Anais SIPS - FINAL
Anais SIPS - FINAL
Anais SIPS - FINAL
VII SIPS
VII SEMINÁRIO
INTERNACIONAL
DE POLÍTICA
SOCIAL
ANAIS
2024
ANAIS DE TRABALHOS COMPLETOS
ISSN 2527-1490
Realização
Programa de Pós-Graduação em Política Social - PPGPS
Da Universidade de Brasília
Brasília, 03 a 05 de julho de 2024
ORGANIZAÇÃO APOIOS
FICHA TÉCNICA
Título:
Anais do VII Seminário Internacional de Política Social: Desafios para a Política Social e a
Democracia no Capitalismo Tardio: tecnologia, corporações, desinformação e o avanço da direita.
Organizadores
Edição:
Realização
Informações
https://sips.unb.br/
Como citar
Coordenação Geral:
Camila Potyara Pereira (2022-2023)
Silvia Cristina Yannoulas (2023-2024)
Comissão Organizadora:
Docentes do PPGPS:
Hayeska Costa Barroso
Kênia Augusta Figueiredo
Liliam dos Reis Souza Santos
Maria Elaene Rodrigues Alves
Michelly Ferreira Monteiro Elias
Miriam de Souza Leão Albuquerque
Reginaldo Ghiraldelli
Thais Kristosch Imperatori.
DIA: 03/JULHO
8h às 12h: Credenciamento
Coordenação geral do credenciamento: Profª. Thaís Kristosch Imperatori e Sra. Domingas Carneiro
(UnB/Brasil).
Palestrantes:
Prof. Dr. Deivison Faustino (Unifesp/Brasil)
Profª. Dra. Jodi Dean (NY/EUA)
Coordenação de Mesa: Profª. Camila Potyara Pereira (UnB/Brasil)
Coordenação geral dos trabalhos: Comitê Científico (Prof. Evilasio Salvador, Prof. Cristiano Guedes,
Profa. Janaína Duarte e Prof. Newton Gomes Júnior - UnB/Brasil).
Palestrantes:
Prof. Dr. Marcos Dantas (UFRJ/Brasil)
Jornalista Ramenia Vieira (Intervozes/Brasil)
Coordenação de Mesa: Profª. Kênia Figueiredo (UnB/Brasil)
DIA 05/JULHO
14h30 às 17h30: Mesa 3: Estado, Lutas Sociais e Soberania Política no contexto do avanço das direitas
Palestrantes:
Profª. Dra. Ana Elizabete Mota (UFPE/Brasil)
Prof. Dr. Flávio Casimiro (Instituto Federal Sul Minas)
Coordenação de Mesa: Profª. Liliam Reis (UnB/Brasil)
Palestrantes:
Representante da Diretoria da Abepss, Profa. Leila Passos (UFCE/Brasil)
Representante da Área 32 na Capes, Profa. Mônica Senna (UFF/Brasil)
Coordenação da Mesa: Prof. Reginaldo Ghiraldelli (UnB/Brasil)
PROGRAMAÇÃO DOS MINICURSOS
MINICURSO 1
MINICURSO 2
MINICURSO 3
Palestrantes:
O CIDADÃO E O USUÁRIO: reflexões acerca da participação social nas Políticas Sociais ������������� 59
Verônica Moreira Oliveira
O SERVIÇO SOCIAL NA EDUCAÇÃO: a questão social e suas expressões no âmbito escolar������� 178
Cristiane Pereira Barbosa Almeida; Josenice Ferreira dos Santos Araújo
MULHERES TRANS E TRAVESTIS EM SITUAÇÃO DE RUA NO DF: uma análise da violação de direitos
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Maria Cecília Minora Vasconcelos ; Luiza Sousa de Carvalho
DOCENTES NEGRAS NO ENSINO SUPERIOR: reflexões a partir da lei 12.990/2014 ������������������� 369
Dyana Helena de Souza
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
Este cenário, que reflete o contexto das primeiras intervenções do Estado, elucida a posição
privilegiada do capital em relação às políticas de saúde desde sua gênese. Este padrão tem se
reproduzido ao longo da formação sócio-histórica do Brasil e, na contemporaneidade, apesar das
novas nuances impostas sobre a conjunta sócio-política, se mantém. Nesse sentido, abordar o
orçamento da saúde pública do Brasil exige o esforço teórico e metodológico de situá-la enquanto
resultado das relações sociais capitalistas estabelecidas no curso da realidade e, portanto, obedece
aos movimentos inerentes ao modo de produção vigente.
Este artigo possui por intuito analisar o orçamento da política de saúde na pandemia de
Covid-19 através da demonstração de dados orçamentários que compreendem o período de
vigência da pandemia no Brasil. Para tanto, foi realizado, preliminarmente, pesquisa bibliográfica
a respeito do Neoliberalismo, seu vínculo com a saúde e os reflexos sobre o financiamento do SUS.
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Posteriormente são apresentados os dados quantitativos referentes ao orçamento de saúde no
Brasil durante a pandemia de Covid-19.
A nova fase de acumulação do capital, impulsionada pela crise capitalista da década de 1970,
trouxe consigo métodos de produção flexíveis, com alterações no padrão de trabalho desenvolvido
que, a partir de então, passa a contar com níveis cada vez maiores de exploração da força de trabalho.
A entrada desses ditames nos Estados-nacionais exigiu dos governos a adoção de reformas que
pudessem reestruturar as instituições e o arcabouço econômico dos países.
No caso do Brasil, essas modificações passaram a ser operadas a partir da Reforma do Estado,
em 1995, responsável por modificar as formas de intervenção estatal sobre vários aspectos da
realidade brasileira, neles inseridos as políticas sociais. Nesse sentido, o direcionamento do Estado
passou a se basear no incentivo à iniciativa privada, ao tempo em que as expressões da questão
social passaram a ser tratadas de maneira focalizada, seletiva, e com orçamentos cada vez menores.
No caso da saúde, o reconhecimento do Estado como responsável pela prestação das ações
e serviços de maneira gratuita, universal e integral foi concretizado pelas lutas empenhadas por
trabalhadores da saúde e movimentos sociais desde a década de 1980. Esses segmentos, que juntos
reivindicaram uma Reforma Sanitária no Brasil, foram decisivos no processo de institucionalização
da saúde, influenciando na determinação dos princípios e diretrizes que hoje subsidiam o SUS,
sobretudo, através das conclusões oriundas da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Segundo Paim
(1997, p. 14),
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tornar os serviços públicos mais eficientes justificou a aproximação da esfera pública com a iniciativa
privada e, consequentemente, com os interesses de mercado. No âmbito da saúde isso refletiu de
diversas formas.
Além disso, a própria precarização do trabalho, típica das políticas neoliberais, tem oferecido
aos trabalhadores de saúde desafios cotidianos. As condições de trabalho degradantes aliadas às
crescentes demandas por atendimento dificultam a viabilização do acesso universal, favorecendo a
institucionalização de ações seletivas e focalizadas. Todas essas medidas correspondem a estratégias
utilizadas para buscar reduzir o financiamento na saúde pública do Brasil.
Este contexto envolve ainda a reorientação de prioridades de intervenção por parte do Estado
que passou a conduzir os investimentos públicos a setores considerados benéficos à potencialização
da economia. Diante disso, as políticas sociais não foram situadas enquanto espaço privilegiado de
intervenção, tendo sua gestão e execução destinada, primordialmente, para instâncias do Terceiro
Setor, em um cenário crescente de refilantropização da questão social.
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diferente do que havia até então, não há unicamente os baixos investimentos em saúde, típicos
do subfinanciamento. Com a referida EC e a consequente aprovação do Novo Regime Fiscal (NRF),
a situação foi agravada e os gastos com saúde passaram a entrar em constante declínio devido aos
investimentos que deixaram de corresponder aos níveis inflacionários.
Tendo em vista que em 2020, momento em que foi deflagrada a crise sanitária causada
pela pandemia de Covid – 19, tais medidas refletiram sobre o SUS, o orçamento para as ações de
enfrentamento à saúde foi duramente impactado e, consequentemente, carece de análise à parte.
A política adotada pelo Governo Bolsonaro ganhou destaque pelo negacionismo em relação
a pandemia de Covid-19, a minimização da letalidade da doença, a incitação ao descumprimento das
medidas de isolamento social, orientadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a divulgação
de medicamentos ineficazes para o tratamento – recorde-se do chamado “Kit-Covid”, entre outros.
Nesse cenário, ao fim da pandemia o Brasil apresentou-se como o segundo país com o maior número
de mortes absolutas em decorrência da Covid-19 – ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
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representaram, respectivamente 0,32 e 0,08%. Nesse panorama, durante a pandemia de Covid-19
ocorreu um aumento dos recursos destinados à vigilância epidemiológica, em termos percentuais,
em 2020 e 2021 foram investidos respectivamente 6,2 e 11% nessa subfunção – o que em termos
reais representou um salto de R$ 10,56 para R$ 19,56 bilhões (considerando os valores pagos e o
resto a pagar – pago, atualizados pelo IPCA).
2 O “orçamento de guerra” foi aprovado na EC 106/2020 que decretou o estado de calamidade pública em
razão da pandemia, permitindo a adoção de um regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações. Assim, a EC
106/2020 estabeleceu que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) não incidisse sobre o orçamento Covid-19.
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Gráfico 02 - Orçamento da política de saúde e subtraído o Orçamento Covid-19 (em bilhões/
R$, valores atualizados pelo IPCA – dez/2023)
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Gráfico 03 – Variação de crescimento do orçamento da política de saúde – subtraídos os dados do
orçamento Covid-19 (%, 2013-2023)
Ao revés dos interesses golpistas, ainda em 2022, a equipe de transição do governo Lula
conseguiu construir alianças para transição de governo. Dentre os feitos da equipe de transição,
merece destaque a aprovação da PEC da transição (PEC nº 32/2022) que flexibilizou o teto dos
gastos em 2023, garantindo a retomada dos investimentos públicos, especialmente no âmbito das
políticas sociais.
Contudo, a aprovação da PEC da transição foi condicionada a apresentação de uma nova
proposta de ajuste fiscal direcionada ao controle dos gastos públicos. A proposta nomeada de Novo
Arcabouço Fiscal (NAF) foi apresentada pela equipe econômica do novo governo Lula, liderada
pelo ministro da fazenda Fernando Haddad, por meio do Projeto de Lei Complementar 93/2023
transformado na Lei Complementar (LC) nº 200/2023. É importante observar que repetindo o rito
das medidas de controle dos gastos públicos que a antecederam, não houve nenhum debate político
com os movimentos sociais sobre a proposta apresentada pelo governo.
Salvador (2023) destaca que sob a lógica do NAF as despesas primárias ficam limitadas ao
percentual do crescimento real apurado a partir do resultado das receitas primárias. Desse modo, na
hipótese de alcance da meta de resultado primário: as despesas primárias podem ser reajustadas,
de forma positiva, no limite de 70% do incremento real da arrecadação do exercício anterior.
Caso o governo não alcance a meta, o limite de investimento caí para 50% do incremento
real da arrecadação do ano anterior. De modo geral, o NAF estabelece um limite para o crescimento
real das despesas primárias que não poderá ser inferior a 0,6% e nem superior a 2,5%, ao ano. Dessa
forma, o NAF visa aumentar o superávit primário direcionado ao pagamento do serviço da dívida
pública, pois, o crescimento dos gastos primários precisa ser inferior ao crescimento das receitas
primárias, conforme estabelecido. No contexto estabelecido a partir do NAF, o orçamento da
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política de saúde tende a continuar sendo apropriado e direcionado para o pagamento das despesas
financeiras, tal qual o pagamento da dívida pública.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
GENTIL, D. L. A política fiscal e a falsa crise da seguridade social brasileira: uma história de
desconstruções e saques. Rio de Janeiro: MauaX, 2019
SALVADOR, E. As origens suspeitas do “arcabouço fiscal”. São Paulo: Outras palavras – internet,
02 de mai. de 2023. Disponível em: <https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/as-origens-
suspeitas-do-arcabouco-fiscal/> Acesso em: 26 de mar. De 2024.
PAIM, J. S. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica. Rio de Janeiro:
FIOCRUZ, 2008.
BRAVO, Maria Inês Souza. Política de Saúde no Brasil. In: MOTA, Ana Elizabete et al. Serviço social e
saúde: formação e trabalho profissional. Rio de Janeiro: Cortez, 2006.
PAIM, J. S. Bases conceituais da reforma sanitária brasileira. In: FLEURY, S. (Org.). Saúde e democracia:
a luta do Cebes. São Paulo: Lemos, 1997.
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NEOLIBERALISMO-FINANCEIRIZADO E A RESSIGNIFICAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS:
as particularidades do Brasil.
RESUMO
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Os planos de desenvolvimento econômico contribuíram para o aprofundamento da
dependência e surgimento das primeiras fases da financeirização da economia permitindo que o
capital financeiro adquirisse capital político suficiente para comandar o modelo de desenvolvimento
nacional e o modelo de regulação que advém do tipo da economia-política aplicada. Estabelece-se
a centralidade do capital financeiro e amplia-se o seu domínio sobre o capital produtivo, a produção
de mercadorias e as relações que circundam o consumo, fato que implica em graves consequências
para o conjunto da classe trabalhadora.
Para Salm (2005), há uma incompatibilidade mundial entre a política econômica e a criação
e expansão de postos de trabalho; porém, nos países dependentes que não experimentaram o
pleno emprego e, tampouco um Estado Social, essa incompatibilidade é aprofundada. A situação
nas economias dependentes que já possuem um quadro de desemprego e subemprego crônico
tem suas proporções agravadas: as transformações tanto no mundo do trabalho quanto das
oportunidades ocupacionais são deletérias, dada a impossibilidade da inversão do quadro crônico
e de seu agravamento.
O Brasil chega aos anos 2000 como terra arrasada socialmente, pois, no fim dos anos de
1980 e início dos anos de 1990, para além do modelo de desenvolvimento econômico- social,
denominado de neoliberalismo, implanta-se no país uma forma de desenvolvimento pautado numa
política de choque que tem em sua essência o fim dos padrões mínimos de solidariedade social e o
fim das funções obrigatórias do Estado no cumprimento da proteção social.
Granemann (2020, p. 52) argumenta que a burguesia e seus governos entoam diuturnamente
um cântico devocional que captura as consciências e, esse cântico carregado de argumentos e
ideologias sofisticadas ecoam incansavelmente “e repetidamente a impossibilidade de coexistência
de empregos e direitos sociais e, por meio de publicações de alcance mundial, testemunham as
reduções de postos de trabalho”. Trata-se de uma expressa chantagem das burguesias nacionais
à classe trabalhadora, de modo que os trabalhadores fiquem incapacitados de reação e, grande
parte desses trabalhadores, através da ideologia sofisticada do capital e suas mistificações exitosas,
faz com que esses indivíduos acreditem que o desemprego é de estrita responsabilidade de si.
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Wanderlei Guilherme dos Santos (1987) considera as políticas sociais do período neoliberal
de caráter financeirizado como aquelas que ordenam as “escolhas trágicas”. Portanto, o modelo
de política social escolhido, e do tipo ideal para as economias periférico- dependentes, torna-se
uma tragédia ao passo que se revela como política “tirânica”, porque a escolha “de um princípio de
justiça, consistente e coerente, cuja superioridade em relação a outros princípios (...)” seja superior
a qualquer outro princípio, e nas políticas de cunho neoliberal, o que prevalece é o princípio da
elevação da taxa de lucro. São políticas tirânicas porque “impõe privações severas” enquanto há
alternativas que “não imporiam severas privações a ninguém” (Santos, 1987, p. 37)
Para Chesnais (2005), o sistema das finanças como dinâmica principal e norma geral não
possui a finalidade de elevar a capacidade produtiva ou a produção, mas tem como principal
fundamento a valorização do capital fictício, dos ativos: as transações nas bolsas de valores dão o
tom e se impõem ao sistema produtivo. Com isso, o mercado de ações ganha poder suficiente para
colocar na pauta do dia os interesses da burguesia imperialista financeira e determinar as decisões
das empresas e grandes corporações. Da dominação empreendida nas decisões da produção,
ocorre uma nova mudança que merece destaque: a deslocalização dos oligopólios internacionais e
a fragmentação das cadeias produtivas, forçando uma nova divisão internacional do trabalho com
destaque para a ascensão da economia chinesa.
Nesta contradição visualiza-se, além da incapacidade do atraso que funda as bases de sua
própria derrota, a regulação estatal da economia e de suas estruturas no interior de seus limites
nacionais, ou seja, uma desigualdade interna e, também, entre os países imperialistas e a periferia.
Para ultrapassar as cadeias e limites historicamente impostos a periferia, é preciso que se construa
novas condições históricas para suplantar e transformá-la em seu oposto, mudar o curso do
desenvolvimento.
Podemos falar que no Brasil, pelo menos a partir dos anos de 1990, há uma hegemonia
deste capital neoliberal-financeirizado, nos termos gramsciniano, isto, porque, percebe-se que
as instituições que compõe a estrutura do Estado são permissivamente dóceis e operam como
empregadas do capital a fim de assegurar a reprodução do capital financeirizado pelas vias da
formatação e organização da política econômica. É o Estado sendo o garantidor de sua efetivação,
independente do matiz ideológico do partido que esteja a frente do executivo federa.
A “nova” orientação das ações do Estado definiu como sociedade o conjunto de sujeitos
amontoados que por interesses individuais se realizam enquanto homens. Toda e qualquer ação
que possibilite aos sujeitos despertarem para o coletivo enquanto sujeitos múltiplos e diversos que
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tenham o mesmo horizonte de proteção social e direito tem que ser interrompidas, uma vez que
a “liberdade” de escolhas e os interesses pessoais são invioláveis. “Assim a saúde, a educação, a
alimentação, o trabalho, os salários perdem sua condição de direitos - constitutivos de sujeitos
coletivos – e passam a ser recursos (ou mercadorias) regulados unicamente pelo mercado” (Soares,
2000, p. 73).
Para tanto, a burguesia nacional subsidiada pelo ideário liberal e orientada pelo capital
internacional, propôs três pontos fundamentais como solução de um problema inexistente, mas por
ela criado como forma de manipular o imaginário social, vejamos: 1) a prioridade governamental no
pagamento da dívida pública utilizando-se do fundo público para sinalizar ao capital internacional e
seus investidores certa estabilidade econômica; 2) a prestação dos serviços públicos compartilhada
com o terceiro setor, voluntariado, sociedade civil organizada e parcerias público-privadas (PPP),
desonerando o Estado de suas obrigações de financiamento; 3) Adequação das políticas que
compõe o sistema de seguridade social através do caminho da financeiriação, uma maneira que
permite reconfigurar o sistema de seguridade e garantir a prestação dos serviços e ações públicas
para proteção dos mais pobres que necessitam do socorro estatal (Brettas, 2017).
Mota (et al, 2010), afirma que o quadro de ajustes econômicos nos países centrais, mas
principalmente nos países de economia dependente-periférica, foi intenso e que as investidas do
grande capital e dos organismos internacionais redirecionaram e ressignificaram a ideia de proteção
social. A autora destaca as tendências de “regressão das políticas redistributivas” em prol de
“políticas compensatórias de combate à pobreza”, “processo este que se deu concomitantemente
à expansão dos programas sociais de exceção, voltados para o cidadão-pobre, com renda abaixo
da que é definida como linha da pobreza. (Mota et al, 2010, p. 182).
Segundo Pereira (2010), as políticas sociais seguem três diretrizes que se dão
concomitantemente: 1) as políticas sociais deixaram de ser pensadas como insumo essencial
para a reprodução dos trabalhadores; 2) Perderam o sentido universalizador da proteção para
se tornaram políticas que evitassem uma maior deterioração da condição de vida dos mais pobres
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e miseráveis, sem caráter de direito, mas de cunho assistencialista e; 3) as políticas sociais foram
redefinidas como instrumento transitório, pondo fim a alguns programas, projetos e serviços por
serem considerados desnecessários, uma vez que os programas sociais passaram a ter “portas de
saída”.
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locais e regionais retirando o precariado do subconsumo e dando a ele novo status.
Por fim, frente a derruição dos direitos sociais, crescente desemprego e informalidade,
flexibilização dos direitos trabalhistas, e aumento exponencial da dívida pública, é preciso resgatar
e fortalecer junto à classe trabalhadora o papel primordial que as políticas sociais possuem na
garantia da reprodução social dos trabalhadores nesta sociabilidade. Devemos recuperar o
conceito mais amplo de cidadania plena: como autonomia crítica para os sujeitos atualizem suas
potencialidades de realização humana em cada tempo histórico (Coutinho, 1999), saúde plena e
capacidade de agencia. E recuperar também o conceito de política social não limitada a uma ideia
setorial, “ao minimalismo das práticas locais “bem-sucedidas”, ou ao reducionismo econômico e,
sobretudo, de uma política social que não se submeta a uma supostamente necessária cronologia:
estabilização – crescimento econômico – redistribuição” (Soares, 2000, p. 91).
REFERÊNCIAS
MOTA, A. E. A seguridade social em tempo de crise. In: Cultura da crise e seguridade social: um
estudo sobre as tendências da previdência e da assistência social brasileira nos anos 80 e 90. São
Paulo: Cortez, 1995.
PAULANI, L. M. Não há saída sem a reversão da financeirização. Estudos Avançados, vol. 31, n. 89,
28
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2017.
O Banco Mundial e a construção político-intelectual do combate à pobreza. Topoy, v. 11, n. 21, jul.
- dez. 2012, pp. 260 – 282.
SANTOS, W. G. do. A Trágica Condição da Política Social. In: ABRANCHES, Sérgio Henrique; SANTOS,
W. G. dos.; COIMBRA, M. A. Política social e combate a pobreza. Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro,
1987.
SOARES, L. T. Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina. São Paulo, Cortez, 2000.
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TRIBUTAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E DESIGUALDADE:
uma análise da realidade brasileira
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
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2. O PAPEL ESTRUTURAL DO FUNDO PÚBLICO NO CAPITALISMO FINANCEIRO E AS
POLÍTICAS SOCIAIS
O mundo da chamada economia globalizada tem sido marcado por uma série de crises
financeiras (SALVADOR, 2010). A fragilidade sistêmica dessas crises, conforme apontado por
Chesnais (2002), reside na extensão significativa do crédito baseado na produção futura que os
detentores de ativos financeiros buscam, juntamente com as expectativas em relação aos retornos
de suas aplicações financeiras. Em um cenário de estagnação do crescimento econômico, as crises
do sistema capitalista, originadas da intensa especulação se tornam cada vez mais inevitáveis,
tendo em vista os limites do sistema em si.
Além disso, certas estruturas estatais passam a ser subjugadas pelos interesses dessa elite
portadora do capital, transformando o Brasil em um típico exemplo de regime fisco-financeiro, no
qual as finanças públicas se encontram inteiramente subordinadas às privadas. Como resultado, o
desenvolvimento das capacidades produtivas e a busca por uma distribuição equitativa se tornam
tarefas ilusórias, levando a uma concentração de renda em detrimento do trabalho e à ampliação
das desigualdades sociais, culminando em períodos recessivos.
Behring (2021), por sua vez, conceitua o fundo público como uma composição de mais-valia
e trabalho necessário, pois o Estado necessita apropriar-se de uma parte substancial da mais-valia
para assegurar as condições de reprodução e produção capitalista. Uma vez que uma das principais
maneiras de materialização do fundo público ocorre pela extração de recursos da sociedade sob
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a forma de impostos, contribuições e taxas, a partir da mais-valia socialmente produzida pelos
trabalhadores, este se configura como parte do trabalho excedente convertido em lucro, juro ou
renda da terra, sendo então apropriado pelo Estado para diversas finalidades (BEHRING, 2010).
O orçamento público como parte do fundo público passa então a ser peça fundamental
nos interesses políticos, conforme ressaltado por Oliveira (2009). Ele é empregado para balizar
as discussões sobre as contribuições da sociedade para o financiamento estatal, servindo como
instrumento de controle e orientação dos gastos. Logo, a determinação dos gastos públicos e suas
fontes de recursos não é apenas uma questão econômica, mas, sobretudo, resulta de escolhas
políticas.
Uma das bases importantes para o dinheiro público é conseguir o dinheiro dos impostos
de todos, o que significa ver como as pessoas de diferentes grupos sociais são afetadas pelo custo
de manter as políticas do governo. (SALVADOR, 2010). No entanto, o sistema tributário brasileiro
evidencia uma acentuada regressividade, com a predominância de tributos indiretos, resultando
em uma situação em que os menos favorecidos contribuem de forma desproporcional para a
sustentação do Estado em relação à sua renda (SALVADOR, 2023).
A análise da carga tributária brasileira revela sua regressividade contundente, onde a maior
parcela da receita é obtida por meio de impostos indiretos e cumulativos que recaem sobre bens
e serviços, ao passo que a tributação sobre renda e patrimônio permanece em níveis modestos
(IPEA, 2011). Dessa maneira, essa estrutura tributária é um fator de concentração do ônus fiscal
sobre os estratos mais frágeis da sociedade, agravando as disparidades sociais preexistentes (IPEA,
2011).
A estrutura tributária brasileira depara-se com uma questão central de intensa regressividade,
prejudicando os menos favorecidos em favor dos mais abastados. Tal regressividade ampliada pelo
peso dos impostos indiretos sobre o consumo, em contraponto aos impostos diretos que incidem
sobre a renda e a propriedade. Essa discrepância se torna visível quando se compara os padrões
internacionais, onde, embora a carga tributária brasileira não ultrapasse a média dos países da
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OCDE (OCDE, 2020), sua distribuição desigual e profundamente regressiva é notável.
De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 2022), a carga
tributária média dos países ricos da OCDE (35%) é maior que a média de países da periferia do
capitalismo (24%), porém similar à carga tributária brasileira (33%). Em relação ao Imposto de
Renda da Pessoa Física (IRPF), existe uma diferença notável entre os países da OCDE (9%) e os
latino-americanos (2% a 3%, incluindo o Brasil, demonstrando dessa forma a necessidade de tornar
o imposto mais progressivo. Quanto aos impostos sobre a propriedade, a arrecadação nos países
da OCDE foi 60% superior à do Brasil, evidenciando a importância de desenvolver uma reforma
tributária progressiva no país. No que diz respeito aos impostos sobre o consumo, a arrecadação no
Brasil foi aproximadamente 50% superior à média da OCDE, indicando a necessidade de reequilibrar
a carga tributária, com ênfase na tributação sobre renda e propriedade e na redução da tributação
sobre bens e serviços (Ipea, 2022).
A visão ortodoxa do estado capitalista de que o ajuste fiscal é fundamental para manter
a estabilidade econômica, o debate sobre a redistribuição da carga tributária é completamente
ofuscado. Quando se discute ampliar a carga para os mais ricos, é necessário um olhar especial para
os mais pobres, isso porque em um cenário onde há um aumento de tributação para os mais ricos,
se não houver um aumento de gastos sociais e investimentos públicos, os benefícios para a base
da pirâmide e o crescimento econômico serão limitados. No entanto, é importante ressaltar que,
mesmo entre economistas progressistas, que defendem a tributação dos mais ricos e um maior
investimento em políticas sociais, a discussão sobre a redução de tributos para os mais pobres no
Brasil é escassa.
A reforma tributária atual focou na simplificação e unificação dos impostos sobre consumo
que irá ocorrer de forma gradual. A nova tributação sobre mercadorias e serviços entrará em vigor
em 2026 e terminará em 2033. Ainda não se pode falar sobre uma reforma tributária progressiva,
o modelo da proposta ainda está em andamento para segunda fase não foi definido, mas há uma
expectativa em relação ao fim de isenção sobre lucros e dividendos distribuídos pelas empresas, a
modificações nos juros sobre capital próprio pagos aos acionistas, mudanças na tributação da folha
de salários e implementação de um imposto de renda progressivo, para uma maior justiça fiscal.
(OXFAM, 2024)
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4. BARREIRAS ESTRUTURAIS PARA A EQUIDADE SOCIAL: TRIBUTAÇÃO E INVESTIMENTO
EM POLÍTICAS SOCIAIS
O arcabouço fiscal pode ser visto como um motor estrutural e permanente das desigualdades
sociais, substituindo o antigo teto de gastos do governo Temer por três limites orçamentários que
têm o potencial de resultar em efeitos semelhantes ao congelamento de gastos públicos (PPZ
BASTOS, 2023). O primeiro desses limites impõe restrições ao crescimento dos gastos primários,
excluindo os pagamentos de juros e limitando-os a 70% da variação da receita tributária. No entanto,
os formuladores do Arcabouço Fiscal previram a possibilidade de um aumento significativo nos
gastos primários em caso de efetivas reformas tributárias que ampliassem as receitas do governo,
estabelecendo, assim, um segundo teto para conter esse aumento.
Verdadeiras revoluções tributárias no Brasil, diante do atual Arcabouço Fiscal, não permitem
sequer uma taxa de crescimento de gastos sociais e investimentos públicos próxima às registradas
por Bolsonaro e Paulo Guedes antes da pandemia. Estimativas de Tavares e Deccache (2023) indicam
que, se o Novo Teto de Gastos tivesse sido aplicado retroativamente desde 2002, teria resultado,
mesmo em um cenário bastante otimista, em uma redução substancial dos gastos primários do
governo federal, chegando a R$ 8,4 trilhões em valores atuais
Behring (2021) destaca o papel fundamental do fundo público como suporte em situações
de colapso sistêmico do capitalismo, garantindo crédito pelo Estado capitalista para assegurar
as condições gerais de produção e reprodução social. De acordo com Salvador (2010), a função
do Estado na reprodução do capital inclui desonerações tributárias, incentivos fiscais e redução
da base tributária para favorecer o investimento capitalista, além de viabilizar a reprodução da
força de trabalho por meio de salários indiretos e políticas sociais. Isso também envolve alocação
de recursos orçamentários para investimentos em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento,
e, no contexto do capitalismo contemporâneo, transferência de recursos sob a forma de juros e
amortização da dívida pública para o capital financeiro, especialmente para as classes dos rentistas.
A análise da carga tributária brasileira revela sua brutal regressividade, onerando fortemente
a classe trabalhadora, em particular os mais pobres. Segundo dados do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA, 2023), mais da metade da arrecadação provém de tributos que incidem
sobre bens e serviços, com baixa tributação sobre a renda e o patrimônio. Informações da Pesquisa
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de Orçamento Familiar (POF) de 2008/2009 indicam que as 10% famílias mais pobres do Brasil
destinam 32% da renda disponível para o pagamento de tributos, enquanto as 10% famílias mais
ricas gastam 21% da renda em tributos (IPEA, 2023).
Fonte: Tesouro Nacional. Elaboração própria. Série deflacionada pelo IPCA de julho de 2023.
Elaborado por Tavares e Deccache (2023)
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após meticulosa análise sobre a relação entre o fundo público, o capital financeiro e
desigualdade social, torna-se clara a carga dupla imposta à população mais desfavorecida. Em
primeiro lugar, essa camada enfrenta uma incidência tributária desproporcionalmente elevada;
em seguida, testemunha uma parcela substancial desses tributos ser desviada do financiamento
de políticas sociais, sendo direcionada para cobrir gastos com a dívida pública, tais como juros e
amortização. Essa regressividade no sistema de financiamento não apenas perpetua, mas também
acentua as desigualdades sociais no panorama nacional.
35
35
Uma abordagem mais efetiva seria a adoção de políticas sociais centradas na ampliação
dos gastos direcionados aos estratos menos favorecidos, na redução dos impostos indiretos que
os afetam de maneira desproporcional. Essa estratégia poderia angariar amplo apoio popular
para medidas tributárias mais robustas sobre rendas elevadas e grandes fortunas, sem depender
necessariamente de alterações prévias na tributação dos mais ricos. Tal mudança de paradigma nas
políticas fiscais, priorizando investimentos em programas sociais e alívio da carga tributária sobre
os segmentos mais vulneráveis da sociedade, não apenas é factível, mas também essencial para
sociedade obter uma ordem social mais justa e equitativa.
REFERÊNCIAS
BEHRING, Elaine. Crise do capital, fundo público e valor. In: BEHRING; Elaine et al. (Orgs.). Capitalismo
em crise, política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010.
IPEA. Equidade Fiscal: impactos distributivos da tributação e do gasto social. Comunicado do IPEA
n° 92. Brasília: IPEA, 2023.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo,
2002.
OECD Institute of Public Finance (2014), The Distributional effect of consumption taxes in OECD
countries, OECD Tax Policy Studies, nº 22, OECD Publishing.
36
36
OXFAM. Reforma tributária e justiça fiscal. Disponível em: <https://www.oxfam.org/en/pressroom/
pressreleases-01-19/richest-1>.
O’CONNOR, James. USA: a crise do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
SALVADOR, Evilasio. Fundo Público e Questão Tributária no Brasil. Brasília: FOHPS-UnB, 2023.
SALVADOR, Evilasio. Fundo público e seguridade social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.
TAVARES, F. M. M.; DECCACHE, D. Democracia, direitos e política fiscal: desafios para a reconstrução
democrática brasileira sob o novo marco fiscal. Ateliê Geográfico DOI: 10.5216/ag.v17i3.78088.
Disponível em: <https://revistas.ufg.br/atelie/article/view/78088>.
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37
SERVIÇO SOCIAL, DEMANDAS DE SAÚDE DISCENTE E ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL:
contribuições profissionais no itinerário de permanência universitária
1. INTRODUÇÃO
É nesse viés que em se tratando das demandas estudantis apresentadas na realidade de uma
universidade federal, presente no estado do Ceará, o Serviço Social adentra a este lócus pautando
suas intervenções na sobreposição de problemáticas que permeiam essa realidade estudantil, seja
por necessidade de alimentação, transporte, saúde e outras situações que agravam as condições
sociais dos discentes.
A análise desse profissional é o pré-requisito chave para que os discentes possam adentrar
aos programas de permanência estudantil da universidade. Atualmente são 05 (cinco) profissionais,
e um total de 3.481 discentes (UFCA, 2022). As principais atividades desenvolvidas pelos assistentes
sociais são: análise socioeconômica, envolvendo processos de socialização de informações,
entrevistas e visitas domiciliares.
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38
2. O PROGRAMA AUXÍLIO-EMERGENCIAL, ÀS DEMANDAS DE SAÚDE DOS DISCENTES
E O TRABALHO DO/A ASSISTENTE SOCIAL: uma relação para consecução da permanência
estudantil
O Ensino Superior tem sido pauta de debates nacionais na medida em que se reconhece
que o direito à inserção nesse nível de ensino, mesmo assegurado nas diversas legislações sociais,
se vê ameaçado, dadas as contradições existentes que perpassam os muros universitários. Versa-se
aqui, sobre as diversas desigualdades sociais, reconhecidas e traduzidas em vulnerabilidades que
ameaçam a permanência estudantil (ANDRADE; TEIXEIRA, 2017).
São várias as demandas que tem se apresentado como barreiras para o alcance da conclusão
do Ensino Superior, e posterior inserção no mercado de trabalho, sendo ainda a educação superior
uma das maiores formas de desenvolvimento social dos sujeitos, bem como sua referida ascensão.
Para uma melhor compreensão desse contexto, pode-se dizer diante do Decreto 7234/2010 que
institui o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) que essas demandas se traduzem
diante das ações do PNAES em promover o acesso a:
A inserção do Serviço Social na UFCA é recente, datada de 2014, logo após a universidade
que antes era um campus da UFC (Universidade Federal do Ceará), ter se tornado independente em
meio ao processo de desmembramento – Lei n° 12.826 de 05 de junho de 2013.
Nesse viés, a contribuição profissional tem se dado em virtude dos desafios que perpassam
o contexto citado, assim o profissional tem na realização de análise socioeconômica e documental
uma intervenção fundamental para que os discentes com baixa renda e demais adversidades sociais
possam ter possibilidades de transpor suas barreiras e permanecer na universidade.
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Sobre o processo de análise socioeconômica, como aponta Mioto (2009), constitui uma ação
inerente do trabalho do/a assistente social pela sua capacidade de contribuir para a apreensão da
realidade dos sujeitos, e diante dessa apreensão é que se pode criar estratégias e desempenhar
intervenções, neste sentido, essa análise é a porta de entrada para os programas de permanência
da instituição.
Sabe-se que tanto o acesso à saúde quanto a educação sob o olhar da constituição cidadã
de 1988 estão postos como direitos sociais, todavia as políticas sociais de ambos os âmbitos ainda
estão longínquas do alcance efetivo da população, o que repercute tanto no quadro familiar, como
na integridade discente, que o leva a uma encruzilhada dentro da universidade, na medida em que
se apresentam demandas de saúde nas quais não tem rendimentos suficientes para suprir, ainda
que se tenha uma política de saúde pública e dita “universal” como o Sistema Único de Saúde (SUS).
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Logo após, inicia-se a divulgação do edital do auxílio buscando socializar o máximo de
informações para os discentes, e ao mesmo tempo se iniciam as inscrições com um período de em
média 5 dias, em que se inscrevem no sistema virtual da universidade, entregam cópias das suas
documentações de renda e identificação, bem como do núcleo familiar, e o formulário do programa
com o tipo de solicitação almejada.
Após essas três primeiras etapas inicia-ses a análise socioeconômica, como já referenciado
em linhas anteriores, mas a título de informação complementar, cabe ainda ponderar esta como
competência profissional prevista em legislação da categoria em seu Art. 4º, item XI: “realizar
estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos
da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades” (CFESS, 2019,
p. 31). Salienta-se ainda que este processo de análise pode envolver também entrevistas e visitas
domiciliares, o que depende da visão do profissional que faz a leitura da realidade discente, da
especificidade da demanda e da disponibilização de recursos pela instituição.
Dentro desse processo, Cavaignac e Costa (2017), chamam atenção para que possa-se
compreender que não é uma tarefa simples a atuação profissional na assistência estudantil, não
diz respeito apenas a gestão e administração de auxílios, mas que o profissional tem que transpor
as subjetividades apresentadas de uma mera execução normativa, para de fato compreender as
particularidades dos discentes, fazendo assim uma análise crítica dessa realidade.
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41
Nesse âmbito, o trabalho neste auxílio tem subsidiado a assistência nos aspectos de saúde
nas seguintes áreas:
3. CONCLUSÃO
Diante do que foi apresentado, pode-se dizer que a atuação profissional tem como
prerrogativa fundamental na Universidade Federal do Cariri – UFCA apropriar-se da realidade
42
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estudantil, analisando suas vulnerabilidades, como estas incidem na sua permanência na
universidade, e possibilitando a inserção em programas de permanência estudantil. Observa-se
que o foco da nossa proposta de debate volta-se em específico para como se dá essa contribuição
no âmbito das demandas de saúde, sendo que estas trazem interferências significativas para o
processo educativo-formativo no ensino superior quando não há o devido suporte.
Destarte, cabe ao profissional seguir nesta perspectiva contributiva com a análise e inserção
dos discentes nos programas de permanência e em especial, no Programa Auxílio-Emergencial,
dado o seu caráter voltado ao atendimento das demandas de saúde, situação esta cada vez mais
complexificada mediante o curso contemporâneo que apresenta um contexto de crise política,
social, no trabalho e na economia, principalmente acarretando aos aspectos de saúde mental da
população estudantil e o seu adoecimento.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira; PEREIRA, Larisa Dahmer (Org.). Serviço Social e Educação, 2 ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, p.113 - 129, 2013.
ANDRADE, Ana Maria Jung de; TEIXEIRA, Marco Antônio Pereira. Áreas da política de assistência
estudantil: relação com desempenho acadêmico, permanência e desenvolvimento psicossocial de
universitários. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas), v. 22, p. 512-528,
2017.
BRASIL. Decreto n. 7234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência
Estudantil – PNAES. Brasília, 2010.
______. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a
redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Diário Oficial da União, Brasília, DF,
26 set. 2008.
______. Lei nº 12.826, de 5 de junho de 2013. Dispõe sobre a criação da Universidade Federal do
Cariri - UFCA, por desmembramento da Universidade Federal do Ceará - UFC.
CAVAIGNAC, Mônica Duarte; COSTA, Renata Maria Paiva da. Serviço social, assistência estudantil e
“contrarreforma” do Estado. Temporalis, v. 17, n. 34, p. 411-435, 2017.
CFESS. Código de Ética do/a Assistente Social - Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. Edição
trilíngue - CFESS. Brasília, 2019.
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43
CONSUP/UFCA. Portaria nº 296, de 06 de agosto de 2019. Dispõe sobre os valores dos Auxílios
Emergencial, Óculos e Financeiro a Eventos pagos pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis - PRAE
da Universidade Federal do Cariri - UFCA. Disponível em: https://documentos.ufca.edu.br/wp-
folder/wp-content/u ploads/2019/08/REITORIA-UFCA-%E2%80%93-Portaria-n%C2%BA-296-define-
valores-dos-aux%C3%ADlios-da-PRAE-06.08.19.pdf. Acesso em: 16 de abr. 2023.
MIOTO, R. C. T. Estudos Socioeconômicos. In: CFESS; ABEPSS. Serviço Social: Direitos Sociais e
Competências Profissionais. Brasília: CFESS; ABEPSS, 2009.
MIRANDA, Adriana de Melo. O estudo socioeconômico nas políticas de assistência estudantil dos
Institutos Federais da região Centro-oeste: configurações, contradições e perspectivas. 2021.
Dissertação (Mestrado em Política Social) – Universidade de Brasília, Brasília/DF, 2021. Disponível
em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/41764. Acesso em: 16 de abr. 2023.
SILVA, Flávia Gonçalves da; CAVAIGNAC, Mônica Duarte; COSTA, Renata Maria Paiva da. Assistência
estudantil e acesso à educação superior: um estudo na UECE. Revista Em Pauta: teoria social e
realidade contemporânea, v. 17, n. 44, 2019.
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44
CONTRARREFORMAS E AVANÇO DO USO DAS
TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TICS):
uma articulação para a precarização do trabalho
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
A nova morfologia do trabalho apresenta elementos que articulam inéditas formas e relações
de trabalho, na mesma medida que recorre à características experienciadas nos primórdios do
capitalismo. As contrarreformas e o avanço do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs), especialmente as digitais, ocupam espaço relevante nas reconfigurações do trabalho na
contemporaneidade.
O mundo do trabalho tem sido marcado pelo desemprego crônico, pela precarização
das relações de trabalho, pelo esfacelamento da proteção trabalhista, pela expansão do setor de
serviços e da plataformização do trabalho, em que a utilização das Tecnologias da Informação
e da Comunicação (TICs), sobretudo digitais, atuam como ferramentas de intensificação e
aprofundamento da exploração do trabalho.
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45
O recrudescimento do capital, caracterizado pela agudização das contradições do próprio
sistema, instaurou uma crise que se apresenta no capitalismo a partir dos anos 1970, uma crise
estrutural (Mészáros, 2009).
Uma matriz orientadora que compõe novos moldes de sociabilidade e organização também
é adotada, o neoliberalismo:
Tais pontos são centrais no contexto de crise estrutural do capital, em que as políticas
privatistas ganham destaque e as instituições constitutivas do capital financeiro – os bancos e os
investidores institucionais – assumem posição estratégica no comando da acumulação e dominação
capitalista (Silva, 2021).
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46
Após a reestruturação produtiva, o trabalho passou por metamorfoses relevantes, é o
que Antunes (2020) designa como nova morfologia do trabalho. Trata-se de uma processualidade
multitendencial que impacta o trabalho na contemporaneidade e abrange diferentes modos de
precarização.
Percebe-se que as mudanças que atingem o trabalho não se reduzem à mera sofisticação
de seus instrumentos e receituários, mas incidem diretamente sobre a sua própria forma de
realização, assim como mina conquistas históricas que se vinculam a este campo no decorrer de seu
desenvolvimento. Então, o que se vivencia no mundo do trabalho na atualidade, é algo para além
da negação do capital em se utilizar das disponibilidades em favor do desenvolvimento humano,
mas efetiva um retrocesso sobre conquistas já consolidadas pelos/as trabalhadores/as.
Esta é uma grande contradição da sociabilidade burguesa nesse contexto, apesar da plena
possibilidade em viabilizar uma relação com o trabalho menos penosa e mais facilitada, o que se
concretiza na contemporaneidade possui um direcionamento em seu sentido oposto.
O redesenho do trabalho aos moldes contemporâneos, que tem como alguns de seus
reflexos a imbricação do uso das TICs ao trabalho e a precarização, se materializa na chamada
trípode destrutiva que impera sobre o trabalho, a terceirização, a informalidade e a flexibilidade
(Antunes 2020). A articulação direta do trabalho com o ímpeto destrutivo do capital se apresenta
em um movimento dialético, ao mesclar alguns progressos com retrocessos.
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agressivas expropriações sobre os/as trabalhadores/s, cujos objetivos almejam a lucratividade do
capital em detrimento de condições de vida socialmente aceitáveis aos trabalhadores (Silva, 2017).
Sobre o uso das TICs articulada ao trabalho, os interesses de seu uso na acumulação capitalista
tomam rumo necessário na discussão sobre suas vantagens e desvantagens. Em O capital, Marx já
previa e questionava sobre a finalidade da maquinaria no modo de produção capitalista, mesmo
que sob contexto diferente: “Daí este notável fenômeno na história da indústria moderna, a saber,
de que a máquina joga por terra todas as barreiras morais e naturais da jornada de trabalho” (Marx,
2017, p.480).
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As medidas contrarreformistas realizadas neste período possuem amplitude que não
permite uma análise minuciosa neste espaço, no entanto, convém destacá-las. A Lei n.º 13.467,
sancionada em 13 de julho de 2017, estabelece a chamada contrarreforma trabalhista, uma das
maiores ofensivas aos trabalhadores/as.
O uso das inovações tecnológicas na sociedade capitalista salienta seu caráter contraditório:
A utilização das TICs traz, mais uma vez, o esclarecimento de que seu uso em detrimento
da coletividade, não se efetiva, e nem pode se efetivar na sociedade burguesa, visto que sua
inserção ocorre alinhada a um movimento de degradação das condições de trabalho, assim como
de aprofundamento de sua exploração e intensificação.
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constante e, por outro, novos incentivos que aguçam sua voracidade por
trabalho alheio. (MARX, 2017, p.476)
Portanto, o cenário que se impõe sobre o trabalho hoje, articula a expansão informacional-
digital, mas se vincula à trípode destrutiva: a terceirização, a informalidade e a flexibilidade. A
proteção trabalhista é desmontada e, não suficiente, há um aprofundamento das precárias
condições de trabalho com o papel imprescindível que as TICs desempenham.
De acordo com Antunes (2011), trata-se da erosão do trabalho regulamentado, sendo este
trabalho substituído pelas formas de precarização. Somam-se outros elementos, o que evidencia
um projeto bem articulado: a implementação de um trabalho menos custoso para o capital, já que
há um amplo desinvestimento na força de trabalho, seja com a desregulamentação do trabalho,
com a transferência dos custos do desempenho do trabalho para o/a próprio/a profissional e/ou
com a sobrecarga de trabalhos reduzida a poucos profissionais, assim como ônus cada vez mais
potencializado para o/a trabalhador/a, em que a precarização e intensificação do trabalho se
viabilizam pelo avanço e uso intensivo das TICs. Apesar das possibilidades de uma relação mais
facilitada com o trabalho, a corrosão dos direitos trabalhistas e a usurpação até o seu limite dos/
as trabalhadores/as, pelos caminhos cada vez mais abertos para a extração de mais-valia que
encontram nas TICs um aliado forte na execução deste processo, ganham impulsionamento na
contemporaneidade.
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REFERÊNCIAS
PRAUN, Luci. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social & Sociedade, n. 123, p.
407– 427, jul. 2015.
O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
325 p.
Os sentidos do trabalho: Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo, SP:
Boitempo. 1999.
(org). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2020.
O Brasil e o Capital Imperialismo – teoria e história. Rio de Janeiro, FIOCRUZ - EPSJV e UFRJ, 2010.
Capítulo 1.
MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro 1. 1ª ed. Revista. São Paulo: Boitempo, 2017.
SILVA, MLL. A previdência social no Brasil sob a mira e ingerências do capital financeiro nos últimos 30
anos e a tendência atual de capitalização. In: SILVA, MLL da.(org.) A contrarreforma da previdência
social no Brasil (Uma análise marxista). Campinas/SP: papel social, 2021.
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EDUCAÇÃO & DEPENDÊNCIA:
uma análise teórico-crítica à luz de Florestan Fernandes
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
O que se cantava em 1971 se mantêm nos canteiros de obras ao redor do país, expandindo-
se para o “quarto de empregada”, para o “quartinho da limpeza” de auxiliares de limpeza, para os
guichês de vigias e para o meio-fio do asfalto usado como banco para entregadores de aplicativos
almoçarem.
Para uma compreensão mais profunda das questões estruturais da divisão de classes,
propomos um debate a partir das ideias do sociólogo Florestan Fernandes. Embora tenha falecido
em 1995, suas reflexões continuam pertinentes para entender a exploração e a violação de direitos
no contexto brasileiro atual.
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Assim, a presente pesquisa objetiva refletir teórico-criticamente a relação educação e
dependência no contexto do capitalismo dependente brasileiro à luz da obra de Florestan Fernandes;
e surge das reflexões e debates realizados na disciplina de “Tópicos Especiais em Política Social –
Capitalismo Dependente e Educação em Florestan Fernandes”.
2. DESENVOLVIMENTO
Segundo uma abordagem histórico-crítica, que busca ir além das aparências para alcançar
a essência, Florestan Fernandes (1976) investiga a formação do Estado Nacional Independente e
conclui que o processo de independência está ligado à consolidação do capitalismo no país. Essa
análise nos ajuda a entender os dilemas e desafios educacionais enfrentados até hoje.
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pela universalização de direitos básicos.3 Essa restrição se dá historicamente, a partir de padrões
encontrados no período colonial brasileiro, difundida e defendida pelas classes privilegiadas como
estratégia de manutenção de seus privilégios. Isso leva à naturalização das contradições sociais e
à (des)educação da maioria da população, garantindo a manutenção dos privilégios das elites sem
enfrentar resistência significativa. O desafio é reconciliar interesses que são fundamentalmente
irreconciliáveis, acalmando insatisfações individuais ou coletivas por meio da disseminação de
ideologias que sustentem o status quo (Fernandes, 1975).
A exemplo disso, durante os treze anos do governo petista no Brasil (2003 a 2016), houve
conquistas educacionais significativas resultado das lutas das classes trabalhadoras, tais como: a
ampliação de vagas e matrículas no ensino superior público através da Universidade Aberta do Brasil
(UAB); o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(REUNI); o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES); a Lei de Cotas; o estabelecimento
do piso salarial nacional para profissionais da educação básica; o programa Ciência sem Fronteiras;
e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação (FUNDEB).
Esse avanço nas conquistas educacionais é percebido como uma ameaça iminente pela
classe dominante, que age rapidamente para interromper esse progresso e assegurar não apenas
seus privilégios e acumulação de capital, mas também a submissão e o controle sobre as classes
trabalhadoras. Em 2016, ocorre um golpe de estado que remove a presidente Dilma Rousseff do
3 Conforme Fernandes (2011, p. 82) para que tenhamos uma revolução de fato democrática é necessário forjar
uma sociedade que, “proceda da vontade e das necessidades das classes trabalhadoras e o Estado se organize como
um Estado democrático da maioria, pela maioria e para a maioria”.
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poder. Um ano após o golpe, é sancionada a Lei nº 13467/2017, que altera a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) e retira direitos da classe trabalhadora.
O padrão de vigilância contínua e rigidez estrutural tem sido uma constante na história
brasileira, representando um processo de contrarrevolução permanente contra a ordem burguesa
estabelecida.
Apesar de todo esse arcabouço manipulativo exercido pelas classes privilegiadas, Florestan
não anula o caráter emancipador das lutas coletivas da classe trabalhadora, mas de modo muito
consciente e realista aponta as limitações dessa ação, como bem apontamos acima, limitações que
garantem a manutenção do status quo, do subdesenvolvimento e da dependência.
O que as classes “baixa” e “média” dificilmente concebem é que, assim como na oligarquia
colonial só havia acesso para “os que eram iguais, que possuíssem o direito do privilegiamento,
do estilo de vida conspícuo e da dominação autocrática”, na classe burguesa brasileira não “há
espaço” para pessoas de origem popular (Fernandes, 1975, p. 92).
Para esse padrão e estilo de dominação burguesa, os excluídos são necessários. A eles
cabe o trabalho braçal, manual, de subserviência, não intelectual, precarizado, descredenciado e
subvalorizado. Como cita a canção citada na introdução deste artigo, mesmo em seu adoecimento
e/ou morte, essa classe ainda “atrapalha o tráfego”, “atrapalha o público” e/ou “atrapalha o
sábado”. A ela cabe os “olhos embotados de cimento e lágrima”, comer “feijão com arroz como se
fosse o máximo”, agonizar “no meio do passeio público”, como bem aponta a canção.
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uma devastação iníqua” das “potencialidades culturais criadoras e à perda de perspectiva do que
deva ser o sistema educacional de uma nação capitalista, mesmo que seja associada, periférica e
dependente” (FERNANDES, 1989, p. 14).
No livro “O Desafio Educacional”, Florestan Fernandes oferece uma análise detalhada dos
desafios e contradições da educação brasileira, destacando a relevância da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional e da Constituição Federal de 1988. Ele propõe a criação de um novo modelo
educacional que supere os limites da dependência capitalista.
Nesse novo modelo educacional, visto como uma “revolução” pelo autor, a educação precisa
possuir
A busca deve ser por uma educação que assegure o acesso, permanência e formação do
indivíduo para questionar e se libertar do sistema de exploração e submissão. Essa educação
deve promover a pesquisa criativa, incentivar a expressão humana e cultivar o pensamento crítico
transformador (Fernandes, 1989).
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A problemática da educação é “o mais grave dilema social brasileiro”, defendia o autor.
A sua falta prejudica da mesma forma que a fome e a miséria, ou até mais,
pois priva os famintos e miseráveis dos meios que os possibilitem a tomar
consciência da sua condição, dos meios de aprender a resistir a essa situação.
(Palmas) Portanto, pode representar um fator de difusão da ignorância e
do atraso cultural. Com esses mecanismos e um sistema escolar injusto e
inócuo, há reprodução do sistema de desigualdade, da concentração de
riqueza, de poder e de dominação (Florestan, 1989, p. 127).
Esse mesmo modelo educacional, o que se propõe, rompe as barreiras estabelecidas entre
o trabalho manual e o intelectual, considerando o trabalho produtivo como algo essencialmente
humano.
Para superar a estrutura de dependência em geral, o desafio no Brasil é criar meios para
reter e distribuir a riqueza. Especificamente na educação, o desafio é eliminar a ideia de que ela é
um privilégio, conforme defendido por Anísio Teixeira e reiterado por Florestan Fernandes.
3. CONCLUSÃO
A educação é o grave dilema social brasileiro, pois ao tempo em que nutrimos uma estrutura
social que se mantêm por meio da exploração da classe trabalhadora em prol dos privilégios de um
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pequeno grupo; temos disponível um forte e poderoso mecanismo de invenção e reinvenção de
novos rumos para a classe oprimida e violentada.
Florestan Fernandes centrou uma parte de sua vida teórico-acadêmica na análise e defesa
da educação, considerando o seu caráter transformador em prol da construção de uma nova
sociabilidade humana, não pautada na dependência e no capitalismo selvagem.
REFERÊNCIAS
FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 2ª edição. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
Brasil: em compasso de espera. Pequenos escritos políticos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011.
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O CIDADÃO E O USUÁRIO:
reflexões acerca da participação social nas Políticas Sociais
Ajudei a levantar
E me diz, desconfiado
Tu ‘tá aí admirado
Dá vontade de beber
(BARBOSA, 1978)1
1 A música Cidadão, do poeta e compositor baiano Lucio Barbosa foi interpretada pela primeira vez em 1979 por
Zé Geraldo e foi mais difundia ainda, pela interpretação de Zé Ramalho, lançada no álbum Frevoador, de 1992.
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democracia no contexto do capitalismo dependente, que nega a existência da categoria
cognitiva de classes sociais visando inibir os mecanismos revolucionários por meio do não
reconhecimento dos “de baixo” 2.
