Fichamento - 31-05 - Kellner

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KELLNER, Douglas.

A Cultura da mídia - estudos culturais:


identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru,
SP: EDUSC, 2001.

Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos


ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer,
modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o
material com que as pessoas forjam sua identidade. (KELLNER, 2001, p. 10)

O rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural


fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-
sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente. A cultura da mídia também
fornece o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de ciasse,
de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de "nós" e "eles". Ajuda a
modelar a visão prevalecente de mundo e os valores mais profundos: define o
que é considerado bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral.
(KELLNER, 2001, p. 09)

As narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os


mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria
dos indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje. A cultura veiculada pela
mídia fornece o material que cria as identidades pelas quais os indivíduos sé
inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporâneas, produzindo uma
nova forma de cultura global. (KELLNER, 2001, p. 09)

A cultura da mídia é industrial; organiza-se com base no modelo de produção


de massa e é produzida para a massa de acordo com tipos (gêneros), segundo
fórmulas, códigos e normas convencionais. É, portanto, uma forma de cultura
comercial, e seus produtos são mercadorias que tentam atrair o lucro privado
produzido por empresas gigantescas que estão interessadas na acumulação
de capital. A cultura da mídia almeja grande audiência; por isso, deve ser eco
de assuntos e preocupações atuais, sendo extremamente tópica e
apresentando dados hieroglíficos da vida social contemporânea. (KELLNER,
2001, p. 09)

Os espetáculos da mídia demonstram quem tem poder e quem não tem, quem
pode exercer força e vidência, e quem não. Dramatizam e legitimam o poder
das forças vigentes e mostram aos não-poderosos que, se não se
conformarem, estarão expostos ao risco de prisão ou morte. Para quem viveu
imerso, do nascimento â morte, numa sociedade de mídia e consumo é, pois,
importante aprender como entender, interpretar e criticar seus significados e
suas mensagens. (KELLNER, 2001, p. 10)

Numa cultura contemporânea dominada pela mídia, os meios dominantes de


informação e entretenimento são uma fonte profunda e muitas vezes não
percebidas de pedagogia cultural: contribuem para nos ensinar como nos
comportar e o que pensar e sentir, em que acreditar, o que temer e desejar - e
o que não. (KELLNER, 2001, p. 10)

Mídias e Sociedade
Os estudos que se seguem ajudam a entender a cultura da mídia e indicam os
modos como ela pode ser entendida, usada e apreciada. Nossa intenção é dar
ao leitor meios de aprender a estudar, analisar, interpretar e criticar os textos
da cultura da mídia e a avaliar seus efeitos. (KELLNER, 2001, p. 11)

Por conseguinte, esses estudos explorarão algumas das maneiras como a


cultura contemporânea da mídia cria formas de dominação ideológica que
ajudam a reiterar as relações vigentes de poder, ao mesmo tempo que fornece
instrumental para a construção de identidades e fortalecimento, resistência e
luta. (KELLNER, 2001, p. 11)

Afirmamos que a cultura da mídia é terreno de disputa no qual grupos sociais


importantes e ideologias políticas rivais lutam peio domínio, e que os indivíduos
vivenciam essas lutas por meio de imagens, discursos, mitos e espetáculos
veiculados peia mídia. (KELLNER, 2001, p. 11)

A cultura, em seu sentido mais amplo, é uma forma de atividade que implica
alto grau de participação, na qual as pessoas criam sociedades e identidades.
A cultura modela os indivíduos, evidenciando e cultivando suas potencialidades
e capacidades de fala, ação e criatividade. A cultura da mídia participa
igualmente desses processos, mas também é algo novo na aventura humana.
As pessoas passam um tempo enorme ouvindo rádio, assistindo à televisão,
frequentando cinemas, convivendo com música; fazendo compras, lendo
revistas e jornais, participando dessas e de outras formas de cultura veiculada
pelos meios de comunicação. Portanto, trata-se de uma cultura que-passou a
dominar a vida cotidiana, servindo de pano de fundo onipresente e muitas
vezes de sedutor primeiro piano para o qual convergem nossa atenção e
nossas atividades, algo que, segundo alguns, está minando a potencialidade e
a criatividade humana. (KELLNER, 2001, p. 11)

Este livro estudará algumas das consequências do domínio da cultura


veiculada pela mídia sobre a sociedade e a cultura em geral. Procura sondar a
natureza e os efeitos do modo como essa forma de cultura está influenciando.
profundamente muitos aspectos de nossa vida diária. Um de seus principais
temas diz respeito ao modo como as diversas formas da cultura veiculada pela
mídia induzem os indivíduos a identificar-se com as ideologias, as posições e
as representações sociais e políticas dominantes. (KELLNER, 2001, p. 11)

Em geral, não é um sistema de doutrinação ideológica rígida que induz à


concordância com as sociedades capitalistas existentes, mas sim os prazeres
propiciados pela mídia e pelo consumo. O entretenimento oferecido por esses
meios frequentemente é agradabilíssimo e utiliza instrumentos visuais e
auditivos, usando o espetáculo para seduzir o público e levá-lo a identificar-se
com certas opiniões, atitudes, sentimentos e disposições. (KELLNER, 2001, p.
11)

A cultura da mídia e a de consumo atuam de mãos dadas nó sentido de gerar


pensamentos e comportamentos ajustados aos valores, às instituições, às
crenças e às práticas vigentes. (KELLNER, 2001, p. 11)
No entanto, o público pode resistir aos significados e mensagens dominantes,
criar sua própria leitura e seu próprio modo de apropriar-se da cultura de
massa, usando a sua cultura como recurso para fortalecer-se e inventar
significados, identidade e forma de vida próprios. (KELLNER, 2001, p. 11)

Além disso, a própria mídia dá recursos que os indivíduos podem acatar ou


rejeitar na formação de sua identidade em oposição, aos modelos dominantes.
Assim, a cultura veiculada pela mídia induz os indivíduos a conformar-se à
organização vigente, da sociedade, mas também lhes oferece recursos que
podem fortalecê-los na oposição a essa mesma sociedade. O estudo dessas
funções e efeitos contraditórios será um dos objetivos deste livro. (KELLNER,
2001, p. 11)

A cultura da mídia é uma realidade extremamente complexa que até agora


resistiu a qualquer teorização geral adequada (embora tenham sido muitas as
tentativas). A maioria das teorias, como mostraremos neste livro, parecem
unilaterais e cegas a importantes aspectos da questão; grande parte do que se
disse sobre a manipulação e a dominação da mídia, em teorias popularíssimas
na década de 1960 e em parte da década de 1970, partia do pressuposto de
que os meios de comunicação constituem forças onipotentes de controle social
que impõem uma ideologia dominante monolítica a suas vítimas. (KELLNER,
2001, p. 12)

