A Profissao Politica
A Profissao Politica
A Profissao Politica
Adriano Codato
Gabryela Gabriel
Nilton Sainz
Maiane Bittencourt
Rodrigo da Silva
ISBN 978-65-84700-00-0
investigações
sobre políticos
profissionais
no Brasil
A PROFISSÃO POLÍTICA
investigações
sobre políticos
profissionais
no Brasil
Direitos autorais reservados aos autores de cada capítulo.
grideditorial.com.br
Apresentação
402 Capítulo 13
Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos
estratégicos: variáveis para o sucesso nas urnas
Luiz Fernando Zelinski; Ivan Jairo Junckes; Eduardo Soncini
Miranda
438 Capítulo 14
Elite judicial e elite política: da convergência ao
antagonismo no combate à corrupção?
Maria Eugenia Trombini
474 Capítulo 15
Financiamento eleitoral e bancada dos parentes na
Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável da Câmara dos Deputados na 55ª legislatura
Tainá R. Serafim; Rodrigo Rossi Horochovski
Alocação de políticos profissionais em
ministérios da Nova República: um estudo
exploratório sobre o caso brasileiro
Contexto
No presidencialismo multipartidário brasileiro, a literatura vem
demonstrando que as articulações políticas para nomeação dos
ministros de Estado se configuram centrais na formação de coalizões
de governo.
Objetivos
Medir e comparar a proporção de políticos profissionais nos
gabinetes da Nova República.
Métodos
O banco de dados é composto pelos ministros titulares dos governos
compreendidos no período de 1985 a 2018. Neste artigo, são
considerados políticos profissionais aqueles que em suas carreiras
prévias ao ingresso no ministério passaram por cargos eletivos,
cargos de primeiro escalão da burocracia e/ou partidários. Utilizado
de estatística descritiva, comparamos a composição dos ministérios
a partir do número de políticos profissionais presentes nos gabinetes
CAPÍTULO 1
de cada governo.
22 Alocação de políticos profissionais em ministérios da Nova República: Rodrigo da Silva & Amanda Sangalli 23
um estudo exploratório sobre o caso brasileiro
Este paper está dividido em 3 partes, além desta introdução e denominados “neogolpes” (Coelho & Mendes, 2020). Dentre as se-
a conclusão parcial. A primeira seção está dedicada à discussão da melhanças apontadas pela primeira vertente, estão os escândalos, a
trajetória dos estudos presidencialistas, delineada pela instabilidade perda da popularidade do presidente, o alcance dos protestos civis
política na América Latina. Também apresentamos o debate exis- e o enfraquecimento do apoio legislativo, quando não a própria in-
tente sobre os gabinetes ministeriais, para melhor compreensão do tervenção militar. A segunda, pauta-se no caráter institucionaliza-
funcionamento das instituições políticas, em especial, a relação en- do que os golpes vêm assumindo, deixando de ser um fenômeno
tre o poder Executivo e o Legislativo. simplesmente exógeno e originando-se intra-instituições (Vitullo &
Na seção metodológica, discutimos brevemente acerca do con- Silva, 2020).
ceito e da mensuração de “político profissional” com base na lite- O presidencialismo latino-americano é marcado pela articu-
ratura especializada e em alguns poucos estudos voltados para a lação do presidente com o Congresso Nacional. Seja por meio de
análise do perfil dos ministros de Estado. Ademais, descrevemos as favores eleitorais e atos de corrupção (Nogueira Alcalá, 2017), ou
fontes dos dados utilizados, as variáveis e a metodologia empregada, por cooptação de atores para compor o alto escalão da burocracia,
bem como explicitamos o critério adotado para a definição de mi- em troca de apoio legislativo para aprovação da agenda presidencial
nistro político profissional. Em terceiro momento, apresentamos os (Amorim Neto, 1994). As discussões presidencialistas se dividem
resultados obtidos e discutimos com base no contexto histórico dos entre essas duas perspectivas, uma mais pessimista e outra otimista
respectivos governos, criando uma narrativa de afinidades conjun- (Power, 2010). A primeira alega que o estilo presidencial da região
turais. Nas conclusões parciais discorremos sobre as contribuições é disfuncional devido à combinação entre o multipartidarismo e a
e limitações deste trabalho, bem como, quais são os passos futuros democracia. Esse desenho institucional tende à paralisia decisória e
da pesquisa. a desestabilização do regime democrático (Mainwaring, 1993). De
maneira oposta, a segunda onda de estudos, pensada a partir do
1. Discussão da literatura contexto brasileiro, compreendia algumas instituições como cor-
retivas. O poder de agenda do presidente – decreto, veto, medidas
A história política das democracias latino-americanas é nota- provisórias, urgência para projetos de lei –, bem como a concen-
damente circunscrita pela instabilidade política, seja ela provocada tração das decisões legislativas na Mesa Diretora na Câmara dos
por escândalos de corrupção ou pela dificuldade da gestão eco- Deputados eram as principais medidas facilitadoras (Figueiredo &
nômica dos planos de governos. Por vezes, resultou em golpes de Limongi, 1999). Para os “otimistas”, essas circunstâncias reduziam
Estado ou interrupção do mandato presidencial. Nos últimos trinta consideravelmente as barganhas com o Legislativo e facilitavam a
anos, oito processos de impeachment se concretizaram na região. A gestão administrativa do presidente.
partir desses acontecimentos, a literatura especializada tem aponta- A partir da síntese dessas discussões, surgiu uma terceira cor-
do para duas principais direções: a similaridade entre os mecanis- rente teórica que teceu críticas ao desenho institucional brasileiro,
mos causais do impedimento (Pérez-Liñán, 2007; Lameira, 2019) alegando que seu formato favorece a políticas clientelistas. Nas pa-
e a configuração de uma nova roupagem dos golpes de Estado, lavras de Power (2010, p. 20) “all political systems have patron–client
26 Alocação de políticos profissionais em ministérios da Nova República: Rodrigo da Silva & Amanda Sangalli 27
um estudo exploratório sobre o caso brasileiro
relations, but in Brazil the concentration of power in the executive À luz desse cenário complexo, as coalizões políticas surgem
branch creates a small number of patrons and a very large number of como uma maneira de acomodar partidos que agreguem suporte
potential clients”. Seja a nível nacional ou sub-nacional, a prática po- legislativo ao presidente. Esse modo de operação exige, principal-
lítica funciona por meio de troca de favores, cargos ou pork-barrel. mente, negociações de cargos de nomeação. Os anos 2000 trouxe-
Por outro lado, em alguma medida, é o que torna possível o bom ram estudos que buscaram calcular os custos da coalizão, seja na
funcionamento de um governo multipartidário e fragmentado. alocação de agentes políticos em cargos das mais diferentes esferas,
A publicação seminal de Abranches (1988) lançou a ideia de que seja a partir das parcelas orçamentárias destinadas à base aliada.
sem uma coalizão entre o Executivo e partidos políticos, a gover- Nesse bojo, destacam-se os estudos de Amorim Neto (2000; 2006),
nabilidade presidencial em sistemas multipartidários ficaria com- além de outros autores que passaram a contribuir com esse deba-
prometida. Como o próprio título do artigo especificava, o autor te (Pereira & Mueller, 2002; Pereira, Power & Rennó, 2005; Raille,
discorreu sobre os dilemas que fizeram repensar sobre o arranjo Pereira & Power, 2011).
institucional brasileiro. Seu argumento central é que as coalizões in- Mais recentemente, os estudos da relação entre Executivo e
ter-partidárias são cruciais para manter a governabilidade no país, Legislativo foram revistos. Na década de 2010, os trabalhos ele-
principalmente, no contexto de redemocratização em que o texto vam a presidência a patamares diferentes dos observados nos es-
foi escrito. tudos predecessores (Batista, 2013; Palermo, 2016). A dominância
Desde então, diversos foram os estudos que aprimoraram o do Executivo vem sendo notada pelos pesquisadores, não somente
pensamento do autor. A partir da década de 1990, destacam-se pela capacidade de implementação da agenda do governo, mas pelas
estudos fundamentais para o entendimento da formação dos ga- condições informais de controle do processo decisório legislativo
binetes ministeriais (Amorim Neto, 1994, 1998), além de estudos (Lameirão, Paiva & Carvalho, 2020). Ainda que “as decisões do
que identificaram os mecanismos que viabilizam a governabilida- Executivo, consubstanciadas em projetos legislativos submetidos ao
de, em especial, o poder de agenda do Legislativo pela presidência Congresso Nacional, originam-se nos ministérios” (Lameirão et al.,
(Figueiredo & Limongi, 1994, 1997, 1999; Limongi & Figueiredo, 2020, p.12); e que a base aliada indique para ocupar tais ministérios,
1998; Santos, 1997, 1999). O número elevado de partidos políticos agentes que possam representar os interesses particulares de cada
na disputa eleitoral reduz as possibilidades de o partido presidencial partido – trazendo consigo para a direção suas preferências políti-
formar uma maioria parlamentar. Em decorrência disso, se o presi- cas (Batista, 2013) –, no entanto, os presidentes tendem a delegar a
dente não recorrer a alianças com outros partidos para compor seu formulação de leis aos ministros do seu próprio partido. O Quadro
governo, ficará sujeito a enfrentar uma série de dificuldades ao longo 1 procura sintetizar o debate, com destaque para as discussões, te-
de seu mandato para a implementação de sua agenda governativa. máticas e autores que tratam da realidade brasileira.
Um dos desdobramentos da paralisia decisória é o enfraquecimento
do sistema político, pois a baixa capacidade de produzir decisões
pode gerar desconfiança popular, além da perda de apoio de grupos
empresariais e entidades sociais.
28 Alocação de políticos profissionais em ministérios da Nova República: Rodrigo da Silva & Amanda Sangalli 29
um estudo exploratório sobre o caso brasileiro
Quadro 1. Evolução do debate sobre o presidencialismo de coalizão Filippi, 2018). O background partidário, a formação, a carreira e a
Período Autores Discussão central regionalidade dos ministros de Estado têm demonstrado um papel
1988 Abranches, 1988 O presidencialismo de duplo dos ministérios, seu caráter técnico e burocrático por um
Debate coalizão brasileiro e seus lado, e seu potencial político por outro. Os ministros são respon-
inaugural dilemas institucionais sáveis pelo assessoramento do presidente e dentre suas atribuições
estão a de elaborar propostas de políticas públicas, gerenciar o or-
1990 Mainwaring, 1990; 1991; Presidencialismo como çamento designado à pasta, além de serem uma autoridade na área
Debate Linz, 1990; Valenzuela, 1991 suscetível a crises e de jurisdição a qual foram designados (Cavalcante & Palotti, 2016).
clássico instabilidade democrática
Devido a suas atribuições devem ser, ao menos, minimamente co-
nhecedores da área da pasta a qual ocupam e saber dialogar com os
2000-2010 Amorim Neto, 1994; 1998; Funcionalidade e
Manutenção 2000; Meneguello, 1998; estabilidade. Presidência forte parlamentares para propor políticas com chances de aprovação. Por
e os custos da Figueiredo & Limongi, com poderes de agenda, veto essa razão, são reconhecidos como figuras que permeiam espaços
coalizão 1994; 1997; 1999; Limongi e emendas orçamentárias administrativos e políticos.
& Figueiredo, 1998; Santos, As habilidades técnicas concernentes às especificidades para
1997; 1999
o exercício do cargo de ministro são denominadas expertise. Esse
2010-2015 Batista, 2013; Gaylord & Barreiras de contenção;
conceito não possui uma conceituação única, dividindo opiniões
Dominância Rennó, 2015; Freitas, 2016a; Revisão e controle do acerca de sua definição. Alguns autores mensuram-no com base na
do Executivo 2016b; Almeida, 2015; 2016; parlamento variável educacional, medindo, assim, a trajetória acadêmica deles
Bertholini & Pereira, 2017 (D’Araujo & Ribeiro, 2018; D’Araujo & Petek, 2018); outros apli-
cam-no a partir de variáveis de carreira, medindo, dessa forma, a
2015-2021 Bersch, Praça & Taylor, 2017; Dificuldades de governança e
Debates Mello & Spektor, 2018; Borges problemas de accountability;
experiência profissional adquirida na burocracia ou em cargos eleti-
recentes & Turgeon, 2019; Codato & Propensão à corrupção e ao vos; há ainda, a aplicação combinada dessas dimensões (Filipi, 2018;
Franz, 2018; D’Araujo, 2011, coattail effect; Estudos de Tokumoto & Filipi, 2018).
2018; D’Araujo & Ribeiro, perfis e carreiras de ministros Segundo a literatura, os ministros considerados políticos, convi-
2018; D’Araujo & Petek, 2018; e outros dirigentes públicos. vem em igual paridade com os “não políticos” nos governos do PT
Filipi, 2018; Tokumoto &
Filipi, 2018
e PSDB (Codato & Franz, 2018). Ademais, ambos possuem longa
Fonte: adaptado pelos autores com base em Batista (2016); Lameirão, carreira profissional, incluindo experiência administrativa, mesmo
Paiva & Carvalho (2020); Couto, Soares & Livramento (2021) que os não políticos tenham maior relação com o tema da pasta
para a qual são alocados. No que diz respeito à jurisdição, cumpre
Além desses estudos, outros primaram por abordagens em salientar que ministros que sejam do partido do presidente tendem
que se destacaram o perfil dos ocupantes das pastas ministeriais a ter maior relação com a área jurisdicional, em contraposição a um
(D’Araújo; 2011; D’Araújo & Ribeiro, 2018; Codato & Franz, 2018; índice menor encontrado nos ministros filiados aos partidos que
30 Alocação de políticos profissionais em ministérios da Nova República: Rodrigo da Silva & Amanda Sangalli 31
um estudo exploratório sobre o caso brasileiro
compõem a base de apoio do presidente da República (Cavalcante bem como os últimos quatro cargos antes de sua posse ministerial,
& Palotti, 2016). em cargos por concurso e/ou em posições de confiança de médio e
baixo escalão, além de professores, acadêmicos e executivos priva-
2. Metodologia dos (Codato & Franz, 2018).
O desenvolvimento teórico sobre trajetórias políticas, políticos 2.1 Fontes e banco de dados
profissionais e políticos de carreira foi, por muito tempo, dificultado
pela inconsistência conceitual. A partir de um indicador multidi- O banco de dados utilizado nesta pesquisa está disponível no re-
mensional, desenvolvido pelos pesquisadores Allen, Magni, Searing positório online Figshare e foi organizado por Perissinotto, Codato,
& Warncke (2020), políticos profissionais seriam aqueles que fazem Gené (2020). Foi elaborado para o projeto de pesquisa “Recrutamento
parte de um setor da classe política, que dedicam seu tempo integral ministerial em regimes presidenciais: Brasil e Argentina pós-rede-
em funções específicas da política. mocratização” que teve início em 2015. Os dados sobre os ministros
No caso dos ministros brasileiros, esta definição se torna es- do Brasil foram coletados por pesquisadores do Núcleo de Pesquisa
sencialmente complexa, na medida em que estes se identificam, na em Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná (NUSP/
maioria das vezes, tanto como políticos, quanto não políticos. Pela UFPR) e complementados pelos autores com novas variáveis. São
natureza do cargo, ministros de Estado precisam compartilhar fun- parte desta análise todos os ministros brasileiros no período de 1985
ções ora administrativas e técnicas, ora políticas e de negociação, a 2018 distribuídos em quatro jurisdições: econômica, social, mili-
seja junto à presidência da República, seja na tramitação de projetos tar e política.
de leis, decretos etc. frente ao Congresso Nacional. Sobre essa fusão As variáveis complementares são: i) partido político; ii) se o
de funções, a literatura vem ressaltando que dentre os que assumem ministro pertence ao partido do presidente; iii) se ele é político
funções decisórias na esfera pública, políticos vem baseando sua profissional; iv) se pertence ao primeiro gabinete formado; e v) se
atuação cada vez mais no discurso técnico, ao passo que os burocra- é do gabinete pré-impeachment (somente para os governos Collor
tas tratam de reforçar o aspecto político em sua estratégia de atua- de Mello e Rousseff II). A partir destas, foram calculadas outras três
ção (Loureiro & Abrucio, 1999). taxas de políticos profissionais (N de políticos profissionais/N total
Para dirimir estas questões, elencamos alguns critérios para de ministros), são elas: a taxa por governo, a do primeiro gabinete
definir ministros como políticos e como “não políticos”. Como po- e a do gabinete pré-impeachment. O critério de definição do início
líticos, entendemos aqueles que ocuparam ao longo de sua carreira do gabinete pré-impeachment foi a data de abertura do processo na
profissional ao menos dois cargos eletivos, seja a nível municipal, Câmara dos Deputados. Ademais, foram coletadas as informações
estadual ou federal; ou, pelo menos cinco cargos em diretórios par- para o governo Temer, que não constavam no banco original.
tidários, ou de nomeação em primeiro escalão da burocracia estatal; Foram diversas as fontes utilizadas para compilar os dados,
ou, ainda, uma combinação destes cargos. Como não políticos clas- dentre elas: a Biblioteca da Presidência da República, o Dicionário
sificamos os ministros que passaram a maior parte de suas carreiras, Histórico-Biográfico Brasileiro, publicado pelo Centro de Pesquisa
32 Alocação de políticos profissionais em ministérios da Nova República: Rodrigo da Silva & Amanda Sangalli 33
um estudo exploratório sobre o caso brasileiro
e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) Figura 1. Fórmula para cálculo do Número Efetivo de Partidos (NEP)
e, quando escassa a informação, os principais jornais e portais bra-
sileiros (Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, G1, Uol,
etc.).
Além da taxa de políticos profissionais, utilizamos mais duas
Fonte: calculadora do Sistema político, Centro de Estudos Legislativos (DCP/
medidas para os gabinetes brasileiros: o Índice de Coalescência UFMG)
proposto por Amorim Neto (2000) e o Número efetivo de partidos
(nep) desenvolvido por Laakso & Taagepera (1979). No primeiro 3. Resultados e discussão
caso, o índice de coalescência tem por objetivo medir a proporção
entre o número de ministérios que um partido integrante da coa- A este estudo, contudo, interessa a tentativa de mensurar as es-
lizão do governo chefia e o tamanho da bancada desse partido na colhas no que diz respeito à configuração dos gabinetes, levando
Câmara, levando em conta o total de cadeiras dos partidos governis- em conta que ministros de Estado são atores políticos fundamentais
tas. (Amorim Neto, 2000). Dessa forma, o índice busca compreen- na conformação de uma coalizão. Sabe-se também, pois a literatura
der o ajuste entre apoio político dos partidos e a retribuição que eles tem largamente demonstrado (Perissinotto et al., 2020), que a for-
possuem para o comando de ministérios, em que zero seria absoluta mação de gabinetes é um fator, entre os vários existentes, que per-
desproporcionalidade e 1 ajuste perfeito entre peso dos partidos e mite ao presidente da República construir uma coalizão e garantir
distribuição das pastas. governabilidade ao seu mandato.
No caso do NEP, o índice tem por objetivo definir o grau de Nesse contexto, e como exposto na introdução deste trabalho,
fragmentação das legendas, de modo a ponderar o grau de força que queremos compreender se, ao comparar os dados dos distintos go-
os partidos possuem em um dado sistema partidário. Dessa forma, vernos, há um padrão proporcional de políticos profissionais nos
o valor indica a quantidade de partidos com certa relevância, sendo gabinetes; e se, ministros políticos são convocados em períodos de
que um número efetivo 3 indicaria que um sistema partidário pos- crise de impeachment. Os resultados parciais se dividem em três
suiria três partidos com força relativa, a despeito de existirem outras subtópicos. No primeiro, um panorama geral é apresentado sobre a
legendas. Para o cálculo, segue-se o seguinte critério: “O NEP é cal- série histórica; no segundo, uma comparação dos governos da crise
culado dividindo-se 1 pelo somatório do quadrado das proporções do impeachment e o último sobre os vice-presidentes que se tornam
de votos ou de cadeiras obtidas pelos partidos em uma dada eleição sucessores após a queda presidencial.
conforme a fórmula abaixo, onde indica a fração de votos ou cargos
obtidos pelo partido”1. 3.1 Ministros políticos profissionais na Nova República
governo (1985-2018)
Tabela 1. Panorama histórico da taxa de políticos profissionais, taxa de coalescência, partidos da coalizão, NEP e
pertencimento ao partido do presidente
Taxa de políticos profissionais Taxa de coalescência Partidos da oalizão
presidente total de políticos governo 1º último governo 1º último é partido do NEP 1º gabinete*
ministros profissionais gabinete gabinete gabinete gabinete presidente
N N N %
Sarney 49 22 0,45 0,35 0,31 0,57 0,66 0,41 15 31 3,66 PFL-PTB-PDS
(PMDB)
Collor 50 18 0,36 0,26 0,36 0,40 0,40 0,46 0 0 9,72 PFL-PRN
(PRN)
Itamar 46 17 0,37 0,43 0,16 0,48 0,62 0,22 5 10 8,54 PFL-PSDB-PTB-PDT-
(PMDB) PSB
(PT)
PCdoB-PSDC-PRB
35
36 Alocação de políticos profissionais em ministérios da Nova República: Rodrigo da Silva & Amanda Sangalli 37
um estudo exploratório sobre o caso brasileiro
Dilma 2 segundo Cardozo & Pratti (2016, p. 17-18) e Couto, L., Soares, A., & Livramento, B. (2021) e Temer segundo Feliú
PR-PDT-PROS-PMDB-
PSD-PRB-PTB-PCdoB
O governo de Sarney, considerado como um período de tran-
Partidos da oalizão
PR-PTB-SD-PSC-PSB
PSD-PRP- PRB-PEN-
DEM-PSDB-PP-PSL-
sição à democracia, já indicava que o político profissional seria
Fonte: elaboração própria com base em Amorim Neto, 2000 citado por Vasselai, 2009; Cardozo & Pratti, 2016; Pereira,
*Partidos da coalizão de Sarney a Cardoso 1 no primeiro gabinete segundo Amorim Neto (2000, p.56); de Cardoso 2 a
PP-
-
-
uma figura bastante considerada para ocupar gabinetes ministeriais
Tabela 1. Panorama histórico da taxa de políticos profissionais, taxa de coalescência, partidos da coalizão, NEP e
13,90
9,6
9,5
30
31
28
18
15
14
-
-
Taxa de coalescência
-
-
0,98
0,57
0,55
0,46
0,4
0,4
0,78
0,52
0,52
0,64
0,61
0,50
0,48
37
22
24
60
49
49
(2018, p. 192)
Rousseff 2
Mediana
(PMDB)
Temer
Média
(PT)
38 Alocação de políticos profissionais em ministérios da Nova República: Rodrigo da Silva & Amanda Sangalli 39
um estudo exploratório sobre o caso brasileiro
o Presidente para gerir a coalizão e acomodar os aliados da base dos e municípios e os maiores orçamentos da Esplanada. Ademais,
aliada. por mais que seja comandado por uma não política, o ministério
da Fazenda, de grande importância e, principalmente significativo
Tabela 2. Ministros do 1º gabinete do governo Collor de Melo para o momento, dado o processo inflacionário e de desestabiliza-
Ministro Ministério Partido do Partido do Político ção que a economia vivia ao longo da década de 1980, é entregue a
presidente ministro profissional
Zélia Cardoso de Melo, ligada ao PMDB e ao próprio presidente da
Antônio Rogério Trabalho e PRN Independente não República.
Magri Previdência social
O segundo mandato de Dilma Rousseff inicia com o maior
José Francisco Relações PRN Independente não número de ministros no período analisado. O gabinete que tomou
Rezek exteriores
posse com a presidente em 1˚ de janeiro de 2015 contava com 40
Alceni Ângelo Saúde PRN PR não ministros; destes, 27 (67%) eram políticos profissionais, como mos-
Guerra
tra a tabela 1. Essa taxa só é encontrada no primeiro gabinete de
José Bernardo Justiça PRN Independente não
Lula da Silva (segundo mandato) e superada pelo governo de Michel
Cabral
Temer, com 78%.
Ozires silva Infraestrutura PRN Independente sim
Faziam parte da composição do gabinete 9 partidos, os quais
Carlos Alberto Educação PRN PFL sim detinham 14 ministérios, distribuídos da seguinte forma: MDB (5);
Gomes Chiarelli
PSD (2); PTB (1); PCdoB (1); PDT (1); PL (1); PRB (1); PROS (1);
Zélia Maria Economia, PRN MDB não
PP (1). 13 ministros eram do partido da presidente (PT), quase um
Cardoso de Mello fazenda e
planejamento terço, portanto, uma sobre representação que se verificou ao longo
dos governos do PT. E os outros 13 eram independentes (princi-
Margarida Maria Acao social PRN 99 não
Maia Procópio palmente ligados a ministérios ou secretarias como CGU, Banco
Marinha PRN Independente não
Central, AGU, e outros órgãos de caráter mais técnico do governo).
Aeronáutica PRN Independente não Reeleita para o segundo mandato em eleição acirrada, Dilma
Jonas de Morais Estado-maior das PRN Independente não Rousseff teve de compor, como visto, uma base aliada ampla com
Correia Neto Forças armadas
partidos de distintos espectros e vieses políticos. Para gerir a coali-
Agricultura e PRN zão e manter o apoio, entre os meses de fevereiro e junho de 2015,
abastecimento
Rousseff fez 7 mudanças, dando um ministério para o MDB e 3 para
Fonte: elaboração própria (2021)
o PT. No caso do partido da presidente, nota-se a reacomodação de
ministros políticos em postos estratégicos para o período, dentre
Por mais que Collor precise se afastar do discurso político, é vi-
eles Edinho Silva, que assumiu a Secretaria de Comunicação Social
sível que ele busca acomodar a base aliada, a se ver pelos Ministérios
da presidência da República; Pepe Vargas (Direitos Humanos), além
da Educação acomodando o PFL e o da Saúde, entregue ao PR, am-
de José Eduardo Cardozo, que saiu do ministério da Justiça e foi aco-
bas as pastas, historicamente com grande capilaridade entre os esta-
42 Alocação de políticos profissionais em ministérios da Nova República: Rodrigo da Silva & Amanda Sangalli 43
um estudo exploratório sobre o caso brasileiro
modado como Advogado-Geral da União, e desempenharia papel 2009, 2018; Codato & Franz, 2018) e do primeiro mandato de Dilma
fundamental, quando da instalação do processo de impeachment. Rousseff. Marcados pela consolidação democrática e institucional,
Em outubro de 2015, é possível verificar uma reforma minis- os governos viram os índices de participação de políticos profissio-
terial de significativa proporção, são 10 mudanças, sendo 3 delas nais aumentarem de 0,37 no primeiro governo de Cardoso para 0,62
buscando apoio do MDB; 3 do PT, além de outros partidos da base no primeiro mandato de Rousseff. Fenômeno igualmente constata-
de apoio. Vale destacar que destes, oito são políticos profissionais, e do no número efetivo de partidos, cujo número, no mesmo período,
dois são indicação direta do partido da presidente, no caso Nilma saltou de 6,87 para 13,59, quase o dobro, demonstrando o que se
Lino Gomes, ministério das mulheres, da igualdade racial, da juven- constatou ao longo das análises, a saber a de que quanto mais se
tude e dos direitos humanos. fragmentou o sistema partidário, mais os presidentes tiveram difi-
culdades em gerir as coalizões.
Considerações finais Um dos aspectos a se destacar é que este paper buscou, mesmo
com resultados e principalmente análises preliminares, distanciar-
A análise exploratória indicou que políticos profissionais são -se de um trabalho meramente descritivo. Buscamos compreender
figuras relevantes nos arranjos da coalizão. E por mais que configu- a participação dos ministros políticos profissionais nos gabinetes da
rem relativa paridade com os ministros não-políticos, há uma ten- Nova República brasileira à luz da Sociologia Política. Esta corrente,
dência crescente da presença desses atores nos gabinetes da Nova e este foi o propósito aqui, dedica-se à compreensão das trajetórias
República. Por mais que instituições exerçam constrangimentos aos analisando as origens sociais, bem como, e a partir disso, os back-
mandatários e aos atores envolvidos na coalizão, os períodos de cri- grounds profissionais (Codato & Franz, 2018). Ademais, ao tentar
se do impeachment não apresentam padrões, mas peculiaridades de compreender os dados, procuramos analisar os contextos, a fim de
acordo com os contextos sociopolíticos. Quando comparados aos perceber a importância, tanto de atores, como de instituições, assim
demais, o segundo governo de Rousseff é o que apresenta a taxa de como os contextos em que estão inseridos.
políticos profissionais mais elevada.
Acerca dos governos dos vices que assumiram a presidência, os
dados demonstram igualmente situações muito díspares. Enquanto
Itamar Franco possui uma taxa de 37% de participação de políticos
profissionais em seu gabinete; Michel Temer apresentou quase o do-
bro (61%). Uma limitação deste trabalho é que não conseguimos
adentrar a explicações mais detalhadas acerca da composição dos
ministérios de Franco e Temer, bem como quem são os atores polí-
ticos que figuraram como ministros de Estado nos respectivos go-
vernos. Isso também ocorreu para os governos de Cardoso e Lula da
Silva, por já haver estudo específico para estes governos (D’Araújo,
44 Alocação de políticos profissionais em ministérios da Nova República: Rodrigo da Silva & Amanda Sangalli 45
um estudo exploratório sobre o caso brasileiro
Amorim Neto, O (1998) Of presidents, parties, and ministers: Couto, L., Soares, A. & Livramento, B (2021) Presidencialismo de
Cabinet formation and legislative decision-making under separation coalizão: conceito e aplicação. Revista Brasileira de Ciência Política,
of powers. University of California, San Diego. s/v (34), pp. 1-39.
Amorim Neto, O (2000) Presidential cabinets, electoral cycles, and D’Araujo, M. C. (2009) A elite dirigente do governo Lula. Rio de
coalition discipline in Brazil. Dados, 43(3), pp. 479-519. Janeiro: Editora FGV.
Amorim Neto, O. (2006) The presidential calculus: Executive policy D’Araujo, M. C. (2011) PSDB e PT e o Poder Executivo. Desigualdade
making and cabinet formation in the Americas. Comparative e Diversidade, s/v (Edição especial), pp. 65-100.
Political Studies, 39(4), pp. 415-440.
D’Araujo, M. C. (2018) Técnicos, intelectuais e políticos na Nova
Batista, M. (2013) O poder no Executivo: uma análise do papel República: um perfil dos dirigentes públicos dos governos Fernando
da Presidência e dos Ministérios no presidencialismo de coalizão Henrique, Lula e Dilma. Rio de Janeiro, Ed. PUC-Rio.
brasileiro (1995-2010). Opinião Pública, 19(2), pp. 449-473.
D’Araujo, M. C. & Petek, J. (2018) Recrutamento e perfil dos
Batista, M. (2016) O Poder no Executivo: explicações no dirigentes públicos brasileiros nas áreas econômicas e sociais entre
presidencialismo, parlamentarismo e presidencialismo de coalizão. 1995 e 2012. Revista de Administração Pública, 52(5), pp. 840-862.
Revista de Sociologia e Política, 24(57), pp. 127-155.
D’Araujo, M. C. & Ribeiro, G. L. (2018) Trajetória socioeducacional
dos ministros brasileiros na Nova República (1985-2014). Revista
de Sociologia e Política, 26(65), pp. 39-61.
46 Alocação de políticos profissionais em ministérios da Nova República: Rodrigo da Silva & Amanda Sangalli 47
um estudo exploratório sobre o caso brasileiro
Ferreira, D. P., Batista, C. M. & Stabile, M. (2008) A evolução do Limongi, F. & Figueiredo, A. C. (1998) Bases institucionais do
sistema partidário brasileiro: número de partidos e votação no presidencialismo de coalizão. Lua Nova: revista de cultura e política,
plano subnacional 1982-2006. Opinião Pública, 14(2), pp. 432-453. s/v(44), pp. 81-106.
Figueiredo, A. C. & Limongi, F. (1999) Executivo e Legislativo na Linz, J. J. (1990) The perils of presidentialism. Journal of democracy,
nova ordem constitucional. Editora FGV. 1(1), pp. 51-69.
Figueiredo, A. C. & Limongi, F. (1994) O processo legislativo e a Loureiro, M. R. & Abrucio, F. L. (1999) Política e burocracia no
produção legal no congresso pós-constituinte. Novos Estudos presidencialismo brasileiro: o papel do Ministério da Fazenda no
Cebrap, 38(1), pp. 3-38. primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. Revista Brasileira
de Ciências Sociais, 14(41), pp. 69-89.
Figueiredo, A. C. & Limongi, F. (1997) O Congresso e as medidas
provisórias: abdicação ou delegação?. Novos Estudos Cebrap, 47(1), Mainwaring, S. (1993) Presidentialism, multipartism, and
pp. 127-154. democracy: The difficult combination. Comparative political
studies, 26(2), pp. 198-228.
Filipi, T. M. (2018) Os ministros da Fazenda no Brasil (1889-2015):
análise de carreira a partir da expertise ministerial. Dissertação de Nogueira Alcalá, H. (2017) La tipología de gobiernos presidencialistas
Mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. de América Latina y gobiernos semipresidenciales en Europa.
Estudios constitucionales, 15(2), pp. 15-82.
Laakso, M. & Taagepera, R. (1979) “Effective” number of parties:
a measure with application to West Europe. Comparative political Palermo, V. (2016) Brazilian political institutions: an inconclusive
studies, 12(1), pp. 3-27. debate. Brazilian Political Science Review, 10(2).
Lameira, R. F. (2019) Por que caem os presidentes?: rejeição popular, Pereira, C. & Mueller, B. (2002) Comportamento estratégico
oposição majoritária e impeachments no Brasil (1990-2018). Tese de em presidencialismo de coalizão: as relações entre Executivo e
Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa Legislativo na elaboração do orçamento brasileiro. Dados, 45(2),
de Pós-Graduação em Ciência Política. pp. 265-301.
Lameirão, C., Paiva, D. & Carvalho, G. (2020) O debate recente nos 30 Pereira, C., Power, T. J. & Rennó, L. (2005) Under what conditions
anos do presidencialismo de coalizão: novas abordagens, dimensões do presidents resort to decree power? Theory and evidence from the
de análise e algumas notas sobre a dominância do Executivo. Revista Brazilian case. The Journal of Politics, 67(1), pp. 178-200.
Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB,
3(93), pp. 1-24
48 Alocação de políticos profissionais em ministérios da Nova República: Rodrigo da Silva & Amanda Sangalli 49
um estudo exploratório sobre o caso brasileiro
Pérez-Liñán, A. (2007) Presidential impeachment and the new Santos, F. (1999) Instituições eleitorais e desempenho do
political instability in Latin America. Cambridge University Press. presidencialismo no Brasil. Dados, 42(1), pp. 111-138.
Perissinotto, R., Codato, A. & Gené, M. (2020) QUANDO O Tokumoto, A. & Filipi, T. M. (2018) O conceito de expertise e sua
CONTEXTO IMPORTA. Análise do turnover ministerial na aplicação: O caso dos ministros da Fazenda e presidentes do BNDE
Argentina e no Brasil após a redemocratização. Revista Brasileira de no Brasil (1930-1964). Agenda Política, 6(1), pp. 213-246.
Ciências Sociais, 35(104).
Vitullo, G. E. & da Silva, F. P. (2020) O que a Ciência Política (não)
Power, T. J. (2010) Optimism, pessimism, and coalitional tem a Dizer sobre o Neogolpismo Latino-Americano?. Revista de
presidentialism: Debating the institutional design of Brazilian Estudos e Pesquisas sobre as Américas, 4(2), pp. 27-66.
democracy. Bulletin of Latin American Research, 29(1), pp. 18-33.
Raile, E. D., Pereira, C. & Power, T. J. (2011) The executive toolbox: Sobre os autores
Building legislative support in a multiparty presidential regime.
Political Research Quarterly, 64(2), pp. 323-334. Rodrigo da Silva é mestrando em Ciência Política na Universidade
Federal do Paraná. E-mail: [email protected]. CV
Rodrigues, L. M. (1995) Eleições, fragmentação partidária e Lattes: http://lattes.cnpq.br/0585890356073089
governabilidade. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, 1(41), 1995, pp.
78-90. Amanda Sangalli é mestranda em Ciência Política na Universidade
Federal do Paraná. E-mail: [email protected]. CV Lattes:
Sallum Jr, B. (2018) O governo e o impeachment de Fernando Collor http://lattes.cnpq.br/2860725296078493
de Mello. In Ferreira, Jorge; Delgado, Lucilia de Almeida Neves
(orgs). O tempo da Nova República Da transição democrática à crise
política de 2016. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, pp. 163-191.
Contexto
Essa pesquisa pretende explorar o processo de formação de
coalizões de governo em escala subnacional no Brasil, analisando
o processo de recrutamento de secretários de estado em duas
unidades federativas: Paraná e São Paulo. Queremos saber, qual o
padrão das coalizões de governos formadas em relação ao tamanho,
e quão partidarizados são os governos estaduais.
Objetivos
Analisar o padrão de coalizões de governos formadas nos últimos
dois governos do Paraná e de São Paulo em relação (1) ao tamanho
das coalizões em relação a participação de partidos legislativos; e (2)
o quão partidarizado são os gabinetes nos casos explorados.
Métodos
Essa pesquisa exploratória de caráter quantitativo e descritivo, vale-se de
um banco de dados desenvolvido pelos autores sobre o perfil político
e social dos secretários estaduais, alimentado com diversas fontes
públicas e abertas, como ferramentas do TSE, o Dicionário histórico
CAPÍTULO 2 bibliográfico da FGV, sites jornalísticos e consulta ao Diário Oficial
dos governos estaduais. Constatamos no decorrer da pesquisa um
imenso desafio para obtenção de dados abertos sobre secretários de
52 Comparando a formação de coalizões em escala subnacional: elites Diogo Tavares, Gabriel Marcondes de Moura 53
estatais e padrões de governo no Paraná e em São Paulo em uma & Geissa Cristina Franco
análise exploratória
RQ 1: Qual o padrão de formação dos governos de coalizão no estado Com o amadurecimento democrático do país e o aumento da
do Paraná e de São Paulo? competição política em todas as esferas da federação, inclusive com
sistemas partidários regionalizados, os governos compartilhados
RQ 2: Quão partidarizado são esses gabinetes estaduais? de coalizão partidária, assim como ocorre a nível nacional, torna-
ram-se realidade também na política subnacional em determinado
O conhecimento sobre a temática até aqui se dá em diferentes momento.
etapas. Abrindo o caminho da discussão, Abrúcio (1994a, 1994b) Mediante essa discussão, esta pesquisa pretende analisar o atu-
acredita na força institucional dos governadores como peça-chave al momento da política de coalizões na política subnacional, com
para que a lógica do presidencialismo de coalizão observadas no ní- o objetivo de observar as características das coalizões de governos
vel nacional não opere nas unidades federativas. O poder de agenda formadas nos atuais governos do Paraná e de São Paulo (Governo
dos governadores, seria garantido pelo que o autor denomina de Ratinho e Dória), e os governos interinos que antecederam as elei-
“pacto homologatório”, uma espécie de acordo entre deputados e o ções de 2018 em ambos os estados (Cida e França). Os objetivos es-
chefe do executivo alimentado com Pork Barrel, sem grande discus- pecíficos deste paper são (1) Apontar as características dos governos
são sobre a agenda, orçamento e espaço compartilhado de modo em relação ao tamanho das coalizões na forma de status (2) exibir o
proporcional na administração pública (Abrúcio, 1994a). nível de partidarização dos gabinetes.
Porém, a antítese à tese do ultrapresidencialismo estadual cha- A escolha das duas unidades federativas se justifica pelo fato
ma a atenção para algumas falhas na análise e aspectos que podem de que as unidades federativas no Brasil compartilham do mesmo
ser relativizados nos achados de Abrucio. Parte das críticas concen- período do processo de redemocratização e compartilham as mes-
tram-se na unidade de análise e no extremo foco no comportamen- mas regras do jogo, tanto eleitorais quanto de governança no que se
to legislativo dos parlamentares estaduais, com pouca atenção no refere a relação entre poderes e a produção de políticas. No entanto,
processo de formação de coalizões no Executivo no formato das esses dois estados se diferenciam em aspectos políticos. O estado do
discussões das Coalitions theories (Sandes-Freitas, 2019). Paraná apresentou um contexto eleitoral bastante competitivo desde
Outro argumento presente na literatura, é a necessidade de a redemocratização, vivenciando consideráveis alterações de poder
relativização dos achados de Abrucio, pois eles são uma realida- entre as elites locais. Já o estado de São Paulo conta com o mesmo
de estática de determinado período histórico. Para os relativistas, partido no poder desde 1994, apresentando baixa alternância de po-
os governadores figuraram num primeiro momento como figuras der no posto de chefe de governo do estado. Assim vamos procurar
muito fortes porque foram agentes essenciais no processo de re- explorar características no processo de formação de coalizões de go-
democratização do país, muitas vezes unânimes em seus estados, verno nesses dois casos que compartilham da mesma regra do jogo,
que venceram eleições mediante acordos da transição democrática, mas que contemplam características políticas distintas, havendo a
numa realidade com pouco terreno para oposição e de grande força necessidade de produção de estudos comparados.
política do PMDB (Sandes-Freitas, 2019; Silame & Santos, 2020). Buscamos trabalhar com um conceito de coalizão num con-
texto presidencializado. Governos de coalizão num contexto presi-
56 Comparando a formação de coalizões em escala subnacional: elites Diogo Tavares, Gabriel Marcondes de Moura 57
estatais e padrões de governo no Paraná e em São Paulo em uma & Geissa Cristina Franco
análise exploratória
dencialista correspondem a uma aliança de partidos com o objetivo de poder entre o Executivo e o Legislativo nos estados federativos
de ação governamental comum, em torno de um formador presi- (hipertrofia do Governo Estadual). A literatura chama esse fenôme-
dencial e em convergência dos recursos organizacionais, levando no de ultrapresidencialismo estadual (Abrúcio, 1998).
em conta o número de cadeiras legislativas para a distribuição das Nesse contexto de presidencialismo com desequilíbrio de pode-
carteiras ministeriais entre os participantes (Albala, 2016). res quase todas as etapas do processo legislativo estão nas mãos do
O presente paper está dividido em três partes. A primeira traz governador, tendo a Assembleia Legislativa uma atuação cartorial,
uma revisão de literatura acerca da discussão do ultrapresidencialis- o que Abrucio denominou como Pacto Homologatório (1998). Esse
mo estadual, suas limitações, problemas e agendas. Em seguida, apre- “pacto” nem sempre é uma escolha, ele é facilitado pela ausência
sentamos a metodologia e lançamos mão do método comparativo de mecanismos de controle por parte do legislativo, enfraquecen-
para analisar os estados, gabinetes e coalizões. Consequentemente, do as possibilidades de freios e contrapesos (check and balance) e
passa-se à análise dos resultados preliminares sobre as característi- dificultando a fiscalização entre os três poderes (Abrucio, 1998).
cas e o tamanho das coalizões, bem como o nível de partidarização Neste cenário, os parlamentares estaduais têm pouco espaço para
dos gabinetes investigados. Por fim, discutimos esses resultados e trabalhar em suas agendas legislativas, pouco sucesso na aprovação
conversamos com a literatura, relatando os passos subsequentes de matérias não honoríficas apresentadas (como saúde, educação,
desta pesquisa, os desafios metodológicos e contribuindo com su- segurança pública, trânsito) e nenhuma prerrogativa orçamentária
gestões de discussão futura para essa agenda. (Abrucio, 1998).
Com poucos recursos à disposição, a atuação distributivista dos
1. Discussão da literatura parlamentares junto ao governador impera sobre o trabalho legisla-
tivo propriamente dito, e o Pork Barrel e a patronagem pública ou
Os estudos de coalizão, de modo geral, têm como foco analisar privada, funcionam como as principais moedas de troca entre os go-
como ocorrem a formação de gabinetes a partir da estruturação e vernadores e o legislativo. Porém, há uma literatura que relativiza a
manutenção de alianças entre chefes de governo e partidos (Sandes- centralização do poder dos governadores a nível estadual. A antítese
Freitas, 2009). Quando a análise está pautada a nível subnacional, há ao debate de Abrucio sustenta que as teses levantadas pelo autor são
uma literatura menos robusta sobre esse processo. Um dos precur- frutos de uma realidade específica, de uma análise estática no tempo
sores dos estudos sobre a política dos estados no Brasil foi Abrucio que não perdurou com o amadurecimento da democracia no Brasil.
(1998). Em sua pesquisa, o autor buscou analisar a supremacia dos Um estudo realizado sobre seis Assembleias Legislativas iden-
governadores frente as assembleias estaduais (Abrúcio, 1994; 1998). tificou maior equilíbrio na relação de poderes nas Assembleias de
A análise de Abrucio (1998) é sobre a relação Executivo- Minas Gerais e no Rio de Janeiro, tanto no processo de fiscalização
Legislativo e suas nuances a nível local. Para o autor, mesmo que como na produção legislativa. Na Assembleia do Rio Grande do Sul
a Constituição de 1988 tenha delegado mais poder aos legislativos e do Ceará, houve maior preponderância por parte dos governa-
repartindo prerrogativas, a relação entre os poderes permaneceu dores somente quando eles estabeleceram coalizões que refletia em
muito desigual nas unidades subnacionais. Existe uma assimetria maiorias partidárias construídas durante o processo eleitoral. Na
58 Comparando a formação de coalizões em escala subnacional: elites Diogo Tavares, Gabriel Marcondes de Moura 59
estatais e padrões de governo no Paraná e em São Paulo em uma & Geissa Cristina Franco
análise exploratória
Assembleia de São Paulo e do Espírito Santo, os casos se asseme- Uma agenda em construção a qual este trabalho pretende con-
lham aos achados de Abrucio, imperando um ultrapresidencialismo tribuir é a análise de como são formados os governos de coalizão,
(Santos, 2011). com base nas nomeações de gabinetes pela indicação dos gover-
Outra pesquisa que relativizou os achados de Abrucio teve como nadores para as secretarias estaduais. Algumas questões têm sido
recorte 12 Assembleias Legislativas e apontou que há uma diversifi- exploradas por essa agenda de forma paulatina. Por exemplo: é pos-
cação dentro dessas instituições, não sendo possível generalizar que sível aplicar a lógica do presidencialismo de coalizão para o nível es-
existe apenas o domínio do Poder Executivo. No recorte geográfico tadual? Os governadores, quando formam seus gabinetes, levam em
feito por Tomio e Ricci (2012), a Assembleia de Sergipe foi a que conta todas as etapas da formação da coalizão, incluindo apoiadores
teve uma maior conexão com as reflexões teóricas e empíricas sobre partidários realizados durante o período eleitoral somada a rodada
o ultrapresidencialismo estadual. Porém, as demais instituições ana- legislativa de negociação das coalizões? (Sandes-Freitas, 2019).
lisadas possuíam características diversas, sendo a dinâmica entre o O resultado da composição de gabinetes tem uma relação direta
Executivo e o Legislativo estadual mais complexa do que inicial- com o que Tsebelis (2009) define como vantagens institucionais e
mente se poderia imaginar (Tomio & Ricci, 2012). vantagens posicionais, ou seja, a regra do jogo e o ambiente legislati-
Assim foi possível identificar variáveis importantes para a rela- vo vão definir como os chefes de governo constroem suas maiorias.
tivização do ultrapresidencialismo estadual e do pacto homologató- As vantagens obtidas por meio de prerrogativas constitucionais e
rio. Para Tomio e Ricci (2012), independente do apoio parlamentar regimentais são classificadas por Tsebelis (2009) como vantagens
que o governador receba, as prerrogativas constitucionais dão aos institucionais, as quais são essenciais para definir o poder que o
governadores um “poder proativo”, o que não quer dizer que as Executivo tem, tanto em matéria da formação e manutenção da
Assembleias tenham apenas o papel homologatório. Santos (2011) coalizão de governo, como para a aprovação de políticas (Tsebelis,
chama a atenção para o fator informacional, presente nos estudos 2009). Para o autor, quanto mais vantagens institucionais (prerro-
legislativos, como essenciais para que o legislativo faça frente ao gativas) têm o Executivo, menor será a necessidade de movimentar
Executivo nas discussões temáticas. O autor apresenta o caso da ‘vantagens posicionais’, ou seja, a necessidade de formar coalizões
Assembleia de Minas que com a existência de uma assessoria par- partidárias estratégicas, numerosas e com alinhamento ideológico
lamentar especializada garantia forte capacidade informacional do com os membros da legislatura (Tsebelis, 2009).
parlamento tornando a relação entre poderes mais equilibrada se A literatura sobre o âmbito nacional apontou que quando o
comparada a outras unidades federativas (Santos, 2011). presidente forma seus ministérios um aspecto relacionado à nome-
Há poucas análises sobre como é feita a composição de gabine- ação das pessoas que compõem esse espaço são os acordos reali-
tes quando pensamos na geografia estadual. Boa parte dos estudos zados no período eleitoral (Albala & Reniu, 2018). Somado a isso,
apontam para a produção legislativa dos governadores (Abrucio, os presidentes ainda minoritários, incluem rodadas de negociações
1998; Santos, 2001; Tomio & Ricci, 2012), sendo essas contribuições legislativas que incluem a discussão da agenda e a participação dos
relevantes mas não suficientes para entender como funciona a rela- partidos políticos nas comissões parlamentares (Medeiros et al.,
ção Executivo-Legislativo.
60 Comparando a formação de coalizões em escala subnacional: elites Diogo Tavares, Gabriel Marcondes de Moura 61
estatais e padrões de governo no Paraná e em São Paulo em uma & Geissa Cristina Franco
análise exploratória
2013); (Abranches, 1988); (Amorim Neto, 2000); (Figueiredo & redemocratização formaram gabinetes técnicos ou unipartidários,
Limongi, 2001); (Albala & Reniu, 2018). contando no máximo com quadros do próprio partido, resultado
Já nos estados os governadores atuam acima de seus partidos das teses de Abrucio. T2: Período de coalizões de governo entre
e estão no centro dos processos de formação de governos, já que partidos e coalescentes, como resultado do amadurecimento demo-
possuem consideráveis vantagens institucionais para isso. Assim, crático do país e com o estabelecimento de um quadro político mais
uma hipótese lançada por Sandes-Freitas (2019) é que quando há competitivo nos estados com sistemas de multipartidarismo mode-
gabinetes estaduais formados por vários partidos, isso é resultado rado com bancadas robustas nas assembleias, assim como ascen-
de negociações no período eleitoral. Variáveis endógenas (internas são dos partidos de esquerda antes relegados a oposição no âmbito
à relação Executivo/Legislativo) não são suficientes para entender subnacional T3: Gabinetes de coalizão eleitoral, pouco coalescen-
a conexão entre o governo e partidos a nível estadual, sendo ne- tes, com ausência da negociação na arena legislativa, resultado do
cessário desenvolver estudos com variáveis exógenas como aspectos enfraquecimento das bancadas partidárias nas assembleias devido
eleitorais (Sandes-Freitas, 2019). a hiper fragmentação partidária, que reduziu o poder de veto dos
Uma pesquisa que teve como foco as alianças formadas nos go- partidos no legislativo (principalmente de oposição) e a necessidade
vernos de São Paulo e Piauí demonstrou que a alocação dos cargos dos governadores de arregimentar vantagens posicionais.
ocorreu primeiro pensando em quem apoiou o governador durante Isso não quer dizer que atualmente os governadores não utili-
as eleições. Os governadores se preocuparam em conceder os cargos zam táticas de reformas do secretariado no decorrer do mandato.
aos partidos que os apoiaram durante o ciclo eleitoral, não realizan- Muitas vezes pode ocorrer após as eleições municipais, resultado
do tanto o cálculo do quão relevante são os partidos no legislativo de um rearranjo geográfico das forças políticas regionais, e a proxi-
(Sandes-Freitas & Massonetto, 2017). Isso não acontece em todas as midade do pleito das eleições estaduais. Acreditamos que esse é um
unidades federativas, visto que a arena eleitoral não explica por si dos fatores primordiais para analisar a estabilidade dos gabinetes
só a formação dos gabinetes estaduais, mas ela deve ser levada em dos governadores, onde quanto mais partidarizado o gabinete me-
conta como uma variável explicativa (Sandes-Freitas & Massonetto, nos estável ele será, tendo em vista que os secretários partidários são
2017). candidatos de qualquer eleição.
Acreditamos que o processo de formação de coalizões nos esta- Nesta seção do trabalho buscamos apontar como a literatura de
dos ocorreu de modo diferente de acordo com o amadurecimento Ciência Política estuda a relação Executivo/Legislativo a nível sub-
da democracia e da ultra fragmentação partidária. Assim, acredi- nacional. Percebemos que há, de fato, poucas pesquisas na temática,
tamos que no decorrer de nossa pesquisa longitudinal podemos especialmente quando se direciona os estudos para formação de ga-
encontrar modelos de formação de governos em três conjunturas binetes. Entendemos que é necessário pensar em variáveis exógenas,
diferentes que aconteceram de acordo com a evolução do sistema em específico eleitorais, quando queremos uma análise mais am-
político brasileiro: pliada do tema. Na próxima seção apontaremos as técnicas meto-
T1: Ocorre logo após o período de redemocratização, onde dológicas empregadas neste estudo, bem como o método utilizado.
governadores fortes como os principais agentes do processo de
62 Comparando a formação de coalizões em escala subnacional: elites Diogo Tavares, Gabriel Marcondes de Moura 63
estatais e padrões de governo no Paraná e em São Paulo em uma & Geissa Cristina Franco
análise exploratória
para encontrar as informações necessárias. Da mesma forma, as Barrel, e as negociações de eleições de meio de ciclo e pré-eleitorais
fontes do grupo 3 exigem familiaridade com as ferramentas e recur- (Massonetto & Pedrosa, 2019). Em nossa pesquisa sobre o governo
sos disponibilizados pelo TSE, considerando o fato de que elas não do Paraná, encontramos até mesmo caso de patronagem em empre-
são nada intuitivas e são desprovidas de comunicação entre si. As sas privadas da família do governador.
fontes variadas que constituem o grupo 2 são as que impõem maio- Outra dimensão que buscamos analisar é o status da coalizão.
res dificuldades para a coleta, dado o fato de que a informação pode Buscando dialogar com a coalitions teories utilizamos uma classifi-
não ser encontrada, às vezes quando encontrada pode ser imprecisa, cação baseada na literatura para categorizar gabinetes em democra-
ou constar de uma única fonte sem ser possível checar e confirmar cias majoritárias e consensuais conforme Lijphart:
em fontes secundárias. Enfim, o grupo dois corresponde a fontes
que necessitam de maior atenção e cuidado, em que muitas vezes Quadro 2. Tipologia simplificada de Status da coalizão
requer a opção de deixar em branco ao invés de coletar uma infor- Status da coalizão Descrição
mação possivelmente falsa ou imprecisa. Por fim, o grupo 4 trata-se Governos São governos com gabinetes de partido único, cuja
de operações dos autores, com base em variáveis e categorias que a majoritários de o partido no governo também detém uma maioria
partido único legislativa. São comuns em democracias majoritárias
literatura oferta.
como nos Estados Unidos e Inglaterra. O fato de o
governo ser composto por um só partido, não exclui o
3. Resultados e discussão fato de que haja negociações entre facções desse partido
ou setores da sociedade civil e militar para formar o
Nesta pesquisa apresentamos dados parciais a partir do recorte governo.
temporal de nossa pesquisa exploratória, com foco na partidariza- Governo de coalizão Governos minoritários são aqueles que não constituem
ção dos gabinetes e no status das coalizões de governos formada minoritária maioria parlamentar no Legislativo. É composto por
pelos governadores. Nosso recorte corresponde aos anos de 2018 uma aliança de partidos que não representam uma
a 2021 correspondente aos governos Cida e Ratinho no estado do maioria vencedora de cadeiras. Motivado pela falta
Paraná, Marcio França e Dória no estado de São Paulo. de uma maioria para substituí-lo em democracias
parlamentaristas; ou por garantias constitucionais
Medimos a partidarização dos gabinetes de acordo com a me- suficientes ao partido do chefe de governo,
todologia aplicada por Sandes-Freitas e Massonetto (2017), eficaz principalmente no caso do presidencialismo; ou por
para dimensionar a participação dos partidos no gabinete e o apoio apoio legislativo com interesses na agenda do partido
ao governo estadual no legislativo. Contudo, é preciso considerar no governo sem interesse de assumir postos para se
caracterizar com determinado governo.
que a partidarização dos gabinetes estaduais é apenas um dos indi-
cadores da coalizão de governo e da coalizão legislativa e, também,
trata-se da forma mais fácil de identificá-la, uma vez que o apoio
ao governo do estado no parlamento pode vir de outras fontes de
difícil identificação como tratamos aqui anteriormente do Pork
66 Comparando a formação de coalizões em escala subnacional: elites Diogo Tavares, Gabriel Marcondes de Moura 67
estatais e padrões de governo no Paraná e em São Paulo em uma & Geissa Cristina Franco
análise exploratória
Minoritária
Minoritária
Minoritária
Minoritária
Minoritária
Minoritária
Minoritária
Minoritária
Majoritária
Majoritária
Majoritária
Status da
Coalizões Coalizões vencedoras mínimas são aquelas formadas
coalizão
mínima
mínima
mínima
majoritárias pela menor maioria possível, ou seja, o mínimo
mínimas necessário para aprovação de matérias legislativas
(50%+1) sem a inclusão de parceiros tidos como
(partidos no
supérfluos. O pressuposto da coalizão vencedora
legislativo
gabinete)
mínima é que os partidos que participam da coalizão
Apoio
desejam maximizar seu poder com o maior número de
23,4
44,7
30,9
46,8
27,7
31,9
55,3
50,9
46,8
33
50
cargos possíveis, por isso descartam atores que venham
a compor a coalizão sem necessidade numérica.
(% de cadei-
PSDB (18,1)
PSDB (18,1)
PSDB (18,1)
PSDB (18,1)
PSDB (18,1)
PSDB (22,3)
PSDB (22,3)
PSDB (23,4)
PSDB (23,4)
PSDB (23,4)
PSDB (24,5)
governador
Partido do
Coalizões São aquelas compostas por um amplo número de
ras [2])
sobredimensionadas partidos para uma ampla maioria legislativa, além dos
50%+1 necessários para aprovação de projetos de lei
ordinária. Justifica-se a sua necessidade em democracias
com filiação
que necessitam de ampla maioria legislativa para
secretários
Tabela 1. Governos e gabinetes de secretários estaduais de São Paulo
partidária
reformas constitucionais, ou para barrar moções de
censura a textos ou adiamento de votações legislativas
71,40
% de
83,3
82,6
82,6
62,5
73,9
72,7
54,2
de projetos polêmicos.
75
75
50
Fonte: elaboração própria, com base em Lijphart (2019)
PSDB-DEM- PTB
tados no gabinete
PSDB-PTB- PFL-
PSDB-PFL- PTB
PSDB-PTB-PFL
PSDB-PFL PTB
Dito isso, apresentamos os dados sobre partidarização dos ga-
binetes emprestando dados longitudinais de São Paulo da pesquisa
PSDB-PTB
PSDB-PTB
PSDB-PTB
PSDB-PFL
-PPS- PL
-PPS -PL
de Sandes-Freitas e Massonetto (2017), para efeitos de comparação
-PPS
com os dados que trouxemos para esse paper, com a classificação do
status da coalizão oferecidas por nós.
mar/06 a dez/06
Mai/96 a dez/96
A tabela 1 permite uma comparação histórica entre os gabinetes
dez/95 a mai/96
jan/07 a mai/09
dez/96 a abr/98
jan/95 a dez/95
jan/03 a abr/05
abr/98 a fev/99
estaduais e a construção de coalizões governativas no estado de São
Paulo, e na tabela 2 acrescentamos dois gabinetes paulistas como
Período
dois governos paranaenses à análise, que permite estabelecer não só
uma comparação temporal, como também regional:
Governador/
Alckmin – 1
Alckmin – 2
Alckmin – 3
Covas II – 1
Covas I – 1
Covas I – 2
Covas I – 3
Covas I – 4
Covas I – 5
Serra – 1
Alckmin
/ Lembo
gabinete
68 Comparando a formação de coalizões em escala subnacional: elites Diogo Tavares, Gabriel Marcondes de Moura 69
estatais e padrões de governo no Paraná e em São Paulo em uma & Geissa Cristina Franco
análise exploratória
Minoritária
Majoritária
rização dos gabinetes e ainda mostram dados sobre a relação do
Status da
coalizão
gabinete)
55,3
39,4
PSDB (24,5)
PSDB (24,5)
partidária
48
PSDB-DEM PTB-
tados no gabinete
PSDB-PTB- PPS-
abr/10 a dez/10
paranaense.
Serra – 3 /
Goldman
Serra – 2
gabinete
70 Comparando a formação de coalizões em escala subnacional: elites Diogo Tavares, Gabriel Marcondes de Moura 71
estatais e padrões de governo no Paraná e em São Paulo em uma & Geissa Cristina Franco
análise exploratória
Considerações finais
Minoritária
Minoritária
Minoritária
Minoritária
Minoritária
Majoritária
Status da
(Energia e Mineração), João Cury Neto (Educação) e Saulo de Abreu Castro Filho (Governo). Vale ressaltar que
coalizão
(Transportes Metropolitanos), David Uip (Saúde, deixa o cargo em 24/04/2018), João Carlos de Souza Meirelles
mínima
todos eram a época membros titulares do diretório estadual do PSDB, e apenas João Cury Neto foi expulso do
po de trabalho sobre a política subnacional, cujo objetivo é mudar o
1 [3] Mesmo tendo João Dória (PSDB) como candidato ao governo do estado, alguns quadros do PSDB se
mantiveram no secretariado durante o governo de Márcio França (PSB), sendo eles: Clodoaldo Pelissioni
foco dessa discussão, do apoio legislativo como variável dependente
Coalizão (%)
31,9
16,7
Tabela 2. Governos, gabinetes estaduais e coalizões no Paraná e em São Paulo (2018-2020)
54
13
13
players partidários devido à alta fragmentação das assembleias es-
taduais, acreditamos que diferente do nível da política nacional, a
partidária (%) de adeiras [2])
governador (%
PSD (11,1)
PSD (11,1)
Partido do
PSB (6,4)
PSB (6,4)
41,17
64,7
64,7
50
PP-PTB-DEM
PSB-PSDB-
PROS
REP
abr/18 a
jan/19 a
jan/19 a
Período
dez/18
jun/18
jun/21
jun/21
jul/20
Ratinho Jr 1
Ratinho Jr 2
França 1(4)
França 2(4)
Cida (4)
PR
PR
PR
SP
SP
SP
Ao focar na política subnacional podemos comparar diferentes E estado Categórica (1) Paraná / (2) 2 Site do Governo
São Paulo. do Estado de São
unidades de um mesmo país, o que permite centrar a atenção nas Paulo
escolhas estratégicas dos partidos, reavaliando a tese da agremiação F gabinete Categórica (1) Cida 4 Site do Governo
partidária como ator unitário, principalmente em países federalistas Borghetti / (2) do Estado de São
onde o partido pode ser entendido como uma coalizão entre dife- Ratinho Jr. / (3) Paulo
Márcio França /
rentes grupos regionais, que possuem vínculos com seus espaços de (4) João Dória.
disputa. Acreditamos que uma interpretação da política subnacio- G secreta- Descritiva Nome oficial do Secretaria de Site do Governo
nal tal como ela é, colabora em muito com o entendimento da polí- ria_orgao órgão ou secre- Governo do Estado de São
tica do Brasil profundo, do celeiro dos tomadores de decisão do país taria estadual. Paulo
H jurisdi- Categórica (1) Econômica 4 Classificação dos
cao_da_ / (2) Social / autores.
secretaria (3) Militar / (4)
Política.
Col. Retranca Tipo Descrição Exemplo Fonte Col. Retranca Tipo Descrição Exemplo Fonte
I entrada_ Cronológica Data de entrada 01/01/2019 Diário Oficial do O perman- Dummy (1) Entra com 77 5
Classificação dos
secretaria (nomeação) do Estado de São ce_todo_ o governador autores.
agente para o Paulo (DOESP) gov e sai ao fim do
cargo analisado mandato. (2)
(dd/mm/aaaa). Entra ou sai du-
rante o exercício
J ano_no- Cronológica Ano da nome- 2019 Diário Oficial do
do mandato do
meacao ação do agente Estado de São
governador.
para o cargo Paulo (DOESP)
analisado. P titular_in- Dummy Se o ocupante 1 Diário Oficial do
terino é (1) titular do Estado de São
K saida_se- Cronológica Data de saída 773 Diário Oficial do
cargo, ou se Paulo (DOESP)
cretaria (exoneração) do Estado de São
ocupa de forma
agente para o Paulo (DOESP)
(2) interina a
cargo analisado
pasta.
(dd/mm/aaaa).
Q governa- Descritiva Nome do Joao Doria Site do Governo
L ano_saida Cronológica Ano da exone- 774 Diário Oficial do
dor governador do Estado de São
ração do agente Estado de São
mandatário. Paulo
para o cargo Paulo (DOESP)
analisado. R mandato Descritiva Nome político Doria Classificação dos
do governador + autores.
M tem- Numérica Nº de meses que 29 Operação dos
nº do mandato.
po_per- o agente ocupou autores.
Ex: Alckmin
manen- o cargo.
I; Alckmin II;
cia_pas-
Alckmin III.
ta_meses
S partido_ Descritiva Sigla do partido PSDB TSE
N tempo_ Numérica Nº de dias que o 882 Operação dos
do_gover- o qual o gover-
perma- agente ocupou autores.
nador nador pertence.
nencia_ o cargo. (Data
pasta_dias de posse até T posse_go- Cronológica Data da posse 01/01/2019 Diário Oficial do
01/06/2021) vernador do governador Estado de São
e do início do Paulo (DOESP)
governo (dd/
mm/aaaa)
U saida_go- Cronológica Data da saída do 776 Diário Oficial do
vernador governador e do Estado de São
fim do governo Paulo (DOESP)
(dd/mm/aaaa)
Col. Retranca Tipo Descrição Exemplo Fonte Col. Retranca Tipo Descrição Exemplo Fonte
V filiado_ Dummy Se o agente ana- 1 Variadas (TSE, AC nivel_or- Descritiva Âmbito do cargo Estadual TSE (SGIP2 ou
partido lisado é filiado SEADE, IBGE, gao_parti- ocupado: muni- SGIP3)
a algum partido Sites e portais de dario cipal, estadual
político. (0) Não Jornais). ou nacional.
/ (1) Sim.
AD domici- Descritiva Município em São Paulo TSE (Filia Web)
W filiacao_ Descritiva Partido o qual o DEM Variadas (TSE, lio_eleito- que o agente
partidaria agente é filiado. SEADE, IBGE, ral_muni- vota.
Sites e portais de cipio
Jornais).
AE domici- Descritiva Mesorregião Metropoli- Variadas (TSE,
X data_filia- Cronológica Data do registro 06/01/1994 TSE (Filia Web) lio_elei- do estado o tana de São SEADE, IBGE,
cao da filiação par- toral_me- qual pertence o Paulo Sites e portais de
tidária (dd/mm/ sorregiao município do- Jornais).
aaaa) micílio eleitoral
do agente.
Y tempo_fi- Numérica Tempo de filia- 25 Operação dos
liacao ção partidária autores. AF domíci- Descritiva Estado o qual São Paulo Variadas (TSE,
do agente ocu- lio_eleito- pertence o SEADE, IBGE,
pante na data ral_estado município do- Sites e portais de
de nomeação micílio eleitoral Jornais).
para o cargo (em do agente.
anos)
AG mudan- Dummy Se o agente 1 Variadas (TSE,
Z parti- Dummy Se o agente é fi- 0 Variadas (TSE, ca_parti- mudou de SEADE, IBGE,
do_gover- liado ao partido SEADE, IBGE, dária_se- partido durante Sites e portais de
nador do governador. Sites e portais de cretaria o exercício do Jornais).
(0) Não / (1) Jornais). cargo. (0) Não /
Sim. (1) Sim.
AA ocupa_ Dummy Se o agente 1 TSE (SGIP2 ou AH novo_par- Descritiva Novo partido do PSDB Variadas (TSE,
cargo_or- filiado ocupa SGIP3) tido agente. SEADE, IBGE,
gao_parti- algum cargo Sites e portais de
dario na organização Jornais).
partidária (mu-
AI concor- Dummy Se o agente 1 Variadas (TSE,
nicipal, estadual
reu_ciclo_ disputou eleição SEADE, IBGE,
ou nacional). (0)
eleitoral no mesmo ciclo Sites e portais de
Não / (1) Sim.
eleitoral que o Jornais).
AB cargo_ Descritiva Cargo partidário Presidente TSE (SGIP2 ou governador. (0)
partidario que o agente SGIP3) Não / (1) Sim.
ocupa.
78 Comparando a formação de coalizões em escala subnacional: elites Diogo Tavares, Gabriel Marcondes de Moura 79
estatais e padrões de governo no Paraná e em São Paulo em uma & Geissa Cristina Franco
análise exploratória
Col. Retranca Tipo Descrição Exemplo Fonte Col. Retranca Tipo Descrição Exemplo Fonte
AJ cargo_ Descritiva Cargo que o Vice-Gover- Variadas (TSE, AP razao_ Categórica Um secretário 1 Classificação dos
eleicoes agente disputou. nador SEADE, IBGE, carreira_ estadual será autores.
Sites e portais de politica definido como
Jornais). tendo “carreira
política” se
AK sucesso_ Dummy Se o agente 1 Variadas (TSE,
possuir 2 cargos
eleitoral obteve sucesso SEADE, IBGE,
eletivos ou 5
eleitoral na refe- Sites e portais de
cargos de nome-
rida eleição. (0) Jornais).
ação. (0) Não /
Não / (1) Sim.
(1) Sim.
AL exerceu_ Dummy Se o agente já 1 Variadas (TSE,
AQ compe- Dummy Se o agente 0 Classificação dos
cargo_ele- exerceu algum SEADE, IBGE,
tencia_es- foi nomeado autores.
tivo cargo de natu- Sites e portais de
pecifica tomando-se
reza eletiva. (0) Jornais).
em conta a sua
Não / (1) Sim.
competência
AM natureza_ Categórica Se os cargos ele- 2 Variadas (TSE, específica em re-
do_cargo tivos ocupados SEADE, IBGE, lação ao assunto
pelo agente eram Sites e portais de da pasta. Ex:
de natureza: (1) Jornais). médico indicado
Executiva, (2) para o Minis-
Legislativa, ou tério da Saúde
(3) ambos. = 1 / político
NA n_cargos_ Numérica Nº de cargos 6 Variadas (TSE, indicado para
eletivos eletivos que o SEADE, IBGE, o Ministério da
agente ocupou. Sites e portais de Educação = 0
Jornais). Fonte: elaboração própria (2021)
AO cargo_an- Descritiva Descrição do Deputado Variadas (TSE,
terior cargo anterior Federal SEADE, IBGE,
ocupado pelo Sites e portais de
agente antes de Jornais).
assumir a pasta.
80 Comparando a formação de coalizões em escala subnacional: elites Diogo Tavares, Gabriel Marcondes de Moura 81
estatais e padrões de governo no Paraná e em São Paulo em uma & Geissa Cristina Franco
análise exploratória
Albala, A. (2016) Presidencialismo y coaliciones de gobierno en Gamson, W. (1964) Experimental studies of coalition formation.
América Latina: Un análisis del papel de las instituciones. Revista Advances in experimental social psychology. Berkowitz, L. ed.
de Ciencia Política (Santiago. en Línea), 36(2), pp. 459-479. Academíc Press, p. 82-110.
Albala, A. & Reniu, J. M. (2018) Coalition Politics and Federalism. Laver, M. (1998) Models of government formation. Annual Review
1o ed. Switzerland: Springer International Publishing. of Political Science, 1(1), pp. 1-25.
Ames, B. (2003) Os entraves da democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Lijphart, A. (2019) Modelos de democracia: desempenho e padrões
Ed. FGV. de governo em 36 países. 4a edição. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira.