“Fome é fome, mas a fome que se satisfaz com a carne cozida, que se come por meio de
uma faca ou de um garfo, é uma fome muito distinta da que devora carne crua com ajuda das mãos,
unhas e dentes.” (MARX, 2008, p. 248)
Essas citações, que não são novidade no meio acadêmico, foram aqui repetidas para
demarcar a linha metodológica adotada nesta comunicação e para reforçar o problema que
perpetua entranhado nas políticas públicas, por meio da dicotomia cidadão-usuário, que aqui se
pretende explorar. Assim, objetiva-se neste artigo, problematizar a ideias de usuário e de cidadão no
contexto da Política Nacional de Assistência Social e somar às reflexões em torno da sua efetivação
do controle democrático.
O jurista alemão Georg Jellinek (1851 - 1911) desenvolveu a teoria dos quatro status, a
qual categoriza as diferentes posições que o indivíduo/cidadão assume perante o Estado. Jellinek
“estabelece quatro posições jurídicas abstratas que o individuo se encontra ante ao Estado” (passivo,
negativo, positivo e ativo ou da cidadania), “tanto como sujeitos de deveres, quanto como titulares
de direitos” (Oliveira, 2023), relação a partir da qual são instituídos os direitos fundamentais
(liberdade, prestação e participação).
Na caracterização que Jellinek faz das relações dos indivíduos com o Estado, o 1º é o status
passivo, que se refere à sujeição do indivíduo a obrigações e proibições em relação ao Estado;
em contraponto, o 2º é o status negativo, que se referre à não sujeição, à liberdade jurídica não
protegida do indivíduo para fazer ou não fazer; o 3º é o status positivo, onde o indivíduo, além do
direito, tem também a competência de recorrer e exigir prestações positivas do Estado; por fim,
o 4º é o status ativo, ou da cidadania ativa, onde o indivíduo recebe competências para participar
enquanto cidadão nos negócios do Estado, por meio da capacidade eleitoral ativa e passiva, por
exemplo.
2 Com base no texto Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina, de Florestan Fernandes.
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60
Para complementar a presente análise qualitativa foram levantados os sentidos associados
aos verbetes “cidadão” e “usuário” no contexto da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 – CF1988 e das bases legais e institucionais da Política de Assistência Social. Para sistematizar
os resultados desse exercício, foram retiradas elementos do contexto da citação expressa dos
termos aqui analisados e organizados no quadro3 a seguir:
3 Este quadro consiste em um exercício de análise, não pretende abarcar todas a citações nem servir como
modelo, mas que pode ser uma proposta interessante a ser explorada.
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5 ocorrências: garantia da 41 ocorrências: Participação;
laicidade na relação entre o vigilância socioassistencial;
Norma Operacional Básica cidadão e o Estado; respeito necessidades; vulnerabilidades e
do Sistema Único de à dignidade e à autonomia do riscos sociais, gestão compartilhada;
Assistência Social - NOB/ cidadão, sem discriminação direitos dos usuários; protagonismo
SUAS. de qualquer espécie ou e da autonomia; acesso aos serviços,
comprovação vexatória da programas, projetos e benefícios;
Resolução CNAS nº 33, de sua condição; benefícios participação democrática;
12 de dezembro de 2012 continuados para cidadãos disseminação de conhecimento;
não incluídos no sistema situação de subalternização;
contributivo de proteção resiliência; complexidade das
social; protagonismo e situações vivenciadas; atores do
certeza de proteção social SUAS; mobilização e organização dos
para o cidadão; conquista de usuários; controle social; canais de
maior grau de independência comunicação; coletivo de usuários
pessoal e qualidade, nos laços
sociais, para os cidadãos e as
cidadãs sob contingências e
vicissitudes
Entende-se que dentro da estrutura do Estado há mecanismos para a junção dos papeis de
cidadão e de usuário e por meio da a participação social, como expressa a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (ONU, 1948) em seu Art. 21 – 1, “Todo ser humano tem o direito de tomar parte
no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos”.
A democracia direta, que se refere à participação social na gestão das políticas públicas
e nas decisões do estado, ocorre por meio de mecanismos de controle social como o orçamento
participativo, os conselhos de gestão, as conferências de políticas públicas e as audiências
públicas. Nessa perspectiva, destaca-se o art. 204 da CF 1988, que trata da realização de ações
governamentais na área da assistência social e prevê a “participação da população, por meio de
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organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os
níveis”.
Dentre os primeiros atos do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi
reestabelecido o espaço da participação cidadã na gestão pública por meio do Decreto n° 11.371,
de 1° de janeiro de 2023, que revogou o decreto de Bolsonaro, seguido do Decreto 11.407, de
mesma data, que instituiu o Sistema de Participação Social, coordenado pela Secretaria-Executiva
da Presidência da República, cuja finalidade é estruturar, coordenar e articular as relações do
Governo federal com os diferentes segmentos da sociedade civil na aplicação das políticas públicas.
Nessa perspectiva foi criada, em parceria com a Universidade de Brasília - UnB, a Plataforma
Brasil Participativo. A iniciativa entrou em prática em 2023 com o Plano Plurianual Participativo –
PPA Participativo, onde foram realizadas ações presenciais e virtuais com vistas à participação da
sociedade na elaboração de propostas para o Plano Plurianual 2024-2027. As informações desse
processo foram organizadas no Relatório da Participação Social no PPA 2024-20274.
4 Plano Plurianual 2024 – 2027: Relatório da Participação Social no PPA 2024-2027. Disponível em https://www.
camara.leg.br/internet/comissao/index/mista/orca/ppa/PPA_2024_2027/proposta/Relatoriodaparticipacaosocial.pdf
63
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ao longo de 20235, quantas dessas pessoas participaram da Plataforma Brasil Participativo ou já
participaram outra forma de controle social?
Pela história das conquistas sociais sabe-se que os tensionamentos são comuns nas lutas
pelas garantias de direitos. O fato de haver uma maior abertura política não é suficiente, é necessário
qualificar a participação social e sensibilizar o sentimento de sujeito de direito e o sentimento de
pertença.
No curto espaço deste artigo foi priorizada a provocação acerca do lugar do usuário, e a
única resposta/certeza que se tem é a de que esses trabalhadores, cada vez mais vulnerabilizados
no capitalismo dependente e diminuídos/relegados ao lugar de usuários nas políticas sociais, são a
5 Conforme consulta realizada em 9 de maio de 2024 no Mapa Social do DF, disponível em https://paineis-ext.
mpdft.mp.br/extensions/mapasocial/mapasocial.html.
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64
“classe verdadeiramente revolucionária” (Marx e Engels, 1998, p.49) e “não pode erguer-se , pôr-se
de pé, sem fazer saltar todos os estratos superpostos que constituem a sociedade oficial” (Marx e
Engels, 1998, p. 50).
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. LOAS Anotada – Lei Orgânica de
Assistência Social. Brasília. Dezembro de 1993.
BRASIL. Conselho Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social. Brasília.
Outubro de 2004.
FERNANDES, Florestan. Capitalismo de pendente e classes sociais na América Latina. 4, ed. São
Paulo: Global Editora, 2009.
MACHADO, Eliel. Proletariado e luta de classes em Marx e Engels. In: BÓGUS, Lucia; WOLFF,
Simone; CHAIA, Vera. (Orgs.). Pensamento e teoria nas Ciências Sociais: referências clássicas e
contemporâneas. São Paulo: EDUC; CAPES, 2011.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista. In: COGGIOLA, Osvaldo. (org.).
Manifesto do partido comunista – Karl Marx e Friedrich Engels. São Paulo: Boitempo, 1998.
OLIVEIRA, Tiago Rege de. Análise da Teoria dos Quatro Status de Georg Jellinek no Âmbito da
Doutrina dos Direitos Fundamentais. Revista Eletrônica Interdisciplinar, Univar, 2023. Disponível
em: http://revista.univar.edu.br/rei/article/view/342/308
Plano Plurianual 2024 – 2027: Relatório da Participação Social no PPA 2024-2027. Disponível em
https://www.camara.leg.br/internet/comissao/index/mista/orca/ppa/PPA_2024_2027/proposta/
Relatoriodaparticipacaosocial.pdf
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PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS:
novas agendas de pesquisa a partir da análise de programas federais de insfraestrutura social
1. INTRODUÇÃO
Programas federais como o Minha Casa Minha Vida – Entidades (MCMV-E), Centro de Artes
e Esportes Unificados (Praças CEUs), tiveram a singularidade de, por meio de regulamentação
própria e desenho institucional específico, inserir a participação direta dos destinatários ou
público-alvo das políticas na execução das ações, especialmente durante a implementação, mas
com o pressuposto de prosseguimento de instâncias e outras formas de organização comunitária
após findada a relação formal com o Executivo Federal, visando à gestão das infraestruturas sociais
implantadas.
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66
Entidades. Foram 215 empreendimentos executados sob gestão direta de entidades privadas sem
fins lucrativos, sendo 326 contratados nessa modalidade em estágios diversos de implementação.
Do ponto de vista de volume de recursos públicos investidos o MCMV – E implicou em 4,2 bilhões
de reais de 2009 a 2019, frente a 98,3 bilhões de reais do MCMV Faixa 01, considerando-se os
valores globais das operações contratadas.
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67
Quadro 1. Composição dos processos participativos com destinatários segundo regulamentação dos
Programas MCMV-E e Praças CEUs
“Mobilização Social e
Denominação do processo “Trabalho Social”
Planejamento da Gestão”
“I - promover o sentimento de
“promover a autonomia e o apropriação da comunidade ao
protagonismo social, (...) criar equipamento público (...);
mecanismos capazes de viabilizar
a participação dos destinatários II - fortalecer e capacitar grupos
nos processos de decisão, da comunidade para (...) a gestão
Objetivos
implantação e manutenção do equipamento; e
dos bens/serviços (...) além de
incentivar a gestão participativa III - aproximar comunidade,
para a sustentabilidade do poder público local, entidades e
empreendimento” (COTS, p. 4) cidadãos atuantes na área (...)”
(Art. 2º, § 3º)
7 oficinas de mobilização
Ações comunitárias em 5
social, abrangendo os temas:
Eixos: Mobilização, organização
Sensibilização e história
e fortalecimento social;
do bairro; Grupo Gestor
Educação ambiental e
– constituição e regras de
Atividades mínimas patrimonial; Desenvolvimento
funcionamento; Usos e
Socioeconômico; Assessoria
Programação dos espaços
à Gestão Condominial; e
da Praça; e planejamento e
Acompanhamento e gestão
intervenção física no edifício
social da intervenção.
construído.
Entidade Organizadora
(Organizações formais, sem fins Ente Federado (Prefeituras ou
Responsável pela execução
lucrativos, vinculadas ou não Governo do Distrito Federal)
aos movimentos de moradia)
1,5% a 2,5% do valor total da 0,6% a 2,0% do valor total da
Recursos
intervenção intervenção
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68
Diagnóstico da área,
Mapeamento de entidades
mapeamento de entidades
e lideranças, constituição
Resultados exigidos por e lideranças, cadastro social
de Grupo Gestor tripartite;
regulamentação (ateste das famílias, Constituição
elaboração e revisão do
físico e financeiro na de comissões temáticas e
Planejamento para Gestão
prestação de contas) Comissão de acompanhamento
e Ocupação do CEU; e
das obras, ações desenvolvidas
planejamento e execução de
conforme projeto apresentado,
uma ação de intervenção no
contemplando os Eixos de
edifício.
trabalho.
Fonte: Portaria MDR No 464/2018; Portaria MinC No 95/2014; COTS - Caderno de Orientação
Técnico Social, CAIXA, 2013 (Elaboração própria).
A partir daí, as autoras analisaram a capacidade das organizações sociais de realizar a gestão
dos empreendimentos de forma autônoma em relação aos demais atores envolvidos (agentes
do Estado e, especialmente, construtoras) e o grau de descentralização do poder dos dirigentes
das organizações em relação às famílias beneficiárias. Definiram então três categorias de análise
da qualidade da participação: 1) autonomia decisória combinada com concentração de poder;
2) autonomia decisória combinada com socialização de poder; e 3) alienação sobre a gestão do
empreendimento combinada com concentração de poder nos dirigentes da organização.
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processos participativos desenvolvidos no que tange à autonomia da comunidade frente à gestão
pública municipal nos casos estudados, observando a implementação no município de Feira de
Santana, na Bahia. A análise foi feita considerando as tipologias de níveis de participação cidadã
criadas por Arnstein8 (1969) e concluiu-se que houve momentos no processo em que se alcançou o
quinto degrau – “Pacificação”, no qual os cidadãos influenciam o poder público, mas não participam
da decisão final.
A análise dos processos participativos relacionados aos programas federais em tela pode
ensejar a delimitação uma categoria de “participação social” que explicite mais precisamente
a natureza dessas experiencias e possibilite desenvolver pesquisas empíricas para análises
aprofundadas.
Até o momento, verifica-se que tais experiências não foram especificadas do ponto de vista
conceitual, uma vez que a literatura mais recente que trata de democracia, participação e políticas
públicas, centra-se na delimitação das Instituições Participativas (IPs) e das Interfaces Socioestatais -
categorias que não são suficientes para a definição dos processos participativos ocorridos no âmbito
do MCMV-E e do Praças CEUs, especialmente de suas particularidades de público e território, uma
vez que envolvem os destinatários diretos em áreas de vulnerabilidade social urbana.
Também não seria adequado aplicar para tais experiencias as categorias e análises utilizadas
no estudo dos Orçamentos Participativos municipais, uma vez que os casos em tela não se centram
em mecanismos de representação ou eleição de representantes – conselheiros ou delegados - e
apresentam continuidade no tempo, especialmente no âmbito dos condomínios e das agendas de
serviços das Praças.
8 A escada de participação social desenvolvida por Arnestein (1969) é composta por oito degraus, que vai do
menor ao maior nível de participação. ARNSTEIN, Sherry R. A Ladder of Citizen Participation. Journal of the American
Institute of Planners, n. 35, v. 4, pp. 216–224, 1969.
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70
A categoria que mais se aproxima dos processos que envolvem destinatários na
implementação dos programas públicos é a de Programa Associativo, utilizada por Adriana Pismel
e Luciana Tatagiba (2022) para tratar do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Segundo as
autoras tais programas dariam ênfase à participação nos territórios, ao papel das organizações
da sociedade civil e ao repasse de recursos públicos para fortalecer tais organizações (Tatagiba;
Teixeira, 2021a, p. 27 citada por Pismel; Tatagiba, 2022).
A definição poderia ser aplicada ao Minha Casa Minha Vida - Entidades, mas, exceto pela
ênfase na participação social nos territórios, o conceito não tem aderência ao processo desenvolvido
no âmbito do Praças CEUs, que não parte de intermediação de organizações da sociedade civil
previamente formalizadas e mobilizadas, tampouco envolve repasse para tais instituições.
Entende-se que a ideia de democracia participativa por meio da vivência de uma participação
cotidiana, territorial e não setorial, pode guiar pesquisas futuras, pois possibilitaria abrir caminhos
de análise para a observação dos efeitos dos processos participativos ocorridos no âmbito dos
programas federais em tela, com foco nas práticas dos cidadãos em seus territórios mais do que no
funcionamento dos espaços formais e setoriais de participação.
E por fim, quais seriam os limites para tais experimentações, considerando o acirramento da
institucionalização da política pelo neoliberalismo, por meio de definições e amarras normativas,
especialmente no campo do “orçamento público”, que limitam crescentemente a parcela das
políticas públicas submetida à deliberação em instâncias participativas ou de forma direta,
71
71
aprofundando os efeitos da falsa separação entre o político e o econômico, tão estruturante para
o capitalismo (Wood, 2010).
REFERÊNCIAS
CAIXA. COTS - CADERNO DE ORIENTAÇÃO TÉCNICO SOCIAL. Brasília, 2013. (Disponível em: https://
urbanismo.mppr.mp.br/arquivos/File/caderno_de_orientacao.pdf. Acesso em 01/07/2023)
COMITÊ GESTOR DO PAC. 2º Balanço do PAC 2 – Julho -Setembro de 2011. Brasília, 2011.
CORTES, Soraia Vargas. As diferentes Instituições Participativas existentes nos municípios brasileiros.
In: PIRES, R.C. (Org.). Efetividade das Instituições Participativas no Brasil: Estratégias de Avaliação.
Brasília: IPEA, 2011.
PATEMAN, Carole. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992 [1970].
PIRES, Roberto.; VAZ, Alexander. Participação social como método de governo? um mapeamento
das “interfaces socioestatais” nos programas federais. Texto para Discussão No 1707. IPEA, Brasília,
2012.
RATTES, Plinio César dos Santos. A praça é do povo? Diversidade e participação social na gestão das
Praças CEU de Feira de Santana (BA). Tese (Dourado em Cultura e Sociedade). UFBA, 2022.
TATAGIBA, Luciana; TEIXEIRA, Ana Cláudia Chaves. Avaliação do Programa Minha Casa, Minha Vida
– Entidades. O desafio da participação dos beneficiários. Relatório Final. Núcleo de Pesquisa em
Participação, Movimentos Sociais e Ação Coletiva (Nepac Unicamp), 2015.
WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São
Paulo: Boitempo, 2010.
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72
ASSISTENTES SOCIAIS NOS SERVIÇOS DE ACOLHIMENTO
PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM OSC´S:
desafios institucionais
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo buscou identificar os principais desafios do Assistente Social atuantes nas
organizações da Sociedade Civil no processo de acolhimento de crianças e adolescentes. Os dados
coletados na pesquisa realizada, apresenta uma realidade profissional que desvela as dificuldades
enfrentadas pelo assistente social em sua atuação do profissional nos serviços de acolhimento para
crianças e adolescentes no Distrito Federal.
O objetivo deste estudo, foi de analisar quais os desafios profissionais enfrentados por
assistentes sociais atuantes em serviços de acolhimento para crianças e adolescentes ofertados
por organizações da Sociedade Civil. Para compreender a complexidade advinda desse trabalho
institucional requer uma análise de conjuntura, englobando a perspectiva institucional, ideológica
política, econômica e social.
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73
Além disso, o sistema econômico neoliberal tem como premissa básica o fortalecimento do
mercado e o enfraquecimento das ações do Estado, notadamente em relação às políticas sociais
de assistência social. Ou seja, com o recuo do Estado frente às questões sociais, a Sociedade Civil
assume a responsabilidade por garantir ainda que precariamente serviços institucionais como os
de creches, instituições ade acolhimento para crianças e adolescentes.
Nesse sentindo observa-se cada vez mais a atuação das organizações da Sociedade Civil
que por meio da parceria com o Estado, recebe recursos financeiros para a execução do serviço. A
lógica da parceria, instituída pelo Marco Regulatório da Sociedade Civil – MROSC, lei 13.019 de 31
de julho de 2014, constitui o Estado gerente, que fiscaliza e monitora os serviços prestados pelas
organizações da Sociedade Civil ao mesmo tempo que se exime da responsabilidade de executar
de forma direta o serviço.
Com a parceria, a organização da Sociedade Civil deve garantir a equipe mínima para a
execução das atividades, além do que, perpetua-se contratações de profissionais com rendimentos
baixos e condições de trabalho exaustivas.
Tal precariedade impacta diretamente nas atividades desenvolvidas pelo Serviço Social,
em especial, tratando-se de instituições para acolhimento infanto-juvenil, em que a complexidade
se inicia com as histórias de vida trazidas pelas crianças acolhidas. São histórias marcadas pelo
acirramento das expressões da questão social, relativas especialmente a violências, abandono,
situação de rua e uso contínuo de álcool e drogas, tudo isso, associado, em grande parte a situação
de pobreza.
2. DESENVOLVIMENTO
As obras de assistência social, tiveram início no Brasil com as irmandades das Santas Casas de
Misericórdia, fundadas com as Capitanias hereditárias por volta de 1540. E desde o início, o Estado
brasileiro, subvencionou entidades filantrópicas para prestarem serviços de assistência social. Tais
entidades ofertavam serviços historicamente considerados filantrópicos, com práticas baseadas
na caridade e na benevolência com os mais pobres. A perspectiva da filantropia foi o padrão de
resposta, que se instituiu por muitos anos no Brasil, para atender as demandas de determinados
segmentos populacionais (Junior, Carvalho, 2021).
Não obstante, a relação entre o público e o privado para a execução da política de assistência
social tem maior visibilidade a partir de 1930, quando é instaurado um padrão de proteção social
no Brasil. São instituídas políticas sociais, com respostas fragmentadas aos setores combativos da
sociedade, a fim de controlar movimentos sociais e classistas (Teixeira, 2007).
É preciso enfatizar que, as políticas sociais ofertadas a partir de 1930, tinham como objetivo
central, criar obstáculos de consciência de classe e consequentemente fragilizar a luta de classes
com a silenciamento da classe trabalhadora, ofertando tutela, e em contrapartida, cooptava-se
lideranças, por meio do controle de manifestações por meio da repressão (Teixeira, 2007).
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Com essa perspectiva de enfrentamento da questão social, é garantida aos trabalhadores
formais o acesso a políticas sociais, e consequentemente o estatuto de “cidadania”. Aos trabalhadores
informais, sem atividade laboral reconhecida pela legislação brasileira, foi atribuída a categoria de
“subcidadania”, aos quais eram direcionadas políticas sociais pontuais, paternalistas, conservadoras
a favor do compadrio e favoritismo. E nesse cenário, que se desenvolve duas vertentes paralelas no
sistema de proteção social: dos direitos sociais e da filantropia (Teixeira, 2007).
Outro segmento era a população pobre, e que não vendia sua força de trabalho, ou seja,
os não rentáveis, como crianças, adolescentes, idosos, deficientes e desempregados, que pela sua
condição, não ameaçavam o Estado com suas demandas. A esse público, era ofertada a assistência
social no campo do “não-direito”, aos quais eram ofertadas ações assistenciais filantrópicas.
A ação da filantropia passou então a ser regulamentada pelo Estado, sendo que a primeira
instituição de assistência social foi a LBA, um órgão de colaboração com Estado, que representava
a relação da iniciativa público – privada, que instaurou o paradigma da “filantropia estatal”. Com as
crescentes reivindicações dos trabalhadores, os sistemas de proteção sociais foram ampliados entre
as décadas de 60 e 70, e tiveram as proteções sociais ampliadas, abarcando boa parte da população
brasileira em situação de risco social.
O Estado mínimo para a área social e Estado máximo para o capital cede espaço para que
as organizações da Sociedade Civil retomem as atividades na assistência social como executoras de
serviços direcionados à população, subvencionadas pelo Estado, que assumirá a função de gerenciar
as atividades desenvolvidas por estas.
A partir do ano de 2005, como forma de sacramentar a relação Estado e Sociedade Civil na
execução de políticas sociais, com a regulamentação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS
o governo busca adequar essas instituições aos parâmetros legais de prestação de serviços com o
reordenamento institucional na garantia de direitos socioassistenciais (Gonçalves, Paiva, 2017).
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75
191 de 10/11/2005 do Conselho nacional de Justiça – CNAS e posteriormente com a Lei 12.101 de
27 de novembro de 2009, principal marco jurídico desse processo. Observa-se que, o destaque para
a participação da Sociedade Civil na execução dos programas de forma a desenvolver juntamente
com o Estado uma parceria, com vistas a complementar a oferta dos serviços, programas e projetos.
Nessa organização, somente o Estado disporá de mecanismos coordenar as ações (PNAS, 2004), de
modo a garantir a o cumprimento das propostas dos serviços, programas e projetos.
Assim, ao participar da execução dos programas, a Sociedade Civil passa a integrar o Sistema
Único de Assistência Social – SUAS, não só como prestadora complementar, mas como co-gestora,
caracterizada como serviços socioassistencial de relevância pública, com oferta de prestação de
serviços à população usuária da Política Pública de Assistência Social – PNAS com trajetórias de
vulnerabilidade e risco pessoal e social; visibilidade, controle social e representação de interesses
coletivos (PNAS, 2004).
A nova lógica proposta pela política de assistencial, pressupõe a mudanças das organizações
da Sociedade Civil, que devem garantir mudanças institucionais, antes fundadas na lógica da
propriedade privada e do clientelismo. Para tanto, o Estado atuará como regulador das entidades,
que devem tornar seus atos públicos, uma vez que são realizados com recursos públicos (PNAS,2004).
A incorporação da Sociedade Civil à rede SUAS estava prevista no art. 2 e 4 da Lei Orgânica da
Assistência Social - LOAS, e a Norma Operacional Básica - NOB SUAS definiu as atribuições da rede
socioassistencial:
Na lógica da parceria entre o Estado e as organizações da Sociedade Civil, a partir do que foi
instituído pelo SUAS, o Estado passa a implementar as políticas de assistência social no sistema de
parceria com as entidades da Sociedade Civil, via editais de chamamento público, com o objetivo de
selecionar publicamente entidades e assegurar a prestação de serviços de proteção social básica1 e
de proteção social especial, como é o caso das instituições analisadas neste estudo.
76
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nos casos dos Termos de Fomento, as Organizações da Sociedade Civil propõem Planos de Trabalho
ao Estado a fim de obter recursos financeiros para a execução dos serviços socioassistenciais.
Nessa perspectiva, o que de fato importa para a política pública é a oferta do serviço, e não
necessariamente a qualidade da oferta. Nesse contexto, o Estado atua como gerente e cumpre com
as obrigações, cobranças e fiscalizações sobre o serviço ofertado, e não garante a ampliação dos
serviços públicos estatais (Duarte, 2013) na esteireira da lógica neoliberal.
3. METODOLOGIA
4. RESULTADOS
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77
4.2 Atividades desenvolvidas pela assistente social na OSC
Tabela 1. Atividades desenvolvidas pela/os assistentes sociais nas OSC do Distrito Federal
Os profissionais foram questionados sobre tomada de decisão no seu fazer profissional junto
as crianças e seus adolescentes e o uso do senso comum em detrimento do conhecimento científico.
As respostas apresentaram que, 6 responderam que não usam do senso comum, 4 responderam
que usam o senso comum através da orientação de coordenadores dos serviços de acolhimento e 4
responderam que sim, usam o senso comum, apoiadas em decisão pessoal.
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78
razão de falta de leitura do material, as outras duas respondentes do formulário não apresentaram
resposta.
No que se refere a valorização profissional, na questão 10, somente 4 responderam que sim,
que o trabalho do assistente social é valorizado na instituição em que atua e 10 responderam que
às vezes são valorizados.
Nesse tópico, o enfoque foi sobre os desafios enfrentados pelo profissional do serviço social
junto às famílias das crianças e adolescentes acolhidos e com os próprios acolhidos. Nesse caso, as
perguntas foram direcionadas para os enfrentamentos profissionais relativos ao acompanhamento
técnico, as estratégias profissionais e desafios enfrentados pelos profissionais para intervir
com famílias e crianças e adolescentes assoladas pelas questões sociais e com forte vivência de
sociabilidades violentas.
Destaca-se que, para acessar mais informações, essa categoria possuía questões abertas,
que nos formulários forms, foram preenchidas pelos profissionais.
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5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
De Paula (2023) argumenta que a intervenção profissional, enquanto ação socialmente útil,
se constitui a partir de três dimensões: teórico-metodológica “porque fazer? ”; ético-política “para
que fazer”, e técnico-operativa “o que fazer e como fazer?”.
Além dos mais, ao estabelecer as atividades a serem realizadas com as famílias e com as
crianças e adolescentes, a profissional acessa não somente a dimensão técnico-operativa, mas
também a dimensão teórico-metodológica, por meio do acumulo de conhecimento, especialmente
aquele constituído no âmbito do pensamento marxista, que permite analisar não apenas o que
está explicito, mas também as questões implícitas (DE PAULA, 2023).
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80
Como pode ser observado neste estudo, com foco nos profissionais do Serviço Social que
atuam diretamente com famílias de crianças e adolescentes acolhidos na modalidade acolhimento
institucional e familiar, requer o aprimoramento profissional contínuo, como previsto na Lei nº
8.662 de 1993 – Código de Ética do Assistente Social, faz-se primordial, haja vista, a dinamicidade
das relações sociais e a necessidade de compreensão e leitura das realidades e conjunturas sociais
nas quais estão inseridas estas famílias, para que, a atuação profissional baseie-se continuamente
na perspectiva ético-política.
A precarização do trabalho do/as assistentes sociais tem sido um desafio vivenciado por
essa categoria profissional, pois, o/as assistentes sociais, enquanto classe trabalhadora, sofrem
por estarem em trabalhos precarizados, sem recursos para o desenvolvimento de suas funções
(RAICHELIS, 2011).
Para garantir uma prática baseada em princípios éticos, a atuação profissional deve estar
alicerçada em documentos norteadores da ação profissional: Código de Ética Profissional e nos
casos de acolhimento de crianças e adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
e as Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. No
levantamento realizado com a/os assistentes sociais dos serviços de acolhimento para crianças e
adolescentes do Distrito Federal, 11 profissionais responderam que conseguem aplicá-la na medida
do possível nas intervenções e apenas 1 profissional afirma que não possui conhecimento em razão
de falta de leitura do material.
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os diversos equipamentos da política social e por fim, quando se busca compreender os efeitos da
lutas de classes e as relações sociais capitalistas e sua incidência sobre as condições de vida das
pessoas (DE PAULA, 2023).
A legitimação da política de assistência social enquanto política pública não fez com que
o conservadorismo presente historicamente nas ações da assistência social fossem superadas.
Tal fato pode ser observado na missão institucional, especialmente de entidade que executam o
serviço de acolhimento para crianças e adolescentes
Os atravessamentos dos empregadores, nesse caso dos presidentes e dirigentes dos serviços
de acolhimento, imbuídos da prática ideológica religiosa, desrespeitam a autonomia profissional,
quando estabelecem desvios de função e impõem intervenções de cunho pessoal, baseadas em
princípios morais e arraigados de juízo de valor. A imposição destas ordens institucionais, violam o
Código de Ética do Assistente Social e a Lei que regulamenta a profissão.
Avalia-se que a referida situação pode estar associada em duas situações: 1. Enquanto
profissional que vende a sua força de trabalho e estando sujeito a lógica da hierarquia institucional,
o profissional do serviço social teria pouco ou nenhum espaço para diálogo e proposição de
intervenções diferentes das defendidas pelos dirigentes institucionais.
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interpretadas como uma questão social, mas como uma questão pessoal, que associa os sujeitos à
má vontade (Guerra,2023, p.48).
6. CONCLUSÃO
O tema desenvolvido nesse estudo, por sua dimensão e importância, não deve ser esgotado
por aqui. Pelo contrário, é preciso garantir que essa discussão ganhe amplitude, uma vez que, trata-
se de execução de políticas sociais, tratadas pelo Estado mínimo sem a devida importância que
merece.
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profissão.
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FINANCIAMENTO ESTUDANTIL:
quem são os beneficiados?
De acordo com Menezes e Santos (2001), o CREDUC perdurou até 1999 e apesar de já ter
apresentado um grau elevado de inadimplência em relação ao cumprimento dos contratos, no
Governo Fernando Henrique Cardoso sofreu reestruturação e foi transformado no FIES.
Apesar da oferta de vagas e interiorização da rede federal de educação superior por meio
do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI),
entre os anos de 1999 e 2022 em relação ao ensino superior público tem-se os seguintes dados:
1999 – 192 instituições de ensino; 2022 - 312 instituições. No ano de 1999 eram 832.022 matrículas
e em 2022, 2.076.517.(INEP, 2022).
Em agosto de 2016, com o golpe que destitui a Presidenta Dilma Rousseff, assume o então
vice-Presidente Michel Temer. O governo dele foi marcado pelo desmonte de políticas sociais, por
perda de direitos dos trabalhadores, elevado índice de desemprego, a Emenda Constitucional Nº
95 (EC95), de 2016, a Reforma Trabalhista de junho de 2017 e os encaminhamentos para a Reforma
da Previdência efetivada em 2019 no Governo Bolsonaro.
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trabalhista que nos repõe a situações bárbaras de trabalho intermitente,
desprotegido e análogo à escravidão; e a nefasta proposta de contrarreforma
da previdência.
Neste cenário de desmonte, a educação pública não ficou de fora, com cortes no orçamento
das universidades, institutos federais e institutos de pesquisa.
Outro fator que deve ser destacado é a inadimplência em relação ao FIES. A inadimplência
cresce proporcionalmente ao índice de desemprego no país. Esse indicador vem aumentando
desde 2015, tendo seu maior índice no primeiro trimestre de 2021, totalizando 14 milhões e 900
mil pessoas desempregadas no país (IBGE, 2022), 1 ano após o início da Pandemia de COVID no
Brasil. A pandemia escancarou as desigualdades existentes no sistema capitalista e do desmonte
das políticas públicas no Brasil: o caos na saúde pública, o desemprego, a fome, a falta de recursos
tecnológicos para acompanhamento das aulas remotas, a evasão escolar, o número de mortes
exacerbou a precariedade das condições de vida da classe trabalhadora.
Diante desse cenário, faz-se necessário avaliar o FIES não apenas como uma política de
acesso ao ensino superior, mas também como uma política que financia o capital privado, indo ao
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encontro da lógica neoliberal de eximir o Estado da função de prover educação pública e gratuita.
Há de se refletir também se o FIES, como política pública, contribui para o aumento do número de
pessoas desempregadas, criando um exército de reservas, que apesar da qualificação, diante da
realidade, trabalhadores acabam por aceitar condições precárias de trabalho, indo ao encontro da
lógica do capital.
Assim deve-se ressaltar que apesar do Estado incentivar a expansão do ensino superior
privado, suas ações em relação a geração de empregos são quase nulas, considerando a primazia
dos processos de financeirização em detrimento da produção. Essa é a tônica do neoliberalismo,
que traz em sua essência o fortalecimento do individualismo, da negação da totalidade, da
desconstrução do coletivo. Diante disso, o trabalhador em condições precárias de trabalho ou
mesmo em situação de desemprego, pode sentir-se responsável pela sua situação.
A primeira grande expansão do ensino superior aconteceu na década de 60, com a proposta
de formar recursos humanos para o processo de industrialização do país. Neste período a União
Nacional dos Estudantes (UNE) já debatia o caráter elitista das instituições de ensino superior.
Nas décadas de 1970 e 1980 o Estado Brasileiro continuou com investimentos nas
universidades, ofertando ensino gratuito tanto em nível estadual como federal. Na iniciativa
privada predominava instituições pequenas e isoladas, com a oferta de poucos cursos. De acordo
com Durham (2003), no período compreendido entre 1970 a 1980, a participação do setor privado
na oferta de matrículas passou de 50,5% para 64,3%. É importante destacar, que este período foi
marcado pela ditadura civil militar, com o amadurecimento do sistema capitalista no Brasil. Em
nome do desenvolvimento econômico e contra o comunismo, os governos deste período adotaram
uma política a favor do capital estrangeiro, das privatizações e da classe dominante.
Este período foi marcado pela política desenvolvimentista e a industrialização do país. Era
necessária uma profissionalização dos trabalhadores para acompanhar a tecnologia das empresas
transnacionais que iniciaram suas atividades no Brasil. Foi durante a Ditadura civil militar, em
meados dos anos 1970, que o capital passou pela sua primeira grande crise ocasionado por diversos
fatores como: o colapso do modelo fordista, o fim do acordo de Bretton Woods, a crise do petróleo.
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O PRONAFE, cuja Lei foi aprovada no Governo do Presidente Geisel em 1975, além de ter como
objetivo o acesso a educação superior, apoio do Estado as instituições privadas, ideologicamente
tinha como premissa o afastamento dos jovens das universidades públicas e de ideias contrárias ao
sistema vigente e a ditadura. Na justificativa do Projeto de Lei destaca- se (BRASIL, 1975),
A reflexão que deve ser enaltecida, é de que as políticas públicas são construídas por
interesses que nem sempre beneficiam a maioria da população, apesar de muitas delas serem
resultados da luta e de conquistas da classe trabalhadora.
A segunda maior expansão do ensino superior privado no Brasil foi na década de 1990,
como consequência da política neoliberal iniciada no Governo do Presidente Fernando Collor de
Melo e com seu ápice no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Corroborando para
a questão cita-se Demier, (2017, p.60), “Indubitavelmente, um momento decisivo desse processo
- e que exprimiu a conquista da “hegemonia”, na sociedade civil, pelo grande capital financeiro
transnacionalizado - foi a eleição em 1994, de Fernando Henrique Cardoso”.
A decisão sobre os objetivos de gastos do Estado e a definição sobre a origem dos recursos
para financiá-los obedecem a critérios não somente econômicos, mas predominantemente
políticos, espelhando a direção tomada na sua definição e a correlação das forças sociais e políticas
atuantes na sociedade. É no orçamento das políticas sociais que se materializa a ampliação ou
diminuição dos direitos e interesses coletivos.
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Conforme Behring, 2021, p.258:
Observa-se que o FIES possibilitou acesso ao ensino superior, mas os cidadãos devem devolver
ao Estado o pagamento das mensalidades, quando cabe ao Estado propiciar ensino gratuito e de
qualidade. Considerando que as receitas do orçamento da União são originárias dos tributos pagos
pela sociedade, as pessoas que contratam o FIES, pagam seus estudos em duplicidade. Behring
(2016) aponta: o fundo público se forma a partir de tributos da sociedade. O capital comercial, o
industrial, o monetário são tributados em cima dos lucros gerados a partir da mais valia produzida
pelos trabalhadores; eles são tributados por meio dos impostos decorrentes do seu trabalho –
Imposto de renda; e por fim o trabalhador é tributado de forma indireta por meio dos impostos
sobre as mercadorias que consome.
As políticas sociais por mais que beneficiem a princípio a classe trabalhadora, sempre
beneficiaram os interesses do capital. É inquestionável que o FIES proporciona acesso ao ensino
superior a população excluída do ensino superior, mas o questionamento que fica é a que custo?
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REFERÊNCIAS
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O IMPACTO DA NOVA DIREITA NAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL NA PERSPECTIVA DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL
1. INTRODUÇÃO
Por conta de um passado recente na sociedade brasileira, marcado por uma conjuntura
desfavorável a classe trabalhadora, onde se pôde observar a sucessão de um quadro político de
centro-esquerda para o de extrema direita no país trouxe à tona um cenário de tensão que remonta
às décadas de 80/90 no Brasil. Tal cenário se deve à ascensão da nova direita no ano de 2018, que
representou não só a dominação na esfera política, mas, configura todo um aparato ideológico,
político e econômico formando na sua totalidade um verdadeiro projeto de desproteção social.
Esse projeto em questão tem como raiz ideológica tanto o neoconservadorismo como o
neoliberalismo. Ambas as correntes apresentadas têm como objetivo a manutenção do sistema
de desigualdades sociais em prol da reprodução da lógica capitalista, a qual seja; a manutenção da
taxa de lucro.
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segundo busca na efetivação dos mínimos fortalecer o projeto emancipatório.
2. NOVA DIREITA
O Brasil apresenta uma forte polarização política, entre esquerda e direita, que vem
crescendo desde 2014 com a ascensão de idéias neoconservadoras e com a progressão do
Movimento Brasil Livre (MBL), um movimento político vinculado a direita brasileira com ideais
liberais e conservadores, responsável este por mobilizar a população do Brasil a onda de protestos
e manifestações populares contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, levando ao seu processo de
impeachment. A nova direita brasileira foi influenciada também pelo processo de eleição americano
no ano de 2016, do hoje ex-presidente Donald Trump, que possui ideários de extrema direita
conservadora, indo de contraponto às políticas sociais e favorecendo o crescimento do liberalismo
econômico nos Estados Unidos.
A nova direita nada mais é do que a herança da direita nacionalista e da direita liberal que o
Brasil conheceu nas décadas dos anos 30 e 60, com a junção do fanatismo religioso, judaico-cristão,
esta se pauta no livre arbítrio e nos exemplos de ações presentes nas escrituras da bíblia cristã de
como deve ser a atuação do Estado, excluindo a subjetividade e pluralidade dos seres humanos.
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“concorrência”. O fundamento religioso incorpora o discurso empreendedor, através da Teologia
da Prosperidade, mas também os discursos punitivos e armamentista, com políticas de alianças
com esses setores.
Logo, a nova direita e a bancada evangélica que vem se fazendo presente nas decisões
políticas do nosso país, caminha em direção contrária da legislação presente na Constituição e
da garantia dos direitos sociais, que deveria garantir o Brasil como um Estado laico - imparcial as
questões religiosas dos indivíduos - separando o estado da igreja, visto que a colonização brasileira
iniciou-se pelo processo de catequização católica dos povos indígenas e pautou durante muito
tempo a moral e costumes dos indivíduos, segue sendo perpetuada de outras maneiras.
A Assistência Social no Brasil surgiu desconectada do Estado e com forte presença das
instituições filantrópicas e religiosas e, após décadas de discussões e redefinições, esse cenário
finalmente foi remodelado e reinterpretado, a Assistência Social tornou-se um direito garantido
pela constituição cidadã, mais especificamente no seu 203º artigo, “A assistência Social será
prestada a quem dela necessitar”, e, além disso, conta com uma lei orgânica para regulamentar esse
processo. Apesar desses avanços a assistência social sempre viveu em um território tomado por
uma “confluência perversa entre, de um lado, o projeto neoliberal que se instala em nossos países
ao longo das últimas décadas e, de outro, um projeto democratizante, participatório” (DAGNINO,
2016, p. 195). Esse projeto neoliberal, embora estivesse presente desde o surgimento do projeto
constitucional da assistência, adotou diferentes facetas para o enfraquecimento dessa política com
o surgimento da nova direita.
Inicialmente esse movimento tenta minar as bases teóricas e acadêmicas dos profissionais que
trabalham diretamente com a prática dessa política, tomemos como exemplo um dos movimentos
conservadores dessa área, o “Serviço Social Libertário propõe difundir as ideias liberais, a partir dos
principais temas discutidos nas áreas sociais, econômicas, políticas e culturais” (SERVIÇO SOCIAL
LIBERTÁRIO, 2016), esse tipo de movimentação fundada no mesmo berço antipetista de tantos
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outros grupos visa não somente uma suposta pluralidade ideológica como também o abandono da
corrente marxiana. Além disso, esse grupo também defende interesses que não necessariamente
correspondem aos interesses da classe trabalhadora, como a PEC 241, crítica à Lei Rouanet e a
defesa da Reforma da Previdência (SILVEIRA, 2019).
Mas, além do Serviço Social Libertário, que apesar de esforços verdadeiramente apelativos
nunca conseguiu passar de uma fração irrisória e diminuta dos projetos ideológicos do curso, o que
verdadeiramente afetou a formação e qualificação dos profissionais dessa área foi o movimento
iniciado em 2005 que ocasionou a popularização do ensino à distância no Brasil, que leva a um
“processo formativo desqualificado” (SANTOS, ALMEIDA, SANTOS, 2016, p10) dentro do Serviço
Social. “Assim, o perfil do profissional formado pelo ensino a distância será um perfil que tende
ao empobrecimento profissional. A formação profissional nesta modalidade é propensa a ser
uma formação acrítica, não reflexiva” (CHAGAS, p. 54, 2016). Dessa forma, o desenvolvimento
de estratégias de enfraquecimento teórico-ideológico parte da tentativa de minar os atores
que participam ativamente da defesa dos direitos inerentes às populações pauperizadas, mas,
evidentemente, a ofensiva da nova direita não se resume a isso.
Destarte, outra faceta dessa questão repousa sobre o financiamento dado à política de
assistência, conhecida como “irmã pobre” da seguridade, ela passou por uma montanha russa
no que diz respeito às flutuações dos valores destinados a sua concretização. Delgado (2022) traz
alguns números acerca disso, fazendo um recorte temporal dos governos do ex-presidente FHC até
o governo de Michel Temer temos o seguinte:
Esse gráfico elucida com grande facilidade a evolução desse investimento, onde o governo
Temer só teve um orçamento aprovado para a assistência de 900 milhões de reais. (DELGADO
et al., 2022). Além disso, esse período de queda nos investimentos é concomitante a todos os
movimentos sociais de origem reacionário e conservadora no Brasil, que levaram ao golpe e,
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atualmente, ao grande número de deputados fisiologistas eleitos, ao final da janela de filiações e
trocas de partidos desse ano a maior bancada da câmara federal corresponde ao Partido Liberal
(PL), com 78 deputados (DI CUNTO, 2022).
Essas duas manobras, por si só, já representam grandes riscos para a consolidação e
efetivação da assistência social no Brasil, a garantia de direitos mister entra em cheque a cada
nova movimentação do capital monopolista e ameaça os tímidos avanços sociais conquistados pela
classe trabalhadora.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A nova direita brasileira é fruto do projeto de naturalização das desigualdades sociais que
moldou e molda a cena política. Entretanto, os esforços populares contrários a essa ideologia,
produziram ao longo dos anos subsídios de enfrentamento através da construção de garantias
legais a exemplo da consolidação do sistema de seguridade social estabelecido na cf de 88
O que podemos entender desse contexto, é que o avanço da nova direita ao atacar a
proteção social ataca diretamente a noção de cidadania, uma vez que os direitos estabelecidos
constitucionalmente são uma conquista coletiva.
Sendo assim, a Assistência Social como parte integrante da seguridade não pode ser
focalizada a um público de pobreza absoluta tendo em vista que é uma peça fundamental para a
construção não só de uma população, mais igualitária como também ferramenta de transformação
da consciência política.
As políticas sociais fazem parte das conquistas civilizatórias, podem adquirir radicalidade
em países como o Brasil, mas não são a solução para a desigualdade estrutural, para a miséria
provocada, para a exploração do capital sobre o trabalho. (BEHRING& BOSCHETTI, 2009, p. 46).
Importante ter em conta o viés contraditório das políticas sociais por serem capazes de atender ao
mesmo tempo as demandas do capital e do trabalho.
Vale ressaltar que a atual conjuntura brasileira apresenta-se profundamente hostil aos
interesses dos trabalhadores e do subproletariado, em que a correlação de forças apresenta-se
altamente desfavorável à disputa por recursos financeiros e na garantia de direitos e legislações
protetivas que estão sob grave ameaça, ou já têm sido retirados. Sendo assim, urge buscar formas
de resistência e de ampliação do debate.
96
96
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98
98
PERSPECTIVAS POLÍTICO-ECONÔMICAS NA DINÂMICA DA QUESTÃO INDÍGENA
RESUMO
ABSTRACT:
99
99
1. INTRODUÇÃO
Baseado nos dados, identificou-se as principais ações do Estado, a sua abordagem em relação
a priorização das pautas indígenas e as imposições da economia burguesa. Finalmente, refletiu-se
criticamente sobre a contradição dessas políticas e as consequências sociais que provocadas.
Segundo Potyara Pereira (2009, p.9), o Estado não é neutro, pois constitui-se dos interesses
de classes da sociedade que o configura:
A partir desta concepção, a autora enfatiza que o Estado compõe as relações na sociedade,
de dominação, “ou a expressão política da dominação do bloco no poder, e um conjunto de
instituições mediadoras e reguladoras dessa dominação” (Pereira, 2009, p. 11).
100
100
para a dominação de classes por meio da renda da terra.
Este processo econômico burguês enfatizado por Engels (2019), ocorreu no Brasil pela
disputa territorial, que envolveu interesses de classes distintos, composto pela burguesia de
latifundiários e agentes públicos do Brasil Império, que, diante da condição de poder coercitivo e
armado, dominaram os povos indígenas e todas as populações que não se integraram-se ao modelo
de sociedade colonizadora, que significava viver conforme a classe hegemônica dos países centrais.
Nessa direção, corroboram as definições sobre Estado em Osório (2017, p. 2) como uma
condensação dessas relações de poder, sejam elas políticas, de raça, e de gênero, que se apresentam
atravessadas por variadas formas e de distintas direções que conformam a sociedade.
Em meados de 1910, foi criado o Serviço Nacional de Proteção ao Índio -SPI - como um
mecanismo estatal para controlar e segregar a população indígena, e integralizá-los a lógica de
produção do sistema capitalista. Regulamentado pelo Decreto nº. 8.072, de 20 de junho de 1910,
que legalizou, entre outras medidas, a concessão de terras devolutas aos indígenas no Brasil, com
o objetivo de conter e controlar os territórios, eliminando todas as possibilidades de resistências
indígenas contra a expropriação e aculturamento dessa população.
Em substituição ao SPI, foi inaugurada a FUNAI - Fundação Nacional dos Povos Indígenas, Lei
nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, o único órgão indigenista oficial do regime militar responsável
pelo processo de Demarcação de Terras Indígenas. Esse órgão seguiu a mesma lógica colonizadora
de restringir o uso do espaço indígena, na tentativa de segregá-los da sociedade não-indígena,
para enfraquecer as resistências, visto que permanecia intacta na sociedade a visão colonial racista
sobre a vida indígena.
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101
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, artigos 231 a 232, os povos
originários têm os seus direitos sociais e civis estabelecidos sob a perspectiva democrática. No
entanto, estes não são devidamente assegurados pelo Estado. Eles refletem medidas políticas
protetivas assimilacionistas, que buscavam integralizar a população indígena à nação, rejeitando
as suas culturas, organizações políticas e sociais, idiomas, e quaisquer manifestações contrarias às
práticas culturais hegemônicas.
O Ministério dos Povos Indígenas, fundado em 2023, durante o Governo Lula, assume a
FUNAI como uma autarquia. É a primeira vez que os povos indígenas chegam à institucionalidade
representados no alto escalão da administração pública.
• Marco Temporal (Projeto de Lei 490/07) - consiste em estabelecer uma data limite
ao direito de reivindicação sobre a Demarcação de Terras Indígenas em todo o país
que ocorreram até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro
de 1988.
A interpretação econômica burguesa agrária de tal Tese é de que tal projeto evitaria conflitos
entre os fazendeiros, agropecuaristas, madeireiros, posseiros, mineradores e indígenas. No entanto,
sob a vista dos povos indígenas, defender tal tese significaria a validação dos genocídios, violências,
expropriações e todas as formas de coerção e opressão feitas pelo Estado antes da promulgação
da CF/88, para que os indígenas perdessem os seus territórios. Além de tratar-se de uma tese
102
102
inconstitucional, contra todos os valores culturais pertencentes às suas etnias.
O documento “O que esperamos dos próximos governantes, 2022” (CNA, 2022, p. 84)
explicita os objetivos da burguesia do agronegócio. Entre elas:
103
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Este reconhecimento possibilita intervenções de maneira equitativa, universal, assim como
consta nos princípios da Constituição Federal de 1998. Porque não há como garantir direitos, sem
nos atentarmos à diversidade étnica racial existente nesse país e sem a consulta prévia aos povos
originários para realização de quaisquer ações relacionadas às intervenções em suas vidas.
Essa passagem revela a perspectiva indígena sobre a relação do ser humano com o trabalho,
bem como a sua organização social, baseada na vida coletiva, e jamais individualizada.
Ainda que as políticas sejam construídas para atender a população indígena, elas partem de
interesses antagônicos, e segue um projeto da classe hegemônica, que significa o prevalecimento
da cultura hegemônica, em detrimentos dos direitos das classes dominadas.
Desse modo, entende-se que a Questão indígena, é agravada pelas invasões de terras, que
acontecem pelo esvaziamento e pela falta de robustez das políticas de proteção social desses povos,
em especial pelos desmantelamentos dos aparelhos estatais que estão envolvidos no processo de
demarcação de terras indígenas.
Embora os Direitos Sociais dessa população tenham uma jurisdição com princípios
democráticos, eles encontram-se postos sob um Estado de origem burguesa que é contraditório,
que envolve a dominação, e, portanto, a sua ampliação, não significa a superação da estrutura de
sociedade que configura o Estado.
104
104
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho objetivou tratar no campo teórico, sobre o direito da população originária ao
território. Diante dos fatos apresentados, pôde-se concluir que a Questão Indígena está relacionada
aos vários processos que conduzem as políticas públicas no país, atravessada por uma histórica
disputa política entre o projeto colonizador do Estado e a luta pela vida indígenas, evidenciando
uma intensa política de extermínio e acumulação de capital, em detrimento dos direitos dos povos
tradicionais no Brasil, como dos indígenas.
REFERÊNCIAS
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os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
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2023.
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p. 25–51, 2017. DOI: 10.22422/2238-1856.2017v17n34p25-51. Disponível em: https://periodicos.
ufes.br/temporalis/article/view/17820. Acesso em: 24 jul. 2023. Acesso em: 24 de jul. 2023.
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LACED/Museu Nacional, 2006. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/
me004372.pdf. Acesso em: 16 out. 2023.
PEREIRA, Potyara A. P. Estado, sociedade e esfera pública. in: CFESS; ABEPSS. (org.). Serviço Social:
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DÉCADA DE 2000: NOTAS PARA O DEBATE. IN: 16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais. Tem:
“ 40 anos da “Virada” do Serviço Social”. Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3Yy3qNe.
Acesso em: 24 jul. 2023.
106
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REFORMA ATUAL DO ENSINO MÉDIO E O EMPRESARIAMENTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste texto é analisar dois fundamentos da reforma do ensino médio instituída
por meio da Lei nº 13.415/2017. A reforma é aqui compreendida como parte de um projeto
político-pedagógico de larga envergadura tanto em sua capilaridade ao afetar toda a educação
básica brasileira quanto pretende alterar a organização do ensino superior. Mas, sobretudo, como
parte de um contexto de crise do capitalismo. Essa abrangência e o seu grau destrutivo da educação
pública no país pode explicar a emergência adotada pelo então Presidente Temer (2016-2018) ao
enviar uma Medida Provisória para o Congresso Nacional assim que instalado um novo golpe à
democracia brasileira.
Este texto apresenta esses dois fundamentos, mesmo que brevemente. Duas semanas
após o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, ocorrido em 31/08/ 2016, o recém-nomeado
Ministro da Educação José Mendonça Bezerra Filho apresentou ao Presidente da República Michel
Temer a Exposição de Motivos (EM) no 00084/2016/MEC, de 15/09/2016, em que argumentava a
favor de mudanças significativas no ensino médio. A Exposição de Motivos deu origem à Medida
Provisória – MP no 746, de 22/09/2016, após sete dias, portanto, da data da solicitação. Dentre
outras providências, a MP instituía a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino
Médio em Tempo Integral e alterava a Lei nº 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A
Medida Provisória foi convertida na Lei no 13.415, de 16 de fevereiro de 2017.
As justificativas para a criação das reformas do ensino médio no Brasil se pautaram nas
orientações advindas dos organismos internacionais. A EM 00084/2016, chamava atenção para
Muitos estudiosos (Ferreira, 2017; Kuenzer, 2017; Lima & Maciel, 2018) denunciaram a
forma autoritária com que se impôs uma reforma por meio de medida provisória, desconsiderando
a comunidade acadêmica e escolar, especialmente os jovens e seus professores. Lima e Maciel
(2018) apontam, inclusive, que a própria Procuradoria Geral da República se posicionou, em
dezembro de 2016, pela inconstitucionalidade da medida provisória, por não apresentar os
requisitos de relevância e urgência exigidos para a edição deste instrumento. Todavia, apesar de
todos os questionamentos, críticas e resistências durante o seu processo de tramitação, a MP nº
746/2016, foi convertida no início de 2017 na Lei nº 13.415, dando prosseguimento à atual reforma
do ensino médio, intitulada pelo governo federal como “novo ensino médio”.
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Em linhas gerais, a organização curricular do ensino médio é alterada porque deixa de
ter um tronco comum para todos os estudantes, passando a admitir diferentes percursos, sob o
argumento de atender os diferentes projetos de vida dos jovens. O currículo do ensino médio,
então, é composto por dois ciclos: o primeiro, formado por uma Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), comum a todos; e, o segundo, por itinerários formativos, “[...]que deverão ser organizados
por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local
e a possibilidade dos sistemas de ensino” (Brasil, 2017). Na BNCC está previsto o limite máximo de
1.800 horas, sem a definição de uma carga horária mínima, destinadas aos conteúdos organizados
pelas redes de ensino em quatro áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências humanas
e ciências da natureza), tendo unicamente como disciplinas obrigatórias Língua Portuguesa,
Matemática e Língua Inglesa. Quanto aos itinerários formativos são previstas as mesmas quatro
áreas do conhecimento, acrescidos da formação técnica, que comporiam as cinco ênfases, dentre
as quais, segundo o MEC, os próprios estudantes poderiam escolher para aprofundamento de seus
estudos.