Reagindo a esse modelo, muitas das teorias mais recentes ressaltaram a


capacidade do público de resistir à manipulação da mídia, criando seus
próprios significados e usos e fortalecendo-se com a matéria-prima extraída de
sua própria cultura. Como veremos nos estudos que se seguem, essas e
outras teorias atuais também são unilaterais e limitadas, devendo dar lugar a
abordagens críticas mais amplas e multidimensionais, que teorizem os efeitos
contraditórios da cultura veiculada pela mídia. (KELLNER, 2001, p. 12)

Portanto, para interrogar de modo crítico a cultura contemporânea da mídia é


preciso realizar estudos do modo como a indústria cultural cria produtos
específicos que reproduzem os discursos sociais encravados nos conflitos e
nas lutas fundamentais da época. Para isso, é preciso ver de que modo certos
textos populares como os filmes Rocky e Rambo, o rap ou Madonna, os
programas policiais de TV ou a propaganda, os noticiosos e as discussões da
mídia, tudo isso articula posições ideológicas específicas e ajudam a reiterar
formas dominantes de poder social, servindo aos interesses da dominação da
sociedade ou de resistência às formas dominantes de cultura e sociedade - ou
se têm efeitos contraditórios. (KELLNER, 2001, p. 12)

Por conseguinte, nos estudos que seguem, tentamos demonstrar de que modo
alguns dos textos culturais mais populares hoje estão implicados nos atuais
conflitos políticos e culturais. O estudo da cultura popular e de massa recebeu
o rótulo genérico de "estudos culturais", e neste livro apresentaremos alguns
modelos de estudo cultural da mídia feitos de forma crítica, multicultural e a
partir de diversas perspectivas. (KELLNER, 2001, p. 12)
A cultura da mídia pode constituir um entrave para a democracia quando
reproduz discursos reacionários, promovendo o racismo, o preconceito de
sexo, idade, classe e outros, mas também pode propiciar o avanço dós
interesses dos grupos oprimidos quando ataca coisas como as formas de
segregação racial ou sexual, ou quando, pelo menos, as enfraquece com
representações mais positivas de raça e sexo. (KELLNER, 2001, p. 13)

Nossa abordagem também lança mão de teorias sociológicas com o fim de


contextualizar, interpretar e analisar adequadamente a natureza e os efeitos da
cultura da mídia. Estamos convictos de que os estudos culturais não podem ser
feitos sem uma teoria social, e de que precisamos entender ás estruturas e a
dinâmica de determinada sociedade para entender e interpretar sua cultura.
Também partimos do pressuposto de que os textos da cultura da mídia não são
simples veículos de uma ideologia dominante nem entretenimento puro e
inocentei ao contrário, são produções complexas que incorporam discursos
sociais e políticos cuja análise e interpretação exigem métodos de leitura e
crítica capazes de articular sua inserção na economia política, nas relações
sociais e no meio político em que são criados, veiculados e recebidos.
(KELLNER, 2001, p. 13)

Partimos do pressuposto de que sociedade e cultura são terrenos de disputa e


de que as produções culturais nascem e produzem efeitos em determinados
contextos. Estamos convencidos de que a análise da cultura da mídia em sua
matriz de produção e recepção ajuda a elucidar suas produções e seus
possíveis efeitos e usos, bem como os contornos e as tendências dentro do
contexto sociopolítico mais amplo. (KELLNER, 2001, p. 13)

Visto que as formas de cultura produzidas por grupos gigantescos de


comunicação e entretenimento constituem um aspecto imediato e onipresente
da vida contemporânea, e como a cultura ida mídia é constituída por uma
dinâmica social e política mais ampla- ao mesmo tempo que a constitui
consideramos que uma excelente óptica consiste em elucidar a natureza da
sociedade, da política e da vida cotidiana de nossa época. (KELLNER, 2001, p.
13)

Na verdade, nossa tese é de que a compreensão dos filmes populares de


Hollywood, de Madonna, da MTV, do rap, dos Rimes atuais sobre os negros e
dos programas de notícias e entretenimento da televisão pode ajudar-nos a
entender nossa sociedade contemporânea. Ou seja, entender o porquê da
popularidade de certas produções pode elucidar o meio social em que elas
nascem e circulam, podendo, portanto, levar-nos a perceber o que está
acontecendo nas sociedades e nas culturas contemporâneas. (KELLNER,
2001, p. 14)

O foco de nossa atenção é a mídia norte-americana e sua cultura, mas, visto


que a cultura dos Estados Unidos está sendo cada vez mais exportada para
todo o mundo, tal estudo deve elucidar as formas dominantes e globalizadas de
cultura de consumo e da mídia em outros lugares também. A cultura da mídia
americana está invadindo outras culturas do mundo, produzindo novas formas
de popular global. (KELLNER, 2001, p. 14)
Assim, enquanto o capítulo 2 mostra como os filmes de Hollywood
transcodificam os discursos da política dominante durante a era da hegemonia
conservadora, que vai de 1980 até parte dos anos 1990, o capítulo 4 mostra de
que modo os desejos, as ansiedades e as inseguranças das pessoas comuns
também encontram expressão na cultura da mídia, possibilitando um retrato
das tendências de crise que estão por trás da fachada ideológica de uma
sociedade de consumo feliz e segura. (KELLNER, 2001, p. 15)

A avaliação da política cultural da mídia, portanto, vai desde a crítica ideológica


do modo como os textos populares incorporam os discursos políticos
dominantes, em torno das questões políticas e dos conflitos mais importantes
do momento até a análise dos textos que codificam a política da vida diária e
as ansiedades e tensões referentes a classe, raça, sexo, juventude e sonhos e
angústias das pessoas do povo. (KELLNER, 2001, p. 15)

No capítulo 5, delineamos um modelo de estudo cultural a partir de múltiplas


perspectivas e ilustramos essa concepção com um estudo detalhado dos filmes
de Spike Lee, que constituem um bom exemplo da exploração cinematográfica
de questões fundamentais de raça, sexo e classe no momento atual. Trazendo
à baila a crítica feminista e política de seus filmes, que é feita do ponto de vista
do negro, examinamos a obra de Lee e as contribuições e limitações de seu
estilo, de seus textos e de sua política. (KELLNER, 2001, p. 15)

