáveis e individualizados para o seu
vidade são indicadas. caso. O aparelho deve ser confeccionado após molda-
gem ou escaneamento intrabucal, e deve permitir um
APARELHO INTRABUCAL (DAM) ajuste progressivo da posição mandibular. Aparente-
Os dispositivos de avanço mandibular (DAMs) têm mente, aparelhos menos volumosos e que cobrem me-
como objetivo manter a mandíbula em uma posição nores áreas da boca são preferidos pelos pacientes22.
A B
C D
Figura 2 - O dispositivo de avanço mandibular projeta a mandíbula: A) sem projeção; B) com projeção. O volume do espaço aéreo (AS) aumenta (setas) e/ou
ocorre uma melhora no tônus da parede faríngea. Isso decorre do avanço da língua (T) e demais tecidos moles paramandibulares; mesmo o colapso do pala-
to mole (SP) sofre melhora. A sobressaliência dos incisivos (C, em vermelho) sofre uma diminuição com o passar dos anos (D), por projeção dos dentes inferiores
e retração dos superiores (setas).
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Figura 3 - Exemplos de dispositivos de avanço mandibular: diferentes aparelhos podem ser utilizados para ajustar a posição anteroposterior da mandíbula.
As setas apontam para parafusos que, nesses casos, controlam a magnitude do avanço e permitem ajustes.
A B
C D
Figura 4 - Paciente sem (A) e com (B) o dispositivo de avanço mandibular. Apesar de utilizar próteses totais sobre implante, isso não inviabilizou o uso do apare-
lho. As vistas intrabucais frontal (C) e lateral (D) mostram a mandíbula em posição avançada.
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CIRURGIA DE AVANÇO MAXILOMANDIBULAR do sorriso (Fig. 7C). O resultado planejado da cirurgia foi
Modificações cirúrgicas na anatomia da via aérea obtido e levou a uma mordida cruzada anterior, que foi
superior têm sido utilizadas como opção de tratamento corrigida com a retração dos dentes inferiores com ancora-
para os pacientes que não aderem ao CPAP ou ao DAM. gem esquelética em miniplacas (Fig. 6B, 6D e 6F).
Há diferentes cirurgias para se alterar diretamente os te- O resultado do tratamento foi satisfatório tanto estetica-
cidos moles28, tal como a uvuloplastia assistida a laser, a mente (Fig. 7A a 7C) quanto funcionalmente. Obteve-se
ablação por radiofrequência e outras29. Entretanto, o pro- uma boa oclusão (Fig. 7D a 7F) e, ainda mais importante,
cedimento mais popular em tecidos moles é a uvulopala- uma redução do IAH para 0,7 eventos/hora.
tofaringoplastia (UPFP). Já foi demonstrado que, na maioria dos casos, a me-
Por outro lado, modificações dos tecidos moles tam- lhora obtida com a UPFP é menor do que a atingida com
bém podem ser obtidas por meio de cirurgias esqueléti- o AMM28,31. O AMM promove uma alteração na dinâ-
cas, mais especificamente a cirurgia ortognática de avan- mica do fluxo aéreo após a correção cirúrgica32, que be-
ço maxilomandibular (Fig. 5 a 7)8,12,28,30. neficia de forma significativa os pacientes operados, que
O caso apresentado na Figura 5 é de um paciente do apresentam importante redução do IAH.
sexo masculino, 39 anos de idade, IMC = 26,3, com quei- Os pacientes que se submetem à cirurgia conseguem
xa principal de SAOS. A polissonografia de diagnóstico perceber a mudança do fluxo aéreo ainda em vigília, ime-
revelou que o IAH era de 19,7 eventos/hora. Adicional- diatamente após a cirurgia. Frequentemente eles relatam
mente, possuía uma assimetria facial; porém, não possuía uma facilidade de respirar que não se lembram de ter vi-
qualquer queixa estética. A cirurgia de avanço maxiloman- venciado antes. Caracteristicamente, a melhora no ron-
dibular (Fig. 6A e B) foi realizada com um avanço da man- co e na apneia é percebida na primeira noite, ainda que
díbula que excedeu o da maxila. Não foi realizada rotação um edema significativo esteja presente, tanto na via aérea
anti-horária do plano oclusal, para não prejudicar a estética quanto externamente, na face.
A B C
D E F
Figura 5 - Fotografias iniciais de um paciente com IAH = 19,7, que realizou tratamento ortodôntico-cirúrgico pelo método do Benefício Antecipado. Apresentava
deficiência maxilomandibular (A a C), além de má oclusão de Classe II (D a F).