Amorim Neto, O. (2000) Gabinetes presidenciais, ciclos eleitorais e
disciplina legislativa no Brasil. Dados, 43(3), pp. 479–519. Medeiros, D. B. et.al. (2013) Coalizões e Comportamento Legislativo
no Brasil (1988-2010). III Seminário Discente da Pós-Graduação
Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio em Ciência Política da USP.
Vargas (CEPESP/DATA - FGV). (2021) Banco de Dados Sobre
82 Comparando a formação de coalizões em escala subnacional: elites Diogo Tavares, Gabriel Marcondes de Moura 83
estatais e padrões de governo no Paraná e em São Paulo em uma & Geissa Cristina Franco
análise exploratória
Raile, E. D., Pereira, C. & Power, T. J. (2011) The executive toolbox: Tomio, F. & Ricci, P. (2012) O governo estadual na experiência
Building legislative support in a multiparty presidential regime. política brasileira: os desempenhos legislativos das assembleias
Political Research Quarterly, 64(2), pp. 323– 334. estaduais. Revista de Sociologia Política, 21(41), pp.193-217.
Ricci, P. & Tomio, F. (2012) O poder da caneta: a Medida Provisória Tsebelis, G. (2009) Atores com poder de veto: como funcionam as
no processo legislativo estadual. Opinião Pública, 18(2), pp-255-277. instituições políticas. Editora FGV, Rio de Janeiro.
Riker, W. (1962) The theory of political coalitions. New Haven: Yale Zucco Jr., C. (2009) Ideology or What? Legislative Behavior in
University Press. Multiparty PresidentialSettings. The Journal of Politics, 71(03), pp.
1076–1092.
Sandes-Freitas, V. E. V. & Massonetto, A. P. (2017) (Ultra)
presidencialismo de coalizão estadual: uma análise a partir dos
casos de São Paulo e do Piauí (1995-2010). Cadernos Adenauer, Sobre os autores
18(2), pp. 119-142.
Diogo Tavares é doutorando em Ciência Política na
Sandes-Freitas, V. E. V. (2019) Processo de formação de governos: Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
conciliando perspectivas teóricas para a análise dos estados br/5022075995864538
brasileiros. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em
Ciências Sociais – BIB, s/v(88), pp. 1-22. Gabriel Marcondes de Moura é mestrando em Ciência Política
na Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
Santos, F. G. M. (orgs) (2001) O Poder Legislativo nos estados: br/1070573663098326
diversidade e convergência. Rio de Janeiro: FGV.
Geissa Cristina Franco é doutoranda em Ciência Política na
Silame, T. R. & Santos, D. S. (2020) Diálogo em torno do Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
ultrapresidencialismo estadual. In 12 Encontro da ABCP, João br/4380872441300251
Pessoa, Paraíba.
Contexto
A pesquisa busca explorar as relações existentes entre os presidentes
da Associação Empresarial de Joinville (ACIJ) e a prefeitura da cidade,
da redemocratização até o momento presente, compreendendo as
dinâmicas entre as elites locais em seu contexto.
Objetivos
Explorou-se um campo ainda em desenvolvimento neste contexto
(o estudo das elites em Joinville), visando 1) verificar a proximidade
das relações estabelecidas; e 2) averiguar casos individuais que
mereçam estudos subsequentes mais aprofundados.
Métodos
A partir de variáveis sociologicamente significantes para o estudo
das elites, realizou-se a coleta de dados disponíveis na bibliografia,
fontes jornalísticas e websites institucionais dos atores. As
informações foram tabuladas e aplicadas ao software Gephi para
análise dos nós relacionais. Ficou evidente a dificuldade de coletar
dados biográficos não enviesados (i.e., informações oriundas de
CAPÍTULO 3 fontes que não fossem os próprios atores), e até mesmo da verificação
de existência da informação, visto que os estudos sociológicos desta
cidade estão em fase incipiente.
86 A convergência das elites econômica, empresarial e política na Gabriel Bento Leite Ferreira & Pedro Lenhagui Bergamaschi 87
Prefeitura de Joinville: as relações entre a presidência da ACIJ e a
Prefeitura Municipal
2017) quanto da americana e britânica (Dias, 2017). Esta escolha (2016) é uma exceção. Assim, tanto para fundamentar quanto para
metodológica também é beneficiada pelo objeto mais restrito e lo- travar um diálogo mais direto com o presente estudo, recorreu-se a
calizado, o que limita o estudo a menos indivíduos e facilita a coleta trabalhos realizados sobre outros níveis da política brasileira (fede-
de dados sobre as relações interpessoais, passo tipicamente difícil de ral, por exemplo), ou inseridos em outros ramos do conhecimento
realizar nas pesquisas que empregam a ARS (Dias, 2017). Os con- (e.g. História, Economia).
ceitos teóricos que fundamentam a pesquisa são os de elites política, Quanto à elite econômica de Joinville, a produção acadêmica
empresarial e econômica, conforme definidos em Costa (2014), e é majoritariamente de cunho historiográfico e sociológico, tendo
mobilizados pelo método posicional tanto em relação à ACIJ quan- trabalhos dessa área inclusive indicando o potencial para uma aná-
to à Prefeitura de Joinville (Codato, 2015). lise específica da Ciência Política e da Sociologia Política, e também
A primeira seção deste texto retoma e discute a literatura acerca fornecido parte das informações utilizadas para construir a Análise
da relação entre elites econômicas e/ou empresariais e elites polí- de Redes Sociais deste trabalho. O trecho a seguir resume o quadro
ticas, de forma geral, e, mais especificamente, acerca de como essa delineado por estas pesquisas.
relação se apresenta na história e na historiografia sobre Joinville, Trabalhos de história econômica se destacam em meio à his-
fator relevante pela proximidade com o assunto estudado e também toriografia sobre Joinville, resgatando a trajetória deste impor-
por predominar entre os estudos acadêmicos que existem sobre o tante polo industrial e delineando sua importância. As produções
tema. Em seguida, é discutida a opção metodológica pela Análise neste campo datam da metade do século XX, com o geógrafo
de Redes Sociais (ARS), bem como de sua operacionalização e aos Mamigonian (1965) que analisa as características da formação in-
dados utilizados. A terceira seção apresenta os resultados da aplica- dustrial de Blumenau, cidade vizinha, e estabelece a comparação em
ção desta metodologia, os quais são discutidos tendo em vista seus momentos históricos de ambas as cidades. Ficker (1965) desenvolve
frutos, suas limitações e possíveis formas de complementação. Por uma abordagem do processo colonizador e econômico joinvilense
fim, as conclusões provisórias encerram o trabalho com um balanço enfatizando as figuras dos migrantes europeus como os criadores
final dos resultados e de perspectivas para estudos subsequentes do das indústrias de sucesso da região, numa abordagem historicista.
assunto. Ternes (1986) desenvolve abordagem muito semelhante à de Ficker,
que engendra a narrativa da gênese da cidade através do processo
1. Discussão da literatura colonizador, que assim como diversas outras cidades de conjuntura
semelhante, enfrentaram as dificuldades características da instala-
O âmbito municipal é um dos campos nos quais a Ciência ção. A falta de recursos, a vegetação espessa e as doenças dominam
Política e a Sociologia Política brasileira ainda se encontram in- um quadro histórico relevante destes primeiros anos. A questão
cipientes, com uma série de avanços ainda por realizar (Roeder, elencada nesta obra, é de que há uma espécie de espírito desbrava-
2016). Isto é verdade tanto para o caso da análise de elites ao nível dor e empreendedor dos imigrantes que superaram estas dificulda-
municipal, de forma generalizada, quanto para o caso específico da des, e assim consolidou as bases da indústria extrativista que deram
política no município de Joinville, do qual o trabalho de Roeder origem ao futuro parque industrial da cidade. Esta alegoria é utiliza-
90 A convergência das elites econômica, empresarial e política na Gabriel Bento Leite Ferreira & Pedro Lenhagui Bergamaschi 91
Prefeitura de Joinville: as relações entre a presidência da ACIJ e a
Prefeitura Municipal
da por todos os personagens que são apresentados ao longo da obra, econômica contribuiu para o estabelecimento de uma já referida
e promove a construção do cidadão ideal joinvilense. Apesar de esta alegoria acerca do cidadão joinvilense ideal: empreendedor, um
obra possuir forte viés narrativo – este trabalho foi financiado pela self-made man. Esta persona acaba por ser adotada nos discursos
associação empresarial ACIJ, objeto de estudo deste trabalho –, ela é políticos e a sua leitura pode contribuir no entendimento dos inte-
tida como um marco na historiografia contemporânea, e frequente- resses subjacentes dos agentes políticos. Os trabalhos de Brepohl &
mente utilizada para suscitar os debates de obras futuras. Nadalin (2019), Coelho (2010), Cunha (2004; 2008) e Freire (2015)
Trabalhos mais recentes buscam qualificar as características são alguns que contestam estes discursos, e acrescentam os elemen-
da força da indústria na economia local, como Rocha (1994) que tos de controle subjetivos que entidades como a ACIJ e o patronato
analisa as dinâmicas locais em comparação ao contexto brasileiro da cidade exercem na vida social.
e mundial. Assim, desenvolve uma análise pormenorizada dos em- Estas obras provêm suporte contextual para a compreensão do
preendimentos estabelecidos, onde insere os momentos de ascensão processo de industrialização joinvilense e seu impacto simbólico, o
e ampliação de mercado como diretamente relacionados aos proces- qual é instrumentalizado pela elite empresarial local. Como, então,
sos de substituição de importações e crises políticas externas. Sob compreender esta elite local? Recorremos à literatura de sociologia e
uma ótica distinta, o geógrafo Santana (1998) desenvolve um exten- de sociologia política a respeito das elites econômicas e empresariais
so trabalho concatenando as características e condições fundiárias do Brasil, conforme sintetizada por Costa (2014).
da cidade, e apresenta importantes dados sobre o peso econômico De início, é possível assinalar que, na história local, os empre-
e político dos empreendimentos industriais e imobiliários, que per- sários possuíam as características apontadas por Cardoso (1967)
tencem por vezes aos mesmos proprietários. Voos (2016) analisa o como os denominados “capitães-da-indústria”, que exerciam direto
planejamento urbano joinvilense considerando as intensas disputas controle administrativo de suas organizações – até mesmo porque
políticas em torno da legislação, em meio às quais se destaca a defe- estas indústrias estavam geralmente na primeira ou segunda gera-
sa que o setor empresarial fez de seus interesses. Assim, evidencia a ção de seus fundadores – e buscavam a cooperação entre si para
grande participação destes agentes, inclusive por meio da ACIJ e de conquistar benefícios junto ao poder público, numa lógica de con-
sua presidência, no poder executivo e legislativo local. Finalmente, quista de bens coletivos (Olson, 1971). A busca de auxílio do Estado
Ferreira (2019) elaborou um detalhado estudo acerca das origens da para prover melhores condições estruturais para o desenvolvimento
Colônia Dona Francisca (primeiro nome da cidade) e reverbera o de seus negócios é evidenciada por fontes primárias analisadas por
papel do associativismo na formulação dos planos fundiários desde autores já mencionados (Cunha, 2004, 2008; Ferreira, 2019). Ainda
os primórdios da cidade. em Cardoso (1963) é possível indicar outro elemento, a “valorização
Esta trajetória histórica está diretamente relacionada com dis- absoluta do trabalho e da poupança como requisitos para a pros-
putas narrativas acerca do ethos local, nas quais a própria ACIJ está peridade” (p. 137), em consonância com os esforços da construção
diretamente envolvida, e que são objeto de outro grupo de estudos, narrativa do ideal empresário joinvilense, discutido anteriormen-
cujos apontamentos são ilustrativos para a compreensão da atuação te. Outro autor que insere uma contribuição para a observação do
política das elites locais. O legado de obras simbólicas da história comportamento do empresariado joinvilense é Boschi (1979) onde
92 A convergência das elites econômica, empresarial e política na Gabriel Bento Leite Ferreira & Pedro Lenhagui Bergamaschi 93
Prefeitura de Joinville: as relações entre a presidência da ACIJ e a
Prefeitura Municipal
aponta a propensão autoritária da classe ao se alinhar às forças do Visando operacionalizar esta base e estabelecer mais concreta-
Estado para a garantia da ordem como condição necessária para o mente o nível de proximidade entre a ACIJ e a Prefeitura Municipal
progresso dos negócios (p. 175), que I. A. Costa (1989) assinalou em de Joinville, optou-se pela Análise de Redes Sociais tendo os prefei-
seu trabalho. Estas interpretações acerca do perfil do empresariado, tos do município e os presidentes da associação como elementos de
não obstante tratarem de recorte temporal distinto do aqui utiliza- análise, por representarem o mais alto grau de proximidade dentre
do, auxiliam na interpretação das origens deste empresariado, e nes- os vários laços que possivelmente unem as duas instituições. A ARS
te sentido, do papel relevante destes atores através do associativismo é um recurso utilizado para o estudo de elites políticas e econômi-
e sua presença no campo político. cas tanto entre pesquisadores americanos (Dias, 2017) quanto por
Por fim, os trabalhos produzidos por Paulo Costa se aproxi- pesquisadores brasileiros; entre estes últimos, vale mencionar os
mam da análise deste estudo. Sua conceituação de elites econômicas trabalhos de Cervi (2015), Perissinotto et al. (2017) e de Minella
e empresariais (Costa, 2014), ao lado do clássico conceito de elite (2013). O recorte temporal foi estabelecido como o período pós-re-
política, estruturam toda a pesquisa; o autor também possui traba- democratização, de 1988 a 2021.
lhos a respeito da cultura política de associações empresariais – a
própria elite empresarial – e de sua relação com os regimes políticos 2. Metodologia
no Brasil (Costa & Engler, 2005), e sobre o fenômeno do contato
entre a elite econômica e a política, mais especificamente o caso dos Conforme exposto na seção anterior, sendo a Prefeitura de
senadores-empresários (Costa et al., 2014). Esses estudos orientam Joinville a mais alta instância da política local e a presidência da
a pesquisa produzida neste trabalho, ainda que a combinação espe- ACIJ a representação da elite empresarial na cidade, as relações en-
cífica de que tratamos – o contato entre elite política e empresarial tre os ocupantes desses dois cargos são tomadas como indicadores
– não tenha sido estudada pelo autor. das relações entre a elite política e as elites empresarial e econômica
A partir desta literatura, que vai da história econômica à so- no nível do município. Assim, delimitado o horizonte de pesquisa,
ciologia política, a problemática da pesquisa consiste nas seguintes foi feita a seleção dos presidentes da ACIJ com base no site da insti-
perguntas: tuição, e dos prefeitos da cidade (tabela 1 e 2).
RQ1: é possível identificar grupos de indivíduos ligados por relações Tabela 1. Presidentes da ACIJ (1989-2021)
interpessoais e filiados tanto à associação empresarial quanto à
prefeitura municipal, indicando a proximidade entre essas duas # Nome Período
entidades? 1 Raul Schmidt 1989-1991
2 José Henrique Carneiro de Loyola 1991-1993
RQ2: caso esses grupos possam ser identificados, há indivíduos que
se destacam por realizar maior número de intermediações ou por 3 Edgard Nelson Meister 1993-1995
participar de um grande número de grupos? 4 Ninfo Valtero König 1995-1997
5 Albano Schmidt 1997-1999
94 A convergência das elites econômica, empresarial e política na Gabriel Bento Leite Ferreira & Pedro Lenhagui Bergamaschi 95
Prefeitura de Joinville: as relações entre a presidência da ACIJ e a
Prefeitura Municipal
# Nome Período Foi então realizada a coleta de dados a respeito dos 21 Prefeitos e
6 Moacir Gervasio Thomazi 1999-2001
Presidentes da ACIJ, visando identificar diferentes níveis de relações
interpessoais entre eles, submetendo então este conjunto à meto-
7 Moacir Luiz Bogo 2001-2003
dologia de ARS. Os dados coletados foram: 1) afiliação à ACIJ; 2)
8 Jaime Romagna Grasso 2003-2005
participação de cargos de confiança na administração municipal; 3)
9 Sérgio Rodrigues Alves 2005-2006 relação prefeito-vice; e 4) relações de amizade próxima ou de fami-
10 Nivaldo Nass 2006-2007 liaridade. A coleta foi realizada por uma variedade de meios, como
11 Udo Döhler 2007-2009 o sítio online da ACIJ, contatos diretos com a associação, anuários
12 Carlos Rodolfo Schneider 2009-2011 e revistas da associação, entrevistas para a imprensa e postagens em
13 Udo Döhler 2011-2012 blogs pessoais ou profissionais, além de trabalhos acadêmicos, ver-
14 Mario Cezar de Aguiar 2012-2014 betes do CPDOC-FGV1 e da plataforma Memória Política de Santa
Catarina2. O resultado foi a produção de redes sociais a dois níveis:
15 João Joaquim Martinelli 2014-2015
um, bastante simples, mas ainda assim significativo, que apenas
16 Moacir Gervasio Thomazi 2016-2018
apresenta os prefeitos que também são membros da ACIJ, incluindo
17 João Joaquim Martinelli 2018-2020 Udo Döhler, que foi prefeito e presidente da entidade; outra rede,
18 Marco Antonio Corsini 2020-2021 mais complexa, identifica as relações de apadrinhamento, amizade,
Fonte: elaboração própria, a partir do site da ACIJ (2021) parentesco e associação política entre os indivíduos. O software uti-
lizado para produzir os grafos e para organizar os dados coletados
Tabela 2. Prefeitos de Joinville (1989-2021)
foi o Gephi3.
# Prefeito Período Partido
A principal dificuldade enfrentada ao longo da pesquisa foi a
1 Luiz Gomes 1989-1992 PDS* de adquirir informações a respeito dos indivíduos sob estudo, se-
2 Wittich Freitag 1993-1996 PFL** guindo uma tendência apontada pela literatura tanto para o estudo
3 Luiz Henrique da Silveira 1998-2000 PMDB das elites empresariais de forma geral (Costa, 2015)4 quanto para o
4 Luiz Henrique da Silveira 2001-2002 PMDB 1 Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da
Fundação Getúlio Vargas.
5 Marco Tebaldi 2002-2004 PSDB
2 Fruto de parceria da Assembleia Legislativa de Santa Catarina e da
6 Marco Tebaldi 2005-2008 PSDB Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), hospedado no endereço http://
7 Carlito Merss 2009-2012 PT memoriapolitica.alesc.sc.gov.br/ (recuperado em 12 de junho, 2021).
8 Udo Dohler 2013-2016 PMDB*** 3 https://gephi.org/, recuperado em 12 de junho, 2021.
4 O banco de dados desenvolvido com base nestes indivíduos contempla as
9 Udo Dohler 2017-2020 MDBc seguintes variáveis: 1) empresa; 2) ideologia pessoal; 3) ideologia partidária; 4)
10 Adriano Silva 2021-2024 Novo formação acadêmica; 5) ocupação prévia (para os prefeitos); 6) afiliação à ACIJ;
Fonte: elaboração própria (2021) 7) proximidade com a ACIJ (mesmo que não filiado); 8) rol familiar relevante na
* Extinto em 1993. **O partido alterou sua sigla de PFL para DEM em 2007. ***O conjuntura política; e 9) apadrinhamento político.
partido alterou sua sigla de PMDB para MDB em 2017
96 A convergência das elites econômica, empresarial e política na Gabriel Bento Leite Ferreira & Pedro Lenhagui Bergamaschi 97
Prefeitura de Joinville: as relações entre a presidência da ACIJ e a
Prefeitura Municipal
uso da ARS de forma específica (Dias, 2017; Minella, 2013). Neste prefeito de 1993 a 1996; Udo Döhler (PMDB), prefeito de 2013 a
ponto, o caráter local do estudo que havia favorecido a análise ao 2020 e presidente da ACIJ cinco vezes; e Adriano Silva (Novo), mais
restringir o número de indivíduos a serem estudados, passa a difi- recente líder do poder executivo municipal (2020-2023).
cultar a pesquisa, pois reduz o número de informações acessíveis.
Até mesmo informações quanto às vices prefeituras foram custosas Figura 1. Rede de afiliação. A cor azul indica os prefeitos; amarelo, os presidentes
para encontrar no período de estudo, que é, de resto, bastante re- da ACIJ; e a cor verde, indivíduos que compartilharam as duas funções. Os laços
com a Prefeitura de Joinville indicam que os indivíduos foram prefeitos; os laços
cente. A literatura aponta o recurso a entrevistas guiadas – incluin- com a ACIJ indicam que os indivíduos estão ou foram filiados a ela.
do estratégias específicas para convencer os indivíduos a conceder
as entrevistas – e a obras biográficas, mas ambas as alternativas se
mostraram fora do alcance no momento: a primeira pelo tempo exí-
guo desde que a pesquisa foi iniciada; e a segunda pela inexistência
de tais obras5, com apenas algumas reportagens que contêm infor-
mações biográficas. De toda forma, é seguro afirmar que o número
de relações interpessoais encontradas ao longo dessa pesquisa está
subestimado.
3. Resultados e discussão
Conforme exposto na seção 2, a coleta de dados possibilitou es- A segunda rede simples que foi possível gerar a partir dos dados
tabelecer redes sociais a partir de duas categorias de laços. A primei- coletados é uma rede de um modo (Figura 2), produzida a partir das
ra rede (Figura 1) é uma rede de dois modos (Tomaél & Marteleto, relações interpessoais entre os indivíduos. Analisando esta rede, da
2013) bastante simples, apresentando apenas aqueles indivíduos qual foram suprimidos os indivíduos sem laços, o lugar de destaque
que ocuparam a Prefeitura Municipal de Joinville, por um lado, e maior é o de Luiz Henrique Silveira (PMDB), prefeito de 1997 a
aqueles que estão afiliados à ACIJ, por outro. Naturalmente, todos 2002, responsável por eleger seu vice, Marco Tebaldi (PSDB) como
os prefeitos estão ligados ao polo da Prefeitura, e todos os presiden- sucessor, e por indicar uma série de empresários membros da ACIJ
tes da associação estão ligados ao polo da ACIJ. De maior interes- para o Desenville, órgão municipal desenvolvido como fórum para
se é a interseção entre os dois grupos, com Wittich Freitag (PFL), a elaboração do plano diretor de Joinville. Foram incluídos os la-
5 Em contato com a ACIJ, a secretaria informou que projetos neste sentido estão
em desenvolvimento, com destaque para a produção de bibliografia memorial
ços com esses membros, que desempenharam importante papel na
alusiva ao 110º aniversário da entidade, a ser lançado ao segundo semestre de defesa de interesses empresariais neste projeto, havendo, inclusive,
2021. relatos de participação relacionada às doações em campanhas elei-
98 A convergência das elites econômica, empresarial e política na Gabriel Bento Leite Ferreira & Pedro Lenhagui Bergamaschi 99
Prefeitura de Joinville: as relações entre a presidência da ACIJ e a
Prefeitura Municipal
torais (Voos, 2016). Dentre estes, estava também o futuro prefeito e Figura 3; Destaque da rede mista (afiliações e relações interpessoais). A cor azul
múltiplas vezes cabeça da ACIJ, Udo Döhler (PMDB). Outras rela- indica os prefeitos; amarelo, os presidentes da ACIJ; e a cor verde, indivíduos que
compartilharam as duas funções. Estão presentes os laços de filiação, à ACIJ e à
ções de amizade (Loyola-Döhler), parentesco (Loyola-Alves) e de Prefeitura, e os de relações interpessoais.
apadrinhamento (Freitag-Tebaldi) ligam os demais nós da rede.
ção denotadas pelas cores na Figura 2, e incluindo a informação de Silveira (PMDB), José H. Caneiro de Loyola, Udo Döhler (PMDB),
que Adriano Silva (Novo) pertence a ambas as instituições. A rede Marco Tebaldi (PSDB) e Wittich Freitag (PFL).
combinada, portanto, apresenta um núcleo de indivíduos que prota- Enquanto estes apontamentos complementam e especificam
gonizam essa relação de proximidade entre a ACIJ e a Prefeitura de achados anteriores sobre o assunto, agendas de pesquisa subsequen-
Joinville desde a redemocratização. tes e inspiradas nos resultados exploratórios aqui produzidos podem
levar a avanços mais significativos: por um lado, é possível aumentar
3.3 As relações entre a ACIJ e a Prefeitura de Joinville o grau de detalhamento e de profundidade das relações aqui encon-
tradas, buscando estabelecer através de outros meios ou com outras
A rede mista construída a partir das afiliações institucionais e variáveis mais estimativas do grau de proximidade entre os mesmos
das relações interpessoais revela um conjunto de indivíduos que, indivíduos aqui já estudados; por outro lado, é possível aprofundar
por vias diretas ou indiretas, conectam a Prefeitura de Joinville e a o tratamento deste mesmo recorte temático e espacial, adotando as
ACIJ. A conjunção destas redes apresentou ganhos analíticos, ao au- metodologias próprias de um estudo de caso, inserindo, dessa for-
mentar o número de indivíduos considerados e ao apresentar suas ma, o trabalho numa respeitada e produtiva tradição de investiga-
relações em um nível mais alto de complexidade. Relações indiretas, ção sobre o poder comunitário, exercido ao nível municipal.
como as de Luiz Henrique da Silveira (PMDB) com a ACIJ, a prin-
cípio não evidentes por ele não ser afiliado à entidade, tornam-se Considerações finais
aparentes quando são expostas suas conexões com uma série de
indivíduos que a presidiram. O grau de conexão de alguns dos nós Este trabalho buscou aprofundar o conhecimento a respeito das
da rede também se mostra considerável, com destaque para Luiz relações de proximidade que existem entre a ACIJ e a Prefeitura de
Henrique da Silveira (PMDB), Wittich Freitag (PFL), Marco Tebaldi Joinville, conforme os apontamentos da literatura. Para isto, foram
(PSDB) e Udo Döhler (PMDB). A definição deste núcleo pode sub- identificadas redes sociais existentes entre os indivíduos que ocupa-
sidiar e orientar pesquisas futuras, partindo da identificação desses ram os cargos máximos de ambas as instituições desde a redemo-
indivíduos como de especial relevância. cratização (1988-2021), buscando averiguar o grau de proximidade
Não obstante o potencial destes resultados, o estudo ainda se entre os dois grupos. As duas perguntas centrais foram: é possível
mostra incapaz de responder as problemáticas da pesquisa de ma- identificar grupos compostos tanto por prefeitos quanto por presi-
neira plenamente satisfatória e segura. Quanto à RQ1, os presentes dentes da ACIJ que estejam ligados por relações interpessoais e de
resultados do estudo revelaram de fato um grupo de indivíduos afiliação? Se sim, quais indivíduos se destacam como mais proemi-
entrelaçados por relações interpessoais e de afiliação, mas este gru- nentes nestes grupos?
po era menos amplo e menos coeso do que seria esperado. A RQ2 Os resultados foram positivos para ambas as perguntas, ainda
foi respondida de modo mais satisfatório, pois foi possível indicar que não com as dimensões e intensidade esperadas: há apenas um
um grupo de indivíduos que intermedeiam esta aproximação en- grupo, menor e menos coeso do que o esperado, mas no qual alguns
tre as duas instituições, com destaque para cinco: Luiz Henrique da indivíduos se destacam. Por isso, não obstante a relevância destes
102 A convergência das elites econômica, empresarial e política na Gabriel Bento Leite Ferreira & Pedro Lenhagui Bergamaschi 103
Prefeitura de Joinville: as relações entre a presidência da ACIJ e a
Prefeitura Municipal
Costa, P. R. N. (2014) Elite empresarial e elite econômica: O estudo Ficker, C. (1965) História de Joinville: subsídios para a crônica da
dos empresários. Revista de Sociologia e Politica, 22(52), 47–57. Colônia Dona Francisca. Joinville: Impressora Ipiranga.
https://doi.org/10.1590/1678-987314225204
Freire, I. de S. (2015) Ecos da democratização: uma análise das vozes
Costa, P. R. N. (2015) Os empresários enquanto elite: a pesquisa do processo de transição do regime militar em Joinville. Dissertação
empírica. In: A. N. Codato, R. Perissinotto (Eds.). Como estudar de Mestrado. Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa
elites (pp. 217-248). Curitiba: Editora UFPR. de Pós-Graduação em História.
Costa, P. R. N., Costa, L. D., & Nunes, W. (2014) Os senadores- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tabela 5938 - Produto
empresários: recrutamento, carreira e partidos políticos interno bruto a preços correntes, impostos, líquidos de subsídios,
dos empresários no Senado brasileiro (1986-2010). Revista sobre produtos a preços correntes e valor adicionado bruto a preços
Brasileira de Ciência Política, s/v(14), 227–253. https://doi. correntes total e por atividade econômica, e respectivas participações
org/10.1590/0103-335220141409 - Referência 2010. Rio de Janeiro. Dados selecionados. Recuperado
de https://sidra.ibge.gov.br/tabela/5938.
Costa, P. R. N., & Engler, I. G. (2005) Elite empresarial: recrutamento
e valores políticos (Paraná, 1995-2005). Opinião Pública, 14(2), pp. Mamigonian, A. (1965) Estudo geográfico das indústrias de
486-514. Blumenau. Revista Brasileira de Geografia, 27(3), 63-155.
Recuperado de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/
Cunha, D. (2004) Mito e realidade sobre a gênese e o desenvolvimento periodicos/115/rbg_1965_v27_n1.pdf
da cidade. Joinville: Ontem e Hoje, 4(9).
Minella, A. C. (2007) Representação de classe do empresariado
Cunha, D. (2008) História do trabalho em Joinville: gênese. Joinville: financeiro na América Latina: a rede transassociativa no ano
Toda Letra. 2006. Revista de Sociologia e Política, s/v(28), 31–56. https://doi.
org/10.1590/s0104-44782007000100004
Dias, R. P. (2017) A análise de redes na sociologia e nos estudos
sobre grupos econômicos: entrevista com John Scott. Em Tese, Minella, A. C. (2013) Análise de redes sociais, classes sociais e
14(1), 200. https://doi.org/10.5007/1806-5023.2017v14n1p200 marxismo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 28(83), 185–194.
https://doi.org/10.1590/S0102-69092013000300012
Ferreira, L. M. da S. (2019) Terra, Trabalho e Indústria na Colônia de
Imigrantes Dona Francisca (Joinville), Santa Catarina, 1850-1920. Olson, M. (1971) The Logic of Collective Action: Public Goods and
325. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. Faculdade de the Theory of Groups. Harvard University Press.
Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
106 A convergência das elites econômica, empresarial e política na Gabriel Bento Leite Ferreira & Pedro Lenhagui Bergamaschi 107
Prefeitura de Joinville: as relações entre a presidência da ACIJ e a
Prefeitura Municipal
Contexto
Nos últimos anos, tem sido intenso o debate sobre o uso de mídias
digitais pelos parlamentares, sob as mais diversas óticas. Isso tem
razão de ser, pois é evidente para qualquer observador atento das
elites políticas o grande uso das mídias digitais pelos membros do
parlamento, tanto em períodos eleitorais como não eleitorais, e sua
incorporação sistemática nas estratégias de comunicação pública
dos representantes. Por outro lado, estudos que abordam a temática
da carreira política dos parlamentares são cada vez mais frequentes
na literatura da Ciência Política brasileira, com um corpus crescente
de trabalhos analisando a carreira política dos parlamentares. Um
tema que tem reaparecido com frequência nessa literatura, tendo
em vista o contexto de realização de “eleições críticas” em diversos
países da América do Sul que mudam a correlação de forças entre
atores políticos relevantes, é o dos “outsiders”, ou seja, das novas
lideranças políticas que se elegeram a determinados cargos políticos
no contexto de emergência de novas elites em diversos países
recentemente. Como observado pela literatura, esse processo está
fortemente associado à emergência de líderes políticos “populistas”,
via de regra ancorados no uso intensivo de novas mídias digitais e
com uma estratégia discursiva “antissistema”. Nesse contexto, cabe
Conclusão
Objetivos
Mostramos que há diferenças significativas entre subgrupos de
O objetivo deste artigo é fazer um estudo do uso das mídias parlamentares conforme as mídias utilizadas. No Facebook, os
digitais pelos deputados federais brasileiros na legislatura 2019- “estabelecidos” têm mais força, enquanto no Instagram há maior
2023. Procuramos responder à seguinte questão: os parlamentares incidência de outliers. Dados provisórios sobre o mapeamento dos
intensivos no uso das mídias digitais em cada unidade da federação outsiders indicam, no entanto, que inexistem diferenças entre os
brasileira (outliers) podem também ser considerados “outsiders”, ou dois grupos.
seja, parlamentares novatos na atividade política? Para verificar este
fenômeno, analisamos o uso das duas mídias digitais públicas mais Palavras-chave
utilizadas pelos deputados federais brasileiros no período 2019- Comunicação pública parlamentar; elites políticas; outsiders;
2020, ou seja, Facebook e Instagram, verificando se este uso está outliers; representação política.
associado a certas características da carreira política dos deputados.
Os resultados indicam que esse fenômeno ocorre no Instagram, mas
não no Facebook, ou seja, mídias sociais públicas de uso mais recente
são usadas com mais intensidade por parlamentares “outsiders”.
Métodos
Para o presente artigo foram coletados dados sobre a presença e
o quantitativo de seguidores nas redes sociais dos 513 deputados
federais brasileiros. A partir de uma análise quantitativa exploratória,
os dados sobre mídias digitais foram aplicados na fórmula Q3 +
(1,5 x L) para identificação daqueles parlamentares outliers e assim
descritos a partir da posição ideológica dos partidos, região, idade
e quantidade de votos recebidos na eleição de 2018. Dessa forma,
aplicamos tais informações ao teste T de médias para amostras
independentes, assim como a visualização a partir de boxplots e
estatísticas descritivas. A respeito da análise dos outsiders, adotamos
como proxy para categorização dos parlamentares na candidatura
à reeleição dos deputados federais em 2018. Assim, cruzamos os
dados sobre os parlamentares outliers e outsiders com o auxílio do
teste Qui-quadrado.
Resultados e discussão
Definimos os deputados outsides X outliers e buscamos estabelecer
associações entre eles.
112 São os outliers, outsiders? Perfil dos deputados federais usuários Fernando Wisse, Rafael Linhares & Sérgio Braga 113
intensivos de mídias digitais na legislatura 2019-2023
em seguida, analisaremos os dados sobre os outliers e outsiders no Diferenciando os conceitos de parlamentar outsiders, políticos
período pesquisado, e procuraremos aprofundar a abordagem das anti-establishment e líderes populistas, Barr (2009) define como
questões de pesquisa e apresentar algumas proposições básicas que outsider aquele ator político que, em sistemas eleitorais onde isso é
estruturam o presente enfoque; c) por fim, buscamos extrair infe- possível, surge sem vínculo partidário ou aliado a partidos peque-
rências gerais do presente artigo e indicar problemas a serem tra- nos não tradicionais.
tados de maneira mais aprofundada em outras etapas da pesquisa. Observando as relações conflituosas entre o Executivo e
Legislativo na Nicaragua, Equador, Paraguay, Peru e Venezuela,
1. Discussão da literatura Carreras (2014) destaca a importância de considerar a assimetria
de recursos como, por exemplo, a experiência política e os instru-
Para o estudo das carreiras políticas ligadas ao surgimento de mentos partidários entre os políticos outsiders e insiders. Ainda,
parlamentares outsiders é comum a mobilização de dimensões e Carreras (2012) propõe uma tipologia para análise de parlamenta-
variáveis ligadas às perspectivas contempladas pela Ciência Política, res outsiders, considerando quatro gradações para compreender a
visto que tal concepção traz consigo variáveis ligadas a posição do análise de outsiders.
parlamentar dentro das casas legislativas e a relação com seu suces- A primeira categoria diz respeito aos políticos insiders que
so nas eleições (Carreras, 2014; Corrales, 2008; Paiva, Alves, 2020). podem ser definidos como políticos de carreira, que atuam e con-
A partir da análise dos trabalhos publicados sobre a ascensão de correm a eleições em partidos tradicionais. A segunda categoria é
líderes políticos outsiders é possível constatar que tal conceito ainda preenchida por políticos sem experiência prévia na política, mas
está em construção pela área da Ciência Política, sendo aplicado de que concorrem aos pleitos eleitorais vinculados a partidos tradicio-
diversas formas em diferentes trabalhos. Tal afirmação é evidência nais, esses são denominados como amadores. A terceira categoria
em trabalhos anteriores, como Corrales (2008) que aponta a dificul- diz respeito aos políticos rebeldes ou mavericks que correspondem
dade em definir quais políticos se encaixam no conceito. Ao abordar àqueles parlamentares que, embora já ocupem algum cargo eletivo
a relação entre crises econômicas e partidárias com o surgimento de em partidos tradicionais, concorrem eleitoralmente em partidos
competição eleitoral entre ex-presidentes e newcomers (outsiders), não tradicionais. Por último, os parlamentares full outsiders são
o autor define como político outsider aquele que não possui experi- aqueles que agremiam duas características: não possuir carreira par-
ência prévia nem na política nem na administração pública. lamentar prévia e concorrer eleitoralmente vinculado a partidos não
Ao analisar as eleições municipais de São Paulo entre os anos tradicionais. A figura 1 apresentada abaixo exemplifica a tipologia
de 2000 e 2016, Paiva e Alves (2020) buscaram entender as rela- de Carreras:
ções entre o voto em partidos tradicionais e não tradicionais (2000
- 2016), e o percentual de votos válidos (2000 - 2016) com a eleição
do então outsider João Dória (PSDB). Os autores mobilizaram uma
concepção de político outsider ligado à sua inexperiência parlamen-
tar prévia.
116 São os outliers, outsiders? Perfil dos deputados federais usuários Fernando Wisse, Rafael Linhares & Sérgio Braga 117
intensivos de mídias digitais na legislatura 2019-2023
Figura 1. Tipologia de Carreras indicando que as mídias digitais serviram como ferramenta de
acúmulo de capital político nas últimas eleições?
2. Metodologia
podemos observar uma representação partidária bastante disper- Grafico 2. Uso das principais mídias digitais pelos deputados federais (2019)
sa, sem nenhum partido claramente dominante nos parlamentos
estaduais.
Fonte: base de dados do grupo de pesquisa Geist As principais mídias digitais utilizadas pelos parlamentares são
Facebook e Instagram, por seu baixo custo e facilidade de acesso,
Os cinco principais partidos são, por gradiente de bancada, o reproduzindo um padrão também observado nas eleições majori-
PT (com 56 deputados ou 10,6% do total de parlamentares), PSL tárias brasileiras (Braga & Carlomagno, 2018). Também como no
(52 = 10,1%), PP (37), MDB (34), PSD (34) e assim sucessivamente. caso das eleições municipais, um percentual mais reduzido de po-
Assim, observamos que apesar da ascensão de partidos associados líticos mantém websites ativos ou usam Twitter de forma regular, o
ao bolsonarismo, como o PSL, a estrutura partidária tradicional de que não implica afirmar, naturalmente, que tais mídias não sejam
partidos fisiológicos de centro-direita se manteve forte no parla- relevantes para os políticos organizarem sua comunicação pública.
mento federal, com a manutenção ou queda menor que a esperada Observamos que o Youtube já é utilizado por cerca de 83,4% dos
das bancadas de partidos mais programáticos, tais como o PSDB, o deputados federais brasileiros que possuem canais específicos nes-
PT e o DEM, apesar do desgaste sofrido por estes partidos no plano ta plataforma, ou então perfis de usuários. Entretanto, apesar des-
federal. No tocante ao uso das principais mídias sociais pelos depu- sa ampla difusão das mídias digitais entre os políticos brasileiros,
tados, esta informação é fornecida pelo Gráfico 2: isso não implica afirmar que o problema da “fratura digital” ou do
“digital divide” esteja plenamente equacionado, na medida em que
120 São os outliers, outsiders? Perfil dos deputados federais usuários Fernando Wisse, Rafael Linhares & Sérgio Braga 121
intensivos de mídias digitais na legislatura 2019-2023
permanecem desigualdades no uso das ferramentas digitais, tanto de lado os valores considerados outliers inferiores, já que estes não
entre partidos quanto entre diferentes subgrupos de parlamentares, representam nenhum significado político preciso para o presente
como veremos adiante, bem como usos qualitativamente distintos estudo. Em nossa análise definiremos os outliers das duas mídias
das ferramentas mais colaborativas da internet por diferentes seg- mais utilizadas pelos deputados federais, o Facebook e o Instagram.
mentos ou frações de parlamentares. Consideramos os outliers uma medida inicial para medir os depu-
Apresentados estes dados descritivos gerais sobre o uso das tados heavy users de mídias digitais.
mídias digitais por região, podemos abordar nossos problemas Em relação ao conceito de outsiders, ele tem uma trajetória
centrais: a) em primeiro lugar, identificar quem são os outliers ou mais complexa, até chegar a seu amplo emprego recente da Ciência
usuários intensivos (heavy users) de mídias digitais nas diferentes Política. Barr (2009), ao analisar relações entre os conceitos de
unidades da federação brasileira; b) em segundo lugar, nos aprofun- populismo, políticos anti-establishment e outsiders, define como
dar na análise das características sociopolíticas destes outliers, veri- outsider aqueles políticos que ascendem associados a partidos no-
ficando se os mesmos são outsiders na política, acumulando capital vos que tendem a se tornar competitivos. Corrales (2008), olhando
político predominantemente através das mídias digitais, ou se são para as características do arranjo institucional latino-americano e a
políticos estabelecidos, que já tinham um capital político acumula- ascensão de parlamentares recém-chegados, define outsider como
do antes da atual legislatura. Isto posto, resta definir estes conceitos aqueles candidatos que concorrem ao pleito sem experiência pré-
com mais precisão. via na política. Carreras (2016) afirma que, embora o conceito de
No que se refere aos outliers, trata-se de um conceito estatístico político outsider pareça simples, a literatura da área não convergiu
e bastante objetivo. Segundo Moretin & Bussab, obtida uma distri- para uma definição unificada do tema. Dessa forma, é possível ma-
buição interquartílica de um conjunto de dados e caracterizados pear pela literatura duas linhas gerais para definição de ator político
seus limites superior e inferior, “as observações que estiverem acima outsider: i) outsiders como atores sem experiência prévia na polí-
do limite superior ou abaixo do limite inferior estabelecidos serão tica ou com experiência limitada; ii) outsiders como atores fora do
chamados pontos exteriores e representadas por asteriscos [num establishment político e não pertencentes a partidos competitivos.
boxplot]. Essas são observações destoantes das demais e podem ser (Marenco & Serna, 2007; Corrales, 2008; Carreras, 2016).
o que chamamos de outliers ou valores atípicos” (Moretin & Bussab, No caso deste artigo, adotamos uma definição mais simples de
2010, P. 65). Estes outliers ou valores atípicos podem ser obtidos outsiders e mais operacionalizável empiricamente no estágio atu-
aplicando a fórmula Q3 + (1,5 x L), onde Q3 representa o terceiro al desta pesquisa: trata-se de todos os deputados que exerceram o
quartil, sendo que há um certo consenso estatístico em usar o va- primeiro mandato eletivo como titular na atual legislatura. Assim,
lor de 1,5 para identificar os casos extremos da distribuição, e L é não computamos como outsiders os parlamentares que estavam
igual a subtração do limite superior pelo limite inferior, o que torna sem mandato, mas já haviam exercido algum cargo eletivo anterior,
possível identificar aqueles valores que estão muito fora da norma embora não estivessem se candidatando à reeleição nas eleições de
da distribuição (Cervi, 2017). Para a proposta do presente trabalho 2018. Entretanto, como ainda não concluímos o levantamento de
nos restringimos a analisar apenas os outliers superiores, deixando todos os candidatos que podem ser considerados como outsiders a
122 São os outliers, outsiders? Perfil dos deputados federais usuários Fernando Wisse, Rafael Linhares & Sérgio Braga 123
intensivos de mídias digitais na legislatura 2019-2023
partir dessa definição mais estrita, nem concluímos a análise mais H1: Parlamentares outliers usuários de mídias sociais possuem
profunda dos padrões de carreira e de acúmulo de capital político carreira política recente, pertencem com mais frequência a partidos
da nova direita, não foram candidatos à reeleição e são de uma faixa
destas categorias de parlamentares, adotamos como proxy para de- etária mais jovem, tendo entrado mais recentemente na carreira
finir os outsiders os dados sobre os parlamentares que concorreram política.
à reeleição, disponíveis no site do TSE, computando como outsiders
todos aqueles políticos que não concorreram à reeleição no pleito de H2: Parlamentares outliers foram mais bem votados nas últimas
eleições devido ao papel desempenhado nas mídias digitais na
outubro de 2018 . última campanha eleitoral, consolidando tendências de campanhas
Dessa forma, os próprios parlamentares em seus perfis enfati- anteriores onde as ferramentas da internet desempenham crescente
zam a relação entre o fato de serem outsiders na política e o uso papel como proxy de acumulação de capital político e eleitoral (Braga
& Carlomagno, 2018).
intenso das mídias sociais em suas campanhas e atuação política,
embora naturalmente não apresentem nenhuma definição esta- H3: Parlamentares outliers nas mídias digitais são também outsiders
tística ou sociologicamente rigorosa de ambos os conceitos. Esses na atividade política,pertencendo a novos partidos de esquerda e de
direita, e não se candidatando à reeleição.
depoimentos nos permitem definir melhor algumas questões de
pesquisa e proposições básicas que estruturam nosso enfoque. Assim, para usar uma linguagem técnica, temos um “grupo de
QP01: Quem são os outliers das mídias mais utilizadas pelos de- tratamento” que são os parlamentares outliers e usuários intensos
putados federais na legislatura, ou seja, Facebook e Instagram? Ou, de mídias digitais e um “grupo de controle” (ou seja, os parlamenta-
por outra: quantos deputados são outliers ou heavy users de mídias res situados acima do intervalo de 1,5), a partir dos quais podemos
digitais na Câmara dos Deputados brasileira? testar nossas hipóteses e verificar a existência de diferenças estatis-
Procuramos responder a esta indagação através da construção ticamente significativas ou não entre os dois grupos. Ou, mais subs-
de boxplots dos usuários de mídias digitais das 27 unidades da fede- tantivamente, a proposição mais geral de que a internet foi um fator
ração brasileira que constituem nosso objeto de estudo. efetivo de acumulação de capital político para determinados sub-
QP2: Quais os perfis de carreira e de trajetória desses “outliers”? grupos de parlamentares durante a campanha eleitoral e ao longo da
Eles são estreantes na política ou possuem carreira política consoli- atual legislatura. Além disso, esse contraste entre os dois grupos nos
dada e capital político já acumulado nas instituições representativas permitiu mapear algumas características da carreira dos parlamen-
tradicionais e estabelecidas? De que partidos eles provêm e qual a sua tares que usam mais intensamente as mídias digitais.
faixa etária? O fato de serem outliers ou usuários intensivos de mídias Isto posto, podemos passar para a análise mais sistemática dos
digitais teve impacto em sua votação no pleito de 2018? dados coletados durante nossa pesquisa.
A partir dessas questões de pesquisa mais gerais e dos casos ar-
quetípicos selecionados na presente investigação, podemos formu- 3.2 Análise dos resultados: o universo dos outliers brasileiros e seus
lar as seguintes hipóteses: padrões de carreira política e perfis sociais
124 São os outliers, outsiders? Perfil dos deputados federais usuários Fernando Wisse, Rafael Linhares & Sérgio Braga 125
intensivos de mídias digitais na legislatura 2019-2023
Tabela 1. Distribuição regional dos outliers (Facebook) excesso de partidos políticos no Brasil, agregamos os partidos nas
Outlier Facebook Total seguintes categorias:
não-outlier outlier 1. Nova esquerda: PSOL e Rede. São aqueles partidos que
centro oeste N 37 4 41 surgiram como cisões ou dissidências de agremiações de esquerda
% 90,2% 9,8% 100,0%
estabelecidas e institucionalizadas, especialmente o PT.
2. Esquerda tradicional: PCdoB, PT, PDT, PSB e PV. Partidos
R 0,0 0,0
já estabelecidos no Parlamento brasileiro desde a redemocratização
nordeste N 137 13 150 e atuantes ao longo de várias legislaturas.
% 91,3% 8,7% 100,0% 3. Centro-fisiológico tradicional (“Centrão”): MDB,
R 0,5 -0,5 Solidariedade, PHS, PRB, PR, PSD, PRP, PTC, DC, PMN, PRB, PR
norte N 60 6 66 e Republicanos. Agremiações que apoiaram sucessivos governos de
% 90,9% 9,1% 100,0% perfil programático diferentes ao longo do processo político brasi-
R 0,2 -0,2 leiro ou que mudaram de nome em função de fracassos eleitorais, e
sudeste N 161 18 179
sem identidade programática precisa.
4. Centro-direita tradicional: PSDB, PPS-Cidadania, PP, DEM
% 89,9% 10,1% 100,0%
e PTB. Partidos de perfil programático mais definido e com atuação
R -0,2 0,2
ao longo de diversas legislaturas.
sul N 68 9 77 5. Nova direita: NOVO, PSL, PODE, PROS, PATRI, AVANTE
% 88,3% 11,7% 100,0% e PODEMOS. São agremiações que se originaram recentemente
R -0,6 0,6 de cisões de agremiações de centro-direita estabelecidas ou servi-
Total N 463 50 513 ram de suporte para candidaturas personalistas no plano federal e
% 90,3% 9,7% 100,0% estadual.
Fonte: base de dados do Geist Agregados os dados, podemos obter a tabela 2:
Tabela 2. Estabelecidos e outsiders segundo grupos partidários (2019-2020) a um acúmulo de capital político prévio nas redes digitais e em que
Estabelecidos Outsiders Mavericks Total grau. Para isso, definiremos quais são os parlamentares outliers nas
Nova esquerda N 6 1 4 11 duas principais redes digitais e verificaremos se eles são diferentes
% 2,3 0,8 3,2 2,1 dos demais grupos.
R 0,2 -1,2 1,0
Além dos perfis partidários dos outliers e casos normais, po-
demos contrastar os dois grupos no tocante às médias de idade e
Esquerda N 78 22 29 129
tradicional
média de números de votos recebidos nas eleições, a fim de verificar
% 29,5 17,6 23,4 25,1 se os usuários intensivos do Facebook são mais jovens e mais com-
R 2,4 -2,2 -0,5 petitivos eleitoralmente. Para isso, aplicamos um teste T de médias
Centro N 113 41 52 206 entre os dois grupos, conforme mostra a tabela 3:
fisiológico % 42,8 32,8 41,9 40,2
tradicional Tabela 3. Médias de idade e votos X presença no Facebook
R 1,3 -1,9 0,5
Centro-direita N 46 11 19 76 Presença no Facebook Idade* Votos**
programática % 17,4 8,8 15,3 14,8 Média 49,76 93.486,39
R 1,7 -2,2 0,2 Não-outlier N 463 463
Nova N 21 50 20 91 Desvio padrão 11,87 54.284,16
Direita % 8,0 40,0 16,1 17,7 Média 44,14 200.656,58
R -6,0 7,5 -0,5 Outlier N 50 50
Total N 264 125 124 513 Desvio padrão 10,79 288.418,70
% 100,0 100,0 100,0 100,0 Média 49,21 103.931,83
Fonte: base de dados do Geist Total N 513 513
Desvio padrão 11,87 107.853,62
Pela tabela 2, podemos observar uma distribuição com certa Fonte: elaboração própria (2021)
homogeneidade, verificando-se, no entanto, uma maior concentra- * p idade = 0,001; diferença média de idade = 4,31;
ção de parlamentares “estabelecidos” na esquerda tradicional, e uma ** p votos = 0,007; diferença média = 21.78
concentração de outsiders em partidos da nova direita, destacan-
O teste T de médias para amostras independentes nos mostra
do-se o Novo e o PSL, ambos partidos estritamente vinculados à
que as médias de idade são inferiores e as de votos dos outliers são
imagem do atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas últi-
significativamente superiores às dos parlamentares não-outliers,
mas eleições. Ainda, podemos notar uma maior quantidade de par-
evidenciando que as características deste grupo são distintas entre
lamentares mavericks no subgrupo referente ao centro fisiológico
si. Com efeito, os outliers são mais jovens que os parlamentares co-
tradicional. Resta agora verificar se estes outsiders estão vinculados
muns, além de terem sido significativamente mais votados no pleito
130 São os outliers, outsiders? Perfil dos deputados federais usuários Fernando Wisse, Rafael Linhares & Sérgio Braga 131
intensivos de mídias digitais na legislatura 2019-2023
O gráfico ilustra os outliers por estados, obtidos a partir da dis- dários, entretanto, podemos observar na tabela 5 uma situação um
tribuição interquartílica de cada unidade da federação. Podemos vi- pouco diferente:
sualizar que o parlamentar com maior índice relativo de presença no
Instagram é o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seguido pe- Tabela 5. Distribuição dos outliers por agregados partidários
los deputados Pastor Marcos Feliciano (Pode-SP), Joice Hasselman Outliers do Instagram Total
(PSL-SP), e pelo Sargento Fahur (PSD-SP), todos eles eleitos pelo Não-outlier Outlier
estado de São Paulo, com exceção do último, onde observamos uma Nova esquerda N 4 7 11
maior concentração de parlamentares outliers, sendo que esta é a % 0,9% 11,3% 2,1%
única unidade da federação com resíduo padronizado maior que 1,9
R -5,3 5,3
(R ajustado = 2,3). A partir da aplicação destes critérios, obtemos
Esquerda N 114 15 129
um universo de 62 deputados federais, distribuídos regionalmente
tradicional % 25,3% 24,2% 25,1%
conforme mostra a tabela 4:
R 0,2 -0,2
Tabela 4. Distribuição Regional dos outliers (Instagram) Centrão N 195 11 206
Região % 43,2% 17,7% 40,2%
Centro Nordeste Norte Sudeste Sul Total R 3,8 -3,8
oeste
Centro-direita N 70 6 76
Não- N 38 135 62 150 66 451 tradicional % 15,5% 9,7% 14,8%
outliers
R 1,2 -1,2
% 92,7% 90,0% 93,9% 83,8% 85,7% 87,9%
Nova N 68 23 91
R 1,0 0,9 1,6 -2,1 -0,6
Direita % 15,1% 37,1% 17,7%
Outliers N 3 15 4 29 11 62
R -4,3 4,3
% 7,3% 10,0% 6,1% 16,2% 14,3% 12,1%
Total N 451 62 513
R -1,0 -0,9 -1,6 2,1 0,6
% 100,0% 100,0% 100,0%
Total N 41 150 66 179 77 513
Fonte: os autores, 2021
% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% * Qui-quadrado de Pearson p = 0,008; Valor = 13.651
Fonte: base de dados do GP
Pelos dados da tabela 5, verificamos um padrão diferente dos
Contrariamente ao caso do Facebook, observa-se uma diferença observados no Facebook, com partidos da nova esquerda e da nova
regional significativa entre as diferentes regiões do país, com maior direita tendo um percentual significativamente superior de parla-
concentração na região sudeste. No tocante aos subgrupos parti- mentares outliers em comparação com as demais correntes parti-
134 São os outliers, outsiders? Perfil dos deputados federais usuários Fernando Wisse, Rafael Linhares & Sérgio Braga 135
intensivos de mídias digitais na legislatura 2019-2023
começou a se difundir nas eleições de 2016 (Braga & Carlomagno, Considerações finais
2018).
Podemos resumir os achados da presente pesquisa e indicar
Tabela 9. Outliers do Instagram X Deputados outsiders (2019-2020) algumas questões para aprofundamento futuro. Verificamos, em
Candidato à reeleição Total primeiro lugar, que o uso das mídias digitais está amplamente di-
Não Sim fundido entre os deputados federais de diferentes regiões do país,
Não-outlier N 223 228 451 tendo estas se tornado uma ferramenta de gerenciamento cotidiano
% 90,3% 85,7% 87,9% dos mandatos parlamentares, inclusive em nível subnacional, como
já mencionado em outros estudos, sendo que Facebook e Instagram
R 1,9 -1,9
são as mídias mais utilizadas (Marques, Aquino & Miola, 2015;
Outlier N 24 38 62
Pereira, Santos & Almeida, 2020). Também verificamos inicialmen-
% 9,7% 14,3% 12,1% te como nos próprios perfis dos parlamentares, redigidos pelos as-
R -1,9 1,9 sessores, eles aparecem associados ao fato de serem outsiders com
Total N 247 266 513 o fato de serem outliers, pelo que este é um problema que merece
% 100,0% 100,0% 100,0% ser aprofundado empiricamente. Com efeito, esses próprios parla-
Fonte: os autores, 2021 mentares associam o fato de serem outsiders na política com o uso
intensivo das mídias sociais como ferramenta de comunicação e de
O teste Qui-quadrado (p = 0,004) mostra que, no caso do mobilização política.
Instagram, há relação entre o fato do deputado ser outlier e ser out- A partir das indicações contidas nas declarações destes par-
sider, ou seja, aqueles mais presentes nesta mídia social são de fato lamentares, formulamos nossas questões de pesquisa definindo,
aqueles que não foram candidatos à reeleição na última legislatura. numa primeira aproximação, como heavy users de mídias digitais,
Isso indica que as mídias de uso mais recente podem ser aquelas aqueles parlamentares outliers no Facebook e Instagram, redes so-
mais usadas pelos deputados outsiders, mais jovens e conectados ciais digitais mais utilizadas pelos parlamentares. Esse procedimen-
com novas mídias, de linguagem mais moderna. Esse talvez seja o to nos permitiu definir um universo empírico inicial de 50 usuários
caso do Whatsapp também. Entretanto, como não é uma mídia pú- no Facebook e 62 deputados no Instagram, que serviram como
blica onde os dados sobre as informações que circulam nas redes “grupos de tratamento” em nossa análise. A partir dessas evidências
sejam de acesso amplo, trata-se de uma hipótese de difícil confir- preliminares, elaboramos nossas questões de pesquisa e nossas três
mação ou refutação. Assim, podemos afirmar que nossa terceira hipóteses de trabalho.
hipótese foi parcialmente confirmada. Em seguida, procuramos testar nossas duas primeiras hipóte-
ses mostrando que, de fato, os deputados outliers no Facebook e
no Instagram apresentam características diferentes daqueles “não-
outliers”, sendo predominantemente de partidos da “nova direita”,
140 São os outliers, outsiders? Perfil dos deputados federais usuários Fernando Wisse, Rafael Linhares & Sérgio Braga 141
intensivos de mídias digitais na legislatura 2019-2023
de uma geração mais jovem e tendo uma média de votos significa- Referências
tivamente superior, sendo que estes fenômenos se manifestam com
mais intensidade no caso do Instagram vis-à-vis o Facebook. Almeida, H. N. (2017) Representantes, representados e mídias
Por fim, procuramos testar nossa terceira hipótese mostrando sociais: mapeando o mecanismo de agendamento informacional.
que, no caso do Instagram, os parlamentares outliers, tendem, de Tese de Doutorado. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas
fato, a serem “estreantes” na carreira política, sendo que o mesmo Gerais.
não ocorre no Facebook, uma mídia digital mais antiga.
De uma maneira geral, nossos dados, mesmo que num nível de Almeida, H. N. (2020) “Tamo junto?” Parlamentares e mídias
agregação elevado, indicam um amplo campo de possibilidades de sociais: uma tipologia dos padrões de atuação de deputados federais
uso das mídias digitais pelos deputados, e permitem a formulação no Facebook. Sociedade e Cultura, 23(s/n).
de uma série de outras questões de pesquisa. Por exemplo, quais
as consequências para a análise se incorporarmos outras categorias Barros, A. T., Bernardes, C. B. & Rodrigues, M. R. (2015) Atuação
para definir os deputados heavy users das mídias digitais além do Parlamentar Virtual: as estratégias dos Deputados Federais em seus
conceito estatístico de outliers? É possível refinar o conceito de out- Websites. E-Legis, 6(s/n), pp. 18-42.
siders, empregando outros critérios mais refinados para o estudo
das carreiras políticas dos parlamentares? Como estes avaliam o uso Barr, R. R. (2009) Populists, Outsiders and Anti-Establishment
das mídias digitais em seus perfis? Quais as estratégias discursivas Politics. Party Politics, 15(1).
utilizadas por subgrupos de políticos e de usuários em suas mídias
Braga, S., Sampaio, R., Carlomagno, M., Vieira, F., Angeli, A. &
digitais? A presença pervasiva das tecnologias digitais ao longo do
Suhurt, J. (2017) Eleições online em tempos de big data: Métodos e
mandato dos parlamentares é suficiente para caracterizar uma si-
questões de pesquisa a partir das eleições municipais brasileiras de
tuação de “campanha permanente”? Com qual intensidade? Qual
2016. Estudos em Comunicação, 25(s/n), pp. 253-285.
o conteúdo das mensagens veiculadas pelos parlamentares em suas
mídias digitais? Quais os efeitos de todos estes fenômenos no esta- Braga, S. S. & Carlomagno, M. C. (2018) Eleições como de costume?
belecimento de relações de representação entre os parlamentares e Uma análise longitudinal das mudanças provocadas nas campanhas
sua base social? Como os próprios parlamentares estão avaliando eleitorais brasileiras pelas tecnologias digitais (1998-2016). Revista
este fenômeno? Já é possível observar sinais de saturação do uso das Brasileira de Ciência Política, Brasília, 26(s/n), pp. 7-62.
mídias digitais pelos parlamentares em sua comunicação pública ou
este é um fenômeno ainda em ascensão? Uma série de questões a Braga, S. S. & Cruz, L. C. (2014) As tecnologias digitais e o mandato
serem abordadas em outros trabalhos no âmbito de nossas investi- dos representantes: um estudo sobre o uso da internet pelos
gações coletivas. deputados federais brasileiros da 16a legislatura (2007-2011). In:
Silveira, Sérgio Amadeu; Braga, Sérgio; Penteado, Cláudio. (orgs.)
142 São os outliers, outsiders? Perfil dos deputados federais usuários Fernando Wisse, Rafael Linhares & Sérgio Braga 143
intensivos de mídias digitais na legislatura 2019-2023
Cultura, política e ativismo nas redes digitais. São Paulo: Editora adoção e uso da ferramenta. Revista Brasileira de Ciência Política,
Fundação Perseu Abramo. s/v(14), p. 201-225.
Carreras, M. (2016) Outsiders and executive-legislative conflict in Morettin, P. A.; Bussab, W. O. (2017) Estatística básica. Saraiva
Latin America (1980–2007). Latin American Politics and Society, Educação SA.
56(3).
Miguel, L. F. (2003) Capital político e carreira eleitoral: algumas
Cervi, E. U. (2017) Manual de métodos quantitativos para iniciantes variáveis na eleição para o Congresso brasileiro. Revista de
em Ciência Política. Curitiba: CPOP-UFPR. Sociologia e Política, s/v(20), pp. 115–134.
Codato, A., Lorencetti, A & Prata, B. (2020) Elites políticas e Pereira, M. A. G., Santos, M. L. & Almeida, H. N. (2018)
representação: uma investigação da literatura contemporânea sobre Representação Política e Internet - Uso das TICs por Membros
políticos profissionais. BIB – Boletim de Informação Bibliográfica, do Parlamento Brasileiro. Revista Política Hoje, Recife, 27(1), pp.
São Paulo, s/v(95). pp. 89–105. 83-104.
Corrales, J. (2008) Latin America’s Neocaudillismo: ex-presidents Purba, K. R., Asirvatham, D. & Murugesan, R. (2020) An analysis
and newcomers running for President… and winning. Latin and prediction model of outsiders percentage as a new popularity
American Politics and Society, 50(3). metric on Instagram. ICT Express, 6(3): pp. 243-248.
Donatello, L. M. & Levita, G. (2017) ¿Renovación de las elites Rehbein-Sathler, A. G. & Ferreira, H. F. (2020) Mandato Digital: uma
o renovación de las élites políticas? Los diputados outsiders en experiência com utilização de aplicativo. E- Legis; Revista Eletrônica
los países del Mercosur (2003-2015). Revista de Investigaciones do Programa de Pós-Graduação da Câmara dos Deputados, 13(s/n),
Políticas y Sociológicas, Universidad de Santiago de Compostela, pp. 103-119.
16(2), pp. 45-64.
Sobre os autores
Fernando Wisse é doutorando em Ciência Política na
Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
br/9290868075990183
Contexto
Estudos recentes demonstram que uma presença ativa dos políticos
nos social media no período não eleitoral se constitui em um
importante ativo político a ser explorado por ocasião da realização
dos pleitos. Neste contexto, o YouTube tem se destacado, frente a
outras mídias digitais, por seu impacto como meio de promoção
para os próprios políticos. Pretende-se, então, analisar a utilização
de uma rede social de grande popularidade e capilaridade por parte
da classe política.
Objetivos
O presente estudo visa fazer uma análise da adoção do YouTube pelos
deputados estaduais brasileiros em escala subnacional. Objetiva-se
compreender como essa fração da classe política está utilizando a
ferramenta no período não eleitoral. O recorte abrange um certo
período da legislatura ordinária: de janeiro de 2019 a maio de 2020.
Com isso, buscamos responder às seguintes questões centrais: quais
os padrões de uso do Youtube pelos deputados estaduais brasileiros ao
longo do mandato? Há indícios de campanha permanente na atuação
dos políticos na referida rede digital? Existem indícios de discurso
CAPÍTULO 5 populista nos vídeos do deputado estadual com maior número de
visualizações?
148 Padrões de utilização do YouTube pelos deputados estaduais Márcio Giovani Macedo 149
brasileiros na legislatura 2019-2023: campanha permanente, populismo,
profissionalização e debate ideológico no exercício dos mandatos digitais
Conclusão
Trabalha-se com a hipótese que estamos em um novo contexto
no que se refere ao relacionamento entre as redes sociais digitais
e a classe política. Exemplos marcantes — como as vitórias de
Barack Obama (2008, 2012) e Donald Trump (2016), nas eleições
presidenciais norte-americanas e o êxito de Jair Bolsonaro nas
eleições presidenciais brasileiras — denotam uma nova conjuntura
social e política no Brasil e no mundo. Os conteúdos postados nas
redes sociais indicam a profissionalização das equipes de gestão
de imagem dos políticos. Os conteúdos veiculados nas redes
150 Padrões de utilização do YouTube pelos deputados estaduais Márcio Giovani Macedo 151
brasileiros na legislatura 2019-2023: campanha permanente, populismo,
profissionalização e debate ideológico no exercício dos mandatos digitais
Heclo (2000) argumenta que esse tipo de campanha envolve a financiamentos. Gradualmente, as pesquisas de opinião e o pare-
transformação do tradicional modelo de governar. Desta maneira, cer de consultores começam a moldar as estratégias políticas nos
as ações de governo que visam ampliar a popularidade do ator po- períodos não eleitorais. Estes conhecimentos vêm se tornando im-
lítico são motivadas pelas evoluções institucionais, políticas e tec- portantes ferramentas, pois revelam informações essenciais como
nológicas; nessas mudanças, estão incluídos o declínio dos partidos interesses, atitudes, preferências e preconceitos dos cidadãos.
políticos tradicionais e a ascensão de novas mídias e tecnologias de Neste contexto, conservar a notoriedade se tornou o foco dos
informação. Ou seja, a campanha permanente é um processo “inin- políticos que ocupam cargos públicos. A cobertura da mídia tradi-
terrupto” para direcionar o apoio público a fim de envolver o públi- cional e a repercussão nas redes sociais são elementos que podem
co no próprio processo de governança. preservar ou expandir a popularidade. As ferramentas utilizadas
Pozobon (2019) aponta que a administração pública se transfor- podem ser o compartilhamento de histórias pessoais, informações
ma, então, em uma campanha duradoura que possui duas caracte- e opiniões que transformam os políticos em celebridades e/ou “per-
rísticas essenciais: a profissionalização dos consultores e assessores, sonagens” envolvidos em tramas intrigantes, em antagonismos e
objetivando o gerenciamento racional da imagem dos políticos; e conflitos potencialmente perigosos. A luta por visibilidade se torna,
a coleta, organização e sistematização da informação para aferir o então, o fulcro da era digital contemporânea.
estado da opinião pública. Logo, considerando as possibilidades proporcionadas por suas
Ou seja, as estratégias de ação, sejam nas eleições ou no man- affordances, os social media afetam os processos de comunicação
dato, devem criar condições que sustentem a popularidade do ator política e o funcionamento das sociedades democráticas modernas,
ou instituição política. Nesse sentido, Galicia (2010) é enfático ao principalmente em seus elementos como a participação política e
declarar que “Un político no sólo necesita apoyo público para ga- o alcance da influência dos cidadãos nos processos de tomada de
nar las elecciones, lo necesita para gobernar. Quien no calcula cómo decisão. As plataformas digitais, como meios de comunicação polí-
mantener su apoyo todos los días y sobre cada tema, casi inevita- tica, quebram o monopólio dos meios de comunicação tradicionais,
blemente caerá”. Nesse sentido, Berrocal-Gonzalez et. al (2017), causando efeitos como: personalização da mensagem, descentra-
em um estudo sobre a possibilidade de utilização de estratégias de lização da comunicação (os próprios políticos também se tornam
campanha permanente pelos deputados espanhóis no YouTube, faz radiodifusores) e a redefinição do papel dos meios de comunicação
uma análise empírica comparada entre os diversos discursos desses tradicionais e jornalistas.
políticos nos períodos eleitorais e não-eleitorais.
Segundo Domalewska (2018), quando os limites entre eleições 1.2 Populismo
e mandato se tornam vagos, certos elementos ganham importân-
cia: cálculos estratégicos na criação da imagem pública, a constante Um segundo elemento necessário, tanto para compreendermos
necessidade de incrementar o nível de aprovação dos eleitores, o a relação entre classe política e redes sociais quanto como chave in-
crescente interesse em surveys e pesquisas de opinião, a busca por terpretativa para os dados empíricos aqui apresentados, é o conceito
intensa exposição e o foco na arrecadação de fundos e obtenção de de populismo, especificamente aplicado em um âmbito digital.