ESTUDOS CULTURAIS E TEORIA SOCIAL

Como já fizemos notar, acreditamos que a melhor forma de realizar estudos


culturais é no contexto dá teoria crítica da sociedade, e no capítulo 1 e nas
seções seguintes indicamos de que modo a teoria crítica da Escola de
Frankfurt fornece perspectivas úteis sobre a sociedade contemporânea e
armas úteis de crítica para os estudos culturais. Mas também indicamos as
limitações da Escola de Frankfurt e ó modo como as perspectivas sobre cultura
e sociedade apresentadas pelos estudos culturais realizados na Grã-Bretanha
frequentemente constituem uma correção das posições da Escola de Frankfurt
(embora também acreditemos que certos aspectos da abordagem da Escola de
Frankfurt corrigem as limitações dos estudos culturais britânicos. (KELLNER,
2001, p. 18)

Além disso, utilizamos as contribuições do feminismo e os projetos


multiculturalistas sobre sexo, sexualidade, raça, etnia, alteridade e
marginalidade que começaram a proliferar nos anos 1960. Também
examinamos a pertinência, para os estudos culturais, das inovações trazidas
pelas teorias pós-modernas de Foucault, Baudrillard, Jameson e outros,
tentando analisar alguns dos aspectos proeminentes da atualidade, tais como a
sociedade de consumo ê da mídia, as novas tecnologias nas áreas de
computação, comunicações ê informação, as novas formas de moda e cultura,
as novas formas de poder e conhecimento, e as novas modalidades de
subjetividade e identidade. (KELLNER, 2001, p. 18)
De fato, a atualidade é marcada por debates acalorados em torno da
possibilidade de estarmos ou não vivendo ainda a era moderna ou de já termos
entrado numa nova era pós-moderna. Alguns dos que argumentam em favor do
pós-moderno afirmam que estamos vivendo um momento inteiramente novo e
original que exige novas teorias c políticas. (KELLNER, 2001, p. 18)

Nosso argumento é de que, embora uma parte da teoria pós-moderna elucide


certas características novas e mais evidentes de nossa cultura e de nossa
sociedade, a afirmação de que há uma nova ruptura pós-moderna na
sociedade e na história é exagerada. (KELLNER, 2001, p. 19)

Também abordamos a afirmação de que é preciso uma nova forma pós-


moderna de teoria e de estudo da cultura para tratar adequadamente da época
contemporânea. Nosso argumento é que estamos agora vivendo uma era de
transição entre o moderno e o pós-moderno, que exige dê nós atenção tanto ás
estratégias e teorias modernas quanto às pós-modernas; resistindo, assim, à
asserção em favor de uma ruptura pós-moderna em história e da necessidade
de uma teoria e de estudos culturais pós-modernos inteiramente novos.
(KELLNER, 2001, p. 19)

Ao contrário, afirmamos que a combinação dos melhores recursos propiciados


pelas teorias modernas com algumas perspectivas pós-modernas novas
constitui o instrumental mais útil para se fazerem teoria social e crítica cultural
hoje em dia. (KELLNER, 2001, p. 19)

Em seus melhores trabalhos, os proponentes dos estudos culturais britânicos


sempre contextualizaram suas investigações nas lutas e nos acontecimentos
sociopolíticos contemporâneos. Ao longo de nossos estudos, tentamos situar
as produções culturais examinadas no ambiente em que nasceram e foram
recebidas, além de tratar das questões políticas fundamentais articuladas nos
textos culturais. (KELLNER, 2001, p. 19)

O âmbito de nossos estudos é constituído, aproximadamente, pela última


década da cultura veiculada pela mídia, que vai do início dos anos 1980 até o
começo da década de Í990. Desse modo, situamos nossos estudos no
contexto das guerras culturais entre liberais, conservadores e radicais que
redundou na hegemonia conservadora dos governos Reagan e Bush, na sua
constante contestação por liberais e radicais e na eleição do governo Clinton,
mais liberal, em 1992. (KELLNER, 2001, p. 20)

Partimos do pressuposto de que a crítica cultural e a pedagogia da mídia


exigem teoria social, e de que a teoria crítica da sociedade, por sua vez, deve
basear-se nos estudos de mídia e cultura e nos métodos da crítica cultural para
atingir maior compreensão das qualidades essenciais da vida social
contemporânea. (KELLNER, 2001, p. 20)

Capítulo 2 - Cultura da mídia, política e ideologia: de Reagan e Rambo.

Subcapítulo Ideologia e cultura da mídia: métodos críticos


O mais emocionante dos estudos culturais está no fato de ser esse um campo
novo e aberto, em processo de construção e reconstrução, em que quaisquer
intervenções devem apenas tentar criar algumas novas perspectivas ou
análises, e não realizar fechamentos teóricos. (KELLNER, 2001, p. 75)

Na verdade, o terreno dos estudos culturais é controverso e, por isso, aberto a


intervenções e desenvolvimentos. Como já notamos, alguns grupos e
indivíduos têm usado os estudos culturais para festejar ó popular e legitimar o
estudo acadêmico dá "cultura popular", enquanto outros os .usam para criticar
as desigualdades e a dominação existentes ou para propor programas políticos
e culturais específicos. (KELLNER, 2001, p. 75)

Nos últimos tempos, coube dar mais atenção às teorias feministas e


multiculturalistas de raça, etnia, nacionalidade, subalternidade e preferência
sexual, nas quais sé encontram teorias da resistência e críticas específicas à
opressão. São importantes as contribuições de tais grupos aos estudos
culturais. De acordo com seus discursos, suas perspectivas teóricas se
enraízam nas lutas dos oprimidos, politizando, portanto, a teoria e a crítica com
a paixão e com as perspectivas que nascem das lutas políticas travadas e das
experiências pessoais. (KELLNER, 2001, p. 75)

Para a elaboração deste trabalho, preconizamos neste capítulo a necessidade


de mobilizar as teorias marxistas de classe, os conceitos feministas de sexo, e
as teorias multiculturalistas de raça, etnia, preferência sexual, nacionalidade,
etc., afim de expressar toda a gama de representações de identidade
dominação e resistência que estruturam o terreno da cultura da mídia. As
formas dessa cultura são intensamente políticas e ideológicas, e, por isso,
quem deseje saber como ela incorpora posições políticas e exerce efeitos
políticos deve aprender a ler cultura da mídia politicamente. (KELLNER, 2001,
p. 76)

Isso significa não só ler essa cultura no seu contexto sociopolítico e econômico,
mas também ver de que modo os componentes internos de seus textos
codificam relações de poder e dominação, servindo para promover os
interesses dos grupos dominantes à custa de outros, para opor-se às
ideologias, instituições e práticas hegemônicas, ou para conter uma mistura
contraditória de formas que promovem dominação e resistência. (KELLNER,
2001, p. 76)