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A B C D
E F
Figura 6 - Radiografias cefalométricas inicial (A) e imediatamente após a cirurgia (B). Nota-se que o avanço da mandíbula foi maior que o da maxila, levando
a uma mordida cruzada anterior (C). Essa relação foi corrigida com a retração dos dentes inferiores, ancorados em miniplacas na arcada inferior (setas em
B, D e F). O molar inferior direito foi extraído antes da cirurgia (E). Radiografias panorâmicas inicial (E) e imediatamente após a cirurgia (F).
A B C
D E F
Figura 7 - Fotografias finais do tratamento. A, B, C ) Vistas extrabucais, onde pode-se ver o bom resultado estético obtido. Nenhum giro anti-horário do plano
oclusal foi realizado, para proporcionar uma boa exposição dos incisivos ao sorrir (C). Boa oclusão foi atingida ao fim do tratamento (D a F).
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DISCUSSÃO
Um componente que restringe o tratamento dos
portadores de SAOS é que esse envolve grande proa-
tividade do paciente. Utilizar todas as noites um dis-
Figura 8 - Fotografia de um paciente com SAOS grave fazendo uso de um apa-
positivo de avanço mandibular ou um CPAP (Fig. 8) relho de CPAP com máscara nasal — o aparelho pode ser visto ao lado da cama.
requer razoável disciplina: se um paciente inglês com
60 anos de idade decide usar um CPAP para o resto
de sua vida, que é estimada em 80,2 anos34, ele terá
que dormir com o dispositivo por 7.373 noites. Tal- O AMM acena como uma alternativa de tratamento
vez mais desafiador ainda seja perder peso35,36 e man- que melhora a SAOS, ao mesmo tempo que pode pro-
ter-se em um patamar de peso mais saudável. Assim, mover, de forma secundária, importantes ganhos esté-
não é surpreendente que vários pacientes abandonem ticos e na função respiratória32. Todavia, trata-se de um
o tratamento com o passar dos anos — seja por causa procedimento oneroso e que envolve os riscos inerentes
da manutenção de um IMC adequado, ou devido ao a uma cirurgia. O impacto na estética facial influencia
uso do CPAP37 ou do DAM38. Possivelmente, no es- o fato de o nível de evidência sobre a associação entre
tágio atual do desenvolvimento dos tratamentos para a cirurgia e a redução do IAH não ser muito alto39. Há
SAOS, mais importante do que achar a terapia hipoteti- limitações em se realizar ensaios clínicos com desenhos
camente ideal para um paciente, é mantê-lo no circuito ideais de estudo, simplesmente porque é muito difícil
de tratamento. Ou seja, quando o paciente desistir de realizar uma randomização para tratamentos como a
uma forma de tratamento, outra deve ser apresentada, cirurgia ortognática, que tem um relevante impacto na
para que ele se beneficie do fato de estar em terapia. autoimagem dos pacientes.
Algo que é de grande importância para a boa ade- Os pacientes operados precisam, na maior parte dos
rência do paciente é a compreensão do risco do agravo casos, de um tratamento ortodôntico associado. O pre-
à sua saúde, mesmo que não apresente o nível mais alto paro para a cirurgia ortognática de forma convencional
de gravidade. Porém, ao se classificar a SAOS usando deve ser feito somente quando um CPAP é utilizado,
os termos leve, moderada e grave, trazemos uma difi- o que, na prática, raramente ocorre. Há premência em
culdade para os pacientes portadores dos níveis menos se realizar a cirurgia, uma vez que ela é indicada, e in-
graves entenderem a relevância de seu problema — felizmente o preparo convencional para a cirurgia toma
os quais acabam por negligenciar sua doença, pois, em cerca de um ano e meio40. Assim, pacientes que se sub-
alguns idiomas, leve e moderado têm associação com metem ao AMM devem ser tratados por meio da técnica
desimportante. Como isso pode ser um erro fatal, os de Benefício Antecipado41,42.
autores do presente trabalho são da opinião de que a É frequente a indicação do AMM para casos gra-
nomenclatura deveria ser alterada para graus I, II e III ves de SAOS43. Todavia, o procedimento pode ser
de SAOS. Provavelmente, comunicaríamos melhor a aplicado com êxito em pacientes com IAH modera-
severidade do problema. do ou leve. Obviamente, nem todas as pessoas têm
A vantagem da cirurgia de avanço maxilomandi- indicação de AMM e, mesmo entre aquelas que têm,
bular (AMM) é que ela pode ser uma cura da SAOS apenas um percentual desconhecido deseja se sub-
para muitos indivíduos8. Isso não quer dizer que, com meter a esse tratamento.
o avançar da idade, aumento no IMC e alterações de Se o AMM é uma ótima forma de se tratar as SAOS
outras naturezas, as pessoas não possam voltar a ser por- graves, os dispositivos de avanço mandibular são prefe-
tadoras de SAOS. rencialmente indicados para SAOS leves ou moderadas23.
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