154 Padrões de utilização do YouTube pelos deputados estaduais Márcio Giovani Macedo 155
brasileiros na legislatura 2019-2023: campanha permanente, populismo,
profissionalização e debate ideológico no exercício dos mandatos digitais
No cenário político brasileiro, principalmente após a vitória de redor de símbolos, ideias e palavras de ordem que façam referência
Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018, o tema do popu- ao líder. A equivalência dos desejos é construída por meio significa-
lismo tem ganhado notoriedade no debate público e acadêmico. tivamente vazios, ou seja, através de noções vagas de nação, ordem,
Como provam os resultados das eleições do ano em questão - cujos segurança e mudança. Desse imaginário, surge o caráter impreciso,
discursos dos deputados estaduais eleitos serão aqui analisados - simplificador e emotivo do discurso populista.
muitos candidatos conseguiram se eleger baseados em estratégias Segundo Gerbaudo (2018), em um contexto de redes digitais,
discursivas cujos elementos centrais demonstram ser uma releitura os social media se tornariam ambientes propícios ao “espírito trans-
das tradições populistas do passado, porém adaptadas ao contexto gressor”, palcos que dariam visibilidade e voz aos excluídos e não
das redes sociais que serviram como instrumento catalisador e pro- representados pelo sistema político e aos ignorados pela grande mí-
pagador de agendas conservadoras. dia. Segundo Laclau (2005), o líder populista serviria como a figura
Cesarino (2020), em seu estudo sobre redes bolsonaristas difun- centralizadora, o “salvador” que lutaria contra um sistema político
didas pelo aplicativo WhatsApp, propõe o conceito de populismo inerentemente corrupto. Ficaria clara, então, a divisão entre “nós” e
digital para compreender os efeitos da plataformização e digitali- os “outros”. Tanto nas tradicionais estratégias offline quanto no novo
zação das práticas populistas clássicas. A autora destaca cinco ele- contexto online, as pessoas são mobilizadas através de apelos emo-
mentos para que esse novo fenômeno possa ser compreendido: (a) tivos e morais, que podem ser positivos (desejo de ordem, mudança
antagonismo amigo-inimigo; (b) equivalência entre líder e povo; (c) e justiça) ou negativos (ódio ao inimigo, ressentimento e atitude
mobilização permanente através da ameaça e crise; (d) espelhamen- confrontacional). Nesse contexto, é comum que o carisma pessoal
to do inimigo e inversão de acusações; (e) produção de um canal do líder seja acompanhado de algum tipo de culto à personalidade.
midiático exclusivo da figura política. No caso do populismo digital, os algoritmos das redes sociais pas-
Cesarino argumenta que o populismo digital se refere “tanto sariam, também, a desempenhar esse importante papel mobilizador
a um aparato midiático (digital) quanto a um mecanismo discur- por meio do controle dos afetos (Malini, Ciarelli & Medeiros, 2017).
sivo (de mobilização) e uma tática (política) de construção de he- Como argumentado anteriormente, o conceito de populismo
gemonia” (Cesarino, 2019a). O mecanismo populista, então, seria aqui desenvolvido nos ajudará a compreender e interpretar os dados
colocado em movimento por meio de uma liderança carismática, empíricos coletados.
que surgiria em contextos de insatisfação generalizada e fragilidade
institucional, alegando vir de fora do sistema e se arrogando o papel 1.3 Questões de pesquisa
“heroico” de representante da ruptura e da mudança. Toda dinâmica
populista tenderia a reconfigurar a estrutura política como efeito Considerando o objeto de estudo, a discussão teórica em questão e os
do acúmulo de demandas de grupos sociais que não haviam sido conceitos delineados, propõe-se, então, as seguintes questões de pes-
consideradas anteriormente. quisa:
Laclau (2005) argumenta que as particularidades dessas deman-
das são seletivamente excluídas em favor de uma mobilização ao
156 Padrões de utilização do YouTube pelos deputados estaduais Márcio Giovani Macedo 157
brasileiros na legislatura 2019-2023: campanha permanente, populismo,
profissionalização e debate ideológico no exercício dos mandatos digitais
RQ1: Em uma análise exploratória inicial, qual o perfil social e polí- analisado sob uma perspectiva exploratória. Com relação ao conte-
tico dos deputados estaduais mais ativos (outliers) na amostra anali- údo das postagens, foram utilizadas quatro categorias analíticas: (a)
sada? Provocativo: vídeos em que o deputado se coloca, propositalmente,
em situações em que ele possa questionar e provocar seus adversá-
RQ2: Durante o período analisado no presente trabalho (janeiro de rios políticos; (b) Denúncia: vídeos em que o político critica figuras
2019 a maio de 2020), há indícios de campanha permanente no perfil públicas com base em sua agenda política e pessoal; (c) Informativo:
do deputado estadual mais ativo no YouTube? postagens cujo objetivo central é informar o público sobre algum
assunto de interesse para o autor; (d) Gênero/Costumes: opiniões
RQ3: Existem, no perfil do deputado estadual mais ativo, estratégias pessoais do deputado sobre acontecimentos públicos ligados às
discursivas populistas? Se sim, qual a natureza dos discursos? questões de gênero ou dos costumes.
Para o mapeamento do uso do YouTube pelos deputados esta- 3.1 Análise exploratória quantitativa
duais, foram utilizados os metadados dos canais dos parlamentares
disponibilizados em suas respectivas páginas (número de inscritos, A amostra analisada é composta por 1065 deputados estadu-
visualizações, data de entrada), no intuito de produzir um resumo ais eleitos para a legislatura 2019-2023 e que foram empossados no
quantitativo das postagens realizadas desde a criação dos canais. período. O gráfico abaixo indica que, ao todo, cerca de 30 partidos
A partir desses metadados, foram examinadas as postagens dos 50 figuram nos parlamentos estaduais; ou seja, um quadro partidário
deputados estaduais mais ativos no Youtube ao longo do período bastante fragmentado que dificulta a utilização dos partidos como
analisado. Posteriormente, foram realizadas comparações entre unidade de análise. Pode-se observar que nenhum partido é domi-
regiões geográficas, partidos políticos e perfis dos parlamentares nante nos parlamentos estaduais:
das assembleias legislativas. Utilizando a ferramenta YouTube Data
Tools, foi possível ter acesso às datas de publicação dos vídeos, o que
possibilitou a construção de uma espécie de linha do tempo de cada
canal. Analisou-se, então, a frequência de postagens nas timelines
dos deputados estaduais.
Em um segundo momento, procedeu-se a uma análise qualitati-
va dos vídeos do canal do deputado estadual mais ativo no YouTube,
um outlier que concentrou 73% do total de visualizações do período
estudado. Foram selecionados os vinte vídeos mais visualizados (pe-
ríodo: 01 de janeiro de 2019 a 31 de maio de 2020) e o conteúdo foi
158 Padrões de utilização do YouTube pelos deputados estaduais Márcio Giovani Macedo 159
brasileiros na legislatura 2019-2023: campanha permanente, populismo,
profissionalização e debate ideológico no exercício dos mandatos digitais
Gráfico 1. Distribuição partidária dos eeputados estaduais (2019) Gráfico 2. Principais mídias sociais utilizadas pelos deputados estaduais
Tabela 1. Utilização de social media por região Tabela 2. Intensidade de utilização de social media pelos deputados estaduais
Tabela 3. Os 15 deputados estaduais com o maior número de visualizações no Falei (Patriota/SP), um fenômeno claramente desviante em compa-
YouTube ração aos demais parlamentares.
Deputado(a) estadual Partido Visualizações no YouTube (N) Logo, com relação à RQ1, sobre o perfil dos 50 deputados
1 Arthur Mamãe Falei DEM 303.454.193 outliers, chegou-se ao resultado de que 40% deles estão concentra-
2 Professor Kenny PP 36.265.724 dos no Sudeste, 62% pertencem a partidos de direita, 90% são do
3 Apóstolo Luiz Henrique PATRI 11.819.058 sexo masculino, 70% possuem o curso superior completo, 82% são
4 André Fernandes PSL 10.489.175 da cor branca e 52% estão na primeira legislatura. Grande parte de-
les são representantes da “nova política”, que se elegeram pelo PSL,
5 Jorge Wilson Xerife Cons. PRB 9.142.255
o então partido do presidente Bolsonaro, como pode ser ilustrado
6 Capitão Assumção PSL 7.816.412
pelo gráfico abaixo:
7 Capitão Alden PSL 3.404.572
8 Ana Caroline Campagnolo PSL 3.377.733 Gráfico 6. Distribuição por filiação partidária e sexo, dos 50 deputados estaduais
9 Coronel Telhada PP 3.324.859 com maior número de visualizações no YouTube
3.2 Análise exploratória qualitativa do deputado com maior número Nome Visualizações Data da postagem
de visualizações 4 Expus Na Cara Deles Quanto Cada Um 2.467.225 24/04/2019
Recebeu
Conforme indicam os dados da seção anterior, o canal de apenas 5 Comprei uma Ferrari com Dinheiro de 2.389.402 19/12/2019
um deputado (Arthur do Val - Mamãe Falei, Patriota/SP) concentra, Deputado!
aproximadamente, 73% das visualizações no período analisado, o 6 Ato pela “DEMOCRACIA” na USP - 2.365.760 30/01/2019
que configura um número inegavelmente expressivo. Por um lado, Defesa de Jean Wyllys
admite-se o pequeno tamanho das amostras (apenas um deputado 7 O DIA QUE ME EXCEDI! 2.255.408 07/06/2019
e vinte vídeos) e que um recorte maior e mais representativo deve 8 Manifestação Lula Livr... Digo 2.217.735 03/06/2019
ser realizado futuramente; por outro, reitera-se que essa é uma aná- Educação
lise preliminar de caráter exploratório. Além disso, diversos estu- 9 Apóstolo Valdemiro - O Maior FDP do 1.717.159 09/05/2020
dos, como o de Cesarino (2020), demonstram que os candidatos Brasil
das eleições de 2018 ligados ao então candidato Jair Bolsonaro e 10 A Reportagem Que a Globo Não 1.699.721 06/12/2019
às pautas da direita política (como o próprio deputado analisado) Mostrou
se elegeram, em muitos casos, por meio de estratégias discursivas 11 MBL TRAIU o Brasil!!! 1.472.872 19/05/2019
conservadoras que foram veiculadas por diversas redes sociais - in- 12 Luisa Sonza e Anitta no bloquinho 1.367.958 04/03/2020
cluindo o YouTube.
13 Flávio Bolsonaro DECEPÇÃO! 1.329.494 18/01/2019
Conforme delineado na seção de metodologia, foram selecio-
14 STF Me Prenda!!! 1.244.174 17/04/2019
nados os 20 vídeos com maior número de visualizações no canal do
deputado em questão, dentro do período analisado (Janeiro / 2019 a 15 Deputada do PSOL é P#T@ ?? 1.129.420 04/10/2019
Maio / 2020). As tabelas a seguir resumem os dados básicos (nome, 16 Manifestação 26/5 O Que Eu 1.079.731 27/05/2019
APRENDI!
data de postagem), métricas (visualizações, likes, dislikes, comentá-
rios) e a categoria analítica em que o vídeo foi classificado: 17 1º de Maio Contra Reforma da 989.873 07/05/2019
Previdência! - ESPECIAL: Gabriel
Monteiro
Tabela 4. Vídeos com maior número de visualizações no canal “Mamãe Falei”
18 Panfletando Brasil Paralelo 64 - Luciana 988.006 23/04/2019
Nome Visualizações Data da postagem
Genro na UFRGS / ÚLTIMA SEMANA
1 Vagabundos me enfrentaram na ALESP 3.720.875 10/12/2019 19 Coroné ta Brava! Apareceu Só Pra Me 953.104 09/01/2019
- Sindicalistas entraram no gabinete Xingar!
2 O Cara deu notícia de morte de filha 3.686.131 18/02/2020 20 QUEBRA PAU NA ALESP! 917.305 04/12/2019
AO VIVO!!!!! (repost)
Total 37.151.249
3 NÃO FUJO! Veja O Nível De 3.159.896 17/05/2019
Fonte: elaboração própria (2021)
Argumentação Dos “Estudantes”
170 Padrões de utilização do YouTube pelos deputados estaduais Márcio Giovani Macedo 171
brasileiros na legislatura 2019-2023: campanha permanente, populismo,
profissionalização e debate ideológico no exercício dos mandatos digitais
Tabela 5. Métricas e categorias dos 20 vídeos mais visualizados número de likes, comentários e até mesmo de dislikes indica um
Likes Dislikes Comentários Conteúdo alto grau de engajamento dos frequentadores do canal, o que se tra-
1 306.000 5.400 31.298 Provocativo duz, por conta dos algoritmos do YouTube, em maior visibilidade
2 386.000 10.000 21.819 Denúncia para o canal do deputado.
3 356.000 8.500 49.907 Provocativo Com relação à classificação temática dos vídeos, os resultados
4 371.000 1.900 31.014 Provocativo foram os seguintes:
5 338.000 4.800 14.270 Denúncia
Gráfico 7. Distribuição temática dos vídeos com mais visualizações
6 319.000 6.500 43.948 Provocativo
7 252.000 3.200 44.639 Provocativo
8 239.000 4.700 24.673 Provocativo
9 129.000 11.000 18.840 Denúncia
10 210.000 3.000 12.688 Informativo
11 155.000 112.000 55.514 Informativo
12 136.000 4.100 8.561 Gênero/Costumes
13 157.000 10.000 19.125 Denúncia
14 125.000 2.600 9.142 Denúncia
15 112.000 1.700 9.762 Gênero/Costumes
16 191.000 38.000 57.193 Provocativo
17 158.000 1.800 18.474 Provocativo
18 120.000 1.300 12.993 Provocativo Fonte: elaboração própria (2021)
19 144.000 3.100 9.642 Provocativo
20 163.000 2.000 13.702 Denúncia
Das quatro categorias analíticas consideradas, metade das
Total 4.367.000 235.600 507.204
postagens (10) se refere a vídeos de conteúdo classificado como
Fonte: elaboração própria (2021) “Provocativo”, ou seja, em que o deputado estadual se coloca, propo-
sitalmente, em situações de potencial confronto com seus adversá-
Como indicam os gráficos, o canal possui métricas significati- rios políticos. A segunda categoria, “Denúncia”, indica a propensão
vas. Os vinte vídeos mais assistidos (85% deles postados em 2019) do político em antagonizar figuras públicas, políticos ou não, com
somam mais de 37 milhões de visualizações. Apenas a título de vistas à consolidação de sua imagem pública e, provavelmente, gerar
comparação, o segundo canal com maior número de visualizações visibilidade e altos níveis de interação com suas postagens. Também
(Professor Kenny, PP/SP) possui pouco mais de 36 milhões de visu- chama a atenção alguns comentários de caráter misógino, concen-
alizações, mas em todo o período estudado. Além disso, o grande trados, especialmente, em dois vídeos; o político parece demonstrar,
172 Padrões de utilização do YouTube pelos deputados estaduais Márcio Giovani Macedo 173
brasileiros na legislatura 2019-2023: campanha permanente, populismo,
profissionalização e debate ideológico no exercício dos mandatos digitais
então, que a pauta da moral e dos costumes também faz parte de sua • Quer aparentar colocar sua integridade física e até mesmo sua
agenda política. vida em risco por conta de uma “causa maior”: expor a suposta
Finalmente, a análise dos vídeos também permitiu delinear al- corrupção do sistema político que integra (basicamente, a
gumas características das ações e estratégias discursivas que foram “corrupção” dos partidos de esquerda e dos sindicatos);
utilizadas pelo deputado estadual. De maneira geral, as postagens
demonstram que: • Plataforma: fim dos sindicatos, cobrança de mensalidades
em universidades públicas, fim do estatuto do desarmamento,
• O deputado possui boa técnica de oratória e aparente controle a favor da reforma da previdência, da diminuição do Estado,
emocional, buscando demonstrar a suposta racionalidade de de impostos e gastos governamentais e diminuição de direitos
seus argumentos; para população carcerária;
• Possui, muito provavelmente, boa assessoria (legal e técnica), • A análise exploratória inicial dos vídeos do período de
que lhe provê informações e estatísticas importantes contra seus campanha do então candidato demonstra que houve pouca
inimigos políticos, ou sobre como proceder ou não; isso, por mudança no discurso da figura pública em questão; discurso
conseguinte, denota considerável nível de profissionalização eleitoral e pós-eleitoral são, basicamente, equivalentes.
de sua equipe;
Diante dessas características, analisa-se, agora, as outras duas
• Busca construir uma imagem associada à simplicidade, questões de pesquisa. Um dos argumentos anteriores aponta que
alguém outsider, liberal, antipolítico, moralista e defensor da não existiria uma fronteira clara entre período eleitoral e período
austeridade nos gastos públicos; de governo no caso do deputado estadual em questão; porém, as
amostras, tanto de perfis quanto de postagens, são pequenas. Seria
• Faz cálculo estratégico de suas ações públicas, procurando necessário, também, uma análise comparativa mais aprofundada
obter reações emocionais exageradas de seus adversários com entre o período antes das eleições, período eleitoral e pós-eleitoral.
vistas a angariar capital social e político; Apesar dos resultados sugerirem que o caso de Arthur do Val não
é o único do tipo (como demonstra a análise quantitativa), a RQ2 -
• As reações dos adversários são sempre documentadas, no existência de indícios de campanha permanente - se confirmaria de
intuito de gerar publicidade, visualizações, likes e interações maneira parcial e apenas para o deputado analisado. Para expandir
para o seu canal de YouTube; o escopo dessa afirmação, serão necessários estudos mais amplos.
Com relação à RQ3, que indaga sobre a existência de estratégias
• Ou seja, a construção de sua imagem pública é baseada no discursivas populistas nas postagens do canal Mamãe Falei, as ca-
confronto e em ações de caráter provocativo e de agitação, racterísticas delineadas apontam para ações e falas de caráter clara-
antagonizando, especialmente, os partidos de esquerda; mente populista, porém adaptadas para o contexto de redes sociais
174 Padrões de utilização do YouTube pelos deputados estaduais Márcio Giovani Macedo 175
brasileiros na legislatura 2019-2023: campanha permanente, populismo,
profissionalização e debate ideológico no exercício dos mandatos digitais
digitais. Esse tipo de adaptação é acompanhado, provavelmente, de Os 50 perfis com maior número de visualizações foram analisados
assessorias especializadas e altamente profissionalizadas. mais detalhadamente.
As ações públicas do deputado estadual são conduzidas através Com relação à RQ1, sobre o perfil dos 50 deputados outliers,
de considerável cálculo estratégico, que se insere em contextos com chegou-se aos seguintes resultados: 40% estão concentrados no
grande potencial de conflito. Ou seja, Arthur do Val busca cons- Sudeste, 62% pertencem a partidos de direita, 90% são do sexo mas-
truir sua imagem com base em diversos antagonismos, online ou culino, 70% possuem o curso superior completo, 82% são da cor
em eventos em que sabe que os ânimos de seus adversários prova- branca e 52% estão na primeira legislatura. Grande parte deles são
velmente se exaltarão. Age de maneira premeditada, com o intuito representantes da “nova política”, que se elegeram pelos partidos de
de causar uma reação exagerada dos oponentes - como no vídeo direita.
em que provoca a ex-candidata a vice-presidente, Manuela d’Ávi- Em um segundo momento, procedeu-se à análise qualitativa
la, ao indagar “como é desistir para ser vice de macho, é ruim?”, exploratória dos 20 vídeos mais assistidos no canal do deputado
sendo prontamente ignorado pela ex-deputada. Ao mesmo tempo, estadual com maior número de visualizações no YouTube: Mamãe
aparentemente revoltado, fala em outro vídeo que “é tudo pelo view, Falei /Arthur do Val, Patriota/SP. A questão da existência da cam-
tudo pelo like, tudo pela visibilidade, deve haver limites!”. O depu- panha permanente nos conteúdos veiculados pelo político (RQ2) se
tado diz colocar sua integridade física e sua vida em risco por uma confirma de maneira parcial e apenas para o perfil analisado, dado
“causa maior”, em uma lógica de um contra todos, em que ele seria que seria necessário tanto uma amostra maior de deputados quanto
o “paladino” defensor daquilo que é “o correto”; ao mesmo tempo, uma comparação das postagens nos períodos de antes da eleição,
diz que ele é “o cara que você pode cumprimentar na rua, vou te dar eleitoral e governo.
um abraço”. Em resumo, esse quadro geral indica uma figura pública Sobre a questão da existência de discursos e estratégias de
contraditória e claramente populista. teor populista nas postagens do canal analisado, RQ3 se confirma.
Arthur do Val demonstrou ser uma figura contraditória, um outsi-
Considerações finais der, liberal, antipolítico e moralista que defende a austeridade nos
gastos públicos. Seus valores e plataforma política - fim dos sindi-
O presente estudo objetivou realizar uma análise da adoção do catos, cobrança de mensalidades em universidades públicas, fim do
YouTube pelos deputados estaduais brasileiros, com o intuito de estatuto do desarmamento, a favor da reforma da previdência, da
compreender como esse subgrupo da classe política está utilizan- diminuição do Estado, de impostos e gastos governamentais e ques-
do a plataforma digital durante o período não eleitoral. Utilizou-se, tionamento dos direitos humanos - reforçam os achados de RQ1.
em um primeiro momento, uma análise quantitativa, mapeando Sua ação política, centrada principalmente em provocações,
uma amostra de 1065 deputados estaduais eleitos para a legislatura confrontos e antagonismos com partidos e políticos de esquerda,
2019-2023. Foram identificadas as principais redes sociais utilizadas possui um teor claramente estratégico e orquestrado. Além disso,
por esses políticos e, posteriormente, os padrões de utilização do aparenta sempre ter informações e estatísticas supostamente atua-
YouTube - utilizado por 58% dos deputados estaduais brasileiros. lizadas, que utiliza contra seus adversários políticos no intuito de
176 Padrões de utilização do YouTube pelos deputados estaduais Márcio Giovani Macedo 177
brasileiros na legislatura 2019-2023: campanha permanente, populismo,
profissionalização e debate ideológico no exercício dos mandatos digitais
Gerbaudo, P. (2018) Social media and populism: an elective affinity? Reis, R., Zanetti, D. & Frizzera, L. (2019) Algoritmos e desinformação:
Media, Culture & Society, 40(5), pp. 1–9. O papel do youtube no cenário político brasileiro. In Anais do
VII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em
Heclo, H. (2000) Campaigning and governing: a conspectus. In: Comunicação e Política (VII Compolítica).
Ornstein, N. & Mann, T. (orgs) The Permanent Campaign and its
Future. Washington: Brookings Institution Press. Vázquez, P. (2016) Storytelling personal en política a través de
Youtube. Comunicación y Hombre, s/v(12), pp. 41-55. Universidad
Joathan, I. (2017) Campanha permanente nas mídias sociais: Francisco de Vitoria Pozuelo de Alarcón, España.
Uma proposta metodológica para a análise do uso dessa estratégia
por congressistas ligados a grupos de interesse. In Anais do
VII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Sobre o autor
Comunicação e Política (VII Compolítica).
Márcio Giovani Macedo é mestrando em Ciência Política na
Laclau, E. (2005) On populist reason. Londres: Verso. Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
br/5381392385949904
Malini, F., Ciarelli, P. & Medeiros, J. (2017) O sentimento político
em redes sociais: big data, algoritmos e as emoções nos tweets sobre
o impeachment de Dilma Rousseff. Liinc em Revista, 13(2), pp.
323-342.
Contexto
A Ciência Política deve ter, mais do que nunca, seus olhos voltados
para a comunicação política, em especial para a digital, uma vez que
hoje a comunicação em sentido amplo, permeia, medeia ou afeta
todas as práticas políticas, inclusive a representação política. Nesse
sentido, investigamos a presença digital de vereadores de Curitiba
recém-eleitos, a fim de entender essa representação política nas
redes sociais digitais. É interessante pontuar, também, que Curitiba
obteve uma renovação de 47% dos vereadores, com destaque para a
eleição da primeira mulher preta da história da cidade.
Objetivos
O objetivo do trabalho é entender a presença digital dos trinta e
oito vereadores na 18ª legislatura (2021-2024) da Câmara Municipal
de Curitiba e como ela pode estar relacionada às variáveis
socioeconômicas e de carreira política. Particularmente, relacionar
perfil racial, de gênero e político com a presença digital dessa
elite parlamentar. Desse modo, a pesquisa está alocada na área de
estudos interdisciplinares da Internet e Política, em especial dentro
das discussões sobre Política Online.
Métodos
CAPÍTULO 6 A partir da prosopografia em ambientes digitais, coletou-se
informações socioeconômicas e sobre a carreira do político eleito
182 A República de Curitiba conectada: a presença digital dos vereadores Djiovanni Jonas França Marioto, Murilo Brum Alison & 183
da 18ª legislatura Tiago Borges
Municipal de Curitiba (CMC) e como ela pode estar relacionada às tão recente, mas sua maior notoriedade por parte da comunicação
variáveis socioeconômicas e de carreira política. Particularmente, política veio apenas em 2008 com a eleição de Barack Obama, que
relacionar perfil racial, de gênero e político com a presença digital fez um uso extensivo das redes sociais online durante sua campa-
dessa elite parlamentar. Para isso, foi realizada uma prosopografia nha (Costa, 2009). Desse modo, atores políticos ganharam um novo
em ambientes digitais, coletando informações socioeconômicas e meio para investir na imagem pública, que se faz com ações, dis-
sobre a carreira do político eleito. Também, foi criado um índice cursos e configurações expressivas que também incluem elementos
de presença digital a partir da existência e do uso das redes sociais visuais (Gomes, 2004). Ademais, ela é soma de todas as imagens,
digitais dos vereadores. propagandas, notícias, mídias e discursos (Weber, 2009).
O trabalho está organizado da seguinte forma: primeiramente Então, o uso de plataformas digitais pela elite política pode con-
apresentamos uma revisão da literatura que estuda a presença de tribuir no gerenciamento de sua imagem, tanto durante campanhas
elites políticas em plataformas digitais, apresentando tanto alguns eleitorais como durante o governo, no qual constituem um canal de
apontamentos específicos para cada uma das mídias sociais com as comunicação direta com a população, se distanciando do intermédio
quais trabalharemos, quanto dados relativos à presença digital de da mídia tradicional e de seu enquadramento, assim utilizando essas
políticos da cidade de Curitiba e do estado do Paraná; em seguida, plataformas também como repositórios de informações (Penteado,
apresentamos a metodologia aplicada para a obtenção dos dados e 2011). Ainda segundo Penteado (idem), os websites atuariam como
para a criação do índice de presença digital. Seguindo, expomos e o principal fórum de comunicação virtual e repositório de informa-
discutimos os resultados parciais, trazendo desde frequências sim- ções oficiais, enquanto as mídias sociais teriam uma pluralidade de
ples, a fim de entender o perfil sociopolítico dos vereadores, até participação e engajamento político dos eleitores.
cruzamentos estatísticos que nos permitem relacionar esse perfil ao Tais mídias sociais, ou redes sociais digitais, passam a ter papel
índice de presença digital. Por fim, apresentamos algumas conside- importante e decisivo na política contemporânea nesse contexto de
rações finais e conclusões iniciais que foram possíveis a partir dos ampla utilização da internet em campanhas eleitorais e na comuni-
dados obtidos, bem como os limites da pesquisa. cação política. Nesse sentido, segundo Braga e Carlomagno (2018):
1. Discussão da literatura “[...] Twitter e Facebook foram um divisor de águas na história dos
padrões de interação online entre candidatos e cidadãos: ao reduzir
os custos operacionais e técnicos de possuir uma plataforma digital,
As alterações nos sistemas de comunicação, assim como imple- tornando possível a qualquer cidadão leigo ter um perfil e interagir
online, tais ferramentas praticamente universalizaram o uso das
mentações de novas tecnologias, costumam afetar a comunicação tecnologias digitais como recurso de campanha e de interação
política, com esta acompanhando e utilizando os novos recursos. online entre cidadão e elites políticas.” (Braga & Carlomagno, 2018,
Uma das grandes mudanças mais recentes foi a expansão da inter- p. 40-41).
net, que possui não só a capacidade de atrair novos participantes
para a esfera pública como também a de mobilizar e engajar cida- No Brasil, a utilização das mídias sociais se intensifica a partir de
dãos (Santana, 2017; Pons & Foletto, 2017). O uso da internet não é 2010, influenciada “pela queda de restrições dos tribunais eleitorais
186 A República de Curitiba conectada: a presença digital dos vereadores Djiovanni Jonas França Marioto, Murilo Brum Alison & 187
da 18ª legislatura Tiago Borges
ao amplo uso da internet pelos candidatos” (Braga & Carlomagno, por ela, sem a necessidade do intermédio da mídia tradicional, como
2018, p. 18) e pela bem-sucedida campanha de Barack Obama nas referido acima. Tal fator gera uma disputa entre os meios digitais e
eleições americanas de 2008, com intenso uso do Twitter (Braga & os meios de comunicação de massa pelo poder de agenda, sendo os
Carlomagno, 2018; Gomes et al., 2009; Amaral & Pinho, 2018). Esta primeiros munidos da possibilidade da participação online direta
utilização das mídias sociais na política transformou-as em um im- do cidadão e da elite política, podendo indicar que as mídias sociais
portante objeto tecnológico de estudo, principalmente na Ciência influenciam, mesmo que de forma indireta e restrita, a formação da
Política, Comunicação e Sociologia. Nos principais eventos de opinião pública (Pereira, 2013; Amaral & Pinho, 2018).
Ciências Sociais e Comunicação Social realizados no Brasil, as re- No contexto das eleições de 2018 no Brasil, tanto Facebook
des sociais tiveram um crescimento notável na primeira metade da quanto Twitter foram utilizados priorizando o compartilhamento
década de 2010 (Sampaio, Bragatto, & Nicolás, 2016) e se tornaram de conteúdo, enquanto o Youtube exerceu seu papel como reposi-
o objeto de estudo mais comum quando olhado para a década toda tório de vídeos (Sampaio et al., 2020). Por outro lado, o WhatsApp
(Sarmento, Massuchin, & Mendonça, 2021). Ainda, é interessante foi utilizado visando, principalmente, o compartilhamento de notí-
colocar que a maior parte da população brasileira (73%) utiliza algu- cias, potencializado pelo fato de a rede não sofrer interferência de
ma rede social, sendo as principais: WhatsApp (66% da população); algoritmos ou questões legais diretas, por exemplo. Essas notícias
Facebook (59%); YouTube (37%); e Instagram (27%) (Corporación aparecem diversas vezes como links compartilhados que, em sua
Latinobarómetro, 2018). maioria, levam a outras redes sociais digitais, com o predomínio
Nesse sentido, pesquisas apontam para a predominância do de links que direcionam ao YouTube e posteriormente ao Facebook
Facebook como a rede mais utilizada pela elite política (Braga & (Montalverne & Mitozo, 2019).
Carlomagno, 2018), superando não só as outras redes sociais digi- No caso da plataforma Instagram, seu uso durante as eleições
tais, mas também o uso de websites (Massuchin & Tavares, 2017). de 2018 priorizou a construção e manutenção da imagem do polí-
Para Araújo, Travieso-Rodríguez e Santos (2017), além de aprovei- tico, juntamente com a tentativa de aproximação com o eleitorado
tar a oportunidade de engajamento no debate político, a platafor- a partir do compartilhamento não só da vida profissional do candi-
ma tem sido operada para registrar ações relacionadas à política, dato, mas também da sua vida privada (Sampaio et al., 2020). Neste
funcionando como um repositório de informações quanto a ações e sentido, o uso da plataforma vem sendo pesquisado ao longo dos
propostas de determinado político. últimos anos, em conjunto com a sua forma e efeitos, por exem-
O Twitter, apesar de não ser mais uma das quatro redes sociais plo, na construção de narrativas, imagens e emoções, na construção
digitais mais utilizadas pelos brasileiros, ainda é visto como um de engajamento, participação, aproximação entre eleitores e repre-
recurso valioso para a elite política, tanto para fins de campanha sentantes, no storytelling, entre outros fenômenos (Bennett, 2016;
eleitoral quanto para a comunicação política cotidiana (Amaral & Ekman & Widholm, 2017; Liebhart & Bernhardt, 2017; Schill, 2012;
Pinho, 2018; Braga & Cruz, 2012; GOMES et al., 2009; Williams & Sampaio et al., 2020; Towner & Muñoz, 2018; Turnbull-Dugarte,
Spiro, 2015). Um fator que contribui para o emprego da plataforma 2019; Waterloo et al., 2017).
é a aproximação entre representantes e representados possibilitada
188 A República de Curitiba conectada: a presença digital dos vereadores Djiovanni Jonas França Marioto, Murilo Brum Alison & 189
da 18ª legislatura Tiago Borges
Assim, além das potencialidades e novas maneiras de se co- grupos de candidatos. Ainda, e com exceção das candidaturas presi-
municar que trazem essas plataformas digitais, foi constatada uma denciais, notou-se uma forte queda no uso de websites nas últimas
“associação positiva entre a presença online dos candidatos e per- eleições analisadas (2014 e 2016) e um aumento constante do uso
centuais de votação, o que pode ser considerado um indicador in- de alguma mídia social (Braga & Carlomagno, 2018). Em síntese, o
direto do potencial produtivo da internet no tocante aos resultados Paraná e Curitiba apresentaram boa presença digital nas pesquisas
eleitorais” (Braga & Carlomagno, 2018, p. 39). Isso indica que, assim mais antigas e as mídias sociais digitais tiveram uma expansão nas
como o uso em período eleitoral pode melhorar o desempenho elei- últimas eleições, enquanto os websites passaram por um desuso.
toral, a atualização constante durante o mandato pode auxiliar a go- Nesse sentido, e levando em conta que a redes sociais digitais
vernabilidade a partir de uma manutenção ou mudança da imagem potencializam a possibilidade de atores políticos advindos de mi-
construída aliada a um cálculo estratégico (de Oliveira Pozobon & norias políticas trazerem para a agenda e discussão pautas outrora
Ribeiro, 2019). Esses fatores, em conjunto a outros supracitados, segregadas (Pereira, 2011; Almeida, 2017; Leston-Bandeira, 2007),
podem fazer com que os políticos continuem usando e atualizando fazemos a seguinte pergunta de pesquisa:
suas redes continuamente para um aperfeiçoamento da comunica-
ção e representação política. RQ1: Como o perfil sociopolítico, em especial raça e gênero, dos vere-
É importante apontar alguns resultados de pesquisas anteriores adores de Curitiba da 18ª legislatura, se relaciona com a sua presença
que mediram a presença digital de políticos, principalmente para em ambientes digitais? Ou, posto de outra forma, a presença dos ve-
fim de comparação com os que serão apresentados na sequência do readores de Curitiba da 18ª legislatura em plataformas digitais varia
artigo. O estado do Paraná se destaca na presença digital de candida- segundo o perfil sociopolítico dos mesmos, especialmente segundo os
tos desde as eleições de 2006 (deputados estaduais, deputados fede- perfis de raça e gênero?
rais, governadores e senadores), sendo o estado do Sul com a maior
taxa de candidatos com websites (10% no total) (Braga, França, 2. Metodologia
Cruz, 2007). Em estudo com as 27 assembleias legislativas do Brasil,
o Paraná aparece com a 5ª maior presença digital, com 75,9% dos O banco de dados é composto por trinta e oito linhas, cada li-
seus parlamentares utilizando alguma mídia social (Braga & Cruz, nha representa um vereador do município de Curitiba eleito no ano
2012). Sobre Curitiba, em 2008, a eleição municipal para a prefeitu- de 2020. A partir do recorte do objeto foi estabelecido um livro de
ra contou com todos os candidatos possuindo um website, fazendo códigos de 15 categorias para coletar as informações que serão ana-
da cidade umas das 9 do Brasil em ter um alto percentual de candi- lisadas; o qual se divide em duas partes, onde a primeira é composta
datos usuários de websites (Braga, Nicolás, França, 2011). Por fim, por variáveis que constroem o perfil do político, sendo elas: 1) sigla
quando analisada a presença digital ao longo do tempo, contando do partido; 2) ideologia do partido filiado; 3) nome do Vereador; 4)
com eleições majoritárias (presidência, senado, governos estaduais Ocupação Profissional; 5) Gênero; 6) Grau de instrução e 7) Cor. Já
e prefeituras) de 2002 a 2016, percebeu-se uma grande expansão, na segunda, foram reunidas as variáveis que pretendem mensurar a
embora não linear e de maneira desigual das várias mídias e sub- presença desses políticos online, observando as principais redes so-
190 A República de Curitiba conectada: a presença digital dos vereadores Djiovanni Jonas França Marioto, Murilo Brum Alison & 191
da 18ª legislatura Tiago Borges
ciais digitais, Website e a disponibilização de WhatsApp/Telegram, 78,88% de brancos e 21,12% de não brancos em sua maioria se de-
sendo elas binárias, medindo ausência e presença. clarando como pardos (16,79%); já as mulheres, ao contrário do
Os dados foram constituídos de duas maneiras distintas, pri- que ocorre na política municipal, são maioria, representando 52,3%
meiro pela consulta e coleta do perfil dos políticos do repositório de da população curitibana. No âmbito partidário, se destacam cinco
dados do TSE e da prefeitura de Curitiba a partir de uma prosopo- partidos: o DEM com cinco representantes, seguido pelo PSD com
grafia em ambiente digital (Braga & Nicolás, 2008). A segunda foi a quatro, já o PDT, PSL e PT tiveram três representantes cada, como
partir dos dados primários dos deputados, podendo-se construir as pode ser visto no gráfico 1.
variáveis de presença digital. Para isso, foi buscado o nome dos polí-
ticos em cada rede social e, posteriormente, acrescentado ao corpus. Gráfico 1. Distribuição dos vereadores por partidos políticos
Para realizar a análise dos dados foi escolhida a metodologia
quantitativa, mais especificamente a técnica da análise de conteúdo
(Neuendorf, 2002), já o índice de presença digital foi adaptado do
trabalho feito com deputados federais pretos por Marioto (2021).
Por fim, pelo caráter exploratório deste trabalho, foram feitas frequ-
ências descritivas simples dos dados e cruzamentos entre as variá-
veis de perfil sociopolítico e o índice de presença digital, buscando
verificar uma comparação entre o perfil político, em especial a raça
e o gênero, com a sua presença no ambiente digital.
3. Resultados e discussão
faixas entre 40 - 49 e 50 - 59, sendo a primeira a mais numerosa, Assim como ocorreu em 2012, a CMC teve uma renovação de
conforme mostra o gráfico 2. Apenas 13,2% (8) tem menos de 40 47%, com a entrada de dezoito vereadores de primeiro mandato ao
anos, desse modo a média de idade é de 49,37 com desvio padrão passo que outros 53% (20) foram reeleitos2. Para observar a ocupa-
de 9,824. ção profissional, foram criadas oito categorias aglutinadoras, sendo
a mais presente a de político profissional (15), ocorrendo em 39.5%
Gráfico 2. Distribuição dos vereadores por faixa etária dos casos, seguido pelos profissionais liberais com 21,1% (8), campo
da comunicação com 13,2% (5) e professores com 7,9% (3), pastor e
membro da segurança pública apareceram apenas uma vez.
Findada a exposição dos dados primários do perfil sociopolí-
tico, verificamos como essa classe política está alocada dentro das
redes sociais digitais a partir de sua presença online e como essa
presença pode estar relacionada com o perfil, em especial de raça e
gênero, dos vereadores.
foi do WhatsApp: houve uma baixa disponibilização do mensageiro neste ambiente. O índice consolidado de presença digital é de 0,781,
por parte dos legisladores, apenas 50% (19) deles mantinham esse variando desde 0,167 (representado pelo João da 5 Irmãos do PSL,
canal de comunicação com propósito institucional/profissional. o qual estava presente apenas no Facebook) a 1, com 31,6% (12) dos
Essas frequências estão demonstradas no gráfico 3. vereadores curitibanos atingindo este máximo.
A partir do índice de presença digital consolidado, foi cons-
Gráfico 3. Presença digital dos vereadores truído o grau de diversificação da presença, separando-os em três
categorias: alto, médio e baixo. O primeiro consiste nos vereadores
que, além de estarem presentes em todas as redes sociais digitais ob-
servadas, possuem um número em uma plataforma de mensageiro
direto, como o WhatsApp e Telegram, sendo divulgada em suas pá-
ginas oficiais. O segundo grupo também está presente em todas as
plataformas, entretanto não possui a mesma preocupação em dispo-
nibilizar canais de comunicação rápida e direta como as plataformas
de mensagens instantâneas. Já o terceiro, além de não disponibilizar
contato direto pelos mensageiros, também não estão presentes em
todas as redes sociais digitais analisadas. A consolidação da diversi-
ficação da presença digital pode ser observada no gráfico 4.
Fonte: elaboração própria (2021) Gráfico 4. Grau de diversificação da presença digital dos vereadores
Quando observada a presença dos vereadores no ambiente on- Gráfico 5. Grau de diversificação da presença digital detalhado pelo gênero dos
line, a partir da consolidação da diversificação digital, encontramos vereadores
certo equilíbrio entre os graus alto, médio (ambos 31,6%) e baixo
(36,8%). Porém, ao somarmos os graus alto e médio, percebemos
que aproximadamente dois terços dos vereadores estão presentes
em todas as redes sociais digitais. No sentido inverso, ao somarmos
os graus baixo e médio, observamos que pouco mais de dois terços
dos vereadores não disponibilizam números de contato de platafor-
mas como o WhatsApp e Telegram.
forma, encontramos que os vereadores brancos estão distribuídos profissionais que tiveram algum vereador com um grau alto foram
igualitariamente entre os graus de diversificação, ao passo que os professores e comissária de bordo (a qual foi alocada na categoria
não brancos estão concentrados no mais baixo grau, conforme pode outros); dentro do campo da comunicação, sua maioria está pre-
ser visto no gráfico 6. Isto demonstra que, além de não disponibi- sente em todas as redes sociais digitais, porém não divulgam men-
lizarem canais de comunicação direta com os seus representados, sageiros, consolidando-os no grau médio. Para melhor responder
os não brancos, em sua maioria, também não possuem uma alta à pergunta de pesquisa escolhida, as categorias supracitadas foram
presença digital. agregadas em políticos profissionais e não político profissionais,
revelando que 60,5% (23) ao passo que apenas 39,5% (15) foram
Gráfico 6. Grau de diversificação da presença digital detalhado pela cor dos codificados na categoria de políticos profissionais.
vereadores
Gráfico 7. Grau de diversificação da presença digital detalhado pela ocupação
profissional dos vereadores
Passando para a ocupação profissional divulgada por esses po- Fonte: elaboração própria (2021)
líticos, foram criadas seis categorias agregadoras, sendo a mais pre-
sente a de político profissional, seguido por profissionais liberais e Quando cruzado esses dados pelo grau de diversificação da pre-
profissionais do campo da comunicação. As outras duas ocupações sença digital, conforme o gráfico 7, encontra-se que os atores que
200 A República de Curitiba conectada: a presença digital dos vereadores Djiovanni Jonas França Marioto, Murilo Brum Alison & 201
da 18ª legislatura Tiago Borges
mais utilizam mensageiros instantâneos e estão presentes em todas Gráfico 8. Grau de diversificação da presença digital pela faixa etária detalhado
as redes sociais digitais estão distribuídos igualmente entre as duas pelos grupos estudados
categorias supracitadas. Entretanto, a diferença repousa quando se
olha o grau médio e baixo com uma maior predominância entre os
não políticos profissionais, demonstrando uma menor inserção des-
ses sujeitos ao meio digital, ao passo que 39,1% (9) dos vereadores
não políticos profissionais, inclusive, não estão presentes em todas
as redes sociais digitais analisadas.
Quando observada a faixa etária dos políticos, tem-se uma dis-
tribuição praticamente uniforme do grau alto, estando ligeiramente
mais presente entre os mais jovens e baixando quando próximo aos
mais velhos, ao passo, que o grau médio está concentrado entre os
legisladores de 40-49 anos, justamente a faixa de maior presença
dentro da CMC. Quando observada a faixa de 50-59 anos, percebe-
-se uma inversão no perfil em relação à anterior, predominando o
grau baixo, seguido pelo alto.
Visando compreender como os diferentes grupos estudados se
comportam em relação a sua idade e o grau de diversificação de sua
presença digital, conforme pode ser visualizado no gráfico 8, esses
dados foram desagregados pelos grupos estudados, demonstrando
uma grande diferença entre as mulheres e os não negros. Entre as Fonte: elaboração própria (2021)
vereadoras eleitas apenas uma não está presente em todas as redes
sociais digitais, estando na faixa de 50-59 anos, ao passo que grande Os dados estão em conformidade com a literatura, a qual de-
parte das mulheres se preocupa com a presença no ambiente digi- monstra que a idade é fator importante para a utilização da rede,
tal e ainda disponibiliza mensageiros digitais, em especial as mais os mais velhos possuem um menor engajamento, ao passo que os
jovens. Quando olhamos os não negros, percebe-se que a maior legisladores mais jovens não estão só mais dispostos a compartilhar
presença digital também pode ser encontrada entre os mais jovens, as suas vidas (O´conell, 2018), como também dão mais importân-
enquanto os mais velhos não estão tão presentes neste ambiente. cia às plataformas digitais durante a campanha e em seus mandatos
Por fim, percebe-se uma semelhança entre as duas categorias e sua (Sandberg, Ohberg, 2017). Fazendo um paralelo com os legisladores
presença no ambiente digital, entre os homens brancos, a partir da pretos, os mais jovens e os que estavam em seu primeiro mandato
homogeneidade em sua distribuição no gráfico. traziam uma comunicação mais focada, rápida e direta, não usando
202 A República de Curitiba conectada: a presença digital dos vereadores Djiovanni Jonas França Marioto, Murilo Brum Alison & 203
da 18ª legislatura Tiago Borges
suas redes apenas como um repositório de informações de seu man- Visando responder à pergunta de pesquisa, a presença dos ve-
dato (Marioto, 2021). readores de Curitiba da 18ª legislatura em plataformas digitais varia
Os partidos políticos dos vereadores foram agrupados con- segundo o perfil sociopolítico dos mesmos, especialmente segundo
forme o grande eixo ideológico esquerda-centro-direita (da Silva, os perfis de raça e gênero?, foi feita uma análise de correspondência
Tarouco & Madeira, 2013; Codato, Berlatto, & Bolognesi, 2018) e múltipla entre o grau de diversificação, gênero, cor, idade e ideologia
comparado com a presença digital, resultando no gráfico 9. Entre partidária, conforme demonstrado no gráfico 103.
eles, 7 dos 38 vereadores estão alocados em partidos classificados
ideologicamente como de esquerda, os quais possuem uma distri- Gráfico 10. Análise de Correspondência Múltipla entre as variáveis grau de
buição praticamente uniforme no grau de diversificação da presen- diversificação, gênero, cor, idade e ideologia partidária
ça digital, ao passo que os 27 vereadores de partidos de direita, em
sua maioria, possuem baixo e médio índice. Desse modo, a direita
possui 7 vereadores com um alto grau, seguido pela esquerda com 3
e o centro com apenas 2.
Fonte: elaboração própria (2021) O gráfico 10 trata de uma análise de correspondência múltipla,
o qual demonstra a aproximação das variáveis. A planificação deste
3 Os resultados detalhados dos testes podem ser encontrados no apêndice B.
204 A República de Curitiba conectada: a presença digital dos vereadores Djiovanni Jonas França Marioto, Murilo Brum Alison & 205
da 18ª legislatura Tiago Borges
teste exibe quatro quadrantes. Desse modo, ao observar o quadran- Considerações finais
te um, que está localizado no canto esquerdo inferior, percebe-se
que as mulheres mais jovens estão mais próximas do alto grau de A presente pesquisa levou em consideração não só a expan-
diversificação da presença digital, ou seja, além de estarem em to- são da internet no Brasil (muito pela popularização de celulares e
das as redes sociais digitais também tendem a trazer um canal de smartphones), como também o papel fundamental da comunicação
mensageiro instantâneo com seus representados, estando próximas política digital atualmente (Sampaio, 2021) e a expansão do uso da
a partidos de esquerda. Ao observar os não-brancos percebe-se um internet pelos políticos brasileiros, como apontado nas pesquisas
perfil mais velho e mais próximo de partidos ligados ao centro e anteriores, principalmente em Braga e Carlomagno (2018).
esquerda; passando para os brancos é possível observar um ali- Deste modo, o objetivo desta pesquisa foi de entender a presen-
nhamento a partidos com uma ideologia mais à direita, próximos ça digital dos trinta e oito vereadores da 18ª legislatura da Câmara
a faixa etária de 40-49 anos e com uma média presença digital, ou Municipal de Curitiba, buscando responder à pergunta de pesquisa:
seja, estão presentes em todas as redes sociais, entretanto, não dis- a presença dos vereadores de Curitiba da 18ª legislatura em plata-
ponibilizam um mensageiro instantâneo; o gênero masculino está formas digitais varia segundo o perfil sociopolítico dos mesmos,
mais próximo com a baixa presença digital. Não obstante, as variá- especialmente segundo os perfis de raça e gênero? A partir dos re-
veis que estavam mais próximas são: não-brancos com partidos de sultados encontrados, concluímos que sim, a presença digital varia,
ideologia de esquerda, brancos com partidos de ideologia de direita principalmente, segundo o perfil de gênero, as vereadoras apresen-
(mesmo estando em quadrantes diferentes), partidos de centro com taram maior grau de presença digital, e o perfil etário: quanto mais
legisladores de 60-70 anos e, por fim, mulheres com um alto índice jovem, maior o grau de presença. A presença varia também segundo
de presença digital. o perfil racial: vereadores não brancos apareceram menos presentes
Voltando à resposta particularmente, relacionando o perfil ra- do que vereadores brancos.
cial, de gênero e político com o grau de diversificação da presença Ainda, nossa pesquisa foi ao encontro de alguns resultados de
digital dessa elite parlamentar, pode-se perceber a existência de três pesquisas anteriores. Primeiro, Braga e Carlomagno (2018) apon-
perfis a partir da proximidade entre as variáveis no gráfico acima. taram o crescimento do uso de alguma mídia social nas últimas
O primeiro constitui-se do grau baixo de presença nas redes sociais eleições, ao mesmo tempo que ocorreu um decréscimo no uso de
que está alocado no mesmo quadrante que os vereadores homens; websites. Este resultado dos autores pode estar representado nesta
o segundo perfil, médio, está mais próximo de vereadores de 40 - pesquisa, com os websites sendo a mídia menos utilizada pelos ve-
49 anos provindos de partidos ideologicamente classificados como readores (com exceção dos mensageiros), enquanto as redes sociais
direita e autodeclarados brancos; por fim o último perfil, o alto grau se destacaram. Por segundo, o bom histórico da presença digital no
de diversificação, é composto por mulheres, jovens (30 - 39 anos) e Paraná (Braga & Cruz, 2012; Braga, França, & Cruz, 2007) e em
de partidos classificados ideologicamente como de esquerda4. Curitiba (Braga, Nicolás, & França, 2011) se repetiu nesta legis-
latura mais recente da Câmara Municipal de Curitiba, com todos
4 Importante ressaltar que não-brancos de centro e de perfil mais velho ficaram
os vereadores estando presentes em pelo menos uma mídia social.
mais distantes em outro quartil na análise.
206 A República de Curitiba conectada: a presença digital dos vereadores Djiovanni Jonas França Marioto, Murilo Brum Alison & 207
da 18ª legislatura Tiago Borges
Em terceiro, o alto grau de diversificação da presença digital das seja, investigar a presença digital de vereadores de outras capitais,
mulheres vereadoras, o que já foi apontado por Marioto (2021) e por exemplo.
Reyes e Alvarez (2016), que encontraram uma maior utilização das
redes sociais digitais por mulheres. Por fim, outros dados que fica- Anexo A -Tabela de distribuição do índice de presença digital pe-
ram em conformidade com a literatura foram os com relação à faixa los vereadores5
etária, assim como encontrado por alguns autores (Marioto, 2021;
O´Conell, 2018; Sandberg & Ohberg, 2017), nossos dados também
demonstraram que a idade é um fator importante para a utilização
das redes sociais online, com os mais velhos possuindo um menor
engajamento enquanto os mais jovens se mostram mais presentes.
Isto posto, cabe apontar algumas limitações da pesquisa. Como
explicitado tanto na seção metodológica quanto na apresentação e
discussão dos resultados, o índice de presença digital foi construído
apenas verificando a presença dos candidatos nas determinadas re-
des sociais digitais. Portanto, esse índice não levou em conta número
de publicações e métricas de engajamento como seguidores, curti-
das e inscritos, que poderiam elevar a complexidade da interpreta-
ção quanto a presença digital dos vereadores. A falta de uma análise
de conteúdo das postagens desses vereadores nas plataformas tam-
bém limita o quanto conseguimos inferir sobre a qualidade dessa
presença, ou seja, não conseguimos verificar que tipos de conteúdo
os vereadores publicam; como é sua a comunicação com o público;
se de fato há interação entre representantes e representados; entre
outras questões que poderíamos fazer ao objeto.
Neste sentido, a partir dos resultados obtidos e das limitações
da pesquisa, abrem-se, a princípio, três caminhos que, basicamente,
superam as limitações citadas. O primeiro seria o de acrescentar ao
índice a quantidade de publicações e as variadas métricas de enga-
jamento das mídias digitais. O segundo seria investir em análises de
conteúdo das postagens nessas plataformas, seja com foco em uma
delas, o que possibilitaria maior robustez à análise, seja com foco
5 A tabela pode ser acessada pelo link: https://drive.google.com/file/
em várias delas. O último seria aumentar o escopo da pesquisa, ou
d/1iOmhOBQ4-s9rJotgzYtdoRHD6R4NXPdP/view
208 A República de Curitiba conectada: a presença digital dos vereadores Djiovanni Jonas França Marioto, Murilo Brum Alison & 209
da 18ª legislatura Tiago Borges
Braga, S., & Carlomagno, M. (2018) Eleições como de costume? swedish politicians. Northern Lights, 15(1), pp. 15–32. https://doi.
Uma análise longitudinal das mudanças provocadas nas campanhas org/10.1386/nl.15.15-1
eleitorais brasileiras pelas tecnologias digitais (1998-2016). Revista
Brasileira de Ciência Política, s/v(26), pp. 7-62. Ekman, M., & Widholm, A. (2017) Political communication in an
age of visual connectivity: Exploring instagram practices among
Braga, S., & Cruz, L. C. (2012) Elites parlamentares e novas swedish politicians. Northern Lights, 15(1), pp. 15–32. https://doi.
tecnologias: Um estudo sobre o uso da internet pelos deputados org/10.1386/nl.15.15-1
estaduais brasileiros da 16ª legislatura (2007-2011)[Texto para
discussão, nº 4]. Curitiba, PR: UFPR. Gomes, W. (2014) Transformações da política na era da comunicação
de massa. Pia Sociedade de São Paulo-Editora Paulus.
Codato, A., Berlatto, F., & Bolognesi, B. (2018) Tipologia dos
políticos de direita no Brasil. Análise Social, 53(4), pp. 870-897. Gomes, W. (2018) A democracia no mundo digital: História,
problemas e temas. Edições Sesc.
Corporación Latinobarómetro (2018) Informe Latinobarómetro.
Santiago: Corporación Latinobarómetro. Gomes, W., Fernandes, B., Reis, L., & Silva, T. (2009) “ Politics 2.0”: a
campanha online de Barack Obama em 2008. Revista de Sociologia
Costa, P. O. (2009) Barack Obama’s use of the Internet is transforming e Política, 17(34), pp. 29-43.
political communication. Quaderns Del CAC, s/v(33), pp. 35–41.
Leston-Bandeira, C. (2007) The impact of the internet on
da Silva Tarouco, G., & Madeira, R. M. (2013) Esquerda e direita no parliaments: a legislative studies framework. Parliamentary Affairs.
sistema partidário brasileiro: análise de conteúdo de documentos 60(4), pp. 655–674.
programáticos. Revista Debates, 7(2), pp. 93-114.
Marioto, D. J. F. (2021) Black-out parlamentar: o processo de
de Almeida, H. D. N. (2017) Representantes, representados e mídias representação dos deputados federais autodeclarados pretos da 56ª
sociais: mapeando o mecanismo de agendamento informacional. legislatura brasileira frente a comunicação em ambientes digitais.
Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais. 107 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas) - Universidade
Programa De Pós-Graduação Em Ciência Política. Federal do Paraná, Curitiba.
de Oliveira Pozobon, R., & Ribeiro, A. D. (2019) Lula 2018: Mont’Alverne, C., & Mitozo, I. (2019) Muito além da mamadeira
estratégias de campanha permanente no Facebook. Logos, 26(1). erótica: As notícias compartilhadas nas redes de apoio a
presidenciáveis em grupos de WhatsApp, nas eleições brasileiras de
Ekman, M., & Widholm, A. (2017) Political communication in an 2018. Anais do 8º Compolítica, 15.
age of visual connectivity: Exploring instagram practices among
212 A República de Curitiba conectada: a presença digital dos vereadores Djiovanni Jonas França Marioto, Murilo Brum Alison & 213
da 18ª legislatura Tiago Borges
Neuendorf, K. A. (2002) Defining content analysis. Content analysis Sampaio, R. C., Nichols, B. W., Kleina, N. C. M., & Marioto, D. J. F.
guidebook. Thousand Oaks, CA: Sage. (2020) A produção científica brasileira sobre o YouTube na área de
Internet & Política (2005-2019). In E-Compós.
Penteado, C. L. D. C. (2011) Marketing político na era digital:
perspectivas e possibilidades. Revista USP, (90), pp. 6-23. Santana, R. S. (2017) Participação política online e offline nas
eleições presidenciais de 2014 em Salvador. Intercom: Revista
Pereira, N. B. (2013) Under Twitter´s twit: the new key for the Brasileira de Ciências da Comunicação, 40(3), pp. 189–207. https://
electing campaigns with internet broadening in Brazil. 2013. doi.org/10.1590/1809-58442017311
235 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Sarmento, R., Massuchin, M. G., & Mendonça, R. F. (2021)
Comunicação e Política no Brasil: um panorama recente, Revista
Pons, É., & Foletto, R. (2017) As Estratégias de Comunicação Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais – BIB,
Política da Deputada Estadual Manuela D’Ávila para a Articulação 95(2), pp. 1–39. https://doi.org10.17666/bib9503/2021
da Imagem de Mãe e Parlamentar. In COMPOLÍTICA.
Schill, D. (2012) The Visual Image and the Political Image : A
Sampaio, R. C. (2021) A comunicação política (em especial, a Review of Visual Communication Research in the Field of Political
digital) agora permeia toda a ciência política. Estadão. https:// Communication. Review of Communication, 12:2(March 2013),
politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/a- pp. 37–41. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1080/15358593.201
comunicacao-politica-em-especial-a-digital-agora-permeia-toda- 1.653504
a-ciencia-politica/
Towner, T. L., & Muñoz, C. L. (2018) Picture Perfect? The Role of
Sampaio, R. C., Bozza, G. A., Alison, M. B., Marioto, D. J. F., & Borges, Instagram in Issue Agenda Setting During the 2016 Presidential
T. (2020) Instagram e eleições: Análise dos stories dos candidatos à Primary Campaign. Social Science Computer Review, 36(4), pp.
Presidência do Brasil em 2018. Animus. Revista Interamericana de 484–499. https://doi.org/10.1177/0894439317728222
Comunicação Midiática, 19(41).
Turnbull-Dugarte. (2019) Selfies, Policies, or Votes? Political Party
Sampaio, R. C., Bragatto, R. C., Maria, E., & Nicolás, A. (2016) Use of Instagram in the 2015 and 2016 Spanish General Elections.
A construção do campo de internet e política: análise dos Social Media + Society, 5(2).
artigos brasileiros apresentados entre 2000 e 2014. Revista
Brasileira de Ciência Política, 4(21), pp. 285–320. https://doi. Waterloo, S. F., et. al. (2017) Norms of online expressions of emotion:
org/10.1590/0103-335220162108 Comparing Facebook, Twitter, Instagram, and WhatsApp. New
Media & Society, 20(5), pp. 1813-1831.
214 A República de Curitiba conectada: a presença digital dos vereadores Djiovanni Jonas França Marioto, Murilo Brum Alison & 215
da 18ª legislatura Tiago Borges
Sobre os autores
Djiovanni Jonas França Marioto é doutorando em Ciência Política
na Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
br/7304355871572210
Contexto
O campo político é um terreno dominado pelos homens. Essa
falha de representatividade feminina no âmbito da política deriva
de uma soma de elementos estruturais, culturais e institucionais.
Escalar a pirâmide do poder é mais desafiador para candidatas
mulheres e ocupar posições de autoridade é – ou deveria ser – uma
oportunidade para desafiar a hierarquia imposta. Contudo, seria a
discussão sobre gênero algo importante para todas as postulantes
que conseguem ser eleitas?
Objetivos
Este paper objetiva entender se gênero foi um assunto relevante para
as vereadoras eleitas nas três capitais do Sul do Brasil durante a reta
final de suas campanhas eleitorais, considerando as publicações que
fizeram em suas contas no Twitter. Com isso, pretende-se questionar
se é o bastante alcançar a representação política per se, ainda que ela
não busque subverter hierarquias de poder e debater questões de
gênero.
CAPÍTULO 7
218 Eleições, representatividade e redes sociais online: a discussão sobre Rafaela Mazurechen Sinderski 219
gênero no Twitter das vereadoras eleitas nas capitais do sul do Brasil
Métodos Introdução
Para alcançar o objetivo da pesquisa, 1.491 tweets, coletados
com o pacote TwitteR para o ambiente de programação R, foram O campo político é um terreno dominado pelos homens (Panke
submetidos a uma análise léxica realizada com o software Iramuteq. & Iasulaitis, 2016). Suas regras e estruturas promoveram, ao longo
Os textos, publicados entre 1 e 15 de novembro de 2020, foram dos séculos, a exclusão de mulheres e de outros grupos minoritá-
retirados das contas de Twitter de 20 vereadoras eleitas em Curitiba,
Florianópolis e Porto Alegre. rios. É devido a uma soma de elementos sistêmicos e culturais que a
população feminina tem sido deixada de fora dos espaços de poder
Resultados e discussão (Norris & Inglehart, 2001, 2005; Inglehart & Norris, 2003). Os obs-
Descobriu-se que, de maneira geral, gênero não foi um tema táculos a elas impostos culminam em sub-representação na esfera
de destaque para as vereadoras. Os textos investigados focaram política (Miguel & Biroli, 2010) e, consequentemente, na manuten-
em outros assuntos, como a pandemia e seus desdobramentos ção das desigualdades de gênero.
econômicos, as eleições estadunidenses e a busca por votos Como uma questão complexa, não há causa única para essa fa-
em si. A abordagem de tópicos relacionados à temática, como
representatividade e violência contra a mulher, ficou restrita a lha de representatividade. Logo, sua solução não é simples (Childs
proporções pequenas do corpus. O padrão foi reproduzido em & Lovenduski, 2013) – mas passa, de acordo com Norris e Inglehart
todas as três cidades estudadas. (2001), por significativas mudanças institucionais. Diferentes me-
didas instauradas nos últimos anos em diversas partes do mundo
Conclusão
têm buscado transformar o cenário de homogenia nos ambientes de
Ter mulheres representantes políticas que não falam sobre gênero tomada de decisão. As políticas afirmativas são um exemplo disso
pode dificultar a passagem daquilo que Pitkin (1967) chama de (Araújo, 1998; Zetterberg, 2009; Álvares, 2014; Barnes & Córdova,
representação simbólica e descritiva para uma representação que é
substantiva. Em síntese, isso significa que, apesar de representantes 2016; Liu, 2018). De fato, os últimos vinte anos apresentaram um
e representadas compartilharem características e, muitas vezes, crescimento de mulheres em cargos legislativos (Banco Mundial,
experiências, as eleitas podem não propor políticas efetivas que 2020). No Brasil, por exemplo, as cotas de gênero para Câmaras e
beneficiem as mulheres enquanto grupo. Logo, ter mulheres em Assembleias vigoram desde a década de 1990 e as eleições de 2020
posição de poder não quer dizer, necessariamente, avanço em pautas
relacionadas à igualdade de gênero. foram marcadas por um aumento no número de candidatas e elei-
tas em comparação aos pleitos municipais anteriores1. Contudo, tão
Palavras-chave relevante quanto atestar a existência de mulheres em parlamentos é
Representatividade política; gênero; eleições 2020; sul; Twitter. verificar o que fazem e discutem como representantes políticas (Liu,
2018), já que a presença, por si só, não significa a defesa de temáticas
ligadas a gênero ou a contestação de disparidades na distribuição de suas próprias regras, valores e hierarquias (Bourdieu, 1989, 2011) –
poder (Miguel & Biroli, 2010). tem sido regido pela hegemonia masculina. É possível citar diversas
Caminhando nessa direção, este paper procura entender se pesquisas que apontam para a sub-representação, ao redor do mun-
gênero foi um assunto relevante para as vereadoras eleitas nas três do, de mulheres em posições políticas de poder (Kahn, 1993; Norris
capitais do Sul do Brasil – Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre – & Inglehart, 2001, 2005; Panagopoulos, 2004; Miguel & Biroli,
durante a reta final de suas campanhas eleitorais, considerando as 2010; Childs & Lovenduski, 2013; Mota & Biroli, 2014; Sheeler &
publicações que fizeram em suas contas no Twitter entre 1 e 15 de Anderson, 2014; Barnes & Córdova, 2016; Panke & Iasulaitis, 2016;
novembro de 2020. Para investigar a centralidade do tema, os 1.491 Paxton, Hughes & Barnes, 2020). É certo que a presença feminina
tweets coletados foram submetidos a uma análise léxica realizada nos espaços de tomada de decisão cresceu gradualmente nos últi-
com o Iramuteq, software livre relacionado ao ambiente de progra- mos anos (Schwindt-Bayer, 2010; Massuchin, Marques & Mitozo,
mação R. 2020). Contudo, quando se trata de representação política, a dispa-
A partir deste ponto, a pesquisa é dividida em quatro seções: ridade entre gêneros ainda é um problema que demanda atenção.
a primeira apresenta uma discussão da literatura, tratando (1) do Segundo o mapa Women in Politics (2020), elaborado pela
problema da representatividade feminina no ambiente político e das União Interparlamentar em parceria com a Organização das Nações
possíveis causas para essa falha; (2) do cenário nacional, trazendo Unidas (ONU)2, dentre os 193 países avaliados, apenas 6,2% apre-
dados sobre a presença das mulheres nos parlamentos brasileiros; e sentavam uma mulher como chefe de governo. Há quinze anos, o
(3) das características das campanhas eleitorais, tendo como lente a cenário era um pouco diferente: em 4,2% dos 191 territórios obser-
questão do gênero. Também se discute a relevância das ferramentas vados, mulheres ocupavam a posição mais alta de liderança gover-
digitais no período de eleições. A terceira seção trata do percurso namental3. Desde 1997, a presença feminina em parlamentos pelo
metodológico seguido pela pesquisa. Então, são expostos e discuti- mundo aumentou cerca de 13,6 pontos percentuais, passando de
dos os resultados e, por fim, há as conclusões do estudo. 11,6% para 25,2%4. Percebe-se que houve um crescimento ao longo
das últimas décadas, mas que o progresso tem sido vagaroso – em
1. Discussão da literatura especial para os postos mais significativos de liderança –, tornando
a equidade entre gêneros na política uma meta ainda distante.
1.1 Mulheres na política: um debate sobre participação e sub-repre- Diante desse contexto, importa compreender quais os com-
sentatividade ponentes que possibilitam e fomentam essa desigualdade entre
2 Disponível em: https://www.unwomen.org/en/digital-library/
A política é uma atividade exclusiva. Afirmar isso significa dizer publications/2020/03/women-in-politics-map-2020#view. Acesso em 3 jan. 2021.
que “os espaços e as posições de poder, nas democracias liberais, 3 Ver: http://archive.ipu.org/pdf/publications/wmnmap05_en.pdf. Acesso em 3
estão concentrados nas mãos de indivíduos com perfis próprios” jan. 2021.
(Miguel & Biroli, 2010, p. 671). A questão é que, historicamente, o 4 Dados disponibilizados pelo Banco Mundial para a janela temporal entre 1997
e 2020. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/SG.GEN.PARL.ZS.
campo político – como um microcosmos organizado em torno de
Acesso em 14 jan. 2021.
222 Eleições, representatividade e redes sociais online: a discussão sobre Rafaela Mazurechen Sinderski 223
gênero no Twitter das vereadoras eleitas nas capitais do sul do Brasil
homens e mulheres. Para Pippa Norris e Ronald Inglehart (2001, redor do mundo adotaram políticas de ação afirmativa destinadas
2003, 2005), as explicações para o gender gap no campo político a garantir às mulheres posições dentro dos parlamentos (Araújo,
têm suas raízes em questões sistêmicas, mas também institucionais 1998; Zetterberg, 2009; Álvares, 2014; Barnes & Córdova, 2016; Liu,
e culturais. De um ponto de vista estrutural, pode-se dizer que as 2018). O caso brasileiro para essa conjuntura é explicitado a seguir.
barreiras para a ascensão feminina estão relacionadas a elementos
socioeconômicos. Por décadas, estudos relacionaram a desigualda- 1.2 Eleições, representação e o cenário brasileiro em 2020
de de gênero ao nível de desenvolvimento econômico apresentado
por determinada sociedade (Forsythe, Korzeniewicz & Durrant, No Brasil, as cotas voltadas para a paridade de gênero passaram
2000; Norris & Inglehart, 2001; Cuberes & Teignier, 2014). “O cres- a fazer parte do jogo democrático a partir da década de 1990. A Lei
cimento era visto como a panaceia que levantaria todos os barcos 9.100/95 deu o primeiro passo nessa direção. Seu texto reservava às
(...). A esperança de que o desenvolvimento econômico beneficie mulheres ao menos 20% das vagas na lista de candidatos potenciais
automaticamente as mulheres nas sociedades mais pobres continua de cada partido com intenção de concorrer às Câmaras Municipais5.
a ser vocalizada” (Inglehart & Norris, 2003, p. 5, tradução nossa). No período, a adoção de tais cotas era um movimento internacional,
De fato, há influência socioeconômica quando se trata da ine- incentivado pela IV Conferência Mundial sobre a Mulher organiza-
quidade de gênero e da participação e representação feminina no da pela ONU (Araújo, 1998).
campo político, já que as mulheres costumam ter menos acesso a re- Após a sanção da “Lei das Eleições” em 19976, o número de
cursos econômicos e dispor de menos tempo para se dedicar à esca- possíveis candidaturas destinadas às mulheres passou a ser de 30%,
lada da pirâmide política (Inglehart & Norris, 2003; Miguel & Biroli, prevendo, também, vagas nas Assembleias Estaduais e Câmara dos
2010). Isso, somado às normas e valores ideológicos e culturais im- Deputados. Em 2009, a Lei de nº 12.0347 alterou a regra e tornou
postos pela sociedade (Norris & Inglehart, 2001, 2005; Inglehart obrigatório o preenchimento do percentual mínimo de 30% para
& Norris, 2003; Liu, 2018), acrescenta barreiras para aquelas que candidaturas do gênero oposto ao dominante, considerando a quan-
buscam ascender a posições de liderança – problema comum, tam- tidade final e não a lista potencial de candidatos. A mudança foi
bém, no mundo corporativo (Rocha-Coutinho & Coutinho, 2011; uma tentativa de avanço em direção à igualdade.
Carbajal, 2017; Hryniewicz & Vianna, 2018). Porém, como bem Nas últimas eleições municipais8, as mulheres representaram
lembram Norris e Inglehart (2001), o grau de desenvolvimento so- 15,7% do total de vereadores eleitos, segundo dados disponibili-
cioeconômico não é suficiente para explicar a sub-representação
5 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9100.htm. Acesso
feminina no universo político. É preciso considerar o impacto das
em 3 jan. 2021.
instituições políticas e suas “regras do jogo”, que atuam, do mesmo 6 Lei 9.504/97. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.
modo, para refrear a presença de minorias nos espaços públicos htm. Acesso em 3 jan. 2021.
(Norris & Inglehart, 2001, 2005; Inglehart & Norris, 2003; Miguel 7 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/
& Biroli, 2010; Childs & Lovenduski, 2013). Buscando equilibrar Lei/L12034.htm. Acesso em 3 jan. 2021.
8 Que tiveram seu primeiro turno em 15 de novembro de 2020 e seu segundo
a balança do poder em ambientes institucionais, muitos países ao
turno no dia 29 do mesmo mês.
224 Eleições, representatividade e redes sociais online: a discussão sobre Rafaela Mazurechen Sinderski 225
gênero no Twitter das vereadoras eleitas nas capitais do sul do Brasil
zados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)9. No pleito anterior, representado, nem assegura que as temáticas consideradas impor-
ocorrido em 2016, o percentual era de 13,4%10. O cenário apresen- tantes pela representante são as mesmas valorizadas pelas cidadãs
tado mostra que há mudança nos padrões de gênero encontrados que parece representar. A presença de mulheres em posições de po-
no espaço político brasileiro, mas que essa transformação é lenta der político não significa, exatamente, um reforço à luta pela igual-
– a exemplo do que ocorre em escala mundial. Diante disso, é inte- dade de gênero ou pelas pautas que priorizam o tema.
ressante olhar para estudos como os de Liu (2018) e de Zetterberg A questão é que o exercício de liderar é muito mais desafiador
(2009), que concluíram que medidas como as cotas são importantes para as mulheres, devido a questões culturais e estruturais (Schein
para a busca pela igualdade de gênero, mas que elas, sozinhas, não et al., 1996; Rocha-Coutinho & Coutinho, 2011; Carbajal, 2017;
são capazes de fomentar um engajamento efetivo da população fe- Hryniewicz & Vianna, 2018) e, em relação ao campo político, “(...)
minina na política. Questões como liberdades civis e normas cultu- há evidências claras de que a construção de imagens e representa-
rais acabam tendo um papel relevante nessa dinâmica (Desposato & ções de estereótipos de gênero das mulheres líderes influenciam a
Norrander, 2008; Liu, 2018). avaliação dos eleitores” (Massuchin, Marques & Mitozo, 2020, p. 1,
Com isso, é preciso ter em mente que tradução nossa). Não é à toa que a dinâmica eleitoral tem apresen-
tado “desafios retóricos únicos” às mulheres que concorrem a car-
(...) é possível a incorporação de um contingente de mulheres gos eletivos (Sheeler & Anderson, 2014). O próximo tópico aborda
a posições de destaque, sem que isso implique uma ruptura com alguns desses desafios, discutindo gênero e campanhas eleitorais.
o padrão de desigualdade política geral (...), sem que haja uma
valorização da agenda política feminina e mesmo sem que o modelo Também trava um breve debate sobre as campanhas digitais, temá-
‘masculino’ da prática política seja posto em xeque. (Miguel & tica importante para este estudo.