Quando ainda havia somente a MP nº 746/2016, Cunha (2017) publicou um artigo onde
apresenta a hipótese de que a reforma é resultado da retomada da função “contenedora” atribuída
ao ensino médio, pois retoma a antiga concepção do ensino médio como preparação para o ensino
superior, para uns, e formação para o trabalho, para outros. Para o autor, tudo parece indicar que a
explicação dessa política se encontra não no Ensino Médio, propriamente, mas no Ensino Superior,
como nas reformas das décadas de 1970 e 1990. Essa hipótese é explorada pelo autor a partir da
crise da expansão do setor privado do Ensino Superior, que vinha do segundo governo Dilma e, o
acirramento dessa crise, já no governo Temer, principalmente pelo estreitamento do financiamento
governamental.
Cunha (2017) situa a crise vivida pelo ensino superior privado com falências de faculdades e
centros universitários depois de vários anos de acelerado crescimento, com apoio governamental.
Ademais, aponta a redução drástica do financiamento governamental, particularmente o Fundo de
Financiamento Estudantil do Ensino Superior (FIES) que, em 2014, contava com 38% do alunado
das instituições privadas, proporção que caiu para 19% em 2015. “Os alunos pagantes não ficaram
imunes à crise que atinge as famílias da baixa classe média, notadamente o desemprego. Tudo isso
resultou em uma taxa de inadimplência, em 2016, da ordem de 50% dos contratos” (CUNHA, 2017,
s/p).
Assim, para Cunha (2017), a contenção da demanda de Ensino Superior foi a explicação da
MP nº 746/2016, complementada com a redução do financiamento estudantil mediante o FIES, em
volume de recursos/vagas e transferência para as instituições privadas dos encargos financeiros
até então assumidos pelo governo. O autor ainda conjectura que, considerando o caldo de cultura
ideológica instalado com o golpe, a cobrança de mensalidades pelas universidades públicas (para
o que seria preciso uma reforma da Constituição) reduziria parte de suas vantagens comparativas
diante das privadas, que poderiam atrair para estas um maior número de candidatos capazes de
pagar seus cursos de graduação.
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Decorridos poucos anos da publicação do artigo de Cunha (2017), vimos o Congresso
Nacional ameaçar a sociedade brasileira com a cobrança de mensalidades nas universidades por
meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 206/19, retirada da pauta por força da pressão
dos movimentos sociais e dos deputados de oposição ao governo. Desde 2019, o projeto de
cobrança de mensalidades nas universidades públicas ronda a sociedade confirmando a rede de
interesses ligada à reforma do ensino médio sob o olhar atento de Cunha.
O Parecer nº 05/2022 apresenta uma síntese histórica e linear do Enem criado em 1998,
apontando suas principais características e as mudanças ocorridas até o ano de 2021. Segundo o
documento, o “Enem original” (denominação do documento ao Enem 1998-2008) sinalizou um
conceito mais abrangente de aprendizagem: por resolução de problemas, interdisciplinaridade
e contextualização, constituindo-se em um bom instrumento, na visão dos conselheiros, para
qualificar o desempenho dos estudantes egressos do Ensino Médio, e não para selecioná-los ou
classificá-los como o vestibular tradicionalmente faz. Já o Enem atual, de acordo com o Parecer,
descaracteriza o Enem original, que visava romper os vínculos tradicionais do Ensino Médio com o
vestibular, e recupera o sentido de uma Educação Básica comprometida com o Ensino Superior, ao
se tornar um vestibular nacional, um processo de seleção extremamente competitivo.
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O ensino fundamental também é afetado pela reforma do ensino médio desde sua primeira
etapa. Essa afirmativa foi constatada após acompanhar as políticas educacionais que estão se
movimentando no quadro histórico atual. A observação dos fatos relatados em documentos de
variados gêneros como uma lei ou uma notícia de jornal ou até mesmo por meios de relatos gerais2,
leva a conferir a extensão e a profundidade que a lógica de projeto adentrou no universo escolar.
O modelo Escola da Escolha está hoje presente no Ensino Fundamental ofertado em pelo menos
1.300 escolas no país. Em Cachoeiro de Itapemirim/ES, por exemplo, o modelo foi iniciado em 2019
com duas escolas e, no ano de 2022, o modelo está em 7 (sete) escolas do município, em parceria
com o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE).
A reforma aparenta uma liberdade de escolha, mas no fundo o que faz é exercer o controle
sobre o indivíduo ao firmar e autoafirmar uma determinada conduta social. A atividade é a
grandeza que mede as pessoas em uma cité de projetos (Boltanski; Chiapello, 2009), mas que não
se confunde com trabalho assalariado. A noção geral de emprego é substituída pelo conceito de
portfólio de atividades que cada um administra por conta própria. A atividade tem em vista gerar
projetos ou integrar-se em projetos iniciados por outros. “Ter a opção de não se engajar em dado
projeto, portanto poder escolher os seus projetos, é uma das condições para o funcionamento
harmonioso da cidade, e essa condição é garantida pela pluriatividade que cada um desenvolve”
(Boltanski; Chiapello, 2009, p. 142). O valor constituído na cité de projetos é exatamente a diferença
e não a capacidade de fundir-se em formas coletivas e, a criatividade, é função do número e da
qualidade dos elos construídos por cada indivíduo.
Esse raciocínio presente no mundo empresarial explicitado por Boltanski e Chiapello (2009)
pode ser relacionado ao projeto da reforma do ensino médio quando foca a formação dos jovens a
partir da ideia de cada indivíduo com seu projeto de vida. A cité par projeto guarda como princípio
2 https://www.cachoeiro.es.gov.br/noticias/rede-municipal-de-cachoeiro-e-a-primeira-do-es-a-adotar-metodo-
logia-escola-da-escolha/
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fundamental a adaptabilidade, flexibilidade e fugacidade das estruturas, aspectos relevantes no
espírito da atual fase neoliberal de sociedade. O projeto educacional é parte integrante cada
vez mais acentuado para a constituição dessa sociedade a partir de duas funções principais que
a educação pode proporcionar: sendo uma alavanca para o mercado por ser um campo vasto e
diversificado para o desenvolvimento de negócios e, por ser um tempo/espaço fundamental para
formar os indivíduos necessários (adaptados) para esse projeto.
Podemos entender que neste contexto aqui narrado ocorre uma mudança no exercício
do poder e com uma velocidade nunca experimentada. O que significa uma potencialização das
formas liberais vividas historicamente pela população ocidental que radicaliza a envergadura da
vara para a direção de políticas antidemocráticas, conservadoras e fundamentalistas. Para o mundo
conexionista, a educação precisa mudar o rumo até agora adotado com base no princípio da gestão
democrática. Daí é possível entender a origem dos projetos de lei que buscam perseguir docentes
como estratégia para impor uma conduta moralmente fundamentalista no interior das escolas.
A atual reforma do ensino médio se instaura no estágio de radicalidade neoliberal que faz o
sistema capitalista tornar-se mais explorador e concentrador de renda, no mesmo tempo que captura
as subjetividades por meio de dispositivos que buscam agregar aspectos morais conservadores no
interior de uma sociedade frustrada diante das promessas não cumpridas da modernização liberal
e da democratização social. A partir desse raciocício, argumentamos que se na década de 1990, na
primeira onda neoliberal, a empregabilidade é a elaboração ideológica que explica a questão social
do ponto de vista do sujeito individual que disputa um emprego; na segunda onda neoliberal, o ser-
empreendedor (ser-empresa) é o projeto pedagógico por excelência que a escola deve desenvolver
em uma era que anuncia o fim do emprego. Dessa forma, ocorre um deslocamento não aleatório
da ideia do sujeito em face à empregabilidade para o empreendedorismo.
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Nesse contexto de atualização da TCH é que se torna importante observar a lógica social
que sustenta as redes de significados que dão origem às reformas educacionais conferindo dilemas
de natureza diversa que vão influir no direito à educação e na condição de exercício desse direito
à população da escola pública.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BOLTANSKI, L. e CHIAPELLO, E. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
CHAUI, M. A universidade pública sob nova perspectiva. In: Revista Brasileira de Educação. Anped,
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Finanças verdes no Brasil: perspectivas multidisciplinares sobre o financiamento da transição verde.
São Paulo: Blucher Open Access, 2022.
112
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MESA 2: CLASSES, LUTAS SOCIAIS E DIREITO
MOVIMENTOS POPULARES E POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO DE 2003 A 2016 NO BRASIL
1. INTRODUÇÃO
Desta maneira, os movimentos populares são concebidos enquanto uma forma de luta
social que organiza segmentos sociais (mulheres, população negra, estudantes, população das
periferias, indígenas e dentre outros) em torno de lutas contra relações de dominação e opressão
estabelecidas, reivindicando o acesso, a expansão e a consolidação de diversos direitos de cidadania.
A atuação dos movimentos populares durante a crise do regime ditatorial (1964-1985) que
se deu a partir de meados da década de 1970, fez com que eles se tornassem em um dos principais
protagonistas da luta pela redemocratização e do processo constituinte na segunda metade da
década de 1980. Apesar desse processo não ter sido homogêneo do ponto de vista das forças
sociais envolvidas, um dos seus principais resultados foi a Constituição de 1988 que regulamentou
políticas públicas relacionadas às reivindicações das classes trabalhadoras e demais segmentos
dominados.
114
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2. DESAFIOS ACERCA DOS DIREITOS DE CIDADANIA NO NEOLIBERALISMO BRASILEIRO
E AS PARTICULARIDADES DE 2003 A 2016
Nesta perspectiva, vê-se nas diferentes conjunturas históricas existentes no Brasil desde
o início do século XX, que as lutas sociais foram fundamentais para que os direitos de cidadania
fossem conquistados e regulamentados.
No âmbito das lutas sociais, esses aspectos que ocasionaram profundas mudanças no mundo
do trabalho levaram ao enfraquecimento do movimento sindical. Dentre as diversas expressões
dessa problemática, Antunes (2010) destaca que passou a existir um fosso entre os trabalhadores
“estáveis” e os que se encontravam em condições trabalhistas precarizadas, gerando certa
separação e diferenciação entre esses segmentos, e dificultando formas comuns de organização
sindical entre eles.
Contudo, apesar desse contexto de correlações de forças desfavoráveis para as lutas da classe
trabalhadora, parte dos movimentos populares permanecerem com suas lutas e reivindicações
durante a década de 1990, e avançaram no caráter contestatório do modelo neoliberal. Nesse
sentido, se destacou principalmente a atuação de movimentos populares como os de luta pela
moradia e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Desta maneira, ao se situar os movimentos populares enquanto uma forma de luta social
que se constituem em “modos de contestação contra as diferentes formas de exploração e
dominação que emergem no capitalismo contemporâneo [...]”, (Galvão, 2012, p. 256), identifica-
se que através de suas demandas e reivindicações por serviços e políticas públicas; ampliação da
115
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democracia; em defesa dos recursos naturais e pelos direitos de cidadania; esses movimentos vêm
mobilizando desde o início do neoliberalismo no Brasil, parte dos segmentos sociais que enfrentam
os desdobramentos mais perversos das desigualdades vivenciadas nesse contexto.
Nesse sentido, Machado (2006) afirma que os movimentos populares conseguiram desde
a década de 1990 diminuir o ritmo do avanço neoliberal no Brasil. Essa realidade vem colocando
para eles um conjunto de desafios, que segundo Houtart (2006) ultrapassa a dimensão específica
dos movimentos em si, permeando a busca pelos seus objetivos específicos de maneira articulada
aos desafios gerais impostos pelo neoliberalismo; pela construção de uma consciência coletiva
baseada na ética de defesa do humano; a criação de mecanismos de cultivo da utopia tendo como
horizonte a transformação social como possibilidade histórica; a realização de alianças conjunturais
e estratégicas entre sujeitos diferentes para a construção de lutas comuns e concretas. Desta
maneira, aponta:
Situado nesse contexto mais amplo do neoliberalismo enquanto atual fase do capitalismo,
durante os anos de 2003 a 2016 em que o Partido dos Trabalhadores assumiu o Governo Federal
houve um processo de expansão das políticas públicas que possibilitou o acesso de diferentes
segmentos da população aos direitos de cidadania. Contudo, ressalta-se que isso se deu mantendo
a hegemonia do capital financeiro e estabelecendo uma política fiscal, cambial e de crédito que
desenvolveu a economia interna, ao mesmo tempo em que ampliou as ações voltadas para os
setores mais pauperizados da população (Almeida, 2012).
Nesse sentido, é possível apontar em linhas gerais com base em Saad Filho; Morais (2018)
que desde o início a conformação dos governos do PT (principalmente no que diz respeito aos
dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva) teve um significado de buscar conciliar interesses de
ampliação do Estado no âmbito econômico e social por parte da esquerda e de manutenção de
medidas econômicas que beneficiavam parte das classes dominantes (principalmente a burguesia
interna e a oligarquia agrária). Diante disso e considerando a permanência da hegemonia neoliberal,
assim como as mudanças políticas e ideológicas recentes pelas quais o próprio PT havia passado no
sentido de adquirir o caráter de um Partido mais reformista, os governos de 2003 a 2016 acabaram
ficando restritos a certo tipo de gerenciamento do neoliberalismo com “mudanças marginais”
(Saad Filho; Morais, 2018, p. 141).
Diante desses breves elementos, aponta-se que o período de 2003 a 2016 foi marcado por
profundas contradições permeadas pelos conflitos de classes que diante das particularidades da
conjuntura brasileira se acirram a partir de 2013 tendo como desfecho o golpe parlamentar, que
com o apoio das classes dominantes suspendeu o mandato presidencial de Dilma Rousseff do PT
em 2016, inaugurando uma nova fase neoliberal no Brasil, caracterizada dentre outros aspectos,
116
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por uma profunda regressão aos direitos de cidadania.
Com isso, se chegou a um total de 34 movimentos populares, sendo eles: Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra- MST; Movimento de Mulheres Camponesas- MMC; Movimento
Brasil pelas Florestas; Movimento de Libertação do Sem-Terra- MLST; Movimento Ambientalista;
Movimento de Pequenos Agricultores- MPA; Movimento Nacional dos Pescadores - MONAPE;
Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP; Movimento Indígena; Movimento Passe
Livre-MPL; Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto- MTST; Movimento Nacional da População em
Situação de Rua; Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos;
Movimento dos Trabalhadores (as) por Direitos- MTD; Movimento Nacional de Luta pela Moradia-
MNLM; Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis - MNCR; União Nacional dos
Estudantes- UNE; União Brasileira dos Estudantes Secundaristas- UBES; Movimento Interfóruns
de Educação Infantil do Brasil- MIEIB; Levante Popular da Juventude- LPJ; Movimento em Defesa
das Pessoas Atingidas por Hanseníase- MOHAN; Movimento em defesa da saúde pública/Frente
Nacional contra a Privatização da Saúde; Movimento Hip Hop; Fora do Eixo; Levante Popular da
Juventude- LPJ; Movimento dos Atingidos por Barragens- MAB; Movimento pela Soberania Popular
na Mineração- MAM; Marcha Mundial de Mulheres- MMM; Movimento LGBTQIA+; Movimento de
Mulheres Negras; União Brasileira das Mulheres- UBM; Liga Brasileira de Lésbicas- LBL; UNEGRO;
Movimento Negro Unificado – MNU.
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e a construção de ações em torno de uma estratégia e táticas comuns. E há os movimentos que
possuem uma organização mais difusa e diversa, em que diferentes concepções político-ideológicas
acerca das formas de luta e atuação coexistem no âmbito do próprio movimento, desde que sejam
coerentes com os seus objetivos. A partir da singularidade de cada movimento, o que se identifica
em todos é a forma de organização e atuação coletiva em suas mais diversas maneiras, seja através
de núcleos, setores, grupos de base, fóruns, equipes de trabalho e/ou manifestações. Além disso,
se observa como especificidade dos movimentos que se organizam em torno do centralismo
democrático a existência das direções políticas, assembleias, plenárias e congressos enquanto
espaços deliberativos.
Em relação aos seus principais objetivos, a maioria dos movimentos associa os seus objetivos
particulares, ou seja, os objetivos que dizem respeito especificamente às demandas do segmento
social que ele organiza (mulheres, indígenas, pessoas negras, sem-teto, sem-terra, trabalhadores/
as desempregados/as, populações atingidas, população LGBTQIA+, dentre outros), com objetivos
mais amplos que envolvem principalmente a defesa da democracia, da justiça e igualdade social,
da preservação do meio ambiente, dos direitos humanos e do caráter público e laico do Estado.
Além disso, observa-se que seus respectivos objetivos estão associados às lutas pelo fim dos
sistemas de poder e dominação (racismo, patriarcado, capitalismo, colonialismo, capacitismo,
sistema heteronormativo) e em parte desses movimentos fica explícito a defesa de reformas sociais
vinculadas a projetos societários alternativos ao capitalismo.
Em relação ao que foi constatado acerca das reivindicações e das ações, ressalta-se que
o conjunto das demandas dos movimentos populares abarcam reivindicações acerca de políticas
públicas como saúde, educação, habitação, previdência, alimentação, agrária, transporte, igualdade
de gênero e racial, trabalho digno; reivindicações acerca da preservação e da defesa dos recursos
naturais (por terra, por outro modelo de mineração, por outro modelo energético, pelo meio
ambiente); reivindicações de pautas amplas (pela democracia, contra o imperialismo, contra o
neoliberalismo, contra as privatizações, contra os tratados de livre comércio); reivindicações pela
valorização das identidades (combate à violência contra as mulheres e a população negra; combate
às práticas racistas e sexistas; em defesa da diversidade sexual, afetiva e de gênero); reivindicações
em defesa dos direitos humanos.
Sobre o caráter dessas reivindicações, o que se identificou como predominante foi uma
perspectiva de defesa no sentido da consolidação e ampliação dos direitos de cidadania e dos
serviços públicos existentes; de criação e regulamentação de políticas públicas que promovam a
justiça social, racial e de gênero; do combate a todo e qualquer ato de preconceito e discriminação;
da implantação de medidas estruturantes e definitivas por parte do Estado, com vistas a promover
a distribuição da renda, da terra e da riqueza, incluindo a democratização do acesso ao fundo
público; da criação de uma nova matriz produtiva, energética e ambiental que inclua relações de
trabalho socialmente justas com base em um sistema produtivo que preserve a natureza e a saúde
humana; da construção de uma cultura democrática, plural e diversa.
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interna de cada um deles; o da denúncia, pressão, negociação e preposição de políticas públicas
junto ao Estado e o do diálogo com a sociedade, visando a construção de valores e práticas que
fortaleçam os seus objetivos de luta.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Editora UFRJ, 2008.
GALVÃO, Andréia. Marxismo e movimentos sociais. In: GALVÃO, et. al. Capitalismo: crises e
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120
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AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA PÚBLICA:
análises do endividamento público no Governo Fernando Henrique Cardoso
RESUMO
ABSTRACT
This article results of work of research about social movements, the Non-
Profit Association Auditoria Cidadã da Dívida Pública, which aim to conduct
the citizen audit of public debit; the requeriment of compliance with Article
26 of the Transitional Provision Act- ADCT of the Federal Constitution, which
provides for an audit of the external debt; demand transparency, social
control and publicization public debt and carry out analyses of federal public
debt of Fernando Henrique Cardoso government, the dismantling of social
rights and the procedures for auditing the federal public debt.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo analisa a propositura da associação sem fins lucrativos Auditoria Cidadã da Dívida
Pública- ACD na luta pelo cumprimento de realização de uma auditoria cidadã da dívida pública
federal brasileira, de forma cidadã. De forma a exigir a transparência sobre o endividamento público
para trazer controle social e publicização da dívida pública federal; para levar o conhecimento sobre
o endividamento público, a execução orçamentária e financeira federal e mobilizar a sociedade em
geral, bem como analisar a evolução da dívida pública federal no governo FHC.
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De forma a narrar a evolução da dívida pública federal no governo FHC, com este recorte
temporal como marco inicial das atividades da ACD, de forma a ter um estudo aprofundado na
contemporaneidade, destacando a dívida pública federal neste governo e as ações da ACD.
Para analisar as políticas econômicas, monetárias e fiscais desse governo, quais foram as
medidas econômicas, quais as mudanças, além de comparar os governos de direita e esquerda e
verificar a austeridade da dívida pública federal. De modo a verificar as razões da dívida pública
federal ter aumentado no governo FHC.
O assunto da dívida pública chama atenção pelo desequilíbrio fiscal dos governos e sem uma
política monetária eficaz, que aumenta ainda mais o grau de endividamento público e destaca a má
gestão da dívida pública federal e qual foi o posicionamento da ACD durantes estes governos.
Para tal, analisamos primeiramente a dívida pública no governo FHC, com o programa de
salvamento de bancos, o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema
Financeiro- PROER e o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade
Bancária- PROES.
O objetivo deste artigo é analisar a trajetória da relação dívida pública/ PIB no governo
FHC, bem como compreender a atuação da ACD nesse governo, a partir do Plano Real essa relação
aumentou de forma contínua, com análise sobre a evolução do quadro fiscal, a exigência por parte
dos órgãos credores da dívida de alcançar o superávit primário e das privatizações. Analisar
também as Necessidades de Financiamento do Setor Público- NFSP, o aumento da despesa ao
longo desse governo, o aumento dos benefícios previdenciários do INSS, os gastos sociais com o
Bolsa Família e as despesas assistenciais da Lei Orgânica de Assistência Social- LOAS.
Segundo Giambiagi (2016), FHC fez opções na economia e sua meta era vencer a inflação
e que antes do Plano Real já houveram cinco planos frustrados de estabilização: Cruzado (1986),
Bresser (1987), Verão (1989), Color I (1990) e Collor II (1991). O primeiro governo FHC foi marcado
pela estabilização econômica, a expansão do PIB em 11% em relação ao ano anterior, o crescimento
da demanda agregada, mas também com redução da entrada de capitais associada ao ambiente
externo, as reservas internacionais do Brasil começaram a cair. O Real foi uma experiência bem-
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sucedida e com a pressão inflacionária, com a economia superaquecida e com uma deterioração do
balanço de pagamentos, as autoridades reagiram com um conjunto de medidas: uma desvalorização
controlada de 6% em relação à taxa de câmbio e o Banco Central passou a administrar um esquema
de microdesvalorizações, com movimentos ínfimos de uma banda cambial com piso e teto muito
próximos.
Ainda, segundo Giambiagi (2016), tivemos uma alta taxa de juros nominal de 4,3%,
aumentando o custo de carregar divisas. A crise fiscal de seu governo foi caracterizada pelos fatos:
um déficit primário do setor público consolidado; um déficit (nominal) de 6% do PIB e uma dívida
pública crescente. O desgaste da âncora cambial como instrumento da política monetária trouxe
deterioração da conta corrente e gerou passivos externos e a necessidade de compensar esse déficit
externo mediante a entrada de capitais que se sentissem atraídos pelas elevadas taxas de juros
oferecidas pelo mercado passou a gerar despesa financeira. Isso pressionou as contas públicas e
contribuiu para piorar a trajetória da relação dívida pública/ PIB.
Mesmo com a pressão política e econômica, FHC conseguiu implantar o Plano Real, quando
ainda era ministro da fazenda. Durante o governo Collor estabilizou a economia, que vinha de
uma alta inflação, com remarcação diária de preços, afetando o país como um todo, considerada
uma grande vitória, todavia trouxe endividamento público e o aumento da dívida pública federal
e o agravamento da relação dívida pública/ PIB, como citado no parágrafo anterior. Essa relação
mesmo sendo alta não impõe grandes condicionantes, como por exemplo, nos Estados Unidos, a
relação dívida pública/ PIB é alta, mas este país tem uma alta arrecadação de impostos.
As privatizações foram defendidas como uma forma de reduzir o déficit público sem a
necessidade de emissão de moeda ou dívida pública, em outros países o recurso das privatizações
é destinado ao pagamento de despesas correntes, na América Latina prioritariamente a receita
das privatizações é destinada para o pagamento da dívida pública, conforme Pinheiro e Landau
(1995) sobre as moedas a privatização, uma das características mais notáveis do Programa Nacional
de Desestatização (PND) é a aceitação de títulos da dívida de médio e longo prazos das estatais e
do setor público como moeda de pagamento na compra das empresas e alguns papéis da dívida
externa, todos esses títulos foram aceitos pelo valor de face. As dívidas utilizadas foram: as dívidas
securitizadas da União; as debêntures da Siderurgia Brasileira S.A- Siderbrás; os certificados de
privatização; as obrigações do Fundo Nacional de Desenvolvimento; os títulos da dívida agrária; as
letras hipotecárias da Caixa Econômica Federal e os títulos da dívida externa.
Por outro lado, Fattorelli (2013) destaca que o PROER e o PROES foram programas de
salvamento bancário, no âmbito federal, este último representou a privatização dos bancos
estaduais, o resultado desses programas foi a transferência direta de recursos públicos para bancos,
com geração de dívidas para os setores públicos nacional e estadual. O custo do PROER foi de 40
bilhões de dólares e do PROES foi de 69 bilhões de dólares.
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Desta forma, conforme Fattorelli (2013) as privatizações não trouxeram vantagens para o
país, pois as empresas estatais privatizadas eram lucrativas e o país se rendeu às exigências do
neoliberalismo, que foram a retirada de direitos e as privatizações. Sendo a maior parte beneficiada,
o capitalismo estrangeiro, que não tiveram a exigência de manutenção dos empregos e de garantia
de direitos, de adquirir produtos nacionais e ainda houve a grande exploração do ecossistema e do
bioma brasileiros.
Essas empresas estatais eram lucrativas e foram privatizadas por valores inferiores ao seu
valor de face, segundo Fattorelli (2013), algumas ainda receberam vultuosos investimentos do
governo federal antes da privatização e outras que foram privatizadas e que rendiam muito mais
que o valor arrecadado e outras ainda foram negociadas por títulos da dívida pública. Enfocando
ainda que foram tantas empresas estatais privatizadas e ainda a dívida pública dobrou.
Em relação aos bancos estaduais, estes foram privatizados, as dívidas ficaram para os
Estados, que ainda tiveram que arcar com as despesas trabalhistas dos funcionários demitidos e
destacamos ainda, que muitos Estados ainda pagam as dívidas desses bancos até os dias de hoje.
Por outro lado, Fattorelli (2013) alega que as privatizações foram engendradas para perda
do patrimônio público, várias empresas estatais doravante lucrativas foram privatizadas, como
exemplo, podemos citar a empresa Vale do Rio Doce, a maior empresa mineradora do planeta,
que era e ainda é lucrativa e que foi privatizada, vendida para o capital estrangeiro e o país ficou
como resultados, os crimes de Brumadinho e Mariana. Assim, a ACD trouxe ao conhecimento da
população o sistema da dívida pública, alegando que esta não teve contrapartida em investimentos
no país, apenas desvio de recurso diretamente para o sistema financeiro.
Desta forma, as privatizações tidas como vantajosas, que teriam ganhos comparativos,
que diminuiria a ação do Estado, que seriam mais eficientes e pontuais, todavia não houve essa
melhora esperada, perdendo assim a população brasileira com a perda do patrimônio público, de
empresas pública doravante estratégicas e lucrativas para o capitalismo, houve a piora da prestação
dos serviços e/ou fornecimento dos bens e ainda a majoração das taxas.
Para contextualizar, segue na tabela abaixo a descrição da dívida líquida do setor público em
percentuais do PIB:
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Tabela XX - Dívida Líquida do Setor Público – 1994-2002 (%PIB)
Discriminação 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Dívida interna 21,5 22,8 26,7 27,3 32,2 34,2 35,9 42,0 44,4
Governo central 6,7 8,9 13,1 15,2 18,8 19,5 21,2 23,4 24,4
Base monetária 3,6 2,8 2,2 3,3 3,8 4,1 3,8 4,0 4,9
Dívida mobiliária 11,7 14,2 19,4 25,6 31,3 34,4 38,2 45,9 40,4
Empresas estatais 5,2 4,5 3,6 0,8 1,1 1,1 0,8 2,1 1,7
Dívida externa 8,5 5,0 3,5 4,0 5,7 9,2 8,8 9,5 15,5
Dívida Total 30,0 27,8 30,2 31,3 37,9 43,4 44,7 51,5 59,9
Dívida fiscal 30,0 27,8 28,5 31,2 36,9 36,3 37,3 39,2 39,0
Ajuste patrimonial n.d n.d 1,7 0,1 1,0 7,1 7,4 12,3 20,9
Privatização n.d n.d -0,1 -1,9 -2,9 -3,4 -4,7 -4,6 -4,3
Outros ajustes n.d n.d 1,8 2,0 3,9 10,5 12,1 16,9 25,2
Dívida interna n.d n.d 0,0 0,0 0,4 3,7 4,4 5,7 10,2
Dívida externa n.d n.d 0,1 0,2 0,5 2,9 2,9 4,2 8,3
Outros ajustes n.d n.d 1,7 1,8 3,0 3,9 4,8 7,0 6,7
Fonte: Banco Central apud Giambiagi (2016, p. 189)
Na tabela acima, podemos averiguar toda dívida líquida do setor público nos dois mandatos
FHC, a relação dívida pública/ PIB sempre cresceu, aumentando o déficit pela Necessidade de
Financiamento do Setor Público- NFSP, aumentando o grau de endividamento. Giambiagi (2016)
destaca um contexto externo ruim: no período 1999 – 2002, o país enfrentou a maior crise
econômica da Argentina, a contração da maioria dos mercados da América Latina; os efeitos dos
atentados terroristas contra as Torres Gêmeas de Nova York; a desvalorização do euro; uma séria
contração de crédito nos mercados internacionais; e uma queda das exportações brasileiras e isso
tudo levou a uma necessidade maior de desvalorização cambial, com efeitos negativos sobre a
dinâmica dos preços e dos juros, que foram pressionados pela necessidade de evitar uma maior
inflação, causada pela taxa de câmbio.
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Na dívida pública federal falta transparência, publicização para saber em que consiste
o montante total, para foram investidos os recursos e se trouxe crescimento econômico e
desenvolvimento social para o país e também se representa uma dívida social, tendo em vista que
o Brasil é um país endividado.
Contudo a relação dívida pública/ PIB foi ascendente desde o início do governo FHC, segundo
informações do Banco Central, no início do governo a dívida pública era em torno de R$ 153 bilhões,
dobrou em apenas três anos de gestão, fechando em 97 em R$ R$ 306, 494 bilhões, os economistas
não se preocupavam apenas com o seu tamanho, mas sim com o seu crescimento, enfocando que
a dívida era até pequena para parâmetros internacionais, mas que houve uma explosão da dívida
no governo FHC.
As razões para o crescimento da dívida foram a alta dos juros para evitar a fuga de investidores
estrangeiros. Ainda, a União assumiu a dívida dos Estados cobrando dos governadores mais
austeridade, na federalização da dívida pública, o que muitos argumentam que foi a socialização
dos prejuízos, o governo federal socorreu bancos públicos e privados e também pela acumulação
de dólares pelo Banco Central para manter o Plano Real, tendo assim altos custos sociais. Sobre
isso, Giambiagi (2016, p. 189-190) explica:
Entre 1995 e 2002 não houve um único ano no qual a relação dívida pública/ PIB
não tenha aumentado em relação ao ano anterior. Há, porém, uma diferença fun-
damental entre os dois governos FHC. No primeiro, a dívida aumentou por razões
fiscais, pelas NFSP elevadas. Enquanto isso, no segundo governo, devido ao forte
ajuste primário, a dívida de origem fiscal se manteve relativamente estável e o
aumento do total se explica pela variação dos ajustes patrimoniais de 20% do PIB
entre 1998 e 2002, por causa dos efeitos cambiais e do reconhecimento de dívi-
das antigas – ou “esqueletos”. O fato, porém, é que os investidores, acostumados
a olhar a evolução dos grandes agregados, continuavam vendo uma dívida públi-
ca em constante aumento.
Houve uma diferença em relação à dívida pública federal nos dois mandatos de FHC,
no primeiro, com a priorização da estabilização monetária, ocorreu também o desequilíbrio
externo, uma política monetária com altas taxas de juros e uma política econômica que acarretou
desemprego. No primeiro mandato houve uma âncora cambial para estabilização monetária, base
do Plano Real, com elevação das taxas de juros para evitar a fuga de capitais estrangeiros, como
citado anteriormente, mas isso fez com a dívida pública quase dobrasse. No primeiro mandato, em
1995 a proporção do PIB era de 30% passando para 60% em 2002. O maior êxito do governo FHC
foi eliminar a hiperinflação, com estabelecimento da Unidade Real de Valor- URV para alinhar os
preços e fazer a conversão da nova moeda, o Real.
Naquele momento, houve também déficit público e déficit primário, contudo apesar
de várias empresas estatais serem privatizadas, a dívida pública federal cresceu, mesmo com o
argumento de que as privatizações diminuiriam o déficit público, ocorreu o contrário. O Brasil
fez ainda um empréstimo de US$ 40 bilhões junto ao Fundo Monetário Internacional- FMI para
assegurar o pagamento da dívida pública.
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3. CONCLUSÃO
Este artigo resultou do trabalho de pesquisa sobre o movimento social, a associação sem fins
lucrativos Auditoria Cidadã da Dívida Pública na luta pela exigência da auditoria da dívida pública
federal, de forma cidadã, analisando esta no governo FHC.
No início do governo FHC, em três anos a dívida pública dobrou, porque o governo federal
sustentou o câmbio, com objetivo também de reeleição, após o país adotou o câmbio flutuante e
meta de inflação. O aumento da dívida pública se deu em decorrência da política de estabilização.
No final do governo FHC, em 2002, segundo a Fundação Getúlio Vargas (2020), a dívida pública
atingiu 59,5% do PIB, em decorrência da elevação da taxa de câmbio, os títulos públicos eram
indexados ao câmbio.
Nos primeiros três anos de governo, a dívida pública dobrou pela alta taxa de juros para
evitar a fuga de capitais estrangeiros, os Estados endividados também contraíram dívida pública
a juros altos, houve também a federalização da dívida pública e pela acumulação de dólares para
manter a estabilidade monetária e o Plano Real, pelo lado econômico e também político para
garantir a reeleição.
No primeiro mandato, a relação dívida pública/ PIB era de 30% e no segundo mandato
já representava 44,5%, mesmo com tantas empresas estatais privatizadas e quase 90% da dívida
pública federal era dolarizada, sendo o país vulnerável a crises internacionais. Destacando a política
econômica neoliberal,
REFERÊNCIAS
FATTORELLI, Maria Lucia. Auditoria Cidadã da Dívida Pública: Experiências e Métodos. Brasília:
Inove Editora, 2013.
GIAMBIAGI, Fábio. ALÉM, Ana. Finanças Públicas: teoria e prática no Brasil. 5. ed. ver. e atual. – Rio
de Janeiro: Elsevier, 2016.
PINHEIRO, Armando Castelar. LANDAU, Elena. Privatização e Dívida Pública. Rio de Janeiro: BNDES,
1995.
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LUTAS SOCIAIS EM ANGOLA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO:
uma análise a partir dos acontecimentos de 2015 a 2023
RESUMO
Este artigo apresenta uma análise das lutas sociais em Angola no contexto
contemporâneo, focalizando no período de 2015 a 2023. Utilizando uma
abordagem multidisciplinar, o estudo examina as principais questões que
motivam as lutas sociais, suas dinâmicas e seus impactos na sociedade
angolana. Após uma revisão da literatura sobre o tema, o artigo descreve
a metodologia utilizada, que incluiu a análise de dados qualitativos e
quantitativos relacionados a protestos, manifestações e outros tipos de ação
coletiva ocorridos durante o período de estudo. Os resultados indicam uma
série de temas recorrentes nas lutas sociais em Angola, incluindo demandas
por melhores condições de vida, acesso à terra, serviços públicos de qualidade,
combate à corrupção e maior participação política. Além disso, o estudo
identifica os principais atores envolvidos nas lutas sociais, como grupos de
ativistas, sindicatos, organizações da sociedade civil e comunidades locais.
As análises revelam que as lutas sociais desempenham um papel importante
na pressão por mudanças políticas, sociais e econômicas em Angola, embora
enfrentam desafios significativos, como repressão estatal, falta de recursos e
divisões internas dentro dos movimentos sociais. Com base nos resultados, o
artigo conclui destacando a importância das lutas sociais como instrumento
de transformação social e a necessidade de políticas públicas que promovam
a inclusão, a participação cidadã e o respeito aos direitos humanos em
Angola.
1. INTRODUÇÃO
Angola, uma nação de grande diversidade étnica, cultural e geográfica, tem sido palco de
uma série de transformações políticas, econômicas e sociais ao longo de sua história. Desde sua
independência em 1975, o país passou por um período de guerra civil devastadora, seguida por um
processo de reconstrução e consolidação democrática. No entanto, apesar dos avanços alcançados,
Angola continua a enfrentar uma série de desafios, incluindo desigualdades socioeconômicas,
corrupção, restrições à liberdade de expressão e direitos humanos, e uma infraestrutura insuficiente
para atender às necessidades básicas da população.
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Neste contexto, as lutas sociais emergem como uma expressão fundamental da voz e da
resistência das comunidades angolanas frente às injustiças, desigualdades e opressões enfrentadas
em seu dia a dia. Essas lutas refletem uma variedade de demandas e aspirações, abrangendo
questões como acesso à terra e recursos naturais, direitos dos trabalhadores, igualdade de gênero,
educação, saúde, habitação e justiça social.
Considerando esta realidade, as questões que levaram à conformação neste artigo foram:
• Quais são os principais atores envolvidos nas lutas sociais em Angola e quais são
suas demandas e objetivos?
Desta maneira, este estudo diz respeito à temática das lutas sociais em Angola, tendo
como objetivo principal analisar as lutas sociais em Angola no contexto contemporâneo, focando
nos principais impulsionadores, atores, dinâmicas e objetivos que moldam esses movimentos de
resistência e protesto no período de 2015 a 2023. Ao examinar de perto essas lutas, pretendemos
oferecer insights sobre as demandas e necessidades das comunidades angolanas, bem como
destacar os desafios e oportunidades que essas lutas enfrentam ao buscar a mudança social e
política.
Nesse sentido, este artigo situa elementos sobre a realidade de Angola, abordando aspectos
acerca do Estado e do desenvolvimento da sua ordem capitalista, do seu contexto contemporâneo,
considerando a hegemonia neoliberal e a existência das lutas e movimentos sociais frente a essa
realidade.
No decorrer deste estudo, será dada atenção especial aos desafios enfrentados pelos
movimentos sociais angolanos, incluindo a repressão estatal, a cooptação por parte do grupo
hegemônico e as divisões internas dentro dos próprios movimentos. Ao mesmo tempo, serão
destacadas as estratégias e táticas utilizadas pelos ativistas para superar esses obstáculos e avançar
em suas demandas por justiça, igualdade e transformação social.
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Em última análise, esta pesquisa busca contribuir para uma compreensão mais aprofundada
das lutas sociais em Angola, oferecendo observações valiosas para acadêmicos, formuladores de
políticas e ativistas interessados no fortalecimento da democracia, dos direitos humanos e do
desenvolvimento sustentável no país.
Diante desses elementos, o presente artigo apresenta uma revisão de literatura que
fundamenta a proposta do estudo; o percurso a ser construído através da metodologia; contextualiza
historicamente e apresenta ainda análise dos dados e as referências bibliográficas que foram
utilizadas para elaboração deste estudo.
Segundo Lojkine (1997), um movimento social pode ser definido como um conjunto
organizado de práticas e ações coletivas de grupos sociais que buscam transformar as estruturas
sociais existentes. Esses movimentos surgem como respostas a contradições e conflitos inerentes
ao sistema capitalista, especialmente em relação à exploração, à dominação e à exclusão social.
Nas suas palavras:
Ademais, Lojkine (1997) enfatiza que os movimentos sociais não são apenas expressões de
insatisfação ou protesto, mas sim formas organizadas de resistência e luta por mudanças sociais.
Eles são impulsionados por uma consciência coletiva de injustiça e pela busca por justiça social,
igualdade e emancipação.
Além disso, Lojkine (1997) destaca a importância da análise das condições estruturais e
das dinâmicas sociais subjacentes que moldam os movimentos sociais, incluindo fatores como
a concentração de poder, as relações de classe, as contradições econômicas e as estratégias de
dominação da classe dominante.
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[…] o alcance histórico real de um movimento social só pode ser definido
pela análise de sua relação com o poder político. Logo, em vez de “parar”
e de “esfriar” quando confrontado ao Estado, o movimento social será
definido, em última instância, por sua capacidade de transformar o sistema
sócio-econômico no qual surgiu (Lojkine, 1997, p.320).
Nesta perspectiva, o autor analisa os movimentos sociais a partir da sua natureza coletiva,
sua orientação para a transformação social e sua inserção em contextos mais amplos de conflito e
luta de classes na sociedade capitalista. Além disso, corrobora com Alain Touraine quando diz que “o
movimento social só adquire sentido completo se tiver capacidade de opor-se à classe dominante e
ao conjunto de seu sistema hegemônico” (Lojkine, 1997, p. 314).
Os movimentos sociais são vistos como meios pelos quais o proletariado e outros grupos
oprimidos lutam por seus interesses e buscam transformar a ordem social existente. No entanto, “o
tipo de ação social envolvida é que será o indicador do caráter do movimento” (Gohn, 2000, p.14).
Em suas palavras “os movimentos geram uma série de inovações nas esferas pública e
privada, participando direta ou indiretamente da luta política de um país e contribuindo para o
desenvolvimento e transformação da sociedade civil e política” (Gohn, 2000, p.13).
Já Frank e Fuentes (1989), apresentam uma visão analítica sobre os movimentos sociais e
seu papel na transformação social em dez teses na qual afirmam que os movimentos sociais são
inerentes à sociedade, sendo uma forma de ação coletiva. E que por serem dinâmicos, podem ser
explicados por fatores estruturais e conjunturais, podendo ter diferentes objetivos, estratégias e
formas de organização que podem gerar mudanças sociais, ao mesmo tempo em que enfrentam
diversos obstáculos e desafios diante disso.
No que diz respeito à transformação social, os autores Frank e Fuentes (1989), convergem
com Gohn (2000), principalmente quando afirmam que:
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interesses de seus membros, ou não querem fazê-lo (Frank , Fuentes, 1989,
p.37).
Na mesma linha de pensamento, Touraine (2006) defende que os movimentos sociais surgem
em resposta a conflitos e contradições na sociedade contemporânea. Eles representam formas de
resistência e luta contra estruturas de poder dominantes e injustiças sociais. Os movimentos sociais
buscam promover mudanças sociais significativas, desafiando as relações de poder existentes e
defendendo novas formas de organização social.
Deste modo, os movimentos sociais podem ser vistos como motores de mudança social,
capazes de influenciar o curso da história e moldar o futuro da sociedade, conforme vimos em
Frank e Fuentes (1989) e veremos a seguir em Melucci (1989).
Conquanto, Melucci (1987, p.51) define os movimentos sociais como “uma forma de ação
coletiva (a) baseada na solidariedade, (b) desenvolvendo um conflito, (c) rompendo os limites do
sistema em que ocorre a ação”. Pois, para ele, “os movimentos sociais devem ser examinados não
à luz das aparências ou da retórica, mas como sistemas de ação” (Melucci, 1989, p.51).
No entanto, os movimentos sociais para este autor são agentes de transformação social que
buscam promover mudanças significativas na estrutura e nas relações sociais. Ele argumenta que
os movimentos sociais são impulsionados por uma aspiração pela mudança e por uma busca por
uma sociedade mais justa e igualitária.
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Os atores nos conflitos são cada vez mais temporários e sua função é revelar
os projetos, anunciar para a sociedade que existe um problema fundamental
numa dada área. Eles têm uma crescente função simbólica [...]. Eles tentam
mudar a vida das pessoas, acreditam que a gente pode mudar nossa vida
cotidiana quando lutamos por mudanças mais gerais na sociedade (Melucci,
1989, p. 59).
O autor acrescenta ainda que assim “como profetas sem encantamento, os movimentos
contemporâneos praticam no presente a mudança pela qual eles estão lutando: eles redefinem o
significado da ação social para o conjunto da sociedade” (Melucci, 1989, p. 62).
Desta maneira, compreendemos que os movimentos sociais também são impulsionados pela
consciência de classe, que surge quando os trabalhadores reconhecem sua condição de exploração
e opressão dentro do sistema capitalista. Aliás, essa consciência de classe é fundamental para a
mobilização coletiva e para a formação de movimentos que buscam defender os interesses da
classe trabalhadora.
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3. METODOLOGIA
Marx via o conhecimento teórico como um reflexo da realidade objetiva. Isso significa que
o conhecimento humano não é simplesmente uma representação subjetiva da realidade, mas é
baseado na análise e na compreensão das leis e padrões que governam a realidade material.
Assim como não podemos ter uma visão correta de nenhum aspecto estável
da realidade humana se não soubermos situá-lo dentro do processo geral de
transformação a que ele pertence (dentro da totalidade dinâmica de que ele
faz parte), também não podemos avaliar nenhuma mudança concreta se não
a reconhecermos como mudança de um ser (quer dizer, de uma realidade
articulada e provida de certa capacidade de durar) (Konder, 2004, p.54).
Para este autor, a dialética é essencial para entender as contradições e conflitos que
impulsionam a mudança social. Além disso, ele enfatiza a importância da práxis revolucionária na
transformação das estruturas sociais e na busca pela emancipação humana.
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políticas, econômicas e sociais do neoliberalismo no país.
Em relação ao último eixo deste estudo, importa realçar que as lutas e os movimentos
sociais desempenham um papel fundamental na transformação social.
Com vista a catalogação das lutas e dos movimentos sociais de 2015 a 2023, tencionamos
adotar o método de Análise de Eventos de Protesto (AEP) que é uma metodologia criada no
campo de estudos de movimentos sociais que permite analisar e compreender vários aspectos dos
protestos, como suas causas, caraterísticas, participantes e resultados.
Vários autores que escreveram sobre os movimentos sociais usaram este método nos
seus trabalhos, como por exemplo Olsak (1989), Klandermans e Staggenborg (2002), Krippendorff
(2004), Koopmans e Rucht, (2002), Franzosi (2004) e Hutter (2014).
Uma vez coletados os dados, partiremos para a análise e sistematização com base no
referencial teórico escolhido para fundamentação da pesquisa, com o objetivo de dar respostas à
luz do método escolhido às questões relativas ao objeto em questão visando confirmar ou não a
hipótese de pesquisa.
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estatutos das suas colónias para províncias ultramarinas em 1951, bem como as mudanças políticas,
económicas e sociais causadas a partir de um esforço para evitar pressões internacionais no sentido
de iniciar o processo de descolonização, proporcionaram um ambiente potencialmente fértil para
mobilização dos movimentos anticoloniais em África.
No Conselho de Segurança das Nações Unidas, o ano de 1961 se inicia com destaques
preocupantes a respeito de Angola, principalmente a revolta dos camponeses na Baixa de Cassanje
em janeiro, a sublevação em Luanda na Cadeia de São Paulo em Fevereiro e a insurreição no norte
de Angola em Março.
Outro aspecto relevante é que antes da chegada dos colonizadores portugueses no século
XV, os reinos de Angola, como o Reino Lunda, Reino do Bailundo, Reino do Congo, o Reino do
Ndongo, Reino da Matamba, Reino dos Kwanhamas entre outros, já existiam como sociedades
organizadas, com suas próprias estruturas políticas, econômicas e sociais. Porém, a resistência
anticolonial muitas vezes visava preservar a independência e a autonomia desses reinos3.
Durante a Segunda Guerra Mundial, muitos africanos foram recrutados para lutar em nome
de seus países colonizadores europeus. No entanto, esse serviço militar muitas vezes levou à
conscientização política e à aspiração por liberdade e independência. Muitos africanos começaram
a questionar o domínio colonial e a buscar formas de resistência e autodeterminação.
3 A História de Angola pode ser dividida da seguinte forma: Civilizações Pré-Históricas e Proto-Históricas
(Comunidade Primitiva); período Pré-Colonial (com o desenvolvimento de novos modos de produção pré-capitalista,
semi-escravagista e semi-tributária). Pode-se convencionalmente admitir 1575 como marco cronológico do fim deste
período; Período do Mercantilismo Colonial (acumulação primitiva e posteriormente capitalista). Começa antes de
1575 e desenvolve-se até 1885; Período do Capitalismo Colonial (de 1885 a 1975); Período da Independência (desde
1975 aos nossos dias) (Henriques, 2004).
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O anticolonialismo das grandes potências é, ao contrário, acolhido com
muita esperança. Os nacionalistas evocam, como haviam feito em 1918 com
os quatorze Pontos de Wilson, a Carta do Atlântico (14 de agosto de 1941),
a Declaração das Nações Unidas (1º de janeiro de 1941) e a Carta de São
Francisco. Eles tiram partido das tomadas de posição das grandes potências
e interpretam as suas declarações no sentido da emancipação dos povos
coloniais (Mazrui; Wondji, 2010, p.58).
Esse Estatuto dos Indígenas explicitava que “os indivíduos de raça negra ou
dela descendentes que, pela sua ilustração e costumes, se não distingam do
comum daquela raça” não eram parte da nação portuguesa, e a sua integração
“de modo a constituírem um elemento essencial da administração” da colónia
dependeria de uma “transformação gradual dos seus usos e costumes”
(Artigo 1). Assim, não tinham “direitos políticos em relação a instituições
de carácter europeu” (Art. 9) e a administração da justiça regia-se “por
foro privativo, independente da organização portuguesa” (Art. 12) usando
tribunais específicos, os “Tribunais Privativos dos Indígenas” onde os juízes
eram as autoridades administrativas coloniais. A transição de “indígena”
para “cidadão” era deixada ao arbítrio das autoridades administrativas da
colônia (Neto, 2015, p.122).
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No geral, o estatuto do indígena em Angola refletia a política colonial de Portugal, que
visava subordinar os povos indígenas ao controle e exploração colonial, enquanto privilegiava os
interesses econômicos e políticos das autoridades portuguesas e das elites locais colaboracionistas.
Essas políticas contribuíram para a opressão e exploração sistemáticas dos indígenas e para a
perpetuação do domínio colonial em Angola.
Todavia, este movimento ganhou notoriedade, sobretudo, quando alguns angolanos foram
estudar na Casa dos Estudantes do Império em Portugal e juntaram-se com africanos de outros
países de expressão portuguesa fortalecendo laços e estratégias de lutas. A par deste movimento,
estavam as igrejas Batista, Metodista e Congregacional por via das suas missões a fim de despertar
as comunidades para a autodeterminação.
Douglas Wheeler e René Pelissier na obra “História de Angola”, oferecem análises abrangentes
e perspicazes da história de Angola, explorando diferentes aspectos do desenvolvimento histórico
do país e suas implicações para o presente e o futuro. Suas ideias centrais ajudam a contextualizar
os eventos históricos e a compreender as complexidades da sociedade angolana ao longo do tempo.
Cria-se mais tarde a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) em
1966 com um diferencial: todos os outros movimentos tinham sido criados fora de Angola, a
particularidade deste último é o fato de ter sido criado no interior de Angola por dissidentes da
FNLA e da Associação dos Tchokwes do Congo, Angola e da Rodésia.
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É importante lembrar que as igrejas protestantes, conforme escrevemos anteriormente,
desempenharam um papel crucial na mobilização para a independência. Holden Roberto, líder da
FNLA, por exemplo, foi formado pela Igreja Baptista de onde seus parentes faziam parte; Agostinho
Neto líder do MPLA foi filho de um Pastor Metodista, e Jonas Savimbi, líder da UNITA, foi filho de
um Pastor Congregacionalista.
Segundo Luís (2021, p.129) com a chegada dos missionários protestantes ingleses e
americanos no país, acusaram “os congéneres católicos pelo atraso de Angola, uma decorrência
das políticas coloniais” pois para eles o país carecia de “melhores oportunidades quanto ao acesso
à religião, à educação, à saúde e ao bem-estar social”.
A Igreja Católica, neste momento, estava ligada ao regime colonial português, mas ainda
assim cabe destacar o cónego Manuel das Neves que, para Pacheco (2001), foi o mentor da
mobilização que culminou com a sublevação de 4 de fevereiro de 1961. Outrossim, vale destacar
também o Simão Gonçalves Toco e o Movimento Tocoísta4 no despertar da consciência para a luta
de libertação nacional.
Ademais, todo este processo foi facilitado também graças a independência do Congo
Democrático, país vizinho de Angola que conquistou a sua independência em 1960 e permitiu
que os movimentos de libertação de Angola desenvolvessem as suas atividades em seu território.
Outros países africanos foram importantes nesta fase, mas o Congo Democrático que tem uma
fronteira extensa com Angola foi o que mais contribuições forneceu tanto para a FNLA como para
o MPLA.
Esses locais serviam como pontos de reunião, treinamento militar e centros de coordenação
das atividades de resistência. Igualmente, estes movimentos contra a autoridade colonial
implantavam durante a luta pela descolonização (nos anos 60 e 70) estruturas políticas para
governar as áreas libertadas e mobilizar apoiadores. Eles estabeleciam sistemas de governança
como comitês ou órgãos executivos para administrar os territórios sob seu controle e desenvolver
políticas de autodeterminação5. O Governo Revolucionário do Exílio é o melhor exemplo para
este caso. Sediado na República Democrática do Congo, este era composto por ministros e
representantes políticos nacionais e internacionais. Jonas Savimbi, por exemplo, foi o Ministro dos
Negócios Estrangeiros neste governo encabeçado por Holden Roberto.
4 O Tocoismo foi fundado por Simão Gonçalves Toco na década de 1940 e atraiu seguidores em várias regiões
de Angola. Este movimento combinava elementos do cristianismo com crenças tradicionais africanas e adotava uma
abordagem de autodeterminação e independência espiritual. No entanto, não estava diretamente ligado aos movi-
mentos de libertação armada, como o MPLA, a UNITA ou a FNLA, que lideraram a luta armada contra o colonialismo
português.
5 Existem várias obras que retratam o percurso histórico dos movimentos de libertação, alguns escritos por
membros e outros escritos por autores estrangeiros. Contudo, podemos destacar aqui a obra “O Pai do Nacionalismo
Angolano” de N´Ganga (2009) na qual retrata a vida e obra do líder de Holden Roberto, bem como o percurso histó-
rico da FNLA. A Associação Tchiweka de Documentação apresentou uma série de livros e documentos que retratam o
percurso histórico do MPLA, Lara (1997). Por parte da UNITA, Chiwale (2008), Muekalia (2013).
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Importa acrescentar que a luta armada e a guerrilha foram estratégias-chave nos movimentos
pela descolonização em Angola. A FNLA, o MPLA e a UNITA realizavam ataques a postos militares e
infra estruturas coloniais, buscando enfraquecer o controle colonial por meio da resistência armada
e da mobilização das massas.
O MPLA nesta altura, por exemplo, detinha o Centro de Instrução Revolucionário (C.I.R) onde
eram formados os soldados política e militarmente, bem como uma rádio no Congo Brazzaville de
onde partilhavam conteúdos para os seus militantes e os demais.
De acordo com Rocha (2002, p.127), “todos os grupos nacionalistas produziram panfletos,
apelando à mobilização e exigindo a independência, e que eram encontrados pela madrugada nos
quintais, debaixo das portas ou pendurados nas árvores”.
Sobre este assunto vários autores apresentaram contribuições muito valiosas como por
exemplo, Hodges (2003), Visentini (2012), Wheeler, Pélissier (2011), estes são unânimes em
reconhecer que o MPLA, durante a luta, contou com o apoio da União Soviética, de Cuba e de
outros países que eram liderados por governos do Bloco Soviético. Já a FNLA contava com o apoio
dos Estados Unidos da América e do ex. Zaire, enquanto a UNITA inicialmente contava com o apoio
da China e do Marrocos, e mais tarde passou a beneficiar de assistência logística dos Estados Unidos
e da África do Sul.
Num contexto marcado pela Guerra Fria, os movimentos buscavam alianças de acordo com
as possibilidades, e não propriamente porque comungavam os mesmos ideais. No desenvolvimento
deste estudo iremos mostrar como os movimentos posicionam-se hoje do ponto de vista ideológico,
mas antes precisamos apontar que a independência de Angola foi conquistada na sequência do
Golpe de 25 de Abril de 1975 em Portugal, protagonizado pelo Movimento das Forças Armadas
(MFA).