Portanto, ler politicamente a cultura dá mídia significa situá-la em sua


conjuntura histórica e analisar o modo como seus códigos genéricos, a posição
dos observadores, suas imagens dominantes, seus discursos e seus elementos
estético-formais incorporam certas posições políticas e ideológicas e produzem
efeitos políticos. (KELLNER, 2001, p. 76)

Ler politicamente a cultura também significa ver como as produções culturais


da mídia reproduzem as lutas sociais existentes em suas imagens, seus
espetáculos e sua narrativa. (KELLNER, 2001, p. 76)
Por exemplo, alguns Rimes sobre os anos 1960 apresentavam discursos
antibelicistas e defendiam posições da contracultura daqueles (por exemplo,
Vietnam: The Year of the Pig), enquanto outros, como os boinas-verdes (The
Green Berets, 1967) representavam positivamente a intervenção americana no
Vietnã e atacavam a contracultura. Ao longo dos anos 1970 até hoje, a cultura
da mídia em geral tem sido um campo de batalha entre grupos sociais em
competição: algumas de suas produções defendem posições liberais ou
radicais enquanto outras defendem posições conservadoras. (KELLNER, 2001,
p. 76)

De modo semelhante, alguns textos da cultura da mídia defendem posições e


representações progressistas de coisas como sexo, preferência sexual, raça ou
etnia, enquanto outras expressam formas reacionárias de racismo ou sexismo.
Desse ponto de vista, na cultura da mídia há uma luta entre representações
que reproduzem as lutas sociais existentes e transcodificam os discursos
políticos da época. (KELLNER, 2001, p. 77)

IDEOLOGIA E CULTURA DA MÍDIA: MÉTODOS CRÍTICOS

Marx e Engels caracterizaram a ideologia como as ideias da classe dominante


que obtém predominância em determinada era histórica. O conceito de
ideologia exposto em Ideologia Alemã (Marx e Engels, 1975: 59 ss.) teve intuito
mormente denunciativo e foi usado para atacar ideias que legitimavam a
hegemonia da ciasse dominante, que conferiam a interesses particulares o
disfarce de interesses gerais, que mistificavam ou encobriam o domínio de
classe, servindo assim aos interesses de dominação. Segundo esse ponto de
vista, a crítica ideológica consistia na análise e na desmistificação das ideias da
classe dominante, e sua finalidade era trazer â tona c atacar todas as ideias
que consolidassem a dominação de ciasse. (KELLNER, 2001, p. 77)

O marxismo clássico de Marx e Engels, a II e a III Internacional tendiam a dar


ênfase à primazia da economia e da política e a não dar atenção à cultura e à
ideologia. No entanto, durante os anos 1920, Lukács, Korsch, Bloch e Gramsci
ressaltaram a importância da cultura e da ideologia, e a Escola de Frankfurt e
outras versões do marxismo ocidental também viram a importância da crítica
da ideologia como importante componente da crítica da dominação. Os estudos
culturais britânicos também, em seu período de formação, puseram o conceito
de ideologia no centro do estudo da cultura e da sociedade (...). (KELLNER,
2001, p. 78)

No entanto, havia alguns problemas na tradição marxista da crítica da ideologia


que precisavam ser resolvidos. Algumas dessas tradições, entre as quais o
leninismo Ortodoxo, a Escola de Frankfurt, Althusser e outras, tendiam a
pressupor um conceito monolítico de ideologia e de classe dominante, a
expressar sem ambiguidade e contradição seus interesses de classe numa
ideologia dominante. Esse conceito reduz ideologia â defesa de interesses de
classe; por isso, é predominantemente economicista, e nele a ideologia se
refere sobretudo - e em alguns casos somente - às ideias que legitimam a
dominação de classe da classe dominante capitalista. Portanto, nessa
concepção, "ideologia" se restringe aos conjuntos de ideias que promovem os
interesses econômicos da classe capitalista. (KELLNER, 2001, p. 78)

Nas últimas duas décadas, porém, esse modelo tem sido contestado por vários
críticos, segundo os quais tal conceito de ideologia é reducionista porque, nele,
ideologia equivale apenas às ideias que servem aos interesses econômicos ou
de classe, deixando-se de lado, portanto, fenômenos importantes como sexo,
raça e outras formas de dominação ideológica. Reduzir ideologia a interesses
de classe deixa claro que a única dominação importante na sociedade é a de
classe, ou a econômica, ao passo que, segundo muitos teóricos, à opressão de
sexo, sexualidade e raça também são de fundamental importância e, na
verdade, ainda de acordo com alguns, está inextricavelmente imbricada na
opressão econômica e de classe (...). (KELLNER, 2001, p. 78)

Muitos críticos propuseram com correção que o conceito de ideologia se


estendesse e passasse à abranger teorias, ideias, textos e representações que
legitimem interesses de forças dominantes em termos de sexo e raça, bem
como de classe. Dessa perspectiva, fazer crítica da ideologia implica critica
ideologias sexistas, heterossexistas e racistas tanto quanto a ideologia da
classe burguesa capitalista. (KELLNER, 2001, p. 79)

Tal crítica da ideologia é multicultural, discernindo um espectro de formas de


opressão de pessoas de diferentes raça, etnias, sexo e preferência sexual e
traçando os modos como as formasse os discursos culturais ideológicos
perpetuam a opressão. A crítica multicultural da ideologia exige levar a sério ás
lutas entre homens e mulheres, feministas e antifeministas, racistas e anti-
racistas, gays e anti-gays, além de muitos outros conflitos, que são
considerados tão importantes e dignos de atenção quanto os conflitos de
classe o são pela teoria marxista. (KELLNER, 2001, p. 79)

Parte-se assim do pressuposto de que a sociedade é um grande campo de


batalha, e que essas lutas heterogêneas se consumam nas telas e nos textos
da cultura da mídia e constituem o terreno apropriado para um estudo crítico da
cultura da mídia. (KELLNER, 2001, p. 79)

Portanto, embora não haja uma só ideologia dominante unificada e estável, há


pressupostos nucleares que diferentes grupos políticos mobilizam e põem em
ação. Na verdade, as sociedades capitalistas democráticas contemporâneas
estiveram extremamente divididas durante as últimas décadas com a
competição de grupos e partidos políticos em luta pelo controle da sociedade.
(KELLNER, 2001, p. 80)

A cultura da mídia, assim como os discursos políticos, ajuda a estabelecer a


hegemonia de determinados grupos e projetos políticos. Produz
representações que tentam induzir anuência a certas posições políticas,
levando os membros da sociedade a ver em certas ideologias "o modo como
as coisas são" (ou seja, governo demais é ruim redução da regulação
governamental e mercado livre são coisas boas, a proteção do país exige
intensa militarização e uma política externa agressiva, etc.). Os textos culturais
populares naturalizam essas posições e, assim, ajudam a mobilizar o
consentimento as posições políticas hegemônicas. (KELLNER, 2001, p. 81)