Biroli, 2010, p. 672)
o financiamento de campanha (Ballington, 2003; Sacchet & Speck, Diante dessa disparidade, o uso de plataformas online para
2012, Campos, 2019), a representação das candidatas em peças de campanhas eleitorais pode ser uma fonte de autonomia para as can-
comunicação (Finamore & Carvalho, 2006; Miguel & Biroli, 2011; didatas, que têm a possibilidade de usar a internet para interagir
Ross et al., 2012; Mota & Biroli, 2014; Sarmento, 2018) e as estra- com o eleitorado e apresentar suas propostas sem um grande inves-
tégias ou discursos adotados por elas em suas trajetórias rumo ao timento de recursos (Massuchin, Marques & Mitozo, 2020). Não é à
poder político (Kahn, 1993; Panagopoulos, 2004; Schneider, 2014; toa que sites de redes sociais, como o Twitter, adquiriram relevância
Sheeler & Anderson, 2014; Panke & Iasulaitis, 2016). nas pesquisas sobre campanhas eleitorais da última década (Cervi
A fim de conquistar seu espaço na corrida por votos e de am- & Massuchin, 2012; Adams & McCorkindale, 2013; Rossini & Leal,
pliar suas chances de sucesso no pleito, é comum que as postulantes 2013; Kreiss, 2016; Simões & Silva, 2019; Joathan & Alves, 2020).
utilizem o gênero como um fator para segmentar suas campanhas. No que tange ao gênero, McGregor e Mourão (2016) descobriram
Como apontam Massuchin, Marques e Mitozo (2020), a tática con- que, em conversações sobre as eleições estadunidenses de 2014 no
siste em buscar o apoio de uma parcela específica do eleitorado – Twitter, as candidatas ao Senado foram mais centrais para as discus-
nesse caso, das mulheres, apelando para a representação que Pitkin sões políticas online do que os candidatos. O achado mostra que, até
(1967) chama de “descritiva”. Frequentemente, a segmentação faz certo ponto, as ferramentas digitais são aliadas das postulantes em
com que a candidata se posicione a respeito de temas que são tidos suas campanhas.
como “femininos”, “próprios” dos espaços sociais tradicionalmen- Com a crescente importância das redes sociais online em pe-
te relegados à mulher, como infância, educação e assistência social ríodos de eleição, regras precisaram ser impostas. Para os pleitos
(Miguel & Biroli, 2010; Schneider, 2014; Massuchin, Marques & municipais de 2020, a regulamentação da propaganda eleitoral na
Mitozo, 2020). internet instituiu, por exemplo, que não era possível impulsionar
Vê-se, então, que apesar de a segmentação de público e de temas conteúdos com campanha negativa e que os materiais impulsiona-
se mostrar uma estratégia eficaz, especialmente nas eleições propor- dos deveriam ser claramente identificados como peças de propa-
cionais, isso pode preservar e até reforçar os estereótipos de gêne- ganda política11. Ademais, pode-se dizer que a modernização das
ro (Schneider, 2014; Massuchin, Marques & Mitozo, 2020). Além campanhas – um movimento que já era impulsionado por fatores
disso, as temáticas vistas como “femininas” seriam pouco efetivas como o desenvolvimento do sistema midiático e a mudança com-
para a obtenção de capital político, “ou seja, a (pequena) porta aber- portamental do eleitorado (Sampaio, 2020) – foi potencializada pela
ta às mulheres na política leva a um caminho pelo qual a chegada pandemia de coronavírus, que limitou eventos envolvendo aglome-
às posições de maior influência e poder é mais árdua.” (Miguel & rações. Mais do que nunca, candidatos e candidatas recorreram às
Biroli, 2010, p. 674). Aquelas que buscam uma carreira no campo plataformas de redes sociais para se comunicar com o eleitorado,
político acabam por ter que encarar o descrédito e a invisibilidade, pedir votos e apresentar seus posicionamentos e propostas. Pode-
já que costumam receber menos tempo de propaganda em espaços 11 Disponível em: https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2020/arquivos/tse-
midiáticos como a televisão (Romero, Figueiredo & Araújo, 2012; resolucao-no23610-18-12-2019/rybena_pdf?file=https://www.tse.jus.br/eleicoes/
eleicoes-2020/arquivos/tse-resolucao-no23610-18-12-2019/at_download/file.
Carvalho, Kniess & Fontes, 2016).
Acesso em 19 jan. 2021.
228 Eleições, representatividade e redes sociais online: a discussão sobre Rafaela Mazurechen Sinderski 229
gênero no Twitter das vereadoras eleitas nas capitais do sul do Brasil
se dizer que esses recursos digitais foram valorosos às vereadoras contextos que permeiam o corpus (Camargo & Justo, 2013; Cervi,
estudadas, pois 20 das 23 eleitas nas capitais sulistas possuíam conta 2018, 2019).
no Twitter na época da eleição. A escolha de lançar olhares para as capitais sulistas é apoiada
Considerando o que foi exposto neste segmento do paper, a pes- pelo desempenho que candidatas femininas conquistaram nesses
quisa adota como norte o seguinte questionamento: locais. Porto Alegre (RS) foi a capital brasileira com mais mulheres
eleitas para a Câmara Municipal, representando 30,6% das 36 vagas
RQ: Para as vereadoras eleitas nas três capitais do Sul do Brasil, gêne- disponíveis13. Karen Santos (PSOL) foi a candidata que angariou
ro foi um tema relevante nos tweets publicados durante a reta final de mais votos, considerando postulantes homens e mulheres. Curitiba
suas campanhas eleitorais? (PR) também contou com uma mulher encabeçando a lista de elei-
tos: Indiara Barbosa (NOVO) se tornou a vereadora mais votada da
A próxima seção expõe com mais detalhes o percurso metodo- cidade paranaense em 2020. Já em Florianópolis (SC), cinco mu-
lógico adotado para responder essa questão. lheres, que se autodenominam feministas e ecossocialistas14, con-
quistaram espaço na Câmara, concorrendo com uma candidatura
2. Metodologia coletiva15.
A Câmara Municipal curitibana possui 38 cadeiras; 18,4% ocu-
A fim de entender se gênero foi um tema central para a campa- padas por representantes femininas na legislatura que iniciou em
nha das vereadoras eleitas nas capitais do Sul do Brasil, este paper 2021. Na cidade catarinense, a proporção é mais alta: 21,7% das 23
analisou as publicações que as então candidatas fizeram no Twitter vagas florianopolitanas são de mulheres. O Quadro 1, abaixo, exibe
entre os dias 1 e 15 de novembro de 2020. O corpus estudado foi a relação de vereadoras sulistas eleitas no pleito de 2020, bem como
composto por 1.491 tweets, coletados com o pacote TwitteR12 e suas contas no site da rede social Twitter. Separadas por município,
submetidos a uma análise léxica realizada com o Iramuteq, ambas as representantes foram ordenadas de acordo com seu desempenho
ferramentas para o ambiente de programação R. eleitoral – da mais para a menos votada.
O método de Reinert (1987; 1990), também chamado de
Classificação Hierárquica Descendente (CHD), foi utilizado para a
investigação do conteúdo. A partir da aplicação do teste estatístico
qui-quadrado de Pearson, a CHD produz clusters temáticos consi-
derando “os termos que mais aparecem e que se aproximam entre si” 13 Disponível em: https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-
(Cervi, 2018, p. 9) nos textos estudados. Assim, cada grupo formado eleitorais. Acesso em 3 jan. 2021.
apresenta homogeneidade interna com seu vocabulário específico 14 Descrição presente nos perfis de redes sociais on-line do coletivo, como o
e estatisticamente relevante, tornando possível a identificação de Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/coletivabemviverfloripa/.
Acesso em 5 jan. 2021.
15 Coletiva Bem Viver (PSOL), composto por Cíntia Mendonça, Joziléia
12 Coleta realizada em 19 de dezembro de 2020. Daniza, Lívia Guilardi, Marina Caixeta e Mayne Goes.
230 Eleições, representatividade e redes sociais online: a discussão sobre Rafaela Mazurechen Sinderski 231
gênero no Twitter das vereadoras eleitas nas capitais do sul do Brasil
Quadro 1. Vereadoras eleitas nas capitais do Sul do país em 2020 Capital Candidata Partido Votos Conta no Twitter Nº de
Capital Candidata Partido Votos Conta no Twitter Nº de tweets
tweets Porto Alegre Karen Santos PSOL 15.702 @karensantospoa 31
Curitiba Indiara NOVO 12.147 @IndiaraNOVO 20 Comandante DEM 11.172 @NadiaGerhard 47
Barbosa Nádia
Carol PT 8.874 @caroldartora13 98 Laura Sito PT 5.390 @laurasito 102
Dartora
Bruna PCdoB 5.366 @bru_rodrigues65 16
Professora PT 5.856 @profjosete 86 Rodrigues
Josete
Psicóloga PTB 5.205 @tanisesabino 15
Flávia PSL 4.540 Não tem NA Tanise
Francischini Sabino
Noemia MDB 4.439 @noemia_rocha_ 44 Fernanda PRTB 4.909 @fernandabarth 93
Rocha Barth
Maria Letícia PV 4.019 @MedicaLeticia 39 Mônica Leal PP 4.140 @monicalealPP 76
Amália NOVO 3.092 @AmaliaTortato 35 Cláudia PSD 4.071 Não tem NA
Tortato Araújo
Florianópolis Manu Vieira NOVO 3.522 @ManuVieiraSC 54 Daiana PCdoB 3.715 @daianasantospoa 72
Carla Ayres PT 2.094 @carlaayres 591 Santos
Pri PODE 2.092 Não tem NA Mariana NOVO 3.637 @maripimentelpoa 31
Fernandes Pimentel
Adote Lourdes MDB 2.522 @lourdesanimais 24
Maryanne PL 1.718 @MattosMaryanne 3 Sprenger
Mattos Fonte: elaboração própria (2021), com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Coletiva Bem PSOL 1.660 @ColetivaBVFLN 14
Viver Apresentado o percurso metodológico e o corpus investigado
pela pesquisa, há, na seção seguinte, uma discussão a respeito dos
dados obtidos a partir da análise lexical. O debate abre espaço para
as conclusões do estudo, expostas na sequência.
232 Eleições, representatividade e redes sociais online: a discussão sobre Rafaela Mazurechen Sinderski 233
gênero no Twitter das vereadoras eleitas nas capitais do sul do Brasil
3. Resultados e discussão Neste tweet, por exemplo, Laura Sito (PT), de Porto Alegre,
critica a postura do Governo Federal no enfrentamento das adver-
A Classificação Hierárquica Descendente aplicada aos 1.491 sidades econômicas: “Em meio à pandemia, a taxa de desemprego
tweets publicados pelas vereadoras das capitais sulistas do Brasil entre jovens de 18 a 24 anos é 16,4% maior em relação ao percentu-
gerou quatro classes temáticas, específicas em seus contextos devido al da população desempregada geral. Isso só mostra o descaso das
aos termos que são próprios de cada uma (Cervi, 2018, 2019). A políticas de Bolsonaro e Guedes! Queremos uma cidade que tenha
mais significativa delas, presente em 30,8% dos conteúdos investiga- compromisso com as juventudes. #Laura13300”16. O texto, publi-
dos, contém palavras como “econômico”, “pandemia”, “compromis- cado em 3 de novembro, é ilustrado por uma manchete que diz
so”, “cidadão” e “mandato”: é um cluster que trata, de maneira geral, “Austeridade e falta de políticas acentuam desemprego para jovens,
dos cenários local e nacional relacionados à pandemia de Covid-19, afirma economista”.
das consequências geradas por ela – como a crise econômica – e Outros casos que se enquadraram no cluster vermelho mencio-
das propostas e posicionamentos sustentados pelas então candida- naram o contexto pandêmico com o intuito de divulgar propostas:
tas diante do problema. O grupo que reúne tais tópicos é o de cor “Você sabia que os kits de alimentação escolar distribuídos aos alu-
vermelha, como mostra a figura 1. nos da rede pública durante este período de pandemia foi uma su-
gestão da vereadora Noemia Rocha? Ela encaminhou uma sugestão
Figura 1. Clusters gerados pela Classificação Hierárquica Descendente (CHD) ao Executivo com a ideia.”17, diz a publicação, feita em 14 de novem-
para os tweets das vereadoras sulistas bro pela candidata emedebista.
Em números, a segunda classe mais relevante de acordo com a
CHD foi a roxa, encontrada em 28,1% dos tweets. Ela aglutinou tex-
tos relacionados à campanha eleitoral e à formação da imagem das
postulantes, sendo dominado pelas publicações da candidata porto-
-alegrense Laura Sito (PT) – algo que pode ser atestado ao observar
os termos relevantes do grupo, que são, entre outros: “Porto Alegre”,
“manueladavila”, “laurasito” e “laura13300”. Essa predominância
pode ser explicada pelo volume de postagens feitas pela vereadora
no recorte temporal estudado (Quadro 1). Sito foi a segunda candi-
data com mais textos tweetados entre 1 e 15 de novembro.
A primeira foi Carla Ayres (PT), de Florianópolis (Quadro 1).
Suas marcas no corpus podem ser claramente identificadas no clus-
16 Disponível em: https://twitter.com/i/web/status/1323664484792225796.
Acesso em 19 dez. 2020.
17 Disponível em: https://twitter.com/noemia_rocha_/
Fonte: elaboração própria (2021)
status/1327703121599066115. Acesso em: 19 dez. 2020.
234 Eleições, representatividade e redes sociais online: a discussão sobre Rafaela Mazurechen Sinderski 235
gênero no Twitter das vereadoras eleitas nas capitais do sul do Brasil
ter verde, terceiro em relevância, já que consta em 26,9% do material ser apontadas como “femininas” em campanhas eleitorais, como as-
total. Parte das palavras apontadas como estatisticamente relevantes sistência social e educação, e colocou sob os holofotes temas encara-
para esse grupo se relacionam com a campanha de Ayres – “carla- dos como “masculinos”, tal qual a economia (Kahn, 1993; Miguel &
ayres”, “Floripa” e “Florianópolis” – e com seu apoio ao candidato à Biroli, 2010; Romero, Figueiredo & Araújo, 2012; Schneider, 2014;
prefeitura da capital catarinense, Professor Elson (PSOL) – da mes- Massuchin, Marques & Mitozo, 2020), como mostrou o cluster
ma forma que Sito apoiou a então postulante a prefeita de Porto vermelho.
Alegre, Manuela d’Ávila (PCdoB). Contudo, o resultado apresentado deriva do conjunto de pu-
A última classe gerada pela CHD, a azul, cingiu 14,3% do con- blicações feitas pelas vereadoras. Nuances acabam se perdendo em
teúdo estudado e apresentou termos como “Biden”, “Bolsonaro”, prol daquilo que é estatisticamente relevante para o todo. Por isso, o
“Trump”, “EUA” e “americano”. O contexto ligado a esse cluster tem corpus foi segmentado por capital e esses subgrupos de texto foram
clara conexão com as eleições estadunidenses, realizadas em 3 de submetidos a outra análise léxica, dessa vez com nuvens de palavras,
novembro de 2020, que deram a vitória ao democrata Joe Biden. a fim de descobrir se menções a gênero despontam entre os tweets20.
Sobre o assunto, Carla Ayres (PT) publicou, em 9 de novembro: “A
participação popular, sobretudo das minorias, foi determinante para 3.1 Os tweets das vereadoras de Curitiba
que Biden derrotasse Trump nas urnas. Por favor, não deixe de votar,
ou teremos a Câmara mais conservadora e bolsonarista da história. Nos 322 textos postados pelas representantes curitibanas, os
Floripa não merece isso!” [sic]18. Fernanda Barth (PRTB), de Porto termos que mais se destacaram foram aqueles ligados à campanha
Alegre, também comentou sobre o pleito: “Eleição nos EUA só sai o em si. “Apoio”, “obrigada”, “Curitiba”, “vote”, “confiança” e os nomes
resultado em 14 de dezembro. É preciso que os delegados escolham e números das candidatas indicam, como esperado, pedidos por e
e o Supremo homologue. Antes disto não há vitória consolidada. E agradecimentos pelos votos conquistados, promessas de bons man-
AINDA POR CIMA TEM OS VOTOS FRAUDADOS e as cédulas datos e interações típicas do período eleitoral. Mas, pela primeira
tardias, que serão anuladas, segundo o Supremo.” [sic]19. vez, a análise aponta para a segmentação de discursos com o empre-
Vê-se que a questão do gênero não chegou a aparecer entre os go de palavras relacionadas a gênero e raça, como “mulher”, “mu-
tópicos mais abordados pelas vereadoras, considerando a massa de lheres” e “negra”.
suas postagens. Devido ao ano incomum, marcado pela pandemia
de Covid-19 e pelas eleições em terras norte-americanas, outros as-
suntos – além daqueles típicos de campanha e formação da imagem
– não emergiram como estatisticamente relevantes no corpus geral.
Essa atipicidade tirou do centro do palco temáticas que costumam
18 Disponível em: https://twitter.com/i/web/status/1325784125077401603.
Acesso em: 19 dez. 2020. 20 Para a formação das nuvens de palavras, foi utilizado o pacote “wordcloud”
19 Disponível em: https://twitter.com/i/web/status/1325195178886516736. para o ambiente de programação R. A ferramenta captou os termos que
Acesso em: 19 dez. 2020. apareceram pelo menos dez vezes nos subgrupos textuais.
236 Eleições, representatividade e redes sociais online: a discussão sobre Rafaela Mazurechen Sinderski 237
gênero no Twitter das vereadoras eleitas nas capitais do sul do Brasil
3.2 Os tweets das vereadoras de Florianópolis Seguindo a primeira linha, Carla Ayres postou, em 3 de
novembro:
Para as vereadoras de Florianópolis, “mulher” e “mulheres” tam-
bém apareceram como palavras de destaque, como aponta a Figura Excluímos o post “VOTE EM MULHER”, por entendermos que
3. Os termos surgiram em 3,1% dos 662 tweets – uma proporção mais do que votar, esse voto precisa ser em mulheres feministas e
que lutam para combater a violência e as disparidades sociais tão
ainda menor do que a encontrada para Curitiba. Além disso, di- presentes na nossa sociedade. Essa foi a nossa luta na Câmara
ferentemente das postulantes curitibanas, nem todas as candidatas durante os 3 meses de mandato e essa será a nossa luta nos quatro
anos de mantado, se Floripa nos permitir ampliar a voz feminista e
florianopolitanas fizeram uso das expressões em seus textos. Apenas de representatividade LGBTI+ na Câmara Municipal26
Carla Ayres (PT) e Coletiva Bem Viver (PSOL) publicaram conteú-
dos com “mulher” ou “mulheres”. Com esse discurso, a candidata defende que, mais do que vo-
Figura 3. Nuvem de palavras para os tweets das vereadoras florianopolitanas
tar em mulheres, é preciso escolher as representantes considerando
um segmento ainda mais restrito – o de mulheres feministas – para
transformar a representação descritiva – apoiada nas características
compartilhadas por votantes e votadas – em representação substan-
tiva – suportada pela ação de fato, pelo trabalho em prol da popula-
ção representada (Pitkin, 1967)
Figura 4. Nuvem de palavras para os tweets das vereadoras porto-alegrenses a proporção de discussão a respeito dos tópicos é similar – e bem
baixa – em todas as cidades.
Considerações finais
Ter mulheres representantes políticas que não falam sobre gê- Referências
nero pode dificultar a passagem daquilo que Pitkin (1967) chama
de representação simbólica e descritiva para uma representação Adams, A. & McCorkindale, T. M. (2013) Dialogue and transparency:
que é substantiva. Em síntese, isso significa que, apesar de repre- A content analysis of how the 2012 presidential candidates used
sentantes e representadas compartilharem características e, muitas Twitter. Public Relations Review, 39(4), pp. 357-359.
vezes, experiências, as eleitas podem não propor políticas efetivas
que beneficiem as mulheres enquanto grupo. Logo, ter mulheres Álvares, M. L. M. (2014) Entre eleitoras e elegíveis: as mulheres e
em posição de poder não quer dizer, necessariamente, avanço em a formação do eleitorado na democracia brasileira – quem vota?
pautas relacionadas à igualdade de gênero. Como bem lembram Quem se candidata? Cadernos Pagu, s/v(43), pp. 119–167.
Miguel e Biroli (2010), é preciso haver a confrontação de padrões de
concentração de poder, ou há o risco de que a representatividade se Araújo, C. (1998) Mulheres e Representação Política: a experiência
torne uma “mera inclusão” de algumas mulheres na política. Com das cotas no Brasil. Revista Estudos Feministas, 6(1), pp. 1-20.
raciocínio similar, Liu (2018) pontua que, talvez, a importância não
esteja na “simples” presença feminina em espaços políticos, mas sim Ballington, J. (2003) Gender equality in political party funding. In
na forma com que essas mulheres agem e naquilo que elas fazem R. Austin & M. Tjernström (eds.). Funding of Political Parties and
com o poder conquistado. Election Campaigns. Stockholm: IDEA.
É claro que, por não analisar a produção legislativa das vereado-
Banco Mundial. (2020) Proportion of seats held by women in
ras, esta pesquisa não pode atestar, de fato, que a falta de discussão
national parliaments (%). Disponível: https://data.worldbank.org/
sobre gênero nas redes se reflete também nas Câmaras Municipais.
indicator/SG.GEN.PARL.ZS. Acesso em 14 jan. 2021.
Futuras pesquisas podem buscar estabelecer essa relação. Além dis-
so, o paper se concentra em uma região geográfica específica, em Barnes, T. D. & Córdova, A. (2016) Making Space for Women:
um recorte temporal particular e em campanhas que ocorrem no Explaining Citizen Support for Legislative Gender Quotas in Latin
espaço digital. É possível que haja outros padrões de comportamen- America. The Journal of Politics, 78(3).
to nas parlamentares eleitas em outros estados, nas postagens feitas
ao longo dos mandatos ou nas campanhas eleitorais fora do mundo Bourdieu, P. (2011) O campo político. Revista Brasileira de Ciência
online. Espera-se que outros trabalhos se interessem em ampliar – e Política, s/v(5), pp. 193-216.
até desafiar – os achados aqui expostos, para que a área de pesquisa
que se preocupa com gênero, representatividade política e redes so- Bourdieu, P. (1989) O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand
ciais online se expanda ainda mais. Brasil.
244 Eleições, representatividade e redes sociais online: a discussão sobre Rafaela Mazurechen Sinderski 245
gênero no Twitter das vereadoras eleitas nas capitais do sul do Brasil
Camargo, B. V. & Justo, A. M. (2013) Iramuteq: um software gratuito Desposato, S. & Norrander, B. (2009) The Gender Gap in Latin
para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, 21(2), pp. America: Contextual and Individual Influences on Gender and
513-518. Political Participation. British Journal of Political Science, 39(1), pp.
141-162.
Carbajal, J. (2017) Women and work: Ascending to leadership
positions. Journal of Human Behavior in the Social Environment, Finamore, C. M. & Carvalho, J. E. C. (2006) Mulheres candidatas:
28(1), pp. 12–27. relações entre gênero, mídia e discurso. Revista Estudos Feministas,
14(2), pp. 347-362.
Carvalho, F. C., Kniess, A. B. & Fontes, G. S. (2018) Representação
feminina na propaganda eleitoral partidária no Brasil: as candidatas Forsythe, N., Korzeniewicz R. P. & Durrant, V. (2000) Gender
a Deputada Federal pelo Paraná na TV. Estudos em Comunicação, inequalities and economic growth: a longitudinal evaluation.
1(26), pp. 231-246. Economic Development and Cultural Change, 48(3).
Cervi, E. U. (2018) Análise de conteúdo automatizada para Hryniewicz, L. G. C. & Vianna, M. A. (2018) Mulheres em posição de
conversações em redes sociais: uma proposta metodológica. Anais liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais.
do 42º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, MG, Brasil, 42. Cadernos EBAPE.BR, 16(3).
Cervi, E. U. (2019) Análise de Conteúdo aplicada a Redes Sociais Inglehart, R. & Norris, P. (2003) Rising tide: gender equality and
Online. In E. U. Cervi. Manual de Métodos Quantitativos para cultural change around the world. New York: Cambridge University
iniciantes em Ciência Política (v. 2). Curitiba: CPOP. pp. 101-128. Press.
Cervi, E. U. & Massuchin, M. G. (2012) Redes sociais como Joathan, I. & Alves, M. (2020) O Twitter como ferramenta de
ferramenta de campanha em disputas subnacionais: análise do campanha negativa não oficial: uma análise da campanha eleitoral
Twitter nas eleições para o governo do Paraná em 2010. Sociedade e para a Prefeitura do Rio de Janeiro em 2016. Galáxia, s/v(43), pp.
Cultura, 15(1), pp. 25-38. 81-98.
Childs, S. & Lovenduski, J. (2013) Political Representation. Oxford: Kahn, K. F. (1993) Gender differences in campaign messages: The
Oxford Handbooks Online. political advertisements of men and women candidates for US
Senate. Political Research Quarterly, 46(3), pp. 481–502.
Cuberes, D. & Teignier, M. (2014) Gender inequality and economic
growth: a critical review. Journal of International Development, Kreiss, D. (2016) Seizing the moment: The presidential campaigns’
26(2), pp. 260-276. use of Twitter during the 2012 electoral cycle. New Media & Society,
18(8), pp. 1473–1490.
246 Eleições, representatividade e redes sociais online: a discussão sobre Rafaela Mazurechen Sinderski 247
gênero no Twitter das vereadoras eleitas nas capitais do sul do Brasil
Lahlou, S. (1994) L’analyse Lexicale. Variances, s/v(3), pp. 13-24. Norris, P. & Inglehart, R. (2001) Cultural obstacles to equal
representation. Journal of Democracy, 12(3), pp. 126-140.
Liu, S. S. (2018) Are female political leaders role models? Lessons
from Asia. Political Research Quarterly, 71(2), pp. 255–269. Norris, P. & Inglehart, R. (2005) Women as Political Leaders
Worldwide: Cultural Barriers and Opportunities. In S. Thomas &
Manza, J. & Brooks, C. (1998) The Gender Gap in U.S. Presidential C. Wilcox (eds.). Women and Elective Office: Past, Present, and
Elections: When? Why? Implications? American Journal of Future. New York: Oxford University Press. pp. 244-63.
Sociology, 103(5).
Oliveira, J. K. & Both, L. J. R. G. (2017) A mulher negra em cargos
Massuchin, M, Marques, J & Mitozo, I. (2020) Marketing Women de liderança: a influência do colonialismo e do feminismo negro
Political Leaders. In K. Ross. International Encyclopedia of Gender, nas relações de trabalho da mulher negra. Cadernos da Escola de
Media, and Communication. Nova Jersey: Wiley Online Library. Direito, 27(2).
McGregor, S. C. & Mourão, R. R. (2016) Talking Politics on Twitter: Panagopoulos, C. (2004) Boy talk/girl talk: Gender differences in
Gender, Elections, and Social Networks. Social Media + Society, campaign communication strategies. Women and Politics, 26(3),
2(3). pp. 131–155.
Miguel, L. F. & Biroli, F. (2010) Práticas de gênero e carreiras Panke, L. (2016) Campanhas eleitorais para mulheres, desafios e
políticas: vertentes explicativas. Revista Estudos Feministas, 18(3), tendências. Curitiba: Editora UFPR.
pp.653-679.
Panke, L. & Iasulaitis, S. (2016) Mulheres no poder: aspectos sobre
Miguel, L. F. & Biroli, F. (2011) Caleidoscópio convexo: mulheres, o discurso feminino nas campanhas eleitorais. Opinião Pública,
política e mídia. São Paulo: Editora Unesp. 22(2), pp. 385-417.
Miguel, L. F. & Queiroz, C. M. (2006) Diferenças regionais e o êxito Paxton, P., Hughes, M. M. & Barnes, T. (2020) Women, Politics and
relativo de mulheres em eleições municipais no Brasil. Revista Power: A Global Perspective. Laham: Rowman & Littlefield.
Estudos Feministas, 14(2), pp. 363-385.
Pitkin, H. F. (1967) The Concept of Representation. Berkeley:
Mota, F. F. & Biroli, F. (2014) O gênero na política: a construção University of California Press.
do “feminino” nas eleições presidenciais de 2010. Cadernos Pagu,
s/v(43), pp. 197-231. Reinert, M. (1987) Classification descendante hierarchique et
analyse lexicale par contexte - application au corpus des poesies d’A.
Rimbaud. Bulletin de Méthodologie Sociologique, 13(1), pp. 53-90.
248 Eleições, representatividade e redes sociais online: a discussão sobre Rafaela Mazurechen Sinderski 249
gênero no Twitter das vereadoras eleitas nas capitais do sul do Brasil
Reinert, M. (1990) Alceste, une méthodologie d’analyse des données Schein, V. et al. (1996) Think manager – think male: a global
textuelles et une application: Aurelia de Gerard de Nerval. Bulletin phenomenon?. Journal of Organizational Behavior, 17(1), pp. 33-41.
de Méthodologie Sociologique, 26(1), pp. 24-54.
Schneider, M. (2014) Gender-based strategies on candidate websites.
Rocha-Coutinho, M. L. & Coutinho, R. R. (2011) Mulheres brasileiras Journal of Political Marketing, 13(4), pp. 264–290.
em posições de liderança: Novas perspectivas para antigos desafios.
Economia Global e Gestão, 16(1), pp. 61-79. Schwindt-Bayer, L. A. (2010) Political power and women’s
representation in Latin America. New York: Oxford University
Romero, K., Figueiredo, M. & Araújo, C. (2012) Participação Press.
feminina e dinâmica de campanha no HGPE nas eleições 2010 para
a Câmara dos Deputados. In J. E. D. Alves, C. R. J. Pinto & F. Jordão Sheeler, K. H. & Anderson, K. V. (2014) Gender, rhetoric, and
(orgs.). Mulheres nas eleições 2010. Rio de Janeiro: Associação international political systems: Angela Merkel’s rhetorical
Brasileira de Ciência Política; Secretaria de Política para as Mulheres negotiation of proportional representation and party politics.
da Presidência da República, pp. 453-473. Communication Quarterly, 62(4), pp. 474–495.
Ross K. et al. (2012) The Gender of News and News of Gender. The Simões, I. B. & Silva, S. C. D. (2019) Marketing político na era digital:
International Journal of Press/Politics, 18(1), pp. 3–20. um estudo sobre o uso do Twitter pelos candidatos à presidência no
Brasil em 2018. Agenda Política, 7(3), pp. 114-137.
Rossini, P. G. C. & Leal, P. R. F. (2013) Efeitos da campanha virtual
no universo das mídias sociais: o comportamento do eleitor no Zetterberg. P. (2009) Do Gender Quotas Foster Women’s Political
Twitter nas Eleições 2010. Revista Compolítica, 3(1), pp. 7-28. Engagement? Lessons from Latin America. Political Research
Quarterly, 62(4), pp. 715-730.
Sacchet, T. & Speck, B. W. (2012) Financiamento eleitoral,
representação política e gênero: uma análise das eleições de 2006.
Opinião Pública, 18(1), pp. 177-197.
Sobre a autora
Sampaio, D. (2020) Campanhas Tradicionais ou Modernas?
Estratégias de gastos nas eleições municipais de 2016. Revista Rafaela Mazurechen Sinderski é doutoranda em Ciência Política
Brasileira de Ciências Sociais, 36(105), pp. 1-18. na Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
br/2345581494746956
Sarmento, R. (2018) Estudos feministas de mídia e política: uma
visão geral. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em
Ciências Sociais - BIB, 87(3), pp. 181-202.
Sobrevivência política em tempos de pandemia:
a produção legislativa e a interação no Twitter
dos(as) vereadores(as) de Curitiba nas eleições
municipais de 2020
Breno Pacheco Leandro, Nilton Garcia Sainz,
Patrícia Sene de Almeida, Rangel Ramiro Ramos
& Renan Arnon de Souza
Contexto
As eleições municipais de 2020, realizadas em plena pandemia de
covid-19, desafiaram os políticos profissionais a adotar diferentes
formas de alcançar o eleitorado. Perante esse cenário, buscamos
responder como os(as) vereadores(as) de Curitiba candidatos à
reeleição em 2020 mobilizaram suas atividades legislativas e suas
estratégias de comunicação online, via Twitter, para alcançar o
sucesso eleitoral?
Objetivos
O objetivo foi investigar as possíveis congruências em relação à
profissionalização dos incumbentes, suas produções legislativas no
ano de pleito eleitoral e suas atuações no Twitter. Especificamente,
buscou-se: a) analisar a carreira, a produção legislativa e a
comunicação online desses atores em 2020; b) investigar a associação
entre a profissionalização política, a produção legislativa e o uso
da comunicação online; c) examinar como os modos de atuação
parlamentar e as estratégias de comunicação online estiveram
associadas ao sucesso e/ou fracasso eleitoral em 2020.
CAPÍTULO 8
252 Sobrevivência política em tempos de pandemia: a produção legislativa Breno Pacheco Leandro, Nilton Garcia Sainz, Patrícia Sene de 253
e a interação no Twitter dos(as) vereadores(as) de Curitiba nas eleições Almeida, Rangel Ramiro Ramos & Renan Arnon de Souza
municipais de 2020
Métodos Introdução
Analisamos 34 vereadores(as) incumbentes durante o ano de 2020
e que buscaram a reeleição neste mesmo ano. Coletamos dados Prevendo cenários de incertezas e com elevadas taxas de abs-
referentes a carreira anterior ao mandato (anos de carreira), produção tenção, a conjuntura política de 2020, em meio à crise sanitária da
legislativa (tipologia e a quantidade da produção individual) e uso Covid-19, reconfigurou as formas de atuação política em todo o
do Twitter durante o período eleitoral de 2020 (número de tweets
e seguidores), além dos desfechos eleitorais dos(as) vereadores(as) país. Pensando no pleito municipal daquele ano, candidatos a pre-
(sucesso eleitoral, número de votos) na tentativa de reeleição. Para feito e vereador precisaram realizar adaptações em suas estratégias
iniciar, realizamos uma análise descritiva dos dados e testes de qui- de campanha e atuação legislativa. Para além do agendamento de
quadrado e ANOVA para verificar a relação isolada de cada uma
das variáveis independentes à reeleição. Em um segundo momento, discussões referentes à saúde pública nas instituições políticas, a
foi realizada uma análise de regressão logística visando estimar o pandemia esteve presente durante as eleições como um objeto im-
impacto conjunto das variáveis analisadas. portante de políticas econômicas e de desenvolvimento, marcando
Resultados e discussão o posicionamento dos candidatos.
Diante dessa realidade posta em 2020, buscamos investigar as re-
Ainda que parciais, os resultados vêm revelando que há um lações entre mandatários (incumbents), suas produções legislativas
alto índice de produção legislativa. Ao todo 20061 proposições no ano eleitoral e suas atuações na rede social online. Analisamos
individuais, sendo 10946 dos 13 vereadores que tentaram reeleição
não atingiram o sucesso eleitoral (54%). Outro achado interessante dimensões de i) carreira; ii) produção legislativa; e iii) comunicação
é que a média de publicações no Twitter por parte dos(as) nas redes sociais em 2020 e examinamos as possíveis associações
vereadores(as) que não se reelegeram foi de aproximadamente 3 entre esses três grupos de variáveis e como estiveram atreladas com
vezes para todo o período eleitoral, enquanto para os reeleitos foi
de 48. Esta diferença é significativa (p-valor = 0,0161) na ANOVA sucesso eleitoral em uma eleição singular. Com isso, respondemos
aplicada ao estudo isolado desta variável. ao seguinte questionamento: como variáveis de carreira política,
atuação no legislativo e comunicação em rede social aumentaram
Conclusão ou diminuíram as chances eleitorais dos vereadores de Curitiba em
Os resultados parciais demonstram uma alta produção legislativa 2020?
em 2020, mas que não significa garantia de sucesso eleitoral. Ainda, Tomamos como objeto de análise o legislativo da cidade de
revelam que a utilização da comunicação online é mais intensa e Curitiba, capital paranaense. A Câmara Municipal de Curitiba
superior no grupo de reeleitos. Além disso, a análise contribui para (CMC) é formada por 38 vereadores. Em 2020, dos 38 vereadores
a agenda de pesquisa relacionando variáveis de carreira política com
estratégias de uso das redes sociais online na comunicação política, que atuaram na casa, 34 buscaram a reeleição no pleito ocorrido em
demonstrando como diferentes perfis de políticos profissionais outubro daquele ano, demonstrando uma taxa superior aos 89% de
estão utilizando essas ferramentas em nível local. reapresentação por parte dos legisladores municipais. Incluímos no
nosso banco de dados não apenas aqueles eleitos em 2016 por média
Palavras-chave
Produção legislativa; Twitter; profissionalização política; vereadores; ou quociente partidário, mas também aqueles que vieram a assumir
eleições 2020. o mandato como suplentes, dando conta de inserir na análise todos
254 Sobrevivência política em tempos de pandemia: a produção legislativa Breno Pacheco Leandro, Nilton Garcia Sainz, Patrícia Sene de 255
e a interação no Twitter dos(as) vereadores(as) de Curitiba nas eleições Almeida, Rangel Ramiro Ramos & Renan Arnon de Souza
municipais de 2020
os legisladores municipais que atuavam na CMC até o momento da pesquisa e descrevemos as ferramentas estatísticas utilizadas para
disputa em 2020. estas análises. Na terceira seção, estão os resultados do estudo, es-
Codato et al. (2020) demonstraram a ascensão de publicações paço na qual reservamos para demonstrar e discutir os efeitos de
que relacionam os estudos de elites políticas e redes sociais. É pos- predição de cada variável incluída no modelo analítico. Por fim, as
sível notar a emergência dessas temáticas entre 2015-2018, e vale considerações, onde retomamos o debate inicial e indicamos os pas-
destacar que o Twitter está configurado como a rede social principal sos futuros para o aprimoramento e desenvolvimento dessa agenda
dessas pesquisas. De todo modo, os estudos clássicos sobre políticos de pesquisa.
profissionais, representação e eleição, seguem com seu espaço de
destaque nesse campo de estudo, o que ratifica a proposta de inves- 1. Discussão da literatura
tigação elaborada neste estudo.
Três conceitos principais estabelecem as dimensões analisadas 1.1 Carreirismo político
nesta pesquisa. O primeiro é produção legislativa, que se refere à
análise da atuação de parlamentares na proposição de políticas e O carreirismo ou profissionalização política em instituições
legislação. Este conceito é abordado na literatura a partir da ótica legislativas, é um tema consagrado na Ciência Política (Hibbing,
da conexão eleitoral (Mayhew, 1974), segundo a qual proposições 1999; Polsby, 2008). No Brasil, o assunto costuma ser mais custoso e
orientam o comportamento político nas instituições tanto na arena de maior complexidade quando se trata em definir quem são e o que
eleitoral quanto na legislativa. é um profissional da política (Costa & Codato, 2012; Di Martino,
O segundo é carreirismo, que também chamaremos de profis- 2009). Em termos gerais, a profissionalização costuma ser anali-
sionalização política, que compõe um debate clássico nas Ciências sada sob uma ótica que valoriza a experiência dos legisladores, o
Sociais desde Weber (2011) e que contemporaneamente está rela- que retorna ao legislativo com melhores resultados e desempenhos,
cionado com aspectos de institucionalização e importância da espe- devido a capacidade de compreensão do próprio funcionamento da
cialização da classe política, o que produz efeitos nos desempenhos atividade profissional (Di Martino, 2009; Hibbing, 1999).
das instituições (Di Martino, 2009). Por outro lado, não é incomum encontrarmos argumentos
E o terceiro é a comunicação política online, ou a democracia que sugerem a “renovação” como um atributo vantajoso para a de-
digital, que para Gomes (2019) se dá na possibilidade de governos mocracia (Grill, 2008). Todavia, em termos eleitorais, sabe-se que
e cidadãos utilizarem das oportunidades que os novos canais de carreiristas desfrutam da experiência e capital político acumulado
comunicação oferecem para fortalecerem as principais instituições ao longo da trajetória, exemplo disso são as melhores condições de
representativas que conectam cidadãos e Estado. sucesso atreladas a reeleição e o uso do capital político em eleições
Após essa breve introdução, o paper segue uma estrutura com seguintes (Barreto, 2009, 2011; Codato et al., 2013; Maluf, 2006;
outras quatro seções. Na seção seguinte, apresentamos brevemente Messias, 2019; Pereira & Rennó, 2007).
o referencial que fundamenta a escolha pelas análises através desses Ao observar a Câmara Municipal de São Paulo, Maluf (2006)
conjuntos de variáveis. Na segunda seção, expomos o desenho de demonstra que as renovações legislativas diminuíram ao longo do
256 Sobrevivência política em tempos de pandemia: a produção legislativa Breno Pacheco Leandro, Nilton Garcia Sainz, Patrícia Sene de 257
e a interação no Twitter dos(as) vereadores(as) de Curitiba nas eleições Almeida, Rangel Ramiro Ramos & Renan Arnon de Souza
municipais de 2020
tempo. Esse resultado revelou que dentre as comparações realiza- A busca pelo sucesso eleitoral perpassa a proposição legislativa
das, a CMSP produzia os menores índices de renovação, mesmo orientada para os interesses do eleitorado. Fiorina (1979) aponta,
apresentando maioria de vereadores em primeiro mandato (Maluf, nesse aspecto, que proposições orientadas para o atendimento de
2006). A investigação de Messias (2019) expôs a alta renovação na demandas da sociedade é aspecto relevante no sucesso de reeleitos.
Câmara Municipal de Salvador. Comparada com São Paulo e Rio de Segundo Santos e Ramos (2016), os vereadores da CMC que tenta-
Janeiro, a CMSA evidencia um alto índice de vereadores em primei- ram a reeleição tiveram a produção legislativa e o HGPE (horário
ro mandato, configurando um padrão de descontinuidade no nível gratuito de propaganda eleitoral) como variáveis importantes para
municipal (Messias, 2019). responder ao sucesso eleitoral entre as eleições de 2008 e 2012. Os
Estudos anteriores trazem um panorama dos preditores de su- requerimentos, em especial, auxiliam na manutenção do eleitorado
cesso eleitoral na análise de políticos profissionais. Ao analisar os e na oportunidade de adquirir novos eleitores, pois proporcionam
determinantes das escolhas de carreiras de deputados paulistas no visibilidade à atuação legislativa individual; enquanto o HGPE,
Congresso, Mancuso et al. (2013) evidenciam que a atuação parla- mesmo que demasiadamente curto, favorece os candidatos que ten-
mentar influencia nas carreiras dos legisladores. O estudo de Leoni tam a reeleição.
et al. (2003) indica que variáveis como idade, pertencimento à co- Nota-se, nesse sentido, que o volume de produção legislativa
alizão governista e orçamento possuem capacidade de influenciar (em especial, requerimentos e indicações) é uma variável relativa-
a decisão de deputados federais em concorrer ou não a determina- mente fraca para explicar o sucesso eleitoral, embora seja relevante
dos cargos. Analisando os determinantes de sucesso de prefeitos, sobre a representação política do parlamentar perante o eleitorado.
Codato et al. (2013) apontam para a prevalência de sucesso dos Sendo pouco representativa no sucesso eleitoral e interferindo nega-
políticos profissionais, que já possuem carreira política e, por vezes, tivamente nos candidatos derrotados, a conexão eleitoral (Mayhew,
estão na disputa da reeleição. 1974) pela produção legislativa é comprometida com a dificuldade
em obter credit claiming pelos proveitos alcançados pelo requeri-
1.2 Produção legislativa mento (Santos & Ramos, 2016).
Dentre as atribuições que possuem, a produção legislativa con- 1.3 Comunicação online
siste no foco da atividade parlamentar (Amorim & Santos, 2003).
Dado o sistema eleitoral caracterizado pela competição intraparti- No atual cenário da mídia, os indivíduos não são mais consu-
dária e a lista aberta, ao buscar a reeleição o comportamento po- midores passivos de notícias políticas, mas desempenham cada vez
lítico na arena legislativa torna-se constantemente orientado pela mais papeis importantes na produção e circulação de conteúdo polí-
e para a arena eleitoral. Por outro lado, ainda que haja incentivos tico por meio das mídias sociais. Principalmente, com o surgimento
para a personalização e atuação legislativa individual, a magnitude das “mídias propagáveis” (Jenkins, Ford & Green, 2013), pessoas
distrital é um elemento determinante do comportamento legislativo que eram apenas “o público”, agora exercem influência sobre as no-
(Ricci, 2003). tícias e opiniões que são vistas por suas redes sociais.
258 Sobrevivência política em tempos de pandemia: a produção legislativa Breno Pacheco Leandro, Nilton Garcia Sainz, Patrícia Sene de 259
e a interação no Twitter dos(as) vereadores(as) de Curitiba nas eleições Almeida, Rangel Ramiro Ramos & Renan Arnon de Souza
municipais de 2020
Tal prática fornece voz e permite certo nível de participação po- postagens no Twitter ; iii) Coleta de dados relativos ao carreirismo
lítica popular. Mas, ao mesmo tempo, traz consequências sérias para político (Pereira, 2020) e, por fim, iv) Coleta de dados de produção
a dinâmica democrática, como a desinformação generalizada, por legislativa (Repositório da CMC).
exemplo. Afinal, não é incomum ver redes online de políticos profis- Após a junção de todas as coletas em suas origens, o banco de
sionais disseminando informações altamente partidárias e ideológi- dados final possui 18 variáveis , sendo oito provenientes das bases
cas com fins eleitoreiros. Falas, discursos e narrativas reverberadas de dados do TSE: Nome de urna do candidato; Partido; Gênero;
pelos atores políticos sem a menor preocupação com a veracidade Instrução; Raça; Votação; percentual da votação na eleição de 2016;
dos fatos. e Resultado. Duas provenientes da coleta do Twitter: Quantidade de
Em termos eleitorais, estudos anteriores demonstraram que postagens e quantidade de seguidores. Seis provenientes do banco
a rede social pode ser um preditor válido em competições eleito- de dados de carreirismo político: Idade em 2020; Idade ao entrar na
rais. Esse é o caso da investigação desenvolvida por Tumasjan et al. CMC; Quantidade de Legislaturas; Tempo na CMC; Anos de carrei-
(2010) sobre as eleições federais na Alemanha, apontando para as ra; e Número de cargos. Duas provenientes da produção legislativa:
semelhanças nos resultados constados nas urnas com aqueles de- Proposições coletivas e proposições individuais.
marcados pelo número de tweets e menções de partidos políticos. Diante disso, na Tabela 1 apresentamos o desenho da pesqui-
Não substituindo as pesquisas tradicionais de intenção de voto pelas sa, considerando a variável dependente e as variáveis independen-
análises de redes sociais, Tumasjan et al. (2012) argumentam que a tes que produziram o modelo, que está explicado em detalhes na
rede social é um indicador válido de opinião pública. sequência.
No Brasil, Braga (2013) trouxe evidências de que as redes sociais
não são um bom preditor em competições eleitorais. O autor mostra Tabela 1. Desenho da pesquisa ajustado no modelo de Regressão Logística
que é baixo o poder explicativo do uso das redes e o desfecho por Função no Mensuração Nome da Dimensão de análise Tipo de
sucesso ou fracasso eleitoral, isso devido às semelhanças da utili- modelo variável variável
zação das redes pelo(a)s candidato(a)s analisado(a)s (Braga, 2013). VD Sucesso Resultado Política eleitoral Dicotômica
De todo modo, Braga (2013) não descarta por inteiro o efeito das eleitoral
redes na competitividade da classe política, onde aqueles mais ativos VI Número de Postagens Comunicação online Contínua
e responsivos nas redes sociais online se mostram mais fortes na Tweets
competição eleitoral. VI Número de Seguidores Comunicação online Contínua
seguidores
2. Metodologia VI Idade Idade_2020 Carreira política Discreta
VI Ingresso na Idade_Inicial Carreira política Discreta
O banco de dados utilizado foi criado em 4 etapas distintas: i) política
Coleta de dados eleitorais contidos nas bases do Tribunal Superior VI Proposições Prop_ Produção legislativa Contínua
Eleitoral (TSE); ii) Coleta de dados de seguidores e da quantidade de individuais Individual
Fonte: elaboração própria (2021)
260 Sobrevivência política em tempos de pandemia: a produção legislativa Breno Pacheco Leandro, Nilton Garcia Sainz, Patrícia Sene de 261
e a interação no Twitter dos(as) vereadores(as) de Curitiba nas eleições Almeida, Rangel Ramiro Ramos & Renan Arnon de Souza
municipais de 2020
Os dados foram analisados através de uma Análise de Regressão seleção via AIC ainda foi complementado pela análise do p-valor
Logística, uma vez que este é o método mais adequado ao se traba- dos parâmetros para cada uma das variáveis.
lhar com variáveis dependentes categóricas dicotômicas, como no
caso da utilizada neste trabalho: A reeleição dos vereadores curiti- 3. Resultados e discussão
banos incumbentes em 2020. Hosmer e Lemeshow (1989) afirmam
que a Regressão Logística, em sua forma mais usual, é um modelo Para a análise inicial dos resultados desta pesquisa, foi selecio-
que relaciona um conjunto de p variáveis independentes (X1, X2, ..., nado o modelo contendo o conjunto das variáveis independentes
Xp) a uma variável dependente Y que assume apenas dois possíveis que melhor explicam a variável dependente. O primeiro passo para
resultados: 0 ou 1, que também podem ser entendidos como fra- a seleção foi criar o modelo aditivo com todas as variáveis e, a partir
casso e sucesso ou no caso desta pesquisa, não reeleição e reeleição. deste ponto, aplicar o método de seleção stepwise, buscando o me-
Outra facilidade da Regressão Logística é que ela permite a estima- nor AIC possível. Após a seleção via AIC, combinou-se com a sele-
ção direta da probabilidade de ocorrência de um evento (Y=1), atra- ção de variáveis via análise do p-valor do estimador dos parâmetros
vés do modelo logístico que pode ser descrito como: na ANOVA. O modelo final escolhido foi:
Figura 1. Probabilidade de reeleição predita pelo Modelo x Resultado da eleição Figura 2. Desfecho nas urnas versus número de tweets durante a campanha
de 2020
Fonte: elaboração própria (2021) Conforme o demonstrado na figura 2, os reeleitos para CMC
apresentaram maior atividade na rede social Twitter. A probabi-
A parte mais importante em uma Análise Logística é a análi- lidade de sucesso eleitoral foi 9,73 para aqueles que utilizaram da
se das Odds Ratio, onde encontra-se o quanto a alteração de valor ferramenta de comunicação. Como é possível observar, os reeleitos
em uma variável, controlando as demais, aumenta ou diminui as tiveram uma mediana aproximada a 10 tweets durante a campanha,
chances de sucesso ou fracasso. Para todas as variáveis foi calculado enquanto aqueles que fracassaram não fizeram uso dessa rede social
a Odds Ratio que representa o acréscimo de 10 unidades em cada (mediana = 0). O segundo preditor relacionado a comunicação se
uma. Os resultados estão apresentados abaixo. deu na forma dos seguidores no Twitter. O resultado da razão de
chance (Odds Ratio = 0,986) apontou para uma diminuição da pro-
3.1 Variáveis de comunicação online babilidade de eleição conforme aumenta o número de seguidores
do candidato.
Iniciando a descrição dos resultados pela dimensão da comu- Os resultados apresentados por essa dimensão, mesmo que
nicação online, a primeira variável preditora de resultado eleitoral significativos para predição do desfecho eleitoral, nos parece ir ao
para a coorte analisada está relacionada ao número de tweets do encontro daquilo argumentado por Braga (2013) sobre o uso das
candidato durante a campanha. Na figura 2, apresentamos o gráfico mídias sociais. Ao passo que observamos uma probabilidade maior
boxplot com esses resultados. de sucesso eleitoral pelos candidatos ativos no Twitter, notamos que
a popularidade medida pelos seguidores não esteve atrelada ao mes-
mo desfecho, o que torna impreciso assumir que as redes sociais
264 Sobrevivência política em tempos de pandemia: a produção legislativa Breno Pacheco Leandro, Nilton Garcia Sainz, Patrícia Sene de 265
e a interação no Twitter dos(as) vereadores(as) de Curitiba nas eleições Almeida, Rangel Ramiro Ramos & Renan Arnon de Souza
municipais de 2020
foram um termômetro seguro nas eleições municipais de 2020 em Esses dados revelam algo semelhante àquilo demonstrado por
Curitiba. Maluf (2006) sobre a CMSP. Assim como no caso citado, os reeleitos
para CMC apresentaram uma média acima dos 54 anos de idade,
3.2 Variáveis de carreira política sendo essa uma característica importante em termos de represen-
tação social. Observando a significância dessas duas variáveis de
A segunda dimensão a ser analisada trata das variáveis de car- carreira, na figura 4 trouxemos um boxplot com os resultados dos
reira e seus efeitos na predição de sucesso eleitoral para os verea- anos de política entre os reeleitos e fracassados em 2020.
dores de Curitiba em 2020. Na figura 3, exibimos o boxplot com os
resultados do efeito da idade em relação ao desempenho eleitoral. Figura 4. Desfecho nas urnas versus anos de carreira política
Conforme é possível perceber na figura acima, a idade revela ser A explicação para a relevância da idade no modelo de predição
um fator impactante no resultado eleitoral em Curitiba. A probabi- está aplicada à associação com os anos de carreira política dos ana-
lidade de um vereador mais velho ser eleito é elevada (Odds Ratio lisados. Ao observar esses resultados, identificamos que a media-
= 94.727). Os reeleitos possuem uma mediana de aproximadamen- na dos anos de carreira daqueles que foram reeleitos é de 15 anos,
te 57 anos, enquanto a daqueles que fracassaram está em 47 anos. enquanto dos vereadores derrotados é de 8 anos. De certa forma,
Outro dado acerca do carreirismo se dá através do ingresso destes isto está elucidando que o processo de profissionalização política
atores na política. O cálculo de razão de chance demonstrou que dos atores analisados está se revertendo em sucesso eleitoral na
aqueles que iniciaram suas carreiras mais novos apresentaram 5% CMC, o que também serve para caracterizar um possível proces-
de chance de reeleição em relação àqueles mais tardios na atividade so de envelhecimento da instituição (Maluf, 2006). Esse resultado
política. vai ao encontro do que está registrado na literatura sobre políticos
266 Sobrevivência política em tempos de pandemia: a produção legislativa Breno Pacheco Leandro, Nilton Garcia Sainz, Patrícia Sene de 267
e a interação no Twitter dos(as) vereadores(as) de Curitiba nas eleições Almeida, Rangel Ramiro Ramos & Renan Arnon de Souza
municipais de 2020
profissionais em nível municipal, onde os anos de carreira política e de produção não garante sucesso eleitoral, pois a produção legisla-
profissionalismo, geram maiores chances de reeleição e continuida- tiva individualizada pode fazer com que a visibilidade do candida-
de (Codato et al., 2013). to(a) se limite perante o eleitorado.
E, nesse sentido, o resultado do cálculo estatístico retornou com
3.3 Variáveis de produção legislativa uma diminuição na chance de reeleição conforme aumentava o nú-
mero de proposições individuais na CMC, resultando em uma Odds
Analisando a dimensão da produção legislativa na CMC, na Ratio de 0,99. Esses dados corroboram com Santos e Ramos (2016)
Tabela 2, temos que as proposições individuais correspondem a ao afirmarem que a produção legislativa, em especial de requeri-
97% das proposições totais da Câmara Municipal de Curitiba, o que mentos, “não é um recurso que ajuda consideravelmente o candi-
aponta para uma forte atuação individualizada de parlamentares – dato na tentativa de eleição, não obstante, o vereador que mais se
ao encontro da discussão sobre conexão eleitoral. Outro fator que utilizou desta prática, não conseguiu se reeleger, e o que menos a fez,
vale destaque é o volume de produção de proposições totais: apro- obteve sucesso” (p. 172).
ximadamente 1700 por mês. Ao todo das proposições individuais,
10946 de iniciativa dos 13 vereadores que tentaram reeleição, não Considerações finais
atingiram o sucesso eleitoral (54%).
A disputa eleitoral de 2020 realizada em meio à crise sanitária
Tabela 2. Percentual de proposições legislativas individuais de vereadores(as) da da Covid-19, desde já pode ser considerada um marco na reconfi-
Câmara Municipal de Curitiba, Paraná, para o ano de 2020 guração das formas de atuação política no Brasil, isso pois os can-
Tipo de proposição Total Percentual didatos a prefeito e vereador precisaram adaptar suas estratégias de
Totais 20.562 campanha, atuação legislativa e posicionamento ao presidente Jair
Individuais 20.060 97,56% Bolsonaro em seus discursos. Para além do agendamento de discus-
Coletivas 282 1,37% sões referentes à saúde pública nas instituições políticas, a pandemia
Fonte: elaboração própria com base no Sistema de Proposições Legislativas da esteve presente durante as eleições como um objeto importante de
Câmara Municipal de Curitiba, Paraná políticas econômicas e de desenvolvimento, marcando o posiciona-
mento dos candidatos.
Vereadores(as) possuem pouco espaço para a atuação legislativa O objetivo principal do artigo foi responder o questionamento
perante a Câmara, sendo as proposições individuais (especialmen- de como variáveis de carreira política, atuação no legislativo e co-
te requerimentos e indicações) as espécies menos burocratizadas e municação em rede social aumentaram ou diminuíram as chances
de maior proximidade ao eleitorado, esses parlamentares tendem a eleitorais dos vereadores de Curitiba em 2020. Ao separar o grupo
priorizá-las (Filho et.al, 2014; Facundo, 2015). Todavia, no que diz de variáveis em três grupos, concluímos que do grupo total de va-
respeito à reeleição, a atuação individual nem sempre gera retorno riáveis analisadas, 5 foram as que se apresentaram significativas na
individualizado assegurando os votos necessários. Isto é, o volume explicação de se o incumbente foi ou não reeleito: concluiu-se que
268 Sobrevivência política em tempos de pandemia: a produção legislativa Breno Pacheco Leandro, Nilton Garcia Sainz, Patrícia Sene de 269
e a interação no Twitter dos(as) vereadores(as) de Curitiba nas eleições Almeida, Rangel Ramiro Ramos & Renan Arnon de Souza
municipais de 2020
a produção legislativa, possui uma influência negativa na probabili- Anexo A - Descrição das variáveis
dade de ser reeleito.
Em termos da razão de chances, a cada 10 proposições indivi- Origem Variável Tipo Descrição
duais a mais, um parlamentar possui 98,6% das chances que possuía TSE (2020) Candidato Caract Nome de urna utilizado pelo
anteriormente. Quanto à profissionalização política, as variáveis candidato.
sobre a idade do incumbente ao adentrar a CMC e sua idade em Partido Categórica Partido do candidato em 2020.
2020 apontam que o maximizador das chances de reeleição consis- Gênero Categórica Gênero do candidato.
te em adentrar a CMC o mais jovem possível e, em 2020, ser mais
Instrução Categórica Grau de instrução do candidato
velho, assim sendo a profissionalização no legislativo municipal. em 2020.
Por fim, no grupo das variáveis da comunicação política digital,
Raça Categórica Raça (autodeclarada) do
encontrou-se que não é a quantidade de seguidores que aumenta a candidato.
probabilidade do incumbente ser reeleito, mas sim a quantidade de Resultado Categórica 1, caso reeleito (a); 0, caso
publicações. Sobre a quantidade de postagens, encontrou-se que a (Variável dicotômica perdedor(a).
cada 10 postagens a mais, um incumbente aumentou em quase 10 dependente)
vezes as suas chances de reeleição. TSE (2016) Votacao_16 Numérica Quantidade de votos totais em
2016 dos incumbentes.
Percentual_16 Numérica Percentual de votos válidos
alcançado em 2016 pelos
incumbentes.
Twitter Postagens Numérica Quantidade de postagens feitas
pelo candidato no Twitter durante
o período eleitoral de 2020.
Seguidores Numérica Quantidade de seguidores do
candidato no Twitter.
270 Sobrevivência política em tempos de pandemia: a produção legislativa Breno Pacheco Leandro, Nilton Garcia Sainz, Patrícia Sene de 271
e a interação no Twitter dos(as) vereadores(as) de Curitiba nas eleições Almeida, Rangel Ramiro Ramos & Renan Arnon de Souza
municipais de 2020
Di Martino, M. (2009) A política como profissão: análise da Jenkins, H., Ford, S. & Green, J. (2013) Spreadable media: Creating
circulação parlamentar na Câmara dos Deputados (1946-2007). value and meaning in a networked culture. New York, NY: New
Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. Programa de Pós- York University Press.
Graduação em Ciência Política. Disponível em: http://www.teses.
usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-02122009-091931/pt-br.php Leoni, E., Pereira, C. & Rennó, L. (2003) Estratégias para sobreviver
politicamente: escolhas de carreira na Câmara dos Deputados do
Facundo, L. D. T. (2018) Conexão eleitoral e atuação parlamentar Brasil. Opinião Pública, IX(1), 44–67.
dos vereadores de Fortaleza. 2015. Tese de Doutorado. Universidade
Federal do Ceará. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Lewandowsky, S., Ecker, U. K. H. & Cook, J. (2017) Beyond
Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/ misinformation: Understanding and coping with the “post-truth”
riufc/12657/1/2015_dis_ldtfacundo.pdf. Acesso em: 11 de junho de era. Journal of Applied Research in Memory and Cognition, 6(4),
2018. 353–369. doi:10.1016/j.jarmac.2017.07.008
Filho, P. M. D., Lima, P. C. G. C. & Jorge, V. L. (2014) Indicação Lewandowsky, S., Ecker, U. K. H., Seifert, C. M., Schwarz, N., &
e Intermediação de Interesses: uma análise da conexão eleitoral na Cook, J. (2012) Misinformation and its correction: Continued
cidade do Rio de Janeiro, 2001-2004. Revista de Sociologia e Política, influence and successful debiasing. Psychological Science in the
22(49), p. 39-60. Public Interest, 13(3), 106–131. doi:10.1177/1529100612451018
Grill, I. G. (2008) Processos, condicionantes e bases sociais da Mancuso, W., Uehara, C., Sbegue, A. & Sampaio, C. (2013)
especialização política no Rio Grande do Sul e no Maranhão: Rio Determinantes dos padrões de carreiras políticos dos deputados
Grande do Sul et Maranhão. Revista de Sociologia e Política, 16(30), paulistas entre as legislaturas 49a (1991-1995) a 53a (2007-2011).
65–87. https://doi.org/10.1590/s0104-44782008000100006 Opinião Pública, 19(2), pp. 430-448.
Hibbing, J. R. (1999) Legislative Careers: Why and How We Should Maluf, R. T. (2006) A carreira política na Câmara Municipal de São
Study Them. Legislative Studies Quarterly, 24(2), 149. https://doi. Paulo (CMSP). (1946-2007). Tese de Doutorado. Universidade de
org/10.2307/440308 São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. 180
p. http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-28052007-
Hocking, R. R. (1976) The Analysis and Selection of Variables in 150534/pt-br.php
Linear Regression. Regression. Biometrics, 32(1), 1-49.
Messias, G. G. de M. (2019) Career and political ambitions of
Hosmer, D. W. & Lemeshow, S. (1989) Applied Logistic Regression. salvador councils (1997-2012). Revista de Sociologia e Politica,
New York: John Wiley & Sons. 27(72), 1–25. https://doi.org/10.1590/1678-987319277204
274 Sobrevivência política em tempos de pandemia: a produção legislativa Breno Pacheco Leandro, Nilton Garcia Sainz, Patrícia Sene de 275
e a interação no Twitter dos(as) vereadores(as) de Curitiba nas eleições Almeida, Rangel Ramiro Ramos & Renan Arnon de Souza
municipais de 2020
Roberta Picussa
Contexto
As eleições de 2018 no Brasil foram marcadas pela derrota de muitos
candidatos com sólida carreira política e pelo sucesso dos outsiders.
Os novatos conquistaram cargos de governador em importantes
estados, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina, e
fizeram votações recordes para o Congresso Nacional e Assembleias
Legislativas. No cenário internacional, a eleição de presidentes
outsiders na América Latina já havia ocorrido nos anos 1990 e 2000,
mas a vitória de Donald Trump nos EUA em 2016 demonstrou
que o fenômeno dos outsiders pode ocorrer até em democracias
consolidadas. Diante desses casos, como a Ciência Política explica
sobre o fenômeno dos outsiders na política?
Objetivos
Essa pesquisa tem como objetivo fazer uma revisão de escopo da
literatura sobre o tema de outsiders na política a fim de reunir os
principais achados das pesquisas sobre o tema.
Métodos
investigar os outsiders em uma agenda independente dos atores tor, outsiders devem ser classificados exclusivamente pela sua loca-
anti-establishment e populistas. lização em relação ao sistema partidário, assim, um outsider é um
O fenômeno dos outsiders na política não vem sozinho, muitos, ator que ganha proeminência em associação a partidos novos ou
se não todos, desses líderes e partidos outsiders que tiveram sucesso marginais, independentemente do apelo que esse ator utiliza para
em eleições são caracterizados pelo tipo de discurso que propagam, cativar seu eleitorado. Já os atores anti-establishment são aqueles
e não pela localização que ocupam em relação ao sistema partidário que utilizam como apelo a ideia de que a classe política não repre-
(Barr, 2009). Isso significa que os estudos tendem a dar mais ênfase senta os interesses das pessoas comuns, e reforçam a dicotomia en-
para a questão de que esses atores têm um discurso de crítica à clas- tre povo e elite, governantes e governados. Entretanto, esse discurso
se política, e por isso são classificados como anti-establishment e/ pode ser utilizado tanto por quem faz parte do establishment quan-
ou populistas, sendo que essas questões ganham mais proeminência to por quem não faz, mas em geral é usado por esses últimos, pois
do que a análise exclusiva sobre se esses atores são novatos ou não pela sua posição no sistema, têm mais legitimidade para criticar o
dentro da dinâmica política (Carreras, 2012). establishment.
A literatura sobre políticos outsiders está em sua grande maioria Os populistas, por sua vez, são atores outsiders ou rebeldes
escrita na língua inglesa ou espanhola. São pouquíssimos os traba- (atores de dentro do sistema que se rebelam contra ele e concor-
lhos que tratam sobre esse tema em âmbito nacional, ou que este- rem a eleição por um partido recém fundado ou marginal), e que
jam escritos ou traduzidos para o português. Os poucos trabalhos buscam ganhar ou manter poder usando apelos anti-establishment
existentes (Paiva & Alves, 2020; Oliveira, et al., 2019; Vinha, 2018; e vínculos plebiscitários, isto é, estabelecem vínculos diretos com o
Santos, 1997) analisam casos empíricos de alguns atores outsiders eleitorado, minando as instâncias intermediárias, como os partidos
na política brasileira, mas sem oferecer uma discussão teórica ro- e o parlamento. Esse tipo de vínculo oferece oportunidades pontuais
busta sobre o termo e o significado de sua ocorrência para o sistema e episódicas dos cidadãos participarem do processo decisório, como
político. plebiscitos, e servem para fornecer apoio político passivo para o lí-
O objetivo da pesquisa é averiguar o que os cientistas políticos já der para confirmar a legitimidade popular de sua autoridade.
cobriram sobre o fenômeno dos outsiders por meio de uma revisão O presente trabalho se trata de uma revisão de escopo com o
bibliográfica de escopo, a fim de desvendar como o fenômeno é tra- objetivo de mapear os trabalhos já publicados sobre políticos out-
tado conceitualmente e empiricamente, e se os trabalhos revisados siders. Para tanto, foram feitas pesquisas sobre “políticos outsiders”
investigam o fenômeno de forma independente, ou se a sua análise na base Scopus Elsevier e na Web of Science. Os dados tratam-se,
sempre vem associada, ou assessória, a uma agenda sobre atores an- portanto, dos próprios artigos encontrados na pesquisa, e das infor-
ti-establishment e/ou populistas mações contidas neles.
Foi Barr (2009) quem propôs novas ferramentas analíticas que O artigo está dividido em quatro seções. Após esta introdução, a
possibilitariam a distinção desses três fenômenos que caminham próxima se trata da metodologia e dos dados utilizados no trabalho,
juntos, mas que não devem ser tratados como sinônimos: atores em que a técnica da revisão e suas etapas são explicadas de forma
outsiders, atores anti-establishment e atores populistas. Para o au- mais detalhada, considerando que esta técnica de revisão não é am-
282 O que sabemos sobre os outsiders na política? Uma revisão de escopo Roberta Picussa 283
plamente utilizada em trabalhos de Ciência Política. Em seguida ( ( TITLE-ABS-KEY ( politic* AND outsiders AND *establish* )
são apresentados os resultados da pesquisa, oportunidade em que AND NOT TITLE-ABS-KEY ( *migrant* OR refugees OR labor OR
os dados são sintetizados em quadros, permitindo a clara visualiza- market) ) ) AND ( SUBJMAIN ( 3312 ) OR SUBJMAIN ( 3320 ) ).
ção de como o termo outsiders é pouco utilizado conceitualmente, e
bastante utilizado empiricamente. Por fim, a conclusão aponta para Na base Web of Science a string utilizada foi:
uma subvalorização do conceito de outsiders pelos pesquisadores e
propõe possibilidades de pesquisas futuras. TÓPICO: ((politic* AND outsiders AND *establish*)
NOT(*migrant* OR refugee OR market OR labor))
1. Metodologia
Os resultados da string foram refinados em seguida por: cate-
O presente trabalho se trata de uma revisão de escopo sobre po- gorias do Web of Science: Political Science ou International Relations
líticos outsiders. Tal tipo de revisão bibliográfica foi escolhida, pois, ou Sociology ou Social Sciences Interdisciplinary, e por tipos de do-
de acordo com Arksey e O’Malley (2005), dentre os vários tipos de cumento: article ou proceedings paper. Indices: sci-expanded, SSCI,
revisões bibliográficas em voga (literária, sistemática, meta-análise A&HCI, CPCI-S, CPCI-SSH, ESCI.
etc.), as revisões de escopo são adequadas para: examinar a exten- Na base Scopus a string escolhida obteve 75 resultados, e na base
são, o alcance e a natureza da atividade de pesquisa; determinar se Web of Science, 56 resultados. Desses 131 artigos, restaram muitos
existe material para empregar uma revisão sistemática; resumir e que se referiam a outros temas que não a de novos atores adentrando
disseminar achados de pesquisa; e identificar lacunas na literatura ao sistema político. A seleção manual dos 22 textos foi feita somen-
existente. Para realizar a referida revisão, é preciso descrever as eta- te pela autora do trabalho, a partir da leitura dos resumos dos 131
pas de pesquisa detalhadamente, a fim de que ela possa ser passível resultados. O método de seleção principal foi a simples exclusão
de reprodução. Assim, foram feitas pesquisas sobre “políticos outsi- daqueles artigos que não se relacionavam ao tema de atores outsi-
ders” na base Scopus Elsevier e na Web of Science, entre os dias 3 e ders na política, mas que ainda assim foram filtrados pelas strings.
7 de maio de 2021, e buscou-se somente artigos ou papers sobre o
tema.
Para a busca nas bases foi utilizado o termo “outsiders”, adi-
cionalmente, o termo “politics” e suas variações, e ainda, o termo
“establishment” e suas variações. Após alguns testes, verificou-se a
necessidade de adicionar à string alguns termos que estavam envie-
sando a busca, com a finalidade de excluí-los dos resultados, como
os termo “immigrants” e “refugees”.