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exclusão de outros Partidos Políticos e da Sociedade Civil nos Acordos de Alvor.
Hodges (2003) oferece uma análise abrangente deste contexto de transição política e
econômica em Angola após a independência. Para ele, o MPLA
Todos os atos do MPLA nesta altura eram justificados com subterfúgios pela existência de
problemas internos, agressão interna e externa, e, principalmente, a realidade africana marcada
por Golpes de Estado no pós-independência. Assim, por essas e outras razões:
Nestas circunstâncias, era notória a formação de um governo central forte com autoridade
significativa sobre a tomada de decisões, sem oposição política de outros partidos políticos e
de organizações da sociedade civil. Para Antônio (2015, p.95), a supressão da livre competição
eleitoral, “aniquila o pluralismo de ideias e domestica os cidadãos ao discurso hegemônico”. Nestes
casos, “a violência e o clientelismo se constituem em importantes instrumentos de domesticação”.
Porém, a luta pela independência havia mobilizado inúmeros cidadãos e a sede de participar
na vida pública estava em voga. O governo que se apresentava inicialmente como um “legítimo
representante do povo” passou a se colocar como um ente inquestionável. Segundo Hodges (2003,
p.76), “no período de 1975-1976, desenvolveu-se nos bairros de Luanda um movimento baseado
no poder popular, sob liderança de um grupo de extrema-esquerda”.
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O Poder Popular era coordenado pelos Comitês Amílcar Cabral, um grupo da Universidade
de Luanda que em nome do MPLA ocupavam os espaços deixados pelo regime autoritário de
Salazar e Marcelo Caetano. Este grupo posteriormente passou a ser conhecido como Organização
Comunista de Angola (OCA) e por alguns considerados de extrema esquerda.
Tal como nos outros países africanos, os governos pós-coloniais que “empreenderam uma
longa luta armada contra o imperialismo europeu e pela libertação nacional, utilizam hoje o domínio
dos códigos ocidentais como principal instrumento de dominação interna”. (Appiah, 1997, p.21).
Na realidade angolana, essa situação gerou tensões dentro do MPLA que atingiram o
auge em fevereiro de 1977, quando Nito Alves e seus seguidores foram removidos dos cargos
de liderança do partido e do governo. Isso desencadeou uma série de protestos e confrontos em
maio do mesmo ano na cidade capital Luanda, capital de Angola, onde os seguidores de Nito Alves
começaram a tomar o controle de várias instituições e órgãos de segurança.
O governo liderado por Agostinho Neto respondeu ao Poder Popular com uma violenta
repressão. Tropas Cubanas e a polícia angolana foram mobilizadas para esmagar os protestos e
prender os líderes do movimento. Milhares de pessoas foram presas, torturadas e executadas,
enquanto muitos outros fugiram para o exílio.
Frantz Fanon (1968), em suas análises sobre o período pós-colonial na África, expressou
críticas contundentes em relação aos anticoloniais e sua relação com o povo. Fanon observou que
muitos dos líderes e partidos que emergiram após a independência não conseguiram satisfazer as
aspirações populares ou promover uma verdadeira transformação social, e, em muitos casos, os
partidos pós-coloniais tornaram-se desconectados das massas populares e passaram a representar
interesses da classe dominante. Essa alienação da base popular resultou em uma lacuna entre os
líderes políticos e o povo, enfraquecendo a legitimidade e a eficácia dos governos pós-coloniais.
Em suas palavras:
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independência. O partido transforma-se num instrumento de êxito individual
(Fanon, 1968, p.141).
Ele observou ainda que muitos partidos adotaram práticas autoritárias e corruptas,
perpetuando assim as injustiças e desigualdades que existiam durante o período colonial.
Essa contribuição valiosa nos ajuda a analisar a Angola pós-colonial e como o partido governo
do MPLA tem sido incapaz de realizar as aspirações populares e de promover uma transformação
social. É importante acrescentar que o autor em seu estudo enfatizou a importância da participação
popular, da justiça social e da emancipação completa como elementos essenciais para a construção
de uma sociedade verdadeiramente livre e democrática na África.
Na sua obra intitulado “13 teses em minha defesa”, Nito Alves apresenta preocupações
ligadas à justiça social, justiça econômica e racial6 que estimularam a revolta popular. Contudo, o
autor aponta:
Uma outra contribuição valiosa sobre os acontecimentos de maio de 1977 tal como as
suas consequências na sociedade angolana atual, podem ser encontrados na obra de Jean-Michel
Mabeko Tali sobre “Dissidências e Poder de Estado: O MPLA perante a si próprio (1962-1977)”.
O autor analisa como o MPLA construiu sua identidade política e ideológica ao longo do tempo,
tal como as influências e evoluções ideológicas dentro do partido, desde suas raízes marxistas-
leninistas até adaptações contemporâneas para enfrentar desafios políticos e sociais.
6 Para ele “Angola só será verdadeiramente independente quando brancos, negros e mestiços passarem a
varrer juntos às ruas”. Esta frase foi dita num contexto pós independentes depois de constatar que alguns portugueses
ainda detinham o controle do país.
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Contudo, enquanto o MPLA lutava consigo próprio, a UNITA renasceu no sudeste de Angola
reforçada com apoio dos Estados Unidos e da África do Sul para dar continuidade a guerra civil sob
pretexto de que durante os Acordos de Alvor de 1975 os movimentos reconhecidos como legítimos
representantes do povo angolano eram três e não fazia sentido o MPLA governar na lógica de
partido único.
Nesta senda, em junho de 1990 o Comité Central do MPLA reuniu e decidiu abandonar o
sistema de partido único e permitiu uma concorrência política aberta com a UNITA e com outras
iniciativas políticas.
Segundo Hodges (2003, p.30), “estas reformas radicais implicaram uma significativa
democratização da vida política e criaram espaços para o desenvolvimento do setor privado e da
sociedade civil, que no anterior sistema tinham sido fortemente limitados”, mas elas surgem na
sequência de dois importantes acordos.
Acordo assinado aos 22 de dezembro de 1988 entre o MPLA (Governo de Angola), Cuba e
África do Sul, mediados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas na qual um dos principais
objetivos dos acordos era garantir a retirada gradual das tropas cubanas de Angola e encerrar o
conflito armado em Angola e promover a reconciliação nacional entre os diferentes grupos políticos
do país.
Neste último, assinado em 1991, Portugal reaparece no cenário político angolano, mas
agora como mediador do conflito. Deste modo, os Acordos de Bicesse estabeleceram um processo
de transição para a democracia em Angola. Isso incluiu a realização de eleições multipartidárias, a
criação de instituições democráticas, como um parlamento e um sistema judiciário independente,
e a garantia de direitos civis e políticos para todos os cidadãos.
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(FLEC), que desde os anos 60 tem estado a lutar para a independência da província angolana de
Cabinda.
Contudo, a assinatura dos acordos de Paz entre o MPLA e a UNITA em 2002 e em 2006 entre
o MPLA e a FLEC colocaram um MPLA numa situação de partido hegemônico, o vencedor da guerra.
Quanto à narrativa retrospectiva da guerra civil, o MPLA percebe-se como o partido da paz e
o garante da estabilidade política em Angola. Porém, esta realidade está presente em muitos países
africanos que até hoje são governados por partidos originários dos movimentos anti-colonial como
a African National Congress na África do Sul, a South West Africa People’s Organisation na Namíbia,
a Zimbabwe African National Union- Patriotic Front etc…
Embora Angola seja rica em recursos naturais, Sogge observa que a maioria da população
continua a viver na pobreza e enfrenta falta de acesso a serviços básicos, como saúde e educação.
Segundo Sogge (2009, p.1), “os angolanos, entretanto, no seu dia-a-dia convivem há décadas
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com outras feições menos aparentes da violência: repressão, marginalização e formas evitáveis
de pobreza, as quais contribuíram para subordinar os colonizados e organizar uma economia
predatória”.
Ele destaca ainda a desigualdade econômica como um dos principais desafios do país,
exacerbado pela má distribuição da riqueza e pela corrupção.
Em suas palavras, “é através do poder do estado, seja diretamente, seja através de laços
familiares, amizades e outras redes sociais, que a elite tem acesso a oportunidades econômicas,
supre necessidades do capital e mantém uma indiferença total em relação a pressões regulatórias
e políticas” (Oliveira, 2013, p.208).
O autor destaca o papel central do petróleo na economia angolana e como isso influenciou
a política e a distribuição de poder no país. Ele analisa como a dependência do petróleo afetou a
governança, as instituições políticas e os padrões de desenvolvimento em Angola.
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5. LUTAS E MOVIMENTOS SOCIAIS NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO EM ANGOLA
Mas tudo começa em 1961 com as revoltas camponesas na Baixa de Cassanje, a sublevação
na penitenciária de São Paulo e a insurreição no norte de Angola. Depois disso, os movimentos pela
descolonização ganharam expressão e visibilidade, o que culminou em 1975 com o Acordo de Alvor
que deu origem à independência de Angola.
Depois de 16 anos de Guerra Civil, isto é, de 1976 a 1991, MPLA abandonou formalmente o
marxismo-leninismo durante o terceiro congresso e na sequência foi aprovada, uma lei de revisão
constitucional à luz dos Acordos de Bicesse assinado entre o Governo e as forças rebeldes da UNITA,
e uma troika de países na qual faziam parte a Rússia, os Estados Unidos e Portugal.
A partir deste momento, Angola deixou de ser República Popular, o sistema político deixou
de ser de partido único e foram criadas leis sobre associações (Lei n⁰ 14/ 91), partidos políticos (Lei
n⁰ 15/ 91), o direito de associação (Lei n⁰ 16/ 91), a imprensa (Lei n⁰ 25/ 91) e o direito à greve (Lei
n⁰23/ 91) para permitir a convivência num contexto de democracia.
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estruturais”. Porém, as consequências destas medidas estimularam o surgimento de lutas e
movimentos sociais no país.
Importa salientar que o ano de 1991 marca o fim da Primeira República que teve início em
1975 com a proclamação da Independência e a partir de 1992, sobretudo com a realização das
primeiras eleições em Angola o país inaugura uma nova forma de convivência baseada no pluralismo
de ideias na qual o Partido-Estado passa a conviver com as outras forças políticas e também com
uma série de Igrejas, Organizações da Sociedade Civil e Organizações Não Governamentais.
No entanto, as eleições de 1992 foram marcadas por contestação dos resultados eleitorais
o que levou mais uma vez o país a mergulhar num conflito armado entre as forças governamentais
e as forças rebeldes da UNITA, mas nesta nova conjuntura política o governo passa a contar com o
apoio dos Estados Unidos num contexto em que a U.R.S.S tinha chegado ao fim.
Esses novos atores políticos em Angola, caso das Igrejas e Organizações da Sociedade Civil,
passaram a intervir ativamente apelando ao fim da Guerra, retorno da Paz e da reconciliação
nacional. Contudo, apenas em 2002 os conflitos armados terminaram parcialmente em 17
províncias (excetuando Cabinda) com a morte do líder da UNITA Jonas Savimbi.
Ante o exposto, neste estudo procuramos analisar as greves da classe trabalhadora, mas o
nosso foco será dado às manifestações e os protestos ocorridos entre o período de 2015 a 2023.
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que representam os interesses da classe trabalhadora e lutam por melhores salários, condições de
trabalho e direitos laborais.
Para Martins (2016, p.201), “os movimentos contestatários em curso são movimentos
progressivos, visando obter apoio cada vez maior da população”, de fato estes movimentos
articulam uma narrativa convincente sobre um futuro melhor, mais justo e igualitário, e oferecem
uma alternativa ao status quo estabelecido desde 1975. Em muitos casos, estes movimentos
dão voz aos membros da comunidade e lhes envolvem ativamente no processo de tomada de
decisões, ou seja, incentivam a participação popular e promovem responsabilização dos líderes e
representantes conforme acontece com o Movimento Cívico Mudei.
De igual modo, alguns movimentos (como o caso do Movimento Jovens pelas Autarquias,
Movimento Hip hop Terceira Divisão, Movimento Unidas Somos mais fortes, Associação Mudar
Viana, MOSAIKO Cultural) buscam empoderar os indivíduos, capacitando-os em matéria de
direitos humanos, cidadania e poder local, com vista a se tornarem agentes de mudança em suas
próprias comunidades. Eles mobilizam pessoas para a ação, organizando protestos, campanhas de
conscientização, eventos de base e outras formas de engajamento cívico.
Os jovens têm desempenhado um papel cada vez mais ativo nas lutas sociais em Angola,
buscando mudanças políticas, econômicas e sociais. Movimentos de jovens, como o Movimento
Revolucionário, Movimento Hip hop Terceira Divisão, Movimento Ondjango Feminista, Movimento
Unidas Somos Mais Fortes, Movimento Ubuntu, Movimento de Jovens pelas Autarquias,
Movimento dos Estados Angolanos, Movimento Liberdade Já, Os 15+2, e Movimento dos Taxistas
e Mototaxistas, têm defendido uma maior participação política da juventude, oportunidades de
emprego, e acesso à educação de qualidade e melhores condições de vida.
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modos. Com a crescente preocupação com questões ambientais e de desenvolvimento sustentável,
o ativismo ambiental tem ganhado destaque em Angola. Grupos e organizações ambientais têm
defendido a proteção dos recursos naturais, a conservação da biodiversidade, a gestão sustentável
dos recursos naturais e a mitigação das mudanças climáticas. O ativismo ambiental muitas vezes
se concentra na oposição a projetos de exploração de recursos naturais que podem ter impactos
negativos no meio ambiente e nas comunidades locais.
Neste estudo, todos estes movimentos serão resumidos em “Movimento Revú7” ou “Geração
da Mudança” conforme são vulgarmente conhecidos e descritos por outros pesquisadores como
Miguel e Magalhães (2023), Blanes (2020), Dala (2016).
A Primavera Árabe serviu como uma inspiração para os movimentos de protesto em Angola,
onde a população enfrenta desafios semelhantes em relação à governação autoritária, pobreza,
desigualdade e corrupção. Embora os protestos em Angola não tenham alcançado a mesma escala
7 De acordo com Dala (2016, p.6) “trata-se de uma designação criada no quadro do típico linguajar angolano.
REVÚ é abreviatura da palavra REVOLUCIONÁRIO e seu significado abrange de facto todos os angolanos que se identifi-
cam no discurso e na ação abordados neste livro”. No entanto, “o movimento revolucionário, ou simplesmente “Revú”,
passou a simbolizar o conjunto de ativistas que organizaram e desenvolveram atos de protestos, além de grupos de
estudo e de críticas diretas ao governo nas redes sociais”. Importa acrescentar que Revú também foi pseudônimo do
proeminente rapper angolano vulgarmente conhecido como Keita Mayanda nos finais dos anos de 1990 e início dos
anos 2000.
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que nos países árabes, eles foram influenciados pelo desejo de mudança e pela mobilização popular
observada durante a Primavera Árabe.
Para o Bureau Político do MPLA, a convocação de manifestação soou como uma declaração
de guerra. Em declarações à Rádio Luanda Antena Comercial (LAC), no dia 15 de fevereiro de 2011,
o Secretário Geral do Partido na altura Dino Matrosse conclamou, entre outras coisas: “quem se
manifestar provocando distúrbios, vai apanhar!”
Na mesma senda, o Secretário Provincial de Luanda do MPLA, Bento Francisco Bento, num
ato político em Luanda vociferou: “Angola não é a Tunísia, Angola não é a Líbia!”.
Perante estes objetivos, também estas unidades políticas, para que possam
alcançar os seus fins, carecem de estabelecer uma estratégia que se mostra
idónea para o efeito. Em primeiro lugar, importa relembrar a insuficiência
de recursos que permitam enfrentar diretamente o Governo, o que faz
com que os mesmos careçam de centrar a sua ação em métodos não
violentos, ou seja, mediante um estilo de ação indireta, que, através de uma
atuação ponderada e de um processo lento, prolongado, progressivo e de
descredibilização (Martins, 2016, p.197).
A manifestação convocada para 7 de março de 2011, marcou o início de uma nova era no
cenário político angolano. Sua convocatória foi feita via internet por um cidadão que optou por usar
os nomes dos líderes fundadores do MPLA, FNLA e da UNITA incluindo o nome do ex. Presidente
que estava a ser contestado. Agostinho Jonas Holden dos Santos foi assim que se identificou com
um presumível Movimento Revolucionário do Povo Lutador de Angola (MRPLA).
Contudo, esta convocação ganhou visibilidade quando o rapper Ikonoklasta (Luaty Beirão)
resolveu aparecer publicamente num concerto de hip hop no mês de fevereiro a abraçar a luta e a
confirmar a sua presença no dia 7 de março de 2011.
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O Movimento Hip Hop tem desempenhado um papel significativo como forma de expressão
artística e ativismo político. Desde a sua emergência nos anos 80 e 90, o Movimento Hip Hop
Angolano tornou-se uma ferramenta poderosa para muitos jovens expressarem suas preocupações,
críticas sociais e políticas, e narrativas sobre a realidade do país.
Muitas letras de RAP (Rhythm and Poetry) produzidas no país, sobretudo, RAP Hardcore,
também conhecidas como Underground abordam questões como corrupção, má governação,
desigualdade econômica e social, destacando os desafios enfrentados pela população angolana.
Os artistas como Filhos da Ala Este, Pobres Sem Culpas, Hemoglobina, Conjunto Ngonguenha,
MCK, Movimento Hip Hop Terceira Divisão, Flagelo Urbano, CCC, 21. Soldado, Jaime MC, Brigadeiro
10 Pacotes, Kid MC, Movimento Monangambé, Decretório, MC N, Sarosh, Jazigo, Das Terapia,
Hepluzivo Mental, MP Crew, Mbonzo Lima muitas vezes usam suas músicas como plataforma para
denunciar injustiças e apontar falhas no sistema político e social8. Suas músicas servem de trilha
sonora na luta por liberdade e democracia em Angola tal como no tempo colonial o Semba foi a
trilha sonora na luta pela descolonização.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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autoritária consequente da longevidade do MPLA enquanto governo que detém o Poder de forma
hegemônica desde o ano de 1975.
As lutas sociais têm contribuído para aumentar a conscientização sobre questões sociais e
políticas importantes entre a população angolana. Nesta senda, movimentos sociais têm surgido
para defender os direitos humanos, promover a igualdade de gênero, lutar contra a corrupção e
exigir melhores condições de vida.
As mobilizações sociais têm exercido pressão sobre o governo para implementar reformas
políticas, econômicas e sociais. Demandas por maior transparência, prestação de contas e
participação cidadã têm sido amplamente divulgadas por meio de protestos e manifestações.
Consequentemente, o governo responde às manifestações sociais com repressão e violência,
limitando o espaço para a expressão pública e a liberdade de associação. Muitas vezes, ativistas
e manifestantes enfrentam ameaças, assédio, detenções arbitrárias e, em alguns casos, violência
física. Em suma, as lutas sociais também enfrentam desafios relacionados às desigualdades
estruturais profundamente enraizadas na sociedade angolana. A desigualdade econômica, social
e racial pode limitar a representatividade e o alcance dos movimentos sociais, afetando sua
capacidade de mobilização e influência.
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156
156
AGENTE INDÍGENA DE SAÚDE E AGENTE INDÍGENA DE SANEAMENTO:
regulamentação da profissão como ação necessária ao fortalecimento da PNASPI
1. INTRODUÇÃO
Até o estabelecimento do atual sistema de atenção à saúde dos povos indígenas, foram
necessários diversos movimentos de luta e articulação, através dos quais foi construída a noção de
atenção diferenciada aos povos indígenas do Brasil. Segundo Langdon, Diehl e Dias-Scopel (2014,
p. 213) tal noção se deu “com base com base nos princípios e modelos propostos em diferentes
documentos, como a Declaração de Alma-Ata de 1978, a Constituição Brasileira de 1988 e a
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho de 2005.
A transição ocorreu em 1991, por meio do decreto nº 23/91, sendo criada posteriormente
a Comissão Intersetorial de Saúde do Índio, composta por representantes do MS, Ministério da
Justiça, universidades, Organizações não governamentais - ONGs e lideranças indígenas, com o
objetivo de prestar assessoria ao Conselho Nacional de Saúde na elaboração das diretrizes de
políticas governamentais relativas à saúde indígena.
Em 1999 foi sancionada a Lei nº 9.836, também conhecida como Lei Arouca, que instituiu o
Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas - SasiSUS, e criou o modelo de atenção à saúde
indígena, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. O SasiSUS representa a concretização dos
direitos conquistados na CF88 no que diz respeito à equidade e justiça para os povos indígenas. É
constituído pelos DSEI, que é uma forma de estruturação dos serviços de saúde implantada dentro
das terras indígenas, seguindo os critérios geográficos, demográficos e culturais.
1 Em 01 de janeiro de 2023, por meio de medida provisória publicada no Diário Oficial da União, a FUNAI passa
a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas. A alteração foi reivindicada pelo Grupo Técnico Povos Indígenas,
da equipe de transição do governo, por compreender que, em suma, o termo “índio” não representa a diversidade
étnica dos povos indígenas do Brasil.
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princípios e diretrizes do SUS, de forma a considerar sua diversidade social, cultural, geográfica,
história e política, além de reconhecer a importância e a eficácia de sua medicina tradicional,
respeitando tais práticas, bem como o direito de manifestar sua cultura durante os processos de
tratamento ou assistência.
Para orientar a execução das ações, a PNASPI estabelece algumas diretrizes, como a
organização dos serviços de atenção à saúde dos povos indígenas na forma de DSEI e Pólos-Base, no
nível local, onde a atenção primária e os serviços de referência se situam; a preparação de recursos
humanos para atuação em contexto intercultural; monitoramento das ações de saúde dirigidas
aos povos indígenas; articulação dos sistemas tradicionais indígenas de saúde; promoção do uso
adequado e racional de medicamentos; promoção de ações específicas em situações especiais;
promoção da ética na pesquisa e nas ações de atenção à saúde envolvendo comunidades indígenas;
promoção de ambientes saudáveis e proteção da saúde indígena e controle social (BRASIL, 2002).
De acordo com a PNASPI, a organização dos DSEI deve contar com uma equipe
multiprofissional, composta por médicos, enfermeiros, odontólogos, auxiliares de enfermagem e
agentes indígenas de saúde, contando com a participação sistemática de antropólogos, educadores,
engenheiros sanitaristas e outros especialistas e técnicos considerados necessários (BRASIL, 2002).
A PNASPI ressalta a importância do papel do Agente indígena de Saúde - AIS como trabalhador
fundamental para a execução das ações de atenção primária nas aldeias, sendo de sua atribuição
desenvolver a mediação entre a equipe como um todo e a população indígena. Para isso, reforça
a necessidade da qualificação dos AIS a partir de uma formação estratégica, a fim de promover a
interculturalidade2 no serviço e a articulação entre os sistemas indígenas de saúde (BRASIL, 2002).
Entretanto, ao longo dos 22 anos de PNASPI, a formação de AIS e AISAN não se estabeleceu como
preconizado, e o que temos observado é um processo de desvalorização e desmobilização desses
profissionais.
Na saúde indígena, a inclusão dos AIS na atenção primária se deu através das universidades
e ONGs a partir da década de 1980, registrando experiências em locais como o Acre, Rio Negro,
Alto Solimões e Xingu, e envolvendo a formação de indígenas em atividades de atenção básica em
situações em que não havia outros profissionais ou para atender surtos de doenças epidêmicas.
Com a criação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS em 1991, indígenas também
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foram treinados e deixaram de trabalhar voluntariamente para serem contratados pelos municípios
e atuarem nos territórios indígenas, sendo também contratados como Agentes Comunitários de
Saúde - ACS, pelo então Programa Saúde da Família - PSF, a partir de 1994. Em 1996, a Coordenação
de Saúde do Índio, da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, divulgou uma proposta de diretrizes
para a formação dos AIS, definindo-os como figuras fundamentais na mediação dos serviços de
saúde. Outro documento divulgado pela FUNASA em 1999 buscou normatizar a implantação
do Programa de Agentes Indígenas de Saúde como parte do processo de implantação dos DSEI
(LANGDON et al., 2006).
No entanto, foi somente com a criação do SasiSUS, através da Lei Arouca em 1999, que o
papel do AIS ganhou destaque, e sua atuação passou a ser oficializada (LEITE; GUGELMIN; FERRI,
2016). A institucionalização do AIS como componente das Equipes Multiprofissionais de Saúde
Indígena (EMSI), prestadoras de serviços de atenção primária nas aldeias, é considerada como
uma estratégia desenvolvida para alcançar os objetivos da atenção diferenciada à saúde indígena
pautada pelo movimento indígena e delineada como uma distinção na qualidade dos serviços.
Tal institucionalização atende demandas como a criação de cargos assalariados para membros da
comunidade indígena; a ausência de profissionais de saúde no território indígena; a mediação das
relações interétnicas (LANGDON et al., 2006; LANGDON; DIEHL; DIAS-SCOPEL, 2014).
Os AIS são o elo entre os saberes tradicionais, sua língua e cultura e entre os membros
da comunidade e os da EMSI, pois são os únicos que realizam o contato regular e constante da
população indígena aldeada com os profissionais de saúde (LANGDON et al., 2006; LANGDON;
DIEHL; DIAS-SCOPEL, 2014). Sua principal atribuição é:
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Compreende-se que, apesar de a PNASPI não mencionar o AISAN (já que no momento
da criação da Política, a discussão sobre sua inserção na EMSI fosse embrionária), a garantia da
concretização do princípio da Atenção Diferenciada na Saúde Indígena, conforme destacado na
Política, só ocorre na atuação conjunta entre o AIS e o AISAN. Assim como ao AIS, ao AISAN são
atribuídas seis competências específicas de atuação, sendo a sua principal atribuição:
Fruto de reivindicações históricas dos povos indígenas foi criada, na estrutura organizacional
do MS, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), com a responsabilidade de coordenar a
PNASPI e todo o processo de gestão do SasiSUS, mediante a Lei nº 12.314, de 19 de agosto de 2010,
posteriormente regulamentada pelos Decretos nº 7.336, de 19 de outubro de 2010 e nº 7.797 de
30 de agosto de 2012.
Segundo dados atuais da Sesai (2024), existem hoje cerca de cinco mil AIS e dois mil e
quinhentos AISAN, atendendo 526 etnias e cerca de sete mil aldeias, e apesar do histórico do
processo de trabalho destes profissionais remontar à década de 1980, seu reconhecimento como
categorias profissionais ainda é motivo de muitas discussões.
3. REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO
Como se sabe, o AIS já foi contratado como ACS e, para além disso, as próprias atribuições
dos AIS sofreram influências do programa de ACS. Mas as similaridades não progrediram juntas,
uma vez que enquanto os ACS tiveram sua profissão oficializada em 2002, por meio das Leis nº
10.507/2002, nº 11.350/2006 e nº 14.536/2023.
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Para Garnelo, Sampaio e Pontes (2019, p. 10), os AIS e AISAN “permanecem isolados e invisíveis
para o restante do Sistema Único de Saúde”. Tal fato ocorre não por falta de reconhecimento. Em
novembro de 2016, Maher e Cometto (2016) destacaram, no editorial do Boletim da Organização
Mundial da Saúde, os AIS, junto aos ACS, como atores fundamentais “para o alcance do acesso
universal aos serviços de saúde e para a distribuição equitativa de ações de promoção da saúde,
prevenção de doenças e ações curativas, principalmente no âmbito da saúde materno-infantil e das
infecções transmissíveis”.
Na contramão do que ocorreu com os ACS, o que os AIS e AISAN conquistaram até o momento
foi a inclusão das duas categorias na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, do Ministério do
Trabalho e Emprego, na categoria dos Trabalhadores em serviços de promoção e apoio à saúde3,
“sob n° 5151-25 (AIS) e n° 5151-30 (AISAN) mas não gozam das mesmas prerrogativas profissionais
dos ACS. Faz-se necessário o reconhecimento de sua própria categoria” (BRASIL, 2019).
Vale ressaltar, ainda, que o trabalho dos AIS e AISAN é uma temática constante de discussão
nas Conferências Nacionais de Saúde Indígena, associada à necessidade de seu reconhecimento
como categoria profissional, definição de suas atribuições e perfil técnico, a denúncia das situações
trabalhistas precárias, sua inserção social, a importância da criação de estratégias para aumentar
sua escolaridade e oportunizar formação e educação permanente (BRASIL, 2014; LEITE; GUGELMIN;
FERRI, 2016). Compreende-se o papel destes Agentes como único e estratégico, fazendo o elo entre
os membros não indígenas das EMSI sobre as particularidades socioculturais e históricas de seu
povo, “contribuindo para diminuir o seu desconhecimento, o que limita seriamente as possibilidades
de uma atenção à saúde sensível às diferenças” (BRASIL, 2019).
Na redação de Emenda à Medida Provisória nº 827, de 19 de abril de 2018, que altera a Lei nº
11.350/2006, quanto aos direitos dos ACS e dos ACE, o Senador Telmário Mota reforça que, apesar
de desempenharem papel praticamente idêntica à dos ACS, com acréscimo dos conhecimentos da
realidade e das práticas indígenas, os AIS e AISAN não contam com uma legislação específica que
lhes ofereça proteção e estabeleça, com clareza suas responsabilidades.
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Projeto de Lei n° 3.514, de 2019, que propõe a regulamentação da profissão dos Agentes Indígenas
no âmbito do SasiSUS. “A lei vai ao encontro da nossa Constituição Federal que consagra aos povos
indígenas o direito à sua organização social, à sua língua, costumes e tradições e contribui para a
valorização da diversidade cultural brasileira”.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inegável, diante das consequências do processo de desmonte sofrido pela Saúde Indígena
durante os governos Temer e Bolsonaro, a necessidade de fortalecimento da PNASPI e do SasiSUS,
bem como a importância da participação da população indígena na reconstrução e fortalecimento
da Política. O princípio da interculturalidade, o respeito à diversidade cultural e cosmológica dos
povos indígenas permeia todas as diretrizes da Política, sendo os AIS e AISAN os principais Agentes
promotores, mas vêm tendo seu protagonismo apagado. A regulamentação da profissão representa
a consolidação da luta pelo reconhecimento desse protagonismo e pela garantia da participação
dos povos indígenas em todo o processo, garantindo assim a efetivação da PNASPI.
REFERÊNCIAS
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Indígena de Saúde (AIS) e Agente Indígena de Saneamento (AISAN), no âmbito do Subsistema de
Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), e dá outras providências.
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financeiro de atenção básica de saúde aos povos indígenas e sobre a composição e organização das
equipes multidisciplinares de atenção à saúde indígena.
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163
163
ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR:
expressões de capacitismo na Universidade de Brasília
1. INTRODUÇÃO
Para tanto, tem-se como ponto de partida o reconhecimento dos direitos à não discriminação
e à educação postulados na Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência
(CDPD) (Decreto nº 6.949/2009) e na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015). As experiências
dos estudantes universitários e a relação entre dois direitos situam o terreno onde problematizamos
o capacitismo, definição recente e em construção que busca superar a ausência de léxico para
definir “discriminação por motivo de deficiência” (Diniz; Barbosa, 2014).
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2. PROBLEMATIZAÇÃO TEÓRICA
Este modelo desafia a visão tradicional, reconhecendo que as limitações enfrentadas por
pessoas com deficiência não são apenas uma consequência de condições médicas ou de uma lesão,
mas sim fortemente moldadas pelas barreiras presentes na sociedade. Deficiência torna-se um
“conceito complexo que reconhece o corpo com lesão, mas também denuncia a estrutura social
que oprime a pessoa deficiente” (Diniz, 2007, p. 9)
Essas barreiras podem incluir a falta de acessibilidade física e de comunicação, bem como
atitudes que reforçam estereótipos e preconceitos. O modelo social destaca a importância de
abordar não apenas as necessidades individuais das pessoas com deficiências, mas também de
promover mudanças sociais e culturais para sua participação plena na sociedade. Essa abordagem
tem sido fundamental na luta pela igualdade de direitos e oportunidades, impulsionando políticas
públicas e práticas sociais que visam eliminar as barreiras. (Santos, 2008). Trata-se de situar os
debates sobre deficiência no campo da justiça social e dos direitos humanos.
A CDPD, aprovada em 2006 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e incorporada com
status constitucional no Brasil, foi um marco significativo na luta pela inclusão e igualdade ao se
orientar pela compreensão social de deficiência:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
O termo capacitismo é essencial para definir a discriminação estrutural sofrida por pessoas
com deficiência, principalmente quando reconhecemos o histórico de isolamento e de segregação
social e familiar ao qual elas foram e continuam sendo submetidas. O capacitismo se manifesta de
várias maneiras, desde a falta de acessibilidade até a subestimação de capacidades e a negação
de oportunidades, que expressam atitudes negativas, tratamento injusto e preconceituoso, e
aprofundamento de desigualdades em decorrência de deficiências. Isso pode incluir a suposição
165
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de que elas são menos inteligentes, menos produtivas ou menos dignas de respeito do que pessoas
sem deficiência. Essas atitudes podem levar à exclusão social, isolamento e baixa autoestima entre
as pessoas com deficiência (Mello, 2016).
Neste trabalho entendemos que o capacitismo tem relação direta com a existência de
barreiras, compreendidas, com base na Lei Brasileira de Inclusão, como “Art. 3º [...] IV. qualquer
entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da
pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de
movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação
com segurança, entre outros” (BRASIL, 2015). Tais barreiras podem estar em espaços físicos
(urbanos e arquitetônicos), nos transportes, nas comunicações e nas informações, nas atitudes e,
na área da educação, em processos pedagógicos e de ensino-aprendizagem.
3. METODOLOGIA
A pesquisa teve caráter qualitativo ao analisar “um nível de realidade que não pode ou
não deveria ser quantificado. Ou seja, trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das
aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes” (MINAYO, 2007, p. 21). Diante disso, baseou-se
nos pressupostos de que a pesquisa social tem um objeto histórico, construído na realidade social
e é intrínseca e extrinsecamente ideológica.
Para a coleta de dados foram utilizadas as técnicas: 1. análise documental, com destaque
para legislações federais que tratam dos direitos das pessoas com deficiência e o direito à educação,
assim como documentos internos à UnB, com ênfase na Política de Acessibilidade (Resolução CAD
050/2019); e 2. entrevistas semiestruturadas com oito estudantes de graduação ingressantes pelo
sistema de cotas dos cursos de Direito, Medicina e Ciências Sociais com deficiências física, visual,
auditiva, múltipla e autismo, realizadas em março de 2024.
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Os entrevistados foram convidados para contribuírem com o estudo por meio de um
chamamento enviado pela Diretoria de Acessibilidade (DACES) da UnB, uma vez que a Lei de Acesso
à Informação (Lei nº 12.527/2011) assegura a proteção à informação pessoal, dentre os quais, os
contatos de e-mail e telefone dos discentes. Tendo em vista o objetivo da pesquisa, considerou-
se que a ideia de amostragem não era a mais adequada, uma vez que o foco eram as vivências
e atitudes dos sujeitos no cotidiano universitário (MINAYO, 2007). As entrevistas foram gravadas
e realizou-se a transcrição não naturalista dos áudios, privilegiando o discurso verbal (AZEVEDO,
2017). A análise se deu por meio de análise de conteúdo, com o recorte da categoria “capacitismo”
no presente trabalho.
A pesquisa seguiu os cuidados éticos dispostos na Resolução CNS 510/2016 e foi aprovada
pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais (CEP/CHS) da UnB. Os entrevistados
assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a apresentação dos dados preservará o
anonimato dos sujeitos.
Mello (2016) nos faz refletir sobre a ausência de uma categoria analítica na língua portuguesa
capaz de sintetizar a “discriminação por motivo de deficiência”, da mesma forma que o racismo
substituiu a antiga expressão “discriminação por motivo de cor da pele”. Nesse sentido, a própria
CDPD se insere nessa lógica ao definir em seu Art. 2º a “discriminação por motivo de deficiência”
como:
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Evidenciou-se que a concepção capacitista possui uma correlação com um termo abordado
por Anahi (2016), a corponormatividade, que considera determinados corpos como inferiores,
incompletos quando relacionados aos padrões hegemônicos corporais/funcionais. Atrelado a
esses padrões, observa-se que há estereótipos sobre as pessoas com deficiência e, como apontado
por E4, capacitismo também consiste na “negação da deficiência” através de uma discriminação
proferida como elogio ou baseada em entendimentos disseminados pelo senso comum, a exemplo
de discursos que reforçam os exemplos de superação.
Percebe-se que atitudes capacitistas contra pessoas com deficiência refletem a falta de
reconhecimento sobre a importância da sua inclusão e da acessibilidade no ambiente acadêmico,
assim como foi sintetizado por E7 quando apontou que constantemente escutou de colegas de classe
que sua presença e suas reivindicações de adaptação iriam “atrasar a turma”. E2 e E5 salientaram
que para entendermos o capacitismo temos que olhar para nossa realidade, uma sociedade ainda
muito conservadora e com problemáticas que decorrem de condições históricas. Ao analisar a
Universidade, os entrevistados identificam o desenvolvimento de ações, mas pontuais, que não
efetivam políticas efetivamente inclusivas e nem superam o capacitismo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados destacam falas e discursos de colegas e professores que negam o direito de pessoas
com deficiência de estarem no espaço universitário e acessarem o direito à educação superior,
assim como a restringem a autonomia e a liberdade de pessoas com deficiência de tomarem suas
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decisões. As expressões de discriminação, opressão e negação de direitos e participação estão
presentes do cotidiano dos participantes da pesquisa de diferentes formas, seja explícita ou velada.
Outras barreiras como arquitetônica, urbanística, nos transportes e nas comunicações não foram
percebidas como manifestações diretas de capacitismo. Criar um ambiente inclusivo e acolhedor às
diversidades humanas é fundamental para garantir de forma efetiva o direito à educação.
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170
170
O GOLPE DE 1964 E DE 2016:
semelhanças da autocracia burguesa
RESUMO
171
171
complexa estratégia de preservação e ampliação de privilégios econômicos,
socioculturais e políticos de origem remota (colonial ou neocolonial) ou
recente. (FERNANDES, 1974, p. 29)
Esse uso monopólico e instrumental do Estado por parte das classes dominantes revela
um dos aspectos essenciais desse padrão compósito de dominação burguesa, qual seja, o
coesionamento e a convergência das diversas frações da burguesia por meio do Estado1 quando
confrontadas com eventuais situações históricas em que a sua dominação de classe encontrou-se,
suposta ou efetivamente, em xeque.
Para viabilizar o capitalismo dependente, garantindo por um lado tanto a expansão interna
da sociedade capitalista como a formação do poder burguês, e, por outro, a alta lucratividade do
capital estrangeiro, os níveis de extração de mais-valor gerado pela exploração da força de trabalho
nacional foram acentuados brutalmente, constituindo o processo que Florestan Fernandes
qualificou de “apropriação dual do excedente econômico”:
Não era do interesse dessas classes uma revolução nacional e democrática, pois ela levaria
a maior participação das classes subalternas na democratização política e econômica da sociedade
capitalista e, por conseguinte, à extinção dos privilégios preservados pelas “classes altas e médias”,
podendo, inclusive, desencadear uma dinâmica de “revolução contra a ordem”. Portanto, o modo
encontrado para resolver este impasse foi a associação dependente das frações dominantes
brasileiras em relação imperialismo, tendo por pressuposto a instrumentalização do Estado e, por
consequência, a conformação de uma “democracia restrita”.
1 Ao contrário de outras burguesias, que forjaram instituições próprias de poder especificamente social e só
usaram o Estado para arranjos mais complicados e específicos, a nossa burguesia converge para o Estado e faz sua
unificação no plano político, antes de converter a dominação socioeconômica” (FERNANDES, 2020, p. 208).
172
172
2. DOMINAÇÃO AUTOCRÁTICO-BURGUESA NO BRASIL: ENTRE OS GOLPES DE 1964 E
2016
Em tal conjuntura, na América Latina, sobretudo após a revolução cubana, os Estados Unidos
passaram a reforçar sua atuação, patrocinando golpes, desestabilizando governos democráticos,
com o objetivo de manter o alinhamento político dos países do continente aos seus desígnios
imperialistas3. Além da necessidade política de preservar esta parte do mundo sob a sua influência,
o alinhamento mencionado era também imprescindível em vista das mudanças econômicas em
curso. Naquele momento havia uma superacumulação de capitais estadunidenses, que requeriam
a sua exportação para espaços onde pudesse operar sua contínua valorização. A consecução desses
objetivos exigia a derrota de projetos de desenvolvimento autônomo, nacional-democrático ou
socialistas; e o ajustamento da estrutura econômica ante a nova divisão internacional do trabalho
(NETTO, 2014).
No Brasil, a luta de classes entre 1961 a 1964 anunciava uma tensão social cada vez mais
elevada. O padrão de desenvolvimento econômico brasileiro encontrava-se em crise estrutural
profunda, cujos limites impunham, inevitavelmente, mudanças de monta na lógica reprodutiva
do capitalismo dependente na sua fase de incorporação monopólica. De um lado, forças nacionais
e democráticas com forte amparo no campesinato e no proletariado urbano, reivindicavam, sob
o governo Goulart, as reformas de base como alternativa para o desenvolvimento do capitalismo
brasileiro frente aos obstáculos postos4; e, de outro, a burguesia brasileira e os grandes proprietários
de terra, associados ao imperialismo estadunidense, procuravam equacionar os impasses do
desenvolvimento pela via do aprofundamento do capitalismo dependente, alternativa esta que
demandava a exclusão das classes populares e sufocava a revolução nacional-democrática na típica
fórmula das transformações “pelo alto”. A solução deu-se pela exacerbação da heteronomia, isto
é, pelo reforço ao caráter dependente do desenvolvimento socioeconômico em terras nacionais.
2 “O mundo se viu polarizado, gravitando em torno de Washington e Moscou” (NETTO, 2014, p. 30).
3 “Em resposta à influência da Revolução Cubana, os Estados Unidos aprofundaram a sua ingerência
na América Latina, operando em dois níveis: o legal, através de ‘programas de ajuda’ (o mais importante foi a
Aliança para o Progresso, lançado por Kennedy em 1961 e cujos pífios resultados levaram à sua extinção em 1969), e o
clandestino, com as iniciativas encobertas da CIA, a agência central de inteligência norte-americana.” (NETTO, 2014, p.
33).
4 “Nas condições brasileiras de então, as requisições contra exploração imperialista e latifundista, acrescidas
das reivindicações de participação cívico-política ampliada, apontavam para uma ampla restruturação do padrão de
desenvolvimento econômico e uma profunda democratização da sociedade e do Estado”. (NETTO, 2008, p. 23).
173
173
Com o golpe de 1964 garantido pelas Forças Armadas em aliança com a burguesia nativa
e apoiado pelo imperialismo norteamericano, não obstante seu início instável, passou-se às
modificações políticas da tecitura estatal com vistas a implementação do modelo econômico
adequado aos monopólios:
Tal modelo foi fortemente baseado no arrocho salarial, configurando um alto grau de
exploração da força de trabalho nesse período em favor da empresa monopolista. Por isso, a repressão
ultraviolenta ao movimento sindical operário e ao movimento camponês, fundamentalmente,
fizera-se componente central do golpe e do ordenamento estatal que, torcido em pró dos negócios
capitalistas, asfixiaria quase que absolutamente qualquer possibilidade de resistência.
174
174
esse continente, somado à ascensão de forças progressistas aos governos latino-americanos, o
imperialismo estadunidense passou a reforçar sua posição hegemônica neste território continental.
3. CONCLUSÃO
Observou-se nos dois contextos históricos particulares, que a função desempenhada pelo
imperialismo estadunidense fora decisiva no recrudescimento da autocracia burguesa no Brasil.
175
175
Em primeiro lugar, as crises econômicas combinadas à disputa por influência geopolítica com outra
potência mundial, resguardadas as diferentes especificidades históricas, compuseram, num plano
mais amplo, o quadro de determinações que mobilizou o imperialismo dos Estados Unidos em
direção ao reforço de sua posição sobre o capitalismo dependente brasileiro. O golpe militar de
1964 no Brasil constituiu um governo plenamente alinhado aos Estados Unidos. O golpe de 2016,
embora não tenha deposto um governo averso aos interesses imperialistas, ainda assim deu lugar
a uma composição governamental, baseada no MDB-PSDB, muito mais subserviente a Washington.
Com o regime instaurado em 1964 um dos objetivos fora a eliminação completa de qualquer
projeto de desenvolvimento alternativo à heteronomia configurada no capitalismo dependente,
bem como de suas forças de sustentação. Em 2016, mesmo sem alterar o regime político, o golpe
teve, entre suas finalidades, a inviabilização, ainda que temporária, do Partido dos Trabalhadores
como alternativa de governo. Pode-se extrair deste paralelo que, no quadro do capitalismo
dependente e associado, suas classes dominantes locais e as correspondentes estrangeiras, são
acentuadamente sensíveis e pouco toleráveis a quaisquer níveis do reformismo, seja ele de alta ou
baixa intensidade.
Por fim, outro componente determinante inscrito nos dois processos golpistas consiste
na necessidade do capital quanto à restauração da taxa de lucro que se traduziu na sujeição da
força de trabalho brasileira a níveis consideráveis de exploração, produzindo as taxas de mais-valor
requeridas para a acumulação capitalista. Num contexto, o arrocho salarial representou a política
econômica sob a qual a força de trabalho fora, acerbamente, espoliada. Noutro, as contrarreformas
trabalhistas e a mudança no cálculo base do salário mínimo, respondera pela depreciação do
valor da força de trabalho articulada a sucção do mais-valor por ela gerada. Tanto lá como cá, o
desemprego cumpriu com sua função de manter a oferta de força de trabalho em alta e o seu valor
em baixa.
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dos Estados Unidos. As veias do sul continuam abertas: debates sobre o imperialismo do nosso
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2014.
177
177
O SERVIÇO SOCIAL NA EDUCAÇÃO:
a questão social e suas expressões no âmbito escolar
RESUMO
ABSTRACT
The article deals with the debate on the expressions of social issues in the
school environment, bringing the reflection that it is necessary to understand
the foundations of the educational system in Brazil and education as a social
policy. It seeks to place this right in the capitalist system and its relationship
within the scope of social struggles. It aims to highlight Social Service in
education policy, in educational institutions and in management, through
a bibliographic review around this topic. It thus shows that education can
contribute to the construction of democracy and the processes of human
emancipation and concluded that the work carried out collectively by
educational professionals, such as social workers, can bring effective results
to educational needs.
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1. INTRODUÇÃO
A discussão sobre as expressões da questão social no âmbito escolar, implica na análise crítica
em torno das contradições sociais oriundas da sociedade capitalista, que perpassa o processo de
acumulação e suas implicações sobre a classe trabalhadora. Tendo como referência a relação entre
política social e educação e a compreensão dos fundamentos do sistema educacional brasileiro.
Para a compreensão da educação cabe explicitar alguns fundamentos teóricos que possibilita
perceber o ato educativo como um meio de emancipação do homem e aplicar tais conceitos na
análise da realidade. Pensar nos elementos que compõem a realidade histórica e social da educação
na compreensão da realidade nos remete a contextualização de que os primeiros mestres no Brasil
foram os padres da Companhia de Jesus6, chegaram no País nos anos de 1540 e faziam parte da
missão colonizadora de Portugal. Nesse sentido Melo afirma que:
O processo histórico da educação no Brasil é marcado por disputas e lutas sociais pela
expansão do direito a educação. Com a expulsão dos jesuítas, comandada pelo então primeiro-
ministro de Portugal, Marquês do Pombal, buscou-se a organização de um novo sistema de ensino
no país, deixando de lado a religião, na busca por um ensino promovido pelo Estado.
6 Os padres da Companhia de Jesus vieram de Portugal, liderados pelo padre Manoel da Nóbrega, e tornaram-se
os precursores da educação escolar brasileira, a partir de 1549. Ensinavam aos descendentes da elite colonizadora. Os
jesuítas foram responsáveis pela criação de vários colégios e seminários, mantiveram esta hegemonia durante duzentos
e dez anos e foram expulsos do Brasil em 1759, pelo Marquês de Pombal. (MELO, 2012).
179
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No período imperial, a primeira Constituição de 1824, outorgada pelo imperador D. Pedro
I, trazia a ideia de um sistema nacional de educação, sendo “a instrução primária é gratuita a todos
os cidadãos”. Apesar disso, o ensino não foi oferecido para todos, porque o número de vagas não
era suficiente para atender a demanda e os professores não eram capacitados, sendo a educação
um privilégio dos homens livres. Nesse sentido Ribeiro (1984) argumenta que:
Apesar da política educacional brasileira nesse período ser democrática, vivenciava na prática
os impactos do regime militar, com medidas autoritárias, a limitação da liberdade de pensamento
e de ações, tendo o ideário do capital humano como concepção. Com uma ideologia voltada para
servir aos interesses da classe dominante, buscando controlar a massa para manter uma harmonia
social.
Compreender a educação, como uma política social, que faz parte do processo de produção
e reprodução social no modo de produção capitalista, implica conhecer os elementos contraditórios
que envolvem as políticas sociais no capitalismo. O Estado busca atender as necessidades básicas
dos cidadãos por meio das políticas sociais. Essa intervenção visa apaziguar as contradições geradas
no interior do capitalismo. Segundo Pereira (2016) ao afirmar que:
180
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a economia e a sociedade, mas também a empreender ações sociais, prover
benefícios e serviços e exercer atividades empresariais. Dessa feita, o
Estado capitalista tornou-se, desde o final do século XIX, parte visivelmente
interessada nos conflitos entre capital e trabalho, agudizados pelo processo
de industrialização, assumindo um forte papel regulador, dando origem ao
Estado de Bem-Estar ou Estado Social (PEREIRA, 2016, p.32-33).
As políticas sociais não podem ser vistas como favores do Estado e do sistema capitalista para
a classe dominada, nem como conquistas das mobilizações e pressões dos movimentos populares.
Apresenta-se como expressão da correlação de forças e lutas na sociedade e, portanto, concessões
dos grupos majoritários que estão no poder, que pretendem permanecer e legitimar o controle.
É necessário retomar o discurso crítico para explicitar as relações entre a educação e seus
condicionamentos sociais, mostrando a determinação recíproca entre a prática social e a prática
educativa. O processo educativo é essencial na vida do cidadão e na formação do sujeito para
o exercício da cidadania. É preciso garantir amplo debate entre professores, alunos, família e
comunidade e se aproximar dos movimentos sociais, com uma visão crítica, sobre a política de
educação para somar esforços nas estratégias de resistência à educação mercantilista, voltada para
os interesses do capital.
O Serviço Social, em sua trajetória histórica, tem marcado seu espaço sócio-ocupacional,
principalmente nas políticas sociais, além das organizações da sociedade civil e empresas privadas.
Atua, majoritariamente, com pessoas em situação de vulnerabilidade social e vítimas dos diversos
tipos de opressões e violências. Tem sua emergência situada no bojo das transformações sócio-
históricas do capitalismo em sua fase monopolista. De acordo com FORTI (2013, p, 268):
181
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como orientou Paulo Freire em sua vasta produção teórica” (CFESS, 2023, pág. 12). Sustentando
uma concepção de educação que esteja em consonância com a direção hegemônica do projeto
ético-político profissional.
Cabe pontuar que a questão social advém da contradição da sociedade capitalista, com a
apropriação privada do que é produzido pelo conjunto da sociedade através da mais-valia extraída
da mão de obra dos trabalhadores. De acordo com (IAMAMOTO, 2006, p. 27), a questão social
pode ser entendida como:
As demandas na área do Serviço Social na educação além das unidades de ensino estão
voltadas para gestão, instituições de qualificação da força de trabalho juvenil e adulta, movimentos
sociais, entre outras, envolvendo tanto o campo da educação formal como as práticas no campo
da educação popular. A realização de uma educação emancipadora está atrelada a garantia do
respeito à diversidade humana e a defesa dos direitos humanos. Sendo assim, Paulo Freire diz que:
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182
interdisciplinar com o intuito de garantir a efetivação da educação para todos e de qualidade.
Contribuindo para que os sujeitos possam desenvolver suas habilidades, competências e
potencialidades. Conforme MARTINS (2012, p.122) vimos que:
Dessa forma, a luta pela cidadania deve estar vinculada ao movimento da luta de classes,
buscando alternativas e possibilidades frente à questão social, propiciando a democracia e a
participação efetiva, compartilhando decisões e poder que no âmbito da educação pode ser
potencializado através de representações da comunidade escolar, nos Conselhos de Direitos,
Conselhos Escolares, Grêmios Estudantis, dentre outros.
183
183
4. CONCLUSÃO
O Serviço Social vem conquistando espaço com sua inserção na área da educação, que
embora não seja recente em todo o território brasileiro de igual modo, está em processo de
consolidação. Tendo como um de seus desafios o fortalecimento das lutas sociais em defesa de
uma educação emancipadora, firmada na teoria crítico-dialética.
Pode-se dizer que é neste contexto que o assistente social retoma a área de educação
como um importante espaço de atuação. Sendo um processo que exige a compreensão das
particularidades da Política de Educação, em seus diferentes níveis de ensino, problematizando
este conhecimento, desvelando os seus significados, com todos os representantes da comunidade
escolar. Pois, a busca pela ampliação dos direitos e a aplicabilidade das políticas sociais que são
essenciais para a dignidade humana requer militantes, profissionais, alunos e atores sociais capazes
de lutar e defendê-los.
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1988.
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2006.
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A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL DE PALMAS/TO
THE SOCIO-SPATIAL SEGREGATION OF PALMAS/TO
RESUMO
ABSTRACT
This paper aims to show the main conclusions of a Doctoral research, carried
out in the municipality of Palmas in the State of Tocantins (Brazil), whose
thesis was the increase in land rent, anchored in Marx’s Theory of Value,
in the period between 1993 and 2012 on the production of the capitalist
city in contemporaneity with its strong marks of land expropriation. A
bibliographic study was carried out in sociology and critical geography, as
well as documentary data and legislation of the generic plants of the city. It
was observed that socio-spatial segregation is the central mark, the result
of the perverse logic of private appropriation of land rent. However, it does
not occur without resistance, and the local working class registers important
achievements in this context.
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1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo mostrar as principais conclusões de uma pesquisa de
Doutorado, realizada no município de Palmas/TO, cuja tese foi a elevação da renda da terra, ancorada
na teoria do valor de Marx, no período entre 1993 a 2012 sobre a produção da cidade capitalista na
contemporaneidade com suas fortes marcas de expropriação da terra. A coleta de dados permitiu
identificar a materialidade do processo de segregação socioespacial em Palmas, que desemboca em
uma série de precarizações no processo de reprodução social da classe trabalhadora empobrecida,
em seu modo de vida e de moradia, e os estudos teóricos apontaram que esse processo é fruto do
uso da renda da terra pelo capital.
Essa pesquisa tomou como base a Teoria Social de Marx, tendo como referência a Teoria Valor
Trabalho, as concepções sobre a Renda da Terra e as Lutas de Classe. A partir dessas concepções,
podemos debater sobre a assertiva de que todas as riquezas da sociedade são fruto do trabalho, e
a renda da terra trata do trabalho não pago ao trabalhador, ou seja, da mais-valia.
O objeto de estudo dessa pesquisa foi a cidade de Palmas, capital do Estado do Tocantins,
por apresentar um processo de conformação e de inserção espefífica dentro do Estado. Por
um lado, a cidade apresenta uma fundação e um desenvolvimento singulares e, por outro,
apresenta uma forma especial de concentração da renda da terra e, como consequência, de
segregação socioespacial, uma vez que possui um tempo histórico, uma localização, um estágio
de desenvolvimento socioeconômico brasileiro e político peculiares e que atravessam, tanto a
formação da cidade, como a forma de apropriação, desenvolvimento e concentração da renda
da terra. São perceptíveis suas contradições, sendo uma cidade aparentemente rica com uma
urbanização “bem-feita” e, contraditoriamente, com um projeto altamente segregacionista, com
as contradições sociais veladas nas periferias da cidade.
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processo de apropriação e de concentração da terra, de segregação socioespacial e de lula pela
moradia.
Entre outras características de sua peculiaridade, Palmas não passou por um desenvolvimento
e ocupação de cidade de forma natural, mas foi instalada em um território que não apresentava
características de cidade. Como consequência disso, o “vazio urbano” (território rural) favoreceu a
dominação dos grupos hegemônicos, no intuito de consolidar seus projetos (Reis, 2018).