Portanto, criticar as ideologias hegemônicas exige a demonstração de que


certas posições nos textos da cultura da mídia reproduzem ideologias políticas
existentes nas lutas políticas atuais, como quando alguns filmes ou a música
popular expressam posições conservadoras ou liberais, enquanto outros
expressam posições radicais. (KELLNER, 2001, p. 81)

Ademais, fazer crítica da ideologia implica analisar imagens, símbolos, mitos e


narrativas, bem como proposições e sistemas de crença (Kellner
1978,1979,1982). Enquanto algumas teorias contemporâneas da ideologia
exploram os complexos modos como ocorre a união de imagens, mitos,
práticas e narrativas sociais na produção da ideologia (Barthes, 1957;
Jameson, 1981; e Kellner e Ryan, 1988), outras restringem ideologia a
proposições enunciadas discursivamente nos textos. (KELLNER, 2001, p. 81) –
Esse é um caminho metodológico.

Contra essa noção restritiva, argumentaríamos que a ideologia contém


discursos e figuras, conceitos e imagens, posições teóricas e formas
simbólicas. Tal expansão do conceito de ideologia obviamente abre caminho
para a exploração do modo como imagens, figuras, narrativas e formas
simbólicas entram a fazer parte das representações ideológicas de sexo,
sexualidade, raça e ciasse no cinema e na cultura popular. (KELLNER, 2001, p.
82)

Para fazer-se uma crítica ideológica multicultural e figurativa de Rambo, por


exemplo, não seria suficiente simplesmente atacar sua ideologia militarista ou
imperialista e os modos como o militarismo e o imperialismo do filme servem
aos interesses imperialistas ao legitimarem a intervenção em lugares como o
Sudeste Asiático, o Oriente Médio, a América Central, etc. Também seria
preciso criticar os discursos e ás figuras que constroem a problemática sexual
e racial do texto para fazer uma crítica completa da ideologia, mostrando como
as representações de mulheres, homens, vietnamitas, russos, etc. são parte
fundamental de Rambo e evidenciando que um elemento-chave do texto é a
remasculinização e o restabelecimento do poder branco masculino depois da
derrota do Vietnã e dos assaltos ao poder masculino por parte dos movimentos
feministas e dós direitos civis. (KELLNER, 2001, p. 82)

Por conseguinte, a leitura do texto ideológico de Rambo exige a interrogação


de suas imagens e figuras tanto quanto de seu discurso e da sua linguagem,
ao longo de todo um espectro de problemáticas, ao mesmo - tempo que estas
problemáticas vão sendo inscritas no contexto das lutas políticas existentes.
Tal análise, como veremos abaixo, indica que a figura de Rambo representa
um conjunto específico de imagens do poder masculino, da inocência e da
força americana e do heroísmo do guerreiro, imagens que servem de veículos
para as ideologias masculinista e patriótica que foram importantes durante a
era Reagan. (KELLNER, 2001, p. 82)
Tal análise das figuras é importante porque as representações dos textos da
cultura popular constituem a imagem política por meio da qual os indivíduos
vêem o mundo e interpretam os processos, q$ eventos e as personalidades
políticas. A política da representação, portanto, examina as imagens e as
figuras ideológicas, assim como os discursos, que transcodificam as posições
políticas dominantes e concorrentes numa sociedade. (KELLNER, 2001, p. 82)

Numa cultura da imagem dos meios de comunicação de massa, são as


representações que ajudam a constituir a visão de mundo do indivíduo, o senso
de identidade e sexo, consumando estilos e modos de vida, bem como
pensamentos e ações sociopolíticas. (KELLNER, 2001, p. 82)

A ideologia é, pois, tanto um processo de representação, figuração, imagem e


retórica quanto um processo de discursos e ideias. Além disso, é por meio do
estabelecimento de um conjunto de representações que se fixa uma ideologia
política hegemônica, como a do conservadorismo da Nova Direita. (KELLNER,
2001, p. 82)

As representações, portanto, transcodificam os discursos políticos e, por sua


vez, mobilizam sentimentos, afeições, percepções e o assentimento a
determinadas posições políticas, tai como a necessidade de os guerreiros
masculinos protegerem e redimirem a sociedade. (KELLNER, 2001, p. 82)

As teorias críticas tentam contribuir para a prática, e a estudo cultural crítico


procura conferir poder aos indivíduos ao lhes dar ferramentas para criticaras
formas culturais, as imagens, as narrativas e os gêneros dominantes. Os
estudos feitos neste livro empenham-se, portanto, em ensinar como ler,
desconstruir, criticar e usar a cultura da mídia. (KELLNER, 2001, p. 82) – aqui
tá a questão da Análise Crítica do Discurso que os orientandos do Pablo usam.

Quando as pessoas aprendem a perceber o modo como a cultura da mídia


transmite representações opressivas de classe, raça, sexo, sexualidade, etc.
capazes de influenciar pensamentos comportamentos, são capazes de manter
uma distancia crítica em relação ás obras da cultura da mídia e assim adquirir
poder sobre a cultura em que vivem. Tal aquisição de poder pode ajudar a
promover um questionamento mais geral da organização da sociedade e ajudar
a induzir os indivíduos a participarem de movimentos políticos radicais que
lutem pela transformação social. (KELLNER, 2001, p. 83)

A ideologia, portanto, faz parte de um sistema de dominação que serve para


aumentar a opressão ao legitimar forças e instituições que reprimem e
oprimem. Em si mesma, constitui um sistema de abstrações e distinções cm
campos como sexo, raça e classe, de tal modo que constrói divisões
ideológicas entre homens e mulheres, entre as "classes melhores" e "as
classes mais baixas", entre brancos e negros, entre "nós" c "eles", etc. Constrói
divisões entre comportamento "próprio" e 'impróprio', enquanto erige em cada
um desses domínios uma hierarquia que justifique a dominação de um sexo,
uma raça e uma classe sobre os outros em virtude de sua alegada
superioridade ou da ordem natural das coisas. Por exemplo, diz-se que as
mulheres por natureza são passivas, domesticas, submissas, etc., e que seu
domínio é a esfera privada, o lar, enquanto a esfera pública é reservada aos
homens, supostamente mais ativos, racionais e dominadores. Diz-se com
frequência que os negros são preguiçosos, irracionais e burros, portanto
inferiores à raça branca dominante. (KELLNER, 2001, p. 84)