Assim a string utilizada na base Scopus foi:
284 O que sabemos sobre os outsiders na política? Uma revisão de escopo Roberta Picussa 285
Quadro 1. Critério para a seleção dos textos e como se chegou ao resultado dos textos que efetivamente seriam
Critério Inclusão Exclusão analisados no trabalho.
Temático Textos que investigavam Textos que discutem: relação entre
contextos políticos em que países emergentes (outsiders) e Figura 1.
líderes ou partidos outsiders países ricos (insiders) no contexto
ascendiam ao poder ou de grupos como o G20 e o BRICS;
ganhavam notoriedade;
Relação (conflituosa ou não)
Textos que investigavam dentro de um território específico
aspectos diversos de líderes (comunidade, cidade ou clube)
considerados outsiders: sua entre os nativos e os forasteiros;
eleição, seu discurso, seu
governo etc. Comparação de mudanças
nas políticas econômicas e
internacionais de alguns países
“fora” e “dentro” da periferia da
União Européia;
2. Resultados e discussão
abordam os políticos outsiders.
2 Entre os 23 artigos selecionados para a análise, um deles não foi analisado, o texto de Zhuravleva (2020) estava
287
"rebeldes".
Quadro 3. Definições do conceito de outsiders na política
síntese
Carreras, 2013 O ator que não possui experiência política e que busca poder
método
estudo
1980-2010
da América
estudados)
Latina
Itália
Petrarca et al., Partidos que não recebem votos suficientes para participar
2020 do governo, ou que não são considerados capazes de formar
uma coalizão.
Tronconi,
Carreras,
2018
2012
terizá-los conceitualmente como outsiders.
ses atores, já que, como sabemos, não foi feito um esforço de carac-
dente ou em associação a novos partidos. Esses últimos são os atores
vio que outsiders são atores que estão fora da política, as definições
Referência Atores apontados como outsiders Como foram caracterizados pelos autores
Ceron et al., Luigi Di Maio (Cinque Stelle - M5S, Não os caracteriza como outsiders, mas como líderes políticos
2021 Itália), Pablo Iglesias (Podemos, populistas e anti-establishment
Espanha), Matteo Salvini (Lega Nord,
Itália), and Heinz-Christian Strache
(Freedom Party of Austria - FPö, Áustria)
Fella & Lega Nord, Forza italia, PDL (Popolo Diversos movimentos políticos que se tornaram novos partidos
Ruzza, 2013 della Libertà), FLI (Futuro e Libertà per e obtiveram sucesso nas eleições nacionais e locais da Itália.
l'Italia), M5S (Cinque Stelle -Five Stars Todos populistas e anti-establishment, embora tenham conteúdos
movement) ideológicos diferentes.
Aspinall, Prabowo Subianto Um candidato à eleição presidencial, general militar com fortes
2015 ligações com a elite política e econômica do país, com forte apelo
populista, sem experiência eleitoral, e que fundou seu próprio
partido para concorrer, o Partai Gerindra (Great Indonesia
Moviment party).
Tronconi, Movimento Cinque Stelle Um movimento político anti-establishment, organizado na internet
2018 através de um blog e de fóruns online, que em menos de 10 anos
cresceu a ponto de eleger candidatos em nível municipal, nacional
e europeu. Mesmo tendo mais de 100 membros no parlamento
italiano, e comandar diversas prefeituras, o movimento não se
reconhece como partido, e seus representantes são obrigados a
continuar agindo como atores anti-establishment.
Carreras, 32 candidatos à Presidência na América Candidatos à presidência sem experiência política concorrendo por
2012 Latina considerados "full outsiders" um partido não-tradicional.
Roberta Picussa
Os autores estudados nos oferecem muitos exemplos de atores A partir do resultado apresentado, podemos responder às
políticos que são tratados empiricamente como outsiders, tanto lí- Questões 3 e 4 da pesquisa: percebemos que os textos analisados
deres como partidos. É possível perceber que na maioria dos casos não apresentam o tema de políticos outsiders como o principal, já
não há uma preocupação em embasar a caracterização de outsider que apenas 18% deles o fazem. E que aparentemente esse fenômeno
dos atores. Em geral, os textos simplesmente colocam essa carac- é tratado em conjunto a outros temas, principalmente à ascensão de
terística nos líderes e partidos políticos, mas se detêm a descrever líderes e partidos anti-establishment e/ou populistas (mais de 40%
outros aspectos de sua figura, principalmente a retórica utilizada dos casos) e, também, a associação desses líderes à movimentos so-
por eles (anti-establishment) e, também, a habilidade desses atores ciais, cívicos ou políticos, chegando a 50% dos casos.
de organizar novos movimentos e partidos políticos que se contra- Outro resultado interessante que confirma os resultados do
põem aos partidos tradicionais, e que têm sucesso nas eleições. Quadro 4, é que apenas 32% deles apresentou uma definição do
A seguir apresentamos os resultados da tabulação das fichas de termo outsider. Em vez disso, os estudos tendem a descrever em-
leituras utilizadas para guiar as leituras dos textos. A partir delas foi piricamente os atores políticos considerados outsiders (e em geral
possível complementar as respostas das questões 1 e 2, e responder também são caracterizados como populistas e anti-establishment),
as demais: já que 55% dos artigos têm como tema um líder político específico.
O Quadro 5 também nos permite identificar que o tema dos
Quadro 5. Resultados obtidos utilizando a ficha de leitura: outsiders está mais relacionado às eleições majoritárias (64% dos
Perguntas da ficha de leitura Sim casos). É interessante perceber que o número de políticos outsiders
1) O tema principal do artigo é políticos outsiders? 18 % adentrando aos parlamentos é pouco estudado pelos cientistas po-
2) Oferece alguma definição do termo outsiders? 32 % líticos, já que apenas 23% dos artigos focaram nesse tipo de elei-
3) O tema principal do artigo é um líder político? 55 %
ção. Essa é uma lacuna da literatura sobre o tema, pois, como foi
visto, a maioria dos líderes outsiders chegam ao poder impulsio-
4) O tema principal do artigo são políticos ou partidos populistas? 45 %
nados por movimentos políticos que se tornam novos partidos, e
5) O tema principal do artigo são políticos ou partidos anti-establishment? 41 %
esses partidos provavelmente trazem consigo novos quadros para
6) O texto é um estudo de caso? 55 % as casas parlamentares e para outras instâncias governamentais. Um
7) O texto aborda falta de confiança nas instituições políticas? 18 % exemplo desse tipo de enfoque é o artigo de Carreras (2013), que
8) O artigo aborda causas/consequências da crise de legitimidade de partidos? 41 % demonstrou como o presidente Alberto Fujimori formou um gabi-
9) O texto aborda crise de representação política? 36 % nete presidencial incomum, com vários ministros recrutados fora
10) O texto aborda movimentos sociais, cívicos ou políticos? 50 % do âmbito político.
11) O texto foca em eleições legislativas? 23 % Mais um ponto de destaque é que os casos estudados relacio-
naram mais vezes o fenômeno da ascensão de atores outsiders com
12) O texto foca em eleições majoritárias (cargos executivos)? 64 %
crises econômicas (50% dos casos), do que com crise de confiança
13) O texto aborda crises econômicas? 50 %
14) O artigo apresenta testes estatísticos? 23 %
Fonte: elaboração própria (2021)
304 O que sabemos sobre os outsiders na política? Uma revisão de escopo Roberta Picussa 305
nas instituições (20% dos casos), e crises de legitimidade dos parti- a atenção dos pesquisadores quando ganham eleições majoritárias
dos e de representação política (menos de 41% dos casos). (presidenciais), ou quando conseguem conquistar um número sig-
nificativo de cadeiras em eleições legislativas, desbancando partidos
Considerações finais tradicionais.
Considerando os achados dessa pesquisa, a revisão de escopo se
A presente pesquisa mostrou que não há uma definição consen- mostrou um método adequado para tratar do tema, já que foi pos-
sual de outsiders políticos. A definição de Barr (2009) talvez seja a sível identificar a disparidade do tratamento do tema pelos diversos
mais relevante, já que é usada também no artigo de Aspinall (2015), autores, bem como, algumas lacunas da literatura.
e como referência para a elaboração da tipologia de outsiders de Para futuras pesquisas é necessário considerar outros métodos
Carreras (2012). além dos apresentados aqui. Nas leituras dos artigos foi possível no-
Os resultados também sugerem que o conceito de outsider é tar que alguns autores citaram estudos que tratavam do tema outsi-
subvalorizado pela Ciência Política, considerando que, embora vá- ders e que não apareceram nas bases Scopus e Web of Science com
rios estudos tratem de atores de fora do sistema político que têm a a string utilizada. Como a proposta desse trabalho foi seguir um
habilidade de adentrar nessa esfera, os autores não se preocupam protocolo de buscas em bases de indexação, a estratégia de buscar
em oferecer uma definição adequada ao termo, apenas o utilizam outras referências nos artigos selecionados para a análise não foi
como se seu significado fosse dado, explícito ou amplamente conhe- adotada. Uma pesquisa do tipo bola de neve, em que se busca na
cido. Como vimos no quadro 3, o termo outsider é usado de manei- lista de referências dos artigos outros estudos que sejam de poten-
ra ad hoc, servindo para caracterizar o caso específico do qual trata cial interesse para a pesquisa, seria uma estratégia interessante para
o artigo. Esse uso flexível do termo torna difícil a tarefa de definir melhorar a cobertura da revisão de escopo sobre o tema.
e de estudar o fenômeno. Sem uma definição rígida e consensual,
como realizar análises comparadas sobre a ascensão de outsiders em
vários países? Não é por acaso que 55% dos artigos analisados se
tratava de estudos de caso.
Mais um achado de pesquisa é que poucos autores se preocu-
pam em tratar desse tema como uma agenda separada dos atores
anti-establishment e populista. Uma exceção seria Carreras (2012;
2013). Grande parte dos artigos (45%) centram suas análises na re-
tórica e na estratégia utilizada pelos atores políticos para ascender
ao poder, e nas condições políticas e econômicas que permitiram
essa ascensão. Atores outsiders surgem em meio a crises políticas e/
ou econômicas, e geralmente estão associados a movimentos polí-
ticos que posteriormente se tornam partidos. Os outsiders chamam
306 O que sabemos sobre os outsiders na política? Uma revisão de escopo Roberta Picussa 307
success. Politics and Governance, 8(4), pp. 545–555. https://doi. Zhuravleva, V. Y. (2020) Trump 2020: Protest president in polarized
org/10.17645/PAG.V8I4.3412 country. World Economy and International Relations, 64(10), pp.
17–28. https://doi.org/10.20542/0131-2227-2020-64-10-17-28
Petrarca, C. S., Giebler, H. & Weßels, B. (2020) Support for
insider parties: The role of political trust in a longitudinal-
comparative perspective. Party Politics. https://doi.
org/10.1177/1354068820976920 Sobre a autora
Schedler, A. (1996) Anti-political-establishment parties. Party Politics, Roberta Picussa é doutoranda em Ciência Política na
2(3), pp. 291–312. https://doi.org/10.1177/1354068896002003001 Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
br/4582521281734868
Silva, E. (2013) Social movements, policy, and conflict in post-
neoliberal Latin America: Bolivia in the time of evo morales. In:
Research in Political Sociology 21(s/n). https://doi.org/10.1108/
S0895-9935(2013)0000021005
Tronconi, F. (2018) The Italian Five Star Movement during the Crisis:
Towards Normalisation? South European Society and Politics, 23(1),
pp. 163–180. https://doi.org/10.1080/13608746.2018.1428889
Contexto
O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP)
classifica anualmente as 100 principais lideranças do legislativo
federal. Coletar e sistematizar informações do background social
e político desses parlamentares é importante para compreender
suas carreiras políticas. O objeto da pesquisa é a elaboração de um
banco de dados composto pelos deputados federais categorizados
pelo DIAP entre os anos de 1999 e 2020. Sua construção tornou-se
necessária para identificar se a profissionalização política é um fator
relevante na premiação dos “Cabeças do Congresso”.
Objetivos
O objetivo geral é apresentar o processo de construção do banco
de dados e seus impasses metodológicos. Os objetivos específicos
são: a) apresentar como o DIAP operacionaliza a premiação dos
“Cabeças do Congresso”; b) apontar as inconsistências presentes nas
publicações da série “Cabeças do Congresso”; e c) expor a relevância
das variáveis coletadas neste banco para a compreensão de carreiras
políticas e a profissionalização de seus atores.
CAPÍTULO 10
312 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 313
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
Métodos Introdução
O banco de dados em construção exigiu planejamento prévio para
a coleta de dados. Foi necessário definir as variáveis que seriam O estudo da elite parlamentar brasileira é fundamental para
operacionalizadas para mensurar profissionalização política e as identificar quem comanda o Congresso Nacional e compreender a
que analisaram as premiações do DIAP. As informações têm sido influência de indicadores diversos na construção e consolidação de
coletadas através da base de dados do Observatório de elites políticas
e sociais do Brasil, do portal da Câmara dos Deputados, dos sites do suas carreiras políticas. O Departamento Intersindical de Assessoria
Tribunal Superior Eleitoral e do DIAP. O planejamento é essencial Parlamentar (DIAP) foi criado em 1983 e é considerado referência
para prevenir os impasses metodológicos encontrados. no legislativo em termos de monitoramento da elite parlamentar.
Resultados e discussão Dentre suas atribuições, as que guiam seu trabalho são:
i) identificar, desde a eleição, quem são os parlamentares eleitos, de
Durante o desenvolvimento do banco foram identificadas onde vêm, quais são seus redutos eleitorais, quem os financia, para
inconsistências na série “Cabeças do Congresso”. Por vezes, a elaboração de um perfil político; ii) saber o que pensam sobre os
atribuição das categorias de destaque dos parlamentares divergia temas que serão objeto de debate e deliberação durante a legislatura;
dentro da mesma publicação. Além disso, a conceituação e o e, finalmente, iii) listar os operadores-chaves do processo legislativo1,
processo de classificação nas categorias de análise também limitam identificando os 100 parlamentares mais influentes do Congresso
Nacional (DIAP, 2020, p. 7).
a pesquisa por não estarem bem delimitadas e explicitadas no
documento.
Desde 1994, o DIAP publica anualmente a série “Os Cabeças do
Conclusão Congresso”. Além de fornecer informações aos movimentos sociais
A estrutura proposta permite conhecer as características e o organizados sobre os parlamentares mais influentes, a publicação
planejamento de um banco de dados. Este domínio concede boas também se tornou referência entre os próprios “parlamentares, au-
práticas na construção e coleta de informações aos cientistas toridades do Poder Executivo, dirigentes partidários, sindicais e em-
políticos, reduzindo divergências e potenciais problemas que presariais, estudiosos, formadores de opinião e demais interessados
possam comprometer o resultado da pesquisa.
no processo decisório no Poder Legislativo” (DIAP, 2020, p. 7).
Palavras-chave O relatório identifica e classifica as principais lideranças do
Banco de dados; desafios metodológicos; Cabeças do Congresso; Congresso Nacional, com base em critérios qualitativos e quantita-
deputados federais; desenhos de pesquisa. tivos de atributos posicionais, reputacionais e decisionais. Coletar e
1 “Processo legislativo, para efeito deste trabalho, é entendido como algo além
dos procedimentos formais de elaboração, apresentação e deliberação de leis no
âmbito do Poder Legislativo. Ele, neste particular, precede e extrapola essas fases
da tomada de decisão no rito de tramitação do Congresso Nacional para alcançar
a influência da sociedade, das organizações e dos demais poderes interessados na
formulação e conclusão das negociações que antecedem a institucionalização das
leis” (DIAP, 2020).
314 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 315
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
Allen e Cowley, em 2018, classificam políticos profissionais Quadro 1. Conceito de político de carreira
como aqueles que ao ingressarem na legislatura já faziam parte da Conceito Dimensões Indicadores (Medidas)
esfera política. Entretanto, Allen et al. (2020) também registram Político de Comprometimento - Duração (Anos de presença na Casa dos
que Borchert (2003) atribuiu esse conceito àqueles que fazem parte carreira Comuns);
de um subgrupo da classe política e se dedicam integralmente às -Intensidade (Horas semanais gastas em
suas atividades. O conceito de político de carreira para eles pode ser atividades parlamentares);
mensurado por um viés multidimensional e dinâmico (Allen et al., - Propensão a aposentadoria;
2020, p. 202). Background - Carreira pré-parlamentar (profissão
O modelo que eles destacam, identifica “suas principais dimen- profissional predominante);
sões, mensurando-as e testando a validade destas medidas para - Anos na carreira pré-parlamentar;
que elas possam ser usadas com confiança em pesquisas empíricas” Experiência de vida - Idade de entrada na Casa dos Comuns;
(Allen et al., 2020, p. 199). Através desse método é possível defini-los Ambição Política - Forte desejo de assumir novas posições/
gradativamente baseado na quantidade e intensidade de indicado- cargos políticos;
res que cada indivíduo possui. Desta forma, políticos profissionais Probabilidade de alcançar novas posições/
poderiam ser considerados políticos de carreira em diferentes graus. cargos políticas.
O quadro 1 apresenta o conceito, as dimensões e os indicadores Fonte: Allen, Magni, Searing, & Warncke (2020).
que compõem esse modelo. As quatro dimensões às quais os políti-
cos de carreira estão associados são: i) comprometimento; ii) back- Segundo Allen et al. (2020, p. 203-205), ser comprometido com
ground profissional; iii) experiência de vida; e iv) ambição política. a atividade política é essencial para ser um político de carreira. O
comprometimento é mensurado por três indicadores. O primeiro
deles é a duração em anos que cada parlamentar se fez presente na
Casa dos Comuns. Seu foco está na estrutura da carreira e, para o
caso britânico, trata-se do indicador mais forte dessa dimensão.
O segundo é a intensidade do comprometimento de cada um
deles. A mensuração se dá pelo número de horas trabalhadas dentro
e fora do Parlamento. Dentro da Casa dos Comuns estimam-se as
horas gastas nas sessões, em encontros partidários, lobby, etc. Além
disso, há os trabalhos junto aos partidos e círculo eleitoral que acon-
tecem fora do Parlamento. Essas informações foram concebidas
através de entrevistas.
O último indicador é a revogabilidade ou propensão à aposen-
tadoria. As suas funções são descobrir a intenção dos entrevistados
318 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 319
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
em se manter na política e se eles consideram a possibilidade de cedo no parlamento, mas isto não significa que um político que
seguir uma carreira alternativa. O indicador é medido através de entre na meia-idade não possa ser considerado como de carreira,
duas perguntas realizadas entre os anos 1971-1974: i) “Qual a pro- considerando que ele possa ter outros fatores como forte ambição e
babilidade de você se aposentar voluntariamente do Parlamento?”; comprometimento.
e ii) “Quais seriam os seus motivos para isso?”. As respostas foram Isto nos leva à última dimensão analisada, a ambição política.
comparadas à situação dos respondentes no momento da produção É muito característico de um político de carreira o seu frequente
do artigo (Allen et al., 2020, p. 203-205) desejo por poder, fama e obstinação por uma progressão rápida de
A segunda dimensão que Allen et al. (2020, p. 205-207) aborda cargos. Eles desejam deixar sua marca e buscam resultados imedia-
como sendo fundamental para compreender um político de carreira tos, o que pode se tornar um paradoxo entre suas carreiras e o “cha-
é o background profissional. Há políticos de carreira que apresen- mado para o serviço público”. Por isso, os indicadores analisados
tam pouca experiência em áreas diferentes daquelas relacionadas à são: a) forte desejo de assumir novas posições/cargos políticos; e a
política, ou o que o autor chama de “empregos reais”. Isto pode con- b) probabilidade de alcançar novas posições políticas (Allen et al.,
feri-los uma aprendizagem política relevante, com conhecimento 2020, p. 208-209).
amplo das regras legislativas e procedimentos, bem como transitar Para entender a elite brasileira e a profissionalização de seus ato-
melhor nas negociações por estarem mais dispostos a fazer conces- res, precisamos ir além dos estudos sociográficos que apenas descre-
sões. No entanto, carregam o ônus de não possuir a expertise seto- vem de maneira estática os atributos desses agentes. Compreender
rial que poderia auxiliar na elaboração de políticas públicas. o perfil dos parlamentares, quem são os mais influentes2, quem tem
Os indicadores a serem analisados são a carreira pré-parlamen- poder de decisão, quais ocupam áreas ou cargos estratégicos, como
tar e os anos de carreira pré-parlamentar. Neste primeiro caso, os operam o plano político, joga luz aos critérios que fazem a elite ser
autores identificaram se os políticos possuíam: a) profissões polí- quem ela é: agentes com liderança política (Codato, 2015, p. 18-19).
ticas; b) profissões politicamente conscientes; e c) profissões não Visando um maior aprofundamento destas questões, neste con-
políticas. Quanto mais anos os parlamentares passaram sua carreira texto, o DIAP possui como uma de suas atribuições o mapeamento
pré-parlamentar em profissões políticas ou politicamente cons- dos principais operadores do Congresso Nacional. A partir disso, o
cientes, maior a probabilidade de serem considerados políticos de Departamento publica anualmente a série “Cabeças do Congresso”
carreira. que se destaca por classificar os deputados federais e senadores mais
A terceira dimensão analisada por Allen et al. (2020, pp. 207- influentes do país. Acredita-se que muitos desses atores são políticos
208) é a experiência de vida, que está relacionada com a dimensão profissionais.
anterior, porém focada na quantidade de anos de trabalho na “vida
real” antes de entrar para a vida política. Utiliza como proxy a idade
de entrada na Casa dos Comuns, que “mede a oportunidade de ter
compartilhado ou encontrado significativas experiências de vida 2 “Influência aqui é definida como uma relação entre parlamentares na qual as
preferências, desejos ou intenções de um ou mais parlamentares afetam a conduta
no mundo além da política”. Políticos de carreira clássicos entram
ou a disposição de agir de outros” (DIAP, 2020).
320 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 321
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
1.2 Considerações sobre o Departamento Intersindical de Assessoria A teoria política dispõe de recursos metodológicos predefinidos
Parlamentar (DIAP): como são classificado(a)s o(a)s “Cabeças” do que identificam as elites. Os padrões de análise que as definem são
Congresso? baseados geralmente “em função das posições que ocupam, dos inte-
resses que representam e/ou da reputação alcançada” (Messenberg,
Compreender a morfologia do Congresso brasileiro é funda- 2007, p. 311).
mental para acompanhar sua evolução. Baseando-se na premissa Para identificar os 100 “Cabeças do Congresso” a cada ano, o
de que a disputa política no Brasil é assimétrica e na importância Departamento utiliza três métodos. O DIAP aplica o método posi-
da democratização da informação e da ação daqueles que condu- cional (Mills, 1956) ao selecionar parlamentares que possuam víncu-
zem o processo decisório, o DIAP (2020, p. 7) detectou a necessi- lo formal ou posto hierárquico ocupado na estrutura da Câmara dos
dade de mapear os deputados federais e senadores que compõem o Deputados; o reputacional (Hunter, 1953) ao consultar a percepção
legislativo. que deputados e senadores, assessores, jornalistas, cientistas e ana-
O DIAP considera que, na disputa política, alguns atores pos- listas políticos têm sobre os políticos; e o decisional (Dahl, 1961) ao
suem mais poder do que outros. Em sua concepção, os poderosos estimar a capacidade dos parlamentares de liderar e influenciar em
são entendidos “como alguém hábil, experiente, especializado, ou atividades legislativas (DIAP, 2020, p. 8-10).
que detém recursos – materiais, econômicos, organizacionais, hu- Codato (2015, p. 20-22) explica que o método posicional re-
manos, técnicos, partidários, ideológicos ou regionais – e capacida- conhece os indivíduos que têm posições formais de mando e que
de de convertê-los em poder e, portanto, em liderança” (2020, p. 8). a obra mais representativa desta abordagem é The Power Elite, de
A partir das características que consideram definir pessoas po- Wright Mills, 1956. Sua vantagem é a segurança em identificar uma
derosas, eles relacionam anualmente 100 nomes que “exercem real grande quantidade de indivíduos influentes, pelo processo de esta-
influência no processo decisório e sobre os atores nele envolvidos” belecer critérios diretos e claros através da listagem de posições ins-
(DIAP, 2020, p. 11). Eles se diferenciam dos demais parlamenta- titucionais. A estrutura do poder é hierarquizada e, para utilizar este
res pelo exercício de todas ou algumas qualidades e habilidades processo, é necessário conhecer a estrutura formal da organização
analisadas. e as capacidades de exercer influência estando em um aparelho ou
São “Cabeças” aqueles que protagonizam o processo legislativo cargo. As críticas a este método são: a) ele assume que necessaria-
e destacam-se pela: mente quem está em determinada posição possui capacidade efetiva
capacidade de conduzir debates, negociações, votações, articulações de tomar decisões; e b) não leva em consideração quem tem poder
e formulações, seja pelo saber, senso de oportunidade, eficiência na de veto para impedir que determinadas pautas sejam transformadas
leitura da realidade, que é dinâmica, e, principalmente, facilidade
para conceber ideias, constituir posições, elaborar propostas e em demandas, questões políticas, deliberadas e implementadas. Só é
projetá-las para o centro do debate, liderando sua repercussão e possível saber se tem poder de fato, estudando o processo decisório.
tomada de decisão (DIAP, 2020, p. 10).
O método decisional sustenta que quem detém o poder são as
pessoas capazes de tomar decisões estratégicas e teve como referên-
cia o autor de Who Governs?, Robert Dahl, em 1961. Este método
322 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 323
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
possibilita analisar entre os políticos profissionais, qual ou quais mais detalhes, eles declaram que os critérios de análise são obje-
detêm influência suficiente para estabelecer suas preferências nas tivos, minuciosos e impessoais, evitando vícios e qualquer tipo de
decisões públicas. Sua estrutura de poder é competitiva e sua maior discriminação entre os parlamentares pesquisados (DIAP, 2020, p.
vantagem é captar influências que não estão necessariamente em 7).
um cargo formal. É fundamental que aqueles que desejam aplicar A pesquisa inclui apenas os deputados federais e senadores que
o método conheçam a política do governo. Eles também devem ser estão em pleno exercício durante o período de avaliação, entre os
capazes de selecionar as decisões que são mais importantes para a meses de fevereiro a junho do ano vigente. Os demais que se au-
comunidade. Os pontos negativos deste método são: a) que só fun- sentam do mandato por motivos diversos, a exemplo de quem se
ciona quando selecionadas decisões geradoras de conflito, para se licenciou para ocupar outros cargos, ainda que influentes, não são
ter contraste comparativo; b) não é possível observar as decisões considerados na análise.
frustradas, ou seja, não identifica quem tem poder de impedir de- A equipe técnica responsável por classificar os parlamentares re-
cisões; e c) algumas correntes afirmam que as perspectivas elitis- aliza entrevistas com deputados federais, senadores, assessores par-
tas negligenciam quem se beneficia das decisões públicas (Codato, lamentares, jornalistas, analistas e cientistas políticos. A estrutura
2015, pp. 22-24). aplicada à entrevista não consta nas publicações que o Departamento
Codato (2015, pp. 24-27) finaliza sua síntese citando a teoria de disponibiliza. Segundo as informações que são disponibilizadas na
Floyd Hunter em Community Power Structure de 1953, sobre o mé- série “Cabeças do Congresso”, busca-se examinar de forma objetiva
todo reputacional. Este procedimento relaciona as lideranças que as atividades profissionais, os vínculos com empresas e com organi-
ocupam as posições formais e, em seguida, os submetem a um novo zações econômicas ou de classe, assim como aspectos da formação e
filtro que indique quem são os mais influentes ou mais poderosos. vida acadêmica de cada parlamentar (DIAP, 2020, p. 10).
Sua vantagem é identificar a liderança política com base no prestígio No que se refere à atuação parlamentar, a equipe produz um
social reconhecido, além de utilizar duas formas complementares levantamento dos pronunciamentos, a apresentação de proposições,
de abordagem. O método é limitado pela posição formal, portan- resultado de votações e intervenções nos debates no Congresso.
to acaba se restringindo a um universo relativamente pequeno. Além disso, também são examinadas a frequência com que eles são
Concentra-se apenas na face pública, ignorando outras arenas não citados na imprensa, seus temas preferenciais, os cargos públicos
tão visíveis. Tem como ponto de atenção a própria definição subje- exercidos dentro e fora do Congresso Nacional, relatorias de ma-
tiva de “poder” do entrevistado, bem como a possível informação térias relevantes, forças ou grupos políticos a que estão ligados e a
assimétrica dos indivíduos. análise dos perfis políticos e ideológicos de cada congressista (DIAP,
A metodologia de seleção que abarca estes três métodos e os 2020, p. 10).
critérios adotados são executados por uma equipe técnica do Identificar os deputados federais e senadores que assumem as
Departamento, sob coordenação do jornalista, analista político e rédeas das negociações e articulações dentro do Congresso Nacional
diretor de Documentação licenciado do DIAP, Antônio Augusto é essencial para conhecer a influência que exercem. Porém, devido
de Queiroz. Em sua publicação anual, ainda que não proporcionem à adoção do sistema de deliberação remota, isto dificultou a identi-
324 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 325
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
ficação. Além disso, o fato de as comissões permanentes da Câmara parlamentar também seja classificado em mais de uma categoria de
dos Deputados não terem sido instaladas, impediu que alguns par- análise.
lamentares que possuem prestígio entre os demais fossem identifi- As categorias podem ser distribuídas como destaque e secundá-
cados (DIAP, 2020, p. 9-10). ria. Considera-se uma categoria de destaque aquela que representa
Além dos “Cabeças do Congresso”, o DIAP (2020) incluiu em a principal habilidade reconhecida nos “Cabeças”. Trata-se de uma
sua classificação os deputados federais e senadores que eles consi- atribuição obrigatória. Enquanto a secundária, como a tipologia
deram estar em ascensão. Essa tipologia surgiu como uma novidade sugere, representa as demais aptidões que os operadores-chave do
no ano 2000 e atualmente seleciona 50 parlamentares que fazem legislativo possuem e, combinadas ao primeiro tipo, colaboram com
parte do seleto grupo dos políticos mais influentes do país, confor- suas premiações. Elas são complementares, podem ser cumulativas
me a definição do Departamento. Esses congressistas são aqueles e não estão presentes em todos os anos.
que estão com a carreira no legislativo em ascensão. Embora ainda O quadro 2 apresenta as categorias atribuídas aos “Cabeças do
não componham a elite do Congresso na concepção do DIAP, pos- Congresso” e suas respectivas definições:
suem boas chances de fazer parte dela.
O DIAP (2020, p. 82) justifica a opção de fixar em 150 o número Quadro 2. Definições das categorias do Departamento Intersindical de Assessoria
de parlamentares mais influentes do legislativo federal, pois, em al- Parlamentar (DIAP)
guns momentos, a equipe técnica “fica na contingência de escolher Conceito Categorias Descrição
entre parlamentares em condições praticamente iguais”. Neste caso, Cabeças do Debatedor (a) São parlamentares ativos com senso de
os parlamentares em ascensão são aqueles que ficaram fora da lista Congresso oportunidade e capacidade de repercutir
os fatos políticos no plenário, na imprensa
principal por pequenos detalhes. Apesar desta informação, a publi-
ou nas redes sociais. Exercem influência
cação não fornece os tipos de detalhes que têm mais peso para a nos debates e na definição das agendas
diferenciação. prioritárias.
O processo de análise dos perfis parlamentares que compõem Articulador(a) / Possuem excelente trânsito, colaboram para
as duas Casas, além de identificar quem são os 150 mais influentes Organizador(a) criar as condições para o consenso e muitos
de acordo com a definição do DIAP, resulta em um agrupamento exercem um poder invisível entre seus
de suas habilidades e características. A partir disso, eles distribuem colegas de bancada. Difundem as decisões
ou intenções dos formadores de opinião.
categorias aos 100 primeiros colocados.
O DIAP condensou as habilidades necessárias para a identifi- Formulador(a) Elaboram textos com propostas para
deliberação. São os mais produtivos, pois
cação dessas lideranças em cinco categorias. São elas: i) debatedor; fornecem o debate, a dinâmica e a agenda
ii) articulador/organizador; formulador; iv) formador de opinião; do Congresso.
v) negociador. Apesar de cada uma possuir características próprias
que as definem, a classificação com uma delas não impede que o
326 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 327
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
De acordo com Collier et al. (2012, p. 217), “tipologias – defini- Diante disso, a análise do que se denominou “espaço de proprie-
das como sistemas organizados de tipos – são uma ferramenta ana- dades” (também referido como “espaço de atributos”) apresenta-se
lítica bem estabelecida nas ciências sociais e trazem contribuições como o método mais indicado para este fim, utilizando-se da adap-
cruciais para diversas tarefas analíticas: formar e refinar conceitos, tação de procedimentos sistemáticos da construção de tabelas-ver-
desenhar dimensões subjacentes, criar categorias para classificação dade à solução do problema de combinar diferentes atributos em
e medição, e seleção de casos” (tradução nossa). O conceito de tipo, tipos. Tipologias e espaços de propriedades são logicamente relacio-
por sua vez, é sempre usado em referência a uma combinação es- nados: uma tipologia é um conjunto de nomes para as células numa
pecial de atributos. Lazarsfeld (1937, p. 2) salienta que, embora às tabela feita pela classificação cruzada de variáveis, e as células nessa
vezes nem todos os atributos que entram em uma combinação tipo- tabela são uma tipologia3.
lógica podem ser enumerados, o fato é que um tipo é um composto Ainda segundo Becker (2008, p. 225), o truque da análise do
de um atributo específico que dificilmente pode ser negado. espaço de propriedades para multiplicar possibilidades é simples,
Segundo a literatura especializada, tipologias contribuem de facilmente compreendido e bem-conhecido pelos cientistas sociais:
maneira fundamental para a formação de conceitos tanto em pes- “faça uma tabela em que as fileiras sejam as variedades de uma va-
quisas qualitativas quanto quantitativas. Nesta linha, o desenvol- riável e as colunas as variedades de outra. As células criadas pela
vimento de conceitos rigorosos e úteis envolve quatros objetivos interseção das duas definem as combinações possíveis, os tipos.”
interligados: (1) esclarecer e refinar seu significado; (2) estabelecer Avançando um pouco mais neste procedimento de descobrir, para
uma conexão informativa e produtiva entre esses significados e os um dado sistema de tipos, o espaço de atributos a que ele pertence,
termos usados para designá-los; (3) situar os conceitos dentro de Collier et al (2012, p. 222) destacam um ponto chave deve ser subli-
seu campo semântico, isto é, a constelação de conceitos e termos nhado: os tipos de células em uma tipologia conceitual estão rela-
relacionados e (4) identificar e refinar as relações hierárquicas entre cionados ao conceito abrangente (overarching concept)4 por meio de
os conceitos, envolvendo hierarquias de tipo (Collier et al., 2012,
3 “Lazarsfeld usou essa conexão lógica para criar um método que permita
p. 222). É inserido neste debate que Howard Becker ressalta a pre-
encontrar as dimensões subjacentes a qualquer tipologia ad hoc, afirmando que,
ocupação central de Paul Lazarsfeld com o rigor metodológico no ‘quando um sistema de tipos foi estabelecido por um especialista em pesquisa, é
processo da elaboração tipológica: sempre possível provar que, em sua estrutura lógica, ele poderia ser o resultado
Lazarsfeld viu que caracterizações que continham tanta da redução de um espaço de atributos’. Em sua maioria, pensava ele, as tipologias
complexidade podiam deixar ambiguidades decisivas não resolvidas, provavelmente eram incompletas; um espaço de propriedades complexo fora
de modo que as análises resultantes eram confusas e geravam reduzido mediante a combinação de algumas das células em sua tabela de uma
hesitação. Viu também, o que talvez fosse mais importante para a das maneiras que acabamos de discutir, embora o tipologista talvez não tivesse
tarefa de fazer a pesquisa avançar rumo a novas descobertas, que as
possibilidades lógicas implícitas numa tipologia em geral não eram compreendido o que fizera. A tipologia resultante não nomeia todas as suas
plenamente exploradas, deixando assim encobertas indicações úteis possibilidades implícitas ou reconhece a sua existência.” (Becker, 2008, p. 194).
para o prosseguimento do trabalho empírico. (Becker, 2008, p. 185) 4 “O conceito abrangente é a ideia geral medida pela tipologia (4.1, 4.2.a). Este
conceito deve estar no título da tipologia. Simplesmente nomear as duas ou mais
dimensões constitutivas no título é um substituto inadequado (4.2.a, nota 17). Em
uma área de pesquisa em evolução, o conceito abrangente não é necessariamente
330 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 331
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
uma hierarquia de tipos. Uma vez feita esta ressalva, eles descrevem, dade de medição real; e por fim, (iii) os atributos “seriais”, atribuídos
de maneira similar, o procedimento: a um objeto somente em comparação com outro objeto, que por sua
vez se distinguem dos atributos de tipo characteristicum por per-
O conceito abrangente é desagregado em duas ou mais dimensões, mitirem ranqueamento, por exemplo, e diferem dos atributos “va-
e as categorias dessas dimensões estabelecem as linhas e colunas riáveis” por não permitirem medição real. É possível, nas palavras
na tipologia. Essas dimensões capturam os elementos salientes de
variação no conceito, portanto, a plausibilidade e a coerência das de Lazarsfeld, transformar atributos variáveis em seriais, e seriais
dimensões vis-à-vis ao conceito abrangente são cruciais. (Collier et em characteristicum, mas não o contrário, já que este último não
al., 2012, p. 223, tradução nossa)
pode ser comparativo e não é possível medir as distâncias entre os
atributos seriais.
Assim, as tipologias podem ser descritivas ou explicativas, a Como se pode notar, espera-se que o processo de construção de
depender se as dimensões e tipos de células são para identificar e tipologias para classificar os “Cabeças do Congresso” em categorias
descrever os fenômenos em análise ou se os tipos de células são os que refletem atributos observáveis e medíveis seguiu esta série de
resultados a serem explicados e as linhas e colunas são as variáveis pressupostos metodológicos preconizados pela literatura, visto que
explicativas. Também podem ser multidimensionais ou unidimen- a técnica de escolha e enquadramento destes deputados deve ser,
sionais, a depender se a tipologia em questão captura deliberada- pelo menos, discernível e dotado de replicabilidade. Algo a ser ve-
mente múltiplas dimensões e são construídas por tabulação cruzada rificado ao longo deste trabalho, como será abordado mais à frente.
de duas ou mais variáveis ou se são organizadas em torno de uma Feitas estas considerações teóricas, é necessário ter clareza
única variável (Collier et al., 2012, p. 218). quanto às seguintes questões: o que pretendo responder? Quais mé-
Desta forma, a técnica impõe uma discussão metodológica todos devem ser aplicados? Quais informações precisam ser coleta-
do conceito de tipo que deve partir de um levantamento das dife- das para a construção de um banco de dados consistente e confiável
rentes espécies de atributos que podem entrar em tal composição para auxiliar a responder o meu problema de pesquisa? Quais os im-
(Lazarsfeld, 1937, p. 1). Os três diferentes gêneros de atributos elen- passes metodológicos existentes e que precisam ser solucionados?
cados e caracterizados por Lazarsfeld são: (i) “characteristicum”, que Algumas dessas questões serão abordadas a seguir.
significa um tipo de atributo que pode ser conferido apenas como
pertencente ou não pertencente a um objeto, ou seja, qualquer atri- 2. Metodologia
buto que permite apenas duas aplicações mutuamente exclusivas;
(ii) “variáveis/mutáveis”, que representa atributos que permitem O planejamento do banco, que está em construção, baseou-se
qualquer número de graduações e, consequentemente, a possibili- na necessidade de coletar dados que, depois de operacionalizados,
fixo, mas pode mudar à medida que as estruturas e a teoria mudam à medida colaborem para revelar se a distinção do DIAP sobre os “Cabeças
que o analista ganha um novo insight (6.1). Ao criar um conceito abrangente que do Congresso” tem relação com uma possível profissionalização
reúne conceitos e tradições de análise previamente estabelecidos, os estudiosos política desses atores. A partir disso, tornou-se necessário: a) esta-
podem introduzir inovações conceituais úteis (6.1)” (Collier et al., 2012, p. 227,
belecer um modelo para mensurar a profissionalização política e b)
tradução nossa).
332 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 333
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
identificar os dados relevantes para compreender a distribuição dos O quadro 3 apresenta a adaptação do modelo e os indicadores
prêmios concedidos pelo DIAP. que estão sendo coletados para o banco em questão.
O modelo de mensuração adotado foi elaborado por Allen et al.
e explicitado na Figura 1, porém sofrerá adaptações. Eles analisaram Quadro 3. Conceito adaptado de político de carreira
diversos discursos políticos e as concepções que a literatura possui Conceito Dimensões Indicadores (Medidas)
acerca da conceituação de políticos de carreira. Após isso, estabe- Político de Comprometimento - Duração (Anos de presença no
leceram um modelo multidimensional a ser aplicado aos membros carreira Congresso Nacional);
do Parlamento britânico. Sua coleta de dados foi realizada através - Intensidade (Presença ou ausência na
de entrevistas realizadas com 581 parlamentares entre os anos 1971- Mesa Diretora e na presidência e relatoria
1974 e, no momento da produção do artigo em questão, coletaram de Comissões);
informações complementares, como dados de aposentadoria, anos Background - Carreira pré-parlamentar (profissão
no Parlamento, entre outros. profissional predominante);
A importância do planejamento prévio à elaboração de um ban- - Anos na carreira pré-parlamentar;
co de dados, dá-se pela necessidade de o pesquisador identificar o Experiência de vida - Idade de entrada no Congresso Nacional;
que é indispensável e, também, quais são os limites de sua pesquisa. Ambição política - Presença ou ausência de tentativas de
Os recursos disponíveis para este projeto não incluem o acesso di- assumir novos cargos políticos eletivos;
reto aos deputados federais brasileiros, portanto alguns indicadores - Sucesso no alcance de novos cargos
precisaram ser adaptados. políticos eletivos.
A dimensão responsável por mensurar o comprometimento, Fonte: adaptado de Allen, Magni, Searing, & Warncke (2020).
manterá apenas os indicadores: a) duração em anos no Congresso
Além do quadro 3, também é preciso identificar outras variáveis.
Nacional e a b) intensidade de trabalho nas atividades legislativas.
De acordo com alguns atributos que caracterizam o grupo, o DIAP
Para identificar quão intensa é a rotina de trabalho, serão conside-
classifica os parlamentares em até cinco categorias: debatedores, ar-
radas apenas as atividades internas ao legislativo. Além disso, será
ticuladores/organizadores, formuladores, formadores de opinião e
atribuída mais intensidade àqueles que compõem a Mesa Diretora e
negociadores. Dentre outros dados, a partir da série “Cabeças do
que ocupam a presidência e relatoria de comissões.
Congresso” é possível coletar informações acerca de suas trajetórias
Os indicadores que mensuram o background profissional e a ex-
na vida pública, atuações político-parlamentares e especializações
periência de vida de cada um deles serão mantidos. A última dimen-
técnicas.
são é a da ambição política. Diferente da técnica utilizada por Allen
O banco de dados conta com informações acerca das premia-
et al. (2020), nessa pesquisa serão avaliadas as escolhas de carreira
ções do DIAP. Estão sendo coletados: o número de prêmios rece-
de cada parlamentar e o sucesso eleitoral. Portanto, os indicadores
bido, os anos em que foram premiados, as categorias em que cada
serão: a) a presença ou ausência de tentativas de assumir novos car-
parlamentar se destaca, sexo, partido político e estado que represen-
gos políticos eletivos; e b) o sucesso no alcance desses cargos.
334 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 335
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
tam. As informações necessárias para a composição foram retiradas são inequívocos em afirmar que as habilidades do parlamentar, para
do banco de dados do Observatório de Elites Políticas e Sociais do além de sua posição formal, consistem num dos requisitos observa-
Brasil, do portal da Câmara dos Deputados, dos sites do Tribunal dos para sua escolha como “Cabeça”:
Superior Eleitoral e do DIAP. Assim, de acordo com os critérios, não basta o parlamentar ser líder
O planejamento da base de dados é essencial para evitar surpre- partidário, presidente de comissão, relator de matéria importante,
presidir partido político, estar sempre na mídia ou ter arroubos de
sas no momento de colocar a pesquisa em prática. Não obstante, ao valentia para ser classificado como “Cabeça”. É preciso, além do
longo da coleta de dados, significativas dificuldades se apresenta- cargo formal, que o parlamentar exerça alguma habilidade, que
comprovadamente influencie o processo decisório, seja na bancada
ram em relação à ausência de clareza metodológica empregada pelo partidária, na comissão, no plenário, nas decisões de bastidores ou
DIAP para justificar os seus resultados quanto à seleção e classifica- até mesmo em fóruns informais, como as frentes ou bancadas de
ção dos “Cabeças do Congresso”. interesse. (DIAP, 2020, p. 11, grifo dos autores)
Esta, inclusive, pode ser uma das possíveis explicações para o primeiras edições. Além disso, se considerarmos apenas as vezes em
fato de que nenhum dos 100 deputados federais e senadores eleitos que esta foi considerada categoria principal para a seleção, o núme-
“Cabeças do Congresso” nos anos de 2019 e 2020 foram conside- ro de prêmios atribuídos é ainda menor.
rados formadores de opinião, enquanto as categorias articulador e Este desequilíbrio classificatório e confusão conceitual entre
negociador são as que possuem mais representantes. as categorias apresenta-se, aparentemente, como resultado de uma
O Gráfico 1 representa os deputados federais classificados como construção inadequada das tipologias adotadas pelo DIAP. Não foi
“Cabeças do Congresso” e pertencentes à categoria “formador de verificado os procedimentos utilizados para a análise de espaço de
opinião”, sendo ela principal ou secundária, desde a primeira edição propriedade, conforme exposto no capítulo sobre a discussão de li-
da publicação. teratura, e a dubiedade dos tipos utilizados sugerem, no mínimo,
um emprego da técnica de redução5 de modo incorreto. Ademais,
Gráfico 1. Frequência dos deputados federais formadores de opinião de acordo a descrição dos tipos não segue os critérios de serem exaustivos e
com o DIAP mutuamente excludentes.
No que diz respeito ao segundo ponto, tampouco está explícito
como foram operacionalizados os métodos posicional, decisional e
reputacional, se há uma hierarquia entre eles, se são complementa-
res ou alternativos entre si. Para ser selecionado como “Cabeça do
Congresso” basta ocupar uma posição formal de liderança ou este é
apenas um pré-requisito mínimo utilizado como ponto de partida
para descartar os que não ocupam? Um deputado pode ser conside-
rado membro da elite parlamentar somente pelo método reputacio-
nal, apesar de não ter cumprido os critérios posicional e decisional?
Os relatórios sugerem que a seleção é feita pelos métodos consi-
derados individualmente, uma vez que é recorrente, por exemplo, a
conclusão sobre a relevância do cargo ou posto institucional para a
projeção do parlamentar.
Fonte: DIAP. (2020). Os “Cabeças” do Congresso Nacional: uma pesquisa sobre No entanto, isto não torna a operacionalização menos problemá-
os 100 parlamentares mais influentes (2020). 27. ed. Brasília: Departamento tica. Como é possível depreender do Relatório de 2020, dos Cabeças
Intersindical de Assessoria Parlamentar - Diap
escolhidos pelo método posicional daquele ano, oito foram selecio-
A partir do Gráfico 1, podemos perceber que, apesar de ter sido nados por suas posições como ex-presidente da Mesa Diretora da
consideravelmente atribuída nos primeiros anos da premiação, esta
5 Para saber mais sobre a técnica de redução em análises de espaços de
categoria é pouco representada nos relatórios anuais, dado que os propriedades para construção de tipologias ver Lazarsfeld, 1937, p. 10, e Becker,
deputados federais não foram selecionados por ela em 17 das 27 2008, p. 190.
338 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 339
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
Câmara, do Senado ou de comissão permanente, ex-líder ou ex- em caso positivo, se há mensuração na taxa de confiabilidade e con-
-vice-líder6. Ora, “ex-presidente” ou “ex-líder” não é uma posição cordância; se é a mesma todos os anos; se quem aplica as entrevistas
formal atual, sobretudo para um relatório publicado anualmente. são as mesmas pessoas que analisam as respostas e se há comunica-
Como já salientado no tópico sobre a discussão de literatura, se o ção entre a equipe; ou se todas essas informações ficam disponíveis
critério adotado para esses casos tinha a pretensão de seguir exclu- em algum lugar para consulta.
sivamente os termos teorizados por Wright Mills (1956), o DIAP Tampouco o procedimento aplicado relativo ao método decisio-
pode ter cometido um erro de operacionalização metodológica ao nal foi explanado, sendo este definido no relatório como “a capaci-
selecionar estes parlamentares como “Cabeças do Congresso”. dade de liderar e influenciar escolhas”. Nenhuma palavra a respeito
Mesmo essa crítica, porém, fica prejudicada ante a pouca in- da operacionalização das condições para o teste de hipótese elabo-
formação fornecida pelos relatórios a respeito dos fundamentos rado por Dahl (1961) quanto às decisões políticas-chave tomadas
metodológicos que embasaram a pesquisa, dos parâmetros que como referência e prova dos conflitos que revelariam a preferência
instruíram os conceitos metodológicos e quais as variáveis foram e sucesso da elite dirigente em análise. O único caso concreto men-
mobilizadas por cada um destes métodos. cionado pelo DIAP foi a não regulamentação do sistema financei-
O emprego do critério reputacional pode ser tomado como mo- ro para demonstrar um exemplo da “abordagem da não-decisão”.
delo: seguir a estratégia de pesquisa preconizada por Hunter (1953) Codato (2015, p. 19) ressalta, todavia, que este é justamente um dos
implica eleger adequadamente os especialistas que irão reduzir o pontos cegos do critério decisional desenvolvido por Dahl, ou seja,
universo de indivíduos a ser considerado para, assim, valer-se das a inaptidão de captar decisões frustradas (não-decisões).
entrevistas sistemáticas aplicadas e da observação direta dentro Ademais, também são omitidas quais foram exatamente as vari-
deste conjunto bem delimitado. O DIAP, entretanto, restringe-se a áveis consideradas para caracterizar a atuação parlamentar reputada
declarar que sua equipe “fez entrevistas com deputados e senadores, como “protagonista do processo legislativo”, bem como o período
assessores das duas Casas do Congresso Nacional, jornalistas, cien- preciso de atuação analisado, o que certamente obstaculiza uma
tistas e analistas políticos” (DIAP, 2020, p. 10). Não fornece dados apreciação mais acurada da relação dos “Cabeças” escolhidos pelo
adicionais a respeito: da identidade ou do que orientou a seleção dos DIAP com a profissionalização destes atores políticos.
entrevistados; como a entrevista foi estruturada; se é duplo cega e, Perante todo este quadro de dificuldades, ainda foram constata-
das algumas inconsistências nos resultados apresentados pelo DIAP
6 “Para se ter uma ideia da importância do cargo ou posto institucional na que não podem ser ignoradas. Dentre as mais visíveis constam a
projeção de um parlamentar, bastar dizer que dos 100 deputados e senadores
discrepância de classificação de alguns parlamentares relativa à sua
influentes, 99 exercem algum cargo formal ou informal na estrutura das Casas
ou na direção partidária. Destes, 63 são líderes ou vice-líderes de partido, 23 são categoria de destaque no “Mapa dos ‘Cabeças’ por Estado” em com-
presidentes ou vices de comissões, membros das Mesas Diretoras da Câmara e paração com o tópico do relatório que enuncia o “Perfil Individual”
do Senado, oito são ex-presidente da Mesa Diretora da Câmara, do Senado ou de de cada um. Por exemplo: no relatório de 2020, o Deputado Gustavo
comissão permanente, ex-líder ou ex-vice-líder, e dois são presidentes ou vice- Fruet é categorizado como formulador no Mapa, mas como deba-
presidentes de partidos, sendo um deles também presidente de central sindical.”
tedor em seu perfil individual. Referindo-se apenas ao relatório do
(DIAP, 2020, p. 25)
340 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 341
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
ano de 2010, dos 100 “Cabeças” eleitos, foi possível verificar tais in- a análise da profissionalização política desses atores. Esclarecemos
consistências em 11 deles, o que representa uma taxa nada despre- o conceito de político de carreira que adotaremos na análise, sendo
zível. Nos anos subsequentes (2011-2020), mais 16 parlamentares uma adaptação do modelo proposto por Allen et. al. em 2020. Estes
apresentaram esse tipo de incongruência. passos de conceituação são fundamentais para facilitar a coleta e se-
Outros resultados observados referem-se à circunstância de que leção dos indicadores necessários à elaboração do banco de dados.
alguns relatórios anuais contêm a informação das categorias secun- A definição de estratégias de investigação científica para “sele-
dárias dos parlamentares, ao passo que noutros anos (2016, 2019 e ção, validação, processamento e análise de dados” configura uma
2020) este dado é suprimido. Isto pode parecer pouco relevante, po- etapa essencial no estudo de grupos dominantes, e não há uma
rém implica em dificuldades para a realização de análises temporais. abordagem única que deva ser necessariamente empregada, poden-
O relatório não possui explicações a respeito dos motivos ou acon- do inclusive ser usada de forma complementar (Codato, 2015, p. 9).
tecimentos que impediram que os parlamentares se destacassem em Esse trabalho limita-se a demonstrar as dificuldades metodológicas
mais de uma categoria em determinados anos. da criação de um banco de dados sobre os deputados federais consi-
Por fim, no relatório de 2020 é advertido que a pandemia de derados “Cabeças do Congresso”, que será utilizado posteriormente
Covid-19 impactou a escolha dos parlamentares mais influentes para descobrir se há correlação entre a premiação do DIAP e a pro-
principalmente em razão do sistema remoto de deliberação e a não fissionalização política desses indivíduos. A relação dos indicadores
instalação das comissões permanentes da Câmara dos Deputados que os configuram ou não como político profissional não foram di-
(DIAP, 2020, p. 9), prejudicando, em síntese, a análise de bastidores. retamente abordadas. Este trabalho será realizado em um segundo
Não é dito, porém, em que medida e como foi este impacto para a momento. Por ora, analisamos a etapa anterior, que é a definição,
metodologia implementada, assim como se e quais soluções busca- seleção de indicadores, captura de dados e sua análise baseada na
ram para tais limitações que devem se manter para o ano de 2021. literatura específica.
Durante a coleta, foi possível observar certas inconsistências.
Considerações finais A abrangência na definição dos conceitos, a ausência de informa-
ções quanto aos critérios utilizados para a coleta e classificação, são
Ao longo deste trabalho, apresentamos algumas metodologias alguns dos pontos que chamaram atenção e foram identificados à
de identificação de políticos profissionais – tanto teóricas como em- priori. Ao aprofundarmos a análise, comparando com a metodo-
píricas. Partindo da revisão de literatura explicamos como os diver- logia exposta na bibliografia, as dúvidas ficaram mais evidentes. As
sos conceitos de políticos de carreira foram redefinidos através da hierarquias e os pesos utilizados para cada critério, assim como a
linha temporal, até chegarmos à apresentação da série “Cabeças do forma como cada método está relacionado com a classificação de-
Congresso”, elaborada pelo DIAP. finida não estão claros. Além disto, entre 2010 e 2020 foram en-
Nosso objetivo era demonstrar, através do estudo de uma es- contradas 27 inconsistências nas publicações ao comparar os perfis
fera política específica, os desafios na coleta de informações para descritos dos parlamentares individualmente e o mapa de classifica-
elaboração de um banco de dados consistente e que possibilitasse ção geral por estado dentro de uma mesma publicação.
342 Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados: Gabryela Gabriel, Paula de Oliveira Portela & 343
uma pesquisa sobre os deputados federais considerados “Cabeças do Pedro Henrique Beff
Congresso”
Costa, L., Massimo, L., Butture, P. & Lopes, A. (2015) O desenho e Gabryela Gabriel é mestranda em Ciência Política na
as fontes da pesquisa com elites parlamentares brasileiras no século Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
XX. In: R. Perissinotto & A. Codato (orgs). Como estudar elites. br/7012730613076461
Curitiba: UFPR, pp. 63-92.
Paula de Oliveira Portela é mestranda em Ciência Política na
Cotta, M. & Best, H. (2000) Between professionalization and Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
democratization: A synoptic view on the making of the European br/2248570410558719
representative. In H. Best & M. Cotta (orgs), Parliamentary
Representatives in Europe 1848-2000. Legislative Recruitment Pedro Henrique Beff é mestrando em Ciência Política na
and Careers in Eleven European Countries. (pp. 493–526). Oxford Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
University Press. br/3094503062804987
Sobre os autores
Gênero nas eleições paranaenses de 2018:
análise dos padrões espaciais do voto nas
competições proporcionais
Contexto
A sub-representação das mulheres nas esferas da política é um
dos principais problemas do desenvolvimento democrático. Este
complexo problema da persistência do baixo número de mulheres
ocupantes de cargos parlamentares é um dos focos da Ciência
Política que leva em consideração aspectos de ordem sociocultural,
político-institucional entre outros fatores explicativos.
Objetivos
Almejando avançar no tema por uma perspectiva espacial, buscamos
compreender regularidades geográficas nos resultados eleitorais
das candidatas às eleições proporcionais paranaenses de 2018.
Especificamente, comparamos o padrão de distribuição espacial de
votos entre gêneros, por constatar a lacuna na literatura para esse
tipo de exploração que estabeleça relações entre o voto em mulheres
e o contexto de localização. Este trabalho contribui com estudos
da dimensão espacial das eleições brasileiras e da representação
de gênero na política, como primeira investida na identificação de
padrões dos pleitos para Deputado Estadual e Federal do Paraná
com a utilização de análise espacial.
CAPÍTULO 11
348 Gênero nas eleições paranaenses de 2018: análise dos padrões Maria Cecília Eduardo, Ricardo Dantas Gonçalves, 349
espaciais do voto nas competições proporcionais Juliana Inez Luiz de Souza & Rodrigo Rossi Horochovski
Métodos Introdução
Para isso, usamos os dados dos 25% de candidaturas com maior
número de votos nominais por gênero, para analisar os padrões A participação feminina na política tem sido o foco de muitas
de autocorrelação espacial global através do índice I de Moran. Na investigações na área da Ciência Política que levam em consideração
conceituação de espaço utilizamos 4.660 Locais de Votação como aspectos tanto de ordem sociocultural quanto de ordem político-
unidades de análise construindo as relações a partir das distâncias
transitáveis entre elas com um fator local de ponderação de -institucional (Alves e Cavenaghi, 2012; Araújo, 2009; Speck, 2018).
densidade. Dada a complexidade do problema, existe um amplo conjunto de
fatores explicativos que devem ser levados em consideração quan-
Resultados e discussão
do buscamos entender a persistência do baixo número de mulheres
Os resultados mostram que as candidatas nas eleições de 2018 para ocupantes de cargos eletivos no geral e, especialmente, nos parla-
o legislativo estadual e federal no Paraná, possuem bases eleitorais mentos. Visto como a sub-representação das mulheres nas esferas
ligeiramente mais concentradas que os candidatos. Mas, não há da política é um dos principais problemas do desenvolvimento de-
diferenças estatisticamente significativas nos marcadores de gênero
na natureza territorial da competição política e no comportamento mocrático (Sacchet, 2013, 2018), almejamos avançar nesse tema por
legislativo das elites políticas analisadas. uma perspectiva espacial.
Não faltam justificativas para contribuir com os estudos rela-
Conclusão cionados à mulher e à sua atuação política. Aqui, abordamos esse
A pesquisa aponta a necessidade de maiores explorações sobre a tema buscando compreender regularidades geográficas nos resulta-
geografia associada ao fenômeno de sub-representação das mulheres dos eleitorais das candidatas às eleições proporcionais paranaenses.
nas esferas da política, ampliando o escopo do estudo para todas Especificamente, pretendemos estimar o efeito da variável gênero
as candidaturas e/ou para outros estados do país, possibilitando a
comparação entre as teorias e estudos existentes sobre a diferença no padrão de distribuição espacial de votos. Esta proposição parte
de gênero no processo eleitoral com dados empíricos. da constatação da lacuna na literatura para esse tipo de exploração
que estabeleça relações entre o voto em mulheres e o contexto de
Palavras-chave localização. O presente trabalho tem o intuito de somar às pesquisas
Gênero; geografia eleitoral; participação política feminina; voto; que estudam a dimensão espacial das eleições brasileiras e, também,
eleições proporcionais.
às discussões de representação de gênero na política. Apresentamos
assim uma primeira investida na identificação de padrões com aná-
lise espacial dos pleitos proporcionais do Paraná para os cargos de
Deputado Estadual e Federal, com a utilização do instrumental teó-
rico-metodológico da Geografia Eleitoral.
A pesquisa foi conduzida com uma amostra de dados referente
aos 25% de candidaturas com maior número de votos nominais por
gênero, com os quais foram analisados os padrões de autocorrelação
350 Gênero nas eleições paranaenses de 2018: análise dos padrões Maria Cecília Eduardo, Ricardo Dantas Gonçalves, 351
espaciais do voto nas competições proporcionais Juliana Inez Luiz de Souza & Rodrigo Rossi Horochovski
espacial global através do índice I de Moran. Para a conceituação de A baixa participação política feminina é considerada um dos
espaço foram utilizados os 4.660 locais de votação como unidades principais defeitos das democracias representativas (Dahl, 2001;
de análise, e as relações foram construídas a partir das distâncias Lijphart, 1999), devido ao contraste entre o alto percentual de mu-
transitáveis entre unidades com um fator local de ponderação de lheres que compõem a população mundial e o baixo número de
densidade. Os resultados mostram que as candidatas que disputa- cargos políticos ocupados por elas. Fato que indica a presença de
ram as eleições proporcionais para o legislativo estadual e federal obstáculos intencionais ou involuntários que demandam ações de-
em 2018 no Paraná, possuem bases eleitorais ligeiramente mais con- liberadas para serem superados (Sacchet, 2018). Já que a entrada
centradas que os candidatos. Mas, no geral os resultados apontam feminina nas esferas de poder é um processo complexo no qual fato-
que não há diferenças estatisticamente significativas, ou seja, não res de ordens cultural, socioeconômica e institucional agem de ma-
existem marcadores de gênero na natureza territorial da competição neira combinada, resultando em diferentes cenários, mesmo diante
política e do comportamento legislativo nas elites políticas para a do uso de medidas similares, como é o caso da adoção das cotas
amostra analisada. A pesquisa aponta para a necessidade de mais para mulheres. Dada a importância da temática, este trabalho dialo-
exploração sobre a geografia associada ao fenômeno de sub-repre- ga com demais pesquisas que averiguam as causas da baixa presença
sentação das mulheres nas esferas da política. Assim como a neces- feminina em cargos eletivos, destacando nesta seção, alguns pontos-
sidade de ampliar o escopo do estudo para todas as candidaturas e/ -chave elencados pela literatura.
ou para outros estados do país, possibilitando a comparação entre as Moreira e Barberia (2015), baseadas em seu levantamento da
teorias e estudos existentes sobre a diferença de gênero no processo produção científica, dividem os principais fatores para a escassez de
eleitoral com dados empíricos. mulheres nos cargos eletivos em quatro eixos principais: (i) sistema
Este trabalho está dividido em cinco partes contando com esta eleitoral, (ii) partidos políticos e instituições políticas, (iii) ambição
introdução. Na primeira seção, tratamos brevemente da questão da política e experiência política e (iv) processo de democratização.
participação das mulheres na política, e apresentamos informações Em relação aos sistemas eleitorais, é consensual entre pesquisado-
sobre os padrões territoriais de voto com foco no caso paranaense. ras/es da área que aqueles com representação proporcional aumen-
Na sequência, expomos a metodologia de Análise Espacial do Voto. tam as chances de eleição de mulheres, em comparação aos sistemas
Na terceira seção, mostramos e discutimos os resultados. Por fim, majoritários (Araújo, 2005; Matland, 1998; Sacchet, 2018). Já sobre
na conclusão evidenciamos os principais achados e fazemos apon- a magnitude distrital, existem evidências de que mais cargos em
tamentos para pesquisas futuras. disputa trariam mais chances de eleição às mulheres (Araújo, 2005;
Dowling & Miller, 2015), e também achados mostrando o contrário
1. Discussão da literatura (Sacchet, 2013). Contudo, é de se esperar que com mais cargos a
serem conquistados, os partidos tendam a ter uma lista mais equi-
1.1 Mulher, política e padrões territoriais do voto librada, oferecendo mais espaço a grupos políticos minoritários,
como é o caso das mulheres (Matland, 1998, 2005).
352 Gênero nas eleições paranaenses de 2018: análise dos padrões Maria Cecília Eduardo, Ricardo Dantas Gonçalves, 353
espaciais do voto nas competições proporcionais Juliana Inez Luiz de Souza & Rodrigo Rossi Horochovski
Outro fator de extrema importância no desenho institucional é liares a cada partido, os quais podem facilitar ou dificultar a entrada
o tipo de lista adotada e se ela conta (ou não) com a presença de co- e a atuação feminina nesse espaço (Álvares, 2008; Bjarnegard &
tas eleitorais. Grande parte dos estudos da área apontam que os sis- Zetterberg, 2017).
temas proporcionais de lista aberta tendem a desfavorecer a eleição Em relação ao tamanho e à ideologia dos partidos, estudos
de mulheres (Martinez & Garrido, 2013; Matland, 2005; Rule, 1987; mostram que as mulheres possuem mais chances de eleição em
Tripp & Kang, 2008), devido à grande competição intrapartidária. partidos de grande porte e posicionados à esquerda no espectro
Porém, ressaltamos que os sistemas com lista fechada também po- político (Alles, 2014; Funk, Hinojosa & Piscopo, 2017; Jones, Alles
dem ser prejudiciais às chances de eleição feminina, caso não haja & Tchintian, 2012). Porém, essas colocações não são consensuais,
cotas de gênero e um ordenamento com mandato de posição, ou principalmente, pelo fato de muitos partidos, considerados de direi-
algum dispositivo de ordenação dos nomes dos candidatos da lista ta, estarem elegendo um número significativo de mulheres, como é
(Jones et al., 2012). o caso da América Latina (Babireski, Eduardo & Lorencetti, 2020).
Tratando-se das cotas eleitorais, podemos notar que elas têm Outro ponto de divergência seria o efeito da fragmentação partidá-
produzido resultados que variam significativamente (Norris, 2006). ria. Alguns estudiosos (Funk et al., 2017; Reynolds, 1999) afirmam
Alguns países mostram um grande crescimento no número de que quanto maior a fragmentação, menores as chances de eleição
mulheres eleitas após a implementação da medida, exemplo da das mulheres. Assim como, é argumento também que um maior
Argentina. Outros apresentam um crescimento modesto, como o número de partidos na disputa, beneficiaria grupos outsiders, como
Peru e a Bélgica. E existem aqueles que atingiram um crescimento é o caso das mulheres (Sainsbury, 1993).
mínimo na eleição de mulheres, como é o caso do Brasil. Uma série Pensando no passo anterior ao processo de seleção e de nome-
de fatores que também interferem na eficácia das cotas para mulhe- ação partidária, temos ainda a tomada de decisão de participar de
res são ressaltados pelas autoras Eduardo, Souza e Angeli (2018) em uma competição política, fato que se dá sob a influência da ambição
uma revisão sistemática a respeito do tema, como: o sistema elei- política, da disposição de recursos e da oportunidade de concorrer.
toral, a magnitude distrital, a implementação de mecanismos que Estudos apontam que a ambição política nascente das mulheres é
forcem o cumprimento das cotas, o tipo de lista partidária, a exis- geralmente menor que a dos homens e que isso está intimamente
tência do mandato de posição, a punição aos partidos que deixam ligado ao baixo número delas nos altos cargos políticos (Lawless,
de cumprir a lei, entre outros. 2015; Lawless & Fox, 2005). Isso porque, na cultura patriarcal e
Atuando em uma fase anterior à competição eleitoral, os parti- heteronormativa, os homens são socializados para enxergarem a
dos políticos ocupam um lugar central no fomento da participação política como uma esfera de atuação, o que faz com que eles aca-
política feminina. Isso se dá porque são eles os responsáveis pelo bem se familiarizando mais com esse campo e, consequentemente,
processo de seleção e de nomeação das candidaturas, os quais va- possuam uma maior ambição política. O que demonstra a perma-
riam consideravelmente entre os países e entre os partidos (Norris nência da divisão entre espaços públicos para os homens e privado
& Lovenduski, 1995). Essa dinâmica partidária é complexa e envol- para as mulheres e da organização social normativa sobre os espaços
ve, além da legislação estatutária, muitos aspectos informais pecu- que podem e devem ser ocupados por cada pessoa, com diferentes
354 Gênero nas eleições paranaenses de 2018: análise dos padrões Maria Cecília Eduardo, Ricardo Dantas Gonçalves, 355
espaciais do voto nas competições proporcionais Juliana Inez Luiz de Souza & Rodrigo Rossi Horochovski
papéis sociais, instituições e atividades relacionadas aos atributos proporcional brasileiro. Essa linha de pesquisa mapeia resultados
humanos (Fraser, 1993). eleitorais de cargos legislativos, sobretudo de Deputados Estaduais
Por fim, na questão da democratização e da participação femini- e Federais. Em linhas gerais, a ideia principal é a de que a combina-
na, vemos que, a maioria dos trabalhos chamam atenção para o pa- ção entre o sistema proporcional, lista aberta e distritos de grande
pel positivo que as instituições democráticas possuem na promoção magnitude resulta em padrões territoriais de competição eleitoral e
da presença feminina na política (Dahl, 2001; Lijphart, 1999; Fallon comportamento legislativo. Nesse cenário, os candidatos assumem
et al., 2012; Paxton, 1997). A ideia que prevalece é que o aumento estratégias eleitorais que podem ser traduzidas em luta por espaço
da participação feminina ocorre concomitantemente com a consoli- físico (Ames, 2003).
dação das instituições democráticas. Contudo, achamos importante No cenário de análise das eleições de 2018 no Paraná dos pleitos
destacar que essa afirmação não é um consenso, já que existem ca- proporcionais, de 746 concorrentes à deputado estadual, 520 eram
sos de países, como o Paquistão, onde governos considerados auto- homens e 226 mulheres, e para o cargo federal das 436 candidaturas,
ritários possuíam um percentual significativo de mulheres atuantes 303 masculinas e 133 femininas, deixando o estado com uma das
no legislativo, devido à reserva de assentos. Medida que caiu por piores proporções de candidaturas de mulheres disputando esse car-
terra, entre 1988 e 2000, quando o regime passou a ser democrático go. O resultado das eleições mostrou que a participação feminina na
(Krook, 2010). política paranaense segue limitada a números irrisórios. Nenhuma
Apresentados os pontos que julgamos centrais para a discussão mulher foi eleita para os cargos majoritários, apenas cinco deputadas
sobre a participação política feminina, chamamos a atenção para ocupam assentos na Assembleia Legislativa composta por 54 vagas
o fato que nenhum dos grupos de estudos mencionados aborda a e cinco na Câmara dos Deputados do total de 30 cadeiras. Apesar
questão espacial relacionada ao processo da participação política do pequeno acréscimo tanto na ALEP quanto na Câmara (em 2014
feminina. Na verdade, como aponta McGing (2014) e por meio do eram de três e uma deputadas, respectivamente), o Paraná possui o
levantamento bibliográfico, notamos uma lacuna de trabalhos que terceiro pior índice de participação feminina entre as Assembleias
pesquisem questões de gênero com métodos de análise espacial. Legislativas de todo o país, com 9%.
Uma evidência do tamanho dessa lacuna é que em um universo Apresentado esse breve levantamento da bibliografia sobre os
de 226 artigos identificados com “Electoral Geography” na Web of temas abordados nesta pesquisa e do cenário de análise, colocamos
Science apenas um conta com o termo “Gender” no título, resumo a seguinte pergunta:
ou palavras-chave (Gonçalves, 2021, na imprensa). Sendo assim,
nosso intuito é contribuir com uma identificação de padrões com RQ1: Em que medida os padrões de votação das candidaturas pro-
análise espacial do estado do Paraná para o pleito proporcional, porcionais paranaenses se assemelham (ou diferem) de acordo com o
buscando identificar diferentes tipos de votação nas eleições de 2018 gênero?
no que diz respeito ao gênero das candidaturas.