De acordo com Marx (2017), a renda da terra tem a potência de produzir superlucros
localizados, que se refere a uma categoria econômica que nasce das relações sociais capitalistas,
fruto da exploração do trabalho não pago, sendo a renda da terra uma parte da mais-valia que é
repartida entre os capitalistas. Independentemente das formas metamorfoseadas que aparece
essa renda, suas origens continuam intactas. O preço de custo e de produção fornecem o valor
da mercadoria a ser vendida pelo capitalista. Ficou demonstrada a forma pela qual o capitalista
desenvolve uma grande corrida por superlucros. Entretanto, o superlucro, advindo da renda da
terra, não comunga da mesma lógica, pois a renda da terra é oriunda dos atributos presentes
unicamente na terra, a partir da renda absoluta e da renda de monopólio. Esse processo ocorre
porque a terra não é mercadoria, logo, não é reprodutível. Portanto, não entra na equalização dos
custos de uma mercadoria.
[...] a espiral da crise precisa ser compreendida por dentro dos ciclos longos
de expansão e depressão, superando-se, dessa forma, a tendência de os
economistas articularem às crises aos detonadores imediatos, que em geral
são os catalizadores da depressão, mas não a sua causa. (Behring, 2011, p.
166).
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Logo, as crises do capital são inerentes à lógica do sistema, então, independentemente do
motivo da detonação da crise, ela sempre ocorrerá, pois é fruto da tendência da queda da taxa de
lucro, corriqueira no processo de superprodução que se reflete no valor de troca das mercadorias.
A terra também é um obstáculo para o capitalista, pois não é reprodutível, mas esse obstáculo
é retirado quando ela é apropriada pelo capitalista. É o crescimento da renda que incide no solo,
e não o contrário, e essa realidade se apresenta quando, em tempos de crescimento econômico,
parte da mais-valia é destinada à renda da terra. Em contrapartida, em tempos de crise, ocorre
um processo oposto. É possível antecipar o uso futuro de uma determinada renda da terra, e esse
movimento resulta em especulação.
Se por um lado a terra não é mercadoria, por outro lado, a moradia o é. Todavia essa
última não se converterá automaticamente em mercadoria, pois seu valor de uso é predominante
no processo de reprodução social do trabalhador. Porém, esse processo se modifica quando o
capitalista faz uso da moradia como uma mercadoria com valor de troca, onde é possível extrair
lucro de diversas maneiras, como, por exemplo, com o aluguel, com o arredamento e com a venda.
O debate acima explicou a lógica perversa que o capitalismo provoca como consequência
a segregação socioespacial provocada pela elevação da renda da terra para a classe trabalhadora
empobrecida que, como alternativa, ocupa áreas distantes dos centros urbanizados. Em Palmas, em
poucos anos, foi habitada a partir de suas extremidades e, com as lutas de seus moradores, o Estado
foi obrigado a realizar infraestrutura para atender às novas demandas de moradia. Essa pesquisa
identificou o escandaloso processo de segregação socioespacial que produziu consequências, como
um desperdício significativo de orçamento público com grandes gastos realizados na urbanização
de locais que ficavam em situação de subutilização.
A segregação socioespacial, de acordo com Ramos (2002), de modo geral, está se referindo
ao afastamento físico e simbólico entre as classes sociais abastadas e as classes empobrecidas,
e não somente à segregação socioespacial das classes sociais empobrecidas. Palmas, em seu
processo de urbanização, constituiu um processo de segregação socioespacial, respondendo a uma
lógica socioeconômica própria das cidades capitalistas da modernidade e, mesmo quando produziu
investimentos estatais, na política de habitação de interesse social, respondeu a uma ordem
econômica que manteve essa segregação socioespacial. Logo, a habitação sofreu um processo de
valorização que segregou os trabalhadores empobrecidos, que foram “empurrados” para locais
distantes dos espaços urbanizados, além de terem de se submeter a moradias precárias e com
infraestrutura urbana inadequada. A Figura 1 nos mostra a segregação socioespacial produzida
historicamente em Palmas.
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Figura 1: População com renda de até R$ 70,00 de Palmas
A Figura 1, acima, que trata da população com renda de até R$ 70,00, mostra o local onde
a população em situação de pobreza absoluta reside: nas extremidades da cidade, segregadas do
centro, concentrando-se mais na região sul, onde deveria ser ocupado somente quando a cidade
contasse com mais de um milhão de habitantes. Todavia, a região em questão foi povoada ainda
no início da criação da cidade, sendo que as regiões centrais, na atualidade, ainda contam com
quadras inteiras desabitadas.
Se por um lado grandes investimentos estatais deram asas para a elevação da renda da
terra urbana, por outro, não significou a ocupação automáticas das áreas urbanizadas, uma vez
que, até hoje, há quadras inteiras urbanizadas, mas sem moradores, áreas disponíveis para o
mercado e aguardando ainda mais elevação da renda da terra. Como agravante, as áreas periféricas
da cidade também foram impactadas com a elevação da renda da terra em poucos anos. Essa é
uma consequência das instalações que foram desenvolvidas no decorrer das ocupações. Todavia,
a consequência disso, foi a produção em massa de moradias fora do perímetro urbano de Palmas.
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Essas moradias ficam na cidade de Porto Nacional, no distrito de Luzimangues,1 ao lado de Palmas,
com uma população que representa quase que 10% da população de Palmas. Vale ressaltar que
esse processo cria diversos desafios à classe trabalhadora, tendo em vista que os moradores de
Porto Nacional trabalham em Palmas, conforme fica evidenciado nos estudos de Pinto (2014).
Todo o processo de ocupação do município de Palmas não ocorreu sem resistência. Conforme
Silva (2009), as contradições produzidas no processo de segregação socioespacial tiveram como
enfrentamentos diversas lutas da classe trabalhadora, que tensionaram com várias formas de
resistência, na perspectiva de acessar a moradia urbana em Palmas e, como respostas a essas lutas,
diversas moradias populares foram construídas em regiões menos segregadas. Houve um grande
potencial de lutas da classe trabalhadora na constituição e na ocupação da cidade, que contribuiu
com sua reconfiguração, como podemos ver na Figura 2, abaixo:
1 O município de Luzimangues fica situado ao lado do Lago de Palmas, fazendo divisa com Porto Nacional,
porém está localizado a 60 km de distância do centro dessa cidade, e aproximadamente, a 12 km do centro de Pal-
mas. Nos últimos anos, o loteamento em questão apresentou um crescimento elevado nas vendas, pois pro-
punha prestações de baixo valor, dimensionadas a perder de vista e, com essa estratégia de venda, o local passou
a ser moradia de trabalhadores empobrecidos de Palmas. Pinto (2014) contabilizou 22.323 imóveis nesse local.
191
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De acordo com Engels (2005), a ideia de que todas as pessoas têm que ter uma “casinha
e uma hortinha” é uma solução burguesa, que não considera as particularidades da classe
trabalhadora, tendo em vista que, na sociedade capitalista, a casa própria não tem solução, pois a
lógica da acumulação não permite a distribuição de moradias. A solução da casa própria trata- se
apenas de paliativos dentro do mundo do capital, sendo que a maneira definitiva de se enfrentar
as mazelas da habitação popular é a busca de solução para resolver os problemas societários, que
perpassa por encontrar as explicações para a organização social do capitalismo.
A partir dessa compreensão, abre-se o caminho para a busca da superação desse sistema. As
ações do Estado para a moradia são formadas considerando as particularidades que se encontram
em uma totalidade das questões urbanas, no contexto da sociabilidade capitalista, que tem sido
pauta de lutas dos movimentos sociais urbanos que, historicamente, reivindicam essa condição de
reprodução da vida social. Tais conquistas não foram fáceis, tendo em vista que as lutas políticas
de diversos movimentos sociais urbanos se encontraram no meio do caminho com o braço forte do
Estado policial, que não mediu força no combate às lutas da classe trabalhadora, apresentando-se
fortemente armados em defesa da propriedade privada.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo elencar os principais elementos sobre a pesquisa realizada
no município de Palmas/TO, no período de 1993 até 2012, que pretendeu investigar os dados da
realidade que implicaram na produção de uma cidade construída no processo de uma modernidade,
mas que ainda apresenta problemas de habitação não resolvidos. Esse processo ocorre em função
de se tratar da construção de uma cidade no interior do país com uma economia dependente, com
um desenvolvimento desigual e combinado, e que atende a uma lógica da totalidade do modelo de
sociedade burguesa do capitalismo contemporâneo (Oliveiro, 2003).
No município de Palmas, nos debates políticos dos movimentos sociais, já se aventava que
a questão do acesso à terra era uma grande problemática, mas não havia ainda os subsídios críticos
e teóricos para explicar esse tema, apesar de a classe trabalhadora já ter um arcabouço de debate
com relação a questões fundiárias, que eram os principais gargalos a serem enfrentados na luta
pela moradia digna. Os elementos constitutivos desse estudo poderão ser socializados com os
trabalhadores para constituir subsídios para debates de lutas de classes, a fim de maturá-los, pois
é preciso entender que a raiz central da problemática societária está na expropriação do trabalho.
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Então, podemos concluir que a elevação da renda da terra, ancorada na Teoria do Valor
de Marx, é questão determinante na produção da segregação socioespacial no município de
Palmas. Todavia, ela não ocorre sem resistência, e a classe trabalhadora local registra conquistas
importantes nesse contexto.
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193
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MESA 3: TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E
EMANCIPAÇÃO
Mesa 3
Trabalho, Questão
Social e Emancipação
FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA E A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
1. INTRODUÇÃO
Desde a colonização até os dias atuais, a educação no Brasil tem sido marcada pela exclusão,
pela desigualdade e pela privatização, refletindo as características da formação social brasileira. No
contexto atual, a política educacional é moldada por uma ótica de classe, que privilegia os interesses
da dominação burguesa (local associada à internacional) em detrimento das necessidades das
classes trabalhadoras. Além disso, a ascensão do neofascismo e o enfraquecimento dos direitos
sociais, principalmente a partir do Governo Bolsonaro (2019-2022), colocam em xeque as conquistas
obtidas na luta por uma educação pública e de qualidade.
A formação social e histórica do Brasil diferencia-se dos países centrais que passaram
195
pelos moldes tradicionais em seu desenvolvimento capitalista. O colonialismo e a escravização
dos negros e índios, a exportação de matérias-primas e o uso desse trabalho forçado provocaram
marcas profundas na estrutura social, econômica e cultural, deixando como legado a exploração, a
desigualdade social e de estruturas que se assemelham a tempos coloniais.
Esse cenário de “dependência colonial” não se rompe, apenas se revitaliza, mesmo com a
independência desses países, pois, para Fernandes (2020), no aspecto econômico, as estruturas
sociais e econômicas permanecem iguais (ou quase, considerando as particulares conjunturas),
sendo usadas para controle das elites locais e “contribuindo” para os países de capitalismo central.
Para Fernandes (1968), o Brasil teve sua consolidação a partir da mescla entre o “moderno e
arcaico”, sendo então “livres” politicamente, mas dependentes economicamente e socialmente
dos países centrais capitalistas.
A dependência se torna necessária para o capitalismo, pois existe uma articulação entre
os países centrais e os dependentes. Desvincular-se dessas estruturas não apresenta ser uma
opção viável, pois existe uma associação de interesses internos e externos, que também privilegia
a classe dominante local. O desenvolvimento “atrasado” no Brasil, é uma condição de aparência,
que possibilita uma exploração e apropriação que é importante para a permanência das classes
dominantes nas posições de poder (SILVA, 2021), visto que para condução interna deste processo
de exploração aguçada é fundamental uma burguesia local1 que esteja vinculada organicamente
aos interesses da burguesia imperialista. É o que constitui uma lógica de parceria, ou seja, “as
burguesias locais se constituem como parceiras (ainda que menores e subordinadas) das burguesias
hegemônicas” (DUARTE, 2020, p. 80).
No tocante, todo este processo que marca a formação brasileira e se espraia para um
desenvolvimento capitalista dependente “acarreta repercussões importantes para o debate da
educação” (DUARTE, 2020, p. 81), principalmente pública em um país tão marcado pela lógica do
privilégio, pelo agravamento da desigualdade e pelo acúmulo de poucos.
196
dos povos originários e, principalmente, da população negra. Assim, a formação social brasileira
perpassa por um passado escravocrata, etnocêntrico, racista, genocida, patriarcal e elitista que
é revitalizado no presente sob novos contornos para garantir novos padrões de produção e de
reprodução do capital. Vale apontar que devido à condição de dependência do Brasil, em relação
aos países de capitalismo central, essas características são intensificadas ao extremo (FERNANDES,
2020).
Essa organização social, política, econômica e cultural atravessa de forma dialética a política
de educação, assumindo novas formas a depender da conjuntura sócio-histórica, mas com a essência
colonial sempre presente. Isto é, conforme sinaliza Fernandes (2020), existe no Brasil uma condição
colonial permanente que se demonstra pelas “raízes históricas escravocratas, patrimonialistas e
conservadoras que persistem na dinâmica econômica, sociocultural e política do país” (DUARTE,
2021, p. 25).
Por conseguinte, nota-se que as desigualdades são essenciais para a existência do modo
de produção capitalista, por isso, a dinâmica da educação em solo brasileiro move-se na história a
partir de um padrão também dependente que se renova no campo educacional, ao sabor da luta
de classes. Haja vista que a dependência ocorre em razão da ausência de autonomia, categorizado
por Fernandes (2020) como heteronomia, dos países dependentes no que consiste aos processos
decisórios. Logo, a educação brasileira desde o período colonial até a atualidade, é disposta, de
modo hegemônico, para atender aos interesses externos e privatistas da burguesia local, em
detrimento das necessidades nacionais.
A título de exemplo, a educação no Brasil colônia era direcionada à catequização dos povos
indígenas com o intuito de servir às pretensões dos colonizadores portugueses, posteriormente
subordina-se às pressões da Inglaterra que vislumbrava expandir o mercado consumidor (MELO,
2012). Já no século XX, com o capitalismo em sua fase monopolista2, os efeitos da sociedade de
classe também direcionam uma educação cindida pelas classes fundamentais, conferindo uma
dualidade educacional “[...] que é estruturante do capitalismo: uma escola para os filhos da classe
dominante e outra para os filhos da classe trabalhadora” (PAQUIELLA, 2020, p. 215).
O período da ditadura civil militar brasileira endureceu essa característica da educação, pois
aliado ao processo de industrialização, coexiste um modelo educacional pragmático e tecnicista
orientado para formação de mão de obra barata para atender às indústrias estrangeiras (MELO,
2012). Após o fim da ditadura burguesa no final da década de 1980, por meio de inúmeras lutas e
resistências, a classe trabalhadora disputa espaços e logra a promulgação da Constituição de 1988,
marcando o cenário da redemocratização brasileira com a conquista de diversos direitos, ainda que
a partir dos limites capitalistas.
197
dentre outros, conforme estruturado no artigo 6º da Constituição (BRASIL, 1988).
Nesse ínterim, a educação pública mesmo que esteja legitimada enquanto um direito de
todos e como dever do Estado de assegurá-la, de acordo com o artigo 205 da Constituição Federal
(BRASIL, 1988), não é garantida de fato. Na contramão, o artigo 209 garante a intervenção da
iniciativa privada no fornecimento da educação como um serviço (e não direito social), provocando
o deslocamento dessa política social da esfera do direito para o campo da mercadoria.
As intenções e as ações concretas dos países mandatários e da classe burguesa local expressam
as características da formação social brasileira, em combinação com o capitalismo dependente,
repercutem também na política de educação, uma vez que “os elementos estruturantes do
capitalismo dependente também mobilizam um padrão dependente educacional” (DUARTE, 2020,
p. 81). Como exemplos concretos, as orientações do Consenso de Washington na década de 1990,
assim como as instruções do Banco Mundial requisitam dos países da periferia do globo políticas
econômicas de ajustes severos, a fim de reduzir drasticamente os gastos públicos com políticas
sociais para, estrategicamente, privatizar, ainda mais, os serviços públicos como a educação.
Dito isso, cabe salientar que as intenções políticas, econômicas e ideológicas da classe
dominante formam um direcionamento neofascista, a partir da associação entre ultraneoliberalismo
e ultraconservadorismo (ARCARY, 2019) como ferramenta de manutenção do status quo. Em outras
palavras, advém um cenário propicio para revigorar, de modo mais intenso, as peculiaridades
da formação social brasileira, ou seja, as violências de classe, de raça, de etnia, de gênero, de
sexualidade que são revividas cotidianamente na sociedade e, sobretudo, nas escolas, como
importantes estratégias de manutenção da dependência.
3 No dia 12/07/2023, o Programa Escolas Cívico-Militares foi extinto pelo Governo Lula, contudo assegurou-se
à autonomia dos Estados e do Distrito Federal para optarem pela manutenção ou não do Programa. Apesar das análi-
ses de especialistas sobre o caráter excludente deste modelo de educação, diversos Estados e inclusive o DF escolhe-
ram pela continuidade do Programa.
198
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A LUTA DEVE SER PERMANENTE!
Para corresponder a essa realidade, a política de educação é orientada por uma ótica de
classe, dessa forma, ocorre simultaneamente ao capitalismo dependente um padrão educacional
dependente. A partir da concentração de renda, prestígio e poder nas mãos da classe dominante
transcorre uma exclusão da classe trabalhadora de diversos direitos, inclusive o direito a uma
educação pública e de qualidade. Do contrário, constitui-se uma educação engessada, acrítica e
tecnicista para a classe trabalhadora e seus filhos. Fato esse evidenciado pela precariedade e pelas
condições de desmonte das escolas e universidades públicas brasileiras, gerados, sobretudo, pela
falta de investimento público, como resultado da disputa do fundo público, como também pela
legitimação de ações como o homeschooling, a expansão do Ensino à Distância e da educação
privada em detrimento da pública, principalmente no que tange ao Ensino superior.
Por fim, cabe salientar que a realidade é dinâmica e que apesar da extrema direita ter
sido derrotada nas urnas em 2022, o projeto neofascista ainda persiste pelos espaços de poder,
vociferando o ódio de classe, raça, gênero, etnia, sexualidade e dentre outros marcadores
sociais. Além disso, embora o Governo Lula em seu primeiro ano de mandato, em 2023, tenha
proporcionado mudanças significativas no direcionamento da educação pública como a extinção
do Programa Escolas Cívico-Militares, a criação do Programa Escola em tempo Integral e investido
na educação, coexiste também ações de incentivo à privatização da educação, como o Decreto
11.498/23 (BRASIL, 2023). Portanto, a luta em defesa da educação pública e de qualidade é
permanente e indissociável da luta por uma nova sociabilidade sem exploração e opressão, aliada
da luta pela quebra dos determinantes da dependência.
REFERÊNCIAS
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das entidades organizativas na orientação da categoria profissional (Trabalho de Conclusão de Curso
– Serviço Social). Brasília/DF: Departamento de Serviço Social/Universidade de Brasília, 2021.
200
MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA E SUAS REPERCUSSÕES PARA OS DIREITOS SOCIAIS
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
201
trabalhadora, tendo em vista que estes estavam assegurados na Constituição Federal de 1988.
Declarou ainda que a aprovação do PLC garantiu avanços e modernização da legislação e das
relações de trabalho, propiciando oportunidades de empregos, frente ao exacerbado nível de
desemprego1. Em contrapartida, a senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), em seu discurso2, declarou
que os direitos sociais garantidos pela CLT estavam sendo “rasgados”.
202
Quadro 1. Alterações contratuais e acordos a partir da Reforma Trabalhista de 2017
203
Os arts. 580 e 582 da CLT, afirmam a Devido a alteração, o art. 582 decla-
obrigatoriedade do desconto anual, ra que a contribuição sindical deve
Contribuição
equivalente a um dia do salário do ser descontada apenas de quem
Sindical
trabalhador. autorizar, ou seja, passa a ser opcio-
nal.
Grávidas e De acordo com o art. 394-A da CLT, a O art. 394-A, passa a permitir o
Lactantes em trabalhadora grávida não poderá tra- trabalho em locais insalubres. O
ambiente in- balhar em lugares insalubres. afastamento em graus médios ou
salubre mínimos, ocorrerá mediante atesta-
do médico.
Fonte: Lei 13.467/2017 (Brasil, 2017). Elaboração própria3.
A Lei n.13.467/17 (Brasil, 2017) proporcionou três mudanças que implicaram diretamente
sobre o poder de contestação e reivindicações da classe trabalhadora e ações dos sindicatos (Krein;
Oliveira; Filgueiras, 2019): o artigo nº 611-A (Brasil, 2017) determina que os acordos coletivos
estão acima do legislado, isto é, o que for acordado entre trabalhador e empregador está acima
3 As informações contidas na tabela, quanto a legislação das principais alterações da Reforma Trabalhista,
foram retiradas e modificadas do site Guia Trabalhista. Disponível em: https://www.guiatrabalhista.com.br/tematicas/
sinopse-reforma-trabalhista.htm. Acesso em: 18 de jul. 2023.
204
da lei. O artigo nº 582 (Brasil, 2017) estabelece a contribuição sindical como opcional, refreando
e dificultando o papel de regulador, fiscalizador e reativo do sindicato (Droppa; Biavaschi; Teixeira,
2021). Os artigos nº 790-B e 791-A (Brasil, 2017) atestam que em relação às reclamatórias, a parte
derrotada deveria arcar com os honorários sucumbenciais e periciais, de ambas as partes, ainda
que fosse beneficiária da justiça gratuita.
A Lei da Terceirização Total (Brasil, 2017) foi aprovada por 7 votos favoráveis e 4 votos
contrários. O julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº
324 (Brasil, 2018) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), teve como pretexto de sua legalização, o
discurso de que a terceirização das atividades-fim não fere a Constituição Federal (Brasil, 1988),
considerando sua maior eficiência do ponto de vista econômico e das empresas contratantes, pois
não arcariam com os encargos trabalhistas e facilitaria a contratação e a mobilidade, em meio ao
cenário de mais de 12 bilhões de trabalhadores desempregados (Filgueiras; Dutra, 2021).
205
suscetíveis ao trabalho escravo contemporâneo, ou seja, nos moldes dessa configuração do mundo
do trabalho no capitalismo, a terceirização expressa flagrantes violações de direitos humanos.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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206
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portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4620584 > Acesso em: 6 de jun de 2023.
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207
TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO E CAPITALISMO DEPENDENTE:
um levantamento bibliográfico
1. INTRODUÇÃO
2. METODOLOGIA
Dois principais enfoques teóricos foram identificados: um focado nos impactos do trabalho
doméstico na vida pessoal e familiar das trabalhadoras, destacando danos à saúde física e mental,
e outro relacionado às condições do trabalho doméstico com a divisão sexual do trabalho.
3. PERSPECTIVAS ACADÊMICAS
O ponto a ser observado aqui é o mercado de trabalho doméstico, a análise foi composta
por textos que se voltam para o ambiente do trabalho com cuidados e com limpeza dentro dos
208
lares, quem são as pessoas que ocupam esses lugares e principalmente as lutas que travam para
conquistarem direitos enquanto classe trabalhadora.
Blaydes (2023), analisa as condições das trabalhadoras domésticas imigrantes que exercem
seu trabalho no Golfo Árabe. A autora utiliza como fonte de pesquisa documental, reportagens de
Organizações Não Governamentais (ONGs) e relatórios construídos por Organizações de Direitos
Humanos. Também realiza pesquisa empírica com 656 empregadas domésticas imigrantes que
saíram da Indonésia e Filipinas para viver na Arábia Saudita. Como resultado de sua pesquisa,
Blaydes (2023) comenta que a desvalorização do trabalho doméstico e sua baixa remuneração,
não deriva do valor de sua produção, mas da relação de poder embutida nesse trabalho. A autora
confirma que o posto de trabalho de empregada doméstica é ocupado por mulheres com mais
dificuldades para acessar o mercado de trabalho, devido ao seu status social periférico, nas
construções de gênero. Segundo a autora, além de responsabilizadas pelo trabalho doméstico, as
mulheres acabam por ocupar esses cargos porque são excluídas das melhores oportunidades de
trabalho, que priorizam os homens. Ainda, segundo a autora, os países mais desenvolvidos tendem
a empregar imigrantes ilegais como empregadas domésticas, sem direitos trabalhistas. Com esses
argumentos, Blaydes (2023) conclui que as construções sociais que desqualificam as mulheres e o
trabalho doméstico, se inter-relacionam e retroalimentam, de forma a subalternizar condições de
vida dessas trabalhadoras.
Paul, et.al. (2022), com base em dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de
ONGs, de relatórios de consultoria e demais publicações científicas, criaram o Global Care Policy
Index1 (GCPI), com índices que informam sobre os diversos tipos de exploração que subjuga o
trabalho doméstico no mundo. Paul, et.al. (2022) identificaram, dentre 29 países analisados, as
melhores condições de trabalho doméstico na Suécia e as piores condições desse trabalho em
Bangladesh. Os autores reforçam, também, que nenhum dos países analisados atendeu a nota
recomendada pela OIT, principalmente, os países da América Latina, subordinados aos interesses
do capitalismo mundial, onde se concentram as empregadas domésticas mais precarizadas e com
as piores remunerações.
1 sistema de pontuação original para comparações de políticas de atendimento, feito com critérios objetivos,
ranqueia os países de acordo com as políticas públicas de cada país. Esse índice pretende alcançar dois objetivos: ava-
liar como é, em cada país, a proteção dos provedores de cuidados domésticos, analisando-os de acordo com os parâ-
metros de referência da OIT e incentivar os países a melhorarem a proteção a esses provedores de cuidados na esfera
doméstica. (Paul, et.al., 2022).
209
sua análise a partir de recortes de raça, gênero e classe, evidencia a predominância das mulheres
negras no trabalho doméstico remunerado, que acumulam desigualdades econômicas, culturais e
políticas.
Teixeira (2021), também estuda o trabalho doméstico a partir de marcadores de raça, gênero
e classe, enfatizando especificidades do trabalho doméstico no Brasil, associadas às desigualdades
historicamente construídas a partir do colonialismo e da escravidão brasileira. A referida autora
analisa a situação das empregadas domésticas no contexto da pandemia de COVID-19, mas por
uma perspectiva mais ampla que leva em conta a formação sócio histórica do Brasil (Teixeira, 2021).
Em sua obra, a autora propõe um debate sobre a situação das empregadas domésticas
brasileiras no contexto da pandemia de COVID-19 que visa ampliar a discussão sobre esse cenário
e vinculá-lo estruturalmente ao da formação sócio-histórica do país que tem como elementos
fundadores o racismo e colonialismo. O que unifica essas pesquisas é o foco delas, todas focam no
mercado de trabalho doméstico, analisam como esse funciona e como ainda reproduz racismo e
machismo em relação a esse trabalho.
Nessa perspectiva, a ênfase dos estudos se dá na vida privada das empregadas domésticas.
As pesquisas encontradas tratam sobre as condições de saúde física e mental das trabalhadoras e
as relações entre esses fatores e o exercício das funções delas nos mais diversos lugares do mundo.
Guerra, et. al (2022), fazem uma revisão sistemática de pesquisas, realizadas em países
africanos, latino-americanos e asiáticos, realçando os sintomas depressivos relacionados ao
trabalho doméstico. Os referidos autores chamam a atenção para a dificuldade de identificar, nas
pesquisas analisadas, diagnósticos médicos sobre a depressão das empregadas domésticas que
quase nunca acessam especialistas em saúde. Os sintomas depressivos, identificados na pesquisa
estavam, na maioria dos casos, associados à falta de privacidade das trabalhadoras, à privação de
alimentos e ao abuso moral e sexual no local em que trabalham, principalmente entre aquelas que
moram no local de trabalho. (Guerra et al., 2022)
Tariq, et al. (2020) focam sua pesquisa na saúde física das empregadas domésticas que
residem em assentamentos ilegais da Cidade de Karashi no Paquistão. Esses autores identificaram
condições de risco à saúde física dessas trabalhadoras que manipulam produtos químicos de
limpeza sem usar Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados.
210
associadas ao acúmulo de funções e atividades imprevisíveis; às jornadas de trabalho muito longas;
às condições degradantes do ambiente de trabalho; à não progressão de carreira; ao perfil das
trabalhadoras e às lutas travadas por elas em favor de seus direitos.
4. CAPITALISMO DEPENDENTE
A ideologia capitalista, conforme Souza (2023), enfatiza as diferenças entre grupos sociais, o
que gera racismo, machismo, xenofobia e homofobia, dentre outros preconceitos, que servem para
perpetuar a organização do capitalismo. No Brasil, essa organização social coloca as mulheres negras
na base da hierarquia social, refletida nos índices de pobreza, reforçando a divisão socioeconômica
criada e mantida pelo capitalismo dependente.
5. DISCUSSÃO
Com a varredura teórica realizada, à luz da Teoria Marxista da Dependência, foi possível
analisar questões que tangenciam os textos, mesmo que de forma não intencional pelos
211
pesquisadores. As pesquisas foram realizadas por autores, na perspectiva do Mundo do Trabalho
do Golfo Àrabe, Brasil, Chile e Paraguai, Espanha e Estados Unidos. Já na perspectiva, que trata
sobre a influência do trabalho na vida privada das empregadas domésticas, as pesquisas foram
realizadas no México, Paquistão, Índia e Nigéria. Dos nove textos analisados, sete são escritos por
países de capitalismo periférico.
Como visto, em grande parte dos textos, inclusive os dois que são realizados em países
de capitalismo central (Estados Unidos e Espanha), as empregadas domésticas, ocupam os piores
postos de trabalho em relação à garantia de direitos e remuneração, conforme a pesquisa de Paul
et. all (2022), mesmo no país que melhor protege suas trabalhadoras domésticas, a Suécia, não
o faz de maneira satisfatória se comparado às demais profissões. O que escancara como essa
precarização é inerente à categoria de trabalho de forma geral.
O trabalho doméstico é o mais precarizado e menos gerador de riqueza imediata, por isso
os postos de trabalho são ocupados pelas categorias mais vulneráveis da sociedade, sejam elas
indígenas, negros ou imigrantes, mas sempre mulheres. Na divisão sexual do trabalho, coube aos
homens os trabalho que agregam capital, às mulheres o trabalho de reprodução social. Nos países
latino-americanos analisados (México, Brasil, Chile e Paraguai), o que chama atenção é o número
de empregadas domésticas exercendo esse trabalho, o foi teorizado por Souza (2023), segundo ela,
nos países de economia dependente:
Com essa afirmação a autora corrobora com o que vem sendo teorizado nesse artigo, que
a classe trabalhadora dos países de capitalismo dependente precisam mais dos trabalhos de uma
empregada doméstica, por alguns motivos, como o trabalho mais intensivo, jornadas mais longas e
menor acesso à tecnologias que facilitem o trabalho doméstico. Além disso, a questão do excesso
de mão de obra disponível nesses países faz com que uma parcela da população fique à disposição
para exercer postos de trabalho degradantes e informais, a autora segue:
212
vida a partir da sua renda do trabalho, porque acessam de maneira muito
rebaixada os serviços de que necessitam para se reproduzir, por meio da
exploração do trabalho doméstico (Souza, 2023, s/n).
O estudo sobre o trabalho doméstico no Brasil, como explica Saraiva (2022) precisa ser feito
de forma totalizante, que leve em conta a situação de dependência do país, fator de gênero, raça e
classe, de forma que o trabalho não fique esvaziado.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao identificar que existem essas duas perspectivas na literatura a respeito das funções de
trabalho das empregadas domésticas, foi possível compreender que elas se dão de acordo com
a intencionalidade de cada pesquisador: as pesquisas sobre o Mercado de Trabalho Doméstico,
normalmente observam a necessidade de ampliação de ações de entes públicos e da sociedade
civil na ampliação de direitos das empregadas domésticas, bem como do reconhecimento do
trabalho de reprodução social enquanto um trabalho, mesmo àquele que não é remunerado por
ser exercido por familiares de cada domicílio.
Com esse levantamento fica claro a necessidade de aprofundamento na pesquisa das duas
áreas e que elas conversam em muitos trabalhos, o que é considerado positivo. Algo que não
se pode perder de vista é a questão da interseccionalidade ao analisar as opressões que essas
profissionais sofrem na sociedade civil, que decorrem da opressão no trabalho.
213
REFERÊNCIAS
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from racism? Gender, Work & Organization, v. 28, n. S1, p. 250–259, jan. 2021.
214
DIREITOS E TRABALHO NO BRASIL SOB O CONTEXTO DA CRISE CAPITALISTA
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
215
1930 e 1970, com efeitos até o período contemporâneo.1
Tendo a consolidação dos direitos trabalhistas no Brasil assumido uma relação quase direta
para com a formalização do vínculo de trabalho – mais especificamente, do vínculo de emprego,
representado pelo “porte” da Carteira Profissional de Trabalho3 - não surpreende a informação de
que, entre as décadas de 1930 e 1980, o Brasil tenha experimentado uma significativa expansão
do emprego assalariado-formal, com números expressivos revelando uma proporção de 80%
de formalização nos novos postos de trabalho gerados no País (POCHMANN, 1997), os quais
caracterizam as novas configurações de um mercado de trabalho que acompanha a expansão
relativa do processo de industrialização e do setor de serviços no País.
A década de 1980, marcada pela acentuação da crise no Brasil e pelo cenário de elevada
inflação, estagnação econômica e derrocada da ditadura militar – reflexo da crise internacional do
capitalismo inaugurada na década de 1970 – assinala o tensionamento das correlações de forças
instituídas no cenário brasileiro, notadamente a partir do protagonismo de movimentos sociais
que, organizados na resistência contra a superexploração do trabalho, instituíram, naquele período
específico, limites à subsunção real da subjetividade operária à lógica do capital (ALVES, 2000, p.
164-165), a exemplo do novo sindicalismo. O perfil combativo inaugurado por um movimento de
presença sindical de massas em que predominava a luta de classes na produção e a efetiva militância
sindical operária contra a superexploração do trabalho, assumindo novas proporções para além da
fábrica, desempenhou papel fundamental na luta pela redemocratização do País, pelos direitos
sociais e pela cidadania, tendo por marco institucional a promulgação da Constituição Federal de
1988.
216
aprofundamento – e enrijecimento – do fordismo, e o Toyotismo “sistêmico”, este sim, referenciado
como momento do complexo de reestruturação produtiva capaz de recompor o espaço-território
da produção capitalista em torno de um novo (e precário) processo de trabalho descentrado,
segmentado e fragmentário em suas múltiplas expressões sociais, culturais e tecnológicas.
217
resistiu ao processo de conversão da perspectiva universalista dos direitos sociais, contemplada
pela Constituição brasileira, em um sistema misto, de combinação entre o público e o privado,
marcado pela transferência das responsabilidades públicas para as entidades da sociedade civil ou
até mesmo para o próprio indivíduo. Conforme conclui Ferreira (IBGE, 2023, p. 171):
O movimento contrarreformista não perdeu fôlego nos governos petistas que, se é verdade
que tenham articulado importantes avanços no que diz respeito ao crescimento do emprego formal,
à política de valorização do salário mínimo e à ampliação do ensino superior e técnico em nível
federal, com significativo investimento em medidas de inclusão social por intermédio de programas
e políticas sociais (GHIRALDELLI, 2021), também é verdade que adotaram uma estratégia baseada
na conciliação de classes orientada ao crescimento econômico e ao atendimento das demandas do
capital financeiro.
Mantidas, pelos governos petistas, as bases neoliberais estabelecidas pelo Plano Real –
especialmente o chamado tripé macroeconômico composto por superávit primário, controle do
câmbio e metas de inflação determinadas por elevadas taxas de juros – e diante do impacto (e dos
efeitos diferidos) da crise econômica internacional iniciada em 2008, somaram-se o aprofundamento
da crise social, econômica e política ao caldeirão da conjuntura nacional do início da década de
2010, a revelar o esgotamento da tática conciliatória adotada pelos governos petistas.
218
Ascendido à Presidência da República, Michel Temer instrumentalizou o Estado brasileiro
na direção de medidas neoliberais ainda mais severas, aprovando a Emenda Constitucional n. 95,
de 2016, que estabeleceu o congelamento de gastos públicos pelo período de 20 (vinte) anos e
a contrarreforma trabalhista5, que implodiu o arcabouço protetivo das relações de trabalho até
então existentes no ordenamento normativo brasileiro. de todo o arcabouço normativo reunido
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), originária de 1943 e regularmente modificada para
atender aos anseios do setor produtivo nacional.6
De acordo com ALVES (2017), o desmonte da proteção trabalhista, por meio do seu
arcabouço jurídico-legislativo, é um processo que vem ocorrendo gradativa e permanentemente na
realidade brasileira, sob a ofensiva do capitalismo predatório, sendo a Contrarreforma Trabalhista
a expressão mais acabada, corrosiva e absoluta desse processo, corroborando os processos de
coisificação, intensificação e precarização do trabalho verificados no processo de reestruturação
produtiva neoliberal. Com isso, a desregulamentação e a flexibilização do trabalho tornam-se
palavras de ordem no cerne de uma contrarreforma falaciosamente modernizadora que, em rigor,
formaliza a figura do empregado just-in-time7 e garante a posição dependente do Brasil diante da
consolidação de uma nova morfologia do capitalismo mundializado a partir da reconfiguração da
superexploração do trabalho brasileiro sob o neoliberalismo.8
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
5 A proposta legislativa a que se designa como contrarreforma trabalhista concretizou-se nas Leis n. 13.429,
de 31 de março de 2017, e 13.467, de 13 de julho de 2017, as quais promoveram profundas alterações à Lei n.
6.019/1974 eao Decreto-Lei n. 5.452/1943 (a CLT), respectivamente. O acompanhamento detalhado dos debates intra-
partidários ocorridos no interregno da tramitação do projeto pode ser visto em LEITE (2020).
6 “[...] a CLT foi sendo alterada historicamente por meio de leis, decretos, emendas constitucionais e medidas
provisórias. Foram promovidas 233 alterações até 2016, 75% das quais ocorreram pela via legislativa. Na ditadura
militar houve maior quantidade de decretos emanados do Executivo, sendo, ainda, importante lembrar que a CLT bem
como as instituições do poder judiciário e do Ministério Público do Trabalho que a ela remetem passaram pelo crivo
democrático dos legisladores constituintes, sendo fundamentais para a manutenção da plena cidadania social no mun-
do do trabalho” (GALVÃO, 2017, p. 14).
7 Ver ABÍLIO (2020).
8 Ver VALENCIA (2023).
219
Nesse contexto de acentuada crise civilizatória e de amplo, profundo e devastador processo
de exponenciação – material e formal – das formas precárias e atípicas de trabalho, consagra-
se a lógica de descartabilidade e de banalização do humano-trabalhador9, expondo-se, sob o
ordenamento do neoliberalismo ortodoxo e suas implicações subjetivas e objetivas10, as fissuras
contraditórias postas na relação capital versus trabalho em que os sistemas de proteção social
constituem-se em ameaças, obstáculos e entraves para a reprodução e acumulação ilimitada e
irrestrita do capital em sua face financeira, destrutiva e mundializada.
REFERÊNCIAS
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34: 111-126 p. 2020.
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Boitempo, 2016.
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220
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1979.
SILVA, S. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1976.
221
O FAZER MUSICAL COMO INSTRUMENTO POLÍTICO-SOCIAL NO FORTALECIMENTO DA SAÚDE
MENTAL DE TRABALHADORES DA COLETA DE LIXO DE GOIÂNIA-GO
O fazer musical, enquanto produção das sonoridades do indivíduo, configura-se como efeito
da aplicabilidade da musicoterapia relacionado com a necessidade do homem em expressar o seu
mundo interno, subjetivo, onde as emoções têm nuances e que estão próximas de uma descrição
discursiva (Millecco Filho; Brandão; Millecco, 2001). Assim, o estudo se desenvolve com o principal
objetivo de investigar as contribuições da musicoterapia no fortalecimento da saúde mental de
trabalhadores da coleta de lixo de Goiânia-GO.
Esta hipótese é fundamentada na premissa de que o fazer musical, como forma de expressão
e comunicação intrinsecamente humana, tem o potencial de não apenas amenizar sintomas de
estresse e ansiedade, mas também de servir como uma ferramenta para questionar e contestar
estruturas sociais opressivas presentes no ambiente de trabalho.
222
apresentando sinais de dependência química, vulnerabilidade social, vínculo familiar fragilizado e/
ou rompido e atividades laborais prejudicadas. Na sua maioria, eram encaminhados pela empresa
para que fizessem o tratamento e assim que possível, retornassem ao exercício profissional.
Nos dias atuais, a musicoterapia tem ampliado sua prática nas Políticas de Saúde e
Assistência Social. O Ministério da Saúde reconhece a aplicabilidade da musicoterapia através da
Portaria nº 145/2017, como uma terapia integrativa da Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PICs).
223
Considerando apenas o ano de 2022, os dados registrados apontam um total de 612,9mil
acidentes de trabalho e 2,5mil óbitos de trabalhadores. Todos estes números levam em consideração
a população com vínculo de emprego regular e foram apontados pelo Instituto Nacional de
Seguridade e Saúde (INSS), por meio das notificações de acidentes de trabalho (CAT) recebidas. Ainda
sobre estes números, estima-se que tenham ocorrido 18,9% de subnotificações o que corresponde
a 116mil acidentes de trabalho não notificações. O entendimento da subnotificação torna-se
possível, considerando os pedidos de afastamento previdenciário não notificados anteriormente
(Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, 2023).
No campo das pesquisas científicas sobre o tema, realizou-se uma breve revisão sistemática
no Portal de Periódicos CAPES de trabalhos publicados no período de 2003-2023, utilizando os
descritores: catador de lixo, trabalhador do manejo de resíduos sólidos, trabalhador do serviço de
coleta de resíduos; trabalhador da limpeza urbana; trabalhador da coleta de lixo e coletor de lixo.
Dos artigos encontrados, considerou-se os escritos nos idiomas português, inglês e espanhol e que
224
contemplassem no título ou no resumo o tema do adoecimento de trabalhadores.
Mabuchi et al. (2007) descreveram o uso de álcool por trabalhadores da coleta de lixo. O
estudo evidencia que 94% dos sujeitos estudados ingeriam bebida alcóolica durante a realização
do serviço e outros 15% foram considerados dependentes do álcool. Os autores sugerem que
este comportamento impacta na vida social e profissional desses trabalhadores, demandando um
cuidado especial.
De acordo a revisão sistemática realizada por Magalhães (2020) sobre a saúde mental
de trabalhadores do manejo de resíduos sólidos urbanos, há uma carência de estudos que se
debrucem nesta questão e aponta a escassez de materiais sobre o tema. Assim, acredita-se que
o estudo em questão poderá preencher este hiato, na construção de um estudo crítico-dialético
sobre o adoecimento mental de trabalhadores na contemporaneidade.
Nota-se que há uma preocupação com relação aos acidentes de trabalho, afastamentos,
óbitos e subnotificações. Apreensão que amplia, se considerado que há trabalhadores vivenciando
vínculos precários, sentimentos de desamparo mediante a desregulamentação do trabalho
ocorrida na última década, o medo do desemprego e outras as condições que favorecem o seu
adoecimento. Estas condições os levam para além das suas capacidades físicas e mentais a fim de,
garantirem seus vínculos de trabalho.
A arte aqui se aproxima, como uma possível estratégia, assim como pontuam Antunes e
Dejours. Estes autores pautam a necessidade do desenvolvimento de estratégias de prevenção e/
ou tratamento daqueles que se encontram adoecidos. Tonet (2005), defende que os problemas e
necessidades que não podem ser supridas pelo trabalho, sejam resolvidos por outras dimensões
como a linguagem, a educação, a política, a arte, a ciência e outros.
Quando Antunes (2018) sugere que é necessário criar estratégias para fortalecer os
trabalhadores para superarem a exploração do capital e todas as consequências que ele introduz
na vida destes, encontra-se o lugar de propositura deste estudo.
225
Percebe-se o espaço de trabalho como um lugar contraditório. O trabalhador precisa
trabalhar, mas é este local que o tem adoecido. Assim como, não se acredita que seja efetivado a
interseccionalidade entre as políticas públicas de seguridade social.
O trabalhador, cada vez mais fragilizado pelo sistema, carece de fazer-se ouvir. Ser ouvido
pelo Estado, pelo sistema, ser ouvido por seu coletivo, ser ouvido por si. Acredita-se que a música,
enquanto instrumento político e social, permitirá este ecoar. Permitirá a abertura de espaços de
comunicação e expressão para, estrategicamente, os fortalecerem e prevenir o agravamento do
adoecimento mental.
Santos et al., (2009) defendem que juntamente com o adoecimento mental, o trabalhador
também vivencie o esvaziamento do sentido do trabalho, perdendo o duplo movimento de
objetivação e subjetivação. Neste sentido, Dejours (1992) complementa que a execução de uma
tarefa sem o emprego material ou afetivo, exigirá do trabalhador uma produção de esforço e
vontade, nem sempre presentes na vivência depressiva da relação saúde-trabalho.
REFERÊNCIAS
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226
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227
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tem que ter atividade mesmo, nesse trabalho tem que ser ligado”: riscos, implicações e estratégias
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10 jul. 2023.
228
REFORMA TRABALHISTA E O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
229
Portanto, o presente trabalho se apresenta a partir da análise de produções teóricas
e de dados do IBGE por meio da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
Contínua), a fim de explorar as dinâmicas atuais do mercado de trabalho que se relacionam com
o neoliberalismo, contratos de trabalho flexibilizados, proteção social e as expressões da questão
social.
No campo das produções teóricas, demonstra-se que os objetivos desejados pela Reforma
Trabalhista estavam unidos a flexibilidade das modalidades de contratação, da jornada de trabalho,
da remuneração e da organização sindical, além da individualização dos riscos aos trabalhadores,
gerando a perspectiva de desmantelamento dos direitos sociais, assim como do papel protetor
do Estado (Colombi; Krein, 2019). No entanto, mesmo com essas modificações na legislação não
houve melhora no cenário trabalhista, como pode-se observar nos índices de desemprego, salários,
condições de trabalho e segurança (Droppa; Biavaschi; Teixeira, 2021).
A taxa de informalidade é composta por trabalhadores que não possuem vínculo trabalhista
firmado pela carteira de trabalho assinada e que também não contribuem para a previdência
social. De acordo com os dados obtidos pelo IBGE em 2023, por meio da PNAD Contínua (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio Contínua), a parcela da classe trabalhadora informal no Brasil
entre 2016 e 2023 se manteve estável, o que demonstra que não houve expansão da formalização
da classe trabalhadora, como mostra a tabela abaixo, que trata do primeiro trimestre de cada ano,
sendo 2016 o ano anterior à reforma e os demais pós-reforma:
230
Taxa de informalidade das pessoas de 14 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência
(%)
1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri-
mestre mestre mestre mestre mestre mestre mestre mestre
2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023
Brasil 38,3 39,2 40,2 40,4 39,5 39,1 40,1 39
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral. Elaboração Pró-
pria.
Além disso, apresentando a taxa de desocupação, sendo compreendida como pessoas com
idade laboral e que não trabalham, mas estão disponíveis e tentam encontrar trabalho, segundo
os dados analisados da PNADC de 2023, o índice de desocupados aumentou após a instituição
da Reforma Trabalhista, com números que chegam a 14,9% da população brasileira no primeiro
trimestre de 2021, expondo que a Reforma Trabalhista instituída, não obteve êxito nas promessas
de aumento da empregabilidade. Como mostra os dados do primeiro trimestre dos anos 2016 a
2023 da tabela a seguir:
Taxa de desocupação, na semana de referência, das pessoas de 14 anos ou mais de idade (%)
1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri-
mestre mestre mestre mestre mestre mestre mestre mestre
2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023
Brasil 11,1 13,9 13,2 12,8 12,4 14,9 11,1 8,8
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral. Elaboração Pró-
pria.
231
Taxa composta de subutilização da força de trabalho, na semana de referência, das pessoas de 14
anos ou mais de idade (%)
1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri- 1º tri-
mestre mestre mestre mestre mestre mestre mestre mestre
2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023
Brasil 19,4 24,1 24,7 25 24,4 29,6 23,2 18,9
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral. Elaboração Própria
Além dessas taxas apresentadas, há outras novas relações de trabalho, inseridas na dinâmica
neoliberal, como pode-se destacar a terceirização que foi instituída por meio das disposições
legais da Lei nº 13.429/17 e pela Lei nº 13.467/17, prometendo a redução dos custos e maior
produtividade, relembrando os pilares da acumulação flexível1.
A partir dos pilares neoliberais como garantir o livre mercado, associado a liberdade
individual para empreender e o estabelecimento da mínima intervenção do Estado, associado a
modificações na legislação trabalhista, nota-se que os trabalhadores, são encorajados a captar a
ideia de ser empresário-de-si, por incentivo de organizações, como a Confederação Nacional da
Indústria (CNI) que representa o empresariado, em conceitos como produtividade, concorrência,
mérito e proatividade.
1 “A acumulação flexível caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas
maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de
inovação comercial, tecnológica e organizacional.” (Abramides; Cabral, 2003)
232
de trabalho, quando na verdade está ainda subordinado ao capital, e sem garantias de direitos
trabalhistas, demonstrando como se torna um instrumento de exploração e dominação da classe
trabalhadora.
Além disso, a falácia de que o sucesso profissional de qualquer pessoa depende apenas de
seu esforço e mérito faz parte do imaginário do empreendedor no Brasil, o que torna cada pessoa
a única responsável por sua situação financeira. Isso faz com que a classe trabalhadora internalize
que os problemas sociais, a precarização do trabalho e as condições de vida do trabalhador são
questões individuais e não coletivas.
Outro fenômeno presente nas relações de trabalho que tem se expandido no Brasil, é a
pejotização, que consiste na modalidade de contratação onde o trabalhador é inscrito no programa
de Microempreendedor Individual (MEI), para assim poder ser contratado pela empresa apenas
como prestador de serviços, sem vínculo empregatício formal, mesmo que tenha subordinação,
exclusividade, e todas as responsabilidades de um empregado comum, realizando atividades fim
nas empresas (Orbem, 2016). Com a alteração da Lei n.º 6.019/1974 (Lei do trabalho temporário)
que alterou o artigo 4.º-A admitindo a forma ampliada da terceirização, foi facilitada a ocorrência
da pejotização, transformando a classe trabalhadora passível da perda dos seus direitos sociais,
sem proteção das normas trabalhistas (Carvalho e Dias, 2022).
3. CONCLUSÃO
Nota-se que o Trabalho possui uma posição importante diante da nossa sociabilidade,
visto que durante a história esteve presente e ainda tem impacto relevante na sociedade atual.
Segundo Antunes (2020), o que se observa no cenário atual é que não há o fim do trabalho ou da
classe trabalhadora, mas sim a ampliação do trabalho precário que afeta de diferentes formas os
trabalhadores/as.
Diante desse cenário, nota-se as modificações de leis que precarizam ainda mais o cenário
dos trabalhadores, visto que os objetivos traçados pela reforma trabalhista de: criação de postos de
trabalho de qualidade, menos desemprego, dentre outros, não foram atingidos, em contrapartida
houve a precarização mais intensa diante do cenário do trabalho no Brasil, pois oferece a classe
dominante mais poder sobre a classe trabalhadora, no sentido de uso da força de trabalho com
baixos pagamentos, sem proteção social de trabalhadores (Droppa; Biavaschi; Teixeira, 2021).
Além disso, há questões que necessitam ser debatidas, pois atingem a classe trabalhadora como a
diminuição da proteção social, pois não há vínculo trabalhista com plataformas de aplicativos que
conectam as demandas de serviço, o que dificulta em caso de necessidade de apoio ou de acesso à
seguridade social como a previdência social, que na maioria dos casos, exige a contribuição.
233
Em suma, percebe-se a contradição e disputas entre a classe trabalhadora e o empresariado,
que possui uma dinâmica própria do cenário capitalista atual, intensificado pelo neoliberalismo,
que propõe ideias que visam o incentivo à produção, concorrência, individualismo, ignorando
as condições objetivas de sobrevivência de trabalhadores/as. Com a fragilização das relações
trabalhistas, os trabalhadores/as tiveram que garantir sua sobrevivência por meio da abdicação dos
direitos trabalhistas, e esse cenário mostra o empobrecimento e aumento da desigualdade social da
população. O trabalho flexibilizado, que teve sua expansão possibilitada pela Reforma Trabalhista,
deixa nítido a vulnerabilidade social, política e econômica a que a população está sujeita, vindo
acompanhada da perda de vínculos trabalhistas e a precarização das condições de trabalho.
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235
A INSERÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR E AS
TENDÊNCIAS NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
1. INTRODUÇÃO
Negreiros (2019) destaca que esse novo modo de produção, o toyotista, se expressa na
sociedade capitalista a partir dos seguintes aspectos: a) o processo produtivo se volta a demanda
do mercado de consumo, mediante aos interesses específicos de consumo, com o mínimo de
estoque de mercadorias – inaugura-se a flexibilidade; b) a diversificação de mercadorias demanda
a inserção de novas tecnologias para tornar a produção mais inovadora e diversificada no uso
da força humana de trabalho; c) inaugura-se a era da polivalência e multifuncionalidade da mão
de obra, com o discurso de trabalho em equipe, com a defesa de uma maior integração entre os
trabalhadores/as e descentralização da produção – como exemplo, as grandes indústrias deslocam
seu pólo produtivo para locais em que a mão de obra seja mais barata, como é o caso de países de
capitalismo periférico e dependente.
Diante desse contexto, essa produção objetiva refletir acerca das mudanças promovidas
pela inserção das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no ensino superior brasileiro
e as tendências resultantes dos seus rebatimentos na formação em Serviço Social, tendo em vista
que se operam mudanças de ingerência interna da própria profissão, dado seu caráter estruturante
às políticas educacionais brasileiras.
2. DESENVOLVIMENTO
236
à escravidão, os trabalhos por temporada, a uberização1 do trabalho, a redução de salários,
a constituição da classe trabalhadora de forma heterogênea, com profunda desarticulação e
enfraquecimento da luta de classes. Há nesse contexto o desemprego estrutural, mediante a
substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto (maquinários), a privatização de órgãos públicos,
o redimensionamento do Estado2, com diminuições significativas para o investimento em políticas
públicas, desregulamentação dos direitos socialmente conquistados e a disputa pelo fundo público3,
para o pagamento da dívida externa.
No âmbito da educação, como uma das esferas da vida social impactada por essa nova
racionalidade, Negreiros (2019, p. 99) afirma que a mercadorização avança na educação e, por
consequência, resulta na massiva privatização das instituições, que compõem um conjunto de
diretrizes desenvolvidas pelos organismos internacionais.
A autora destaca que, nas modalidades de EaD, há uma predominância das TICs, sob
orientação neoliberal, em que demarca-se a expansão das EaDs, privadas com ou sem fins
lucrativos. Desse modo, percebe-se que a expansão e incentivo do EaD no Brasil inaugura a era
da aprendizagem flexível, com forte reforço dos padrões de dominação existentes, articuladas
à massificação do ensino e da sua mercantilização, “sendo impostas como uma nova estratégia
pedagógica necessária à formação de um novo perfil profissional” (NEGREIROS, 2019, p. 193).
Diante disso, decorridos 27 anos da aprovação das Diretrizes Curriculares4 do Serviço Social
brasileiro, algumas tendências (e obstáculos) se destacam como rebatimentos das transformações
ocorridas no processo educacional nas últimas décadas, intensificadas pela inserção das TIC’s na
formação profissional, na atualidade.
1 Ver Antunes (2020), Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0, editora Boitempo, 2020.
2 Esse redimensionamento chega para o Brasil em 1990 no governo FHC, com a proposta de Plano Diretor da
Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE).
3 Ver livro Fundo público, valor e política social, de Elaine Behring (2021).
4 As diretrizes curriculares de 1996 são o marco da profissão no Brasil, símbolo da luta pelo Serviço Social tradi-
cional e conservador, modificando as bases formativas e do trabalho profissional.
237
Abramides (2012, p. 20) destaca que o ensino de EaD é “concebido para ser um ensino
massivo, contraposto à universalização do ensino público, estatal e em todos os níveis. Prevê o
número reduzido de tutores e técnicos na utilização desta força de trabalho em detrimento dos
educadores presenciais, na lógica da flexibilização de direitos”.