Esse modo de pensar sexista e racista baseia-se numa série de oposições


binárias que os estudos culturais críticos tentam subverter e solapar. Essas
oposições binárias da ideologia enraízam-se num sistema de antagonismos
entre forças desiguais e servem para legitimar os privilégios e a dominação dos
mais poderosos. (KELLNER, 2001, p. 84)

A "norma" da ideologia em geral é branca, masculina e da classe superior,


servindo para denegrir e dominar os não-brancos, as mulheres e os
trabalhadores. A entica da ideologia, porém, interroga as categorias brancura,
masculinidade, dominação de classe, heterossexualidade e outras formas de
poder e domínio que a ideologia legitima, mostrando o caráter de construto
social e de arbitrariedade de todas as categorias sociais e dó sistema binário
da ideologia. (KELLNER, 2001, p. 84)

Portanto, o feminismo e a crítica do racismo fazem parte integrante de um


estudo cultural multicultural. Nas operações ideológicas que produzem coisas
como sexismo, racismo e classismo, vemos a ação de uma abstração: são
ideologias que legitimam a superioridade dos homens sobre as mulheres ou do
capitalismo sobre outros sistemas sociais de tal forma que tentam justificar os
privilégios das classes ou dos estratos dominantes – tais; ideologias
capitalistas patriarcais e racistas abstraem as injustiças, as iniquidades e o
sofrimento causado pelo sistema capitalista racista e patriarcal como flagrantes
injustiças que representam o poder e a riqueza numa sociedade supostamente
igualitária e os sofrimentos dos grupos e dos indivíduos dominados.
(KELLNER, 2001, p. 84)

Um estudo cultural crítico e multicultural deve portanto, levar a cabo uma crítica
das abstrações, das reificações e da ideologia que siga os rastros dessas
categorias reificadas e dessas fronteiras até suas origens sociais, criticando
distorções, mistificações e falsificações aí presentes. Uma das funções da
cultura dá mídia dominante é conservar fronteiras e legitimar o domínio da
classe da raça e do sexo hegemônico. O marxismo, o feminismo e a teoria
multicultural, porém, perseguem uma crítica das fronteiras, atentando para o
sistema binário de oposições que estruturam os discursos ideológicos
classistas, sexistas, racistas e outros. Todas essas formas de teoria crítica são,
pois, andas na luta por uma sociedade mais humana, vendo na ideologia uma
forma de sustentação teórica dos sistemas de dominação. (KELLNER, 2001, p.
85)

O que está em jogo é o desenvolvimento de um estudo da cultura da mídia que


analise, em primeiro lugar, o modo como a cultura da mídia transcodifica as
posições dentro das lutas políticas existentes e, por sua vez, fornece
representações que, por meio de imagens, espetáculos, discursos, narrativas e
outras formas culturais, mobilizam o consentimento a determinadas posições
políticas. (KELLNER, 2001, p. 86)
SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo:
Edições Loyola, 2002. Capítulo 1: A textura da experiência (pp.
9-32). Capítulo 2: Mediação (pp. 33-43).

No entanto, um momento de televisão que servirá perfeitamente. Ele


representa o ordinário e o contínuo. Em sua unicidade, é absolutamente
típico — um elemento na constante mastigação da cultura cotidiana pela mídia;
seus significados dependem de saber se realmente o notamos, se ele nos toca,
choca, repugna ou atrai, enquanto entramos, atravessamos e saímos do
ambiente midiático cada vez mais insistente e intenso. (SILVERSTONE, 2002,
p. 12) - Sobre programas de TV que mostram pessoas comuns, marginalizadas
socialmente, travestis da TV, sensibilidade humana

E impossível escapar à presença, à representação da mídia. Passamos a


depender da mídia, tanto impressa como eletrônica, para fins de
entretenimento e informação, de conforto e segurança, para ver algum sentido
nas continuidades da experiência e também, de quando em quando, para as
intensidades da experiência. O funeral de Diana, Princesa de Gales, é um
exemplo característico. (SILVERSTONE, 2002, p. 12)

Quero mostrar que é por ser tão fundamental para nossa vida cotidiana que
devemos estudar a mídia. Estudá-la como dimensão social e cultural, mas
também política e econômica, do mundo moderno. Estudar sua onipresença e
sua complexidade. Estudá-la como algo que contribui para nossa variável
capacidade de compreender o mundo, de produzir e partilhar seus significados.
(SILVERSTONE, 2002, p. 13)

Quero mostrar que deveríamos estudar a mídia, nos termos de Isaiah Berlin,
como parte da "textura geral da experiência", expressão que toca a natureza
estabelecida da vida no mundo, aqueles aspectos da experiência que tratamos
como corriqueiros e que devem subsistir para vivermos e nos comunicarmos
uns com os outros. (SILVERSTONE, 2002, p. 13)

A mídia agora é parte da textura geral da experiência. Se incluíssemos a


linguagem como uma mídia, isso não mudaria e teríamos de tomar as
continuidades da fala, da escrita, da representação impressa e audiovisual
como indicadores do tipo de respostas que procuro para minha pergunta, pois
sem atenção às formas e aos conteúdos, às possibilidades da comunicação,
tanto dentro do tido-por-certo de nossas vidas cotidianas como contra ele, não
conseguiremos compreender essas vidas. Ponto. (SILVERSTONE, 2002, p. 13)

Há outras metáforas nas tentativas de compreender o papel da mídia na cultura


contemporânea. Já pensamos nela como condutos, que oferecem rotas mais
ou menos imperturbadas da mensagem à mente; podemos pensar nela como
linguagens, que fornecem textos e representações para interpretação; ou
podemos abordá-la como ambientes, que nos abraçam na intensidade de uma
cultura midiática, saciando, contendo e desafiando sucessivamente.
(SILVERSTONE, 2002, p. 15)
Marshail McLuhan vê a mídia como extensões do homem, como próteses, que
aumentam o poder e a influência, mas que talvez (e é provável que ele tenha
pensado assim) tanto nos incapacitam como nos capacitam, enquanto nós,
objetos e sujeitos da mídia, nos enredamos mais e mais no profilaticamente
social. (SILVERSTONE, 2002, p. 15)

De fato, podemos pensar na mídia como profilaticamente social na medida em


que eia se tornou sucedâneo das incertezas usuais da interação cotidiana,
gerando infinita e insidiosamente os como se da vida cotidiana e criando cada
vez mais defesas contra as intrusões do indesejável e do ingovernável.
(SILVERSTONE, 2002, p. 16)