Essa combinação entre espaço e voto é utilizada, ao menos
desde Fleischer (1976), para tratar do modelo de sistema eleitoral
356 Gênero nas eleições paranaenses de 2018: análise dos padrões Maria Cecília Eduardo, Ricardo Dantas Gonçalves, 357
espaciais do voto nas competições proporcionais Juliana Inez Luiz de Souza & Rodrigo Rossi Horochovski
2. Metodologia Tabela 1. Candidaturas proporcionais nas eleições de 2018, Paraná, por cargo e
gênero
Ressaltamos que a investigação se encontra em fase exploratória Dep. Estadual Dep. Federal
e tem como principal intuito aplicar os métodos de Análise Espacial Estatística Feminino Masculino Feminino Masculino
como forma de compreender regularidades geográficas nos resulta- Número de candidaturas 234 516 132 301
dos eleitorais e a conformação de territórios eleitorais. Enfatizamos Soma de votos 464.242 4.839.765 822.013 4.607.876
que apesar de ambos os cargos serem disputados sob as mesmas Média de votos 1.983 9.379 6.227.371 15.308
regras, não ignoramos que existem diferenças significativas de com-
Mediana de votos 356 1.629 737 2.488
petição entre eles. Ou seja, que os cálculos feitos para a participação
Desv. Pad. de votos 21.171 24.343 24.589 34.111
em cada uma das competições (estadual e federal) não são simila-
res. Pois, partindo do pressuposto que quanto mais local a atuação Mínimo de votos 7 9 12 12
política, maiores as chances de participação feminina (Wylie & Dos Máximo de votos 50.414 427.749 212.513 314.963
Santos, 2016; Adams, 2010; Bohn, 2009; Hogan, 2007), podemos Limite do terceiro quartil 934 7.878 1.810 10.441
pensar que o cargo para deputada estadual seja mais apelativo que de votos
o de deputada federal, uma vez que a atuação deste se dá majorita- Número de candidaturas na 59 129 33 75
riamente em Brasília e a de deputada estadual fica restrita ao estado. amostra
Fonte: elaboração própria, com base nos dados do TSE (2020)
Justamente por isso, destacamos que os dados utilizados para cada
um dos cargos foram trabalhados separadamente sendo a compara- Para alcançar esse objetivo, estabelecemos como amostra o
ção feita apenas entre os gêneros das candidaturas. quartil mais votado nas candidaturas aos pleitos de deputado fe-
Nosso principal objetivo é estimar se existe diferença no padrão deral e estadual no Paraná nas eleições de 2018. Essa delimitação
de distribuição espacial de votos entre os gêneros. As regras eleito- garante um número mínimo de votos por candidatura para a dis-
rais brasileiras definem que os pleitos legislativos ocorrem em um tribuição nas mais de quatro mil unidades espaciais. Além disso, a
sistema proporcional em distritos de alta magnitude. De outra for- amostra representa as candidaturas mais estruturadas, com condi-
ma, uma candidatura a deputado federal ou estadual pode receber ções concretas de competitividade e representação, contando com
votos de qualquer parte do estado ao qual concorre. Mas, quando os 296 candidaturas, 92 do gênero feminino e 204 do masculino, como
votos são distribuídos espacialmente é possível verificar que, para apresenta a tabela 1. De início, já é visível a diferença na represen-
ao menos uma parte das candidaturas, o padrão não é aleatório e tação dos gêneros: para candidaturas femininas ao cargo estadual o
sim concentrado em uma parte específica do estado. limite de entrada na amostra é 8,4 vezes menor que a masculina, e
5,7 vezes menor para o cargo federal. O que além de exemplificar a
baixa representação feminina nas candidaturas aponta para a dis-
crepância na somatória, média e mediana de votos.
358 Gênero nas eleições paranaenses de 2018: análise dos padrões Maria Cecília Eduardo, Ricardo Dantas Gonçalves, 359
espaciais do voto nas competições proporcionais Juliana Inez Luiz de Souza & Rodrigo Rossi Horochovski
Com base nesta amostra aplicamos um modelo de análise espa- plicadas. Do total de 4.723 LV nas eleições de 2019 no Paraná estão
cial e comparamos os resultados filtrando o gênero na candidatura. ausentes apenas 1,33% (n = 63).
As ferramentas utilizadas no trabalho foram: para a preparação dos Os LV foram utilizados em ao menos outras seis pesquisas com
dados o R, o Python e o Qgis; no processamento de estatísticas es- resultados eleitorais espacialmente agregados no Brasil. Quatro pes-
paciais o ArcMap e o ArcGIS Pro; e no processamento de estatísticas quisas se dedicaram a padrões a partir dos LV de um único municí-
clássicas o NCSS. A análise espacial é composta pelo objeto, a rela- pio, São Paulo (Faganello, 2017), Rio de Janeiro (Nascimento, 2017;
ção e o estimador espacial. Abaixo expomos cada uma dessas defi- Marques, 2018) e Curitiba (Gonçalves, 2016). As outras duas olha-
nições na nossa operacionalização de distribuição espacial de votos. ram para os municípios da região metropolitana de Porto Alegre
O nosso modelo é construído usando os pontos de Locais de (Fedozzi & Corrêa, 2015; Corrêa, 2011). Mas não encontramos ne-
Votação (LV), o objeto espacial original dos dados eleitorais agre- nhuma publicação que considerasse um estado inteiro como uni-
gados no Brasil. Usualmente as pesquisas que se dedicam aos pa- verso da pesquisa.
drões espaciais de voto dos cargos legislativos utilizam agregações e Quanto às relações espaciais (W), são elas que definem como
arranjos geográficos em escalas menores, sobretudo os municípios os objetos interagem. No nosso caso, como os LV se conectam para
(Gonçalves, 2016). A utilização de LV tem duas vantagens princi- formar um concentrado de votos no estado. W é uma matriz n x n
pais: evita o viés estatístico da área modificável (Robinson, 1950), que indica com que peso os objetos espaciais se relacionam de par
efeito da variação dos dados no plano em que a transformação de a par. O método mais comum nos modelos de análise espacial na
dados pontuais em dados de área altera os coeficientes estatísticos Ciência Política brasileira considera a conexão entre objetos con-
(Ávila & Monasterio, 2008); e permite a análise de padrões espaciais tíguos, em uma relação binária (Gonçalves, 2016). De outra for-
intramunicipais, com liberdade para que os padrões surjam a partir ma, assume-se que a influência entre os objetos é 1 se i e j dividem
da distribuição natural dos dados, sem cortes pré-definidos. O que fronteira e 0 se não. Mesmo quando os trabalhos utilizam LV como
surge da análise a partir de LV é uma realidade mais complexa e me- objetos espaciais (Gonçalves, 2016; Faganello, 2017; Nascimento,
nos caricata onde “o distrito eleitoral multinominal formal [...] con- 2017) os pontos passam por processo de decomposição no plano
verte-se em dezenas de distritos informais cujas fronteiras podem e são analisados como áreas assumindo as relações topológicas de
ser geográficas, temáticas ou ideológicas” (Marques, 2018, p. 30). contiguidade binária. Essa definição de W recebe críticas por ser
A base de dados conta com latitudes e longitudes de 4.660 LV. um proxy que representa mal a realidade e os mecanismos causais
Destas, 3.999 tem como fonte o banco de dados oficial do Repositório previstos nas teorias (Di Salvatore & Ruggeri, 2021; Neumayer &
de Dados Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 559 são Plümper, 2016).
predições do modelo de Hidalgo (2021), 150 da base de dados de Na perspectiva de contribuir e inovar, a operacionalização uti-
Pindograma (2020) e 15 coordenadas foram encontradas a partir de lizada aqui busca representar de forma mais satisfatória as relações
coleta manual no Google Maps. Os dados foram validados a partir entre os LV — e por conseguinte de tudo que elas representam na
de correspondência entre os limites de fronteira do município sede teoria, como o eleitorado, as ações de campanha, os distritos in-
e a localização geográfica do LV e identificação de coordenadas du- formais e as relações entre brokers (mediadores de relações políti-
360 Gênero nas eleições paranaenses de 2018: análise dos padrões Maria Cecília Eduardo, Ricardo Dantas Gonçalves, 361
espaciais do voto nas competições proporcionais Juliana Inez Luiz de Souza & Rodrigo Rossi Horochovski
cas). Primeiro tomamos as distâncias entre cada par de LV usando Em suma, a operacionalização de relações espaciais que utili-
a estrutura de redes transitáveis entre elas. Para isso, utilizamos o zamos considera as distâncias entre os LV a partir das redes tran-
conjunto de ruas do Brasil do OpenStreetMap. Diferentemente dos sitáveis reais e pesa as conexões entre objetos com um fator de
métodos utilizados pela literatura que encontramos, essa operacio- densidade local.
nalização não ignora objetos espaciais que modificam as distâncias Utilizamos o índice I de Moran como estimador espacial dos
reais, como montanhas, rios, pontes e áreas de preservação. Outro padrões. Esse é um índice de autocorrelação espacial global, ou seja,
problema enfrentado pelas análises espaciais de voto no Brasil é a analisa o padrão da distribuição dos dados (disperso, aleatório ou
heterogeneidade espacial da distribuição de eleitores (Marzagão, concentrado) a partir de todas as relações definidas em W. O resul-
2013; Terron, 2009). No caso do Paraná, temos os extremos da tado do estimador é o grau de heterogeneidade ou homogeneidade
capital Curitiba com mais de quatro mil habitantes por km² e de espacial em um coeficiente que varia entre -1 e 1, onde o valor 1 in-
Alto Paraíso com menos de quatro habitantes por km². Definir dica a máxima autocorrelação positiva, -1 a mais intensa autocorre-
W com um peso global em um banco de dados com alta variação lação negativa e 0 indica total aleatoriedade na distribuição espacial.
espacial sub-representa as conexões em zonas rurais e municípios No nosso caso, um índice próximo de 1 indicaria que a votação da
do interior ou super-representa as relações em zonas urbanas. E.g., candidata está longe de ser aleatória, que os votos foram dados em
um dos métodos possíveis seria o definir como conectados todas as LV com alto grau de conexão entre si, formando um agrupamento
unidades com até 29,3 km de distância entre si, a distância mínima bem delimitado. O I de Moran é o principal estimador da caracterís-
para que todas as LV tenham ao menos uma conexão. Com esse tica do padrão espacial e da força da relação entre objetos espaciais
threshold a média de conexões entre LV é de 68, chegando a mais (Darmofal, 2006, p.15). Na análise espacial de voto no Brasil este
de 700 conexões de uma mesma LV, uma super-representação de índice pode ser encontrado nos trabalhos de Ames (2003), Soares
áreas densas. Para lidar com esse problema utilizamos uma abor- e Terron (2008), Terron (2009), Terron e Soares (2010), Marzagão
dagem local onde cada par de objetos possui um peso de conexão (2013) e Gonçalves (2016).
próprio. Incorporamos à matriz de distâncias de par a par por redes
transitáveis Wi,j uma função exponencial negativa e- ponderada pela 3. Resultados e discussão
distância média dos k vizinhos mais próximos t de cada objeto i,j.
Formalmente: Todos os 296 resultados de autocorrelação espacial de votos
apresentam níveis de significância e valores críticos que permitem
dizer que os padrões encontrados não são efeitos do acaso. Existe
menos de 1% de probabilidade de aleatoriedade espacial completa
em qualquer um dos resultados dos padrões encontrados na amos-
tra. O valor p é estatisticamente significativo e o escore z é positivo
e acima do limite crítico, ou seja, a distribuição espacial dos votos
entre os LV é mais concentrada do que o esperado em fenômenos
362 Gênero nas eleições paranaenses de 2018: análise dos padrões Maria Cecília Eduardo, Ricardo Dantas Gonçalves, 363
espaciais do voto nas competições proporcionais Juliana Inez Luiz de Souza & Rodrigo Rossi Horochovski
espaciais aleatórios para todos os casos, independentemente de gê- A figura 1 mostra que o padrão de similaridade de resultados
nero e cargo. entre cargos é especial nas candidaturas do gênero masculino, os
No geral, desconsiderando os gêneros, os resultados do I de gráficos mostram alta simetria das duas distribuições. Para o caso
Moran variam entre 0,869 (Ana Fábia, PSD, não eleita) e 0,057 das candidaturas femininas é possível verificar diferenças no padrão
(Eliana Fuzari, PSD, não eleita) para o cargo Estadual, e 0,809 (Felipe de densidade, na amplitude e na mediana. Mas não há evidências
Passos, PSDB, não eleito) e 0,063 (Mounir Chaowiche, PSDB, não suficientes para concluir que a diferença entre as médias da popula-
eleito) para Federal. A diferença nas medidas de tendência central ção é estatisticamente significativa. Usualmente o teste de diferen-
da distribuição dos resultados de I de Moran entre os cargos é baixa, ça de médias aplicado pela literatura é o teste-t que assume que as
a média do score é de 0,413 para Estadual e 0,406 para Federal. distribuições de cada grupo seguem uma curva normal. Mas, neste
caso, como não é possível assumir a normalidade das distribuições
Figura 1. Gráfico de violino com boxplot e densidade dos índices I de Moran da dos resultados por cargo e por gênero utilizamos o teste não pa-
amostra de resultados eleitorais, 2018, Paraná, por cargo e gênero ramétrico U de Mann-Whitney. O nível de significância do teste U
para a diferença dessas médias é de 0,72593. Uma vez que o valor é
superior ao limite crítico de 95% adotado pelo trabalho, não é pos-
sível rejeitar a hipótese nula de diferença de médias (μ_I estadual = μ_I
federal
).
A distribuição dos resultados da autocorrelação espacial mostra
um padrão diferente entre gêneros (nossa questão principal). O his-
tograma, figura 2, das candidaturas masculinas é assimétrico com
concentração à esquerda, enquanto a distribuição do I de Moran
das candidaturas femininas apresenta maior concentração à direita.
Esse resultado é um indicativo de que as candidatas apresentam, em
média, uma votação mais concentrada espacialmente.
Figura 2. Histograma comparativo dos índices I de Moran da amostra de Figura 3. Sumário de estatísticas descritivas da diferença de I de Moran da
resultados eleitorais, 2018, Paraná, por cargo e gênero amostra de resultados eleitorais, 2018, Paraná, por gênero
do que, as poucas que conseguem transpor todos os obstáculos na a distribuição nas mais de quatro mil unidades espaciais. Aplicamos
entrada do campo político, possuem performance eleitoral muito o índice I de Moran de Análise Espacial como forma de compreen-
parecida com a de seus pares masculinos. Constatamos o mesmo der regularidades geográficas nos resultados eleitorais e a confor-
em relação ao padrão de distribuição dos votos, ou seja, mesmo que mação de territórios eleitorais. A inovação nessa metodologia foi
existam indícios de diferenças nas dinâmicas políticas entre os gê- usar como fator de densidade as relações das distâncias transitáveis
neros, não foi possível observá-las nos padrões de votação. Porém, entre os 4.660 locais de votação (unidade de análise). Os resultados
não podemos ignorar que, apesar de não possuir significância es- mostram que as candidatas apresentam, em média, uma votação
tatística, a votação feminina foi um pouco mais concentrada que a mais concentrada espacialmente que os homens. Mas a resposta a
masculina. nossa pergunta de pesquisa é que os padrões de votação das candi-
O segundo ponto que ressaltamos é que o fato de o gênero das daturas proporcionais paranaenses têm características semelhantes
campanhas não possuir uma diferença significativa nesta investiga- independente do gênero.
ção, não significa que ele não seja uma fator de peso nas dinâmicas Esta exploração inicial, de saída, mostra que a diferença na re-
políticas. Muito pelo contrário. Ele influencia diretamente o pro- presentação dos gêneros nas candidaturas analisadas já exemplifica
cesso eleitoral em si e, talvez mais importante ainda, o processo que a importância de pesquisas relacionadas à participação feminina na
antecede a candidatura. No momento em que o gênero é trabalhado política. Além disso, fica clara a lacuna na literatura e a necessidade
de maneira descritiva, sem o entendimento da natureza interseccio- de explorações entre a Geografia Eleitoral e a Ciência Política asso-
nal desse conceito, podemos chegar a resultados que subestimam ciadas ao fenômeno de sub-representação das mulheres nas esferas
a importância que ele possui. Devemos ter em mente que o campo da política. Na discussão sobre a participação política feminina,
político permanece desenvolvido com base em características mas- nenhuma perspectiva apresentada no trabalho aborda a questão es-
culinas, o que já coloca as mulheres em desvantagem. A análise das pacial. A lacuna de pesquisas sobre gênero com métodos de Análise
instituições políticas deve levar em conta o caráter sexista que elas Espacial ressalta também a necessidade de incluir outras variáveis de
encerram, seja de maneira explícita ou de maneira tácita. análise dada a complexidade do tema e dos fatores explicativos que
influenciam a persistência do baixo número de mulheres em cargos
Considerações finais eletivos. Além dos pontos-chave elencados pela literatura específica
do campo, é preciso agregar outros fatores, especialmente quanto às
Este trabalho buscou identificar se existem padrões de votação fases anteriores à seleção, nomeação e competição eleitoral.
das candidaturas proporcionais paranaenses de acordo com o gêne- Outra questão é a necessidade de uma visão interseccional do
ro. Para isso, definimos o corpus de 25% de candidatas e candidatos gênero, incluindo estudos de gênero e feministas, para evitar resul-
com maior número de votos nominais (296 candidaturas, 92 mulhe- tados que subestimam a sua importância. Como o debate do espa-
res e 204 homens). Esse recorte representa a elite das candidaturas ço privado que invisibiliza ações e necessidades, pois as mulheres,
(mais estruturadas e com condições concretas de competitividade), mesmo tendo acesso a espaços públicos e à expressão pública, per-
além de garantir um número mínimo de votos por candidatura para manecem reféns de regimes de controle e vigilância das normas e
368 Gênero nas eleições paranaenses de 2018: análise dos padrões Maria Cecília Eduardo, Ricardo Dantas Gonçalves, 369
espaciais do voto nas competições proporcionais Juliana Inez Luiz de Souza & Rodrigo Rossi Horochovski
papéis de gênero predominantes que pressionam e privatizam ma- Araújo, C. (2005) Partidos políticos e gênero: mediações nas rotas de
nifestações da feminilidade, mantendo-as fora do discurso, opinião ingresso das mulheres na representação política. Revista Sociologia
e consideração pública (Young, 2012). A disputa de fronteira des- & Política, s/v(24), pp. 193-215.
tas concepções e da linguagem que subordina e exclui as mulheres
(Butler, 2003), deve estar em todos os espaços permeados por rela- Araújo, C. (2009) Gênero e acesso ao poder legislativo no Brasil: as
ções de poder, sendo a representatividade um dos caminhos para a cotas entre as instituições e a cultura. Revista Brasileira de Ciência
superação na busca por maior visibilidade e legitimidade de pessoas Política, s/v(2), pp. 23-59.
excluídas como sujeitos políticos.
Por fim, a baixa participação política feminina, que permane- Araújo, C. & Borges D. (2013) Trajetórias políticas e chances
ce como defeito das democracias representativas, demanda novos eleitorais: analisando o “gênero” das candidaturas em 2010. Revista
estudos com novas propostas que possam apontar os obstáculos in- Sociologia & Política, 21(46), pp. 69-91.
tencionais ou involuntários presentes nesse fenômeno. Assim como
a sugestão de ações e propostas para que sejam superadas. Babireski, F. R., Eduardo, M. C. & Lorencetti, M. A. (2020) As
Mulheres na direita: perfil das deputadas federais de direita no
Referências Brasil. Anais do I Seminário Discente de Ciência Política. UFPR.
Di Salvatore, J. & Ruggeri, A. (2021) Spatial analysis for political Funk, K. D., Hinojosa, M. & Piscopo, J. M. (2017) Still Left Behind:
scientists. Italian Political Science Review/Rivista Italiana Di Scienza Gender, Political Parties, and Latin America’s Pink Tide. Social
Politica, 51(2), pp. 198-214. Politics, 24(4), pp. 399-424.
Dowling, C. & Miller, M. (2015) Can Information Alter Perceptions Fraser, N. (1993) Repensar el àmbito público: uma contribución
about Women’s Chances of Winning Office? Evidence from a Panel a la crítica de la democracia realmente existente. Revista Debate
Study. Politics & Gender, 11(1), pp. 55-88. Feminista, 7(s/n), pp. 23-58.
Eduardo, M. C., Souza, J. I. L. & Angeli, A. E. (2019) Cotas eleitorais Gonçalves, R. D. (2016) Onde agrego os votos? Contribuições
para mulheres: análise bibliográfica da pesquisa científica nas à Geografia Eleitoral aplicada a problemas político-eleitorais
Ciências Sociais. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em brasileiros [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do
Ciências Sociais – BIB, 90(s/n), pp. 1-22. Paraná].
Faganello, M. A. (2017) O voto na bancada da bala: estudo de Gonçalves, R. D. (na imprensa). Superando limitações da Análise
geografia eleitoral na cidade de São Paulo (2012/2016) [Dissertação Espacial de voto no Brasil.
de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas].
Hidalgo (2021) geocode_br_polling_stations. GitHub. Recuperado
Fallon, K. M., Swiss, L. & Viterna, J. (2012) Resolving the democracy em 10 de abril de 2021, de https://bit.ly/3wGB84z.
paradox democratization and women’s legislative representation in
developing nations, 1975 to 2009. American Sociological Review, Hogan, R. E. (2007) The effects of candidate gender on campaign
77(3), pp. 380-408. spending in state legislative elections. Social Science Quarterly,
88(5), pp. 1092-1105.
Fedozzi, L. & Corrêa, F. S. (2015) Conexões eleitorais e geografia
social do voto na Região Metropolitana de Porto Alegre: das Horochovski, R. R., Junckes, I. J., Silva, E. A., Silva, J. M. & Camargo,
debilidades da “polity” aos déficits da “policy”. In L. Fedozzi & P. R. N. F. (2016) Estruturas de poder nas redes de financiamento político
R. Soares (orgs), Porto Alegre: transformações na ordem urbana. nas eleições de 2010 no Brasil. Opinião Pública, 22(1), pp. 28-55.
Letra Capital/Observatório das Metrópoles, pp. 554-594.
Jones, M. P., Alles, S. & Tchintian, C. (2012) Cuotas de género, leyes
Feitosa, F. (2012) A participação política das mulheres nas eleições electorales y elección de legisladoras en América Latina. Revista de
2010: panorama geral de candidatos e eleitos. In J. E. D. Alves, C. R. ciencia política, 32(2), pp. 331-357.
J. Pinto & F. Jordão. Mulheres nas eleições 2010. ABCP/SPM, pp.
139-166. Junckes, I. J., Horochovski, R. R., Camargo, N. F., Silva, J. M., Silva,
E. A., & de Almeida, L. B. (2015) Posicionamento das mulheres na
372 Gênero nas eleições paranaenses de 2018: análise dos padrões Maria Cecília Eduardo, Ricardo Dantas Gonçalves, 373
espaciais do voto nas competições proporcionais Juliana Inez Luiz de Souza & Rodrigo Rossi Horochovski
rede de financiamento eleitoral e seu desempenho nas eleições de Matland, R. (1998) Women’s Representation in National Legislatures:
2010 no Brasil: A dinâmica estrutural da exclusão e marginalização Developed and Developing Countries. Legislative Studies Quarterly,
feminina no poder político. Revista Latino-Americana de Geografia 23(1), pp. 109-125.
e Gênero, 6(1), pp. 25-47.
Matland, R. (2005) Enhancing women’s political participation:
Krook, M. L. (2010) Quotas for women in politics: gender and legislative recruitment and electoral systems. In J. Ballington &
candidate selection reform worldwide. Oxford University Press. A. Karam (orgs), Women in Parliament: beyond numbers. (2. ed)
International Institute for Democracy and Electoral Assistance, pp.
Lawless, J. L. (2015) Female candidates and legislators. Annual 93-111.
Review of Political Science, (18), pp. 349-366.
McGing, C. (2014) Towards a Feminist Electoral Geography. SSRN,
Lawless, J. L. & Fox, R. L. (2005) It takes a candidate: why women pp. 1-12.
don’t run for office. Cambridge University Press.
Moreira, N. P. & Barberia, L. G. (2015) Por que elas são poucas?
Lijphart, A. (1999) Patterns of Democracy: Government Forms and Uma revisão sobre as causas da baixa presença de mulheres no
Performance in 36 Countries. Yale University Press. Congresso brasileiro. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica
em Ciências Sociais – BIB, 79(s/n), pp. 38-56. https://bit.ly/35EjzpL
Jones, M. P., Alles, S. & Tchintian, C. (2012) Cuotas de género, leyes
electorales y elección de legisladoras en América Latina. Revista de Nascimento, C. C. (2017). Igreja como partido: capacidade de
Ciencia Política, 32(2), pp. 331-357. coordenação eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus [Tese
de Doutorado, Escola de Administração de Empresas de São Paulo,
Marques, F. M. C. (2018) Conexão eleitoral em um sistema FGV].
proporcional de lista aberta: Distritos informais e emendas ao
orçamento no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Neumayer, E. & Plümper, T. (2016) W. Political Science Research
33(98), pp. 1-30. and Methods, 4(1), pp. 175-193.
Martinez, M. A. & Garrido, A. (2013) Representación descriptiva Norris, P. (2006) Fast track strategies for women’s representation in
y sustantiva: la doble brecha de género en América Latina. Revista Iraq and Afghanistan: choices and consequences. Annual Meeting
Mexicana de Sociología, 75(3), pp. 407-438. https://bit.ly/3cRDQw6 of the American Political Science Association. APSA.
Marzagão, T. (2013) A dimensão geográfica das eleições brasileiras. Norris, P. & Lovenduski, J. (1995) Political Recruitment. Cambridge
Opinião Pública, 19(2), pp. 270-290. University Press.
Pindograma (2020) Mapa. GitHub. Recuperado em 15 de dezembro Terron, S. & Soares, G. (2010) As bases eleitorais de Lula e do PT:
de 2020, de https://bit.ly/3wGuFXr. do distanciamento ao divórcio. Opinião Pública, 16(2), pp. 310-337.
Reynolds, A. (1999). Women in the legislatures and executives of Tripp, A., & Kang, A. (2008) Female representation: the global
the world: Knocking at the highest glass ceiling. World Politics, impact of quotas. Comparative Political Studies, 3(8), pp. 338-361.
51(4), pp. 547-572.
Wylie, K., & Dos Santos, P. (2016) A Law on Paper Only: Electoral
Rule, W. (1987) Electoral systems, contextual factors and women’s Rules, Parties, and the Persistent Underrepresentation of Women in
opportunity for election to parliament in twenty-three democracies. Brazilian Legislatures. Politics & Gender, 12(3), pp. 415-442.
The Western Political Quarterly, 40(3), pp. 477-498.
Young, I. M. (2012) O ideal da imparcialidade e o público cívico.
Sacchet, T. (2013) Democracia pela metade: candidaturas e Revista Brasileira de Ciência Política, s/v(9), pp. 169-203.
desempenho eleitoral das mulheres. Cadernos Adenauer, 14(2), pp.
85-107.
Sobre os autores
Sacchet, T. (2018) Why gender quotas don’t work in Brazil? The role
of the electoral system and political finance. Colombia Internacional, Maria Cecília Eduardo é doutoranda em Ciência Política na
s/v(95), pp. 25-54. Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
br/2334970399107469
Sainsbury, D. (1993) The Politics of Increased Women’s
Representation: the Swedish Case. In P. Norris & J. Lovenduski Ricardo Dantas Gonçalves é doutorando em Ciência Política na
(orgs.), Gender and Party Politics. Sage, pp. 263-290. Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
br/5493206908255714
Soares, G. & Terron, S. (2008) Dois Lulas: a geografia eleitoral da
reeleição (explorando conceitos, métodos e técnicas de análise Juliana Inez Luiz de Souza é doutoranda em Ciência Política na
geoespacial). Opinião Pública, 14(2), pp. 269-301. Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
br/0255338004868523
Speck, B. W. (2018) O efeito contagiante do sucesso feminino: A
eleição de prefeitas e o impacto sobre as candidaturas nos próximos Rodrigo Rossi Horochovski é doutor em Sociologia Política
pleitos. Latin American Research Review, 53(1), pp. 57-75. pela Universidade Federal de Santa Catarina e professor do
Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do
Terron, S. (2009) A Composição de Territórios Eleitorais no Brasil: Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/7124028943127330
Uma Análise das Votações de Lula (1989 - 2006) [Tese de Doutorado,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro].
‘That’s too much, man!’: como resolver o
problema do excesso de candidatos no Brasil
Márcio C. Carlomagno
Contexto
As eleições para cargos proporcionais no Brasil têm candidatos
demais. Este excesso de candidatos é um dos principais argumentos,
por parte dos dirigentes partidários, em defesa do sistema eleitoral
“distritão”, pois facilitaria a formação da nominata partidária,
reduzindo a necessidade de lançar candidatos em demasia, ou do
retorno das coligações nas proporcionais, pois os partidos teriam
dificuldade para preencher toda a lista sozinhos.
Objetivos
Os objetivos deste texto são: i) demonstrar que o fenômeno do excesso
de candidatos é um fato empiricamente comprovável; ii) explicar
porque isso é um problema, para eleitores, para partidos políticos
e para a ciência política, sem solução orgânica nas atuais regras;
iii) resumir as propostas em debate que poderiam solucionar esse
problema; iv) apresentar minha proposta de solução.
Métodos
A pesquisa mobiliza dados das eleições de 2014, 2016, 2018 e 2020, para
CAPÍTULO 12 os cargos de vereador, deputado estadual e deputado federal. Utilizo a
fórmula do NEP (número efetivo de partidos), aplicada aos candidatos,
378 ‘That’s too much, man!’: como resolver o problema do excesso de Márcio C. Carlomagno 379
candidatos no Brasil
que não há meios alternativos para alcançar o objetivo de reduzir o do partido/coligação, para verificar se candidatos não competitivos
número de candidatos que cada partido precisa lançar? na eleição geral possam ter sido relevantes para o partido atingir o
Os objetivos deste texto são: i) demonstrar que o fenômeno do quociente eleitoral. Ambos resultados confirmam as hipóteses 1 e 2.
excesso de candidatos é um fato empiricamente comprovável; ii) A seguir, procuro explicar porque os partidos não lançam ape-
explicar porque isso é um problema, para eleitores, para partidos nas seus candidatos viáveis. Argumento que esse comportamento
políticos, e também para os pesquisadores de ciência política, sem ocorre por um problema de coordenação na ação coletiva. Se um
solução orgânica nas atuais regras; iii) resumir as propostas em de- partido A lançar somente seus candidatos viáveis, deixando de lan-
bate que poderiam solucionar esse problema; iv) apresentar minha çar o excesso de candidatos, mas outros partidos lançarem os seus,
proposta de solução. este partido A seria prejudicado. A mesma lógica se aplica a todos
Para colocar em termos científicos formais, tenho por hipóteses: partidos, prejudicando-os de forma indistinta. A solução seria for-
çar todos a lançar menos candidatos. Na seção seguinte, realizo bre-
H1: A maioria dos candidatos lançados em disputas proporcionais no ve resumo de algumas soluções em debate no Congresso, para, na
Brasil é eleitoralmente irrelevante. seção final, apresentar uma nova alternativa.
Na última seção, argumento que, além das opções em debate
H2: A maioria dos candidatos lançados em disputas proporcionais, (“distritão” ou retorno das coligações), há outra solução legal para
além de ser eleitoralmente irrelevante (H1), também não apresenta este problema: modificar o art. 10º da lei das eleições, para permitir
resultados expressivos para a votação de seu partido ou coligação. que cada partido lance apenas 75% do número de cadeiras, metade
do que a regra atual prevê. Isso obrigaria todos partidos a lançarem
H3: A explicação para o comportamento partidário aparentemente somente seus candidatos viáveis, eliminando o problema da ação
ilógico, frente aos resultados de H1 e H2, pode ser atribuída a um coletiva, sem necessidade de modificar o sistema eleitoral. Mobilizo
equilíbrio subótimo, fruto de um problema da ação coletiva, gerado dados para mostrar que essa reforma não afetaria nenhum partido
pelas atuais regras eleitorais. no plano estadual ou federal, e quase nenhum no plano municipal.
Do ponto de vista da teoria democrática e do princípio constitucio-
H4: A situação descrita em H3 pode ser resolvida alterando-se o limite nal do multipartidarismo, também há justificativas para defender
de candidaturas permitidas aos partidos políticos. esta nova regra.
A pesquisa mobiliza dados das eleições de 2014, 2016, 2018 e 1. Desenho de pesquisa
2020, para os cargos de vereador, deputado estadual e deputado fe-
deral. Utilizo a fórmula do NEP (número efetivo de partidos), apli- Essa pesquisa mobiliza dados das eleições de 2014, 2016, 2018 e
cada aos candidatos, em duas abordagens distintas. Primeiro, a mais 2020, para os cargos de vereador, deputado estadual e deputado fe-
tradicional, para verificar os candidatos competitivos na eleição deral. Em todos os casos, foram utilizados dados de todos os candi-
geral. A seguir, o que chamo de taxa de contribuição para votação datos, partidos, municípios e estados. O principal instrumento que
382 ‘That’s too much, man!’: como resolver o problema do excesso de Márcio C. Carlomagno 383
candidatos no Brasil
utilizo é a fórmula do NEP (número efetivo de partidos), aplicada apêndices. Neste sentido, importante não confundir capacidade de
aos candidatos, em duas abordagens distintas. síntese com simplismo, já que o que está condensado em apenas um
Primeiro, a mais tradicional, para verificar os candidatos gráfico é fruto de um longo processo de estruturação de banco de
competitivos na eleição geral. Para isso, calculei o NEP de cada elei- dados e processamento de resultados.
ção e associei com seu respectivo N na ordem de votação.
A seguir, realizei o cálculo do NEP considerando a vota- 2. O Brasil realmente tem candidatos demais?
ção do partido/coligação. Chamo isso de taxa de contribuição para
votação do partido/coligação. Essa abordagem é útil para testar se, 2.1 Competividade na eleição geral
hipoteticamente, candidatos que não foram relevantes na eleição
geral possam ter sido importantes para contribuir com a votação do Vamos começar pela afirmação que abre este artigo, que pode
partido/coligação. Até onde me consta, sou o primeiro a proceder gerar desconfiança do nobre leitor ou da nobre leitora: será que
com essa utilização. realmente o Brasil tem candidatos demais? Então, aos dados! Do
O número de partidos efetivos foi criado por Laakso e número total de candidatos lançados, quantos foram eleitoralmente
Taagepera (1979) no final dos anos 1970, e é uma das métricas mais relevantes e quantos não o foram?
utilizadas na ciência política brasileira, especialmente para indicar a O gráfico 1 mostra a razão entre o número de candidatos com-
fragmentação dos legislativos. O valor indica a quantidade de par- petitivos e o número de candidatos lançados, para identificar quais
tidos que têm alguma relevância dentro de uma determinada casa candidatos foram competitivos, ainda que não eleitos, e quais foram
legislativa, considerando a força relativa das legendas. Embora a eleitoralmente irrelevantes. O resultado varia de zero a um, sendo
utilização clássica do NEP seja sobre casas legislativas, ele também que quanto mais alto o valor, mais candidatos relevantes propor-
pode ser aplicado utilizando-se resultados eleitorais (votos). Neste cionalmente ao número lançado, e vice-versa. Se você quiser, pode
caso, temos não o número de partidos efetivos no legislativo, mas mentalmente multiplicar o resultado por cem, para ler em forma
o número de candidatos efetivos nas eleições – o que pode ser um de porcentagem. Os pontos identificados mostram as médias e as
bom indicador do grau de competição política. A fórmula para o barras de erro indicam um desvio-padrão. Informações adicionais
cálculo é a seguinte (Laakso e Taagepera, 1979): dos resultados constam nos anexos.
Gráfico 1. Razão entre candidatos competitivos e lançados Para responder a essa hipótese, calculei o que chamo de taxa
de contribuição para votação do partido/coligação, apresentada no
gráfico 2. Trata-se de abordagem semelhante à apresentada ante-
riormente, com uso do NEP aplicado aos candidatos, mas aqui con-
tabilizado somente a votação total de cada partido/coligação. Ou
seja, não se está vendo sua efetividade na eleição geral, mas dentro
da votação do partido/coligação. Por exemplo, um candidato com
100 votos pode ter sido irrelevante na competição geral, mas se seu
partido só fez 150 votos, esse candidato foi responsável por dois ter-
ços deles, logo, útil para seu partido. A interpretação do gráfico é
idêntica ao anterior, e informações adicionais também constam nos
anexos.
Como era de se esperar, os valores são mais altos para esta taxa cinco mil opções em ordem alfabética. Provavelmente não seria
do que para o teste anterior. Constatamos que, dentro dos partidos/ uma escolha fácil. Simplificando, esse é o atual sistema eleitoral para
coligações, em média cerca de 30% dos candidatos a deputado es- cargos proporcionais no Brasil.
tadual contribuem com a votação de suas organizações, 40% para Na psicologia social esse problema é chamado de “choice overlo-
deputado federal e 55% para vereador. Significa que, em geral, en- ad” (sobrecarga de opções, em tradução livre), em que se argumenta
tre metade e dois terços dos candidatos são eleitoralmente inúteis, que o aumento das opções apresentadas aos indivíduos no momen-
inclusive para ajudar suas agremiações no seu montante final de to da escolha implica em decréscimo na qualidade da tomada de
votos. Isto implica que a maior parte das coligações/partidos pode- decisões (Schwartz, 2004). O argumento, em geral, é que ter opções
ria ter obtido uma votação muito semelhante à que teve com muito em demasia gera efeitos psicológicos, emocionais e comportamen-
menos recursos (humanos) utilizados. H2, portanto, também está tais negativos, uma vez que é mentalmente estressante a necessidade
comprovada. de comparação de cada opção com suas alternativas, para seleção
Constatado o fato de que a grande parcela dos candidatos sequer da melhor. Isto ocorre quando há muitas opções equivalentes ou
chega perto de ter alguma relevância eleitoral, passamos ao segundo indistintas (Iyengar & Lepper, 2000).
objetivo desse texto, que é responder à justa indagação: e por que Especificamente sobre o Brasil, Cunow e seus co-autores
isso é um problema? (Cunow, Desposato, Januszz, & Sells, 2021), utilizando um experi-
mento baseado em um survey, demonstram que eleitores defronta-
3. E por que isso é um problema? dos com muitas opções se informam menos sobre os candidatos e
tomam decisões mais superficiais, além de serem mais propensos
3.1 Um problema para os eleitores a cometer erros. Já na década de 1950, o clássico de George Miller
(1956) argumentava que um indivíduo é capaz de se informar sobre
O excesso de candidatos é um problema tanto para partidos sete opções, com variação de duas casas para menos ou para mais.
quanto para eleitores. Vamos começar pelo segundo, com uma Ou seja, um intervalo entre 5 e 9 opções seria o ideal.
metáfora. Imagine que você precisa escolher um filme para assis- A intensidade dos efeitos negativos sobre o indivíduo, segundo
tir. Em qual das duas situações a seguir será mais fácil escolher? a) Saltsman et al. (2019) depende de duas dimensões motivacionais:
em um multiplex de salas de cinema, com seis opções em cartaz; a) a extensão que as pessoas veem sua decisão como relevante; b)
b) em uma plataforma de streaming por assinatura, com mais de a extensão que as pessoas percebem-se capazes de tomar uma boa
cinco mil opções disponíveis. Em qual das duas situações será mais decisão. No campo do marketing, a teoria da choice overload é
fácil a escolha? Em qual das duas situações será maior a chance de questionada (Gao & Simonson, 2016), afinal, a despeito das muitas
tomar uma decisão equivocada? Agora considere que a plataforma opções, consumidores continuam consumindo. Aqui, contudo, há
de streaming da segunda opção, ao invés de ter um algoritmo que uma importante distinção do campo do consumidor para o campo
identifica suas preferências e lhe faz recomendações personalizadas, eleitoral. Enquanto as pessoas usualmente se defrontam com deci-
não lhe dê nenhum atalho informacional, apenas apresentando as sões ao realizar compras - seja de um chocolate, um tênis ou um
388 ‘That’s too much, man!’: como resolver o problema do excesso de Márcio C. Carlomagno 389
candidatos no Brasil
computador - votar tendencialmente não é encarado com o mesmo gal tenha sido muito positiva, impôs uma dificuldade adicional aos
entusiasmo pelo cidadão. Chernev, Böckenholt e Goodman (2015) partidos: encontrar, sozinhos, candidatos para preencher todas as
argumentam que quatro fatores explicam quando choice overload vagas. Mas se dirigentes partidários não gostam dessa situação, por
ocorre: i) complexidade do conjunto de opções; ii) dificuldade da que, então, partidos não lançam somente seus candidatos competi-
decisão; iii) incerteza da preferência; iv) objetivo da decisão. O pri- tivos? A resposta reside em um problema de coordenação na ação
meiro ponto é o mais relevante para nós. A complexidade do con- coletiva. Podemos colocar a questão em termos formais, da teoria
junto de opções (choice-set complexity) se refere a como as opções dos jogos. O quadro a seguir ilustra meu argumento.
são organizadas, se há uma opção dominante e como a informação
é provida a respeito de cada opção. Scheibehenne, Greifeneder & Quadro 1. Modelo de comportamento partidário e resultados
Todd (2009, 2010) também ressaltam a importância de que tipo de Ação do Partido A Ação do Partido B Resultado
informação é ofertada sobre as opções - além do tipo de expertise Lança só competitivos Lança só competitivos Equilíbrio
que o indivíduo possui sobre o objeto em questão e a importância Lança muitos candidatos Desvantagem de A
subjetiva dada à decisão. No Brasil, temos dispositivos que visam Lança muitos candidatos Lança só competitivos Vantagem de A
prover informação aos eleitores. Notadamente, o Horário Gratuito
Lança muitos candidatos Equilíbrio subótimo
de Propaganda Eleitoral. Contudo, se o papel do HGPE em disputas Fonte: elaboração própria (2021)
majoritárias é notório, em se tratando das disputas proporcionais o
horário eleitoral é tão poluído quanto o próprio campo das candida- A melhor jogada para ambos partidos do exemplo é lançar pou-
turas. Em um ambiente informacional dessa magnitude, defrontado cos candidatos, maximizando a relação custo-benefício. Mas, se A
com mais de mil opções, como pode o cidadão tomar uma decisão lança poucos e B lança muitos, A sai perdendo. Por desconhecer os
bem informada? movimentos de B, A lança muitos candidatos, o que não é o melhor
Em suma, diferentemente do que um desavisado poderia afir- para si, para garantir seus ganhos. O mesmo se repete com B. Agora
mar, a de que se tratando de oferta democrática, quanto mais opções considere que o modelo apresentado só tem dois atores, para fins de
sempre será melhor, isso não é necessariamente verdade. Além de simplificação, mas a concorrência eleitoral é composta por n par-
um potencial problema para os eleitores, este pode ser também um tidos, não apenas dois – o que também implica a inviabilidade de
potencial problema para os partidos. comunicação ou formação de um cartel, para que todos apostassem
baixo. Bastaria que um jogador alterasse sua estratégia para obter
3.2 Um problema para os partidos vantagem sobre os demais.
No fim das contas, o atual modelo de eleições brasileiras é um
O principal problema para os partidos é a necessidade e dificul- jogo em que todos os partidos obtêm resultados subótimos. Todos
dade de arrolar um amplo espectro de candidatos, dificuldade essa são forçados a ter um comportamento que não gostariam (emprego
agravada pela reforma eleitoral de 2017, que colocou fim às coliga- desnecessário de recursos humanos), e que não traz vantagens a ne-
ções eleitorais em disputas proporcionais. Embora essa alteração le- nhum dos atores. Como a situação se configura como um equilíbrio
390 ‘That’s too much, man!’: como resolver o problema do excesso de Márcio C. Carlomagno 391
candidatos no Brasil
de Nash (ainda que equilíbrio subótimo), a alteração das regras do podem ser levadas a erro. A redução do número de candidatos aju-
jogo é a única forma de induzir uma modificação do comportamen- daria a refinar as análises da ciência política sobre o que são, real-
to dos atores. É o que abordarei na seção seguinte: e o que está sendo mente, elites políticas (no caso do Brasil, meramente ser candidato
cogitado para resolver essa situação? Antes, contudo, é importante pode ser critério insuficiente) e políticos profissionais. Inclusive em
ressaltar que as implicações negativas do atual modelo não afetam virtude disso muitas pesquisas brasileiras já apresentam alguma
“somente” eleitores e partidos, mas também a interpretação que proposta de qualificação do tipo de candidatura, como por predis-
cientistas políticos fazem da realidade. posição à carreira política (Codato, Costa & Massimo, 2014).
Aliado a isso, este também pode ser um fator de distorção para
3.3 Um problema para a ciência política o intentado efeito de determinados mecanismos eleitorais. Luiz
Augusto Campos (2021) argumentou que o excesso de candidatu-
Nas seções anteriores argumentei que o excesso de candidatos é ras prejudica a eficácia da aplicação de mecanismos de inclusão de
prejudicial para eleitores e partidos, mas ele afeta também o campo minorias, como no caso das cotas de gênero. Campos defende que a
de pesquisa da ciência política sobre políticos profissionais – tema “redução da quantidade de candidaturas lançadas por cada legenda
deste livro. Os estudos contemporâneos sobre elites políticas, no [...] obrigaria a inclusão dos grupos desfavorecidos em um conjunto
Brasil, adotam, essencialmente, o método posicional de Wright mais seleto de candidaturas competitivas.” (Campos, 2021).
Mills (1981), como descrito por Codato (2015), e, a partir dele,
procuram analisar uma longa lista de tópicos sobre candidaturas 4. Reformas em debate
no Brasil. Nessa perspectiva, temos pesquisas sobre distribuição de
gênero e/ou raça entre candidaturas, perfil profissional dos candi- Como já mencionado, a principal solução defendida pelos diri-
datos, financiamento eleitoral das candidaturas, e assim por diante. gentes partidários para reduzir o número de candidatos é o “distri-
Até aqui, não haveria problemas, se no Brasil todas candidaturas tão”, proposta que é a “queridinha” de parte dos líderes partidários e
fossem equivalentes entre si. Em países como Estados Unidos – a o pesadelo de boa parte dos cientistas políticos. Já foi a plenário três
partir do qual Wright Mills originalmente formulou seu argumento vezes entre 2015 e 2021, sendo derrotada. Trata-se do modelo de
–, em que o processo de seleção de candidatos é um filtro decisivo, voto único não-transferível, atualmente adotado em poucos países
que deixa muitos postulantes para trás, assumir que qualquer can- do mundo, embora tenha importantes registros históricos ao longo
didato dos dois maiores partidos pertence à elite política é razoavel- do século XX (como no Japão, até a reforma empreendida na década
mente correto. Mas esse não é o caso do Brasil. de 1990). Nesse sistema, se manteria a magnitude atual nos distritos,
O fato é que temos duas classes de candidatos no Brasil: aqueles mas se passaria a adotar o método majoritário, elegendo-se simples-
que realmente competem com alguma chance e aqueles que mera- mente os mais votados. Um dos argumentos iniciais a favor desse
mente fazem figuração. A implicação lógica deste fato é que pesqui- sistema era sua maior justiça na representação da vontade manifesta
sas que tomem o conjunto completo de candidaturas como objeto pelo eleitor, mas como eu já demonstrei (Carlomagno, 2015, 2016;
de análise, adotando para tais a definição posicional de elite política, Carlomagno & Carvalho, 2018) a argumentação que o atual sistema
392 ‘That’s too much, man!’: como resolver o problema do excesso de Márcio C. Carlomagno 393
candidatos no Brasil
proporcional seria injusto é falaciosa, já que cerca de 90% dos eleitos menor, não teria suas desvantagens de forma tão incisiva, como no
no sistema atual estão dentro da linha de corte de um modelo do modelo atual, o que poderia aproximar eleitores e representantes.
tipo “distritão”. Na verdade, a grande vantagem do distritão, como Esta proposta, contudo, por enquanto permanece somente no pla-
não há transferência de votos de um candidato para outro, é justa- no acadêmico, sem projetos legislativos de maior repercussão que
mente criar um incentivo para que partidos lancem somente alguns visem adotá-la.
candidatos, aqueles realmente competitivos. Por fim, sem conseguir reduzir o número de candidatos, mas
Mas outras alternativas também produziriam a redução do ex- com dificuldade de preencher na lista sozinhos, após o fim das co-
cesso de candidatos, ainda que não seja esse o efeito principal inten- ligações, partidos tentam reverter a reforma eleitoral de 2017, para
tado. A adoção da lista fechada seria uma dessas alternativas, mas a retornar as coligações proporcionais. Este é o caso da PEC 125/11,
viabilidade de sua aprovação é zero. A seguir, temos a solução mais aprovada pela Câmara em agosto de 2021, e no momento de re-
antiga em debate (desde a Constituinte): alguma versão do voto uni- dação deste capítulo ainda pendente de análise pelo Senado, para
nominal (popularmente conhecido como “distrital”), seja na versão eventual implementação já em 2022. Contudo, isso não seria ne-
pura, à semelhança dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, en- cessário, já que, além das propostas em debate, meu objetivo neste
tre outros, seja na versão mista, à semelhança de Alemanha, Escócia, artigo é apresentar uma solução alternativa ao problema do excesso
Coréia do Sul, Japão, entre outros. Neste tópico, atualmente, o PLS de candidatos. Apresento esta solução na próxima seção, denomina-
nº 86/2017 (na Câmara PL nº 9.212/2017), de autoria do Senador da “recomendação”.
José Serra (PSDB-SP), é uma das propostas mais promissoras, vi-
sando a adoção do modelo para a eleição de vereadores em cidades 5. Recomendação: menos é mais
com mais de 200 mil eleitores.
Além destas, temos soluções intermediárias. Diversos cientis- Demonstrei nas seções anteriores que, entre metade e dois terços
tas políticos (Amorim Neto, Cortez & Pessoa, 2011; Carey, 2016) dos candidatos, não produzem impactos, diretos ou indiretos, sobre
já apontaram que um dos problemas da representação política no a disputa eleitoral. Isto é, são um custo, que prejudica tanto partidos
Brasil é a grande magnitude de seus distritos, sugerindo a divisão quanto eleitores. Enquanto dirigentes partidários enxergam no “dis-
em distritos menores, a fim de aumentar o controle (accountabi- tritão” ou no retorno das coligações proporcionais a solução para
lity) que cidadãos têm sobre seus representantes. A dimensão do este problema, quero apresentar aqui uma saída alternativa.
nevoeiro informacional que trago aqui é um aspecto adicional a este Como, então, resolver o problema do excesso de candidatos
problema já registrado na literatura. A solução seria a proposta de em nosso sistema eleitoral? Minha proposta reside na alteração da
Amorim Neto et al. (2011), seguida por Carey (2016), de manter lei das eleições. Mais especificamente, do seu artigo 10º. A lei nº
o atual sistema proporcional, mas dividindo os estados em distri- 9.504/1997 (lei das eleições) estabelece:
tos menores, com magnitude reduzida. A ideia defendida por estes Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para
autores é a da mudança gradual e incremental. Este sistema mante- a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias
Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e
ria as características proporcionais, mas, em virtude da magnitude cinquenta por cento) do número de lugares a preencher.
394 ‘That’s too much, man!’: como resolver o problema do excesso de Márcio C. Carlomagno 395
candidatos no Brasil
Minha proposta consiste em alterar o percentual de 150% para em 75%, sendo que, neste ano, 14 cidades tiveram partido único
75%. A redação pode permanecer a mesma, sendo necessário so- eleito. Nos dois casos, a esmagadora maioria dos municípios afeta-
mente a alteração do percentual, bem como a alteração dos seus dos são de baixa magnitude, com nove cadeiras. O maior município
respectivos incisos. Como argumentado anteriormente, podemos afetado tem 13 cadeiras. Ou seja, majoritariamente, a proposta aqui
atribuir o comportamento atual dos partidos políticos brasileiros defendida não afetaria a correlação de forças partidárias brasileiras.
a um problema de coordenação de ação, que leva a um equilíbrio Além dos benefícios já descritos, também é possível encontrar
subótimo. Essa alteração resolveria tal problema. justificativas na teoria democrática (e na Constituição brasileira)
Neste momento, a cara leitora e o caro leitor pode, razoavelmen- para impedir que partidos lancem, e como consequência elejam,
te, se perguntar: “Mas isso não afetaria muitos partidos brasileiros?” 100% das cadeiras de um legislativo. Afinal, se democracia pressu-
Podemos responder a isso verificando o tamanho das bancadas par- põe oposição, ainda que mínima, deve existir mecanismos que im-
tidárias no Brasil, para saber em quantos casos a linha de corte em peçam a formação de bancadas de partido único. O valor proposto
75% poderia prejudicar forças partidárias já estabelecidas. É o que de 75% representa 3/4 (três quartos) de uma Casa. A esse número
se verifica na tabela a seguir. se chegou pela análise dos dados empíricos do que ocorre no Brasil,
para não prejudicar nenhuma corrente partidária. Este é um valor
Tabela 1. Tamanho da bancada do maior partido na Casa muito acima da média dos resultados obtidos pelos partidos e, com
Cargo Ano Tamanho Desvio Tamanho a exceção dos municípios comentados anteriormente, não afetaria
médio padrão máximo nenhum ator partidário, de nenhuma ideologia específica.
Deputado Estadual 2014 18,5 5,0 30,6 Para finalizar, resumo os benefícios potenciais de minha pro-
2018 17,1 4,6 30,4 posta em reduzir o limite máximo de candidatos que cada partido
Deputado Federal 2014 22,0 8,8 37,5 pode lançar de 150% para 75% do número de cadeiras:
2018 18,2 5,8 27,3 i) Otimiza o comportamento partidário, maximizando a relação custo-
Vereador 2016 29,7 11,4 100,0
benefício. Sem a necessidade de lançar candidatos em demasia, partidos
poderão concentrar seus esforços naqueles competitivos, sem, contudo,
2020 38,9 15,2 100,0
limitar demasiadamente o número de opções de disponíveis.
Fonte: elaboração própria, a partir dos dados do TSE
ii) Facilita a escolha eleitoral por parte do cidadão, aumentando a
No plano estadual e federal, a proposta não afetaria nenhum qualidade da decisão. Apresentado somente às opções viáveis, sem a
partido. Muito longe disso. A maior bancada eleita por algum par- neblina informacional, cidadãos poderão tomar decisões mais bem
informadas.
tido, seja em 2014 ou 2018, teve tamanho de 37,5%. No plano mu-
nicipal, afetaria apenas alguns poucos municípios. Nos resultados iii) Impede a formação de bancadas parlamentares de partido único,
de 2016, apenas 19 municípios tiveram algum partido com bancada garantindo o princípio constitucional do multipartidarismo, ao mesmo
tempo que não impede a manifestação popular pela formação de
maior do que 75% da casa, sendo um município com bancada 100%
maiorias, até o limite de 75%.
de um partido. Em 2020, 154 municípios seriam afetados pelo corte
396 ‘That’s too much, man!’: como resolver o problema do excesso de Márcio C. Carlomagno 397
candidatos no Brasil
coligações/
partidos
a inclusão de candidatas “laranjas”, sendo um incentivo racional para
25626
39488
N de
partidos buscarem candidaturas femininas competitivas.
333
398
224
317
v) Aprimora, para a ciência política, as pesquisas sobre elites políticas
e políticos profissionais, já que o rol de candidatos será mais próximo
padrão
Desvio
a um conceito mais estrito de elite, evitando eventuais vieses que
74,8
53,8
91,5
58,8
47,2
40,4
incorporem candidaturas pro forma às análises empíricas.
colig. / part.
mediano da
Tamanho
113,8
112,9
115,5
127,3
155,6
111,1
colig. / part.
Tamanho
Anexo A - Informações básicas sobre candidaturas
médio da
116,9
107,8
126,1
116,9
149,7
103,5
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do TSE (2021)
candidatos
N total de
437698
480449
15307
17165
5882
7694
Cargos em
disputa
2016 57862
2020 57031
2014 1059
2018 1059
2014 513
2018 513
Ano
Deputado
Deputado
Vereador
Estadual
Federal
Cargo
398 ‘That’s too much, man!’: como resolver o problema do excesso de Márcio C. Carlomagno 399
candidatos no Brasil
Referências
de https://pp.nexojornal.com.br/opiniao/2021/
Raça-e-eleições-de-2020-onde-avançamos-e-onde-avançar
,30780
,20429
,41460
,25555
,38880
,24424
,52260
,14701
,55730
,16615
25566
39460
its big electoral districts? E-Legis, 19(1), pp. 72–86.
333
398
224
317
,18900
,06035
,20370
,06713
,19110
,06819
,50400
,11895
,49910
,12430
políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR, 2(6), pp. 1–23.
5562
5481
27
27
27
27
Desvio padrão
Desvio padrão
Desvio padrão
Desvio padrão
Desvio padrão
Média
Média
Média
Média
Média
2018
2014
2018
2016
2020
Ano
Deputado Federal
Codato, A. (2015) Metodologias para a identificação de elites: três Scheibehenne, B., Greifeneder, R. & Todd, P. M. (2010) Can There
exemplos clássicos. In R. M. Perissinotto & A. Codato (Orgs.) Como Ever Be Too Many Options? A Meta-Analytic Review of Choice
estudar elites. Curitiba: Editora UFPR. Overload. Journal of Consumer Research, 37(3), pp. 409–425.
Codato, A., Costa, L. D., & Massimo, L. (2014) Classificando Schwartz, B. (2004) The paradox of choice: Why more is less. New
ocupações prévias à entrada na política: uma discussão metodológica York: Harper-Collins.
e um teste empírico. Opinião Pública, 20(3), pp. 346–362. https://
doi.org/10.1590/1807-01912014203346 Wright Mills, C. (1981) A elite do poder (4o ed). Rio de Janeiro:
Zahar Editores.
Cunow, S., Desposato, S., Januszz, A. & Sells, C. (2021) Less is more:
the paradox of choice in voting behavior. Electoral Studies, 69(s/n),
pp. 102230.
Sobre o autor
Gao, L. & Simonson, I. (2016) The positive effect of assortment size
on purchase likelihood: The moderating influence of decision order. Márcio C. Carlomagno é doutor em Ciência Política pela
Journal of Consumer Psychology, 26(4), pp. 542–549. Universidade Federal do Paraná e professor substituto no
Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do
Iyengar, S. S., & Lepper, M. R. (2000) When choice is demotivating: Piauí. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/1524587715569821
Can one desire too much of a good thing? Journal of Personality and
Social Psychology, 79(6), pp. 995–1006.
Contexto
A literatura sobre financiamento eleitoral tem demonstrado que são
maiores as chances de sucesso do candidato quanto maior for o seu
acesso ao financiamento. Ao distribuir os recursos financeiros entre
os seus candidatos o partido político o faz de forma assimétrica.
Essa ação influencia no desempenho e no sucesso eleitoral dos
candidatos privilegiados, pois eles investem os recursos ampliando
as chances de vencer as eleições. A relação entre o capital eleitoral
dos candidatos e o acesso ao financiamento partidário se constitui no
objeto deste estudo. A partir dela, queremos saber: em que medida o
capital eleitoral acumulado por políticos profissionais influencia na
destinação dos recursos partidários aos candidatos?
Objetivos
Analisar a influência do capital eleitoral sobre a alocação dos recursos
do partido político nas candidaturas.
Métodos
A partir do Repositório de Dados Eleitorais do TSE construímos um
CAPÍTULO 13 banco de dados que trata sobre candidaturas, votação e financiamento,
entre os anos de 2002 e 2018, em todo o país. Para coleta e organização
404 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 405
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
políticos tendem a alocar estrategicamente recursos financeiros disputaram ou se disputaram. Apuramos um total de 7.199 candi-
naquelas campanhas com maior potencial de converter receita em datos (casos) a deputado federal nas eleições de 2018. Com isso,
votos. Testamos no presente trabalho se o capital eleitoral dos can- respondemos ao nosso problema de pesquisa testando a capacidade
didatos pode ser considerado um fator determinante da distribuição do capital eleitoral influenciar a captura de financiamento na eleição
do financiamento partidário2. Queremos saber: em que medida o de 2018.
capital eleitoral influencia a alocação do financiamento partidário? Além desta introdução, este trabalho está dividido da seguinte
Dito de outra forma, tratamos sobre como o capital eleitoral acumu- maneira: i) o modelo causal à luz da literatura; ii) materiais e técni-
lado por políticos profissionais influencia no processo decisório em cas que permitiram a construção das variáveis, bem como explorar e
que partidos políticos alocam o financiamento partidário. testar nosso argumento; iii) apresentação e discussão sobre os resul-
A partir do Repositório de Dados Eleitorais do Tribunal Superior tados da exploração e da execução dos testes estatísticos, bem como
Eleitoral (TSE)3 construímos o nosso banco de dados. Agrupamos suas implicações para o modelo causal; e iv) considerações finais.
e ordenamos informações relativas aos perfis das candidaturas, Lançamos, a partir disso, as bases para a construção de uma agenda
votação/resultado eleitoral e financiamento eleitoral declarado. de estudos que visa perscrutar o papel do capital eleitoral a partir
Organizamos nossas variáveis com base nas eleições de 2014 e 2018. dos elementos supracitados.
O recorte espacial para este estudo contempla um total de 23 das 27
unidades federativas (UF’s). 1. O modelo causal à luz da literatura
Para a realização dos trabalhos de testagem, exploramos duas
variáveis: a primeira é uma modalidade de financiamento eleitoral Assumimos haver uma relação próxima entre as três vertentes
de distribuição exclusiva dos partidos políticos, a qual nomeamos de estudo identificadas por Mancuso (2015) ao tratar sobre a dinâ-
como financiamento partidário e, que para responder aos pro- mica que cerca o financiamento eleitoral de campanhas. Que essa
pósitos deste estudo é a variável dependente (VD), que permite relação apresenta diferenças quando sob dois contextos diferentes:
mensurar as preferências de alocação de recursos pelos partidos no primeiro há predominância de recursos de origem empresarial;
políticos; a segunda trata sobre quatro elementos que, em conjunto, já no segundo há predominância de recursos públicos que são dis-
se referem ao que nomeamos de capital eleitoral. Eles atuam como tribuídos pelos partidos políticos.
variáveis independentes (VI) (financiamento capturado, votos con- Para o primeiro contexto, no qual predominou como financia-
quistados, cargo competido e resultado eleitoral) para responder à dor o doador empresarial, o modus operandi da alocação de recur-
determinante do financiamento organizadas a partir dos dados dos sos se deu da seguinte maneira: i) empresas investem recursos em
mesmos candidatos na eleição de 2014, independente do cargo que campanhas de determinados candidatos, diretamente ou através
2 Convencionamos chamar de financiamento partidário aqueles recursos que dos partidos políticos; ii) os candidatos aplicam os recursos recebi-
são distribuídos exclusivamente pelos partidos políticos. Podendo ser a soma de: dos em bens e serviços que possibilitam melhores condições para o
fundo partidário, FEFC e doações privadas intermediadas pelos partidos políticos. seu desempenho/sucesso eleitoral; por fim, iii) os candidatos eleitos
3 Repositório de Dados Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): https://
www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais-1 .
408 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 409
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
recompensariam o “investimento” ao atuar a favor dos interesses de se dá, pois, as variáveis que determinam o financiamento também
seus financiadores. contribuem para determinar o voto. Não obstante, isso se repete em
No que se refere à alocação de recursos, afirmamos mediante a estudos no âmbito nacional, subnacional e municipal e em qualquer
literatura que as empresas o fazem direcionando as doações. Nesse ano eleitoral que se proponha analisar (Arraes, Amorim Neto &
sentido, tratamos sobre a vertente literária que identifica as deter- Simonassi, 2017; Cervi, 2010; Heiler et al., 2016; Lemos, Marcelino
minantes do financiamento. Esses estudos apresentam o financia- & Pederiva 2010; Mancuso, 2012; Marcelino, 2010; Horochovski,
mento como uma variável dependente. A partir disso, organizam-se Junckes & Zelinski, 2018; Zelinski, 2020). Sobre elementos endó-
variáveis independentes que podem estar ligadas das mais diversas genos e exógenos ao processo eleitoral, eles são trazidos a fim de
maneiras aos candidatos. Algumas variáveis tomam em conta o testar sua capacidade de responder ao resultado eleitoral, elemen-
gênero do candidato, a profissão, o grau de instrução/escolarida- tos como gênero (Eduardo, 2017; Sacchet & Speck, 2010; Sacchet
de, cor da pele, o partido político do candidato (se à esquerda ou & Speck, 2012; Ballington & Kahane, 2015), Horário Eleitoral de
à direita), se faz parte ou não do governo (sob aquele que ocupa Propaganda Gratuita (HEPG) (Borba & Cervi, 2017; Cervi, 2010b;
o executivo federal, estadual ou municipal), e também elementos Speck & Cervi 2016) e capital simbólico, como aqueles movidos por
ligados ao capital, seja político (incumbente x desafiante), familiar candidatos evangélicos (Netto & Speck, 2017), entre outros.
(quando o candidato possui familiares com histórico político/eleito- O fato, diante disso tudo, é que dinheiro importa. Mas, importa
ral) e até mesmo simbólico, ao tratar sobre a identificação religiosa em que sentido? Importa porque candidatos que detêm maiores re-
do candidato (Mancuso, 2012; Mancuso & Figueiredo Filho, 2014; cursos fazem uso desses a fim de adquirir/empregar bens e serviços
Mancuso, Horochovski & Camargo, 2016; Sacchet & Speck, 2012; em suas campanhas. A compra desses bens e serviços, especialmen-
Silva, 2010; Codato & Carlomagno, 2018; Netto & Speck, 2017; te na forma de publicidade e assessoria política e jurídica, cria con-
Speck & Marciano, 2015). dições para um melhor desempenho eleitoral.
No que se refere ao segundo, a candidatos transformarem re- No que se refere aos candidatos financiados atuarem em defesa
cursos em bens e serviços que possibilitam melhores condições de de seu financiador, a lógica por traz dessa eloquência não é de que
sucesso, a literatura sobre financiamento eleitoral tem sido unâni- candidatos atuam para defender exclusivamente os interesses de seu
me em apontar que dinheiro importa para explicar o desempenho financiador (ou financiadores). Mas, em algum grau, eles tendem
(conquista de votos) e o sucesso eleitoral (eleito, não eleito) dos (ou tenderão) a tomar parte dos assuntos daqueles que o financia-
candidatos. Nesses estudos de que trata a vertente literária, o finan- ram. Não obstante, isso se daria de inúmeras maneiras, como por
ciamento é a variável independente, ou seja, aquela que explica a exemplo a votação em projetos de leis nas casas legislativas que be-
variável dependente, que a depender da pergunta da pesquisa pode neficiem seus financiadores. Uma atuação nesse sentido que gera
ser o desempenho eleitoral ou o sucesso eleitoral dos candidatos. retornos ao financiador é vista como um investimento. O candidato
As respostas para a relação acima tendem a variar apenas em poderá se beneficiar desse investimento e da confiança gerada por
grau de determinação das variáveis, sobretudo quando se agregam ambos em eleições futuras.
outras além daquelas que se referem ao financiamento e ao voto. Isso
410 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 411
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
Ocorre que a tarefa de estabelecer causalmente a relação entre Partidário instituído pela Lei dos Partidos Políticos (nº 9.096/1995),
financiamento e benefícios ao financiador é de difícil mensuração. apresentavam uma pequena participação nas campanhas eleitorais,
No entanto, os estudos que cercam a relação entre financiamento não tendo chegado a cinco por cento em 2014 (op. cit.). A partir
e benefícios ao financiador encontram convergências entre o setor daqui é que se consolida o segundo contexto já referido.
CNAE do financiador, sendo o financiamento uma variável inde- A perda da receita proveniente das empresas foi parcialmente
pendente, com a atuação legislativa de deputados, sendo a votação compensada com a introdução do Fundo Especial de Financiamento
a variável dependente (Fonseca 2017; Laeven, Claessens & Feijen, de Campanha (FEFC), criado na minirreforma eleitoral de 2017
2008; Boas, Hidalgo & Richardson 2014; Santos et al., 2015). (Lei nº 13.488/17). Essa modalidade de financiamento aportou cer-
Em setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) jul- ca de 1,7 bilhão5 de reais nas eleições de 2018 em todo o país. O
gou procedente parte de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade financiamento público (Fundo Partidário + FEFC) alcançou aproxi-
(ADI) nº 4.650, no que se referia ao fim das doações empresariais de madamente dois terços6 do montante arrecadado na última eleição,
maneira direta e indireta para partidos políticos e candidatos. O que fazendo com que os partidos políticos passem a ser as principais
culminou a posteriori com a promulgação da Lei nº 13.165/15, com fontes de financiamento de campanhas eleitorais. Ainda que exis-
efeitos diretos já nas eleições de 2016. tam recursos privados que são doados aos partidos políticos e en-
Durante os 20 anos em que as doações empresariais foram tão repassados para os candidatos, tal recurso é residual, não tendo
permitidas (1994-2015)4, esta foi responsável pela maioria dos re- alcançado 3% do montante intermediado pelos partidos políticos
cursos para as campanhas políticas, ultrapassando os 70% dos mon- em 2018. Essa mudança, portanto, centraliza e fortalece os partidos
tantes disponíveis nas eleições de 2014 (Mancuso, Horochovski & políticos como o principal agente que aloca recursos em campanhas
Camargo 2018). Para reforçar a centralidade das empresas, vale citar eleitorais, o que, consequentemente, altera a dinâmica das doações e
Junckes et al. (2019) em estudo das redes de financiamento eleitoral o modus operandi de acesso aos recursos por parte dos candidatos.
que identificaram 239 empresas que financiaram diretamente 1.324 Partidos políticos atuam racionalmente para maximizar seus ga-
eleitos em 2014. Ou seja, 0,16% dos doadores privados financiaram nhos (cadeiras legislativas ou executivas), afinal a sua sobrevivência
diretamente 81% dos eleitos no pleito. Entre os candidatos alcan- depende de um sucesso eleitoral mínimo. Dessa maneira: i) alocam
çados estão, além da Presidenta da República, 26 dos 27 senadores recursos financeiros em campanhas de determinados candidatos; ii)
eleitos, 464 dos 513 deputados federais, 25 dos 27 governadores e esses continuam a investir bens e serviços que possibilitam melho-
79% dos deputados estaduais e distritais. res condições para o seu desempenho/sucesso eleitoral; iii) à vista
Com a proibição dos recursos empresariais, os recursos públicos disso, o que tendencialmente se alcança são partidos políticos mais
passaram a ter centralidade no financiamento eleitoral no Brasil, pois fortes, que controlam um maior número de cadeiras para impor
até 2017 esses recursos, que tinham origem no tradicional Fundo 5 Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/prestacao-de-
contas-1/fundo-especial-de-financiamento-de-campanha-fefc . Acesso em:
4 Para entender o contexto e a regulação do financiamento empresarial, ver: 06/11/2020
Speck (2015) Pensando a reforma do sistema de financiamento da política no 6 Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-
Brasil. eleitorais. Acesso em: 06/11/2020
412 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 413
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
reunimos as informações apresentadas acima para tratar sobre os Variável* Tratamento Descrição
elementos que, em conjunto, nomeamos de capital eleitoral. (VI) Voto em Métrica em valor absoluto Soma dos votos conquistados
O capital eleitoral acumulado pelos candidatos é variável inde- 2014 – para aqueles que pelo candidato. Ou seja, votos
pendente neste estudo e a sua composição resulta da combinação de concorreram em disputas nominais. Desconsidera-se
quatro elementos que estão presentes em toda e qualquer candida- majoritárias no ano de aqui os votos dados à legenda.
tura13: financiamento capturado, votos conquistados, cargo concor- 2014, utilizou-se apenas os
votos conquistados no 1º
rido e resultado eleitoral (quadro 1). Turno.