Segundo os dados tabulados a partir do e-MEC, em 2021, eram 129 instituições privadas à
distância no Brasil; dessas, 35 ofertam cursos nas cinco regiões do Brasil. Os grupos das faculdades
privadas na modalidade de ensino a distância se dividem em privadas com fins lucrativos e privadas
sem fins lucrativos. Os dados tabulados na Tabela 1 demonstram a abrangência das instituições a
distância nas cinco regiões do Brasil e o seu quantitativo de vagas.
Tabela 1 - Lista de faculdades e centros universitários de EaD predominantes nas cinco regiões do
Brasil com o maior quantitativo de vagas
EAD BRASIL
A partir do que está exposto na Tabela 1, podemos asseverar que a expansão do ensino
privado e de EaD revela um grande investimento estatal. Negreiros (2019, p.112) ressalta que,
em 2016, “o FIES alcançou um custo global aos cofres públicos de R$ 32,2 bilhões. Apenas no ano
de 2014, foram firmados 732 mil contratos, o que custou ao Estado uma cifra de R$ 12 bilhões”.
Destaca que “o Brasil é, atualmente, o país com maior número de instituições privadas com fins
lucrativos no mundo, sendo também o que registra o maior número de aquisições e fusões de
empresas (foram mais de 200 na última década)” (NEGREIROS, 2019, p. 112), como é o caso do
grupo educacional Kroton, que desde 2011 se expande no mercado educacional, no âmbito do
ensino superior brasileiro, e em 2016 se tornou o maior conglomerado educacional do mundo.
238
Segundo Negreiros (2019), a educação brasileira está completamente entregue à lógica dos
organismos internacionais, uma vez que obedece aos ditames do Banco Mundial, quando este
afirma que há um excesso de gastos públicos com a educação pública que não atingem o índice de
aprendizagem suficiente, especialmente as instituições de ensino superior, classificando-os como
ineficientes. Para os organismos internacionais, está em curso a lógica de privatização da educação
superior e de uma educação técnica voltada para o estrito retorno financeiro.
Gráfico 1 - Percentual da oferta de cursos de graduação em Serviço Social no Brasil nas modalidades
presencial e a distância e natureza institucional
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados disponíveis no site do e-MEC (2021).
239
Esses dados retratam a conjuntura de uma educação privatista, em que 89,35% da formação
sucede em instituições privadas presenciais e a distância e somente 10,65% da formação ocorrem
em instituições públicas. Ademais, caracterizam os rumos da formação profissional após a aprovação
das Diretrizes Curriculares em 1996 e a sua fragilização após a aprovação das diretrizes do MEC em
2002.
De acordo com a Iamamoto (2014), a formação atual é voltada para o mercado, com
inúmeras expansões de vagas nos cursos privados presenciais e de ensino a distância, marcado
pela prevalência de instituições privadas na contrapartida do sucateamento das universidades
públicas; e, nessa esteira, verifica-se a ausência de um ensino balizado pelo tripé ensino, pesquisa
e extensão – conforme preconizam as diretrizes do MEC (2002). “Tal orientação flexibiliza e aligeira
a formação profissional para atender as exigências imediatas em detrimento de uma formação
humanista ético-política” (ABREU, 2007, p. 124).
240
da contrarreforma do ensino superior no Brasil6, que culminam em uma formação profissional
entregue ao mercado capitalista. Boschetti (2015, p. 642-643) ressalta que
Boschetti (2015, p. 645) afirma que o protocolo de Bolonha fundamenta o avanço do (neo)
conservadorismo no âmbito da formação profissional, em todas as áreas, com traços que indicam
um retrocesso na luta por uma educação pública e de qualidade, com fundamentação crítica, numa
perspectiva de totalidade. Essa concepção de uma universidade barata, rápida e padronizada, com
financiamento autossustentável, adaptada às exigências do mercado capitalista, se capilariza pelo
Brasil desde a década de 1990, mediante a incorporação neoliberal e a LDB, com a proposta de
“reforma universitária”. Esses elementos aprofundam e aceleram a massificação do ensino privado
e a distância, com assustadora expansão de cursos, vagas e matrículas.
Desse modo, a formação profissional em Serviço Social, no Brasil, estabelece uma relação
dialética com esses determinantes conjunturais, e reflete os rebatimentos dos projetos coletivos
e de mercantilização da vida social (saúde, educação, previdência e assistência). Mota (2019, p.
171) afirma que “[...] esta relação entre projetos profissionais e projetos societais pode esgarçar-
se, dependendo da correlação de forças e das tendências da luta de classes, operando reveses na
cultura e nas posturas do coletivo profissional”.
Assim, como na década de 1980 havia inúmeros desafios conjunturais, mas também havia
forte articulação política dos movimentos sociais, hoje, podemos visualizar a atual conjuntura com
forte ofensiva neoliberal e neoconservadora, com ideologias que promovem a desarticulação social,
6 Segundo Abramides (2012), a contrarreforma do ensino superior se inicia no Governo de Fernando Henrique
Cardoso, em 1994, momento em que se consolida o neoliberalismo no Brasil, se expande e se aprofunda na contrarre-
forma do Governo Lula, de 2002 a 2010, e apresenta sua continuidade no Governo de Dilma Vana Rousseff, a partir de
2011 até 2016, quando sofre o impeachment.
241
por meio do individualismo, com cortes significativos nos financiamentos das políticas sociais e
disputa pelo fundo público.
Esse cenário reflete que não são poucas as mudanças e impactos oriundos da inserção
das TIC’s na educação superior e, conforme demonstrado, no Serviço Social, por se tratar de
um curso de Bacharelado no âmbito das Ciências Sociais Aplicadas que, comumente, demanda
menos estrutura física e mais recursos humanos, logo, mostra-se como um curso sedutor para uma
formação não presencial e aligeirada, facilmente ofertadas nas instituições à distância, que não
dispõe de complexa estrutura física para sua oferta.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por isso, torna-se imprescindível a luta por uma universidade democrática, plural, pública
e de qualidade, para alcançar uma formação crítica, capaz de interferir ativamente nos rumos da
formação profissional em Serviço Social, com as mediações necessárias na vivência da universidade
no diálogo com os movimentos sociais, docentes e discentes, grupos de pesquisa, monitorias e na
realização de extensão universitária, possibilitando o contato com a sociedade, num intercâmbio
de saberes.
REFERÊNCIAS
ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Diretrizes gerais para o Curso
de Serviço Social (Com base no Currículo Mínimo aprovado em Assembleia Geral Extraordinária
de 8 de novembro de 1996). Rio de Janeiro, 1996. Disponível em: http://www.abepss.org.br/files/
Lei_de_Diretrizes_Curriculares_1996.pdf. Acesso em: dez. 2021.
7 Entende-se que a Questão Social é fruto das contradições do desenvolvimento e expansão do capitalismo na
sociedade hodierna, na medida em que quanto mais se produz riqueza, mais se reproduz a pobreza.
242
ABREU, M. M. Pesquisa em Serviço Social: tendências na implementação das Diretrizes Curriculares.
Temporalis, nº 14, Ano VII, p. 119-148, jul./dez. 2007.
BOSCHETTI, I. Expressões do conservadorismo na formação profissional. Serv. Soc. Soc., 124, oct.-
dec. 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/xv3Lm3vQmxLmWNTmbpmBzNt/
abstract/?lang=pt. Acesso em: maio 2022.
DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo:
Boitempo, 2016.
GOIN, Marileia. Tendências atuais no ensino dos Fundamentos do Serviço Social. Textos & Contextos,
Porto Alegre, v. 18, n. 2, p. 1-12, jul./dez. 2019.
GUERRA, Y. A formação profissional frente aos desafios da intervenção e das atuais configurações do
ensino público, privado e a distância. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 104, p. 715-736, out./dez. 2010.
MOTA, A. E. 40 anos da Virada do Serviço Social no Brasil: lições e desafios. Formação social e
Serviço Social: a realidade brasileira em debate. Outras expressões: São Paulo, 2019.
243
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E IMPACTOS PARA O MUNDO DO TRABALHO NO BRASIL
1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o mundo do trabalho tem passado por uma reestruturação produtiva
permanente, que se apresenta como uma das principais estratégias do capital para enfrentamento
de sua crise estrutural (Mészáros, 2002). Ao considerar a realidade nacional, o acirramento da
exploração e precarização do trabalho tem gerado significativos efeitos após a implementação do
neoliberalismo nos anos 1990 e desmonte do sistema de proteção social. Os sucessivos governos a
partir da referida década têm aderido às orientações dos organismos financeiros multilaterais e, a
partir de 2015, como acirramento deste processo, estão sendo implementadas políticas de cunho
ultraneoliberais1.
Como sinalizado por Antunes (2015), desse cenário são derivadas inúmeras consequências
para a classe-que-vive-do-trabalho, entre elas, podemos destacar o rebaixamento das suas condições
de vida, seja pela ampliação do desemprego estrutural, seja pela precarização generalizada
das condições de trabalho e salariais. O autor chama a atenção para o fato de que vivenciamos
acentuada desregulamentação, flexibilização e terceirização, bem como a intensificação levada ao
limite das formas de exploração do trabalho.
1 Fase mais avançada e destrutiva do neoliberalismo; caracterizando-se, dentre outros elementos, na amplia-
ção do ajuste fiscal, neoconservadorismo e criminalização da pobreza.
2 Cabe elencar, segundo Mandel (1982), as principais funções do Estado são: a) criar as condições gerais de
produção, que não podem ser asseguradas pelo setor privado; b) reprimir as ameaças das classes dominadas ao modo
de produção corrente; c) integrar as classes dominadas e garantir que a ideologia dominante da sociedade seja a ideo-
logia da classe dominante.
244
Considerando as particularidades da fase monopolista do capital3, compreende-se que esta
recoloca em patamar elevado o sistema totalizante de contradições que confere à ordem burguesa
os seus traços basilares de exploração e alienação (Netto, 2011). É a partir disso que o eixo da
intervenção estatal ganha um novo sentido nesta fase superior do capitalismo: é direcionado para
garantir o superlucro dos monopólios.
Diante desses elementos acerca da fase clássica do imperialismo, cabe referenciar que
esta desenrola-se após a Segunda Guerra Mundial, a partir da década de 40 do século XX. Este
desenvolvimento ulterior da expansão monopolista é chamado por Mandel (1982) de “capitalismo
tardio”. Iamamoto (2015) chama a atenção para o fato de que, no desdobramento do capitalismo
contemporâneo, este mantém as características fundamentais do imperialismo destacadas por
Lênin (1976), entretanto, a busca por superlucro torna-se o estímulo principal do crescimento
da produção. Assim, “as flutuações das taxas de lucro resultam em ondas longas com tonalidade
expansiva e/ou de estagnação na tensão entre superacumulação, crise e depressão” (Iamamoto,
2015, p. 103).
Este último é dividido em dois momentos: onda longa expansiva que se desdobra em uma
onda longa de estagnação. O destaque para este momento histórico é importante uma vez que
possibilita compreender as configurações atuais do mundo do trabalho e o papel desempenhado
pelo Estado na sua regulação.
A crise de 1929 e o fim da Segunda Guerra Mundial deu subsídios sócio-históricos para a
emersão de um novo projeto de relações sociais e de produção, denominado Welfare State (Behring,
2003). Durante a onda longa expansiva, apoiados no pacto keynesiano-fordista, a burguesia e o
3 Este estágio corresponde à fase em que Netto (2011) aponta que o capitalismo ascende a sua maturidade
histórica. Sinaliza a chamada “fase superior” (Lênin, 1917) ou “capitalismo tardio” (Mandel, 1982).
245
Estado passaram a assumir uma nova postura de pacto social dentro do regime de acumulação
para a manutenção do poder hegemônico da burguesia.
Esta segunda fase, compreendida como uma onda longa de estagnação, provoca,
para Mészáros (2011), a precarização estrutural em diversos âmbitos, através de processos
desregulamentação do trabalho, crescimento do desemprego e destruição dos recursos naturais,
produzindo desdobramentos nefastos e irreversíveis à ecologia, ao trabalhador, entre outros
aspectos da realidade.
Nesse sentido, Mandel (1982) aponta que as tendências do cenário exposto são para o
esgotamento das capacidades civilizatórias deste modo de produção. Tais sinalizações são base
para as reflexões contemporâneas acerca da sociabilidade burguesa, que vem promovendo um
cenário de absoluta pauperização das condições de trabalho e vida dos trabalhadores.
Diante disso, várias mutações vêm se configurando em todas as dimensões da vida humana,
uma delas - e de importância central - nas palavras de Antunes (2015), diz respeito às metamorfoses
no processo de produção do capital e suas repercussões no processo de trabalho. A reestruturação
produtiva e as diversas transformações no mundo do trabalho são identificadas como estratégias
de enfrentamento à crise. Assim, são instauradas novas formas de exploração, que intensificam a
precarização dos trabalhadores.
Para melhor entender esse movimento, é relevante compreender que a crise capitalista
mundial vem contribuindo para a deterioração da legislação que regulamenta as relações de
trabalho, colaborando, assim, para o surgimento de uma nova morfologia do trabalho (Antunes,
246
2015), de modo a repercutir na ampliação de contratos temporários e subcontratação, pluriemprego,
polivalência, desespecialização, informalidade, entre outros.
247
aparecer ligadas à fase de acumulação flexível do capital, no Brasil, não se pode considerá-las sem
que sejam, antes, situadas como características do “fordismo à brasileira”.
O governo ilegítimo de Michel Temer inaugura o período que pode ser denominado como
“ultraneoliberalismo”, que, para Silva (2021), expressa o aprofundamento veloz e destrutivo do
projeto neoliberal. A exemplo das políticas de cunho ultraneoliberais, destaca-se a aprovação da
Emenda Constitucional n° 95/2016, a Contrarreforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e a aprovação
de uma lei específica da Terceirização (Lei nº 13.429/2017).
É nesta nova configuração assumida pelo Estado que se delineiam as novas expressões
da questão social frente ao acirramento do conflito capital/trabalho, cenário este fortalecido
pela condição brasileira de submissão ao capital estrangeiro; com repercussões históricas e
contemporâneas para a organização sindical de seus trabalhadores.
4 Para Antunes (2023), o capitalismo de plataformas se refere ao universo informacional-digital em que o tra-
balho está submetido, sob condução financeira, se desenvolvendo de forma que a produtividade do capital se valorize
em seu ponto de ápice.
248
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses no mundo do trabalho. 16ª Ed. São
Paulo: Cortez, 2015.
____________. Trabalho e (des)valor no capitalismo de plataforma: três teses sobre a nova era de
desantropomorfização do trabalho. In: Ricardo Antunes. (Org.). Icebergs à Deriva. 1ª Ed. São Paulo/
SP: Boitempo, 2023, v.1, p. 13-39.
BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. 9ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011.
IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão
249
social. 9ª Ed. São Paulo: Cortez, 2015.
LIRA, T. S. V. Superexploração da força de trabalho, crise mundial e golpe de Estado no Brasil. Revista
de Políticas Públicas, Maranhão, v. 22, n. 2, p. 903-922, jan./dez. 2019.
_____________. Para Além do Capital. Tradução de Paulo Cezar Castanheira e Sérgio Lessa. São
Paulo: Boitempo, 2002.
NETTO, J. P. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 8ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011.
250
O TRABALHO INFANTIL COMO EXPRESSÃO DA VIOLÊNCIA ESTRUTURAL:
a particularidade da infância da classe trabalhadora no Brasil
1. INTRODUÇÃO
Dessa forma, a violência assume particularidades no capitalismo, sendo uma das expressões
da questão social, fruto da contradição capital-trabalho, uma vez que o modo de produção capitalista
necessita da mesma para se reproduzir, não há capitalismo sem o fenômeno da violência, ela é
inerente a esse modo de produção. Destarte, “a violência é a parteira de toda velha sociedade que
está prenhe de uma nova. Ela mesma é uma potência econômica” (Marx, 1996b, p. 37).
Em relação à violência que afeta a população infanto-juvenil, ela se faz presente em diferentes
formas, neste trabalho iremos nos deter na discussão do trabalho infantil como expressão da
violência estrutural, reflexo da superexploração1 da força de trabalho no Brasil. Segundo Minayo
(2001), o trabalho infantil enquanto expressão da violência estrutural está diretamente relacionada
com a situação de pobreza que os “meninos e meninas trabalhadores” vivenciam.
É importante destacar que esses sujeitos vêm sofrendo historicamente diversos tipos de
violência, desde a colonização do Brasil em 1530, quando embarcavam nas grandes navegações
lusitanas rumo às descobertas marítimas. Assim, a violência faz parte da vida das crianças e
adolescentes brasileiros, desde a colonização até os dias atuais, como é o caso do trabalho infantil
no país, no qual iremos abordar mais adiante.
Minayo (2001) destaca que a exploração do trabalho infanto-juvenil constitui uma das
expressões da violência estrutural. O trabalho infantil ainda é, infelizmente, uma realidade
1 A superexploração da força de trabalho é definida como um mecanismo de apropriação da mais valia por
meio da violação do valor da força de trabalho, seja violando o seu fundo de vida ou de consumo. Trata-se de uma
forma de compensar a transferência de valor para as economias centrais. No caso das economias periféricas depen-
dentes, em vez de compensar a transferência de valor com o aumento da produtividade, como ocorre nas economias
centrais, aqui se compensa através da superexploração da força de trabalho, recaindo sobre a vida do trabalhador e
sua família, o qual inclui crianças e adolescentes.
251
brasileira, além de ser um problema a ser enfrentado em várias partes do mundo. O trabalho
infantil está relacionado com as condições de vida dessas crianças e adolescentes, que muitas das
vezes, passam a trabalhar para complementar a renda familiar, já que se encontram em situação de
pobreza absoluta2 e miserabilidade.
2 Entende-se por pobreza absoluta a “[...] não satisfação de necessidades básicas universais e objetivas”. Ela
“está diretamente associada à ideia de sobrevivência física, à satisfação de um mínimo de dignidade humana” (Pereira,
2006, p. 233-235, grifo nosso).
3 “A Fundação FEAC é uma organização independente que atua em Campinas (SP) com o objetivo de contri-
buir para a criação de uma sociedade mais justa, sustentável e com igualdade de oportunidades. Para isso, investe em
ações de educação, assistência social e promoção humana com foco nas regiões e nas populações mais vulneráveis,
especialmente crianças e adolescentes, e no impulsionamento de organizações da sociedade civil, empresas e pessoas
para as causas sociais.” Ver mais em: https://feac.org.br/.
252
Ressalta-se que há o predomínio de meninas em situação de trabalho infantil doméstico,
demostrando que culturalmente, as mulheres, ainda que bem jovens, são colocadas para
assumirem os serviços domésticos, enquanto os meninos continuam “aproveitando” a sua infância.
É importante destacar ainda que, de acordo com Gonzalez (2020), essa prática é frequente entre
meninas negras, que devido a falta de oportunidades para seus pais, muitas vezes são enviadas
para famílias brancas de alto poder econômico para trabalharem como domésticas. Isso, por vezes,
as impede de frequentar regularmente a escola e, ainda mais, de desfrutar de momentos de lazer.
De acordo com as estatísticas do IBGE (2023), “em 2022, o Brasil tinha 1,9 milhão de
crianças e adolescentes com 5 a 17 anos de idade (ou 4,9% desse grupo etário) em situação de
trabalho infantil”, no qual há o predomínio do sexo masculino, representando 65,1%, enquanto
34,9% são meninas. Em relação ao recorte de raça, o número de crianças e adolescentes negros em
situação de trabalho infantil é maior do que o de não negros, correspondendo a 66,3% das vítimas
do trabalho infantil no país sendo pretos ou pardos. Em relação a renda de crianças e adolescentes
negros e não negros: “O rendimento das crianças e adolescentes pretos ou pardos em trabalho
infantil (R$ 660) era equivalente a 80,8% do rendimento das crianças e adolescentes brancos (R$
817) nessa situação” (IBGE, 2023).
Essa realidade nos mostra que o racismo estrutural4 está estritamente relacionado com o
trabalho infantil e também com a superexploração da força de trabalho, uma vez que o racismo
pressiona negativamente as condições de vida da classe trabalhadora brasileira, sendo esta em sua
maioria negra, incluindo as crianças e adolescentes mencionadas nas estatísticas do IBGE, posto
que, “o corpo negro só é visto como mão de obra, e não como sujeito (muito menos cidadão)”
(Veronese; Fabiano, 2024, p. 62).
253
os desempregados e responsável por ocupar os postos de trabalho com as piores condições é a
parcela negra da população brasileira”.
Ressalta-se aqui, que uma das bases do capitalismo é o racismo, sendo assim não há
intenções do mesmo contribuir para o seu fim, logo, não é sua intenção acabar com o racismo,
pois este é funcional à reprodução do capitalismo, sobretudo, o periférico. Daí, a denominação de
capitalismo racista, como dito por Eliane Assis (2022).
É importante destacar que as crianças e adolescentes também não estão livres da lógica
do trabalho considerado perigoso, penoso, insalubre ou degradante, que coloca em risco a sua
saúde e a segurança. Segundo o IBGE (2023, p. 06), “Em 2022, havia 756 mil pessoas de 5 a 17
anos de idade em ocupações consideradas como piores formas de trabalho infantil (proxy da Lista
das Piores Formas de Trabalho Infantil - Lista TIP), o que representava 46,2% do total de pessoas
desse grupo etário que realizavam atividades econômicas perigosas e/ou danosas (1,6 milhão de
pessoas)”. Essa proporção era de 51,3% em 2016, 45,8% em 2019, subindo para 46,2% em 2022.
Ressalta-se que o aumento das estatísticas do trabalho infantil desde 2016, está relacionado
com o contexto vivenciado no país a partir do golpe de 2016, que reduziu/congelou os gastos
para as áreas sociais (como a própria redução exponencial de investimentos para o Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil – PETI), o aumento da pobreza, do desemprego, e a diminuição
da renda das famílias, que historicamente são elementos que contribuem para a inserção de
crianças e adolescentes no mundo do trabalho, associa-se ainda, a disseminação e o avanço do
neoconservadorismo5 e suas implicações no âmbito da cultura e da política que eleva o trabalho
infantil a uma dimensão maior de aceitação e até de defesa como elemento educativo e disciplinador
para as crianças e adolescentes das classes pobres.
O que acontece é que, no Brasil, mas não apenas por aqui, se aliou à agenda
econômico-financeira, um aprofundamento do neoconservadorismo. O
governo tem se manifestado pelo culto à violência policial e ideologia
repressiva6 (rebaixamento da idade penal, armamentismo, extensão de
penalidades) e também pelas intolerâncias às “minorias” sexuais, com fortes
apelos religiosos (contra legalizações: aborto, drogas/produtos psicoativos,
uniões homoafetivas). (Borges; Matos, 2020, p. 74-75).
Tal lógica também incide no reforço aos elementos culturais de aceitação e legitimação do
trabalho infantil: “[...] com o avanço do conservadorismo (que vem resultar na disseminação de um
discurso de defesa da diminuição da idade penal e da admissão ao trabalho)” Lira (2020, p. 163,
grifo nosso), pois tendo em vista a necessidade de sobreviver, tais crianças e adolescentes crescem
5 “A ofensiva (neo)conservadora atinge diferentes dimensões da realidade, contando com grande chance de
incorporação por atividades sociais que prescindem da razão em decorrência da crença em dogmas, a exemplo das
religiões. Nesse sentido, quando se trata de avaliar questões que remetem a valores morais, os (neo)conservadores
são moralistas, ou seja, intolerantes, preconceituosos e, no limite, fundamentalistas” (Barroco, 2015, p. 631).
6 É importante destacar que essa natureza repressiva já faz parte das próprias funções do Estado no
capitalismo tardio, conforme nos ensina Mandel (1982), visto que, no capitalismo o Estado assume a posição de
contribuir com a reprodução ampliada do capital, logo ele sempre está de um lado: o lado do modo de produção
capitalista.
254
sendo conduzidas ao trabalho desde cedo e a não se preocuparem primeiramente com os estudos,
cujas determinações vem sendo recrudescidas com o aumento da pobreza, do desemprego e do
conservadorismo na sociedade brasileira.
Assim, o discurso segue sendo o mesmo: “é melhor trabalhar do que roubar”; “o trabalho
dignifica o homem”, naturalizando assim o trabalho infantil. Entretanto, “[...] ainda que criticamos
a ideia que atrela trabalho e dignidade, percebe-se que ao corpo negro não é reservado nem
mesmo o direito a ser digno” (Veronese e Fabiano, 2024, p. 64, grifo nosso). Destarte, a onda (neo)
conservadora também afeta o trabalho infantil, uma vez que resgata os valores tradicionais que
promovem a aceitação de crianças e adolescentes envolvidos em atividades laborais.
Desse modo, o que se atesta é que a violência estrutural contra esse segmento, é produzida
e reproduzida pela lógica da valorização do capital, no âmbito do modo de produção capitalista, que
naturaliza as expressões da questão social. Destaca-se que a violência estrutural é drasticamente
ampliada por meio da crise estrutural do capital7 desde a década de 1970, como nos aponta
Mészáros (2009).
Cabe destacar que sendo o Brasil um país de economia periférica dependente, a lógica de
valorização do capital tem como fundamento a violência estrutural, utiliza-se da superexploração
da força de trabalho, para garantir a transferência de valor, o que implica na violação do fundo de
vida e de renda das famílias trabalhadoras, elementos estes que determinam a inserção precoce
de crianças e adolescentes no mundo do trabalho. A superexploração da força de trabalho acaba
por colocar essas famílias em situação de pobreza absoluta, as obrigando a criarem estratégias de
sobrevivência, que acaba por resultar na exploração do trabalho infantil.
Urge portanto, a luta preeminente de militantes dos direitos infantis para reivindicar ações
mais contundentes de enfrentamento a essa chaga social, expressão da violência estrutural, o
trabalho infantil. Tal realidade vem afetando fortemente o desenvolvimento de milhares de crianças
do nosso país, impedindo-as de viver aquilo que é próprio da condição infantil, o direito a ser
criança, e de ser protegido por tal condição, tanto pela família, como pela sociedade e pelo Estado,
uma vez que segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Art. 227 da Constituição
Federal de 1988 é dever dos mesmos colocarem esses sujeitos como prioridade absoluta e oferecer-
lhes proteção integral.
7 Assim, a crise capitalista associada aos impactos das transformações do mundo do trabalho e da financeiri-
zação da economia num quadro de uma economia periférica-dependente que tem como base a superexploração do
trabalho, não é de estranhar os resultados desastrosos que se fazem sentir e que se refletem em todas as esferas da
vida social, não só na economia, mas também na cultura, com o avanço do conservadorismo, e sobretudo na política,
como é o caso do Brasil, com a direita retomando o poder, via golpe de Estado. (Lira, 2018, p. 913).
255
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos dados e análises apresentados, fica evidente que o trabalho infantil é uma
consequência direta das políticas econômicas e sociais adotadas no país, além da superexploração
da força de trabalho que historicamente desvaloriza a força de trabalho, especialmente a força
de trabalho negra e periférica. O racismo estrutural, aliado à lógica do capitalismo, potencializa a
superexploração da força de trabalho, incluindo a das crianças e adolescentes, em detrimento de
seus direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS
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projeto profissional antirracista no serviço social. 2022. Tese (Doutorado em Serviço Social) -
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Acesso em: 20 jan. 2024.
Pobreza atinge cerca de 40% das crianças brasileiras com menos de 9 anos. FUNDAÇÃO FEAC.
Disponível em: https://feac.org.br/pobreza-atinge-cerca-de-40-das-criancas-brasileiras-com-
menos-de-9-anos/. Acesso em: 23 de jul. 2023.
258
CIDADE, ALIENAÇÃO E FETICHISMO
Este texto busca refletir de forma sucinta acerca de complexos categoriais presentes na
tradição marxista cuja mediação se faz imperativa no contexto da leitura do espaço urbano. Para
isso, observa-se a importância que assumem as categorias “alienação” e “fetichismo” para a
superação do estado de “pseudoconcreticidade” de análises correntes sobre a relação entre os
indivíduos e o espaço na cidade.
Observa-se que neste processo estão elencadas categorias fulcrais para a explicação do
urbano, tal como a divisão territorial do trabalho e as formas de cooperação; a centralidade das vias
de comunicação e transporte na constituição do território e a tendência expansiva, concentradora e
centralizadora de capitais no comando da dinâmica da acumulação na produção do espaço urbano.
Em “O Capital”, Marx (2015, p.530) afirma que “a base de toda divisão do trabalho desenvolvida
e mediada pela troca de mercadorias é a separação entre cidade e campo. Pode-se dizer que a
história econômica inteira da sociedade está resumida no movimento dessa antítese”. O que se
sugere a princípio é a designação do urbano enquanto o lócus de realização da produção capitalista.
259
Na tradição marxista, um dos estudos primordiais para a apreensão das condições deste
fenômeno urbano reside na obra de Engels “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” (2010).
A obra evidencia os contrastes presentes no espaço urbano, que vira o lugar mediado pela pobreza
e a riqueza justapostas – sendo esta clivagem a condição e o resultado da dinâmica da exploração
do trabalho comandada pela classe burguesa.
A população disposta nas grandes cidades, porém, tampouco é retratada na obra de Engels
enquanto mero elemento da dimensão produtiva. O autor descreve na população urbanizada –
por meio do desenvolvimento de conceitos tais como a “multidão solitária” e a “atomização” dos
sujeitos urbanos – a concretude da alienação presente no espaço produzido e implicitamente
vinculada a esfera não apenas da produção, mas da reprodução social1.
O terceiro aspecto corresponde aos indivíduos estarem alienados do seu “ser genérico”.
Entende-se por esta condição, onde Mészáros referencia os Manuscritos econômicos-filosóficos
(2004, p.85), que o trabalho alienado efetua “do ser genérico do homem, tanto da natureza quanto
da faculdade genérica espiritual dele, um ser estranho a ele, um meio da sua existência individual.
Estranha do homem [...] a natureza fora dele, tal como sua essência espiritual e humana”.
Dessa forma, compreende-se que a alienação enquanto categoria contribui para elucidar
os determinantes ontológicos da classe trabalhadora urbana estranhada, tanto no momento da
produção quanto da reprodução social. Assim, é estranhada do espaço produzido a população
que vive em cada segmento da cidade, sendo cada um desses segmentos contraditoriamente
1 Bhattacharya (2019, p. 110) analisa a reprodução social como a dimensão operadora da sociedade em sua
integralidade, onde a constituição dos indivíduos e seu desenvolvimento assumem funções para o desenvolvimento da
produção e da reprodução das relações capitalistas. Lukács (2013) caracteriza a reprodução social como um complexo
inter-relacional, o que compreende a relação da condição humana e o desenvolvimento de seu meio; a subsunção do
trabalho à produção capitalista e suas premissas para realização; suas imbricações nos modos do ser social construir-
-se em suas dimensões sociais, ético-morais, em sua cultura, sua educação, sexualidade, em seus valores, e em toda a
totalidade da vida social.
260
sociabilizados entre as classes constituintes do território.
Nesse sentido, Santos (2021) analisa a relação entre os indivíduos e o espaço na sociedade
capitalista. A complexificação das atividades econômicas conjuradas pela subsunção do trabalho
humano ao capital se relaciona com os indivíduos de maneira que, na produção do espaço, estes
se defrontam com uma situação onde seu trabalho “não passa de uma parcela ínfima dentro de
um processo que interessa a milhares ou a milhões de pessoas, separadas frequentemente por
milhares de quilômetros” (Santos, 2021, p. 28).
Noutra oportunidade, Santos (2021, p.34) esclarece que o próprio espaço se apresenta
aparentemente fragmentado. “Como a práxis de cada um são fragmentárias, o espaço dos
indivíduos aparece como fragmentos de realidade e não permite reconstituir o funcionamento
unitário do espaço”.
É oportuno resgatar o diálogo que Santos (2021) estabelece com Lefebvre (1974) acerca da
dinâmica socioespacial do capitalismo. Santos dialoga com a afirmativa de Lefebvre (1974, p.121)
que “a forma do espaço social é o encontro, a reunião, a simultaneidade”, enquanto “o espaço-
natureza justapõe, dispersa”. A contradição presente nesta afirmativa se problematiza ao passo
que o espaço social se constrói de maneira associada à estrutura social que lhe engendra. Dessa
forma, Santos aponta que “com o desenvolvimento das forças produtivas e a extensão da divisão do
trabalho, o espaço é manipulado para aprofundar as diferenças de classes”. Assim, o espaço social,
que abriga as divisões do trabalho e desenvolve as formas de cooperação que se concentram no
espaço produtivo, ao mesmo tempo que une os indivíduos acaba contraditoriamente por separá-
los na mesma medida.
261
Em relação a isso, Santos propõe que essa união no espaço social, na verdade:
[...] reúne homens tão fetichizados quanto a mercadoria que eles vêm
produzir nele. Mercadorias eles próprios, sua alienação faz de cada homem
um outro homem. O espaço, como esse ponto de encontro de que fala
Lefebvre (1974, p.121), é uma reunião de sombras, ou, quando muito, um
encontro de símbolos (Santos, 2021, p.34).
Dessa forma, a paisagem urbana e seus elementos são antes de tudo uma mercadoria – e a
condição em que esta se apresenta já inscreve intrinsecamente os elementos necessários para sua
realização no ciclo do capital. Assim, “os locais de trabalho, de estudo, de lazer, o quadro de nossa
vida cotidiana, são concebidos como mercadorias para seduzir e atrair o consumidor. Na verdade,
todos esses rostos se resumem num só, o da mais completa fetichização” (Santos, 2021, p.38).
A saída para a quebra do espaço enquanto aparência pode consistir em dois movimentos: a
desmistificação da paisagem a partir do reconhecimento de sua funcionalidade técnico-produtiva e
da sua condição de fetichização; e, o outro, o reconhecimento da sociedade total que o circunscreve
a partir das condições históricas que o “animam”.
262
O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente
no fato de que ela reflete aos homens os caracteres sociais de seu próprio
trabalho como caracteres objetivos dos próprios produtos do trabalho,
como propriedades sociais que são naturais a essas coisas e, por isso, reflete
também a relação social dos produtores com o trabalho total como uma
relação social entre os objetos, existente à margem dos produtores. É por
meio desse quiproquó que os produtos do trabalho se tornam mercadorias,
coisas sensíveis-suprassensíveis ou sociais […] É apenas uma relação social
determinada entre os próprios homens que aqui assume, para eles, a forma
fantasmagórica de uma relação entre coisas (Marx, 2015, p.206)
Da mesma forma ocorre com a cidade, onde cada pedaço do espaço urbano é mistificado
pela supressão de sua história, por sua alienação enquanto produto do trabalho e por seu
significado dentro da dinâmica da acumulação. Godoy (2022) sugere um exemplo simples, mas
caricato deste processo no contexto urbano: a sugestão é pensar nos grandes e modernos produtos
arquitetônicos relativos aos edifícios corporativos. Sua forma visual de mercadoria, potencializada
por sua dimensão estética, suas inovações tecnológicas, pela dimensão ideológica que vende o
design deste produto, disfarça as condições pelas quais ele se produziu, camufla sua função dentro
da reprodutibilidade das relações de produção e reprodução, e esconde em sua aparência os
vestígios das formas de circulação e consumo de sua infraestrutura enquanto capital fixado ao solo.
Apreende-se destas categorias que as relações do espaço urbano se escondem por meio
de condições objetivas, cuja funcionalidade reside na perpetuação da produção capitalista do
espaço não enquanto um meio de exploração, dominação e opressão, mas como uma inovação da
sociedade humana em seus avanços técnicos. Godoy (2022, p.161) aponta:
263
expressão da metrópole como negócio e da metrópole como espetáculo,
onde o morto se acopla no vivo, fazendo deste último apenas o suporte
orgânico para sua realização como valor.
Qualquer análise da cidade que dispense a decomposição de sua forma alienada e fetichizada
acaba por ser insuficiente no sentido de seu entendimento e de sua transformação. A leitura
sobre o uso do espaço urbano, cada vez mais radicalizado e disputado dentro da luta de classes,
prevê estratégias cujas as categorias aqui refletidas assumem protagonismo no desvendamento
das contradições referentes aos espaços produzidos e aos direitos que emanam de sua desigual
socialização.
Portanto, prevê-se a leitura das disputas pela valorização do espaço urbano, forjadas pelo
que Maricato (2011) apelidou de “nó da terra”, ou seja, a mediação contraditória dos interesses
do capital imobiliário e financeirizado em detrimento dos interesses que demandam da cidade a
prevalência de sua qualidade enquanto valor de uso: o que permite abrigo, proteção, infraestrutura
adequada, equipamentos sociais e acesso aos bens de consumo coletivo. Portanto, apropriar-se da
dinâmica das relações sociais no espaço, neste que é conformado pela valorização do valor, exige o
movimento de decompor sua aparência para que o direito à cidade possa se vislumbrar.
REFERÊNCIAS
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São Paulo: Boitempo, 2019
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ontologia hoje tornada possível. São Paulo: Boitempo, 2010.
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264
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SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. 5ª ed, 4ª reimpr. São Paulo: Editora Universidade
de São Paulo, 2021.
265
COMUNICAÇÃO PÚBLICA NAS POLÍTICAS SOCIAIS:
um fomento à cultura participativa de classe e a democracia
RESUMO
ABSTRACT
266
1. INTRODUÇÃO
Para Carnoy (1986, p. 105) “o desenvolvimento burguês não se fez apenas através do
desenvolvimento das forças de produção, mas por meio da hegemonia na arena da consciência”.
Neste sentido, a classe dominante não apenas busca fortalecer o seu sistema econômico como
também busca influenciar e moldar as ideias, valores, concepções de mundo da sociedade. A partir
deste entendimento sobre o Estado, suscita-se o debate sobre a importância da democracia.
De acordo com Brown (2019), a base da democracia consiste na ‘igualdade política’ e ela
sustenta o seu argumento através da afirmação de que “somente a igualdade política assegura que a
composição e o exercício do poder político sejam autorizados pelo todo e sejam de responsabilidade
do todo” (Brown, 2019, p. 33). Essa igualdade política para a autora, torna-se a razão de ser de uma
democracia. Através dela, parte-se do entendimento de que todas as pessoas, independente de
gênero, cor, orientação sexual, ou classe social, precisam ter a garantia dos mesmos direitos, sem
discriminação ou distinção. A democracia tem sua importância revelada na medida em que esteja
ancorada na igualdade entre as pessoas. Wendy Brown (2019) ressalta a vigilância constante que
a democracia exige para evitar que a concentração de riqueza assuma o controle das alavancas do
poder político. No entanto, a conjuntura atual é marcada pelo ataque neoliberal, o qual constroi e
legitima formas antidemocráticas de poder estatal desde cima. Neste sentido,
267
organização conservadora. Os elementos da liberdade e das normas morais e tradicionais apontam
o social como inimigo da liberdade e, consequentemente, o que propicia um ataque à democracia.
Lima (2004, p. 67) comenta que, que o próprio conhecimento gerado pelo diálogo
comunicativo só será verdadeiro e autêntico quando comprometido com a justiça e a transformação
social. “A comunicação, portanto, é dialógica. Fora dessas premissas não haverá comunicação, não se
produzirá cultura”. Desta maneira, torna-se elementar para a construção e ampliação da cidadania,
que a forma como as mensagens são conduzidas sejam realizadas por meio de instrumentos
estratégicos que ampliem a participação de todos/as sem distinção de grupos ou classes sociais e
que tenham em vista o interesse público, como no caso, a comunicação pública.
268
[...] todo mundo tem o direito de comunicar. Os elementos que integram esse
direito fundamental do homem, sem que sejam de modo algum limitativos,
são os seguintes: a) o direito de reunião, de discussão, de participação e outros
direitos de associação; b) o direito de fazer perguntas, de ser informado, de
informar e os demais direitos de informação; c) o direito à cultura, o direito
de escolher, o direito à proteção da vida privada e outros direitos relativos ao
desenvolvimento do indivíduo (Ramos, 2005, p. 249).
Embora a CP seja um conceito ainda em construção há uma tendência em reconhecer
que ela se dá na esfera pública estatal, sendo possível considerar seus princípios presentes
em espaços como: o cotidiano das políticas sociais, os conselhos de políticas e de direitos, nas
conferências nacionais, estaduais e municipais relacionadas às políticas públicas sociais. Nesta
perspectiva, é importante destacar algumas características das mensagens da CP na esfera pública
estatal, reforçando que por princípio ela deve ser de interesse geral, sendo as mensagens de
interesse coletivo, devendo centralizar o processo no cidadão, reconhecendo-o como um sujeito
que é concomitantemente consumidor, eleitor e usuário das políticas públicas, assegurando-
lhe uma escuta qualificada. A transparência é um princípio vigoroso e o entendimento de que a
comunicação é um processo maior do que informar é essencial. Compreender a perspectiva pública
da comunicação na sociedade democrática pressupõe elementos como informação e participação,
os quais possibilitam o entendimento, a reflexão, a argumentação, posicionamento e deliberação
por parte dos sujeitos envolvidos.
269
Neste sentido, quando se busca a compreensão da significação social é preciso identificar
os relacionamentos estabelecidos e suas causas sociais, para então encontrar meios sociais de
transformação. Para tanto, o autor compreende que a necessidade da análise materialista da
cultura tem como parte central a história do desenvolvimento e uso social dos meios. Williams se
configura como um estudioso da comunicação humana, que inaugura um novo campo de estudos
para autores marxistas.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1 Extraído da palestra “O/A assistente social e os processos comunicativos: por uma contra-hegemonia dos
subalternos”, proferida no evento realizado pelo Núcleo de Assistentes Sociais de Poços de Caldas/Conselho Regional
de Serviço Social-MG, em 13/06/2017.
270
da CP e sua indissociabilidade com a cultura a existência de um espaço no interior das políticas
sociais para a execução de uma formação cidadã que colabore com a identidade de classe e com
a organização da classe trabalhadora. Neste sentido, a compreensão de que a comunicação é um
direito humano, sendo a CP um referencial importante visto ter princípios e características próprias
que lhe propiciam direção ético-política e operatividade, colabora para que a mesma possa ser
assegurada na execução das políticas sociais, Daí que a compreensão pelos agentes públicos de que
a comunicação é um direito humano transversal às políticas sociais é determinante especialmente
neste período em que as tecnologias de informação e comunicação têm sido utilizadas para a
desinformação e maior alienação da classe trabalhadora.
E como vimos a comunicação para ser dialógica precisa considerar a cultura - a maneira
de desvendar o mundo, os modos de vida, hábitos e crenças das classes subalternas, a fim de que
seja possível uma interlocução capaz de produzir novos conhecimentos em prol da emancipação
política, quiçá humana.
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In: Revista Mídias e processos sócio-culturais. São Leopoldo, Unisinos, nov., pp. 11-42
GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Edição e tradução: Carlos Nelson Coutinho. Coedição:
Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
LIMA, V. A. de. Mídia, Teoria e Política. 2ª ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
271
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pesquisas e práticas. Florianópolis: Insular, 2017.
WILLIAMS, R. O Campo e a Cidade na história e na literatura. Trad. Paulo Henriques Britto. Companhia
das Letras. São Paulo, 1989.
272
A FACE OCULTA DA SOCIOEDUCAÇÃO:
o punitivismo como projeto hegemônico no sistema socioeducativo do distrito federal.
1. INTRODUÇÃO
O artigo em tela versa sobre os resultados parciais obtidos no Projeto de Iniciação Científica
“ANÁLISE DA POLÍTICA DE ATENÇÃO INTEGRAL AOS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NO
SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO DISTRITO FEDERAL”, financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa
do Distrito Federal com previsão de conclusão para outubro deste ano.
Em curso desde setembro de 2023, o Projeto tem como objetivo geral analisar a
operacionalização da Lei de Drogas dentro do sistema socioeducativo do DF e apreender sob
quais matrizes ideopolíticas têm se dado o entendimento dos magistrados acerca da relação dos
adolescentes com as substâncias psicoativas (SPA´S). A hipótese levantada por esta pesquisa é que
a não descrição objetiva da quantia de drogas que distingue o “usuário” do “traficante” na Lei
11.343/06, além da ausência de um olhar biopsicossocial sobre a relação daquele sujeito com a
substância, abre espaço para olhares subjetivos dos profissionais da segurança pública e da justiça,
que tende a interferir no andamento processual do fato e, consequentemente, nas condições de
vida de vários adolescentes em condição de vulnerabilidade social. É a partir desse imbróglio
que surgem os questionamentos-chaves do estudo: Como os atos infracionais de posse/tráfico de
drogas se entrelaçam com as condições de saúde dos adolescentes apreendidos? Qual concepção
tem sido adotada dentro do eixo saúde no trabalho socioeducativo: a da redução de danos ou o
proibicionismo? O que as normativas nacionais e distritais preconizam sobre o cuidado em saúde
mental e o uso de drogas dos adolescentes em medidas socioeducativas?
Assentado na Teoria Social Crítica de Marx, compreende-se que o manejo dos dados expostos
são movidos pela dinamicidade e materialidade da realidade social do modo de produção capitalista,
pela historicidade que constitui a política socioeducativa e pela perspectiva dialética, recheada de
antagonismos e contradições, que não permite o esgotamento da discussão no presente trabalho.
Como aponta Minayo (2008), o materialismo histórico-dialético oferece ferramentas interpretativas
que permitem ao pesquisador compreender a produção e a reprodução das relações socialmente
produzidas entre sujeitos, instituições e demais participantes da dinâmica societária.
No que concerne aos dados apresentados nessa primeira remessa, foram analisados
documentos judiciais cedidos pela Vara de Execução de Medidas Socioeducativas (VEMSE)
do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), mediante autorização judicial. Dentre os
documentos analisados destacam-se sentenças proferidas pelos magistrados, termos de audiência
e manifestações do Ministério Público. Nesse sentido, elencou-se 6 (seis) processos a serem
explorados, levando em consideração os parâmetros jurídicos e científicos empregados pelos
operadores das leis nos documentos judiciais, escolhidos aleatoriamente e prezando pela garantia
273
do sigilo e o respeito à integridade do adolescente conforme prevê o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA).
O sistema socioeducativo possui uma natureza ímpar dentro das políticas sociais, exigindo
esforços de diversos estudiosos para decifrar seu complexo papel nas relações interpessoais
e institucionais. Conforme apontam Yokoy e Rodrigues (2021), essa política teve importantes
avanços com a promulgação do ECA (1990) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(2006 e 2012), principalmente no que se refere ao entendimento do adolescente como sujeito de
direitos e em peculiar condição de desenvolvimento, o que também exige um olhar particular para
a compreensão do ato infracional cometido. Todavia, em diálogo com as autoras, Souza (2023),
Ortegal (2019) e Bisinotto et al (2015) nos alertam para o lócus paradoxal que o sistema ocupa: ao
mesmo tempo que uma medida socioeducativa é gerada como uma resposta punitiva a um desvio
de conduta cometido por um adolescente, a socioeducação tem por princípio articular ações,
programas e serviços que se pautam nos direitos humanos, na promoção e na garantia dos direitos
sociais dos socioeducandos.
Nesse momento, entram em choque duas categorias naturalmente opostas, mas que, na
política socioeducativa, se fundem: proteção e responsabilização. Para autoras como Rizzini et al
(2019, p.60 e 62), “o trato centrado na busca da responsabilização do adolescente secundariza
o sentido de proteção social”, o que permite questionar: “seria possível [de fato] incorporar a
dimensão protetiva na aplicação de medida socioeducativa ao adolescente?”
Sob esse ângulo, mesmo nos autos judiciais analisados em que foram proferidas medidas
aplicadas para atos tidos como de menor gravidade social, impera-se, no decorrer de todo processo,
a matriz proibicionista, colocando a desestrutura familiar concomitantemente como causa e
consequência para o cometimento do ato infracional e justificando, a partir do Art. 174 do ECA2, a
2 Art. 174: Comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será prontamente liberado pela
autoridade policial, sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministé-
rio Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato, exceto quando, pela gravidade do ato
infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança
pessoal ou manutenção da ordem pública. (BRASIL, 1990)
274
manutenção do adolescente em ambiente de internação provisória, logo após o acometimento da
infracionalidade, como ação de mantimento da ordem social:
É nítido que o tráfico se relaciona à crescente violência que, por sua vez,
leva à corrupção do Estado, à desestruturação familiar e a degradação
social. Dessa forma, não há como deixar de perceber a real gravidade do ato
(MANIFESTAÇÃO DO MP, Processo B. Itálicos nossos).
Noutro giro, o processo B apresenta outros elementos que, historicamente, mostram-se como
gargalos no entendimento do mercado da droga: o lugar social ocupado por pequenos traficantes e
usuários nessa ampla tessitura. Como dito, a segurança pública privilegia ações para frear o tráfico
de drogas em periferias e territórios subalternizados, o que tem gerado um boom de apreensões
de sujeitos moradores dessas regiões. A grande falha metodológica dessa estratégia de segurança
está no fato de que, em certa medida, esses jovens que hoje se encontram institucionalizados são
a menor parte da engrenagem dessa densa rede. Estudos do IPEA (2023) comprovam que bairros
mais ricos e de maioria branca são praticamente imunes à entrada invasiva da polícia em domicílios,
sendo que, os maiores índices de drogas confiscadas em maior contingente advém justamente
dessas regiões. Assim, apontar como argumento jurídico e científico que um adolescente, em
contexto de extrema vulnerabilidade social, expressa uma gravidade para fenômenos sociais tão
complexos como a corrupção do Estado e a degradação social é, no mínimo, desmedido.
3 Em que vale destacar que os pedidos de internação provisória feitos pela Promotoria foram aceitos, seguidas
pela promulgação de medidas de LA e PSC no processo A e somente LA no processo B.
275
Em outros casos, tidos muitas vezes como de dano social mediano ou como forma de
progressão de regime a adolescentes que cumpriram exitosamente a internação, a medida
socioeducativa de semiliberdade é bastante aplicada. Nas situações analisadas dessa modalidade,
os processos também estão repletos do intenso caráter familista e a intervenção judiciária aparece
no intuito de revelar a preocupação do Estado quanto o “sentimento de justiça e intranquilidade
social”:
Essa interlocução entre vieses foi o que relacionou por séculos loucura e periculosidade,
fundamentou a reclusão de pessoas desviantes do padrão produtivo do modo de produção capitalista
- em sua esmagadora maioria, pessoas negras - em instituições totais como manicômios, prisões,
casas de correção, entre outros (Davis, 2003). Para os usuários de SPA´s, o discurso hegemônico
reveste-se de contornos ainda mais conservadores que baseiam grande parte das decisões e
manifestações. Não é incomum notarmos posturas que reforçam estigmas históricos associados
aos usuários de drogas: lógica culpabilizante ao indivíduo e família; desresponsabilização do Estado
diante de sua negligência em casos de extrema vulnerabilidade social; uso de termos próprios aos
códigos menoristas; criminalização de questões sociais; ausência de estudo psicossocial que apoie
a decisão; medidas que desconsideram o modelo de uso do adolescente e a irrisória quantia de
drogas apreendida; descaracterização do adolescente como sujeito de direitos e de autonomia.
Atentemo-nos aos trechos abaixo:
276
encontra amparo familiar que o possa disciplinar e proteger, de modo que
a drástica providência da internação cautelar é a única providência apta a
resguardar o adolescente, removendo-o do contexto infracional novamente
o inserindo em convívio social regrado. (MANIFESTAÇÃO DO MP, Processo D)
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
277
(SUBSIS, 2023). Será, então, uma mera coincidência que o cerceamento de corpos e mentes de
jovens negros em ambientes de privação de liberdade atinja estrondosos níveis, tal como nas
experiências manicomiais do século passado, ou como os índices atuais do sistema penitenciário?
Estaria a própria política social sendo responsável pela negligência e dificuldade de acesso desses
adolescentes a tratamentos dignos em saúde mental e redução de danos?
Posto isso, faz-se necessário fulgurar que a revisão documental e o levantamento dos
dados não imprime um exame fatalista na intersecção entre a relação dos adolescentes com as
SPA´s e o sistema socioeducativo, mas provoca inquietações e reflexões a serem publicizadas para
conhecimento de pesquisadores do tema e segmentos dos movimentos sociais da temática, assim
como devolver aos órgãos de gestão do sistema uma análise refletida e qualificada dos processos
de trabalho da política social. As lacunas postas demonstram a necessidade de revisão de fluxos,
celeridade no processo de implementação do Plano Operativo Distrital de Atenção à Saúde de
Adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas do Distrito Federal, fomentar ações
de formação continuada de servidores e reforçar a importância do preenchimento constante
e fidedigno dos instrumentais e banco de dados. Com essas medidas, pode-se não erradicar
desigualdades estruturantes que circundam o sistema socioeducativo, porém são soluções
concretas e imediatas que tendem a fortalecer e estabelecer iniciativas de cuidado em saúde com
capacidade de incidência em diferentes espaços.
REFERÊNCIAS
DAVIS, Angela. Are prisons obsolete? Seven Stories Press. Nova York, EUA. 2003.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2023. Entrada em domicílio em caso de crimes de
drogas : geolocalização e análise quantitativa de dados a partir de processos dos Tribunais da Justiça
estadual brasileira. Disponível em <https://www.ipea.gov.br/portal/publicacao-item?id=200c4256-
f79e-4ae4-90b5-031e602d15a6> Acesso em 26/04/2024.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. 18 ed.
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278
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FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA BRASILEIRA. In Anais do 16º Encontro Nacional de Pesquisadores
em Serviço Social, Vitória-ES, 2018.
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SUS. São Paulo, Hucitec Ed., 2022.
RIZZINI, I. et al. Adolescência, direito e medidas socioeducativas em meio aberto. Cortez Editora,
São Paulo- SP, 2019.
SOUZA, Matheus Trindade de; As interfaces entre questão racial, sistema socioeducativo e saúde
mental. In Violência e Saúde Mental: Debates Contemporâneos (p. 189-214). Rede Unida,
Florianópolis- SC, 2023.
279
TELEMARKETING NO BRASIL:
análise dos Acordos Coletivos do SINTTEL-DF frente às mudanças no Mundo do Trabalho
O estudo do DIEESE (2009) destaca que, após a privatização, o número de telefones fixos no
Brasil aumentou notavelmente de 1997 a 2003, atingindo 38,26 milhões. Atualmente, a telefonia
fixa é dividida entre autorizadas e concessionárias, com destaque para empresas como Claro, Vivo,
TIM e Oi. Quanto à telefonia celular, o segmento cresceu significativamente, atingindo 226,67
milhões de linhas móveis em operação em 2019.
280
superexploração, e a taylorização do trabalho intelectual leva ao adoecimento físico e emocional
dos teleoperadores (BRAGA, 2012). O controle do tempo de atendimento (TMA) e a competição
exacerbada contribuem para sintomas de adoecimento (BRAGA, 2012; NOGUEIRA, 2011).
A análise dos Acordos Coletivos entre 2015 e 2019 no setor de telemarketing no Brasil visa
compreender a exploração, precarização e controle social do trabalho nas negociações sindicais.
Neste contexto, o setor, predominantemente composto por mulheres negras, LGBTQI+ e pessoas
com deficiência, representa uma camada subproletária historicamente marginalizada (BRAGA,
2014a, p.34). A entrada significativa desses grupos na década de 2000 indica uma mudança no
cenário do mercado de trabalho formal, apesar dos desafios enfrentados pela organização sindical,
como alta rotatividade e inexperiência política dos trabalhadores (BRAGA, 2012, p. 200).
Para analisar esses dados, serão consideradas três categorias: exploração, precarização e
controle social do trabalho, buscando compreender o impacto da política neoliberal no setor de
telemarketing e as consequências da reforma trabalhista para os trabalhadores.
a) Exploração:
O Piso Salarial representa o salário mínimo estabelecido para diferentes cargos, sujeito a
variações de acordo com a posição ocupada. Em cada novo acordo coletivo, ocorre à negociação
281
desse piso, podendo resultar em um aumento ou manutenção do valor da hora de trabalho para
os funcionários.
Embora muitos encarem o auxílio alimentação como um benefício fornecido pela empresa,
é crucial destacar que ele também é objeto de negociação. Essencial para garantir a produção
e reprodução social do trabalho, o auxílio alimentação cobre os gastos do trabalhador com seu
sustento e o de sua família. Vale ressaltar que este benefício não é calculado para efeitos de direitos
previdenciários.