Entender a mídia como um processo — e reconhecer que o processo é


fundamental e eternamente social — é insistir na mídia como historicamente
específica. A mídia está mudando, já mudou, radicalmente. O século XX viu o
telefone, o cinema, o rádio, a televisão se tornarem objetos de consumo de
massa, mas também instrumentos essenciais para a vida cotidiana.
Enfrentamos agora o fantasma de mais uma intensificação da cultura midiática
pelo crescimento global da Internet e pela promessa (alguns diriam ameaça) de
um mundo interativo em que tudo e todos podem ser acessados,
instantaneamente. (SILVERSTONE, 2002, p. 17)

Entender a mídia como processo também implica um reconhecimento de que


ele é fundamentalmente político ou talvez, mais estritamente, politicamente
econômico. Os significados oferecidos e produzidos pelas várias comunicações
que inundam nossa vida cotidiana saíram de instituições cada vez mais globais
em seu alcance e em suas sensibilidades e insensibilidades. (SILVERSTONE,
2002, p. 17)

As instituições não produzem significados. Elas os oferecem. As instituições


não apresentam uma mudança uniforme. Elas têm ciclos de vida diversos e
histórias diferentes. (SILVERSTONE, 2002, p. 18)

A pesquisa na mídia muitas vezes preferiu o signi- ficante, o evento, a crise,


como fundamento de sua investigação. Já olhamos as perturbadoras imagens
de violência e de exploração sexual e tentamos avaliar seus efeitos. Focamos
os eventos-chave da mídia, como a Guerra do Golfo, ou os desastres, tanto os
naturais como os causados pelo homem, a fim de explicar o papel da mídia no
controle da realidade ou no exercício do poder. (...) Mas uma atenção contínua
ao excepcional provoca interpretações errôneas inevitáveis. Pois a mídia é, se
nada mais, cotidiana, uma presença constante em nossa vida diária, enquanto
ligamos e desligamos, indo de um espaço, de uma conexão midiá- tica, para
outro. Do rádio para o jornal, para o telefone. Da televisão para o aparelho de
som, para a Internet. Em público e privadamente, sozinhos e com os outros.
(SILVERSTONE, 2002, p. 20)

É no mundo mundano que a mídia opera de maneira mais significativa. Ela


filtra e molda realidades cotidianas, por meio de suas representações
singulares e múltiplas, fornecendo critérios, referências para a condução da
vida diária, para a produção e a manutenção do senso comum.
(SILVERSTONE, 2002, p. 20)

E é aqui, no que passa por senso comum, que devemos fundamentar o estudo
da mídia. Para poder pensar que a vida que levamos é uma realização
contínua, que requer nossa participação ativa, embora muitas vezes em
circunstâncias que nos permitem pouca ou nenhuma escolha e nas quais o
melhor a fazer é simplesmente "arranjar-se". (SILVERSTONE, 2002, p. 20)

O senso comum, obviamente nem singular nem in- conteste, é por onde
devemos começar. O senso comum, tanto expressão como precondição da
experiência. O senso comum, compartilhado ou ao menos compartilhável e
medida, muitas vezes invisível, de quase todas as coisas. (SILVERSTONE,
2002, p. 21)

A mídia depende do senso comum. Ela o reproduz, recorre a ele, mas também
o explora e distorce. (SILVERSTONE, 2002, p. 21)

A mídia é essencial a esse projeto reflexivo não só nas narrativas socialmente


conscientes da novela, no talk show vespertino ou no programa de rádio com
participação do ouvinte, mas também nos programas de notícias e atualidades,
e na publicidade; como que através das lentes múltiplas dos textos escritos,
dos audiotextos e dos textos audiovisuais, o mundo é apresentado e
representado: repetida e interminavelmente. (SILVERSTONE, 2002, p. 21)

(...) o tempo —, e isso agora é um lugar-comum na teoria pós-moderna — já


não é o que era. Não mais uma série de pontos, não mais claramente
demarcado por distinções de passado, presente e futuro, não mais singular,
compartilhado, resistente. (SILVERSTONE, 2002, p. 22)

No entanto, a mídia tem de responder por muita coisa, especialmente a última


geração da mídia computadorizada, pois enquanto a radiodifusão foi sempre
baseada no tempo, mesmo que o conteúdo dos programas não o fosse, o jogo
de computador é infinito e a Internet, imediata. (SILVERSTONE, 2002, p. 23)

Ligar a televisão ou abrir um jornal na privacidade de nossa sala é envolver-se


num ato de transcendência espacial: um local físico identificável — o lar —
defronta e abarca o globo. Mas tal ação, ler ou ver, possui outros referentes
espaciais. Ela nos liga aos outros, a nossos vizinhos, conhecidos e
desconhecidos, que estão simultaneamente fazendo a mesma coisa.
(SILVERSTONE, 2002, p. 24)

Nossa jornada diária implica movimento pelos diferentes espaços midiáticos e


para dentro e fora do espaço da mídia. A mídia nos oferece estruturas para o
dia, pontos de referência, pontos de parada, pontos para o olhar de relance e
para a contemplação, pontos de engajamento e oportunidades de
desengajamento. (SILVERSTONE, 2002, p. 24)

Fragmentados peia atenção e peia desatenção. Nossa entrada no espaço


midiático é, ao mesmo tempo, uma transição do cotidiano para o liminar e uma
apropriação do liminar pelo cotidiano. A mídia é do cotidiano e ao mesmo
tempo uma alternativa a ele. (SILVERSTONE, 2002, p. 24)

0 que estou dizendo difere um pouco do que Manuel Castells (1996, pp.
376ss.) identifica como o "espaço de fluxos". Para Castells, o espaço de fluxos
sinaliza as redes eletrônicas, mas também as físicas, que fornecem a dinâmica
grade de comunicação ao longo da qual a informação, os bens e as pessoas se
movem incessantemente em nossa era da informação emergente.
(SILVERSTONE, 2002, p. 25)

A nova sociedade é construída em seu movimento, em seu eterno fluxo. O


espaço fica instável, deslocado das vidas que são levadas em espaços reais,
embora em alguns sentidos ainda delas. Meu ponto de partida, ao reconhecer
essa abstração, prefere contudo fundamentar um senso de fluxo do que
Castells chama "a era da informação" nos traslados dentro e através da
experiência, pois é aí que eles ocorrem: como sentidos, conhecidos e, às
vezes, temidos. Nós também nos movemos em espaços midiáticos, tanto na
realidade como na imaginação, tanto material como simbolicamente.
(SILVERSTONE, 2002, p. 25)

Estudar a mídia é estudar esses movimentos no espaço e no tempo e suas


inter-relações e talvez também, como consequência, descobrir-se pouco
convencido pelos profetas de uma nova era e por sua uniformidade e seus
benefícios. (SILVERSTONE, 2002, p. 25)