(VI) Cargo Ordinal Presidente (7), Governador
Quadro 1. Variáveis, tratamento e descrição
competido em (6), Senador (5), Deputado
Variável* Tratamento Descrição 2014 Federal (4), Deputado
(VD) Métrica em valor absoluto Em 2018, o Financiamento Estadual/Distrital (3)*.
Financiamento Partidário é a variável (VI) Resultado Dummy Eleito (1); Não eleito (0)
Partidário em dependente que é dada pela Eleitoral em 2014
2018 identificação e soma de todas Fonte: elaboração própria dos autores (2021)
as doações declaradas pelos *A variável ordinal foi pensada levando em consideração as disputas municipais,
candidatos que tem como para a qual será dado: Prefeito (2) e Vereador (1).
origem o Partido Político;
(VI) Métrica em valor absoluto Em 2014, o Financiamento A nossa variável dependente é o financiamento partidário. Esta
Financiamento Geral do candidato é a
se refere à receita (doações) declarada pelos candidatos que che-
Geral em 2014 variável independente
que é dada pela soma garam a eles por intermédio do partido político. Nesse caso, não
total de financiamento importa se, antes do partido, sua origem foi pública ou doações de
declarado pelos candidatos, pessoas físicas. A modalidade recursos próprios não entra na com-
independente de sua origem posição da variável.
ser pública ou privada. Esse
Testamos o capital eleitoral em um total de 7.199 candidatos a
valor foi corrigido pelo IPCA
para outubro de 2018. deputado federal nas eleições de 2018. Coletamos as informações
sobre eles na eleição de 2014 e testamos a capacidade de nossas vari-
áveis independentes responderem ao problema de pesquisa.
Para a coleta e organização dos dados, os instrumentos utiliza-
dos foram os softwares DB Browser (SQLite) em linguagem SQL
(Standard Query Language) e o Microsoft Excel. Utilizamos o SPSS
do?method=exibirFormCorrecaoValores (Statistical Package for the Social Sciences) para testes estatísticos de
13 Aqui não se inclui quando o candidato concorreu como vice em chapa regressão linear multivariada.
majoritária e 1º ou 2º suplente a senador.
416 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 417
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
Por ser um estudo de caráter exploratório, para capturar os todos os distritos estudados, inclusive aqueles sob tarja vermelha
melhores modelos explicativos a partir das variáveis, optamos pelo apresentados na matriz de correlações da tabela 3.
método de entrada stepwise no SPSS. Esse método nos retorna quais
as melhores combinações de variáveis para formar um modelo ex- 3. Resultados e discussão
plicativo, ao mesmo tempo em que é excluída da análise aquela
combinação que não satisfaz o p-valor < 0,05. Nesta seção, apresentamos os resultados dos testes estatísticos
A fim de validar os resultados e a discussão que se segue, ana- e suas implicações que visam responder ao problema da pesquisa,
lisamos os resultados estatísticos sobre três elementos: a) a multi- vale lembrá-la: em que medida o capital eleitoral influencia a alo-
colinearidade das variáveis independentes; b) tolerância; e c) VIF cação do financiamento partidário? Dito de outra forma, tratamos
(variance inflation factor). Sob o pressuposto da ausência de multi- sobre como o capital eleitoral acumulado por políticos profissionais
colinearidade apontada por Figueiredo Filho (2019, p. 238), analisa- influencia no processo decisório em que partidos políticos alocam o
mos a correlação entre as variáveis independentes de nosso estudo financiamento partidário.
assumindo como indicativo de problema as correlações em que R > A tabela 1 trata do resumo do modelo, nela é possível obser-
0,9. Não obstante, Kellstedt & Whitten (2015) tratam sobre a coline- var que as quatro variáveis independentes trabalhadas neste estudo
aridade perfeita, sendo R = 1,00. Já Field (2009) assume que, para o se combinam para compor o melhor modelo explicativo de capital
problema da colinearidade, o R > 0,8 ou 0,9. eleitoral que contribui no acesso ao financiamento partidário.
Verificamos a multicolinearidade entre nossas variáveis in-
dependentes a partir de três níveis, esquematizados da seguinte
maneira: satisfatória (tarja verde), sendo R < 0,8; razoavelmente sa-
tisfatória (tarja amarela), sendo 0,8 < R < 0,9; não satisfatória (tarja
vermelha), R> 0,9. Observamos que são cinco os distritos eleitorais
em que houve alguma multicolinearidade insatisfatória (vide tabela
3, no anexo), o que para o momento não impede a análise, mas vale
a atenção, visto que os testes de tolerância e VIF irão confirmar sua
serventia para a análise.
Sobre a tolerância e o VIF, Kellstedt & Whitten (2015) e Field
(2009) afirmam não haver regras sobre os valores. Com isso, se-
guimos a ideia apresentada por Field (2019) sendo que o índice de
tolerância > 0,1 e VIF < 10,0 indicam não haver multicolinearidade.
Dessa maneira, observamos que, em nossos testes estatísticos (vide
tabela 4, no anexo), todas as variáveis possuem poder preditor em
418 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 419
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
não influencia, pois os preditores seguintes são principalmente o re- os recursos são escassos e o custo para o desempenho/sucesso elei-
sultado seguido do financiamento. Em quatro distritos (AC, GO, PA toral é alto, importa que aqueles que queiram atingir seus objetivos
e PE) o principal preditor é o financiamento capturado pelo candi- (a conquista de uma ou mais cadeiras) apliquem seus recursos de
dato em 2014, sendo em dois casos seguido de perto pelo resultado maneira estratégica, lógica e racional no sentido de maximizar os
eleitoral. Não obstante, dos 13 distritos citados acima que tem o re- resultados eleitorais.
sultado como principal variável explicativa, em nove o financiamen- Quais argumentos teriam os partidos para financiar candidatos
to é a segunda variável que mais agrega explicação. que pouco ou quase nada possuem de chances de serem eleitos ou
Os resultados, portanto, indicam que há uma capacidade predi- mesmo de contribuir para a composição de votos nas legendas? De
tora das variáveis independentes de explicar a variável dependente: outra forma, quais argumentos teriam os candidatos recém-chega-
i) que o resultado eleitoral do candidato na eleição de 2014 é o ele- dos à arena eleitoral que convenceriam os partidos políticos a lhes
mento principal, do qual sugere a alocação de recursos na eleição financiarem? Quando pensamos dessa maneira, sob a ótica das ma-
de 2018; ii) que presente em seis distritos, a quantidade de votos é o nifestações possíveis das vontades e preferências dos partidos polí-
segundo elemento de maior grau de importância; iii) e mesmo que ticos, os elementos acerca da questão se reduzem significativamente
o resultado seja quase sempre acompanhado do financiamento cap- a um patamar no qual um “único” argumento poderia ser válido:
turado na mesma eleição (isso ocorre em nove dos 13 distritos), o qual/quais candidato(s) possui(em) maior capital eleitoral? Afinal
financiamento de 2014 só é elemento capaz de predizer o movimen- de contas, todos visam acumular forças para ampliar as chances de
to de alocação do financiamento partidário em 2018 em quatro dis- sucesso.
tritos, ainda que tais variáveis (dependente e independente) sejam Essa racionalidade não encerra as possibilidades existentes.
de mesma natureza – financiamento; iv) que o cargo disputado pelo Poderíamos admitir a possibilidade de identificar partidos que, ao
candidato (independente de o candidato ser incumbente ou desa- distribuir equanimemente os recursos entre os candidatos, obte-
fiante) acaba tendo efeito residual; e (v) que independente do grau nham um tal fortalecimento interno de grupo que a médio ou longo
de importância das variáveis e como são combinadas, essa dinâmica prazo os levaria mais longe, em função de uma racionalidade de
pode variar conforme outros aspectos não considerados neste es- crescer conjuntamente e não com expoentes. Algo como perder no
tudo, em especial aspectos exógenos ao processo eleitoral. A par- imediato para acumular no médio e longo prazo. Essa possibilidade
tir disso, quais as implicações desses resultados no que se refere ao encontra respaldo no estudo feito por Zelinski e Miranda (2020)
modelo causal, para a arena eleitoral e para a saúde da democracia? acerca da concentração/pulverização do financiamento partidário
Verificamos que há uma lógica partidária na alocação dos recur- pelas coligações de partidos nas eleições paranaenses de 2018.
sos de campanha que podem ser explicados pelo capital eleitoral dos Não obstante, o movimento de alocação de recursos por parti-
candidatos, elucidando o modelo causal apresentado neste trabalho. dos em candidatos de maior capital eleitoral pode ser salutar para a
A eleição (ou o processo eleitoral) resulta em uma arena de dispu- democracia, em detrimento de um argumento que sugira o enfra-
tas nas quais os recursos são escassos e, para alcançar o resultado quecimento dessa, no que se refere à desigualdade de condições em
desejado, é demandado o dispêndio expressivo desses recursos. Se disputas eleitorais e do parlamentar na atuação disciplinada. Uma
422 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 423
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
democracia saudável precisa de partidos políticos fortes e organi- nº 4.650 resulta disso, ao menos é o que aponta o ministro relator
zados. Alocar estrategicamente recursos em candidatos de maior Luiz Fux, ao afirmar que o fim do financiamento empresarial ense-
capital eleitoral pode ser uma solução para afugentar candidatos jaria a redução da plutocracia na política brasileira. Porém parece
independentes (ou ainda, antidemocráticos) e conferir aos partidos pouco provável, visto que estudos recentes sobre o papel do dinhei-
um maior controle no que se refere à agenda e disciplina do parla- ro em eleições (em especial, 2016 e 2018) têm apontado para o fato
mentar. Vale com isso dizer que a queda dos partidos tradicionais de que dinheiro tem contribuído mais no contexto atual para de-
e a ascensão de movimentos apartidários tem sido um risco às de- terminar resultados eleitorais (Zelinski, 2020; Deschamps, Junckes
mocracias, o que contribui para o quadro da crise democrática na e Horochovski, 2020; Bueno, 2020). Ou seja, eleições competitivas
última década (Przeworski 2019). decorrem de um ideal bastante distante da realidade constatada nos
Sob outra ótica, se o jogo de preferências de alocação de recursos citados estudos.
financeiros for determinado pelo capital eleitoral, estaria a democra-
cia sob risco no que se refere à afirmação de que só é possível uma Considerações finais
democracia sobreviver quando da presença de eleições livres, justas
e competitivas? (Dahl 2006, 2015; Przeworski 2018). Eleições livres Finalizamos nosso argumento (ou um conjunto deles) da se-
abordam entre suas questões, sobre o fato de que todo e qualquer guinte maneira: políticos profissionais detentores de maior capital
indivíduo (respeitando o desenho institucional local) pode partici- eleitoral, i) conquistam posições centrais e privilegiadas na rede in-
par de um pleito eleitoral. Eleições justas acercam o abuso de poder trapartidária, o que lhes possibilita maior acesso aos recursos que
econômico e fraudes eleitorais (entre outros). Eleições competitivas são distribuídos pelos partidos políticos; ii) que esse acesso é refor-
tratam de que mais candidatos possuem condições mais equânimes çado pelo partido que atua com a finalidade de – por meio do capital
de disputas e chances de serem eleitos – ao menos em tese. eleitoral de seus candidatos – aumentar/potencializar suas chances
Sob influência do capital, as eleições apresentaram enormes dis- de sucesso na conquista de cadeiras, a fim de impor sua agenda de
torções nas condições de disputas entre seus candidatos. Ocorre que, interesses; iii) que na arena eleitoral, esses candidatos distorcem as
em sociedades de mercado, os competidores trazem para a arena condições de competitividade em seu favor, em face da assimetria
eleitoral esses recursos que potencializam suas chances de sucesso no acesso aos recursos eleitorais e das condições de disputas entre
eleitoral. Logo, um dos efeitos que a desigualdade econômica gera é os demais candidatos; iv) que a soma desses elementos permitem
inevitavelmente a desigualdade política (Przeworski 2012, 25; Dahl aos candidatos perpetuar-se como figuras centrais na política, acu-
2001, 175); daí deriva que na seara eleitoral, “os resultados desse mulando (ou apenas renovando) capital eleitoral e consequente-
processo [eleitoral] são determinados conjuntamente pelos recursos mente, consolidando-se como uma elite de políticos profissionais.
[que os competidores trazem para a disputa] e pelas instituições.” O conjunto dos argumentos acima, aponta para um grau de plu-
(Przeworski, 1995, 27). tocratização da política brasileira que merece atenção, precisa ser
Uma série de regras eleitorais (no horizonte dos sistemas eleito- estudada e por meio das alterações no desenho institucional precisa
rais mundo afora) buscam reduzir essas distorções. A própria ADI ser confrontada.
424 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 425
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
Partindo de que as variáveis importam e que é possível um mo- Anexo A - Matriz de multicolinearidade entre as variáveis
delo viável de mensuração de capital eleitoral, pretendemos estender
nossos questionamentos a uma agenda de estudos que entendemos
ser promissora e, ao mesmo tempo, desafiadora. Para além da im-
portância de se consolidar um banco de dados que amplie o recorte
distrital de análise e temporal, construímos uma agenda que permi-
tirá explorar os efeitos do contexto em que predominou a doação
empresarial e a atual na qual a dominância é partidária.
Vimos que se faz necessário ampliar aquilo que se refere ao en-
tendimento das análises e dados estatísticos para uma maior con-
fiabilidade/fidedignidade de sua interpretação, pari passu em que
se pense na construção de novas variáveis, a fim de consolidar um
indicador próprio de capital eleitoral que inclua elementos como di-
mensão organizacional do partido, esse ser base ou não do governo,
bem como a sua posição no espectro político direita-esquerda. Esse
é, sem sombra de dúvidas, um desafio bastante audacioso para os
cientistas políticos. Por fim, pretendemos ampliar o escopo do de-
bate teórico a fim de discutir o papel do capital político, da raciona-
lidade e do que desejam os partidos políticos, bem como da atuação
desses diante das eleições.
426 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 427
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
428 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 429
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
Ballington, J. & Kahane, M. (2015) “Mulheres na política: Codato, Adriano & Márcio Cunha Carlomagno. (2018) “Poder
financiamento para a igualdade de gênero”. In Financiamento social e poder político: como ocupação, gênero, patrimônio e
de partidos políticos e campanhas eleitorais, um manual sobre dinheiro se combinam nas eleições para deputados federais”. In
financiamento político. In: Elin Falguera, Samuel Jones & Magnus Fux, Luiz; Pereira, Luiz Fernando; Agra, Walber de Moura (orgs.)
Ohman (orgs), Rio de Janeiro: Editora FGV. Financiamento e Prestação de Contas: Tratado de Direito Eleitoral.
V. 5. Belo Horizonte: Fórum., pp. 1–17.
Boas, T., Hidalgo, D. & Richardson, N. (2014) “The Spoils of Victory:
Campaign Donations and Government Contracts in Brazil”. The Dahl, Robert A. (2001) Sobre a Democracia. Brasília: UNB.
Journal of Politics 76 (2), pp. 415–29. https://doi.org/10.1017/
S002238161300145X. Dahl, Robert. (2006). On Political Equality. London: Yale University
Press.
Borba Barreto, Alvaro Augusto de. (2017) “Para onde ir? A
trajetória eleitoral dos prefeitos das capitais estaduais Brasileiras Dahl, Robert. (2015). On Democracy: second edition. London: Yale
(1996-2014)”. Opinião Publica 23(1): pp. 194–229. https://doi. University Press.
org/10.1590/1807-01912017231194.
Deschamps, J., Junckes, I. & Horochovski, R.. 2020. “Dinheiro
Bueno, Adriana Aurea Mota. (2020) “Mulheres, financiamento e sucesso eleitoral em 2008 , 2012 e 2016 no Brasil”. Revista de
eleitoral e democracia: uma análise da (sub)representação das Administração Pública, 55(3), pp. 736–756.
vereadoras nas eleições de 2008, 2012 e 2016 em 441 municípios”.
Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná. Programa Eduardo, Maria Celília. (2017) “Gênero financiado: uma análise
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável. da distribuição de recursos financeiros e o desempenho eleitoral
das mulheres nas eleições de 2014”. Dissertação de Mestrado.
432 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 433
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
Universidade Federal do Paraná. Programa de Pós-Gradução em Kellstedt, Paul M. & Guy D. Whitten. (2015) Fundamentos da
Ciência Política. Disponível em: http://www.cienciapolitica.ufpr.br/ pesquisa em ciência política. Traduzido. São Paulo: Blucher.
ppgcp/wp-content/uploads/sites/4/2018/02/Dissertação-MARIA-
CECÍLIA-EDUARDO-versao-final.pdf. Laeven, Luc., Stijn Claessens & Erik Feijen. (2008) “Political
connections and preferential access to finance: The role of campaign
Field, Andy. (2009) Descobrindo a estatistica usando o SPSS. Porto contributions”. Journal of Financial Economics 88(3), pp. 554–80.
Alegre: Artmed. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2006.11.003.
Figueiredo Filho, D. (2019) Métodos quantitativos em ciência Lemos, L., Marcelino, D. & Pederiva, J. (2010). “Porque dinheiro
política. Curitiba: Intersaberes. importa: a dinâmica das contribuições eleitorais para o Congresso
Nacional em 2002 e 2006”. Opinião Pública 16(2), pp. 366–93.
Fonseca, Thiago do Nascimento. (2017) “Doações de campanha https://doi.org/10.1590/S0104-62762010000200004.
implicam em retornos contratuais futuros? Uma análise dos
valores recebidos por empresas antes e após as eleições”. Mancuso, Wagner Pralon. (2012) “Empresas e financiamento de
Revista de Sociologia e Política 25(61), pp. 31–49. https://doi. campanhas eleitorais de candidatos a deputado federal pelo Estado
org/10.1590/1678-987317256103. de São Paulo nas eleições de 2002 e 2006”. Desenvolvimento e crise
na América Latina : Estado, empresas e sociedade. https://bdpi.usp.
Heiler, J., Viana, J., Santos, & R., Heiler, J. (2016) “O custo da política br/item/002286504.
subnacional: a forma como o dinheiro é gasto importa? Relação
entre receita, despesas e sucesso eleitoral”. Opinião Pública 22 (1), Mancuso, Wagner Pralon. (2015) “Investimento eleitoral no
pp. 56–92. https://doi.org/10.1590/1807-0191201622156. Brasil: balanço da literatura (2001-2012) e agenda de pesquisa”.
Revista de Sociologia e Política 23(54), pp. 155–83. https://doi.
Horochovski, R., Junckes, I. & Zelinski, L. (2018) “Financiamento org/10.1590/1678-987315235409.
dos candidatos nas eleições de 2016 em Curitiba”. In Quem decide
concorrer: a eleição e os vereadores em Curitiba, In: B. Bolognesi, Mancuso, W., & Figueiredo Filho, D. (2014) “Financiamento
K. Roeder & e F. Babireski, pp. 151–74. Curitiba: TRE-PR: Massimo empresarial nas campanhas para deputado federal no Brasil (2002-
Editoral. 2010): Determinantes e consequências”. In 38o Encontro Anual Da
Anpocs.
Junckes, I., Horochovski, R., Camargo, N., Silva, E. & Chimin Junior,
A. (2019) “Poder e Democracia: Uma análise da rede de financiamento Mancuso, W., Horochovski, R. & Camargo, N. (2016) “Empresários
eleitoral em 2014 no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais 34 e financiamento de campanhas na eleição presidencial brasileira de
(100), pp. 1–22. https://doi.org/10.1590/3410006/2019. 2014”. Teoria & Pesquisa, 25(3), pp. 38-64. https://doi.org/http://
dx.doi.org/10.4322/tp.25307
434 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos: Luiz Fernando Zelinski, Ivan Jairo Junckes 435
variáveis para o sucesso nas urnas & Eduardo Soncini Miranda
Mancuso, W., Horochovski, R. & Camargo, N. (2018) “Financiamento Sacchet, T. & Speck, B. (2010) “Financiamento Eleitoral e
eleitoral empresarial direto e indireto nas eleições nacionais de 2014”. Representação Política”. ANPOCS.
Revista Brasileira de Ciência Política, s/v(27), pp. 9–36. https://doi.
org/10.1590/0103-335220182701. Santos, M., Batista, M., Figueiredo Filho, D. & Rocha, E. (2015)
“Financiamento de campanha e apoio parlamentar à Agenda
Marcelino, D. (2010) “Sobre dinheiro e eleições: um estudo dos Legislativa da Indústria na Câmara dos Deputados”. Opinião Pública
gastos de campanha para o Congresso Nacional em 2002 e 2006.” 21(1), pp. 33–59. https://doi.org/10.1590/1807-019121133.
Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília. Instituto de
Ciências Sociais. Silva, B. (2010). “Para além do financiamento empresarial: a alocação
de recursos econômicos nas campanhas à Câmara dos Deputados
Netto, G., & Speck, B. (2017) “O dinheiro importa menos para os (2010-2014)”. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do
candidatos evangélicos?” Opinião Pública 23(3), pp. 809–36. https:// Paraná. Programa de Pós-Gradução em Ciência Política. Disponível
doi.org/10.1590/1807-01912017233809. em: http://www.cienciapolitica.ufpr.br/ppgcp/wp-content/uploads/
sites/4/2016/04/Dissertação-Bruno-Fernando-da-Silva.pdf.
Przeworski, Adam. (1995) Estado e Economia no Capitalismo. Rio
de Janeiro: Relume-Dumará. Speck, B. (2015) “Pensando a reforma do sistema de financiamento
da política no Brasil”. Revista Parlamento e Sociedade 3 (4), pp.
Przeworski, Adam. (2012). “Democracy, Redistribution, and e 99–114. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
Equality”. Brazilian Political Science Review 6(1), pp. 11–36. http:// ar ttext&pid=S0103-73311998000200002&lng=pt&t lng=
www.redalyc.org/articulo.oa?id=394341999001. pt.
Przeworski, Adam. (2018) Why Bother with Elections? Cambridge: Speck, B. & Cervi, E. (2016) “Dinheiro, Tempo e Memória Eleitoral: Os
Polity Press. Mecanismos que Levam ao Voto nas Eleições para Prefeito em 2012”.
Dados 59 (1), pp. 53–90. https://doi.org/10.1590/00115258201671.
Przeworski, Adam. (2019) Crises of Democracy. London: Cambridge
University Press. https://doi.org/10.1017/9781108671019. Speck, B. & Marciano, J. (2015) “O perfil da Câmara dos Deputados
pela ótica do financiamento privado das campanhas”. In Sathler,
Sacchet, T. & Speck, B. (2012) “Financiamento eleitoral, André; Braga, Ricardo (Orgs.). Legislativo Pós-1988: reflexões e
representação política e gênero: uma análise das eleições de 2006”. perspectivas. Brasília: Edições Câmara, pp. 267-292.
Opinião Pública 18 (1), pp. 177–97. https://doi.org/10.1590/
S0104-62762012000100009. Zelinski, Fernando. (2020). “Plutocracia em jogo: a reforma
do financiamento de campanha e as eleições para prefeito em
2016”. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná.
436 Capital eleitoral e investimento dos partidos em candidatos estratégicos:
variáveis para o sucesso nas urnas
Sobre os autores
Luiz Fernando Zelinski é doutorando em Ciência Política na
Universidade Federal do Paraná. CV Lattes: http://lattes.cnpq.
br/8228020630874130
Contexto
Desde a burocracia patrimonial, bacharéis em direito integram os
quadros do alto funcionalismo público brasileiro e compartilham
das características das elites dirigentes no país. Se antes muitos o
faziam na condição de políticos eleitos ou ocupantes de outros cargos
de livre-nomeação, a diferenciação entre os membros das carreiras
judiciais ocorreu apoiada no saber técnico e em arranjos institucionais
que promoveram a autonomia do sistema de justiça em relação ao
governo e à política.
Objetivos
Estudos recentes avançaram a tese de politização da justiça e a
nomeação de Sérgio Moro ao Ministério da Justiça e a Vaza Jato
reforçaram a importância das investigações sobre política e justiça.
No combate à corrupção, a burocracia especializada decide apoiada
na legitimidade que o saber específico lhe confere de arbitrar conflitos.
Por ser tarefa que demanda insulamento societal e institucional em
relação às elites dirigentes, justifica-se o problema de investigar até
que ponto tal insulamento configura-se e quais contornos assume. Ou
seja: como a elite judicial contemporânea compreende o domínio da
política nas grandes investigações de corrupção.
Métodos
CAPÍTULO 14 O estudo utiliza um banco de 25 sentenças sobre 44 políticos de 5
partidos políticos, tanto eleitos quanto não eleitos, seguindo o conceito
440 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no Maria Eugenia Trombini 441
combate à corrupção?
ambos os casos compartilham um outcome comum: tornaram-se Os bacharéis foram centrais para a formação de um Estado-
escândalos e produziram sentenças penais condenatórias para réus nação, ocuparam cargos na administração pública na condição de
políticos, são casos ilustres de grand corruption. eleitos ou em funções judiciais (Adorno, 1988; Carvalho, 2003; Love
O restante do ensaio está dividido da seguinte forma: após dis- & Barickman, 1986) sob a influência frequente de fatores políti-
correr sobre o método, apresento uma síntese das estratégias da cos locais (Koerner, 1994; Love, 1970; Nunes Leal, 2012). Além da
acusação, focando nos episódios onde o crime de organização cri- uniformidade de padrões de socialização educacional e da posição
minosa foi imputado aos réus pertencentes ao núcleo político. Em economicamente privilegiada que detém, a elite judicial ocupando
seguida, farei uma discussão dos resultados a partir das diferenças postos na administração da justiça historicamente se aliou às posi-
internas entre a tomada da decisão de diferentes elites judiciais em ções dominantes, combinando ideologias liberais e conservadoris-
casos similares e encerro formulando conclusões provisórias. mo (Adorno, 1988, Werneck Vianna, 1997, Almeida, 2010). A partir
de 1988, porém, mudanças no desenho institucional conferiram
1. Discussão da literatura mais autonomia ao sistema de justiça, dando origem a um duplo
movimento de judicialização dos conflitos e politização das insti-
Duas principais abordagens dominam as explicações sobre a tuições judiciais (Arantes, 2007). Se a independência profissional
mudança no combate à corrupção: a primeira focada em instituições de magistrados e promotores os permite representar interesses dos
(Praça & Taylor, 2014, Madeira & Geliski, 2018, Kerche, 2018) e a se- cidadãos, o baixo controle social (Bresser Pereira, 2007) e o fun-
gunda em agentes (Castro & Ansari, 2017, Sadek, 2019, Engelmann damento tecnocrático de suas decisões (Pádua, 2008) prejudicam.
& Menuzzi, 2020; Almeida, 2019, Sá & Silva, 2020). As análises re- Já que a atuação política da burocracia judicial é a abordagem que
centes usam como substrato empírico o julgamento do Mensalão funde a literatura da sociologia da justiça e das elites, prossigo para
(Taylor & Buranelli, 2007; Michener & Pereira, 2016; Arantes, 2018) investigar como os juízes federais e ministros interpretam a corrup-
e a Lava Jato (Fontoura, 2019, Rodrigues, 2020, Fontainha & Lima, ção política.
2020) apontando essas investigações como marcos de accountability O problema ao qual me reporto é em que medida os magistra-
envolvendo políticos. O interesse principal desses estudos é com- dos federais especializados em anticorrupção são um novo grupo
preender as facetas da anticorrupção, olhando os benefícios e riscos no interior da burocracia, com menos deferência para com o poder
concretamente (Feres Júnior & Kerche, 2018, Taylor, 2019, Prado & político do que seus pares. Chego à temática da tomada decisória
Machado, 2020) e avançando uma agenda de pesquisa sobre as re- em casos de corrupção política através da sociologia das profissões
lações entre justiça, política e sociedade (Fontainha & Lima, 2020). jurídicas e da justiça. Antes de avançar, empresto da sociologia dos
Se a mudança nas instituições judiciais, no perfil de seus integrantes escândalos uma ressalva para evitar fazer uma análise ingênua do
e nas estratégias que aplicam são o objeto desse referencial teórico, fenômeno em exame, inexplicável sem um recorte que separe as mi-
a estabilidade é conceito chave da sociologia das elites e profissões tologias contemporâneas e as ocorrências passiveis de análise. Essa
jurídicas no Brasil. literatura sugere que os indivíduos recém-chegados nas elites cos-
tumam ser os principais operadores dos escândalos, os “paladinos
444 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no Maria Eugenia Trombini 445
combate à corrupção?
da justiça” e dos princípios morais tradicionais que estariam sendo de corrupção, a ideia de uma complexa associação criminosa que te-
ignorados pelas elites dominantes (Grün, 2011, p.160). Ao olhar ria praticado um crime de lesa-democracia. Analisando a Lava Jato,
o espaço empírico dos escândalos de organizações criminosas no Fontoura (2019) confirma apontando que a denúncia pelo crime de
governo. organizações criminosas aumentaria as razoes de chances de conde-
nação dos réus. Rodrigues (2020) fala no uso do crime de organiza-
Quadro 1. Sistematização dos referenciais teóricos ção criminosa para manter a conexão com o esquema da Petrobras
Referenciais Sociologia da (política da) Sociologia das elites/profissões e evitar a distribuição dos processos a autores “menos comprome-
teóricos justiça jurídicas tidos com os resultados”. Embora desde os anos 1990 o Brasil tenha
Ideias Desenho institucional, Recrutamento, ensino, carreira, assinado tratados internacionais sobre o assunto, só em 2013 a Lei
sistema político, familismo, integração, campo 12.850 definiu o crime de organização criminosa e conferiu aos ór-
democracia, corrupção jurídico, epistemologia
gãos de investigação repertório especial de medidas, entre as quais
Variáveis Categóricas + qualitativas/ Categóricas + qualitativas/ colaboração premiada, para combate-lo2. Segundo Ribeiro (2017),
quantitativas quantitativas
a aprovação da lei pelos parlamentares teve um elemento acidental,
Formas de Análise preditiva e Análise descritiva usando: dado o enfoque na segurança pública, embora atores engajados nas
mensuração descritiva usando produção métodos históricos (Barile da
decisória (Levcovitz, 2020; Silveira, 2015; Koerner, 1992;
iniciativas anticorrupção tenham agido estrategicamente em apoio
Fontoura, 2019; Madeira Carvalho, 1980; Schwartz, 1979; às reformas.
& Geliski, 2018), estudos Nunes Leal, 1978; Barman & Ainda que a literatura aponte um uso político da justiça e a ação
de caso (Sá & Silva, 2020; Barman, 1976; Pang & Seckinger, estratégica de membros da burocracia trabalhando no combate à
Rodrigues, 2020; Fontainha 1972), posicionais (Santos & Da corrupção, falta compreender concretamente em que medida dife-
& Lima, 2019; Almeida, Ros, 2008; Sadek, 2006; Werneck
2019; Feres Jr. & Kerche, Vianna, 1997), comparativos rentes grupos dentro do sistema de justiça se posicionam ao decidir
2018; Arantes, 2002) (Love & Barickmann 1986; casos semelhantes de organização criminosa/corrupção política.
Bresser Pereira, 1997, 2007),
mapeando ideias e processos
(Trombini & Valarini, 2021;
2 Os conceitos da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Engelmann & Menuzzi, 2020;
Transnacional, interiorizada pelo Decreto n° 5.015, de 12 de março de 2004, já
Pinto, 2013; Bonelli, 2001;
orientavam a competência das varas especializadas nesse tipo de crime (ex. RES
Adorno, 1988)
42/2011 do TRF da 2ª Região). A Lei 12.850/13 derrogou o conceito anterior de
Fonte: elaboração própria (2021)
associação criminosa do artigo 2º da Lei nº 12.694/2012 e estabeleceu no artigo
1º, § 1º: Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais
O Mensalão, julgado em 2012, foi a primeira oportunidade que pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda
o Judiciário se manifestou sobre criminalidade organizada e réus que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem
políticos. Arantes (2018) discutiu à luz desse episódio o peso dado de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas
pela Procuradoria Geral da República ao “autor coletivo” dos crimes sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional (Brasil,
2013).
446 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no Maria Eugenia Trombini 447
combate à corrupção?
Tabela 1. Descrição da amosta após o tratamento to dos recursos em 2012 e no julgamento de políticos envolvidos na
Operação Lava Jato Mensalão Total Lava Jato – de um lado, e de outro por três varas especializadas no
Ações penais PR (5) RJ (1) DF (2) STF (3) 1 12 processamento e julgamento dos crimes contra o sistema financeiro
sentenciadas nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores da
Réus políticos PR (7) RJ (1) DF (12) STF (5) 10 35 justiça federal10. Para a análise os padrões decisórios adotados por
acusados OrCrim diferentes cortes em diferentes períodos na matéria de corrupção
política, introduzo as estratégias de persecução penal (a narrativa de
Partidos PT, PP, PTB, PMDB PT, PP, PR 5
organização criminosa) no Mensalão e na Lava Jato e as estatísticas
Réus políticos PR (5) RJ (1) DF (0) STF (0) 4 10 descritivas do processamento do crime em 2012 e a partir de 2015
condenados OrCrim nas diferentes cortes. Em seguida, discuto os resultados compara-
Fonte: elaboração própria (2021)
tivamente aplicando uma metodologia de análise cruzada de estu-
dos de caso para reconstruir a estrutura de eventos e as narrativas
Os dados acessados são sentenças criminais que já passaram pelo
interpretativas.
crivo do Judiciário versando sobre o crime de organização crimino-
As categorias que orientam a análise são convergências e diver-
sa e envolvendo políticos profissionais8. Ao fazer essa abordagem,
gências na produção decisória de organização criminosa que podem
omito de propósito outras variáveis relevantes para compreender a
observar o recorte intuitivo separando a cúpula do Judiciário (STF)
dinâmica de funcionamento das instituições judiciais e a tomada
e as jurisdições inferiores, já teorizado, ou seguir outros padrões que
decisória dos diferentes membros de sua burocracia, como casos ar-
apontem a existência de uma elite anticorrupção, sem deferência à
quivados ou que não tenham chegado a fase de sentença, porém na
classe política. A hipótese que será testada é se a posição da elite ju-
falta de melhor instrumento de aproximação para capturar a relação
dicial está associada à variação na tomada decisória em casos de po-
Hell-Dunkelfeld 9prossigo com a replicabilidade que essa estratégia
líticos, sendo que os ministros do STF tendem a ser mais lenientes
confere ao desenho de pesquisa.
(convergentes) do que juízes de jurisdições inferiores ao delibera-
Trata-se de uma fotografia de como a tese da autoria coletiva da
rem casos semelhantes. Caso isso se confirme, não equivale a dizer
corrupção política foi processada pela Suprema Corte, em três perí-
que a antítese da elite anticorrupção seria um grupo de burocratas
odos distintos – no julgamento do Mensalão em 2007, no julgamen-
lenientes com práticas corruptas (o que criminalmente ensejaria o
8 Optei por excluir os “emissários” de políticos – como é o caso de Paulo Roxo delito de prevaricação), mas avançar na compreensão dos diferentes
na ação penal envolvendo o senador Gim Argello (PTB-DF), e José Luiz Alves, ex-
grupos de elites judiciais e produzir inferências sobre o modo que
chefe de gabinete do Ministério dos Transportes Anderson Adauto (PL-MG).
9 De acordo com Kersting e Erdmann, o termo campo Hell ou “iluminado” se interagem com a elite política.
refere aos detalhes do crime que as instituições judiciárias conhecem e registram,
enquanto os atos desconhecidos constituem o campo “escuro” ou Dunkel. 10 Que se divide em 5 regiões, estando Brasília na 1ª, o Rio de Janeiro na 2ª e o
Assim, a análise do conteúdo de decisões judiciais apoia-se em documentos que Paraná na 4ª. Embora esse trabalho não se dedique ao desenho institucional de
não foram produzidos para fins científicos, o que deve ser considerado em sua cada Região, sabemos que cada estrutura conta com particularidades que podem
interpretação. impactar na adjudicação de processos penais.
450 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no Maria Eugenia Trombini 451
combate à corrupção?
Para introduzir uma validação dos resultados sobre corrupção entre 2002 e 2005 estaria organizada segundo divisões de tarefas,
política encontrados, darei ênfase aos argumentos usados nas três porém unidade de desígnios: “para a satisfação dos objetivos ilícitos
ações em que partidos políticos foram acusados pelo crime de or- da associação criminosa”.
ganização criminosa nos processos batizados como “quadrilhão do Efetivamente, a acusação pelo crime de quadrilha dos “men-
PP”, “quadrilhão do PT” e “quadrilhão do PMDB”. saleiros” foi feita a 10 políticos, membros de 3 agremiações parti-
dárias: Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Progressista (atual
3. Resultados e discussão Progressistas) e Partido Liberal (atual Republicanos). Destes, um fez
um acordo com o Ministério Público (Sílvio Pereira, do PT) e outro
3.1 A topologia da OrCrim: Estratégias de persecução penal aprendi- morreu no decorrer de investigações (José Janene, do PP). Dentre
das e aprofundadas os políticos, somente foram condenados pelo crime coletivo 4 dos
denunciados: 3 deles do Partido dos Trabalhadores e o quarto do
O Mensalão foi um esquema de compra de apoio político inicia- Partido Progressista.
do após Roberto Jefferson (PTB - RJ) acusar Delúbio Soares, tesou- Ao votar os recursos do Mensalão em 2014, o Supremo, já sob
reiro do Partido dos Trabalhadores, de pagar “subsídios” mensais outra configuração, decidiu rever a posição defendida por Joaquim
aos parlamentares em troca de apoio político durante a CPI dos Barbosa, favorável a condenação pelo crime de quadrilha, e en-
Correios. Este foi o julgamento mais longo da história do STF: levou dossada pelos Ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio,
69 sessões do pleno antes de chegar ao fim em 2012, com penas que Celso de Mello e Carlos Britto. No julgamento originário, a segun-
totalizaram 283 anos e 22 milhões de reais. Ao oferecer a denúncia da corrente, defendida por Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo
em 2006, o então Procurador Geral da República, Antonio Barros e Lewandowski e Dias Toffoli, discordou de que a prova dos autos
Silva de Souza, utilizou o termo “núcleo” para designar cada cola- revelava a “criação deliberada de uma associação estável e dotada de
borador da quadrilha. A organização criminosa denunciada, cujo desígnios próprios, destinada à prática de crimes indeterminados”.
pilar se sustentava “nas indicações políticas espúrias que, em última Ao lado deles, se somaram os novatos da corte, Teori Zavascki e
análise, proporcionavam o desvio de recursos em prol de parlamen- Luís Roberto Barroso, formando maioria de 6 para absolver os réus
tares, partidos políticos e particulares”, estaria dividida em: a) um do delito de quadrilha. Assim, dentre os políticos, José Dirceu, José
núcleo central, ou político-partidário, composto pelos integrantes Genoíno, Delúbio Soares e João Genu foram absolvidos dessa con-
do partido governista: José Dirceu, Delúbio Soares, Sílvio Pereira denação enquanto autores coletivos do crime de corrupção.
e José Genoíno; b) um núcleo operacional e financeiro, a cargo do
esquema publicitário dirigido por Marcos Valério; c) outro núcleo
operacional e financeiro a cargo da alta direção do Banco Rural
(Denúncia Inquérito nº 2245, p.16 e 25). No julgamento de 2012,
o Plenário do STF acolhe a classificação do órgão acusatório e es-
tabelece na síntese da decisão que uma associação estável atuante
452 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no Maria Eugenia Trombini 453
combate à corrupção?
Quadro 2. Acusados pelo crime de organização criminosa julgados pelo STF Ação penal Réus e partido Denúncia Sentença
Ação penal Réus e partido Denúncia Sentença AP 470/MG Pedro Henry formação de corrupção passiva: 2
AP 470/MG José Dirceu formação de formação de quadrilha: 2 (PP) quadrilha, corrupção anos 6 meses e 150 DMs,
(PT) quadrilha, corrupção anos 11 meses; corrupção passiva e lavagem de lavagem: 4 anos 8 meses
ativa e peculato ativa: 7 anos 11 meses e dinheiro e 220 DMs; (DM = 10
260 DMs (10 SMs) SMs)
José Genoíno formação de formação de quadrilha: 2 Valdemar formação de corrupção passiva: 2
Neto (PT) quadrilha, corrupção anos 3 meses, corrupção Costa Neto quadrilha, corrupção anos e 6 meses 190 DMs;
ativa e peculato ativa: 4 anos 8 meses e (PL, PR de passiva e lavagem de lavagem: 5 anos 4 meses e
180 DMs (10 SMs) hoje) dinheiro 260 DMs (DM = 10 SMs)
Delúbio Soares formação de formação de quadrilha: 2 Jacinto de formação de corrupção passiva: 1
(PT) quadrilha, corrupção anos 3 meses, corrupção Souza Lamas quadrilha, corrupção ano e 3 meses e 13 DMs;
ativa e peculato ativa: 6 anos 8 meses e (PL, PR de passiva e lavagem de lavagem: 5 anos e 200
250 DMs (5 SMs) hoje) dinheiro DMs (DM = 5 SMs)
Sílvio José formação de suspensão condicional AP 996/DF Nelson Meurer corrupção passiva e corrupção passiva: 7
Pereira (PT) quadrilha, corrupção processo (PP) lavagem de dinheiro anos nove meses 10
ativa e peculato (art. 317, § 1º do dias reclusão e 76 DMs;
João Claudio formação de corrupção passiva: 1 ano Código Penal e art. lavagem: 6 anos reclusão
Genu (PP) quadrilha, corrupção e 6 meses; B) lavagem: 5 1º, caput e § 4º, da e 46 DMs
passiva e lavagem de anos e 200 DMs (DM = Lei nº 9.613/98)
dinheiro 5 SMs); C) quadrilha: 2 AP 1019/DF Vander Loubet corrupção passiva, absolvido de todos
anos e 3 meses (PT) lavagem de dinheiro os delitos (corrupção
Pedro Corrêa formação de corrupção passiva: 2 e organização fundamento art. 386, II,
de Andrade quadrilha, corrupção anos 6 meses e 190 DMs, criminosa (arts. IV e V do CPP e lavagem
(PP) passiva e lavagem de lavagem: 4 anos 8 meses 317, § 1º, do Código I e III e OrCrim IV)
dinheiro e 260 DMs; (DM = 10 Penal, art. 1º,
SMs) caput e § 4º, da Lei
9.613/1998 e art. 2º,
José Janene formação de falecido à época do §§3º e 4º, II, da Lei
(PP) quadrilha, corrupção julgamento 12.850/2013)
passiva e lavagem de Fonte: elaboração própria (2021)
dinheiro
Dentre as ações penais mais recentes decididas pela Segunda
Turma do STF de detentores de foro privilegiado denunciados na
Lava Jato, o primeiro é de um parlamentar do PP acusado do crime
454 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no Maria Eugenia Trombini 455
combate à corrupção?
de lavagem de dinheiro por intermédio de organização crimino- denúncias de organização criminosas aparecem políticos do PT, PP,
sa11, na segunda ação penal o crime de pertencimento à organiza- MDB e PTB.
ção criminosa propriamente dito é incluído nas acusações feitas a
parlamentar do PT. O primeiro, Nelson Meurer foi condenado dos Tabela 2. Políticos condenados entre aqueles denunciados pelo crime de
dois delitos, mas a parcela que se refere à organização criminosa foi pertinência à organização criminosa15
rejeitada12. Já Vander Loubet foi absolvido de todas as acusações por Condenação OrCrim
entenderem os ministros que a Procuradoria não juntou provas de Partido Sim Não p-value
corroboração idôneas e aptas a validar as declarações dos agentes PT 7 (53.3%) 8 (46.7%) 0,043
colaboradores13. PP 2(22,2%) 7 (77,8%)
A primeira denúncia da Lava Jato oferecida pela força tarefa do PMDB 1(12,5%) 7(87,5%)
Paraná sustenta a existência de uma organização criminosa dentro
Outros 0 3(100%)
e em torno da Petrobras, composta de quatro grupos distintos: em-
Total 10(28,6) 25(71,4)
preiteiras, no núcleo econômico; executivos de alto escalão e outros Fonte: elaboração própria (2021)
funcionários da companhia, no administrativo; agentes e partidos
políticos, no núcleo político; e operadores, no financeiro14. Segundo Na decisão que condena José Dirceu e Roberto Marques do
a acusação, três unidades de negócios da Petrobras foram ligadas Partido dos Trabalhadores por pertinência à organização criminosa,
a partidos políticos da coalizão governista: a) Abastecimento: ocu- Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, estabelece que cada
pada por Paulo Roberto Costa, nomeado pelo Partido Progressista integrante do grupo “envolvido habitual, profissionalmente e com
(PP); b) Serviços: ocupada por Renato Duque, nomeado pelo certa sofisticação na prática de crimes contra a Petrobras e de lava-
Partido dos Trabalhadores (PT); e c) Internacional, ocupada por gem de dinheiro” teria “diferentes graus de envolvimento e de res-
Nestor Cerveró, nomeado pelo Movimento Democrático Brasileiro ponsabilidade”16. A jurisdição do Rio de Janeiro também se apoiou
(MDB). Uma série de políticos foram denunciados durante as in- na classificação destes mesmos quatro núcleos, exceto que embora o
vestigações que ainda estão em curso, porém das sentenças com 15 Exclui Nelson Meurer, pois não denunciado pelo crime e apenas causa
de aumento da lavagem, e inclui os políticos denunciados por quadrilha no
Mensalão.
11 Lavagem na forma majorada, redação prevista no art.1º, caput e § 4º, da Lei 16 São elas: (i) executivos de empresas atuantes nos certames da estatal,
n. 9.613/ do núcleo econômico; (ii) funcionários públicos da Petrobrás, do núcleo
12 Assunto que deverá ser objeto de análise e deliberação nos autos do INQ administrativo; (iii) “operadores” encarregados do dinheiro, do núcleo financeiro;
3.989, em que se investiga o núcleo político de organização criminosa composto e (iv) “políticos com mandato ou agentes próximos do poder político”, do núcleo
por membros do Partido Progressista (PP). político (AP 504524184.2015.4.04.7000/PR, p. 235). Nessa mesma sentença,
13 Com apoio no art. 386, incisos II e VII, do Código de Processo Penal. Sérgio Moro é explícito ao dizer que “não se trata de um grupo criminoso
14 A denúncia é assinada pelos procuradores Januário Paludo, Andrey Borges organizado como a Cosa Nostra italiana ou o Primeiro Comando da Capital”,
de Mendonça, Orlando Martello e Carlos Fernando dos Santos Lima, e deu mas concorda com o Ministério Público de que a exigência legal do delito estaria
origem à ação penal 5025699-17.2014.404.7000, ainda não sentenciada. satisfeita.
456 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no Maria Eugenia Trombini 457
combate à corrupção?
econômico (ou empresarial) seja idêntico, os demais são balizados Parlamentares de Inquérito investigando a companhia, que vice-
pela figura do “chefe da quadrilha”, o ex-governador Sérgio Cabral -presidia. Em contrapartida, nos processos da Lava Jato decididos
(MDB), que integra sozinho o núcleo político17. até aqui, as acusações do crime de organização criminosa de com-
Se focarmos nas acusações de organização criminosa que foram petência do STF foram julgadas improcedentes.
julgadas procedentes na Lava Jato, todas são oriundas da justiça es-
pecializada: 5 sentenças de Sérgio Moro e uma de Marcelo Bretas. A Tabela 3. Tabulação cruzada de jurisdição decisória e êxito de condenação pelo
maior pena foi aquela dada a Sérgio Cabral, quarenta e cinco anos e crime de organização criminosa
dois meses, e a menor ao ex-vereador do Partido dos Trabalhadores, Jurisdição decisória êxito condenação não êxito condenação
político político
Alexandre Romano. Condenado por lavagem de dinheiro e associa-
ção criminosa18, a pena fixada em oito anos foi convertida em um STF 0,27 0,73
ano e dois meses em prisão domiciliar com tornozeleira, graças a Jurisdição especializada 0,30 0,70
um acordo de colaboração com o MPF em troca de multa cível no Média total 0,28 0,71
valor de 6 milhões de reais. Fonte: elaboração própria (2021)
Na justiça especializada do Paraná, dois réus foram absolvidos
da acusação de organização criminosa: André Vargas (PT) e Gim A média de condenações de políticos pelo crime de organização
Argello (PTB), ambos por falta de provas19, tendo sido condenados criminosa ou quadrilha é maior na justiça especializada do que no
por outros crimes denunciados: Vargas por corrupção passiva e STF. Como sabemos que a maioria das decisões condenatórias está
lavagem de dinheiro e Argello pelos mesmos crimes, além de obs- concentrada nas jurisdições do Paraná e Rio de Janeiro, uma segun-
trução à investigação de organização criminosa20. O parlamentar da representação dos dados é necessária para capturar as decisões
do PTB teria recebido propina de uma série de empreiteiras envol- denegatórias dadas pela jurisdição do Distrito Federal. Se reunir-
vidas no cartel da Petrobrás, em troca da proteção nas Comissões mos as cortes pelo local de sede, agregando ao STF a vara especia-
lizada em crimes financeiros de Brasília e deixando o residual em
17 No núcleo administrativo figuram membros da própria administração, em outra categoria temos a seguinte distribuição:
particular Wilson Carlos, Secretário de Governo, e Hudson Braga, Secretário de
Obras “a quem cabia negociação da propina” (AP 0509503-57.2016.4.02.5101,
Tabela 4. Tabulação cruzada de local da jurisdição e êxito de condenação pelo
p.2) e no núcleo operacional financeiro os responsáveis pela ocultação da origem
crime de organização criminosa: frequências de políticos acusados
espúria da propina.
18 O crime de associação criminosa, do art. 288 do Código Penal, com redação Local da jurisdição êxito condenação não êxito condenação
dada pela Lei 12.850/2013, altera o antigo crime de quadrilha ou bando. No atual político político
ordenamento, trata-se de crime subsidiário ao de organização criminosa, que Brasília 0,15 0,85
se satisfaz com a presença do mínimo de 3 pessoas, não exige uma estruturação
ordenada nem a divisão de tarefas, tampouco a finalidade de obter “vantagem de Outra 0,75 0,25
qualquer natureza” (Zanella 2017). Média total 0,28 0,71
19 art. 386, VII, do CPP e inciso V do mesmo artigo, respectivamente. Fonte: elaboração própria (2021)
20 Previsto no art. 2º, §1º, da Lei n.º 12.850/2013.
458 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no Maria Eugenia Trombini 459
combate à corrupção?
04.12.2019
02.03.2021
05.05.2021
pecializadas, semelhante estratégia à do Mensalão, de enquadrar os
Data
políticos por outro crime além de organização criminosa na mesma
acusação reaparece. Sobre a variedade dos crimes, nota-se que dos
inepta e ausente
crime (CPP art.
de justa causa
Fato narrado,
Fato narrado,
não constitui
não constitui
Fundamento
III, do CPP
art. 395, I e
além dessa acusação os 4 do PT foram denunciados por corrupção
Denúncia
397, III).
397, III).
ativa e peculato enquanto os demais por corrupção ativa combinada
com lavagem. Na Lava Jato, os dois réus com foro privilegiado são
acusados de corrupção passiva e lavagem. Dos 8 denunciados pelas
absolvição dos
absolvição dos
improcedente,
improcedente,
forças tarefas do PR e RJ, todos supostamente praticaram lavagem de
denúncia
acusados
acusados
Decisão
Rejeitar
a acusação pelo crime de lavagem de ativos ou ocultação de bens
Ação
Ação
aumenta as razões de chance de que os políticos sejam condenados
por pelo menos um crime.
Rousseff, Antonio
Eduardo da Fonte
Nogueira Lima e
Eduardo Cunha,
Luiz Inácio Lula
Moreira Franco
Ribeiro, Arthur
da Silva, Dilma
Henrique Lyra,
Eliseu Padilha,
Palocci, Guido
Lima, Rodrigo
Michel Temer,
Rocha Loures,
Mantega, Joao
Geddel Vieira
Albuquerque
Wellington
Aguinaldo
Tabela 5. Tabulação cruzada de denúncia por lavagem e condenação pelo crime de
Lira, Ciro
Vaccari
organização criminosa: frequências de políticos acusados
Réus
Denúncia por lavagem nenhuma condenação alguma condenação Total
Não 17 (85%) 3(15%) 20
Partido
PMDB
Sim 2 (13.3%) 13 (86.7%) 15
PT
PP
Total 19 (54.3%) 16 (45.7%) 35
Lewandowski,
Carmen Lúcia
Fonte: elaboração própria (2021)
Vinícius Reis
Vinícius Reis
Marques e
vencidos
Mendes,
Fachin e
Decisor
Marcus
Marcus
É excepcional a condenação apenas pelo crime de organização
Nunes
Bastos
Bastos
criminosa: entre todos os políticos que foram condenados por pelo
Jurisdição
2ª Turma
12.ª Vara
12.ª Vara
essa acusação julgada procedente. Em contrapartida, as denúncias
Federal
Federal
STF
ofertadas pela Procuradoria Geral da República contra os integran-
DF
DF
tes da cúpula dos partidos políticos: do PP, do PMDB e do PT segui-
89.2018.4.01.3400
44.2018.4.01.3400
ram outro caminho daquele da maioria do banco. Elas atribuíram o
Inquérito 3989
nº 1026137-
nº 0001238-
Ação Penal
Ação Penal
crime da Lei 12.850/201321, isoladamente, e essa estratégia acusató- Processo
ria não foram bem-sucedidas em lograr condenações.
21 Previsto no art. 2º, §1º, da Lei n.º 12.850/2013
460 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no Maria Eugenia Trombini 461
combate à corrupção?
3.2 Convergências entre a cúpula da elite judicial e a elite política por Sérgio Moro, porém o tribunal entendeu que os depoimentos
de colaboradores eram contrastantes entre si sobre a participação
Passarei a discussão das convergências e divergências entre a do político nas tratativas de propina, reformando a sentença para
elite judicial ao decidir sobre a elite política. Graças a uma com- absolve-lo dos crimes.
binação entre motivos estruturais (legislações sintonizadas com Diante de narrativa acusatória apoiada em depoimentos de
tratados internacionais de combate ao crime organizado e forta- colaboradores, o STF absolveu Vander Loubet de corrupção pas-
lecimento organizacional das agências envolvidas na luta contra a siva, lavagem e pertinência à organização criminosa por falta de
corrupção) e simbólicos (um grupo de agentes treinados no tema e provas, corroborando as declarações incriminando-o (AP 1019).
tecnicamente preparado para dar seguimento aos processos penais), Novamente em março de 2021, a denúncia contra os integrantes
o crime de associação criminosa ganhou novos contornos na Lava da cúpula do PP foi rejeitada pela Segunda Turma da corte, haja
Jato e deu corpo à uma investigação uniforme. A narrativa de um vista que as declarações dos colaboradores Pedro Corrêa e Alberto
grupo criminoso praticando crimes contra a Petrobras serviu fina- Youssef, não denunciados em virtude dos benefícios decorrentes
lidade instrumental ao manter a competência da Vara Federal de dos acordos, não terem sido suficientemente provadas (INQ 3989).
Curitiba para processamento dos casos. Em termos de estratégias A denúncia da Procuradora Geral da República Raquel Dodge tinha
aprendidas e aprofundadas pós Mensalão para garantir condena- sido acatada por Edson Fachin em 2019, acompanhado por Carmen
ções, os investigadores se apoiaram em declarações de participantes, Lúcia e Celso de Mello. Divergiram Gilmar Mendes e Ricardo
em troca das quais uma promessa de leniência é o preço a ser pago Lewandowski, argumentando que “não se pode fazer acusação de
(Rose-Ackerman, 1999). Em razão “da complexidade dos casos que organização criminosa em abstrato”, posição que prevaleceu após
envolvem quadro de corrupção sistêmica”, parte dos órgãos de per- chegada do novato Kassio Nunes.
secução penal e do Poder Judiciário adotou uma “nova abordagem Muito embora o então decano do Supremo tenha pontuado
do tema” que permitiu no Mensalão e na Lava Jato o enfrentamento que a acusação não trata de qualificar o partido como “organiza-
a este grave problema. ção criminosa” , os processos foram batizados de “quadrilhão” do
No âmbito legal, a lógica da barganha, tratando o direito do réu PP, PMDB e PT respectivamente. Os acusados defenderam a tese
a julgamento como uma mercadoria, tem sido fortemente criticada de “tentativa de criminalização da política”, com a equiparação das
(ver Alschuler 1983 na literatura internacional) e, no contexto bra- atividades político-partidárias a atos de integração e pertencimen-
sileiro, é apontada como a adoção de uma tendência mundial dos to a organização criminosa. Edson Fachin, em seu voto, afastou o
movimentos de lei e ordem fortemente influenciada pelos Estados argumento diante “da possibilidade de o exercício desvirtuado da
Unidos (Gonçalves & Moreira, 2018; Soares & Cisneiros, 2018; Brito, atividade parlamentar ofender bens jurídicos tutelados pelo Direito
2016). Há indícios na amostra que o cerne da elite anticorrupção Penal”. Já a jurisdição do Distrito Federal acatou o argumento de
usa provas obtidas em delações com menos reservas do que o STF. defesa. O magistrado titular, Marcus Vinícius Reis Bastos, absolveu
Paulo Ferreira, Secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores os membros do PT do crime de organização criminosa e do PMDB ,
(2005-2010), foi condenado pelo crime de organização criminosa estabelecendo que “a imputação a dirigentes de partidos políticos do
462 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no Maria Eugenia Trombini 463
combate à corrupção?
delito de organização criminosa sem os elementos do tipo objetivo e especialização “tardia” respondeu à sobrecarga e crescente deman-
subjetivo, provoca efeitos nocivos à democracia” como “a grave crise da provocada pela Lava Jato. Foi a 12ª Vara Federal que recebeu os
de credibilidade e de legitimação do poder político como um todo.” processos da Lava Jato de Curitiba após declarada a incompetência
Na ação penal de Curitiba que o condenou por pertencimento da vara para julgar casos sem relação com a Petrobras. A juventu-
à organização criminosa, a defesa de José Dirceu usou o argumento de da Vara do Distrito Federal à qual os processos de organização
de acusação “em decorrência de estereótipos político-partidários criminosa foram distribuídos pode estar associada à tomada deci-
ou de alguma espécie de vilificação por sua anterior condenação na sória distinta daquela encontrada no Rio de Janeiro e em Curitiba.
Ação Penal 470”. A sentença rebateu a tese nos seguintes termos: Também, não se pode descartar que a proximidade do Tribunal
O que está em julgamento são condutas criminosas praticadas por Regional Federal da 1ª Região, sediado em Brasília, do centro do
José Dirceu de Oliveira e Silva e não a atividade política dele, pretérita poder, responda por parte das decisões favoráveis aos réus políticos.
ou presente. Sem embargo de se tratar de personagem relevante na
história política do Brasil, isso não lhe franqueia liberdade para Outro fator que deve ser considerado sobre a seção da Lava Jato
cometer crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro. Pode-se no Distrito Federal que a distingue do Paraná e Rio de Janeiro diz
fazer política, de esquerda ou de direita, sem a prática concomitante
de crimes. (AP 504524184.2015.4.04.7000/PR, p. 201) respeito à organização centralizada no Ministério Público Federal.
A força tarefa paranaense foi estabelecida pelo então Procurador
Os elementos reunidos indicam diferentes interpretações sobre Geral da República, Rodrigo Janot, em abril de 2014, a fluminense
fenômenos semelhantes na cúpula do Judiciário e entre os magistra- em junho de 2016 e a paulista em 2017. Apesar dos desdobramen-
dos das jurisdições especializadas. tos no Distrito Federal, lá não foi instituída força tarefa, portanto
Na perspectiva institucional, as diferenças no tratamento con- a dedicação e os esforços conjuntos referentes aos réus processa-
ferido aos réus políticos pelo STF e pela justiça especializada são dos em Brasília não se equiparam às divisões de Curitiba e do Rio.
condizentes com a literatura e a arquitetura desse órgão no sistema Evidências existem de procuradores que questionam e reproduzem
judicial brasileiro. Sob esse prisma, interessa discutir as possíveis a narrativa acusatória do Paraná, no entanto.
explicações para a variância entre a seção paranaense e fluminense Para auxiliar a Procuradoria Geral da República nos processos
da Lava Jato e aquela do Distrito Federal. Segundo o idealizador da Lava Jato que tratam de pessoas com prerrogativa de foro, criou-
da especialização: “Com essas varas vieram o caso Banestado, de- -se em 2015 um grupo de trabalho composto por 8 procuradores.
pois o Mensalão e agora a Lava Jato. A maior conquista recente do Não é possível responder em que medida essas estruturas produzem
Judiciário brasileiro foi a criação das varas de lavagem de dinheiro, esforços anticorrupção menos intensos do que os das forças tare-
que inspirou vários países”. A 13ª Vara Federal de Curitiba foi espe- fas, ou se o filtro do STF e a adjudicação na corte em si são o fator
cializada em 2003 e a 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro em 2005, explicativo central para os padrões encontrados. Após dois anos
ao passo que a 12ª Vara do Distrito Federal se torna especializada do início das investigações de detentores de prerrogativa de foro, o
para processar e julgar crimes contra o sistema financeiro nacional Supremo não tinha condenado nenhum investigado na Lava Jato ,
e de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores e transcorridos quatro anos 54 dos 80 procedimentos sob a guarda
e aqueles praticados por organizações criminosas em 2017. Essa dos ministros da Corte tinham sido arquivados.
464 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no Maria Eugenia Trombini 465
combate à corrupção?
Considerações finais burocracia e nos órgãos de controle, seja para arquivar ou concluir
investigações, deve ser melhor compreendido em estudos sistemáti-
O eixo condutor do paper foi a narrativa de organizações para cos de dados empíricos que pensem técnica e política como atribui-
a prática de crimes, que conecta o Mensalão e a Lava Jato e permi- ções também da elite judicial.
tiu contrastar entendimentos entre os ministros do STF, a cúpula
da elite judicial, e aqueles das seções estaduais da Lava Jato Paraná,
Rio de Janeiro e Distrito Federal, aqui chamadas elite anticorrupção.
Os achados apontam uma estratégia partilhada que começou com
o Mensalão e foi aprofundada após a formalização da força tarefa
da Lava Jato em 2014, dividindo os participantes dos esquemas em
diferentes núcleos e unificando a operação em torno dos crimes co-
metidos contra a Petrobrás, o que sustentou a competência do juízo
de Curitiba. A elite anticorrupção não somente emprestou como
aprofundou as estratégias usadas anteriormente, por exemplo usar
declarações de participantes dos esquemas como meio de prova. As
vantagens dessa abordagem podem ser ilustradas com um exemplo.
Silvio Pereira, ex-secretário geral do PT que aceitou acordo com a
acusação e não foi sentenciado pelo STF, voltou a ser citado em 2016
em delação feita na Lava Jato. A força tarefa paranaense ofereceu
denúncia contra ele pelo fato que o deixou famoso no Mensalão:
a Land Rover que recebeu de uma fornecedora da Petrobras. Em
2020, a vara especializada de Curitiba condenou-o a 4 anos e 5 me-
ses. (AP 5056533-32.2016.4.04.7000)
Forneci evidências de que a elite à frente da Lava Jato no Paraná
e Rio de Janeiro, concorda com a narrativa de políticos compondo
organizações criminosas articulada pelo MPF. A hipótese sobre a
elite judicial anticorrupção ser menos leniente com réus políticos do
que os ministros do STF foi confirmada. Há disputas em torno da
interpretação de organização criminosa e uma maior permeabilida-
de à tese de defesa dos políticos em Brasília também na justiça espe-
cializada, achado que recomenda investigações mais aprofundadas
das nuances intra-elites. O papel das relações informais dentro da
Anexo A - Acusações crime organização criminosa e políticos na Lava Jato
Processo Jurisdição Decisor Partido Assunto Réus Decisão Fundamento Apelação
Ação Penal nº 13ª Vara Sérgio PT Pagamento de propinas André Vargas Absolvido de Prova material de R$ Diminui a
502312147. Federal de Moro de pelo menos R$ denunciado OrCRim por falta de 1.103.950,12 transferidos, pena para
2015.4.04. Curitiba 1.103.950,12 para que por corrupção provas, condenado em 64 transações, entre 13 anos,
7000 empresa de publicidade passiva, lavagem por corrupção 2010 a 2014 das empresas 10 meses e
fosse indevidamente e OrCrim passiva: 6 anos de de mídia subcontratadas 24 dias de
favorecida nos certames reclusão e 106 DM; pela Borghi Lowe para reclusão e
da Caixa Econômica lavagem de dinheiro: as empresas de fachada 237 DM
Federal e do Ministério da 08 anos e 04 meses Limiar e LSI, com
Saúde. No total, 3 réus são de reclusão e 182 emissão de notas fiscais
denunciados pelo MPF DM = Total 14 anos fraudulentas e simulação
nessa ação. e 04 meses e 288 DM de que se tratava de
(5 e 3 SM) remuneração por bônus
combate à corrupção?
de volume
Ação Penal nº 13ª Vara Sérgio PT 5 contratos obtidos José Dirceu Corrupção passiva: Provado, sem margem Aumenta a
504524184. Federal de Moro pela Engevix junto à denunciado 10 anos e 210 DM; para dúvida razoável, pena para
2015.4.04.7000 Curitiba Petrobrás (cartel e fraude por corrupção lavagem: 9 anos que recebeu valores 30 anos 9
à licitação) entre 2007- passiva, lavagem e 2 meses e 250 milionários de Milton meses e 10
2013. Pagamento de R$ e OrCrim; DM; pertinência à Pascowitch de propinas dias e 570
100.000,00 OrCrim: 4 anos e 1 acertadas em contratos da DMs (3SM)
em propinas à arquiteta mês e 50 DM = Total Engevix com a Petrobrás,
D.L. por Milton 23 anos e 3 meses e até mesmo apresentando
Pascowitch no interesse 510 DM (5SM) álibi inconsistente de que,
de José Dirceu pela em sua maior parte, seriam
reforma de imóvel de sua empréstimos
propriedade. No total, 15
réus são denunciados pelo Roberto Absolvido de Os depoimentos dos Aumenta a
MPF nessa ação. Marques lavagem por falta de acusados colaboradores pena para 4
denunciado provas, condenado aliados à prova anos e 1 mês
por lavagem e por pertinência à de corroboração de reclusão,
OrCrim OrCrim: 3 anos e circunstancial são em regime
6 meses e 35 DM suficientes para concluir inicial
(5SM) substituídos pela pertinência de semiaberto,
por 2 penas Roberto Marques no e 70 DMs
restritivas de direitos grupo político comandado
por José Dirceu e seu
envolvimento nos crimes
466 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no
Ação Penal nº 13ª Vara Sérgio PTB Pagamento de propina de Jorge Afonso Absolvido de Não há nenhuma prova Diminui a
502217978. Federal de Moro R$ 5.000.000,00 pela UTC Argello OrCrim por falta de que Gim Argello teria pena para
2016.4.04.7000 Curitiba Engenharia, Toyo Setal, denunciado de prova de que integrado grupo criminoso 11 anos e
OAS, Andrade Gutierrez, por corrupção dela participou, durante o período no 8 meses de
Camargo Correa e passiva, lavagem, condenado por qual pagavam-se propinas reclusão,
Engevix Engenharia ao pertinência corrupção e lavagem: a agentes da Petrobrás, regime
senador para obstruir os à OrCrim, em concurso formal: mas constituída CPI da inicial
trabalhos das Comissões embaraço à 14 anos, 11 meses e Petrobrás, há prova oral e fechado e
Parlamentares de investigação 333 DM; obstrução documental que recebeu 333 DM
Inquérito apurando fatos criminosa 4 anos e 1 mês e 80 vantagem indevida de (5SM)
na Petrobrás em favor DM = Total 19 anos e empreiteiras interessadas
da companhia e seus 413 DM (5SM) em se proteger
dirigentes. No total, 9
réus são denunciados pelo
MPF nessa ação.
Ação Penal nº 13ª Vara Sérgio PP Percentual de valores João Genu Absolvido de Mensagem eletrônica por Aumenta a
503042478. Federal de Moro recebidos como propinas denunciado lavagem por falta de ele enviada a Youssef ainda pena para
2016.4.04.7000 Curitiba acertadas para a Diretoria por corrupção provas, condenado durante o julgamento do 9 anos e 4
de Abastecimento da passiva, lavagem, por corrupção: 7 Mensalão, reclamando meses de
Petrobrás enquanto pertinência à anos e 8 meses e que não estaria recebendo reclusão
assessor de José Janene OrCrim 80 DM; OrCrim: 1 toda a propina devida pelo em regime
(5%) e posteriormente ano = Total 8 anos esquema criminoso da inicial
dividindo 30% da e 8 meses e 80 DM Petrobrás e prova material fechado e
propina com Alberto (5SM) de que recebeu propina 110 DMs
Youssef, participando dos pelo menos até 07/2013.
crimes de corrupção nos
contratos da Petrobrás.
No total, 3 réus são
denunciados pelo MPF
nessa ação.
Maria Eugenia Trombini
467
Processo Jurisdição Decisor Partido Assunto Réus Decisão Fundamento Apelação
Ação Penal nº 13ª Vara Sérgio PT Recebimento de valores Alexandre Condenado por As provas do caso indicam Diminui
5037800-18. Federal de Moro de construtoras alinhadas Romano lavagem: 8 anos e que Alexandre Correa para 8 anos
2016.4.04.7000 Curitiba com o cartel da Petrobrás denunciado 4 meses e 100 DM; de Oliveira Romano 6 meses e
(Construbase, Schahin por lavagem associação: 6 meses fazia da fraude e da 100 DMs
e Construcap) e, após e associação = Total 9 anos e 4 lavagem de dinheiro sua
Alexandre reter a criminosa meses e 100 DM atividade profissional, e
porcentagem devida pelo (5SM) substituídos o próprio réu celebrou
serviço (40% em contratos pela pena do acordo acordo de colaboração já
superfaturados e 30% de 1 ano e 2 meses homologado quando da
em caso de negócios em domiciliar com sentença.
simulados), entrega do tornozeleira, 1 ano
restante a Paulo Ferreira, sem monitoramento
secretário de finanças e 6 anos de prestação
combate à corrupção?
do PT. de serviços
No total, 14 réus são comunitários
denunciados pelo MPF
Paulo Ferreira Condenado por Dezenas de transferências Absolvido
denunciado lavagem: 8 anos e de Romano para Ferreira, de todos os
por lavagem 4 meses e 100 DM na condição de agente delitos com
e associação (5SM); associação: 1 do PT, e confissão de ter fundamento
criminosa ano e 6 meses = Total intermediado pagamentos na falta de
9 anos e 10 meses de a outros agentes políticos, provas (art.
reclusão e 100 DM mas negou saber a origem 386, VII do
(5SM) criminosa dos recursos CPP)
Ação Penal nº 7ª Vara Marcelo PMDB Desde que assumiu o Sérgio Cabral Condenado por Prova oral e documental Aumentada
0509503-57. Federal Bretas governo até o ano de 2014 denunciado corrupção passiva: 2x de que Cabral solicitou para 45
2016.4.02.5101 Criminal Sérgio Cabral cobrou por corrupção 12 anos de reclusão e ao presidente da Andrade anos, 9
do Rio de propina de 5% do valor passiva, lavagem, 336 DM; 13 anos de Gutierrez o pagamento meses e
Janeiro das obras executadas pertinência à reclusão e 480 DM; de propina, para que a 1693 DM
pela Andrade Gutierrez, OrCrim 8 anos e 2 meses de referida empreiteira fosse
favorecida em disputas reclusão e 250 DM admitida a contratar com
de licitação em obras de = Total 45 anos e 2 o Estado do Rio de Janeiro,
infraestrutura, entre elas meses de reclusão e em reuniões na casa do ex-
reformas para a Copa de 1.502 DM (1 SM) governador, e no Palácio
2014. No total, 13 réus são Guanabara.
denunciados pelo MPF
nessa ação.
Referências
Della Porta, D. (2001) A judges’ revolution? Political corruption and Koerner, A.. (1994) O Poder Judiciário no sistema político da
the judiciary in Italy. European Journal of Political Research 39 (1), Primeira República. Revista USP, 5(30).
pp. 1–21.