O 13º salário, apesar de ter um valor pré-fixado, desempenha um papel crucial na garantia
da reprodução social do trabalho. Muitos trabalhadores dependem desses rendimentos para
cumprir seus compromissos financeiros, tornando-o uma parte essencial do ciclo financeiro anual.
Conforme o propósito deste estudo, a análise dos acordos coletivos será aprofundada nas
funções específicas do setor de telemarketing, destacando as seguintes categorias: atendentes,
supervisores/as, coordenadores/as e/ou gerentes de contratos. Por conseguinte, as demais
categorias incluídas nos acordos coletivos não serão abordadas.
Ao comparar os valores de piso salarial nos acordos coletivos com o salário mínimo legal,
observa-se uma média de remuneração de um salário mínimo e meio. No entanto, as diferenças
nos reajustes salariais em relação ao salário mínimo variam de acordo com empresa, ano e acordo
coletivo.
282
teve reajustes de 10% e a empresa Tivit de 9,83%. O salário mínimo por sua vez teve reajuste anual
em 2016 de 11,68%.
b) Precarização
A categoria de análise será a Precarização, central na análise dos acordos coletivos, devido
à influência da reestruturação produtiva do capitalismo. Serão analisadas as subcategorias a)
terceirização e b) desregulamentação. Observa-se a ausência de cláusulas específicas nos acordos,
apesar do reconhecimento da terceirização pelos sindicatos. A Lei nº 13.429/2017 ampliou as
possibilidades de terceirização, enquanto a desregulamentação aborda temas como sindicalização
e representação sindical. Destaca-se uma cláusula no acordo DF000588/2018 que restringe o acesso
dos dirigentes sindicais a temas políticos. A liberação dos trabalhadores para atividades sindicais
requer autorização prévia da empresa, refletindo mudanças trazidas pela reforma trabalhista. No
setor de telemarketing, a prática sindical limita-se principalmente a negociações salariais e de
benefícios. O distanciamento do debate de classes é apontado como uma característica do novo
sindicalismo, alinhado com a defesa do sindicalismo cidadão.
283
c) Condicionalidade do recebimento do imposto sindical à autorização de desconto feita
pelo trabalhador.
Essas alterações não apenas dificultaram a ação sindical, mas também a desregulamentaram,
ao permitir a criação de comissões de representação fora do sindicato e favorecer a negociação
individual. O imposto sindical, criado para controlar a ação sindical, tornou-se uma fonte crucial de
recursos para muitos sindicatos, mas a condicionalidade da autorização para desconto inviabilizou
a receita para muitas entidades.
284
controle social exercido pelas empresas sobre seus trabalhadores.
A constante presença do tema dos auxílios de saúde nos acordos coletivos levanta
preocupações, pois ao privilegiar planos de saúde privados, os sindicatos parecem se alinhar à
lógica mercadológica de privatização dos direitos sociais. No entanto, os auxílios de saúde também
podem ser vantajosos tanto para a empresa quanto para o trabalhador, visto que o tratamento
de saúde pode representar um custo significativo para a empresa em caso de afastamento do
trabalhador.
Dentro de uma conjuntura neoliberal, onde o controle social do trabalho utiliza a ameaça
de demissão e a possível perda do plano de saúde para manter os trabalhadores produzindo, é
crucial compreender os desafios e as implicações desse cenário. A análise abrangente dos acordos
coletivos proporciona insights valiosos sobre os efeitos da contrarreforma trabalhista do governo
Temer nos direitos laborais, resultando na erosão das conquistas históricas da classe trabalhadora.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
285
REFERÊNCIAS
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Paulo. Boitempo, 2020.
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maio de 1943.
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6./ Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. DIEESE, São Paulo: 2017.
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GALVÃO, CASTRO, KREIN, TEIXEIRA. Andréia, Bárbara , José Dari , Marilane Oliveira. Reforma
Trabalhista: precarização do trabalho e os desafios para o sindicalismo. Revista Caderno CRH.
Vol.32, Nº.86. Salvador – BA, 2019.
KREIN, José Dari. Os desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento
da ação coletiva. Revista Tempo Social.
MOCELIN e SILVA. Daniel Gustavo, Luís Fernando Santos Corrêa da. O telemarketing e o perfil sócio-
ocupacional dos empregados em Call Centers. Revista Caderno CRH. V. 21, Nº.53, 2008.
NOGUEIRA, Claudia Maria França Mazzei. O trabalho duplicado: A divisão sexual no trabalho e na
reprodução: um estudo das trabalhadoras do telemarketing. Expressão Popular. 2 Ed. São Paulo:
2011.
________. Centrais de atendimento: a fábrica do século XIX nos serviços do século XXI. Rev. bras.
saúde ocup. [online]. 2006, vol.31, n.114, pp.07-18. ISSN 0303- 7657São Paulo-SP: 2006b.
287
A UBERIZAÇÃO DO TRABALHO:
o “modus operandi” da empresa Uber no cenário amazônico
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
Se faz necessário destacar que o termo “uberização” é utilizado nessa discussão como
sinônimo de precarização do trabalho e como mais uma estratégia do capital para sua expansão e
aquisição de mais-valia, sendo considerado o movimento do capital bem como as transformações
provocadas por ele no mundo do trabalho. Logo, a uberização do trabalho pode ser definida pelo
tripé terceirização, informalidade e flexibilidade, a qual, adota processos de subcontratação,
incentiva a emergência de pequenos negócios com o culto ao empreendedorismo e à produção em
massa de pessoas nano-empreendedoras, “[...]uma mescla de burguês-de-si-próprio e proletário-
de-si-mesmo[...]” (ANTUNES, 2018, p. 34).
288
e Estatística (IBGE), na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) e
na PNAD Covid-19, pode-se observar que até 31% do total estimado de 4,4 milhões de pessoas
alocadas no setor de transporte, armazenagem e correios no Brasil estão inseridos na chamada Gig
Economy (IPEA, 2021)1.
Estudiosos e pesquisadores como Marcio Pochmann (2016), Tom Slee (2017), Ricardo
Antunes (2020), Ludmila Costhek Abílio (2020) e tantos outros, mencionam que a uberização/Uber
convergiu para um ponto de análise das transformações contemporâneas do mundo do trabalho
tendo em vista a nova fase de autonomização dos contratos de trabalho.
289
econômico e social do Pará foi, e continua sendo atrelado à introdução da Amazônia na dinâmica
do capital, reverberando de forma direta em seus 144 municípios, dos quais se destaca o município
de Belém, que continua sendo caracterizado pela desigualdade, informalidade, desemprego e
precárias relações de trabalho. A partir dessa realidade, considera-se relevante discutir a uberização,
através de uma das empresas que mais vem ganhando destaque nesse setor, a empresa Uber.
2. DESENVOLVIMENTO
Acerca da empresa Uber, se caracteriza como uma empresa multinacional, intitulada Uber
Technologies Inc. surge nos Estados Unidos da América (EUA), na cidade de São Francisco, no ano
de 2010. Atua na promoção de atividades de transporte urbano, possibilitando que usuários/
passageiros solicitem veículos para sua locomoção a partir do acesso ao aplicativo da empresa para
smartphones, ao qual, funciona em qualquer área com acesso à internet.
A empresa pode ser entendida nos termos de Abílio, Amorim e Grohmn (2021), como uma
empresa que opera por meio de plataformas digitais, porém a sua análise vai muito além, perpassa
o capital com pretéritas e atuais formas de exploração. Sobre essas plataformas digitais, se observa
que hoje se caracterizam como uma das fontes mundiais de centralização de capitais e dispersão
controlada do trabalho, estimulam ainda mais novas e massacrantes formas de terceirização e de
transferência de riscos e custos, possuem um papel importante na consolidação da condição de
trabalhadores como trabalhadores just-in-time e operam por meios técnico-políticos possibilitando
novas relações entre informação e informalidade
Mediante a essa breve elucidação, é importante enfatizar que a análise realizada se dá a partir
do motorista da Uber como uma forma tipicamente de produção, ou seja, como um trabalhador
inserido no capital e consequentemente produtor de mais-valia. Logo, para atuarem na Uber os
motoristas são totalmente responsáveis pelos meios de produção. Nas palavras de Cavalcante e
Filgueiras (2020) a empresa não precisa ter a propriedade legal dos meios de produção porque já
tem a posse efetiva.
Além disso, essa empresa de transporte, a qual não se classifica desse modo, mas sim como
uma empresa de tecnologia, utiliza aos seus motoristas o termo motorista parceiro e vendem o
ideário de trabalhador autônomo, microempreendedor.
É imprescindível o debate acerca da empresa Uber, pois de acordo com Pochmann (2016,
p.18), a Uber se transformou em um ponto principal para analisar as transformações contemporâneas
do mundo do trabalho, é apenas a “ponta do iceberg”. Segundo o autor a uberização “é uma nova
fase, que é praticamente a autonomização dos contratos de trabalho. É o trabalhador negociando
individualmente com o empregador a sua remuneração, seu tempo de trabalho” [...].
Em consonância com o exposto acima, Abílio (2017) ressalta que esta empresa conseguiu
pôr em evidencia um novo passo na subsunção real do trabalho, que permeia o mercado de
trabalho global, conseguindo envolver milhares de trabalhadores ao redor do mundo, além de ter
a possibilidade de expandir-se pelas relações de trabalho nos mais diferentes setores.
290
A organização e remuneração da força de trabalho pela empresa Uber estão bem distantes
das normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e consequentemente da
regularidade do assalariamento formal e dos direitos sociais. Esta empresa evidenciou algumas
tendências contemporâneas mundiais referente ao mercado de trabalho, como exemplo, a
“tentativa” de transformar o trabalhador em microempreendedor, o qual no Brasil esse motorista
conseguiu o direito de se registrar como Microempreendedor Individual (MEI) , sendo uma de suas
ações mais nefastas, pois o mito do empreendedorismo permeado pelo regime da acumulação
flexível, representa uma ideologia que contribui para o fortalecimento e aprofundamento dos
valores baseados no mérito e no ganho individual.
Dessa forma, Antunes (2019), atenta para a falsa ideologia desse “novo trabalho”, enfatiza
que estamos vivenciando uma “era de precarização estrutural do trabalho”. É partindo deste
cenário que este modo de trabalho se populariza, sob a máscara da liberdade, de não pertencer
ou dar satisfações à um determinado patrão, vendendo a ideia de complementar a renda e entre
outros, fetichizando suas relações aos seus “parceiros”, a legislação e a sociedade.
Mediante ao exposto é notável o quanto essa falaciosa relação de trabalho acaba sendo
atrativa à classe trabalhadora, principalmente quando estão inseridos em uma realidade pouco
favorável, como é o caso do cenário de Belém do Pará, complexo e possuindo expressivos números
ao se tratar de desemprego, informalidade, números populacionais e entre outros. De acordo
com o IBGE (2010) e seu censo Agro (2017)3, a cidade está na 11º colocação das cidades mais
populosas do país, com uma estimativa de 1.506.420 de habitantes, além disso, através de uma
pesquisa realizada em cooperação técnica entre a Secretaria Municipal de Economia de Belém e
o DIEESE, pode ser percebido, no 1.º trimestre de 2020, mais de 100 mil pessoas desempregadas,
caracterizando-a como a segunda cidade capital na região Norte com maior número de desemprego.
Harvey (2016) menciona que a informalidade definirá um padrão de vida que acaba sendo
interessante para o capital, afinal, ela coloca o ser humano em uma situação desfavorável em
relação ao custo de vida, em outras palavras, é uma relação de extrema vantagem para o capital,
pois além de auxiliar o seu exército industrial de reserva, ainda faz com que trabalhadores(as)
estejam disponíveis para os mais diversos tipos de serviços, submetendo-se a situações degradantes
e precárias para sua sobrevivência. Logo, é visto que o desemprego e a informalidade que acabam
se atrelando ao cenário nacional, são uma realidade dessa região, fazendo reverberar em seus
habitantes formas ainda mais precárias de trabalho, a exemplo da uberização.
291
3. CONCLUSÃO
Salama (1995, p. 35) já afirmava que “O futuro do capitalismo pode ser um capitalismo
selvagem (mais selvagem ainda que o que conhecemos na atualidade)”. É o que vivemos hoje, esse
modo de produção criou o “trabalhador ideal”, aquele que mais conseguir anular sua condição
humana enquanto trabalha: que não for tantas vezes ao banheiro, não adoecer, não conversar
com os colegas, não manifestar queixas, não faltar ao trabalho.
Vivenciamos a erosão do trabalho contratado e formal, o que faz ser notório o quanto
esta modalidade/organização de trabalho, acentua o esvaziamento da vida humana, a rebaixando
como mero objeto, mediante seu modo de trabalho baseado em longas e intensas jornadas, os
quais são excluídos de grande parte dos direitos trabalhistas, sociais e fundamentais.
Partindo dessa análise, se observa que um dos elementos centrais para o surgimento e
desenvolvimento da sociedade capitalista, descrito por Marx, “a constituição de trabalhadores
livres como pássaros” (Marx, 2015, p. 836), ressurge, agora não mais com o objetivo de afincar
o capitalismo, mas sim, como uma forma de exploração do trabalho, forma essa contínua, a qual
trabalhadores “livres” então mais do que nunca amarrado nas entranhas do capital.
É partindo deste cenário que a Uber e tantas outras empresas desse segmento se
popularizam, sob a máscara da liberdade, de não pertencer ou dar satisfações à um determinado
patrão, vendendo a ideia de complementar a renda e entre outros, fetichizando suas relações aos
seus “parceiros”, a legislação e a sociedade como um todo. Segundo Oliveira (2013), “parece coisa
de feitiçaria, e é o fetiche em sua máxima expressão.” Este processo acaba tendo uma profunda
relação entre moderno e precário.
REFERÊNCIAS
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Ricardo (Org). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. 1°ed. São Paulo: Boitempo, 2020.
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subutilizacao-e-de-28-0-no-trimestre-encerradoem-julho/. Acessado em: 28 mar.2022.
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Carta de Conjuntura. Brasília: IPEA, N. 53, 4°
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MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro 1. 1ª ed. Revista. São Paulo: Boitempo,
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OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista - O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2013.
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de agosto de 2016. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2016/08/24/a-terceirizacao-e-
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SÁ, Maria Elvira Rocha de.; NASCIMENTO, Nádia Socorro Fialho.; SILVA, Thais Sousa. Notas sobre
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Política Social e 14º Encontro Nacional de Política Social, v. 1, n. 1, 2019, Vitória (ES). Anais Eletrônico
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neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1995.
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UBER. Afinal, qual é a nota mínima exigida pela Uber? 2018. Disponível em: https://uberbra.com/
afinal-qual-e-a-nota-minima-exigida-pelauber/. Acesso em: 20 mai. 2020.
294
REFLEXÕES SOBRE OS IMPACTOS DA PRECARIZAÇÃO DA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL
1. INTRODUÇÃO
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A realização recente do 16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) “40 anos da
‘Virada’ do Serviço Social” em 2019 significou um marco para a profissão na atual quadra histórica.
Naquele momento, assistentes sociais de todos os estados brasileiros reuniram-se numa conjuntura
extremamente adversa e refletiram sobre pistas analíticas importantes para o futuro diante de
análises de conjuntura sobre os impactos econômicos, sociais e políticos para a profissão e para as
condições de vida e trabalho da classe trabalhadora mediante as investidas do projeto neoliberal,
conservador e de extrema direita no contexto de mundialização do capital.
Sabemos que após os 40 anos da virada, já acumulávamos subsídios reflexivos para disputar
a hegemonia do Projeto Ético-Político e do Projeto de Formação Profissional referenciado nas
Diretrizes Curriculares da ABEPSS. Por outro lado, ainda sem indícios dos desafios anunciados em
dezembro de 2019 e enfrentados no decorrer dos anos subsequentes no tocante a crise sanitária
e o cenário de pandemia de Covid-19, bem como os impactos de tais desafios para o processo de
flexibilização da formação profissional de novas gerações de assistentes sociais.
1 Projeto de pesquisa intitulado “Os Projetos de Formação Profissional em debate – uma análise das
tendências recentes para os programas de Pós-Graduação na área de Serviço Social” desenvolvido no processo de
doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Política Social (PPSPS/UnB).
295
No âmbito do Serviço Social, tais indagações estão relacionadas as possibilidades de
intervenções que possam ser críticas, criativas e propositivas, em detrimento dos desafios
historicamente presentes na profissão como o fatalismo, messianismo, tecnicismo, empirismo,
pragmatismo, teoricismo e a tendência a padronização de procedimentos em caráter de manuais
etc. Isto porque adquirem escopo setores da categoria profissional que passam a endossar a atuação
do Serviço Social clínico, a atuação orientada pelo assistencialismo, pela lógica do mérito, de viés
terapêutico e/ou psicologizante como expressão do avanço do conservadorismo na profissão.
(GUERRA, 2019; MOTA, AMARAL, 2016).
Esse cenário nos indica uma questão complexa, pois tratar dos fundamentos da formação
crítica em Serviço Social significa tratar de elementos da história, da teoria e de método. Não na
perspectiva de uma tricotomia história/ teoria/ método, como alerta Guerra (2019). E sim, na
perspectiva dialética e da totalidade histórica conforme indicado nas Diretrizes Curriculares da
ABEPSS de 1996.
Tais núcleos constituem e estão constituídos pelos fundamentos do Serviço Social (ABEPSS/
CEDEPSS, 1996). Partimos do pressuposto que história, teoria e método devem constituir
pressupostos que perpassam todo o processo formativo. Portanto, propõe-se revisitar com
densidade e rigor o debate sobre o projeto de formação profissional nas suas dimensões históricas,
teóricas e metodológicas, situando o Serviço Social na história, no processo de reprodução das
relações sociais (MOTA; AMARAL, 2016; GUERRA et al., 2019).
Ainda que o debate sobre os fundamentos no Serviço Social adquirem destaque com o
currículo de 1982 (GUERRA, 2019), considera-se que esse estudo exige aproximações sucessivas
com a natureza da profissão na sua gênese, os determinantes para sua criação e institucionalização
no contexto da industrialização, a constituição das principais matrizes do pensamento social e os
referenciais orientadores e as tendências contemporâneas, que serão necessárias para apreender
as transformações e revisões críticas construídas coletivamente no século XX e XXI (MOTA, AMARAL,
2016; YAZBEK, 2019).
296
Pensando nas suas inflexões atuais, desafios históricos permanecem no decorrer da
formação sócio-histórica brasileira que constituíram as raízes profundas expressas nas amarras do
capitalismo dependente, no racismo estrutural, nas relações desiguais de gênero e seus impactos
para os processos de exploração e opressão da classe trabalhadora.
297
O desmonte das políticas sociais vem acompanhado de incidências, refrações e
consequências para a formação, para as condições éticas, técnicas de trabalho, para a produção de
conhecimento, para as apreensões das competências profissionais e atribuições privativas e para
a organização política de assistentes sociais (MOTA, AMARAL, 2016), e mais recentemente com o
redimensionamento das condições de trabalho de assistentes sociais no contexto pandêmico com
desdobramentos no pós-pandemia.
Ainda que a adoção de tais medidas foram ampliadas no contexto de emergência em saúde
pública com um caráter emergencial e provisório, destaca-se a preocupação com os precedentes
para a flexibilização (leia-se precarização) e redução dos cursos presenciais, aliada a expansão do
uso das TICs e de cursos na modalidade EAD nas instituições públicas. Observa-se que até 2020 as
modalidades de ensino de forma híbrida e/ou remota nos cursos de Serviço Social estão presentes
de forma hegemônica nas instituições privadas. Com o advento da pandemia de Covid-19, os cursos
de Serviço Social das Universidades públicas passam a implementar as alternativas de flexibilização
em caráter emergencial (ABEPSS, 2022).
Assim, a atual quadra histórica inicia nos desafiando a revisitar e adensar a crítica ao projeto
de educação hegemônico, a mercantilização da educação superior e seu aligeiramento. Assim,
não há como considerar os impactos para a formação de forma descolada das transformações
na organização e gestão da produção e do trabalho no contexto da mundialização do capital.
Bem como, as consequências para os(as) trabalhadores(as) como a flexibilização das relações de
trabalho, e a intensificação do trabalho diante da diversidade de vínculos que incidem no trabalho
temporário, subcontratado, terceirizado e o desemprego estrutural (ANTUNES, 2020).
O cenário desenhado a partir dos anos 1990, adquire contornos inéditos e inacreditáveis
nos desenrolar dos anos 2000 até o presente ano, com impactos dramáticos para a formação e para
o trabalho profissional, diante do fortalecimento de perspectivas ecléticas, neoconservadoras, pós-
modernas, e a dimensão sincrética do Serviço Social (MOTA, AMARAL, 2016).
298
O monitoramento da Graduação e Pós-graduação realizado pela ABEPSS (2022) reitera
os impactos do Ensino Remoto Emergencial (ERE) para o avanço da precarização da formação
profissional, elencando tanto desafios no acesso aos meios, tanto âmbito da qualidade da formação.
Umas das questões discutidas que chama a atenção refere-se ao acesso à educação
superior e a adoção de ambientes virtuais interativos, dinâmicos e coletivos como estratégias de
comunicação e linguagem, orientados pelo argumento de democratização do acesso e socialização
de conhecimentos. A intenção de retratar essa tendência não pode ser confundida com a negação
das contribuições da tecnologia.
Destaca-se a relevância do uso pedagógico das tecnologias diante das possíveis contribuições
acerca do aprendizado por meios dos fóruns virtuais, da possibilidade de encontros síncronos e
assíncronos, na interlocução entre profissionais e pesquisadores de diferentes locais, universidades
e demais instituições.
O que buscou-se alertar é sobre a finalidade e direção das ações desempenhadas no espaço
das mídias sociais, pois o uso das referidas plataformas não se traduz necessariamente na qualidade
teórico-metodológica no processo de ensino-aprendizagem e nem determina a direção social de
tais ações, sendo necessário problematizar a apropriação dessas ferramentas e seus respectivos
conteúdos de forma político-pedagógica e popular. Especialmente em países tão desiguais como o
Brasil que convivem com um padrão dependente educacional (DAHMER, 2018).
Assim, preocupa-nos a “[...] nova geração de assistentes sociais que se afasta, cada vez
mais, das diretrizes curriculares da profissão [...]” (MOTA, AMARAL, 2016, p. 44). Da mesma forma,
os(as)profissionais enfrentam tais desafios juntamente a redução de estratégias de formação à
oferta de capacitação institucional que se expressa de maneira insuficiente no âmbito da forma
299
e do conteúdo, desqualificada, despolitizada e voltada exclusivamente para a dimensão técnica
diante das exigências e necessidades reais de qualificação (CFESS, 2012).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ABESS/CEDEPSS. Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social: com base no currículo mínimo
aprovado em Assembleia Geral extraordinária de 8 de novembro de 1996. In: Cadernos ABESS, nº
7. Rio de Janeiro: Cortez, 1996.
ANTUNES, Ricardo (org). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. São Paulo: Boitempo, 2020.
DAHMER, Larissa. Expansão dos cursos públicos de Serviço Social entre os anos de 2003 e 2016:
desafios para a formação profissional. R. Katál., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 189-199, jan./abr. 2018.
300
MOTA, Ana Elizabete. AMARAL, Angela Santana do. Cenários, contradições e pelejas do serviço
scoial brasileiro / (org.). – São Paulo : Cortez, 2016.
301
REFLEXÕES ACERCA DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE
EM SAÚDE NO DISTRITO FEDERAL:
uma análise sob a perspectiva dos gestores em saúde da SES-DF
RESUMO
A presente pesquisa objetiva analisar, sob o olhar dos(as) gestores(as) de
saúde, os limites e as possibilidades da Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde (PNEPS), voltada aos(as) trabalhadores(as) da
Atenção Primária no Distrito Federal, considerando o que está previsto na
Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) e o Plano de
Educação Permanente em Saúde do Distrito Federal (PEPS-DF). Seus objetivos
específicos são: 1) Conhecer como está sendo implementada a Política de
Educação Permanente em Saúde no âmbito da Atenção Primária do Distrito
Federal; 2) Analisar como a PNEPS incide na formação de trabalhadores(as)
da Atenção Primária; 3) Identificar os limites e as possibilidades para a
efetivação da PNEPS na Atenção Primária no Distrito Federal. Trata-se de
uma pesquisa cuja abordagem é eminentemente qualitativa, na qual, para o
alcance da finalidade proposta, contou com pesquisas do tipo bibliográfica,
documental e de campo. A pesquisa bibliográfica foi realizada a partir das
seguintes categorias teóricas de análise: educação permanente em saúde,
trabalho e educação, atenção primária. A pesquisa documental, por sua
vez, se debruçou sob legislações, normativas, publicações institucionais,
bases de dados e de indicadores epidemiológicos, em nível nacional e local,
acerca da EPS e da saúde pública em geral. O campo empírico em que se
deu a coleta de dados foram os sete Núcleos de Educação Permanente
em Saúde (NEPS) da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Ao todo, o
Distrito Federal possui sete Regiões de Saúde (Centro-Sul, Leste, Sudoeste,
Central, Oeste, Sul e Norte), definidas a partir da territorialização da gestão
da saúde e organizadas, institucionalmente, em Superintendências. Os
resultados apontaram, dentre outros, para a existência de certa dificuldade,
por parte dos(as) gestores(as), em fornecer uma discussão substancial
sobre o tema da Educação Permanente, o que pode sugerir uma lacuna no
entendimento ou na capacidade de articular os conceitos sobre educação
permanente, educação continuada, educação formal e seus objetivos.
Ademais, a necessidade de superar questões estruturais, a falta de recursos
humanos, o baixo conhecimento sobre a Educação Permanente e, por fim, a
não incorporação/adoção pela SES dos princípios preconizados pela PNEPS
para a formação dos seus quadros e, consequentemente, o fortalecimento
do sistema de saúde, se colocam como fortes indicadores das configurações
atuais com que a saúde no Distrito Federal tem lidado com a temática da
educação permanente.
Palavras-chave: Educação Permanente; Política de Saúde; Trabalho;
Educação; Atenção Primária.
302
1. INTRODUÇÃO
Decorridas mais de três décadas desde a sua criação, o SUS atende mais de 190 milhões
de pessoas, sendo que 80% delas dependem, exclusivamente, dos serviços de saúde pelo mesmo
(Brasil, 2021). Esses serviços são regulamentados pela Lei n° 8.080/1990, que agrupa todas as ações
e serviços de saúde dispensados pelo poder público e pela iniciativa privada (Borges, 2021).
A Constituição Federal (CF), em seu artigo nº 196, reconhece “a saúde [como] direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação” (Brasil, 1988). O texto constitucional atribui ao SUS, ainda,
dentre outras, a função de coordenar, planejar, estruturar e sistematizar o processo formativo na
área da saúde. Desta feita, apresenta-se como atribuição finalística do SUS, por meio de políticas
específicas definidas para tal, garantir a formação de qualidade para os(as) trabalhadores(as) da
saúde a partir de referências que objetivem a implementação da educação permanente em todos
os níveis formativos, “[...] englobando conteúdos gerais e as especificidades locais, orientados pelos
princípios do SUS, da ética profissional, com ênfase na humanização das relações e do atendimento”
(Brasil, 2003, p. 129).
A questão que norteia a presente pesquisa tem como base a seguinte problematização:
sob a ótica dos(as) gestores(as), quais são os limites e as possibilidades da Política de Educação
Permanente em Saúde (PEPS) no que tange à sua implementação, à formação e à qualificação de
trabalhadores(as) da atenção primária no Distrito Federal?
303
2. A ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE E A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE NO
ÂMBITO DO DISTRITO FEDERAL
A Atenção Primária em Saúde, porta de entrada do sistema de saúde, tem sido reconhecida
como um pilar fundamental na promoção da saúde e prevenção de doenças em âmbito público
e coletivo (Paiva, 2021). Já a Política de Educação Permanente apresenta-se como abordagem
educativa que visa a formação e o aprimoramento das habilidades dos profissionais da saúde
(Lemos, 2016). No entanto, é necessário compreender a inter-relação entre essas duas esferas e
explorar estratégias eficazes para integrá-las de forma coesa, visando fortalecer o sistema de saúde
e garantir um modelo de atenção à saúde integral, humanizado que contemple a promoção, a
prevenção e a recuperação da saúde.
O sistema público de saúde é gerido pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal
(SES-DF), organizado em níveis de complexidade crescente e encontra-se dividido em regiões de
saúde. As regiões, sete ao todo, comportam diversos pontos de atenção à saúde, responsáveis por
atendimentos ambulatoriais, de internação, urgência e emergência e serviço de apoio diagnóstico.
São 177 Unidades Básicas de Saúde e 15 hospitais gerais, 02 hospitais especializados, 11 unidades
de pronto atendimento, além de outras unidades de saúde, como policlínicas, SAMU e centros
diagnósticos.
Em meados dos anos 2000, reorganiza-se a estrutura administrativa do setor saúde no DF,
o PSF é assumido como estratégia prioritária para promoção da saúde, prevenção de doenças e
assistência médica básica (Alves, 2022). Essa mudança reflete um movimento em direção a um
modelo de atenção primária mais abrangente e centrado no paciente, que visa não apenas tratar
doenças, mas também promover a saúde e prevenir agravos (Paim, 2012).
304
como um de seus principais desafios a necessidade de promover uma educação permanente aos
profissionais de saúde que tenha como base as particularidades das regiões de saúde e, assim, seja
capaz de viabilizar, de fato, mudanças no modelo de atenção, com atenção, sobretudo, nas redes
de atenção e na regionalização (GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL, 2019b).
305
Permanente no âmbito da Saúde objetiva superar contradições estruturantes que subordinam os
trabalhadores(as) às demandas do mercado e às condições precárias de trabalho.
Por fim, mas não menos importante, foi questionado aos(as) participantes da pesquisa
em pauta sobre a existência de alguma política institucional de estímulo à formação dos(as)
trabalhadores(as) ou se eles(as) têm conhecimento acerca de algum tipo de incentivo e/ou
fomento que incentive os(as) trabalhadores(as) da SES-DF a participarem de iniciativas de
educação permanente. As respostas apontaram para um entendimento restrito e limitado quanto
à concepção do que venha a ser uma política institucional de educação permanente, reduzindo-
na a um aspecto que, em geral, integra o chamado plano de cargos, carreiras e salários, o qual se
configura como um dispositivo de gestão de recursos humanos no âmbito da administração pública
que define as funções dos(as) servidores(as) públicos(as), bem como a promoção e/ou progressão
funcional. Confundir e/ou reduzir a educação permanente à retribuição por titulação, por exemplo,
como visualizado nas falas dos(as) entrevistados(as), implica no esvaziamento de todo o potencial
formativo e crítico da mesma, que se vê, por fim e ao cabo, ora vista como ações isoladas e pontuais
no ambiente institucional, ora confundida com iniciativas de natureza diversa do que se concebe,
teórica e politicamente, como educação permanente em saúde.
306
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Renata Rodrigues Rezende de. Movimentos e reflexões da Educação Permanente em
Saúde (EPS) no Distrito Federal: uma análise documental das práticas apresentadas na I Mostra de
Experiências Inovadoras no SUS/DF / Renata Rodrigues Rezende de Alencar, Tamara Correia Alves
Campos. – 2019.
ANJOS, Vera Lúcia Honório dos. A política de educação permanente em saúde no estado de Mato
Grosso sob a ótica dos gestores estaduais no período de 2017 a 2019. Orientador Cristiano Guedes
Souza. Brasília, 2022. 345 p. Tese (Doutorado em Política Social). Universidade de Brasília, 2022.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
307
tem produzido para o seu fortalecimento? / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho
e da Educação na Saúde, Departamento de Gestão da Educação em Saúde – 1. ed. rev. – Brasília:
Ministério da Saúde, 2018.
CARVALHO, Wania Maria do Espírito Santo e TEODORO, Maria Dilma Alves. Educação para os
profissionais de saúde: a experiência da Escola de Aperfeiçoamento do SUS no Distrito Federal,
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CECCIM, Ricardo Burg e FERLA, Alcindo Antônio. Educação Permanente em Saúde. Dicionário da
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Social, 2016. 156 p. Coleção Didática do Serviço Social.
LEMOS, Cristiane Lopes Simão. Educação Permanente em Saúde no Brasil: contribuição para a
compreensão e crítica. 1º ed. São Paulo: Hucitec, 2023. 164 p. Coleção Saúde em Debate.
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1104201711309. ISSN 2358-2898. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711309.
308
MESA 4: EXPLORAÇÃO E OPRESSÃO DO SEXO/
GÊNERO, RAÇA/ETNIA E SEXUALIDADE
Mesa 4
Exploração e Opressão
do Sexo/Gênero,
Raça/Etnia e
Sexualidade
POLÍTICA DE SAÚDE E COMUNIDADE QUILOMBOLA:
desigualdades no acesso à saúde
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
A saúde pública brasileira é marcada por muitas mobilizações, lutas e conquistas da classe
trabalhadora, por isso é um produto histórico. No século XVIII era baseada na filantropia e na
prática liberal. As primeiras manifestações do Estado se dão no século XX, com maior vigência na
década de 1930, entretanto, foi no final da década de 1970, com o processo de abertura política e,
depois, a redemocratização do Brasil, que surge um movimento significativo no campo da saúde,
que contou com a participação de diversos segmentos da sociedade, com o objetivo de discutir
sobre as condições de vida da população e propostas governamentais para o setor, o Movimento
de Reforma Sanitária (BRAVO; ANDREAZZI, 2017).
Esse movimento possibilitou que em 1988, com a Constituição Federal brasileira, tivéssemos
uma concepção de seguridade social como expressão dos direitos sociais abrangendo três políticas:
saúde, assistência social e previdência social. Desse modo, a política de saúde preconizada pelo
Movimento de Reforma Sanitária ganha concretude na maior e mais importante legislação do país,
tornando obrigatório que o Estado formule e implemente políticas econômicas e sociais com a
finalidade de melhorar as condições de vida e saúde dos vários grupos da população. Portanto,
o Sistema Único de Saúde (SUS) é resultado de luta histórica do Movimento da Reforma Sanitária
Brasileira foi e é inspirado em valores essenciais para construção de uma sociedade justa e igualitária.
310
310
Temos como fato concreto que o SUS possibilitou o aumento da população ao acesso
aos cuidados de saúde, trouxe muitos avanços e continua buscando cumprir seus princípios de
universalidade, igualdade, integralidade e equidade, bem como a oferta de serviços de qualidade.
Todavia, mesmo o SUS sendo pautado nesses princípios, trazendo importantes transformações e
avanços, não foram suficientes para implementar mecanismos de superação do racismo enfrentado
pela população quilombola no acesso à saúde. Podemos observar que há desigualdades geográficas
e sociais no acesso, utilização e qualidade dos serviços de saúde, principalmente quando realizamos
o recorte racial, pois pessoas negras, que são cotidianamente vulnerabilizadas nessa sociedade,
tendem a enfrentar maiores desigualdades (PEREIRA, 2016).
O fato histórico do Brasil ter sido o último país a abolir a escravidão, deixou marcas
profundas na sociedade brasileira. O regime escravagista brasileiro foi violento, como nos outros
países, com um processo de abolição lento, consolidando o preconceito e naturalizando a violência
e genocídio contra a população negra. De modo que a aguardada cidadania pós-abolição não
aconteceu, os ex-escravizados encontraram uma série de dificuldades para conseguir seus direitos
básicos (DOMINGUES, 2007, p. 120)
Silvio Almeida (2019, p. 25) entende o racismo como sendo “uma forma sistemática
de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas
conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a
depender do grupo racial ao qual pertençam”. Portanto, o racismo está presente em nossa vida
cotidiana em sociedade e quando falamos dele, estamos falando de poder, de dominação de um
grupo sobre o outro. O racismo é consequência da estruturação da nossa sociedade, está ligado à
311
311
nossa formação social e suas particularidades, não é algo patológico, se trata da normalidade em
que constituem as relações sociais nessa sociedade capitalista, por isso é estrutural.
O racismo enquanto processo histórico e político cria condições sociais que possibilita a
discriminação sistemática de grupos racialmente identificados, assim, o racismo é regra e não exceção
na nossa sociedade, onde a expressão concreta do racismo ocorre por meio das desigualdades
sociais, políticas, econômicas e jurídica (ALMEIDA, 2019). Por isso as desigualdades raciais não são
apenas frutos do sistema de escravidão, mas também do período posterior a abolição, onde se
substituiu a escravidão por um sistema de estratificação racial. Segundo Lélia Gonzalez (2018), o
racismo, entendido como uma construção ideológica e um conjunto de práticas, foi perpetuado e
reforçado após a abolição da escravatura, beneficiando interesses específicos. Uma das heranças
deixadas pelo sistema escravagista foi a distribuição geográfica da população negra em regiões
periféricas, com baixo nível de desenvolvimento social e econômico, situação que perdura até os
dias atuais.
De modo geral, o que vemos é que a população negra continua ocupando as posições de
desvantagens na sociedade, sem ter acesso as riquezas construídas coletivamente, do país que
construiu. Essa situação nos mostra que as minorias raciais, nas relações de produção capitalistas
dominantes, em sociedades multirraciais não estão excluídas, ocupam um determinado papel, o
de ser superexplorado.
312
312
precarização de suas condições de vida, trabalho e saúde.
Estimativas realizadas pelo Programa Brasil Quilombola (Brasil, 2012) indicam que a
maioria dos quilombolas vivem em áreas rurais, em situação de extrema pobreza, com baixo
nível de instrução escolar e recebem algum auxílio do governo federal. Muitos estudos ratificam
esses apontamentos, bem como acrescentam questões relacionadas as precárias condições de
sanitárias (BEZERRA ET AL. 2014). Esse contexto nos mostra que as condições precárias de acesso
a bens públicos e saneamento básico vivenciadas pelos quilombolas intervém nos indicadores
relacionados ao adoecimento e mortalidade, apontando para a existência de iniquidades raciais e
de classe em saúde, pois os lugares em que as populações quilombolas residem são, quase sempre,
marginalizados pelo poder público e algumas vezes questionados por grupos que possuem maior
poder e legitimidade, ligados ao Estado burguês.
Esse cenário nos mostra que a garantia do direito ao acesso a saúde pelas populações
quilombolas continuam sendo constantemente negligenciado e/ou negado, agravando as
desigualdades. Por isso, ao falarmos sobre a utilização dos serviços de saúde pelos quilombolas no
Brasil, se expõem um cenário que envolve vulnerabilidades à resistência história, étnica e cultural
de um grupo populacional marcado historicamente por preconceitos, discriminações, injustiças,
desigualdades e iniquidades, excluindo essa população das melhores oportunidades e condições de
vida (VIEIRA; MONTEIRO, 2013). Isso significa dizer que historicamente as comunidades quilombolas
são expostas a várias condições que dificultam o acesso aos serviços de saúde (PEREIRA; MUSSI,
2020, p. 295-296).
4. ESTADO E RACISMO
O cenário exposto nos tópicos anteriores só é possível graças à atuação do Estado no sistema
capitalista. Assim é fundamental que abordemos a relação Estado e racismo na sociedade brasileira.
313
313
De acordo com Rocha (2020), as relações estruturais no Estado Burguês estão fundamentadas
na propriedade privada, na exploração da mais-valia e no acúmulo de capital. Compondo esse
processo, temos como fato que a escravidão revela que o racismo e o capitalismo sempre
estiveram interligados (ROCHA, 2020), pois simultaneamente ao processo de solidificação do modo
de produção capitalista ocorria a escravidão, sendo o racismo um pilar essencial para justificar a
superexploração do povo negro.
A vista disso, o Estado burguês é o que possibilita a articulação da rede de poderes, que
perpassam todos os níveis da sociedade, influenciando diretamente nas relações étnico-raciais, uma
vez que a população negra e população branca possuem relações de poder político e econômicos
desiguais, o que, por conseguinte, interfere nas condições de vida e saúde das populações (SANTOS,
2019), assim, as relações étnicas também são relações de poder, dominação e exploração.
Assim, a população negra historicamente tem sua existência marcada por um processo
de genocídio e/ou subalternização continuo, onde o Estado tem um papel fundamental para
possibilitar o extermínio da população negra, seja por meio de seu aparato repressivo organizado
(força policial, sistema judiciário e prisional), seja por omissão intencional, uma vez que sua atuação
está direcionada para a manutenção das desigualdades oriundas desde o escravismo, que mantem
a população negra nas condições precárias de reprodução social da vida (SANTOS, 2019).
5. CONCLUSÃO
314
314
populacionais. As desigualdades em saúde não são somente resultados das desigualdades nas
ações de atenção e na distribuição de recursos, mas também do racismo que colabora para que a
população negra, sobretudo a quilombola, sejam as mais afetadas pelas desigualdades em saúde.
Por isso argumentamos que as injustiças e desigualdades na saúde e na sociedade ocorrem de
forma interseccional, impactando no acesso aos serviços de saúde pelos segmentos que vivenciam
opressões.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRAVO, Maria Inês Souza; ANDREAZZI, Maria de Fátima Siliansky; MENEZES, Juliana Souza Bravo
de. As lutas pela saúde nos anos 2000: A participação da Frente Nacional Contra A Privatização Da
Saúde. In: SILVA, Alessandra Ximenes da; NOBREGA, Mônica Barros da; MATHIAS, Thaísa Simplício
Carneiro (Organizadoras). Contrarreforma, Intelectuais e Serviço Social: As inflexões na Política de
Saúde. João Pessoa (PB): UFPB, 2017. E-book. P. 157-175.
GONZALEZ, Lélia. Primavera para as Rosas Negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa.
Coletânea Organizada e editada pela União dos Coletivos Pan-Africanistas (UCPA). Diáspora
Africana, 2018.
315
315
PEREIRA, L. L. Repercussões do Programa Mais Médicos em comunidades rurais e quilombolas.
2016. 250f. 2016. Tese de Doutorado. Tese (Doutorado em Ciências da Saúde)-Universidade de
Brasília, Brasília. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/21281. Acesso em: 05 de
mar. de 2022
PEREIRA, Rosilene das Neves; MUSSI, Ricardo Frankllin de Freitas. Acesso e utilização dos serviços
de saúde da população negra quilombola: uma análise bibliográfica. Odeere, v. 5, n. 10, p. 280-
303, 2020. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7883161. Acesso em:
01 de set. de 2021
SANTOS, Tainara Cristina. Estado, racismo e genocídio: imobilização social da população negra
como mecanismo de genocídio. Trabalho de conclusão de Curso, Universidade Federal de Santa
Catarina, 2019.
VIEIRA, Ana Beatriz Duarte; MONTEIRO, Pedro Sadi. Comunidade quilombola: análise do problema
persistente do acesso à saúde, sob o enfoque da Bioética de Intervenção. Saúde em Debate, v. 37,
p. 610-618, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/GwYSxxVb5DCDkyrXhSxW4JG/?la
ng=pt . Acesso em: 05 de set. de 2021.
316
316
CONSIDERAÇÕES SOBRE A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO DEBATE DA ALIENAÇÃO PARENTAL
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
Este artigo discute e problematiza o fenômeno da alienação parental enquanto uma categoria
de estudo e expressão da questão social. Por se tratar de uma temática cada vez mais crescente
na atualidade, a alienação parental vem sendo interpretada sob diferentes análises, desafiando
estudiosos e profissionais que atuam com esta demanda. Assim, implicou-se a necessidade de
problematizá-la a partir de seu caráter sócio-histórico e como campo de atuação do(a) assistente
social.
Nesse cenário que almeja a proteção, foi promulgada a Lei nº 12.318, de 26 de agosto de
2010, que trata sobre a alienação parental, tornando-a prática condenável no âmbito constitucional
(Brasil, 2010). Após 13 anos de sua promulgação, é possível observar as polêmicas em torno da
normativa, amplamente utilizada em diversos processos que envolvem crianças, adolescentes
e suas famílias. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (Curso [...], 2019), os tribunais
brasileiros registraram, somente no ano de 2018, 3,8 mil processos de alienação parental.
317
317
Rocha (2018) aponta a importância de compreender quem é a família que vivencia o
processo de alienação parental, considerando as mudanças ocorridas nas famílias brasileiras e
como isso tem afetado as relações parentais e o rompimento conjugal. Para Fávero (2011, p. 141),
a alienação parental “[...] envolve a formação, na criança, de uma imagem negativa do genitor não
guardião, geralmente pelo genitor que está com a sua guarda em um processo de separação”.
A Lei nº 12.318 define que, nos processos que envolvam situações de alienação parental,
deve haver a atuação das equipes técnicas do judiciário, sendo elas compostas por assistentes
sociais e psicólogos
O termo “alienação parental” teve origem na década de 1980 nos Estados Unidos da
América (EUA), quando o psiquiatra Dr. Richard Gardner a definiu como Síndrome da Alienação
Parental (SAP). De maneira geral, Gardner (2002) defende a ideia de que a alienação parental
ocorre nos casos de separação litigiosa em que o detentor da guarda dificulta o relacionamento
com o familiar que não possui a guarda. Esse movimento ocorre por meio da implantação de falsas
memórias por parte do familiar que detém a guarda, o que promove uma difamação contra o
outro responsável pela criança ou adolescente com objetivo de afastar o familiar não detentor da
guarda. Essa campanha de afastamento é classificada como alienação parental e os danos causados
à criança ou ao adolescente se configuram como SAP.
No Brasil, o termo ganhou popularidade em 2010 com a promulgação da Lei nº 12.318, que
prevê sanções a familiares que cometem alienação parental. Entre aparência e essência, a lei, que
em um primeiro momento aparenta garantir o direito de crianças e adolescentes à convivência
familiar e comunitária, é envolta por controvérsias quando aplicada. Em sua essência, trata-se de
uma norma com evidente viés de gênero, tendo em vista que, no Brasil, nos casos de divórcio,
na maioria das vezes, a familiar que detém a guarda é a mulher, ou seja, a suposta alienadora. É
também identificado o uso equivocado dessa Lei nas situações de violência contra a mulher ou
violência sexual, quando o agressor utiliza a lei como argumento para não se afastar da vítima.
No que diz respeito ao Serviço Social, Rocha (2018) sinaliza que a alienação parental é um
assunto pouco discutido e chama atenção sobre a importância dos profissionais se apropriarem da
temática por essa ser uma demanda cada vez mais frequente no cotidiano de trabalho.
318
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3. ANÁLISE SOBRE O DEBATE MIDIÁTICO DA ALIENAÇÃO PARENTAL
Fonte: Estudo documental realizado pelas autoras com base nos dados públicos do site www.rede-
globo.globo.com (2023).
319
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Gráfico 2 – Conteúdos abordados nas reportagens (2019- 2020)
Fonte: Estudo documental realizado pelas autoras com base nos dados públicos do site www.
redeglobo.globo.com (2023).
Gráfico 3 – Conteúdos abordados nas reportagens no período de 2009, 2010, 2011, 2019 e 2020
Fonte: Estudo documental realizado pelas autoras com base nos dados públicos do site www.
redeglobo.globo.com (2023).
320
320
parte delas (51%) abordava aspectos como formas de se identificar a alienação parental, tanto
pelos envolvidos quanto pela justiça; atitudes a serem tomadas nas situações que envolvem a
alienação parental; respostas a dúvidas sobre o tema.
Além disso, ainda com base nos gráficos, foram localizadas seis reportagens relacionadas,
especificamente, à Lei da Alienação Parental, com comentários de especialistas e divulgação de
eventos sobre o tema. Verifica-se, assim, uma demanda para entender a problemática, ou melhor,
uma crescente busca pelo tema.
O que se pretende aqui é evidenciar a condução das discussões sobre a alienação parental
pelos meios de comunicação e a forma como esses conteúdos podem influenciar a opinião pública
ao associar a alienação parental enquanto uma perspectiva de elencar culpados, de criminalização
de condutas.
Uma das reportagens chama a atenção para o crescente aumento do número de casos
de processos registrados no Tribunal de Justiça do Estado São Paulo, no Fórum de Campinas. A
média é de um caso de alienação parental por dia. Nota-se, no levantamento, que a maioria das
reportagens trazem informações sobre a identificação das situações de alienação parental. A
maioria das discussões é feita por advogados e algumas reportagens são apresentados relatos de
psicólogos. Não foram localizadas reportagens em que o entrevistado fosse o(a) assistente social. A
esse respeito, cabe uma reflexão dos seguintes autores:
321
321
também pelo conteúdo das posições defendidas) não abre espaço para
opiniões e análises de assistentes sociais. No entanto, outras categorias
são procuradas para se manifestarem sobre questões de fundo social, de
ausência de políticas públicas, de análise dos impactos gerados pela evolução
da sociedade capitalista (Ruiz; Contente, 2009, p. 399-400).
Sem dúvidas, o entendimento do(a) assistente social frente a essa questão e sua
interferência nos fenômenos sociais como, por exemplo, na alienação parental, contribuem para
que essas questões sejam entendidas a partir da totalidade social. Tal fato representa um ganho no
conhecimento acerca da alienação parental. É preciso problematizar o fenômeno, massificá-lo para
entendimento da sociedade, incluindo as famílias da periferia, nas quais crianças e adolescentes
têm um existir voltado para uma sociabilidade mais dura. Além disso, urge um olhar mais voltado
para questões da sobrevivência e do trabalho, e menos para educação e afeto. Fica evidente a
importância do entendimento de que existem infâncias e adolescências a partir da realidade social
em que estes sujeitos estão inseridos (Sherer, 2023).
Por outro lado, é importante ressaltar o aumento de casos de alienação parental na pandemia
de COVID-19, como retrata uma das reportagens, devido às inúmeras mudanças provocadas na
vida dos sujeitos durante a pandemia que repercutiram nas relações familiares. Ainda sobre esse
período histórico recente, a respeito da comunicação, é importante salientar a ampla disseminação
de falsas notícias sobre a ineficácia das vacinas e do isolamento social. A conjuntura política da
época contribuiu para “[...] a paradoxal situação de que as pessoas já não acreditam em nada e ao
mesmo tempo são capazes de acreditarem em qualquer coisa” (Grijelmo, 2017, p. 1).
A Lei que trata da alienação parental tem a intenção de coibir essa situação, tendo em vista
os efeitos danosos que essa prática pode provocar na vida de crianças e adolescentes. Porém,
somente quatro reportagens abordavam a Lei na perspectiva de garantir direitos de crianças e ou
adolescentes. Assim, de maneira geral, foi possível verificar que o enfoque das reportagens está em
divulgar a lei, sem aprofundar o debate com a sociedade em geral.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, uma das principais formas de lazer e acesso a informações da classe trabalhadora
são os programas televisivos. Após o final de mais um dia de venda da força de trabalho, o que
se quer é chegar em casa e buscar uma falsa distração por meio de um “mundo manipulador;
fantasioso; individual; sensacionalista”: a televisão. A mídia televisiva, por meio de programas,
novelas e noticiários, ditam modas, tendências e também podem manipular a realidade e a opinião
pública. Nessa conjuntura, manifestações de interesse ou indiferença sobre determinada questão
são regulados de acordo com objetivos do grande capital.
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p. 25). Além disso, é possível observar que tais reflexões podem contribuir para que essa situação
seja apreendida pelos profissionais como uma questão que necessita da análise de determinantes
sócio-históricos que perpassam as relações sociais.
Ainda no que tange ao Serviço Social enquanto compromisso com a classe trabalhadora,
é imperioso fortalecer o debate sobre a regulação dos meios de comunicação. Trata-se de uma
discussão impregnada de equívocos associados à censura. A regulação dos meios de comunicação
não proibirá ou impedirá a divulgação de notícias, mas pode estabelecer regras para maior
socialização de grupos por meio da mídia, como também a possibilidade de contestação do público.
É necessário, hoje, repensar a mídia e buscar formas democráticas de efetivar a regulação, o que
consequentemente irá conter a lógica de acumulação capitalista que atualmente tem papel de
destaque nos meios de comunicação (Leal Filho, 2018).
Para além disso, é preciso ressaltar os impactos que serão ocasionados na saúde física e
mental de crianças, adolescentes e familiares em vez de se buscar a dualidade, o bem ou o mal, de
uma questão tão complexa, e se necessário acionar, por meio do sistema de garantia de direitos,
o acolhimento das demandas dessas famílias em uma perspectiva de totalidade que envolve esses
conflitos para, portanto, evitar que os desdobramentos na aplicação da lei provoquem violações
de direito.
Por fim, é preciso registrar que este estudo não se esgota neste artigo, mas indica vários
aspectos que podem ser aprofundados em pesquisas relacionadas ao tema, dos quais destacam-se:
Ressaltamos que várias reflexões ainda poderão surgir com a retomada das discussões a
respeito da mídia, do Serviço Social e da alienação parental. Espera-se que o artigo possa contribuir
para o avanço das discussões sobre o tema.
REFERÊNCIAS
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DF: Senado Federal, 1990.
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o art. 236 da Lei nº 8069, de 13 de junho de 1990. Brasília, DF: Senado Federal, 2010.
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REDE GLOBO. Pesquisa [alienção parental]. Site Rede Globo de TV. Disponível em: redeglobo.globo.
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RUIZ, J. L. S.; CONTENTE, C. Visibilidade do serviço social no século XXI: uma das estratégias para
consolidação do projeto ético-político profissional. In: SALES, M. A.; RUIZ, J. L. S. Mídia, questão
social e serviço social. São Paulo: Cortez Editora, 2009.
SALES, M. A.; RUIZ, J. L. S. Mídia, questão social e serviço social. 2. ed. São Paul: Cortez Editora,
2009.
SHERER, G. A. Bases conceituais de infâncias, adolescências e juventudes – uma análise por meio
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da teoria crítica dos direitos humanos. Material didático. Mimeo. Disciplina Direitos Humanos e
Proteção Social nas perspectivas das infâncias, adolescências e juventudes. Programa de Pós-
graduação em Serviço Social, UNESP, Franca, 2023.
SOUZA, A. M.; BRITO, L. M. T. Síndrome de alienação parental: da teoria norte-americana à nova lei
brasileira. Revista Psicologia: ciência e profissão, Brasília, v. 31, n. 2, p. 268-283, 2011.
325
325
POLÍTICAS SOCIAIS DE SAÚDE E SOCIOEDUCATIVA:
Determinações do Racismo
Em uma primeira aproximação de análise das políticas sociais de saúde, bem como
socioeducativa1, em sua definição técnico-operativa (PEREIRA, 1987), identificamos sua função de
atendimento à criança e ao adolescente e de proteção integral de seus direitos, dentro do chamado
Sistema de Garantia de Direitos - SGD.
Assim, em sua dimensão mais aparente, a política socioeducativa deve seguir princípios e
diretrizes, previstos especialmente no ECA e na lei nº 12.594/2012 (BRASIL, 2012), a qual institui o
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE e regulamenta o processo de apuração,
aplicação e execução das MSE. A referida lei indica, entre outros aspectos, em seu artigo 8º a
obrigatoriedade de previsão de ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social,
cultura, capacitação para o trabalho e esporte, para os/as adolescentes e jovens atendidos/as.
Para o presente trabalho, destacamos a política social de saúde, que em sua dimensão mais
aparente de planejamento e normatividade, prevê como paradigma o conceito de saúde ampliada
contemplando seus diversos aspectos, conforme postula a Política Nacional de Atenção Integral
à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei - PNAISARI (BRASIL, 2021). Dessa maneira, a
PNAISARI considera que a garantia à saúde integral desse público, vai além da perspectiva estrita do
adoecimento e seus sintomas isolados, devendo contemplar os determinantes sociais e os modos
de vidas desses sujeitos, na busca do completo bem-estar físico, mental e social.
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No que concerne especificamente à saúde mental, importa mencionar a Lei 10.216/2001,
conhecida com Lei da Reforma Psiquiátrica, (BRASIL, 2001) que vai trazer novos paradigmas para a
garantia do direito e atenção em saúde mental, calcados no princípio do cuidado em liberdade e no
território, articulados nas lutas dos movimentos pela Reforma Sanitária e pela Luta Antimanicomial.