Abordar a experiência da mídia, assim como sua contribuição para a


experiência, e insistir que isso é um empreendimento tão empírico como teórico
são coisas mais fáceis de dizer do que fazer, pois, em primeiro lugar, nossa
pergunta exige de nós investigar o papel da mídia na formação da experiência
e, vice-versa, o papel da experiência na formação da mídia. Em segundo,
porque exige de nós entrar mais fundo no exame do que constitui a experiência
e sua composição. (SILVERSTONE, 2002, p. 27)

A experiência é moldada, ordenada e interrompida. É moldada por atividades e


experiências prévias. E ordenada de acordo com normas e classificações que
resistem à prova do tempo e do social. É interrompida pelo inesperado, pelo
não preparado, pelo incidente, pela catástrofe, por sua própria vulnerabilidade,
por sua inevitável e trágica falta de coerência. Expressamos a experiência em
ações e agimos sobre ela. (SILVERSTONE, 2002, p. 28)

E os corpos vão além do físico. A experiência não se resume nem ao senso


comum, nem à performance corporal. Tampouco se encerra na simples
reflexão sobre sua capacidade de ordenar e ser ordenada. Pois, borbulhando
sob a superfície da experiência, perturbando a tranquilidade e fraturando a
subjetividade, está o inconsciente. Nenhuma análise da mídia pode ignorá-lo,
tampouco as teorias que o abordam. Passemos então à psicanálise.
(SILVERSTONE, 2002, p. 29)

A psicanálise é um grande problema de várias maneiras. Ela oferece, talvez


bastante à força, uma maneira de abordar o perturbador e o não-racional. Ela
nos força a encarar a fantasia, o misterioso, o desejo, a perversão, a obsessão:
os chamados problemas do cotidiano, que tanto são representados como
reprimidos em textos midiáticos de um tipo ou de outro e esgarçam o delicado
tecido do que normalmente se considera racional e normal na sociedade
moderna. (SILVERSTONE, 2002, p. 29)

Se formos estudar a mídia, teremos de encarar o papel do inconsciente na


constituição, como também no questionamento, da experiência. Do mesmo
modo, se formos responder à pergunta sobre por que estudar a mídia, parte de
nossa resposta será porque o inconsciente oferece uma via, se não uma via
privilegiada, para dentro dos territórios ocultos da mente e do significado.
(SILVERSTONE, 2002, p. 30)

A experiência, tanto a mediada como a da mídia, surge na interface do corpo e


da psique. Ela, claro, se exprime no social e nos discursos, na fala e nas
histórias da vida cotidiana, em que o social está sendo constantemente
reproduzido. (SILVERSTONE, 2002, p. 30)

Nossas histórias, nossas conversas estão presentes tanto nas narrativas


formais da mídia, na reportagem factual e na representação ficcional como em
nossos contos do dia-a-dia: a fofoca, os boatos e interações casuais (...).
(SILVERSTONE, 2002, p. 30)

Por conseguinte, na medida em que a mídia é, como argumentei, essencial a


esse processo de fazer distinções e juízos; na medida em que ela,
precisamente, medeia a dialética entre a classificação que forma a experiência
e a experiência que dá colorido à classificação, precisamos investigar as
consequências de tal mediação. Temos de estudar a mídia. (SILVERSTONE,
2002, p. 32)

Capítulo 2: Mediação

Comecei a dizer que devemos pensar na mídia como um processo, um


processo de mediação. Para tanto, é necessário perceber que a mídia se
estende para além do ponto de contato entre os textos midiáticos e seus
leitores ou espectadores. E necessário considerar que eia envolve os
produtores e consumidores de mídia numa atividade mais ou menos contínua
de engajamento e desengajamento com significados que têm sua fonte ou seu
foco nos textos mediados, mas que dilatam a experiência e são avaliados à sua
luz numa infinidade de maneiras. (SILVERSTONE, 2002, p. 33)

A circulação de significado, que é a mediação, é mais do que um fluxo em dois


estágios — do programa transmitido via líderes de opinião para as pessoas na
rua —, como Katz e Lazarsfeld (1955) defenderam em seu estudo seminat,
embora ela apresente estágios e realmente flua. Os significados mediados
circulam em textos primários e secundários, através de intertextualidades
infindáveis, na paródia e no pastiche, no constante repfay e nos intermináveis
discursos, na tela e fora dela, em que nós, como produtores e consumidores,
agimos e interagimos, urgentemente procurando compreender o mundo, o
mundo da mídia, o mundo mediado, o mundo da mediação. (SILVERSTONE,
2002, p. 34)

Essa inclusividade na mídia, nossa forçada participação com ela, é duplamente


problemática. E difícil desvendar, encontrar uma origem, construir uma
explicação do poder da mídia, por exemplo. É difícil, provavelmente impossível,
para nós, analistas, sair da cultura da mídia, da cultura de nossa mídia. Com
efeito, nossos próprios textos, como analistas, são parte do processo de
mediação. Aqui, somos como linguistas tentando analisar sua própria língua.
Oe dentro, mas também de fora. (SILVERSTONE, 2002, p. 34)

Mais porque a mediação rompe os limites do textual e oferece descrições da


realidade, assim como da textualidade. E tanto vertical como horizontal,
dependente dos constantes deslocamentos de significados através do espaço
tridimensional e até mesmo quadridimensional. (SILVERSTONE, 2002, p. 36)

Os significados mediados movem-se entre textos certamente, e através do


tempo. Mas também se movem através do espaço, e de espaços. Eles se
movem do público para o privado, do institucional para o individual, do
globalizador para o local e o pessoal, e vice-versa. (SILVERSTONE, 2002, p.
36)

(...) a mediação é menos do que a tradução precisamente na medida em que é


o produto do trabalho institucional e técnico com palavras e imagens, e o
produto também de um engajamento com os significados informes de eventos
ou fantasias. (SILVERSTONE, 2002, p. 38)

Nossa preocupação com a mediação como um processo é, portanto, essencial


à questão de saber por que devemos estudar a mídia: a necessidade de focar
no movimento dos significados através dos limiares da representação e da
experiência. (SILVERSTONE, 2002, p. 42)

Precisamos compreender esse processo de mediação, compreender como


surgem os significados, onde e com que consequências. Precisamos ser
capazes de identificar os momentos em que o processo parece falhar, em que
é distorcido pela tecnologia ou de propósito. Precisamos compreender sua
política: sua vulnerabilidade ao exercício do poder; sua dependência do
trabalho de instituições e de indivíduos; e seu próprio poder de persuadir e de
reclamar atenção e resposta. (SILVERSTONE, 2002, p. 43)

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