Nesse contexto, a Lei de Drogas brasileira, Lei 11.343/2006 (BRASIL, 2006), não determina
critérios claros e objetivos para diferenciar tráfico e uso, ficando à mercê dos atos discricionários
da abordagem policial e das decisões judiciais, conforme prevê o parágrafo 2º do art. 28 da Lei de
Drogas
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É ilustrativa do funcionamento da política social de saúde no DF a pesquisa em andamento
realizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios - MPDFT (2022) “Análise
da Implementação da Política de Saúde Mental no Distrito Federal: os Centros de Atenção
Psicossociais (Caps)”, que tem identificado déficit no atendimento à saúde mental, com destaque
para a inadequação da capacidade de atendimento ao tamanho da população, a falta de recursos
humanos para atendimento multidisciplinar, e a atuação de algumas unidades de Caps em mais
de uma região de saúde atendendo a uma população superior a sua capacidade de atendimento,
comprometendo a qualidade e a eficiência dos serviços e dificultando o acesso dos/as usuários/as..
Não sendo possível captar a política social objetivamente em sua inteireza, é necessária
a análise crítica de sua processualidade, buscando inferências mais compatíveis com suas
propriedades essenciais do que esquemas explicativos formais, que residam unicamente em suas
expressões aparentes (PEREIRA, 1987).
Assim, conforme postulado por György Lukács (apud FORTES, 2011), na compreensão da
totalidade do ser social está o entendimento que esta totalidade é determinada como um complexo
de complexos dinâmicos e heterogêneos. Então as relações que compõem a rica totalidade do
ser social serão mediadas e estruturadas dialeticamente por outras relações. Aqui destacamos
o racismo enquanto estrutura que determina a realidade social, e, portanto, um complexo que
compõe a realidade complexa.
Nesse sentido, para a compreensão e análise das políticas sociais, entende-se a importância
de realizar a leitura dessa realidade também a partir da perspectiva da decolonialidade, com
narrativas contra-hegemônicas, que são usualmente subalternizadas no processo de compreensão
da realidade e da história (ORTEGAL, 2019). Concordamos com o autor ao dizer que a colonialidade
se perpetua até hoje e formata o conhecimento em circulação, seja ele crítico ou não. Na contramão,
a decolonialidade se compromete com os subalternizados, seus saberes e seus referenciais.
Propomos que essa análise deve necessariamente partir do entendimento de que o racismo
enquanto estrutura que configura, determina e integra a organização econômica e política da
sociedade (ALMEIDA, 2019), vai fornecer o sentido, a lógica e a tecnologia para o funcionamento
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das políticas sociais em questão. É por meio da categoria raça que se vai naturalizar e legitimar
a desigualdade do acesso aos direitos sociais (privilégio de pessoas brancas), a segregação e o
genocídio de grupos sociologicamente considerados minoritários (pessoas não brancas) (ibid).
Todo esse movimento será legitimado e reproduzido pelo Estado, inclusive pela configuração das
políticas sociais, uma vez que “a discriminação tem como requisito fundamental o poder [...]” (p.
26).
O conceito de “raça” aqui compreendido se baseia nos estudos de Ortegal (2019) e Almeida
(2019). Assim, a entendemos não como dado biológico, mas como componente mediador das
relações sociais, cuja dinâmica pode variar de acordo com cada contexto geográfico, histórico e
cultural:
[...] ainda que não possua fundamento material stricto sensu, a diferença
racial permanece capaz de operar, por meio de seu aspecto epistemológico
e supostamente reflexivo, como ideologia. Em outras palavras, embora não
possua validade como fato biológico, a ideia da existência de diferenças
raciais continua a ser reproduzida socialmente como crença e como elemento
mediador das relações sociais, servindo como ferramenta de reprodução de
violência e poder. (ORTEGAL, 2019, p. 75)
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como sujeitos ativos e construtores de suas histórias e trajetórias. O desafio está na escuta das
estratégias desenvolvidas em suas sociabilidades, em busca do sentimento de pertencimento
social e ao território, da construção de identidade e do acesso a experiências de autoafirmação
(FERREIRA, 2021). Essa é a perspectiva que norteia o desenvolvimento da pesquisa que se busca
desenvolver, ao se propor ouvir socioeducandos/as do meio aberto do DF. Com tal intencionalidade
pretendemos ir na contramão do modo com que a branquitude tem hegemonizado pesquisas no
campo das Ciências Sociais, conforme aponta Ortegal (2019):
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro, Pólen, 2019
BEHRING, Elaine e BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: Fundamentos e História. São Paulo, Cortez,
5a. Ed., 2008. (cap. 1. p. 25 a 46)
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______. Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
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______. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre
Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de
usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e
ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Presidência da República. Brasília,
DF: 2006. Disponível: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.
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330
330
______. Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a
adolescente que pratique ato infracional. Casa civil. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.
Brasília, DF: 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/
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mais influentes. p.37-72. In: Crítica marxista da teoria e da prática da política social no capitalismo
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em Sociologia / Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, 1987
VISCONTI, Gabriel Santos Elias e Harumi (coord.). PBPD. Plataforma Brasileira de Política de Drogas.
Droga é caso de política. S/L: PBPD, 2018. Disponível em: <https://pbpd.org.br/publicacao/guia-de-
bolso-para-debates-sobre-politica-de-drogas/>. Acesso em: 26 set. 2023
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ANÁLISE DAS VIOLAÇÕES DOS DIREITOS INDÍGENAS EM CONTEXTO DE DESINFORMAÇÃO E
OFENSIVA CONSERVADORA - 2016 A 2022
RESUMO
Este trabalho é fruto de breves reflexões realizadas sob a ótica da organização política
indígena, acerca das nuances que perpassam o âmbito dos direitos indígenas no Brasil, entendendo
os desdobramentos e narrativas apresentadas pelo Estado Brasileiro a partir da divulgação em
massa de desinformações vivências e amparadas pelo Governo de Michel Temer e Jair Messias
Bolsonaro (2016 e 2022).
A relação dos povos indígenas com o Estado brasileiro se constituiu conflituosa no que diz
respeito à violação de seus direitos, no entanto, a auto-organização coletiva desses povos firmou
um longo processo de resistência e protagonismo no decorrer do contexto colonial, imperial e
republicano no sentido de combater retrocessos que perpassam o bojo dos direitos territoriais,
individuais, coletivos e garantia das especificidades étnicas “Há cinquenta anos não se fala mais
oficialmente nos direitos históricos dos índios. Instalou-se no senso comum a ideia de que os índios
gozam de privilégios (e não de direitos) porque – e enquanto – não chegaram (ainda) à civilização”.
(CUNHA, 2017, p. 259).
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Em 1910, foi instituído o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), primeiro órgão estatal criado para
estabelecer a relação entre os aparelhos de poder e povos indígenas, “Art. 2, §3 – Pôr em prática
os meios mais eficazes para evitar que os civilizados invadam terras dos índios e reciprocamente
(Decreto 8.072 de 20 de junho de 1910)”, sendo extinto em 1966 por envolvimento em escândalos
por corrupção.
Em 1967 o SPI é substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) que surgiu enfatizando
a lógica tutelar. A exploração intensificada do território nacional foi o impulso para o genocídio
indígena ocorrido no contexto do regime militar (1964 a 1985).
Em 1973 o Estatuto do Índio foi regulamentado sendo considerado para aquele momento
um avanço legislativo, marcando de forma inédita como uma legislação específica que trouxesse
respostas aos desafios da política social referente a identidade, educação, cultura, saúde e terras.
No entanto, o documento deixou lacunas que, posteriormente, em 1988 foram sanadas pela
Constituição Federativa do Brasil (CF), constituindo-se o grande marco legislativo responsável pelo
reconhecimento das especificidades indígenas na contemporaneidade.
Mandel (1982), em sua obra “O Capitalismo Tardio”, propõe que o capitalismo tardio é uma
fase do capitalismo que ocorre em um contexto de globalização, no qual as fronteiras econômicas se
tornam menos importantes e a interconexão entre os países é mais pronunciada. Segundo Mandel,
o período pós-guerra testemunhou uma industrialização generalizada universal, impulsionada pela
terceira revolução tecnológica, esse processo transformou a ciência e a tecnologia em um comércio
lucrativo a fim de atender à lógica do mercado.
A criação da tecnologia televisiva e o do rádio a partir do século XX, contribuiu para a evolução
de informações, trazendo assim notícias falsas ou mal-intencionadas, porém esse fenômeno não é
novo, visto que a disseminação de informações foi ampliada com a criação da imprensa em 1493.
Assim, a categoria a ser utilizada neste artigo será a expressão “desinformação” e não
“fake news”, considerando o conceito de desinformação como informação falsa, compartilhada
com a intenção de causar danos, cultivando divisão sociocultural, disseminação de informações
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caluniosas que desaguam, no caso dos direitos indígenas, em graves tensões étnicas e negligência
de seus direitos.
Bolsonaro, em fevereiro de 2018 antes de ser eleito endossa “índio é nosso irmão, quer ser
reintegrado à sociedade [...]. Índio já tem terra demais [...]”, reforçando uma ideologia abordada
pelo Estado em tempos imperialistas. Em seguida, se lança candidato à presidência com o lema
“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” e a vence com largo apoio das forças armadas, dos
ruralistas e dos evangélicos reacionários.
Tal estratégia fica nítida quando em 24/07/19 Bolsonaro convida Ysani Kalapalo2 para fazer a
leitura de uma carta na 74º Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em Nova York, o documento
remetia à declaração de agricultores indígenas que o apoiavam. No entanto, foi publicada uma
nota dos 16 maiores povos indígenas do Xingu repudiando intenção do Governo de incluir Ysani
Kalapalo na delegação oficial do Brasil sem consulta prévia às lideranças do movimento indígena
“Não aceitamos e nunca aceitaremos que o governo brasileiro indique por conta própria nossa
representação indígena sem nos consultar através de nossas organizações e lideranças” (G1, 2019).
Após um ano deste episódio, Ysani Kalapalo declarou sua insatisfação com o Governo Bolsonaro em
seu canal oficial no YouTube3.
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A disseminação massiva de teorias conspiratórias anti-vacina e de desinformação
promovendo o uso de medicamentos ineficazes dificultou o combate à pandemia no Brasil. Em
01/02/2021 Fernando Rosa Katukina, 56 anos, cacique, representante de 10 aldeias do povo nôke
kôi, no Acre, teve uma parada cardíaca decorrente de problemas de saúde (diabetes e hipertensão)
enfrentados a 11 anos no entanto, o caso do cacique foi divulgado por redes sociais apresentando
informações falsas a respeito de sua morte. O cacique havia tomado a 1ª dose da vacina Coronavac
13 dias antes de sua morte. A APIB confirma que devido à falta de transparência das informações
da Secretaria de Saúde Indígena – SESAI, não foi possível checar o número de óbitos de indígenas
em decorrência do covid-194.
Outro fato fundamental para ser enfatizado é o descaso com a população Yanomami, região
com maior número de indígenas no Brasil. Bolsonaro disseminou desinformações, subestimou a
população em diversos discursos, trazendo inverdades inclusive, a respeito ao tamanho da Terra
Yanomami e de seus habitantes. A desinformação vinda do governo Bolsonaro era nítida em suas
falas em entrevistas à imprensa, discursos oficiais e falas no “cercadinho” do palácio do planalto.
4 Disponível em <https://amazoniareal.com.br/caos-na-pandemia-indigenas-viram-alvo-de-fake-news-antivaci-
na/> Acesso em 30 de março. 2024
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O ATL é considerado como a maior Assembleia dos Povos e Organizações Indígenas do
Brasil e no final de cada encontro são apresentados documentos com posicionamentos, registro
de demandas e reivindicações referente aos desmontes das políticas públicas, com enfoque
principalmente nas terras e na garantia do direito de exercício da autonomia, em resposta ao
tratamento tutelar oferecido pelo Estado.
No ano de 2017, a carta final denuncia “a mais grave e iminente ofensiva aos direitos
dos povos indígenas desde a Constituição Federal de 1988”: cortes orçamentários e de recursos
humanos na FUNAI, ataques aos direitos fundamentais dos povos indígenas no poder legislativo
pela bancada ruralista, o aumento do racismo institucional e a criminalização contra os povos
indígenas. Nesse mesmo ano, o então presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Nilson
Leitão (PSDB-MT), disse em entrevista à rede de comunicação alemã Deutsche Welle que “o índio
de algumas regiões quer plantar soja5”.
O presidente Temer, no último ano do seu governo, publicou o Parecer AGU nº 001/2017,
a carta do ATL apresenta que esse parecer de forma inconstitucional, levanta a tese do marco
temporal, contrariando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), vista como uma das
mais graves violações contra os povos indígenas. Dentre a garantia dos direitos já apresentada nos
encontros passados, é reivindicada a revogação imediata do parecer 001/2017.
No ano de 2019, início do governo Bolsonaro, foi realizado o 15º ATL e a reflexão realizada
pelos povos indígenas foi de perdas institucionais nos dois anos do Governo Temer. O discurso de
Bolsonaro que já havia trazido a desinformação referente a demarcação das Terras Indígenas “nem
mais um centímetro”, corroborou para o aumento de invasões às Terras Indígenas, a violência e
práticas criminosas contra as aldeias no país.
Com o avanço da pandemia de covid-19, o 16º e 17º ATL, nos anos de 2020 e 2021,
respectivamente, ocorreram de forma virtual. As cartas dos encontros ecoam como um grito de
socorro, reafirmam a garantia de direitos fundamentais, principalmente o direito originário às
terras e trazem reivindicações que retratam o desrespeito às suas vidas: ausência de infraestrutura
e logística na saúde, ausência de exames e tratamento dos acometidos pelo vírus, ausência de
destinação orçamentária para aquisição de materiais de proteção das comunidades indígenas.
Sobretudo, denunciam a subnotificação de indígenas doentes ou mortos em decorrência do
covid-19.
337
337
Com o tema “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”, o 18º ATL/2022
volta a ser realizado presencialmente em Brasília-DF e foi marcado por ações nomeadas por “luta
pela demarcação e aldeamento da política brasileira”, com o alerta sobre o marco temporal que
possuía previsão de retomar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda no primeiro
semestre daquele ano (nesse mesmo ano, o julgamento foi adiado mais uma vez). Conforme
estabelecido no 16ª ATL, foi realizada a agenda “Campanha Indígena” com o objetivo de reforçar
junto a representantes de partidos políticos e pré-candidatos, o protagonismo indígena na política.
Outra agenda importante nesse ATL com o tema “Colorindo a luta em defesa do território” foi
realizada a primeira plenária nacional LGBT da história do encontro.
A APIB, tendo o ATL como ápice da organização, vem se constituindo em uma ampla
estratégia de enfrentamento às desinformações, de mobilização indígena e de reivindicação junto
ao Estado na defesa dos direitos originários e em busca do exercício da sua autonomia.
Ao realizar pesquisa nas cartas finais, fruto dos encontros Acampamento Terra Livre nos anos
2016 a 2022, pode-se notar a perspectiva indígena frente aos desmontes e à intenção dos Governos
Temer e Bolsonaro em manter o extermínio dos povos e etnias, por um lado pela incitação ao ódio
fomentado pela desinformação e por outro pela negativa do Estado dos direitos inerentes à vida.
338
338
regimes ditatoriais, ao fascismo que está aí. E dessa vez, a aposta é ocupar
pela porta da frente, pela criação da Bancada do Cocar. O acampamento
não está partidarizado, somos um movimento livre e independente. Mas se
são os partidos que estão decidindo sobre nossa vida, nossa terra e nossos
direitos, é lá que devemos estar ocupando.” Sônia Guajajara (Em discurso
no ATL 2022).
REFERÊNCIAS
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<https://blogdaboitempo.com.br/2015/04/15/de-onde-vem-o-conservadorismo/>. Acesso em: 30
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< https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/09/24/caciques-de-16-povos-repudiam-indigena-
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SER SOCIAL. Povos Tradicionais e Política Social. Brasília (DF), v. 27, nº 53, de julho a dezembro de
2023.
339
339
MULHERES TRANS E TRAVESTIS EM SITUAÇÃO DE RUA NO DF:
uma análise da violação de direitos
RESUMO
ABSTRACT
The present work has as its object of study homeless trans women and
travestis in the Federal District (DF), who are victims of the cisheteropatriarchy
capitalist structure, and are inserted in the context of extreme poverty
conditions in society. In this sense, we sought to identify the foundations
of social violations that permeate the lives of this population group, as well
as analyze the production of reports of violence against this segment in the
last four years. It was observed that there is no official publication of specific
data regarding the mapping and records of violence against trans women and
travestis living on the streets in the Federal District over the last four years,
and that in addition to the underreporting of cases of violence to which they
are affected, there is a precariousness regarding social protection aimed at
trans women and travestis living on the streets in the Federal District.
340
340
1. INTRODUÇÃO
Tendo por base as duas problemáticas, faz-se necessário pensar o conjunto de violências
que perpassam e estruturam o cotidiano de mulheres, especificamente as mulheres trans e
travestis em situação de rua, uma vez que seus corpos são considerados ilegítimos e não dignos de
viver, agravados pela condição de situação de rua. Assim, a partir da conjuntura da população em
situação de rua do Distrito Federal, urge o olhar direcionado às mulheres trans e travestis.
forçado das normas culturais regulatórias que alinham a materialização dos corpos,
enquanto o gênero, estaria intimamente ligado às bases relacionais, ou seja, é constituído com base
nas “interseções raciais, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas”
(BUTLER, 2019, p. 20). Assim, ela desafia a ideia de que existem categorias de gênero fixas e
binárias, argumentando que a identidade de gênero é fluida e mutável, e que as normas de gênero
podem e devem ser questionadas e subvertidas.
341
341
é condenável, e consequentemente, abjetificado. Nesse sentido, as opressões passam a ser
perpetuadas por meio da exclusão de corpos e identidades que desafiam e transgridem as normas
sociais estabelecidas, sendo relegados ao campo da abjeção. Acerca detal categoria, as autoras Carla
Rodrigues e Paula Gruman (2021) discorrem que, para a filósofa Julia Kristeva, a abjeção designa
a reação visceral e psicológica, que ocorre quandose depara com algo que é “outro”, mas que ao
mesmo tempo promove a reflexão acerca da própria origem corpórea e animal. A abjeção, para a
autora, portanto, se refere “[...] ao sentimento de repúdio causado pela transgressão de fronteiras,
sejam elas morais,linguísticas, políticas, psíquicas ou corporais” (LECHTE, 1990, p. 117). Ao beber
da fonte deJulia Kristeva, Judith Butler (2015) se debruça sob a conceituação de abjeção enquanto
método de pensamento dos gêneros e sexualidades dissidentes da norma para caracterizar “seres
abjetos”, ou seja, seres que transgridem de alguma forma as fronteiras estipuladas e normalizadas
socialmente para os corpos. À proporção que determina o limite, o abjeto vive fora dele, uma
vez que sua existência se produz a partir da rejeição, fundante do sujeito da norma e exterior ao
abjeto. Nota-se a relação dialética existente entre ambos, uma vez quesão opostos, todavia não
existem sem a coexistência mútua.
O corpo abjeto, portanto, pode ser identificado como corpos que passam a ser descartados
ou excluídos da sociedade por não se adequarem às normas de gênero e sexualidade dominantes.
A partir do viés da abjeção e da violência contra a população LGBTQIAPN+, é estabelecido o debate
acerca da vulnerabilidade vivenciada por pessoas transsexuais e travestis no tocante às normas de
gênero, com delimitação às mulheres trans e travestis. Ademais, a abjeção desses corpos é uma
forma de negar a diversidade de gênero, e portanto, suas existências, perpetuando a opressão
contra esses corpos, que passam a ser estigmatizados no imaginário social como corpos desviantes,
excretáveis, ilegítimos e não-dignos de viver.
342
342
em Situação de Rua do Distrito Federal, a partir do Decreto distrital nº 33.779, de 6 de julho de
2012, visa incentivar a organização da população que vivencia tal condição, garantir formação
profissional e promover mudanças de paradigmas culturais. Posteriormente, em 2020, a Política
Distrital para a População em Situação de Rua foi criada pela Lei distrital nº 6.691.
bem como a possibilidade de habitar a cidade, sendo vítimas de múltiplas exclusões por
ocuparem, no imaginário social, esse espaço do exótico e ao mesmo tempo, marginal e impróprio.
Assim, a violência contra mulheres trans e travestis em situação de rua atravessa múltiplas expressões
da questão social, de modo a configurar-se como uma demanda significativa e persistente em todo
o mundo.
343
343
com a categoria perfil da vítima a partir da categoria “identidade de gênero” foram registradas
11 casos como “ignorado”, 9 registros como “nãose aplica”, 1 registro de transsexual homem e 0
registros de transsexuais mulheres e travestis.
4. CONCLUSÃO
344
344
O reconhecimento das múltiplas violações enfrentadas por esse grupo reforça a importância
de uma abordagem integrada, que leve em consideração não apenas a identidade de gênero, mas
também as interseções de raça/etnia. Essa perspectiva, aliada à criação de serviços especializados
e políticas voltadas para esse segmento populacional, tornam-se essenciais no enfrentamento das
complexas demandas dessa população marginalizada.
REFERÊNCIAS
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Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. [S. l.]: SINAN, [2023?]. Disponível em: https://www.gov.
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5 set. 2023.
346
346
QUILOMBO É SINÔNIMO DE RESISTÊNCIA:
uma reflexão sobre a Comunidade Quilombola Malhadinha/TO
RESUMO
ABSTRACT
347
347
1. INTRODUÇÃO
Este artigo está dividido em quatro partes, quais sejam: Comunidades Quilombolas;
Remanescentes de antigos quilombos; Formação de comunidades quilombolas no Tocantins; e
Comunidade Quilombola Malhadinha.
2. COMUNIDADES QUILOMBOLAS
Souza (2008) menciona uma legislação que era responsável por criminalizar e penalizar
os escravizados que fugissem ou tentassem realizar rebeliões. As primeiras referências e registros
sobre os quilombos foram feitos pela Coroa Portuguesa e pelos administradores do Brasil Colônia.
Quilombo era definido como sendo “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco,
em partes despovoadas, ainda que não tenham ranchos levantados, nem se achem pilões neles”
(Souza, 2008, p. 23).
Leite (2008, p. 965) afirma que as rebeliões e as tentativas de ir contra o regime escravista
marcaram a palavra “quilombo”, que era associada à “luta contra a dominação colonial e de todas as
lutas dos negros que se seguiram após a quebra desses laços institucionais.” Atualmente, a palavra
quilombo é entendida por diversos autores como um local de resistência, tanto no que se refere
à questão da propriedade da terra quanto à preservação da cultura afro-brasileira. Os quilombos
são importantes exemplos de luta contra a opressão e a exploração, além de serem considerados
Patrimônios Históricos Nacionais pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
desde 1938 e de serem reconhecidos como Patrimônios Culturais da Humanidade pela UNESCO
(2005).
348
348
3. REMANESCENTES DE ANTIGOS QUILOMBOS
349
349
Ainda, na Figura 1, é possível observar que, dos 27 estados, o Tocantins aparece em 18º
lugar. Todavia, os dados denunciam o reduzido o número de áreas quilambolas reconhecidas
oficialmente.
O Estado do Tocantins foi criado em 1988, todavia o território já tinha moradores nativos
desde o período que remonta a coroa portuguesa. Ele fazia parte de Goiás e, somente com a
Constituição Federal que se torna um estado da federação brasileira. Santos (2019) afirma que é
provável que as comunidades quilombolas mais antigas sejam da época do Ciclo do Ouro, como
podemos ver a seguir:
Conforme Bruno (2002), a resistência da população negra no país foi permeada por grandes
pressões. Durante o período da Nova República, as elites agrárias tinham duas fortes características:
a defesa da propriedade como direito absoluto e a prática da violência. Santos (2019, p. 55) indica que
tais características se trata de “práticas de violência ritualizadas e institucionalizadas, envolvendo
formação de milícias, contratação de capangas e também a desqualificação dos trabalhadores
rurais e seus representantes.”
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350
anos da morte de Zumbi dos Palmares, em Brasília, no ano de 1995. A partir
desse evento, esses militantes passaram a estudar e entender conceitos
como quilombola e comunidades negras rurais. (Santos, 2019, p. 60).
Outro fator crucial para o fortalecimento das comunidades quilombolas foram alguns
investimentos estatais. Através do Decreto nº 2.385, em 2005, ainda que tardiamente, o governo
tocantinense começou a abordar a temática quilombola, com a convocação da I Conferência
Estadual de Promoção de Igualdade Racial, com o objetivo de sugerir diretrizes para embasar
ações relacionadas à igualdade racial e com a finalidade de “análise da realidade social, econômica,
política e cultural brasileira, no que se refere à avaliação das ações e políticas públicas de promoção
de igualdade racial nas três esferas de governo” (Esteves, 2012, p. 123).
Esteves (2012) afirma que, no início da criação do estado do Tocantins, houve intensos
conflitos fundiários e, diante desse fator, em 1989, foi criado o Instituto de Terras do Estado do
Tocantins (Intertins), através da Lei nº 87, que logo organizou o processo de titulação em diversas
áreas, com a finalidade de diminuir os conflitos relacionados à terra. Eis o que diz Esteves (2012):
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Os processos eram realizados a pedido das partes interessadas através de
um pedido formal, e o Estado elaborava uma portaria dando autorização de
medição da área, posteriormente uma vistoria ocupacional para confirmar
se a terra estava ocupada e se produz, e finalmente elaborava-se a titulação
individual das terras. (Esteves, 2012, p. 87).
Como a maioria das comunidades quilombolas espalhados pelo país, é visível a dificuldade de
acesso à saúde e à educação formal. Malhadinha possui uma escola estadual, porém os professores
se ressentem dos desafios quanto ao desestímulo dos alunos que repetem, por diversas vezes, o
ano, em função de múltiplos fatores. Entretanto, também se percebe que, mesmo de forma lenta,
a situação vem melhorando, já que alguns dos alunos conseguem finalizar seus estudos. Já há os
que estão cursando o Ensino Superior.
Esse tipo de atividade é importante tanto para a produção de renda como para a subsistência.
Os dados desta pesquisa indicaram que a realidade da Comunidade Malhadinha não é destoante do
contexto das outras comunidades quilombolas do país, marcadas pelos processos de expropriação
de seus territórios, pela negação dos direitos, expressando ausência de interferência do Governo.
352
352
Nos últimos tempos, a presença do agronegócio em regiões circunvizinhas colocou em ameaça o
desenvolvimento de suas atividades agroextrativistas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo permitiu dar luz às Comunidades Quilombolas que têm sua importância em
vários setores da sociedade, e que possuem um número expressivo especialmente no estado do
Tocantins. Essas comunidades são um símbolo de resistência, já que passaram por situações de
violência e de segregação socia e que ainda passam por restrições de políticas públicas a seu favor.
Foi possível identificar que, no Tocantins, o Movimento Quilombola foi um fator importante para o
reconhecimento e para a visibilidade de suas Comunidades.
REFERÊNCIAS
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Brasil. Rev. Bras. Extensão Universitária, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 52-57, jul./dez. 2003.
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353
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GONÇALVES, Paulo Rogerio; SILVA, Ana Claudia Matos da; SOUSA, Maria Aparecida Ribeiro de. Os
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LEITE, Ilka Boaventura. O projeto político quilombola: desafios, conquistas e impasses atuais.
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contribuições para o entendimento da sociedade moderna no brasil. Rev. Cadernos do Leparq, v. XIX, n.
37, p. 273-301, jan./jun. 2022. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/361653183_
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Brasília, 2019.
UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, 2023.
354
354
RACISMO ALGORÍTMICO E MICROAGRESSÕES RACIAIS NO MUNDO DIGITAL
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
Iniciaremos nosso estudo, após esta breve introdução, apresentando o racismo estrutural na
sociedade brasileira, o qual possui raízes nos processos de colonização portuguesa e de escravização
do negro. Em seguida, abordaremos o capitalismo de vigilância e o racismo algorítmico, prática que
propaga vieses, preconceitos e discriminações no ciberespaço, território em disputa para domínio
de ideais e ideologias. O tópico seguinte será sobre microagressões raciais no ambiente virtual. Por
fim, o estudo será encerrado com as considerações finais.
355
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superioridade de um grupo sobre outro, e “normaliza” a discriminação sistêmica (Almeida, 2019).
Além disso, os corpos negros continuam a ser vítima de violência e opressões. Em 2022, 83%
das mortes violentas intencionais por intervenção policial foram de pretos e pardos. Eles também
são maioria no sistema penitenciário, correspondendo a quase 70% da população carcerária,
conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2023). Soma-se a isso, estudo realizado
pela organização da sociedade civil Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (2023), que
revela que a maioria das prisões de negros por suposto envolvimento em tráfico de drogas ocorreu em
patrulhamento policial, a partir dos critérios de julgamento subjetivos e por “ações arbitrárias com
base em atitudes suspeitas” do indivíduo. Já em operações policiais, que “demandam investigações
e necessitam levantar informações sobre vítimas, encontrar testemunhas”, 63% das prisões levam
356
356
a pessoas brancas. Os dados revelam que pessoas negras e periféricas tem mais probabilidade de
terem os direitos violados, sofrerem abusos, serem tratados como vidas descartáveis, no âmbito da
necropolítica (Mbembe, 2016).
Quando o racismo está arraigado em uma sociedade, sendo parte da ordem social e estando
presente na vida cotidiana, os problemas de desigualdade racial são reproduzidos pelas instituições
e as práticas racistas são tidas como “normais” (Almeida, 2019) no conjunto de relações de todas
as ordens, como a policial, política, estatal, econômica, e alcançam governos, empresas, escolas
e, inclusive, tecnologias. Nesse sentido, o ciberespaço – ambiente virtual de convivência e trocas
simbólicas devido à possibilidade de integração de tecnologias ao cotidiano (Lévy, 1996) – apresenta-
se como espaço propício para a reprodução e propagação de práticas racistas, principalmente com
a opacidade dos sistemas automatizados e semiautomatizados baseados em algoritmos (Silva,
2019). Temos, com isso, a ocorrência do denominado racismo algorítmico.
As TICs se entranham de maneira cada vez mais profunda através das necessidades da vida
cotidiana, mediando diversas formas de participação social, e nesse contexto, entramos na era do
capitalismo de vigilância. Esse capitalismo necessita do digital para existir, mas não se confunde
com a tecnologia que emprega. O capitalismo de vigilância pode ser definido, conforme Shoshana
Zuboff (2019, p. 13) como “uma nova ordem econômica que reivindica a experiência humana como
matéria-prima gratuita, para práticas comerciais dissimuladas de extração, previsão e vendas”.
Concretiza-se segundo uma lógica econômica parasítica na qual a produção de bens e serviços tem
o objetivo de mudar comportamentos, expropriar direitos e destituir a soberania do indivíduo. Essa
nova ordem revive a imagem apresentada por Karl Marx do capitalismo como o vampiro que se
alimenta do trabalho, mas no capitalismo de vigilância, apropriando-se de todo e qualquer aspecto
rentável da experiência humana (Zuboff, 2019).
357
357
opiniões pessoais e políticas, estado emocional, habilidades para funções específicas, podendo
reforçar resultados discriminatórios, como o racismo (Rocha, et al, 2020). O racismo se imbrica nas
tecnologias digitais através de recursos automatizados, recomendação de conteúdo, tecnologias
biométricas, construções teóricas pervasivas, todos ordenados conforme padrões algoritmizados.
Porém, estudos revelam enviesamento nos resultados quando se trata de reconhecer rostos
negros. O levantamento realizado pela Rede de Observatório da Segurança, em 2019, revelou que
90,5% dos presos por reconhecimento facial no Brasil são negros, o que não significa que sejam os
autores dos crimes (Silva, 2022). Os erros tem sido recorrentes e apresentados pontualmente em
jornais de grande circulação, como o divulgado no Fantástico, em 21/04/2024.
358
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sobre a probabilidade de pessoas negras serem presas pelo chamado “falso positivo”. A suposição
de criminalidade é uma das microagressões mais pervasivas no caso da população brasileira (Silva,
2022).
No Brasil, 61,1% das vítimas de feminicídio são de mulheres negras. Elas também representam
68,9% das demais mortes violentas de mulheres no país e 56,8% dos casos de estupro e estupro
de vulnerável, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2023). No Facebook,
81% das vítimas de racismo são mulheres negras de classe média, com ensino superior completo
e na faixa etária de 20 a 35 anos. Elas são vítimas da intolerância predominantemente por homens
(65,6%) quando, entre outras situações, discordam de posts ou comentários negativos contra
negros; evidenciam engajamento com profissões de maior prestígio, como medicina e direito, ou
exercem posição de liderança; em caso de rejeição de propostas de relacionamento afetivo; ou
enaltecem cabelo cacheado natural estilo Afro (Trindade, 2018).
Os dados indicam que o machismo e o racismo contra mulheres negras são violências
reiteradamente praticadas e reproduzidas no meio digital. No âmbito das microagressões raciais no
ambiente virtual, está relacionado à exotização que associada à misoginia leva à hipersexualização
da mulher racializada (Silva, 2022).
c) #vidasnegrasimportam, importa?
Youtube, Facebook e Tik Tok estão entre as maiores plataformas digitais do mundo. Entretanto,
denúncias têm sido feitas quanto aos impedimentos e censuras de palavras e conteúdos contra
o racismo. Em 2021, por exemplo, o Tik Tok sinalizou como impróprios conteúdos como o “vida
negras importam (do inglês black lives matter) e termos afro-americanos. A tentativa de adicionar
frases como “apoiando o sucesso dos negros” ou “apoiando as vozes negras” eram censuradas. Mas
as mesmas versões de frases com apoio aos brancos eram entendidas como conteúdo “aceitável”
(Silva, 2022).
359
359
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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361
361
O PAPEL SOCIAL DA MULHER INDÍGENA DA COMUNIDADE XERENTE NA CONTEMPORANEIDADE
RESUMO
ABSTRACT
The present work aims to understand the role of indigenous women in the
social, political and power perspective in the Xerente community located in
the municipality of Tocantínia-TO. The municipality of Tocantínia is located
approximately 84 km from the capital Palmas, with a population of 7,459
people and a demographic density of 2.86 inhabitants per km² and an
average of 3.72 residents per residence (IBGE, 2022). The research is based
on bibliographical research in books and periodicals, relating socio-historical
and political aspects with the contribution of Critical Social Theory. It is clear
that gender, social, cultural and political relations in society emphasize the
gender inequalities that still persist in the contemporary world.
1. INTRODUÇÃO
362
362
TO. O município de Tocantínia está situado a aproximadamente 84Km da capital Palmas, com
população de 7.459 pessoas e densidade demográfica de 2,86 habitantes por Km² e uma média de
3,72 moradores por residência (IBGE, 2022).
Dessa maneira, o presente trabalho tem como objetivo compreender o papel da mulher
indígena na perspectiva social, política e de poder na comunidade xerente localizada no município
de Tocantínia-TO. A pesquisa fundamenta-se numa pesquisa bibliográfica em livros e periódicos,
relacionando aspectos sócio-históricos e políticos com aporte da Teoria Social Crítica.
A partir da década de 80 vem sendo enfocado conceitos e aspectos entre outros relacionados
as características masculinas e femininas através de abordagem teórica social. Vale ressaltar que
as teorias sociais permitiram novas percepções acerca da diferença sexual, das desigualdades de
gênero que ainda perduram no mundo contemporâneo, a estruturação do significado gênero ao
longo da história demonstrando a necessidade de se manter o diálogo global no que diz respeito
aos desafios e perspectivas das ciências socais capazes de inferir nas análises de gênero.
Em sua origem a palavra família não significa o ideal mistura de sentimentalismo e dissensões
domésticas do filisteu de nossa época; [....] Famulus quer dizer escravo doméstico e família é o
conjunto dos escravos pertencentes a um mesmo homem. Nos tempos de Gaio, a família “id est
patrimonium” (isto é, herança) era transmitida por testamento. A expressão foi inventada pelos
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363
romanos para designar um novo organismo social, cujo chefe mantinha sob seu poder a mulher,
os filhos e certo número de escravos com o pátrio poder romano e o direito de vida e morte sobre
todos eles ” (ENGELS, 1984).
Observa-se que a expressão família tinha como intuito determinar a estrutura e o papel da
família na sociedade, delimitando os poderes exercidos pelo homem sob a mulher nas relações
sociais, políticas e culturais configurados na realidade social. Outrossim, o conceito de família,
não necessariamente se restringe à condição de laços consanguíneos, pois atualmente na sociedade
existem vários modelos de família indivíduos que não se pautam num modelo único de família
nuclear.
[....] O sexo, feminino ou masculino, seria biologicamente determinado, com base nos
cromossomos, hormônios, aparência genital […]. Já o gênero, homem ou mulher, é visto como uma
construção social, pois envolve o desempenho de papéis sociais na sociedade” (SENE, 2007, p.7).
A Priori Piscitelli (2002) evidencia que através do conceito de gênero11 o mesmo oferece
um novo olhar sobre a realidade. O qual está se situando nas distinções de características femininas
e masculinas. Assim observa que o conceito de gênero está se disseminando na teoria social.
1 Conceito de gênero se desenvolveu no marco dos estudos sobre “mulher’ ’e compartilha vários de seus pres-
supostos. Mas a formulação do conceito procurava superar problemas relacionados à utilização de algumas categorias
centrais nos estudos sobre mulheres...” (Piscitelli .2002).
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[.....] Ligado inevitavelmente à maternidade, à reprodução do homem e do que brota da
terra” (VALE, 2005, p. 8). A mulher vista como mãe e cuidadora, além de realizar insubstituivelmente
essa “tarefa”, participou de várias outras realizadas dentro da sociedade pré-histórica. Foi caçadora,
protetora, pintora, agricultora, produtora de instrumentos e armas (BITTENCORT, 2020).
É muito comum que se resuma a história dos povos indígenas brasileiros a partir da
colonização portuguesa. De fato, esse acontecimento é um marco na trajetória dos povos indígenas,
pois a partir disso, inicia a luta pelas terras, por sobrevivência e por direitos básicos que perdura até
os dias de hoje, somando 521 anos de resistência.
Habitavam as caatingas do médio Tocantins, entre os rios Manuel Alves Grande e Manuel
Alves Pequeno e nos sertões do Duro, quando foram submetidos, em 1810, por Fernando Delgado
Freire de Castilho, que governou Goiás de 1809 a 1820 (Alencastre, 1964-1965, apud Magalhães,
1928, p. 8). Para o ano de 1812, o padre Luiz Antônio da Silva e Souza anotou que os Xerente são
uma “nação que existe acima da cachoeira de Lageado, no Tocantins, e se estende até os sertões
do Duro, entre o Rio Preto e Maranhão (MAGALHÃES, 1928).
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As aldeias Xerente existentes hoje são: Funil, Bela Vista, Cercadinha, Brejo Comprido,
Serrinha I e II, Centro, Água Fria, Rio do Sono, Mirasol, Recanta, Baixa Funda, Brejinha, Salto,
Porteira, Aldeia Nava, Sangradouro, Lajeadinho, Cabeceira, Morrinho, Recanto da Água Fria, Novo
Horizonte, Zé Brito, Aldeinha, Rio Preto, Bom Jardim, Paraío, Baixão, Traíra, Ponte, Mirasol Nova
(TOCANTINS, 2021).
A participação das mulheres indígenas nos espaços ocupacionais e políticos que até então
eram restritos aos homens, deve-se ao engajamento no movimento indígena favorecendo as
discussões em relação aos espaços ocupados pelas mulheres na sociedade. Seguindo em relação
aos termos políticos, que consideram que as mulheres ocupam espaços de trabalho subordinados
aos masculinos. A subordinação feminina é pensada como algo que varia em função da época
histórica e do lugar, porém questionam o suposto caráter natural dessa subordinação, ao oposto
que essa subordinação é vinda das maneiras de como a mulher é construída socialmente.
Assim, quando falamos sobre o papel da mulher indígena na sociedade vem à tona suscitarmos
sobre os aspectos sociais, culturais e políticos que se estruturam nos diferentes espaços enfatizando
debates sobre as diferenças entre homens e mulheres no processo sócio-histórico e político, onde
posicionamentos tradicionais influenciavam o patriarcado, tornando o papel da mulher limitado à
maternidade, ao cuidado do lar e dos filhos. É evidente que as relações de gênero e as sociais estão
intrinsecamente relacionadas no contexto histórico e cultural em que se configuraram, isso nos
permitir compreender os sujeitos sociais em sua completude. Atualmente, a mulher indígena vem
conquistando sua emancipação em espaços sócio-ocupacionais no mercado de trabalho mesmo
sendo casadas e tendo filhos, no entanto, é preciso reconhecer que o acesso aos diferentes espaços
na sociedade deriva de engajamento no movimento indígena para compreensão e fortalecimento
366
366
do seu papel social enquanto mulher indígena.
4. METODOLOGIA
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS:
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Paulo: Cortez, 2015.
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Geográfico Brasileiro, v. 155 (1927), p. 5-30, 1928.
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direito e cidadania [livro eletrônico]: contradições da política social / São Paulo: Cortez, 2010.
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VERDUM, Ricardo. Mulheres indígenas, direitos e políticas públicas. In: VERDUM, Ricardo (Org.).
Mulheres indígenas, direitos e políticas públicas. Brasília: Inesc, 2008.
368
368
DOCENTES NEGRAS NO ENSINO SUPERIOR:
reflexões a partir da lei 12.990/2014
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo: problematizar a implementação da Lei 12.990/14 nos
concursos públicos destinados à carreira docente nas universidades federais brasileiras; e, refletir a
inserção de docentes negras no ensino superior considerando as opressões interseccionais. Integra
uma pesquisa de doutorado em Política Social.
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– por exemplo, diretoria de empresas – depende, em primeiro lugar, da
existência de regras e padrões que direta ou indiretamente dificultem a
ascensão de negros e/ou mulheres, e, em segundo lugar, da inexistência de
espaços em que se discuta a desigualdade racial e de gênero, naturalizando,
assim, o domínio do grupo formado por homens brancos (Almeida, 2019,
p.27)
370
370
Na educação básica, a Lei nº 10.639/2003, inclui no currículo a temática da História e
Cultura Afro-Brasileira; a Resolução no 1, de 2004, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana (DCNERER); e, a Lei 11.645/2008, aborda o ensino da História e Cultura Indígena Brasileira.
A Lei 12.711/2012 versa sobre o ingresso discente nas universidades federais e nas
instituições federais de ensino técnico de nível médio e foi revista em 2022, após 10 anos de sua
implementação. Essa Lei reserva 50% das vagas para estudantes que cursaram integralmente o
ensino médio em escolas públicas, conforme expresso no artigo 1º. Já o artigo 3º detalha como
será a definição da destinação das vagas para pessoas autodeclaradas pretas, pardas, indígenas,
quilombolas e pessoas com deficiência. O artigo 7º-B estabelece que essas instituições também
devem promover “o ingresso desse público nos programas de pós-graduação stricto sensu”.
A Lei 12.990/2014 reserva 20% de vagas para pessoas negras nos “concursos públicos para
provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal,
das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia
mista controladas pela União”. A respeito do quantitativo de vagas destinadas às pessoas negras,
menciona que “A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no
concurso público for igual ou superior a 3 (três)”. Conforme a referida Lei, os candidatos que se
autodeclararem pretos ou pardos, negros, de cordo com o quesito raça/cor do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), poderão concorrer às vagas.
Mello e Resende (2020) analisaram as vagas oferecidas em concurso público para a carreira
de magistério superior no período de 2014 a 2018. Em síntese os principais resultados do estudo
demonstram que: no período analisado, a reserva de vagas para pessoas negras estava longe de ser
alcançada nas universidades federais; o número de docentes negros contratados é menor do que
o percentual estabelecido na Lei; as universidades divulgam editais de concursos para docentes
com menos de três vagas, não sendo aplicado o percentual de reserva para vagas de candidatos
negros; há um enorme índice de subnotificação de raça/cor do corpo docente universitário; há um
reduzido número de docentes negros nas universidades, mas nos últimos anos houve o aumento
do ingresso de alunos negros nos cursos de graduação das universidades públicas, reflexo da Lei
12.711/2012.
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371
O estudo citado levanta a necessidade de pesquisas sobre a implementação da Lei
12.990/2014 na elaboração de concursos nas universidades públicas federais. Sinaliza também que
o campo acadêmico e científico faz parte da reprodução do racismo e contribui na manutenção dos
privilégios da elite branca docente.
Neste tópico, busca-se refletir sobre as intersecções que envolvem sistemas múltiplos
de dominação e os reflexos no trabalho de mulheres negras que ocupam cargos no magistério
superior em universidades públicas. Patrícia Hill Collins e Sirma Bilge (2021) abordam o uso da
interseccionalidade como ferramenta analítica e exemplificam como as “divisões sociais resultantes
das relações de poder de classe, raça, gênero, etnia, cidadania, orientação sexual e capacidade são
mais evidentes no ensino superior” (Collins; Bilge, 2021, p. 18). A interseccionalidade pode ser
uma estratégia para pensar políticas de equidade.
As autoras seguem trazendo elementos do papel das políticas públicas e de como são
enfrentadas as desigualdades sociais na social democracia e no neoliberalismo. Afirmam que é
importante compreender as “diferentes dimensões de relações de poder interseccionais, bem
como as respostas políticas que se dão a elas” (Collins; Bilge, 2021, p.45). A análise interseccional
compreende as relações de poder dentro de um contexto social e assume compromisso com a
justiça social.
Nilma Linos Gomes, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Djamila Ribeiro e bell hooks têm
contribuído para enegrecer o feminismo e para pensá-lo como uma prática emancipatória. Ângela
Davis (2016) discorre que o feminismo negro é essencial a compreensão da luta das mulheres
em busca da emancipação. Detalhou a condição das mulheres negras no sistema escravista e
como programas feministas do passado e do presente têm omitido os problemas dessas mulheres
trabalhadoras.
Analisando o contexto universitário, bell hooks (2015) aponta que, nesses espaços, “não
há um enfrentamento do racismo situado em um contexto histórico e político, contribuindo para
uma manutenção do “sistema de racismo, classismo e elitismo educacional” (hooks, 2015, p.
205). Ela fala que as mulheres negras, discentes e docentes, vivenciam uma solidão nos espaços
universitários.
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372
Alguns estudos têm apresentado a trajetória e atuação de docentes negras em universidades
públicas (Clemente; Azevedo, 2020; Nascimento, 2019; Prates; Rotermund, 2019; Euclides; Silva;
SILVA, 2017). Esses estudos têm problematizado a desvalorização profissional de mulheres negras
na universidade, além de evidenciarem que elas permanecem em menor número dentro das
instituições de ensino superior; e, “enfrentam a dificuldade de serem reconhecidas enquanto
docentes” (Prates; Rotermund, 2019, p. 61).
Priscila Lira (2019) estudou o movimento de mulheres negras e o serviço social, observando,
que na história da profissão, a trajetória de mulheres negras ainda têm sido invisibilizadas (Scheffer,
2016). Desse modo, sublinha que “a fala das que vieram antes de nós, [...] que ainda ecoam,
reverberam nas (reações de diversas profissionais assistentes sociais, evidenciando que nossos
passos vêm de longe! (Lira, 2019, p. 157)”, acrescentando que já passa da hora de ouvi-las.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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373
A partir da contextualização realizada neste artigo as seguintes questões reflexivas serão
aprofundadas na pesquisa de doutorado: como tem sido construído os editais de concurso
público para carreira docente na área do Serviço Social, de acordo com o estabelecido pela Lei no
12.990/2014? Como a branquitude docente se privilegia com a não implementação da Lei citada?
REFERÊNCIAS
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mulheres do Serviço Social na Ditadura Civil-Militar de 1964-1985. Tese (Doutorado) – Universidade
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modificada pela lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História
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10.778, de 24 de novembro de 2003. Diário oficial da União. Brasília, DF, 2010b.
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BRASIL. Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Dispõe sobre a reserva aos negros 20% (vinte por
cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos
públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm .
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375
375
DESAFIOS ENFRENTADOS POR TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NO BRASIL
RESUMO
ABSTRACT
This article addresses the situation of paid domestic workers in the context of
reproductive work, also highlighting the limitations in the implementation of
Complementary Law 150/15, known as PEC das Domésticas of 2013, which
aims to ensure labor rights. The objective is to analyze how daily practices
reflect a work structure marked by gender, race and class inequalities, with
an emphasis on the devaluation of reproductive work to the detriment of
productive work. It is concluded that domestic workers face precarious
conditions, including low wages, working conditions analogous to slavery,
racism and lack of legal protection, in addition to a low level of formalization.
These situations represent challenges to be overcome, reflecting the various
vulnerabilities related to race and underprivileged economic conditions,
requiring a comprehensive, consubstantial approach that considers the
interconnection of social markers present in the social structure to which
the domestic workers are inserted.
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376
1. INTRODUÇÃO
Apesar de a trabalhadora doméstica não ser vista como uma personagem estruturante e
essencial à imagem construída em torno da formação do Brasil, ela é peça fundamental no arranjo
capitalista, como bem aponta Saffioti:
(...) na medida em que esta produz bens e serviços para o consumo imediato
da família empregadora, não produz mercadorias para serem comercializadas.
Não se trata, pois, de produção simples de mercadorias, nem de trabalho
improdutivo situado no interior do modo de produção capitalista, como é o
caso das atividades comerciais. Ainda que assalariada, determinação típica
do sistema capitalista, esta força de trabalho atua de forma não capitalista
no seio das formações sociais dominadas pelo modo de produção capitalista.
Organizadas, pois, de maneira não-capitalista, as atividades das empregadas
domésticas têm lugar no interior de uma instituição não capitalista - a
família - que, contudo, mostra-se bastante adequada a auxiliar a reprodução
ampliada do capital (SAFFIOTI, 1979, p.41-42).
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É nas tarefas reprodutivas que a trabalhadora gera as condições propícias para que seus
contratantes possam exercer tarefas no campo do trabalho produtivo enquanto estes se exoneram
de tarefas básicas para a sobrevivência e manutenção da própria vida, tais como cuidado com as
crianças, idosos e todas aquelas pertinentes à manutenção do lar.
Após a abolição da escravidão como bem discute (PORFIRIO 2021, TELLES 2021), muitas
mulheres negras seguiram nos espaços em que eram escravizadas, mas como empregadas
domésticas assalaridas ou em troca de subsídios básicos para sua sobrevivência, comida e teto.
Mesmo em residências que não eram habitadas por pessoas de uma classe média e nem alta, não
era estranho a presença dessa figura, pois o hábito de delegar tarefas domésticas a uma outra
pessoa nem sempre foi em troca de salário em dinheiro.
Analisando as condições sociais, nas quais essas mulheres foram obrigadas a se submeter
para garantirem sua sobrevivência, podemos tratar da abolição como sendo um processo de ruptura
social inconclusa. Ao não oferecer políticas de reparos para a população negra, o Estado brasileiro
fomentou o surgimento de grandes reservas de mão-de-obra que, ainda na contemporaneidade,
se fazem abundantes nas periferias do capitalismo.
No Brasil atual identifica-se que o atual sistema vigente está inserido em bases arcaicas, já
que “aqui o capitalismo foi construído com base em riquezas produtivas acumuladas via exploração
de africanos escravizados e protagonizado pelas mesmas classes que escravizaram africanos.”
(MOURA, 2014, p.16).
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com um perfil em que: 92% das pessoas ocupadas em serviços domésticos eram mulheres; dessas
trabalhadoras, 66% se identificam como negras; a faixa etária gira em torno dos 45 a 59 anos de
idade, esse número corresponde a 42% e a maior parte delas não conseguiu chegar ao ensino
médio (63%).
Parte dessas trabalhadoras são as maiores, se não as únicas, provedoras de suas casas,
o que nos possibilita pensar que a condição de vulnerabilidade dessas mulheres só tende a se
potencializar, pois mesmo que estejam empregadas em residências em que os empregadores
não respeitam os direitos trabalhistas e oferecem condições de prejuízo psicológico para essas
trabalhadoras, a necessidade econômica de manter o sustento, mesmo que com baixa qualidade,
para seus familiares, faz com que elas tenham que se submeter. Considerando a baixa escolaridade
e a falta de oportunidades em outros ramos de trabalho, o trabalho doméstico acaba por aprisioná-
las.
Foi apenas no ano de 2013 com a discussão da PEC das domésticas e posteriormente com
a implementação da Lei Complementar Número 150/15 que no cenário nacional, a trabalhadora
doméstica foi vista como uma trabalhadora merecedora de ter seus direitos trabalhistas equiparados
com os demais integrantes da classe trabalhadora, ao que se deveu essa demora em ser reconhecida
como trabalhadora?
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379
A Lei Complementar 150/2015, conhecida anteriormente por PEC das domésticas,
resulta de uma longa luta sindical pelas trabalhadoras domésticas, iniciada na década de 1930. A
regulamentação dos direitos dessas trabalhadoras é fruto de um processo árduo e longo, liderado
por figuras como Laudelina de Campos Melo.
No início do século XX, surgiram medidas para regulamentar o trabalho doméstico, mas
somente em 1941 houve um reconhecimento mínimo. A CLT de 1943 excluiu completamente as
trabalhadoras domésticas, marcando uma longa luta por direitos. A PEC das domésticas e a Lei
Complementar de 2015 foram um marco. A Lei nº 5.859 de 1972 trouxe avanços, mas de forma
inferior aos demais trabalhadores. A Constituição de 1988 também trouxe garantias, porém a
desvantagem previdenciária persistiu.
A Lei estabelece exigências tais como: jornada de trabalho não superior a 8 horas por dia
(máximo de 44 horas semanais); a garantia de salário somente superior ao mínimo, proibição
de discriminação de salário, de função e de critério de admissão; proibição de discriminação em
relação à pessoa com deficiência; proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre, ou seja,
prejudicial à saúde; pagamento de horas-extras.
A associação do trabalho doméstico como sujo e sem valor persiste até os dias de hoje,
lançando uma sombra de desvalorização sobre as trabalhadoras que o realizam e dificultando
a aplicação efetiva das leis destinadas a diminuir tais desigualdades. Um aspecto atual das
desvantagens enfrentadas por essas trabalhadoras, mesmo após a implementação da legislação
trabalhista, é a semelhança com a modernização da escravidão. Isso é evidenciado pelo fato de que
em 2023, o Ministério do Trabalho e Emprego resgatou mais de 2.800 trabalhadores em condições
semelhantes às de escravidão, representando o maior número dos últimos 14 anos.
Ao refletirmos esses dados para além do quantitativo, sabendo que há casos que não estão
sendo notificados, pois não estão sendo denunciados, podemos nos perguntar sobre o quanto do
passado está superado e o quanto dele está naturalizado nas práticas atuais.
380
380
4. CONCLUSÃO
Diante disso, cabe-nos perguntar sobre as possíveis lacunas deixadas nessa legislação
que desprivilegia a trabalhadora doméstica e as diaristas excluídas, e quais são os benefícios que
essas exclusões conferem aos empregadores. Além das desvantagens aparentes, é válido trazer
à tona alguns dos desafios que impedem o acesso aos direitos trabalhistas para algumas dessas
trabalhadoras e até mesmo a sua proteção, tais como: falta de vigilância, a inexistência de um
mecanismo de folha de ponto registrando horários, a existência da doméstica que dorme no serviço
e ultrapassa as 44 horas semanais, além disso, casos de trabalho análogo à escravidão que vez ou
outra surgem nos veículos de comunicação.
O desvalor que carrega o trabalho doméstico, por ainda estar atrelado a noções como
trabalho de preto, dificulta avançarmos em direção à sua valorização, já que, todavia, estamos
inseridos em uma sociedade que não aprendeu a lidar com seu racismo e nem a enxergar a
população negra como sujeitos dignos de direitos e de humanidade. Se não se valoriza o trabalho,
não se valorizam os agentes que o exercem, neste caso, a grande maioria de mulheres negras e
pobres que, ainda que sejam essenciais para a manutenção e avanço de um capitalismo feroz, são
tidas por esse sistema como corpos descartáveis e superexplorados.
Conclui-se que o Brasil não rompeu com uma posição subalterna e colonial na divisão
internacional do trabalho. Ao não existir essa ruptura, a raça é uma característica que rebaixa
salários e condições de vida, de trabalho e dá forma ao chamado racismo estrutural.
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REFERÊNCIAS
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análogas à escravidão em 2023. Disponivel em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/
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ANAIS DE TRABALHOS COMPLETOS
ISSN 2527-1490
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Programa de Pós-Graduação em Política Social - PPGPS
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