Love, J. & Barickmann, B. (1986). Rulers and Owners: A Brazilian
Engelmann, F. & Menuzzi, E. (2020) The Internationalization of the Case Study in Comparative Perspective. The Hispanic American
Brazilian Public Prosecutor’s Office: Anti-Corruption and Corporate Historical Review, 66(4).
Investments in the 2000s. Brazilian Political Science Review 14(1).
Moro, S. (2004) Considerações sobre a Operação Mani Pulite. R.
Feres Júnior, J. & Kerche, F. (orgs) (2018). Operação Lava Jato e a CEJ, 26(s/n), pp. 56-62.
democracia brasileira. Contracorrente.
Nunes Leal, V. (1975) Coronelismo, Voto e Enxada: O município e o
Fernandez, J. (2017) El populismo del derecho penal: La necesidad regime representativo no Brasil. Alfa-Omega.
de racionalizar las leyes punitivas populares. Revista Jurídica
Derecho, 5(6), 133-154. Praça, S. & Taylor, M. M. (2014) Inching Toward Accountability:
The Evolution of Brazil’s Anticorruption Institutions, 1985-2010.
Fontainha, F & Amanda L. (2019) Judiciário e Crise política no Latin American Politics and Society, 56(2), pp. 27–48.
Brasil Hoje: do Mensalão à Lava Jato. Revista da Associação dos
Antigos Alunos de Direito da UFRJ. 1(1). Prado, M. & Machado, M. (2021) ‘Using Criminal Law to Fight
Corruption: The Potential, Risks and Limitations of Operation Car
Fontoura, L. (2019) A Justiça de Curitiba em Números: Uma Análise Wash (Lava Jato)’, American Journal of Comparative Law, 17(2).
Quantitativa das Sentenças Proferidas Pela Operação Lava Jato No
Paraná (2014-2018). Dissertação de Mestrado, PPGPP Universidade Ramos, M. & Gloeckner, R. (2017) Os Sentidos do Populismo
Federal do Rio Grande do Sul. Penal: Uma Análise para Além da Condenação Ética, DELICTAE,
2(3), pp. 248-297.
Gonçalves, C. & Moreira, M. A. (2018) Uma Análise Crítica acerca
da Constitucionalidade da Delação Premiada Aplicada nos Casos Rodrigues, F. (2020). Lava Jato: Aprendizado institucional e ação
da Operação Lava-Jato. Revista do Curso de Direito da Uniabeu, estratégica na justiça. Martins Fontes.
10(1).
Sadek, Maria T. (2018) Combate à Corrupção: novos tempos.
Hughes, D. (2016) What Does Lawfare Mean? Fordham International Revista da CGU, 11 (20).
Law Journal, 40(1).
472 Elite judicial e elite política: da convergência ao antagonismo no
combate à corrupção?
Sá & Silva, Fabio. (2020) From Car Wash to Bolsonaro: Law and
Lawyers in Brazil’s Illiberal Turn (2014-2018). Journal of Law and
Society, 47(1).
Sobre a autora
Maria Eugenia Trombini é doutoranda em Sociologia no Instituto
Max Weber na Universidade de Heidelberg. CV Lattes: http://
lattes.cnpq.br/1248978398674361
Financiamento eleitoral e bancada dos parentes
na comissão do meio ambiente e desenvolvimento
sustentável da Câmara dos Deputados na 55ª
legislatura
Tainá R. Serafim & Rodrigo Rossi Horochovski
Contexto
O acirramento e polarização da disputa eleitoral de 2014 resultou
em um Congresso Nacional pulverizado partidariamente, liberal
na economia e conservador, tanto nos costumes quanto em
temas de direitos humanos e ambientais. Para acessar tais cargos
os parlamentares que formam esse perfil precisavam ter vários
financiadores de campanha. Além de posicionar-se estrategicamente
no fluxo de recursos transacionados em um conjunto de doações que
partiam: a) de empresas para candidatos e agentes partidários; b) de
agentes partidários para candidatos.
Objetivos
A partir do mapeamento do perfil e da rede de financiamento eleitoral
dos deputados que compuseram a Comissão do Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável (CMADS) durante a 55ª Legislatura
(2015-2019), este trabalho tem como objetivo responder à seguinte
questão: possuir vínculo de parentesco com políticos de carreira (ou
políticos profissionais) facilita o acesso do candidato a financiadores de
campanha?
CAPÍTULO 15
476 Financiamento eleitoral e bancada dos parentes na comissão do meio Tainá R. Serafim & Rodrigo Rossi Horochovski 477
ambiente e desenvolvimento sustentável da Câmara dos Deputados na
55ª legislatura
Métodos Introdução
Para isso, emprega-se a Análise de Redes Sociais como metodologia
que permite comparar relacionalmente dados coletados em duas A eleição de 2014 ocorreu em um cenário de polarização ideo-
fontes distintas: o Repositório de Dados Eleitorais do Tribunal lógica, descrença na classe política e na efetividade das instituições,
Superior Eleitoral (TSE), onde foi possível acessar dados de prestação resultando em um Congresso Nacional pulverizado partidariamen-
de contas das campanhas nas eleições de 2014; e o portal da Câmara
dos Deputados, no qual foi coletado o perfil dos membros da CMADS te, liberal na economia e conservador, tanto nos costumes quanto
entre 2015 e 2019. Também foi utilizado o mapeamento realizado pelo em temas de direitos humanos e ambientais (DIAP, 2014). Outra pe-
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) sobre a culiaridade marcou esse pleito, o orçamento das candidaturas podia
55ª Legislatura, publicado em 2014. A tabulação do material em planilha,
utilizando o programa LibreOffice Calc, permitiu estabelecer linha de ser composto a partir de quatro fontes principais: pessoas jurídicas
corte de 180 dias de vinculação à CMADS. O período considerado (empresas), pessoas físicas, recursos do próprio candidato e aqueles
mínimo necessário para que a atuação parlamentar possa ser, de alguma advindos do fundo partidário (fonte pública). A partir da aprovação
maneira, significativa. O financiamento privado de campanha também da Lei 13.165/2015 (Brasil, 2015) que proíbe investimentos empre-
foi um critério e, como resultado, 67 parlamentares preencheram todos
os requisitos que compõem esse estudo. sariais, o financiamento passa a ser exclusivamente público ou por
doações de pessoas físicas.
Resultados e discussão Portanto, para acessar tais cargos os parlamentares que for-
A bancada dos parentes da CMADS na 55ª legislatura reuniu maram esse perfil precisavam posicionar-se estrategicamente no
candidatos com boa densidade eleitoral. Dentre todas as bancadas fluxo de recursos transacionados em um conjunto de doações que
representadas na CMADS, ela é a mais volumosa e 38,8% dos partiam: a) de empresas para candidatos e agentes partidários; b)
deputados pesquisados possuem relações político familiares. As
doações destinadas aos parlamentares da bancada dos parentes de agentes partidários para candidatos. A partir do mapeamento
corresponderam a 45,07% do total de contribuições realizadas aos do perfil e da rede de financiamento eleitoral dos deputados que
67 deputados da rede de financiamento. Esta rede contém, ao todo, compuseram a Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento
1306 arestas que representam doações de campanha. 48,14% dessas Sustentável (CMADS) durante a 55ª Legislatura (2015-2019), este
doações tiveram como destino os parlamentares parentes de outros
políticos. trabalho tem como objetivo responder à seguinte questão: possuir
vínculo de parentesco com políticos de carreira (ou políticos profis-
Conclusão sionais) facilita o acesso do candidato a financiadores de campanha?
A investigação do impacto do financiamento eleitoral na es-
Conclui-se que o pertencimento à bancada dos parentes é, potencialmente,
um dos fatores explicativos para um financiamento maior de campanha. trutura de decisão da Câmara Federal evidencia o peso dos custos
Contudo, ficou evidente a necessidade de testes mais robustos no futuro, eleitorais no Brasil, chegando uma campanha para deputado a não
para a efetiva comprovação da hipótese. custar menos de 2 milhões de reais (Horochovski et al., 2016). Esse
cenário incentiva partidos políticos a priorizar nomes com acesso a
Palavras-chave
Financiamento eleitoral; perfil parlamentar; bancada dos parentes; financiadores privados e a máquina pública. Diante de uma estrutu-
Câmara dos Deputados; Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento ra de financiamento de campanha que projeta certas candidaturas,
Sustentável.
478 Financiamento eleitoral e bancada dos parentes na comissão do meio Tainá R. Serafim & Rodrigo Rossi Horochovski 479
ambiente e desenvolvimento sustentável da Câmara dos Deputados na
55ª legislatura
política. Possuir relação de parentesco não desqualifica ninguém quais destacamos o interesse direto de financiadores de campanha
ligados ao agronegócio. (Horochovski et al., 2016, p. 12)
para concorrer a um cargo público, contudo, o DIAP chama atenção
para a ocorrência de candidaturas de parentes sendo lançadas “para
manter feudos eleitorais, substituir candidatos com ficha suja ou No campo da Ciência Política, principalmente no que diz res-
para evitar que outras forças políticas assumam o poder na unidade peito ao financiamento eleitoral no Brasil, Mancuso (2014) divide
da Federação” (DIAP, 2014, p. 114). a produção bibliográfica sobre o tema em três eixos: (i) trata da re-
Argumentos contrários à hipótese trazida neste paper são lan- lação entre investimento e desempenho eleitoral, para afirmar uma
çados por Marenco (1997) que investiga a trajetória percorrida por equação já conhecida em que mais recurso financeiro reverte-se em
candidatos e o tempo investido na carreira política até a conquista maior quantidade de votos; (ii) que relaciona o financiamento elei-
de uma cadeira parlamentar. O estudo busca identificar mudanças toral e os benefícios aos financiadores; e o (iii) que focaliza determi-
nos padrões de recrutamento parlamentar durante dois ciclos de- nantes de financiamento eleitoral, ou seja, o que é levado em conta
mocráticos: 1946/62 e 1986/94. A respeito dos parlamentares liga- quanto uma empresa decide investir em determinada campanha.
dos a políticos por laços de parentesco, os resultados trazidos pelo Assim, é possível afirmar que a pesquisa aqui proposta se enquadra
auto sugerem que “além da experiência política, não dispunham no eixo (iii), investigando se o vínculo político-familiar é levado em
também do prestígio herdado graças a antecedentes familiares, conta por financiadores de campanha no momento em que decidem
como compensação para a carência de um capital político institu- realizar tais doações.
cional” (Marenco, 1997, p. 4). Mesmo assim, o autor reconhece a Os deputados federais membros da 55ª Legislatura da CMADS
possível influência de um ambiente familiar que estimule a opção receberam aportes financeiros advindos, principalmente, de seus
pela política, podendo levar a uma incursão mais precoce no campo respectivos partidos políticos, comitês de campanha e de empresas
político (Marenco, 1997, p. 7). privadas. Tais interações foram uma estrutura que pode ser repre-
As características das bancadas importam nos processos de- sentada por uma rede. O desenho da rede de financiamento possibi-
cisórios. Ao cruzar os dados de financiamento eleitoral com uma lita descortinar camadas para identificar os elementos estruturantes
série de atributos, como o pertencimento à bancada ruralista e de uma arena destinada à produção normativa sobre o uso do capi-
o recebimento de doações de empresas ligadas ao agronegócio, tal natural brasileiro. Permite ainda identificar a forma que adqui-
Horochovski et al. (2016) perceberam que os deputados que rejeita- rem as relações entre deputados e financiadores de campanha no
ram o Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei (PL) Nº 1.876/1999, interior dessa estrutura. Nesse sentido, resultados de pesquisas que
o que culminou na aprovação no novo Código Florestal (Lei nº utilizam a metodologia de ARS sugerem que “para ser bem-sucedi-
12.651/2012), não levaram em conta a opinião acadêmica, contrária do eleitoralmente um candidato deve ter vários financiadores, estar
às alterações contidas no novo código: próximo dos demais atores e colocar-se em posições privilegiadas
[...] a decisão majoritária dos parlamentares não levou em
nos fluxos relacionais que estes estabelecem entre si” (Horochovski
consideração a opinião pública e a opinião qualificada da et al., 2016, p. 44).
comunidade científica e outros especialistas. Torna-se altamente
interessante e necessário investigar outros fatores envolvidos, dos
482 Financiamento eleitoral e bancada dos parentes na comissão do meio Tainá R. Serafim & Rodrigo Rossi Horochovski 483
ambiente e desenvolvimento sustentável da Câmara dos Deputados na
55ª legislatura
Lemieux e Ouimet (2008) conceituam “análise estrutural”, afir- define o “grau” dessas relações. Sendo o “grau” de cada ator determi-
mando se tratar de uma maneira de abordar os fenômenos sociais, nado pelo número de conexões que ele realiza.
na qual fica evidente a “preocupação com a forma estável ou evolu-
tiva que adquire a relação com os atores” (Lemieux & Ouimet, 2008, 2. Metodologia
p. 15). Essa forma é desenhada a partir das trocas permanentes e por
vezes hierárquicas, sendo assim, Granovetter (1973) alerta para o Para responder a pergunta de pesquisa, foram coletados dados
fato de que na ausência de dados em rede, tudo é especulação (apud de três fontes principais: (a) o Repositório de Dados Eleitorais do
Higgins; Ribeiro, 2018, p. 27). Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que reúne dados de prestação de
A Teoria de Análise de Redes Sociais surge como uma vertente contas das campanhas nas eleições de 2014; (b) o portal da Câmara
da sociologia estrutural que “se baseia numa noção clara dos efeitos dos Deputados, onde foram coletados dados sobre o perfil dos
das relações sociais sobre o comportamento individual e grupal” membros da CMADS entre 2015 e 2019; (c) o mapeamento reali-
(Mizruchi, 2006, p. 73). A teoria enuncia que a estrutura das rela- zado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
ções sociais determina o conteúdo das mesmas, isso significa que “a (DIAP) sobre a 55ª Legislatura, publicado em 2014, que aponta os
posição de um agente numa estrutura social tem um impacto sig- representantes da bancada dos parentes.
nificativo no seu comportamento e bem-estar” (Mizruchi, 2006, p. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aloja no Repositório de
75). A Análise de Redes Sociais constitui um conjunto de métodos Dados Eleitorais planilhas de prestação de conta de todos os candi-
quantitativos que se aplicam a dados relacionais, desta forma, ela é datos que disputam eleições no Brasil desde 1945. No site do tribu-
ao mesmo tempo uma perspectiva e uma ferramenta. nal, esses dados estão dispostos por unidade federativa, resultando
Enquanto ferramenta, ela utiliza a Teoria dos Grafos para deter- em 54 planilhas diferentes. A primeira tarefa foi compilar o mate-
minar as variáveis estruturais que comportam pelo menos duas di- rial, referente ao período pesquisado em um banco de dados, com o
mensões: (1) as trocas entre os agentes e as identidades sustentadas gerenciador PostgreSQL1.
a partir delas; e (2) os recursos que circulam dentro do universo so- Sobre o banco resultante, foi aplicado um filtro, selecionando
cial pesquisado. Neste caso, as trocas são essencialmente as relações apenas os candidatos a deputado federal e seus respectivos doado-
de financiamento de campanha e os recursos são o dinheiro doado, res, sejam empresariais diretos e indiretos, partidos políticos ou co-
determinante para o acesso ao cargo (Mancuso, 2014). Conforme mitês. O filtro também excluiu transações feitas por pessoas físicas,
orienta a Teoria dos Grafos, uma rede é composta por nós, que são devido ao volume desse tipo de doação em detrimento dos valores
os atores, e por arestas, que representam os relacionamentos entre doados. Ainda, o foco reside em capturar e explorar os vínculos en-
tais agentes, sendo que os nós desta rede são os deputados, agentes tre entes privados, agentes partidários e parlamentares com familia-
partidários e empresas, enquanto as arestas são os valores transacio- res políticos, tornando doações de pessoas físicas supérfluas para o
nados através de doações. Essencialmente, um grafo é composto por
um conjunto de nomes; um conjunto de relações; e um ranking que 1 Neste ponto, agradeço ao Prof.º Neilor Fermino Camargo pelo trabalho na
montagem do banco de dados que reúne informações de prestação de contas e os
devidos códigos de cada ator: doador, doador originário e candidato.
484 Financiamento eleitoral e bancada dos parentes na comissão do meio Tainá R. Serafim & Rodrigo Rossi Horochovski 485
ambiente e desenvolvimento sustentável da Câmara dos Deputados na
55ª legislatura
presente estudo. Em seguida, os nomes dos membros da CMADS Por último, os dados gerados no Gephi foram exportados para
foram filtrados no banco de dados de prestação de contas e perfil de planilhas do Excel. Nelas, a classificação decrescente dos valores re-
candidaturas. ferentes ao grau de entrada e grau de entrada ponderado permitiram
A tabulação do material em planilha, utilizando o programa verificar, dentre os 26 membros da bancada dos parentes, os mais
LibreOffice Calc, permitiu estabelecer linha de corte de 180 dias de relevantes em termos de quantidade de doações e valores recebidos.
vinculação à CMADS. O período considerado mínimo necessário A soma das doações eleitorais direcionadas aos 67 deputados mem-
para que a atuação parlamentar possa ser, de alguma maneira, sig- bros da CMADS, foi comparada com os valores acumulados pelos
nificativa. Receber doações eleitorais de empresas também foi um 26 representantes da bancada dos parentes. Além disso, estatísticas
critério e, como resultado, 67 parlamentares preencheram todos os descritivas foram calculadas para averiguar os resultados que serão
requisitos e compõem esse estudo. Com base no levantamento do apresentados e discutidos na próxima seção.
DIAP (2014) foram identificados 26 representantes da bancada dos
parentes, dentre os 67 pesquisados. 3. Resultados e discussão
O conjunto de dados referentes a doações eleitorais forjaram
uma tabela de arestas. Os nomes coletados tanto nos Relatórios de 3.1 Descrição do perfil da bancada dos parentes na CMADS (2015-
Atividades da CMADS, quanto nas prestações de contas, formaram 2019)
uma tabela de nós. Segundo a Teoria dos Grafos, os “nós” são os
diferentes atores que compõem a rede, dotados de diferentes atribu- O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar con-
tos. O pertencimento, ou não, à bancada dos parentes é um atributo clui que a Câmara de Deputados de 2015 a 2019 foi composta por
dos candidatos. Portanto esses atores foram classificados conforme “homens, com formação superior, com idade média de 49 anos, com
uma variável dummy (binária), correspondente a 1, se o parlamen- experiência política ou administrativa anterior, com fonte de renda
tar possuir familiares políticos ou zero, se o parlamentar não possuir não-assalariada, pelo fato de a maioria ser formada por empresários
tal vínculo. e profissionais liberais” (DIAP, 2014, p. 18).
No programa Gephi, as redes foram processadas gerando esta- Neste sentido, o perfil da Comissão do Meio Ambiente e
tísticas de centralidade e os grafos de rede. O programa cruza o con- Desenvolvimento Sustentável não destoa do perfil geral que a
teúdo da planilha de arestas com o da planilha de nós e apresenta Câmara de Deputados apresentava na 55ª legislatura, sendo a maio-
a estrutura que assume um conjunto de relações. Como resultado, ria homens brancos, com ensino superior completo, com média de
foram devidamente identificados: os atores que receberam várias idade em torno dos 56 anos. São 62,68% dos deputados com ensino
doações; deputados que tiveram as campanhas mais caras da rede; superior completo, e outros 14,92% com ensino superior incomple-
candidatos que se conectam por financiadores em comum. Em se- to. Foram 4,46% os parlamentares que apresentaram como grau de
guida, os 26 nós que representam os parlamentares pertencentes à instrução ensino fundamental completo, 11,94% com ensino médio
bancada dos parentes ganharam destaque no grafo, possibilitando completo e apenas 2,98% declararam possuir ensino médio incom-
visualizar a posicionalidade destes atores na estrutura. pleto. Quanto à cor da pele: apenas 2,98% dos parlamentares se de-
486 Financiamento eleitoral e bancada dos parentes na comissão do meio Tainá R. Serafim & Rodrigo Rossi Horochovski 487
ambiente e desenvolvimento sustentável da Câmara dos Deputados na
55ª legislatura
clararam amarelos, 23,88% declararam-se pardos, e apenas quatro 3.2 Rede de financiamento da CMADS e posicionalidade dos mem-
dos 67 deputados são negros, ou seja, 5,97%. Já os deputados bran- bros da bancada dos parentes
cos são a maioria e chegam a representar 67,16% do grupo. Dentro
do conjunto dos deputados pesquisados são apenas 5 mulheres As interações dos deputados federais, que até 2019 compunham
que representam 7,42% do total. Enquanto os homens são maioria a CMADS, com partidos políticos e empresas financiadoras de cam-
(92,53%). panha durante as eleições de 2014, forjaram a rede que conecta os
Em termos gerais, a bancada dos parentes ampliou sua base em atores por relações de financiamento. Neste caso, quanto maior o
2015. Após as eleições de outubro do ano anterior, dados compara- valor da receita dirigida ao candidato ou partido, maior o peso da
dos entre o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar aresta. Cada aresta corresponde a todas as doações que um agente
e a Transparência Brasil apontam que “111 deputados se reelege- destinou a outro agrupadas, somando os valores, afinal, o interesse
ram e outros 100 novatos parentes de políticos lograram êxito nas está nos vínculos entre financiadores e financiados e sua intensidade.
urnas, totalizando 211 deputados nessa condição” (DIAP, 2014, p. Nota-se que a partir da Resolução nº 23.406/2014 do Tribunal
114). Entre os parentes, o DIAP identificou “109 deputados alinha- Superior Eleitoral (TSE), que obriga os partidos políticos a declarar
dos com os interesses empresariais, 53 ligados ao agronegócio, 31 o doador originário das receitas provenientes de empresas, torna-se
que compõem a bancada evangélica e apenas quatro sindicalistas” possível identificar a fonte original do recurso e distinguir o fluxo
(DIAP, 2014, p. 115). Sobre a questão de gênero, do total de repre- que transcorre de um doador, antes oculto, para o partido que pos-
sentantes eleitos em 2014 que possuem grau de parentesco político, teriormente transfere o valor ao candidato. O agente partidário atua,
87,67% são homens e 12,32% mulheres. portanto, como intercessor da verba. Diante da singularidade que a
Na CMADS, a bancada dos parentes conta com o maior núme- eleição de 2014 apresentou, uma escolha metodológica precisou ser
ro de representantes, dentre os deputados pesquisados2. Constata-se tomada e optou-se por um grafo dirigido que revele, em suas setas,
que, dentre os 67 parlamentares pesquisados, 26 deputados possuem o dinheiro sendo repassado da empresa ao deputado, utilizando
laços de parentesco com figuras da vida pública brasileira, repre- agentes partidários como intermediadores. Para tanto, cada doação
sentando 38,8% do total de candidatos. A seção seguinte apresenta indireta aparece duas vezes na rede, apesar de se tratar da mesma
a posição que ocupam esses atores na estrutura de financiamento receita repassada em ambas as transações. A escolha se justifica
eleitoral. uma vez que o objetivo é explorar as relações entre parlamentares
tomadores de decisão e agentes privados representantes do capital
financeiro, sem ignorar o importante papel que desempenham os
partidos políticos, pela quantidade de recursos que intermedeiam e
pelo seu poder de pressão sobre os mandatos.
De maneira geral, a rede de financiamentos apresenta uma es-
2 O quadro, presente nos anexos, revela os membros da 55ª legislatura da trutura na qual os 67 candidatos são minoria (6,49%). Além deles,
Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável que possuem
aparecem 119 agentes partidários (11,53%) e 846 pessoas jurídicas
familiares políticos.
488 Financiamento eleitoral e bancada dos parentes na comissão do meio Tainá R. Serafim & Rodrigo Rossi Horochovski 489
ambiente e desenvolvimento sustentável da Câmara dos Deputados na
55ª legislatura
(81,97%), que representam a maior parte da rede. Esses 1.032 atores Fonte: elaboração própria, com dados do TSE (Brasil, 2019a) e da Câmara dos
estabelecem 1.306 conexões, somando R$ 84.089.9373 em doações Deputados (Brasil, 2015a, 2016, 2017, 2018)
de campanha, que constituem o fluxo financeiro da rede. As doações No grafo, as arestas que conectam os nós estão dimensionadas
indiretas equivalem às transferências realizadas de empresas para conforme o peso das doações, portanto, quanto mais alto o valor
partidos políticos e comitês eleitorais. Esse tipo de transferências doado, mais espessa é a linha que conecta os nós. Enquanto os nós
agrupadas soma R$ 24.909.360 em receitas de campanha, direcio- estão dimensionados por grau ponderado, ou seja, aparecem em
nadas primeiro para agentes partidários, para depois serem transfe- destaque os atores que tiveram as campanhas mais caras da rede.
ridos aos candidatos e futuros membros da CMADS. Sem elas, esses Destacam-se também os atores que mais doaram ou repassaram re-
deputados acumularam R$ 59.180.577 em contribuições eleitorais. cursos. Os pontos vermelhos são os partidos e comitês, enquanto os
O grafo abaixo (figura 1) expressa as relações de financiamento dos azuis são as empresas. Os deputados federais pertencentes à “ban-
membros da 55ª legislatura da CMADS, dando destaque para aque- cada dos parentes’’ estão coloridos de verde; os demais, de laranja.
les que possuem relações político-familiares. Os 26 candidatos pertencentes à bancada dos parentes foram
alvo de 45,07% das doações provenientes tanto de empresas, quanto
Figura 1. Rede da bancada dos parentes de partidos políticos e comitês eleitorais, totalizando 439 conexões.
Esses deputados somaram R$ 28.493.208 em financiamento de cam-
panha, o valor representa 48,14% do total destinado a candidatos.
Apesar de 26 ser um número pequeno em relação ao total de parla-
mentares pesquisados, eles acumulam quase a metade das doações,
ou seja, esses atores perdem em quantidade, mas ganham em quali-
dade das posições que ocupam, razão de seu destaque na rede. Para
melhor visualizar o núcleo central da rede, inclusive identificando
os nomes dos principais deputados, partidos e empresas, um filtro
foi aplicado, mantendo os nós com grau 5, ou seja, que possuem
pelo menos cinco relacionamentos com outros nós (figura 2).
Contexto
Recentemente, o debate sobre financiamento eleitoral tem crescido
na Ciência Política brasileira. A fim de contribuir, este artigo faz um
estudo de caso dos candidatos a vereador do NOVO nas eleições de
2020.
Objetivos
Analisar qual foi o método de financiamento mais utilizado, bem
como se há algum padrão no custo por voto de acordo com as
cidades e/ou estados.
Métodos
Por meio de estatística descritiva, agrupamos dois conjuntos de dados
disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) num banco de
dados Microsoft Excel. O primeiro, são os votos por candidatos, cidades
e estados; o segundo, são os tipos de financiamento que o candidato
obteve nas eleições de 2020.
CAPÍTULO 16
502 Custeio do Partido NOVO: tipos de financiamentos que os candidatos Vitor Pimenta & Maiane Bittencourt 503
a vereadores adotam
utilizados nesta pesquisa e, em seguida, os resultados e suas análises. são as chances de haver corrupção nos interesses entre os doadores
E, por fim, as conclusões. e os políticos. Os autores acreditam que é mais desejável que o fi-
nanciamento dos partidos e de seus candidatos devam vir de seus
1. Discussão da literatura filiados. Acrescentam, contudo, que dada a importância dos parti-
dos como essenciais às democracias, o Estado também teria o dever
1.1 Financiamento eleitoral e partidos políticos de financiar as atividades eleitorais, mesmo que isso implique em
algumas desvantagens como o distanciamento entre os partidos e a
A importância deste tema de estudo se justifica em duas dimen- sociedade, bem como o fortalecimento das oligarquias dentro dos
sões. A primeira diz respeito à discussão acerca do financiamento partidos políticos.
eleitoral, que tem recebido cada vez mais atenção, principalmente, Ainda sob a ótica mais otimista no que tange à participação
da opinião pública. Este fato deve-se muito aos casos de corrupção do financiamento público, esta modalidade pode contribuir para
que tomaram conta do noticiário e que, de certa forma, refletem o sucesso da construção dos partidos através de dois mecanismos
na agenda de pesquisa da Ciência Política brasileira. Para Mancuso causais. De acordo com Bruhn (2020), i. este tipo de financiamento
(2014), “houve avanços importantes na literatura sobre investimen- aumenta as chances de novos partidos atingirem 10% de desempe-
to eleitoral no Brasil. Os avanços realizados até o momento abrem nho nos pleitos que disputarão, o que permite as chances de sobre-
novas possibilidades para a agenda de pesquisas sobre o tema” vivência; e ii. dá a todos os partidos, incentivos e meios de investir
(Mancuso, 2014, p. 174). A segunda dimensão diz respeito à impor- em suas organizações.
tância de se compreender as dinâmicas políticas locais, das quais as É neste aspecto que se tem uma das principais diferenças entre
eleições “desempenham um papel importante para o sistema repre- financiamento privado e público. Enquanto este sistematicamente
sentativo; elas são as disputas de meio-termo que começam a orga- recompensa o sucesso eleitoral para futuras campanhas, estabilizan-
nizar partidos e candidatos para as eleições regionais e nacionais do o sistema partidário ao premiar proporcionalmente a partir do
que acontecem dois anos depois” (Cervi; Neves, 2019, p. 429). desempenho do partido nas últimas eleições; aquele, ao contrário,
No que diz respeito aos aportes financeiros aos partidos, às cam- tem como característica os grandes doadores, os quais tendem a
panhas e seus candidatos, Herbert Alexander (1989) afirma que o investir independente de como tal partido ou candidato foram na
dinheiro pode comprar bens, profissionais, serviços e aquilo que eleição anterior, além de ser bem improvável que doem para novos
não pode ser voluntariado por parte dos seguidores dos candidatos partidos (Bruhn, 2020). Desta forma, os sistemas de financiamento
e do partido. Portanto, as doações financeiras podem ser converti- público estabilizam as rendas partidárias, dando aos partidos uma
das em influência política através das vantagens que os detentores previsibilidade e segurança para contratar uma equipe em tempo
de cargos públicos podem retribuir aos seus doadores. integral (Bruhn, 2020).
Para Matakovic e Mraovic (2015), umas das consequências des- Jonathan Hopkin (2004), no que ele denomina de Financiamento
te tipo de doação pode ser a ameaça à igualdade dos cidadãos, e Partidário na Teoria Populista da Democracia (em tradução livre),
como o poder econômico é o fator principal das eleições, maiores argumenta que um sistema de financiamento político desregulado
506 Custeio do Partido NOVO: tipos de financiamentos que os candidatos Vitor Pimenta & Maiane Bittencourt 507
a vereadores adotam
levaria a distorções na representação política. Esta teoria considera mencionado acima, suplantando contribuição individual ao invés
os partidos de massa como um modelo a ser seguido, principalmen- de suplantar as grandes doações de grandes empresas e sindicatos,
te no que diz respeito ao financiamento partidário-eleitoral, cujas sendo estes os que seriam os alvos principais destas legislações. Há
contribuições dos filiados tornariam os partidos mais responsivos outras críticas, como o congelamento do sistema político que deixa
aos interesses reais da população. Mas não somente esta forma de partidos menores de fora do jogo, o que afeta a representatividade.
financiamento é desejável por parte dos populistas, estes teóricos De forma geral, Hopkin (2004) define estas visões negati-
veem que a participação estatal no financiamento partidário-elei- vas sobre a participação estatal no financiamento político como
toral é igualmente necessária para regular e equalizar o sistema do “Financiamento Partidário nas Teorias Liberais da Democracia”
financiamento político. (tradução livre). Por meio de uma visão schumpeteriana1 sobre o
Entretanto, Hopkin (2004) ressalta alguns problemas em relação processo político, a democracia populista seria incoerente e poten-
a esses argumentos, a saber o de que os interesses particulares dos cialmente perigosa, por isso as constituições devem proteger direi-
líderes da hierarquia burocrática do partido acabam se sobressain- tos individuais e prevenir os governos de possuírem muitos poderes
do aos demais; os cidadãos contribuem com a política a partir de sobre os indivíduos (Hopkin; 2004). Para tanto, a política deve ser
interesses pessoais e que torna inevitáveis surgimentos de conflitos resguardada aos líderes políticos, em que as eleições são um julga-
entre si; algumas interpretações acreditam que muitos voluntários mento retrospectivo sobre o desempenho, ao invés de escolhas de
não são mais qualificados do que as elites para representar o desejo representantes de grupos sociais em particular.
popular. Como destaca Hopkin (2004), entretanto, nem todas as teorias
O que pode ser considerado como um caminho do meio para liberais sobre democracia são contrárias às organizações partidárias
superar estas questões, seriam os partidos do tipo cartel que, de cer- de massa. Um exemplo é a teoria da Poliarquia, que defende a difu-
ta forma, possuem igualdade política e uma correção da distorção são de recursos políticos a variados grupos de interesse, visando a
do desejo popular, que nesta ótica reafirma o que foi salientado por ampliação da participação de minorias no processo político, justa-
Bruhn (2020) ao compreender que o financiamento estatal tende a mente para se evitar a tirania da maioria.
financiar partidos de acordo com o seu sucesso em interpretar as Essas teorias apontam que uma elevada quantia de recursos
demandas e ganhar apoio popular. aplicados nas campanhas refletirá a intensidade de preferência ao
Há aqueles que entendem a participação do Estado no financia- invés de desigualdade de riqueza, e que o estado não deve minar a
mento eleitoral de forma mais pessimista. Herbert Alexander (1989),
1 “Mass party organization is also broadly inconsistent with Schumpeterian
em seu estudo comparativo acerca dos sistemas de financiamento
democracy, in which competition between two teams of ambitious politicians is
político de diversos países na década de 1980, alega que não é do regarded as the best way of both preventing tyranny and providing responsive
Estado a obrigação em ajudar os partidos a sobreviverem. Para o au- government (…) Schumpeter’s approach is unashamedly elitist and implies that
tor, é de responsabilidade dos próprios partidos o risco de fracassar. party leaders should retain a much greater degree of autonomy than the theory
Embora o apoio estatal fortaleça o profissionalismo nos partidos, a (although perhaps not the practice) of the mass party envisages. Elites do respond
to popular demands in this theory, but this responsiveness does not require mass
participação política por parte dos cidadãos é enfraquecida – como
parties.” (Schumpeter, 1994 Apud Hopkin, 2004, p. 642)
508 Custeio do Partido NOVO: tipos de financiamentos que os candidatos Vitor Pimenta & Maiane Bittencourt 509
a vereadores adotam
livre interação e competição. Além do mais, essas restrições pode- Por outro lado, pelo fato de o Brasil possuir um sistema de re-
riam ser utilizadas por maiorias como perseguição a minorias que presentação proporcional e de alta magnitude, no qual há maior
possuam uma maior riqueza. distância do eleitor com o seu representante, ocorrendo alta taxa
Hopkin (2004) ressalta, por fim, alguns problemas, além daque- de renovação do poder legislativo - como é o caso da Câmara dos
les já indicados pelos teóricos populistas, tais como a de que liberda- Deputados, cuja média histórica de renovação é de 40,3% -, acarreta
de de expressão não deve ser interpretada como meio de abusar do a necessidade de o incumbente, a cada eleição, “reconquistar” seu
poder econômico para silenciar outras visões; até mesmo o liberalis- eleitorado.
mo madisoniano aceita a igualdade entre cidadãos e eleições justas; No que diz respeito diretamente ao espaço de nosso objeto de
inclusive, as teorias mais elitistas como as de Schumpeter, que zelam estudo, isto é, as eleições para o cargo de vereador, Heiller apresen-
pela competição como disciplina aos políticos, podem ser solapa- ta dados sobre o papel dos gastos nas campanhas eleitorais para o
das por uma grande desigualdade econômica entre os competidores cargo legislativo de 12 municípios catarinenses de diferentes mag-
- por exemplo, se um adversário tem uma vantagem financeira, o nitudes em 2008, ressaltando que “há indícios de que efetivamente
processo eleitoral será menos competitivo, logo, menos efetivo. os recursos empregados pelos candidatos guardam relação com os
No que tange ao financiamento eleitoral e o tipo de candida- votos obtidos nas urnas, (...) a correlação é forte (...) nos municípios
tura, Gary Jacobson (1978) demonstra a relação positiva do gasto acima de 200 mil eleitores.” (Heiller; 2011; P.102).
com o sucesso eleitoral no contexto norte-americano. Por meio Para melhor compreensão, logo abaixo apresentamos o quadro
de uma comparação entre os candidatos à reeleição e novatos nas 1 da qual se ressalta as características principais, desde a sua or-
eleições ao Senado americano em 1972 e 1974, é constatado que os ganização até a sua forma de financiamento dos principais tipos,
candidatos à reeleição tendem a gastar menos que os desafiantes, ideias de partidos, segundo a concepção clássica da literatura sobre
ou seja, os que não possuem cargo de senador. Baseado nesse es- Partidos políticos.
tudo de Jacobson (1978), Eduardo e Araújo (2016) identificam um
fenômeno semelhante ao norte-americano nas eleições brasileiras,
ao utilizar como objeto de pesquisa as eleições de 2010 para depu-
tados federais e estaduais no estado de Minas Gerais. Os autores
constataram uma correlação positiva entre maiores gastos eleitorais
e sucesso eleitoral, assim como os candidatos que possuem cargos
gastam menos que os demais adversários. Neste sentido, portanto,
o “(...) reeleito gasta menos que o novato eleito” no Brasil, em que
se demonstra que (...) o mercado político brasileiro é, portanto, de
alto risco (...) o dinheiro teria a mesma importância para todos os
candidatos” (Lemos; Marcelino; Pederiva, 2010, P. 368).
Quadro 1. síntese dos tipos de partido a partir da concepção da literatura clássica sobre Partidos Políticos
Partidos de elites Partidos de massas Partidos catch-all 1945- Partidos cartéis 1970-
século XIX 1880-1960
Grau de inclusão Sufrágio restringido Extensão do sufrágio; Sufrágio universal Sufrágio universal
sociopolítica sufrágio universal
Nível de distribuição Altamente restrito Relativamente Menos concentrado Relativamente difuso
dos recursos concentrado
políticos relevantes
Principais objetivos Distribuição de Reforma social (ou Melhoria social Política como profissão
a vereadores adotam
Fonte principal dos Contatos pessoais Cotas de membros e Contribuições Subvenções estatais
recursos de contribuições provenientes de numerosas
fontes
510 Custeio do Partido NOVO: tipos de financiamentos que os candidatos
Partidos de elites Partidos de massas Partidos catch-all 1945- Partidos cartéis 1970-
século XIX 1880-1960
Relação entre Não há mais Elite responsável Militantes animadores Estratarquia; autonomia
filiados e elites do militantes do que perante os membros organizados das elites; mútua das esferas
partido membros da elite do partido lógica de “baixo para cima” partidárias
Caráter da Reduzida e elitista Ampla e homogênea; Militância aberta a todos, “Militantes têm um
militância recrutada ativamente heterogênea e incentivada; status equivalente ao de
e encapsulada; pertencimento marginal à funcionários públicos
militância atividade do partido e dão importância
fundamental na vida excessiva aos cargos
do filiado administrativos
Canais de Redes interpessoais Imprensa partidária Partidos usam mídia e Partidos têm acesso aos
comunicação ferramentas de marketing; canais de comunicação
canais não partidários de do Estado.
comunicação
Posição do partido Fronteiras Partido representa a Partidos competem pelos Partido forma parte do
entre a sociedade impactantes entre sociedade civil canais de mediação entre Estado
civil e o Estado Estado e Sociedade Estado e sociedade civil
Civil
A partir da organização dessa literatura é possível comparar os suplente), assim como os estados e a cidade para poder melhor con-
quatro tipos de partidos apontados pela literatura clássica. textualizar a análise do artigo. Com estes cruzamentos, buscamos
responder ao problema que norteia este estudo, a saber quais foram
2. Metodologia as principais modalidades de arrecadação e quais categorias de can-
didatos tiveram um custo por voto maior ou menor.
Dois conjuntos de dados foram utilizados. O primeiro conjunto Ao realizar esse cruzamento, optamos por trabalhar com estatís-
diz respeito aos dados dos candidatos a vereadores na eleição de tica descritiva, em que os dados são apresentados em valores reais e
2020, disponibilizados no repositório de dados eleitorais do Tribunal percentagens.
Superior Eleitoral (TSE)2. Em um primeiro momento, filtramos
apenas candidatos do NOVO nas cidades em que o partido conse- 3. Resultados e discussão
guiu eleger ao menos um vereador. Em seguida, coletamos o nome
político do candidato e sua respectiva cidade em cada boletim de Esta seção se dedica a uma apresentação dos dados elaborados
urna estadual. O segundo conjunto trata dos dados financeiros das a partir do portal de divulgação de contas do Tribunal Supremo
candidaturas do Partido NOVO, disponibilizados na Divulgação Eleitoral. Para melhor compreensão dos dados, os candidatos foram
de Candidaturas e Contas Eleitorais também do Tribunal Superior divididos em quatro categorias de acordo com o desempenho deles,
Eleitoral (TSE)3. Estes dados são divididos de acordo com o tipo de baseado na classificação de “situação” por parte do próprio portal do
arrecadação, que são: recursos próprios; doação de pessoas físicas; TSE, são elas: reeleitos; eleitos por quociente partidário4; eleitos por
doação de outros candidatos; doação do partido; doação via inter- média5; e, por fim, suplentes.
net; financiamento coletivo, que se trata de uma nova modalidade Para compreender os dados no que diz respeito à arrecadação
da qual funciona como um crowdfunding. Também foram consi- por parte dos candidatos, foram divididas em seis categorias con-
derados os dados a respeito dos gastos eleitorais de cada candidato. sistindo em: recursos próprios; doação por pessoas físicas; doação
Os dados eleitorais foram coletados em formato txt. e proces- por candidato; doação por partido; doação por internet; e fundo
sado no software Tableau – tanto o processo de filtragem de candi- coletivo.
datos do Partido NOVO quanto sua preparação em uma planilha. A primeira aponta as fontes de arrecadação de acordo com a
Posteriormente, os dois conjuntos de dados foram agrupados e situação das candidaturas, como mostra a primeira coluna; dividi-
cruzados no software Excel através da função tabela dinâmica. dos pelos estados, como demonstra a segunda coluna. A tabela 1
Cruzamos os dados das modalidades de financiamento com a situ- tem o intuito de observar os padrões de financiamento existente no
ação do candidato (reeleito, eleito por quociente partidário, média, 4 É a divisão da soma dos votos válidos de cada partido político pelo quociente
2 Repositório de dados Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em: eleitoral. O que indicará o número de vagas que o partido obteve, desta forma, os
https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes- anteriores/eleicoes-2016/votacao-e- candidatos que alcançarem o maior número de votos dentro do partido obterão as
resultados/boletim-urna-1-turno. Acesso em 05/01/2021. suas vagas.
3 Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral 5 Por meio do cálculo M (média do partido) = QP/ (Cadeiras conquistadas + 1).
(TSE) em: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/. Acesso em 01/01/2021. Aquele partido que conquistar a maior média obterá a primeira cadeira da sobra.
514 Custeio do Partido NOVO: tipos de financiamentos que os candidatos Vitor Pimenta & Maiane Bittencourt 515
a vereadores adotam
Partido NOVO, assim como ter um certo controle das variáveis de Situação UF Recursos Pessoa Candidato Partido Internet Fundo
financiamento por estados, com o intuito de tomar nota de eventuais próprios física coletivo
disparidades que as conjunturas locais (sejam anterior ou logo após Suplente MG 32,70% 51,90% 0,00% 9,10% 0,00% 6,30%
os resultados das eleições) possam acarretar aos nossos resultados, PR 12,70% 43,30% 25,70% 12,60% 0,00% 5,80%
tais como: o NOVO possuir em seus quadros um governador de um RJ 8,90% 68,00% 0,00% 11,40% 0,00% 11,70%
dos estados trabalhados, ou em determinada cidade o Partido ele-
RS 11,20% 57,00% 1,40% 21,40% 0,00% 9,00%
ger concomitantemente um prefeito, como foram os casos de Minas
Gerais e a cidade de Joinville, respectivamente. SC 17,70% 44,50% 1,10% 26,10% 0,50% 10,10%
SP 7,20% 71,90% 0,10% 10,00% 0,00% 10,80%
Tabela 1. Fontes de arrecadação de acordo com a Situação da candidatura por Fonte: dados obtidos junto ao TSE (2020)
Unidade Federativa (UF)
Situação UF Recursos Pessoa Candidato Partido Internet Fundo Nota-se, primeiramente, o pouco uso da arrecadação pela in-
próprios física coletivo ternet, sendo que só em Jaraguá do Sul-SC houve o registro da uti-
Eleito MG 22,00% 72,20% 0,00% 2,70% 0,00% 3,00% lização deste meio, ainda assim o valor foi um dos menores para a
por candidata a vereadora. Outra fonte não muito explorada, mas que
RS 0,10% 62,80% 0,20% 27,50% 0,00% 9,30%
média teve uma relevância maior, é a doação de candidato para a candida-
SP 11,50% 66,10% 0,00% 12,10% 0,00% 10,30%
to, com destaque para a cidade de Curitiba-PR em que a modalida-
Eleito MG 0,70% 73,70% 0,00% 15,60% 0,00% 10,00% de representou 25,7% das finanças daqueles que não se elegeram, ou
por QP PR 1,20% 75,90% 4,50% 3,50% 0,00% 15,00% seja, para determinados candidatos esta fonte foi essencial.
RJ 0,00% 73,60% 0,00% 8,20% 0,00% 18,20% No que diz respeito a recursos próprios, doação de partido e
RS 23,30% 36,30% 1,90% 34,10% 0,00% 4,30% fundo coletivo, essas modalidades demonstraram ser mais relevan-
SC 8,50% 60,40% 0,00% 15,90% 0,00% 15,20% tes, mas não essenciais - todas serão mais bem analisadas no Gráfico
SP 16,80% 72,90% 0,00% 4,30% 0,00% 6,00% 1, assim como a principal fonte de arrecadação que foi o método das
Reeleito RS 2,00% 51,80% 0,00% 31,70% 0,00% 14,50%
doações de pessoas físicas.
Pode-se compreender que o gráfico a seguir é uma simplifica-
SC 58,50% 39,80% 0,00% 1,80% 0,00% 0,00%
ção da tabela anterior, que visa compreender de forma mais ampla a
SP 0,00% 99,40% 0,00% 0,60% 0,00% 0,00%
magnitude que cada meio de financiamento eleitoral teve para com
as candidaturas do partido NOVO, sem levar em consideração a di-
visão do estado já que o intuito é observar o partido como um todo.
516 Custeio do Partido NOVO: tipos de financiamentos que os candidatos Vitor Pimenta & Maiane Bittencourt 517
a vereadores adotam
Gráfico 1. Fontes de arrecadação por Situação da candidatura média quanto por QP, com valores na casa de 11%, assim como para
os suplentes esta fonte tem uma representação ligeiramente maior
(13,7%), já para os reeleitos foi de menor importância com 6,3%; o
fundo coletivo em que se nota uma maior importância àqueles que
conseguiram se eleger por QP (11,7%), já para os demais teve uma
menor importância, como pode se observar no gráfico 1.
O gráfico 2 trata de forma mais geral o quanto cada fonte de
arrecadação representou para o partido em todas as 19 cidades em
que o NOVO conseguiu eleger ao menos um candidato a vereador,
sem distinção por desempenho.
Para se eleger no NOVO, para o cargo de vereador, é de suma
importância conseguir recursos de pessoas físicas (65,8%), o que
cabe a futuros estudos averiguar se estas doações são de pequena
quantidade, grandes quantias ou vice-versa (gráfico 2).
Fonte: dados obtidos junto ao TSE (2020) Gráfico 2. Fontes de arrecadação geral do Novo em todas as cidades estudadas
doação do partido (12,5%) e fundo coletivo (9,2%). Salienta-se que Situação UF Média de Arrecadação Média de Gastos
este último se trata de um recurso novo implantado na Minirreforma Suplente MG R$ 21.131,99 R$ 18.881,87
Política de 2017 e que merece uma devida atenção em futuros estu-
PR R$ 20.695,42 R$ 12.451,42
dos sobre eleições futuras.
RJ R$ 35.630,52 R$ 31.905,41
A tabela 2 traz um panorama da média de arrecadação e de gas-
tos que cada categoria de candidato empenhou, além de observar RS R$ 26.078,07 R$ 23.458,13
se há alguma variação no comportamento destes pleiteadores de SC R$ 13.708,50 R$ 11.360,26
acordo com cada estado, a fim de evitar distorções nos resultados. SP R$ 45.552,82 R$ 42.532,36
Média total R$ 27.132,89 R$ 26.946,31
Tabela 2. Média de arrecadação por estado e situação da candidatura Fonte: dados obtidos junto ao TSE (2020)
Situação UF Média de Arrecadação Média de Gastos
Eleito por Média MG R$ 62.365,38 R$ 60.335,64
Os reeleitos do NOVO demonstraram que é necessário arreca-
dar e gastar em grande quantidade, apontando um caminho contrá-
RS R$ 33.729,31 R$ 31.873,47
rio ao argumento de Eduardo e Araújo (2016). Os eleitos por QP, ou
SP R$ 17.380,29 R$ 15.496,07
seja, os que possuíram um melhor desempenho, foram a segunda
Média total R$ 76.997,16 R$ 75.028,00 categoria que mais precisou lançar mão de sua habilidade de levan-
Eleito por QP MG R$ 139.311,07 R$ 137.246,78 tar fundos e gastar. Seguindo a ordem, os eleitos por média e, por úl-
PR R$ 167.526,47 R$ 157.866,72 timo, os suplentes. Por fim, a Tabela 3 tem como intuito demonstrar
RJ R$ 265.361,03 R$ 263.673,92 o número de candidatos que a legenda apresentou em cada cidade, o
RS R$ 82.674,78 R$ 79.979,19 número de eleitos que cada cidade fez, os valores totais que levantou
SC R$ 41.866,46 R$ 39.672,86 e aplicou, o custo médio por candidato e o custo total de voto para a
legenda em cada município.
SP R$ 134.896,78 R$ 132.874,88
Média total R$ 119.020,02 R$ 115.655,92
Reeleito RS R$ 219.920,44 R$ 207.076,93
SC R$ 17.105,30 R$ 17.084,40
SP R$ 964.237,48 R$ 944.720,41
Média total R$ 400.421,07 R$ 389.627,25
Tabela 3. Quantidade de arrecadação, candidatos e votos por estado e cidade
UF Cidade Nº de Nº de Total Total gasto Nº de Custo Custo
candidatos eleitos arrecadado votos médio por total do
voto voto
R$ 4.436.666,90 197.348 R$ 1,84 R$ 32,25
SP Campinas 16 1 R$ 333.957,33 R$ 304.748,00 17812 R$ 1,07 R$ 17,11
São Caetano 6 1 R$ 60.066,18 R$ 46.137,06 3158 R$ 2,43 R$ 14,61
do Sul
a vereadores adotam
Das cinco cidades que menos teve custo por voto, duas elegeram importância conseguir recursos de pessoas físicas, o que abre uma
três vereadores que são Belo Horizonte (R$ 0,64), cujo governador nova demanda de pesquisa a fim de averiguar se estas doações são
do estado é do próprio NOVO e Joinville (R$ 0,62), cujo partido de pequena quantidade com grandes quantias ou vice-versa.
conseguiu eleger um prefeito; duas que elegeram só um vereador, Finalmente, os dados apontados por esta pesquisa também in-
sendo Blumenau (R$ 1,00) e Poços de Caldas (R$ 1,02); e Curitiba dicaram que é possível que as cidades que conseguiram um maior
que elegeu duas candidatas, cuja cidade teve o custo médio de R$ número de vereadores eleitos, tendem a ter um custo médio por
0,62. Entretanto, entre as quatro outras cidades que elegeram dois voto com valores menores. Mas como foi ressaltado anteriormente,
vereadores, três (Caxias do Sul, R$ 1,10; São Paulo, R$ 1,45; Jaraguá ainda é necessário um estudo mais amplo para dar mais robustez
do Sul, R$ 1,57) tiveram uma média razoavelmente baixa, enquanto nesta matéria.
a outra (Porto Alegre, R$ 2,04) teve uma média razoavelmente alta. As principais limitações desta pesquisa se caracterizam por se
Entre as médias mais altas, todas elegeram somente um verea- tratar de apenas uma eleição com um partido, limitando-se àque-
dor. Todavia, pode-se observar que não é possível estabelecer uma las cidades que, ao menos, elegeram um vereador. Portanto, para
correlação entre a magnitude de votos e tamanho de lista com o futuros estudos com resultados que se possam aplicar uma generali-
custo por voto em face à quantidade de oscilação dos valores de zação mais precisa, seria adequado analisar dados de mais eleições,
variadas cidades, independente de seu porte. Por fim, caberá em de mais cidades/estados, assim como de outros partidos para que
um futuro estudo em que se considere as cidades que não elegeram, se possa fazer comparações e traçar as com exatidão qual tipo de
para observar se há algum padrão de que quanto mais candidatos partido o NOVO é.
eleitos, menor foi o custo médio por voto.
Considerações finais
Referências Leoni, E., Pereira, C. & Rennó, L. (2003). Estratégias para sobreviver
politicamente: escolhas de carreiras na Câmara de Deputados do
Alexander, H. E. (1989) Comparative Political Finance in the 1980s. Brasil. Opinião Pública, 9(1).
Cambridge University Press, Cambridge.
Mancuso, W. P. & Speck B. W. (2014) Financiamento de campanhas
Bruhn, K. (2020) Public Financing and Party- Building in Latin e prestações de contas. Cadernos Adenauer, 15(1), pp. 135-150.
America, University of Liverpool Library, Liverpool.
Matakovic, H. & Mraovic, I. C. (2015) Development of Political
Cervi, E. U., Costa D. L., Codato A. & Perissinotto R. (2015) Parties and Party Funding: Models and Characteristics, CES
Dinheiro, profissão e partido: a vitória na eleição para deputado Working Paper, Iasi, 7(1).
federal no Brasil em 2010. Sociedade e Estado, 1(30).
Roeder, K. M. & Braga, S. (2017) Partidos políticos e sistemas
Cervi, E.U. & Neves, D. S. (2019) Eleições municipais e crise partidários. Intersaberes, Curitiba.
nacional: disputas eleitorais no Brasil de 2016. Revista Sociedade e
Estado, 34(2), pp. 429-453.
Contexto
A presente pesquisa trata dos principais tipos de gastos declarados
pelo(a)s candidatos(as) a prefeito(a) nos cinco maiores colégios
eleitorais do Paraná em 2020. As cidades estudadas são Curitiba,
Londrina, Maringá, Ponta Grossa e Cascavel que, ao todo, tiveram 50
candidatos(as) a prefeito(a) em 2020. A pesquisa reúne dados sobre
os cinco maiores tipos de gasto declarados por cada candidatura e
a porcentagem de gasto de cada candidatura diante do máximo de
investimento permitido na cidade.
Objetivos
O objetivo da pesquisa é compreender como os gastos de campanha
dos candidatos foram realizados em uma eleição atípica, realizada em
momento de pandemia e com necessidade de distanciamento social,
e como tais gastos dialogam com aspectos clássicos da literatura sobre
campanhas políticas
Métodos
Os dados da pesquisa foram coletados no sistema DivulgaCand e
CAPÍTULO 17 declarados pelas próprias campanhas - os números foram reunidos
em uma base de dados também disponibilizada. O corpus reúne as
528 Qual é a fatura de uma campanha eleitoral? Um estudo sobre os gastos Afonso Ferreira Verner 529
na disputa pelas cinco maiores cidades do Paraná em 2020
e Ciência Política. Com isso, busca-se também refletir: há no Paraná Desta forma, a primeira sessão do trabalho apresenta as refle-
um novo modelo de campanha? xões teóricas que subsidiam a análise. Em seguida, o leitor encontra-
Analisar a realização de campanhas eleitorais a partir dos gas- rá uma sessão dedicada à metodologia de pesquisa e a formação do
tos declarados se torna fundamental para, pelo menos, dois fins: o corpus utilizado para a análise. A terceira sessão do artigo apresenta
primeiro é conhecer e mapear como funcionam as campanhas do conclusões provisórias sobre a análise aqui realizada e também su-
ponto de vista da organização interna. Já o segundo é fornecer ao gestões para pesquisas futuras.
campo científico subsídios empíricos para avaliar possíveis alte- Por fim, a última sessão do texto traz reflexões sobre a limitação
rações nos paradigmas teóricos do campo da Comunicação e da dos achados, da metodologia e do próprio corpus utilizado no arti-
Ciência Política. go. Ainda nesta sessão final, apresenta-se uma rápida reflexão sobre
Até o momento, os pesquisadores da área da Ciência Política e a importância da agenda de pesquisa representada por esse estudo
da Comunicação Política têm se debruçado sobre gastos de campa- no que diz respeito à análise das eleições municipais a partir dos
nha. No entanto, esses estudos tendem a ficar restritos a disputas gastos de campanha, mas também a partir de outras variáveis.
nacionais (presidência e senado) ou a cargos majoritários em nível
estadual, como disputas pelo cargo de governador(a). Desta forma, 1. Discussão da literatura
a seara de debate nos municípios ainda precisa ser explorada.
Diante deste cenário, esta pesquisa também contribui com o As campanhas políticas têm sofrido alterações ao longo do
debate sobre eleições municipais, especialmente com o olhar para tempo e tais mudanças podem ser explicadas por fatores de caráter
as eleições paranaenses. Optou-se por apresentar como objeto de financeiro, cultural e também institucional (Norris, 2001). No caso
pesquisa o gasto dos cinco maiores colégios eleitorais do Paraná brasileiro, as minirreformas eleitorais realizadas na última década
que, apesar de representarem apenas 1,30% dos 399 municípios do alteraram as possibilidades que os candidatos têm no momento da
Estado, reuniam mais de 30% do eleitorado apto a votar em 20202. campanha.
A pesquisa apresenta um debate sobre tipos de campanha elei- O cenário brasileiro ainda é marcado por campanhas que se
toral e sua conceituação a partir da obra de Pippa Norris (2001) e modificaram no ambiente online de forma intensa na última déca-
de Philip Howard (2006) - os autores têm visões complementares da, especialmente por conta do avanço das permissões previstas na
sobre a realização de campanhas. Além disso, o artigo traz outras legislação sobre o tema. Além disso, houve mudanças significativas
contribuições da literatura científica que destacam a importância da no que tange ao (1) limite de gastos dos candidatos e (2) ao financia-
aplicação do capital financeiro no desenvolvimento de uma campa- mento das campanhas políticas.
nha no Brasil e no mundo. A pesquisadora Pippa Norris (2001) propõe uma divisão clás-
sica das campanhas eleitorais em três grandes tipos: as pré-moder-
nas, as modernas e as pós-modernas. As primeiras, chamadas de
2 Cálculo feito a partir dos dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do pré-modernas, seriam aquelas realizadas entre as décadas de 1930
Paraná. Acesse: https://www.tre-pr.jus.br/imprensa/noticias-tre-pr/2020/Agosto/
e 1950, mais localizadas, com menor abrangência geográfica e forte
parana-tem-8-1-milhoes-de-eleitores-aptos-a-votar-nas-eleicoes-2020.
532 Qual é a fatura de uma campanha eleitoral? Um estudo sobre os gastos Afonso Ferreira Verner 533
na disputa pelas cinco maiores cidades do Paraná em 2020
importância para o uso do rádio e também dos materiais impressos panha também estão relacionadas com as possibilidades tecnológi-
(cartazes, panfletos e etc). cas e culturais de cada eleitorado.
Já as campanhas do tipo moderno seriam aquelas realizadas en- Por sua vez, Pippa Norris (2001) elenca quatro fatores con-
tre os anos 1960 e final dos anos 1980, com orçamentos e durações textuais que levam ao processo de modernização das campanhas
maiores, tendo orientação de profissionais pautados em pesquisas eleitorais. Eles são a regulação do ambiente, o sistema partidário,
de opinião e amplo uso da televisão para exposição de propostas. o sistema de mídia e o próprio eleitorado. Ao citar a “regulação
Essas campanhas já teriam sofrido mudanças, em certa medida, do ambiente”, a pesquisadora norte-americana se refere ao sistema
com o avanço da tecnologia. eleitoral (majoritário ou proporcional), ao tipo de eleição (frequên-
Por sua vez, para Norris (2001), as campanhas pós-modernas cia e abrangência do pleito) e às próprias leis que regulamentam a
seriam aquelas com grandes orçamentos e mobilização permanente campanha.
do eleitorado e dos apoiadores. Além destas características, esse tipo Já o fator contextual “sistema partidário” é para Norris (2001)
de campanha seria marcado pelo uso de canais avançados de comu- o quesito que reúne os sistemas partidários e também a competi-
nicação e realização de pesquisas de opinião frequentes, envolvendo tividade entre as legendas. No caso brasileiro, esse fator parece ser
grupos focais e mecanismos disponíveis no ambiente online. de fundamental importância para entender a realização das campa-
No caso brasileiro, podem ser encontrados aspectos de cada nhas, pois o tempo de Rádio e TV é calculado pela bancada do par-
um dos tipos de campanha em diferentes momentos históricos e tido no Congresso Federal. Além disso, há o fato das legendas serem
também em regiões geográficas diversas. A hipótese deste trabalho uma das principais financiadoras de campanha no ambiente atual.
é de que isso aconteça por três motivos: o primeiro é resultado das Conceituada por Norris (2001) como “sistema de mídia”, o ter-
grandes diferenças culturais e econômicas entre os estados e cidades ceiro fator contextual reflete o desenvolvimento de uma indústria
brasileiras, o que levaria a diferenças nas formas de fazer campanha. de profissionais que prestem consultoria política, além da estrutura
A segunda razão seria que as mudanças nas campanhas são fru- e do acesso às novas mídias. Neste cenário, levam-se em conta a
to das alterações na legislação sobre o tema e das recentes reformas centralidade das plataformas de comunicação para aquele modelo
eleitorais. Desta forma, parte-se de um pressuposto de que quanto (importância do rádio e da TV para determinada campanha, por
mais permissiva a legislação do ponto de vista das ações realizadas exemplo), além da plataforma na qual a propaganda política é
pelos candidatos, maior seria a mudança na forma de fazer campa- veiculada.
nha praticada pelos postulantes a cargos eletivos. Por fim, Norris (2001) classifica o “eleitorado” como um fator
Por fim, o terceiro fator explicativo do caso brasileiro diria res- contextual vital para pensar sobre a modernização de campanhas
peito às mudanças culturais e tecnológicas. Com o avanço e barate- online. Neste quesito, a pesquisadora destaca que é preciso observar
amento da tecnologia, uma fatia maior do eleitorado teve acesso a o comportamento dos eleitores (se essas pessoas têm ou não víncu-
dispositivos tecnológicos, como celulares, e acesso à rede mundial los partidários, qual avaliação fazem do governo, do sistema políti-
de computadores. Desta forma, as mudanças na forma de fazer cam- co, etc) como aspectos importantes.
534 Qual é a fatura de uma campanha eleitoral? Um estudo sobre os gastos Afonso Ferreira Verner 535
na disputa pelas cinco maiores cidades do Paraná em 2020
Com o objetivo de aperfeiçoar a classificação apresentada por elite política. Essas pesquisas já demonstraram que, apesar dos avan-
Norris (2002), Philip N. Howard (2006) apresenta um quarto tipo ços das campanhas modernas em muitos países, inclusive no Brasil,
de campanha eleitoral, conceituado como campanha hiper midiáti- investir em despesas tradicionais ainda é mais eficiente do ponto de
ca. Por sua vez, esse seria um tipo de campanha menos permanente vista eleitoral (Fisher & Denver, 2006; Roustestsaari & Mattila, 2004;
e teria como atributo mais importante os dados (informações), es- Marsh, 2004; Sudulich & Wall, 2011; Speck & Mancuso, 2017).
pecialmente aqueles que possam contribuir na elaboração de estra- No Brasil, Speck e Mancuso (2017) realizaram uma análise das
tégias de comunicação política. eleições nacionais de 2014, mensurando quais tipos de gastos – tra-
Em contextos em que há campanha hiper midiática, Howard dicionais ou modernos – tinham maior efeito sobre a probabilida-
(2006) acredita que perfis de eleitores, informações sobre doadores, de de vitória de candidatos ao Senado, aos governos estaduais, à
candidatos e voluntários, além de outros dados disponíveis, passam Câmara dos Deputados e às Assembleias Legislativas. Utilizando as
a ser usados de forma estratégica. O pesquisador acredita que tais prestações de contas dos candidatos, os autores dividiram os gastos
informações municiariam consultores na formulação estratégica de dos postulantes em “despesas de organização”, “despesas tradicio-
conteúdos de comunicação política com o intuito de convencer o nais”, “despesas modernas” e “outras”.
eleitorado. Os pesquisadores apuram que candidatos gastam, em média,
Neste novo contexto de campanha, Howard (2006) defende que mais em despesas tradicionais e que o efeito desses gastos sobre a
haveria o uso de novas mídias digitais, com anúncios de campanha probabilidade de vitória é maior do que o efeito das despesas mo-
direcionados, criados e distribuídos por meio da mídia digital. Neste dernas (Speck & Mancuso, 2017). A dupla não aplica essa perspec-
cenário, pessoas que normalmente só podiam consumir conteúdo tiva de estratégias tradicionais e modernas (Norris, 2001) às eleições
político, passam agora a também terem a possibilidade de produzi- municipais, objeto desta análise.
-lo e distribuí-lo por conta própria – o que, por sua vez, não garante Cabe ainda ressaltar que, empiricamente, a literatura tem mos-
pluralidade no conteúdo consumido, visto que o direcionamento de trado que dinheiro é importante para o desempenho dos candidatos
publicações é baseado em dados estratégicos como posicionamento no Brasil (Samuels, 2001; Figueiredo Filho & Silva Jr., 2009; Lemos,
político, localização geográfica, etc. Marcelino & Pederiva, 2010; Speck & Mancuso, 2013; Codato, Cervi
Ao revisitar a conceituação apresentada por Norris (2001), & Perissionoto, 2013; Silva & Silva, 2014; Avis et al., 2017; Speck &
Howard defende que enquanto as campanhas de mass media vei- Mancuso, 2017; Silva, 2018).
culavam um conteúdo produzido por consultorias para um grande Segundo os estudos disponíveis, há diversos motivos para isso,
número de pessoas, o contexto de campanhas hiper midiáticas res- como a fraca organização partidária (Samuels, 2001); a dependên-
tringiriam o conteúdo a pessoas escolhidas intencionalmente, com- cia da saturação publicitária por conta da alta concorrência em dis-
preendidas como público-alvo daquelas mensagens políticas. puta nos distritos de grande magnitude (Reis, 2016); a volatilidade
Quando observamos a literatura nacional e internacional sobre do eleitorado; a importância dos meios de comunicação (Codato,
o tema, notamos que existem estudos sobre o tema que mostram Cervi & Perissionoto, 2013), além da variação da importância dos
uma “insistência” em gastos tradicionais por parte de membros da recursos em função de circunstâncias específicas (Speck, 2005).
536 Qual é a fatura de uma campanha eleitoral? Um estudo sobre os gastos Afonso Ferreira Verner 537
na disputa pelas cinco maiores cidades do Paraná em 2020
Ambientando a discussão do caso brasileiro, a eleição de 2020 Em seguida, o quadro síntese da literatura trata dos principais
pode ser tida como atípica por, pelo menos, dois quesitos: o primeiro contextos e discussões teóricas mobilizadas neste trabalho:
é a pandemia da Covid-19 e o consequente adiamento do calendário
eleitoral. O segundo aspecto é decorrente do primeiro e diz respeito Quadro 1. Síntese da literatura
às mudanças e limitações impostas ao processo de campanha pelo Conceitos e discussões teóricas Autores
cenário pandêmico. Campanha pré-moderna, moderna e Norris (2001)
Com o eleitorado indo às urnas para escolher prefeitos(as) e pós-moderna
vereadores(as) em todas as cidades brasileiras, houve uma série de Campanha hiper midiática Howard (2006)
limitações nas práticas que poderiam ser executadas pelo(a)s can- Gastos de campanha Speack & Mancuso (2017)
didatos(as). De certa forma, é cabível defender a ideia de que a situ- Gastos de campanha no cenário Silva & Silva (2014), Cervi, Codato &
ação (pandemia e necessidade de distanciamento físico) reforçou a brasileiro Perissinotto (2013)
importância dos mecanismos de campanha online para que os pos- Fonte: elaboração própria (2021)
tulantes levassem suas propostas aos cidadãos - essas ferramentas
oferecem a possibilidade de o político apresentar suas propostas e Em seguida, são expostas as duas questões que guiam o artigo:
ideias mesmo com distanciamento físico.
Além disso, soma-se uma maior liberdade dos gestores na utili- RQ 1 Há diferenças nos gastos de campanha entre tipos de candidatos
zação dos mecanismos de campanha online. Em 2020, pela primeira específicos?
vez em campanhas municipais, o(a)s candidatos(as) puderam usar
recursos de campanha para impulsionar conteúdos nas redes sociais RQ 2 A partir da aplicação de recursos financeiros de campanha, há
online (RSO) e também nos buscadores de sites na internet3. sinais de mudanças no modelo de campanha aplicado nas disputas
A necessidade de distanciamento social imposta pela Covid-19, pelos grandes colégios eleitorais do Paraná?
a mudança no calendário eleitoral e o curto período de campanha4
fizeram com que candidatos(as) e equipes reforçassem o uso de me- 2. Metodologia
canismos que pudessem intensificar a comunicação com o eleitora-
do. Isto reforçou uma tendência de crescimento na atenção que as A presente pesquisa apresenta um levantamento quantitativo
organizações de campanha dedicam às ferramentas online. dos gastos de campanha dos(as) candidatos(as) a prefeito(a) dos
cinco maiores colégios eleitorais do Paraná em 2020 - para tanto,
3 Globalmente, o Twitter não recebe anúncios de conteúdos políticos. O mesmo foram coletadas as cinco principais despesas de cada um dos can-
se aplica ao Brasil. Mais informações em: https://business.twitter.com/pt/help/ads- didatos. A proposta é compreender como os gastos de campanha
policies/ads-content-policies/political-content.html. de membros da elite política paranaense dialogam com os tipos de
4 A campanha do primeiro turno começou efetivamente no dia 27 de setembro campanha política apresentados pela literatura.
e seguiu até 14 de novembro, dia que antecedeu a eleição. Ao todo, foram 49 dias
de campanha.
538 Qual é a fatura de uma campanha eleitoral? Um estudo sobre os gastos Afonso Ferreira Verner 539
na disputa pelas cinco maiores cidades do Paraná em 2020
A escolha das cinco cidades (Curitiba, Londrina, Maringá, tos(as) não eram cumulativas, mas excludentes: o(a) candidato(a)
Ponta Grossa e Cascavel) se justifica a partir de dois argumentos. só poderia ser tipificado em uma delas.
O primeiro deles diz respeito à importância política destes colégios Em seguida, para cada candidato(a) foram coletados dados
eleitorais: as cinco cidades escolhidas são os maiores colégios eleito- sobre o total gasto (declarado) por ele(a), o teto da campanha da
rais do Paraná e todas elas contam com a possibilidade de segundo cidade7 e quanto o total declarado por cada candidatura representou
turno em eleições municipais. Apesar disso, apenas Ponta Grossa diante do teto de gastos no município. No caso de uma cidade ape-
teve uma segunda fase na disputa por prefeituras no Paraná em nas com primeiro turno em que havia um teto de R$ 2 milhões, por
2020. exemplo, uma candidatura que declarou ter gasto R$ 500 mil teria
O segundo argumento que justifica a escolha dos colégios estu- atingido uma porcentagem de 25% diante do teto.
dados é que nestas cidades há forte presença de lideranças da elite Em seguida, são coletados os cinco principais tipos de despesa
política paranaense que ocupam papéis de destaque no estado e no de cada candidatura(a). As tipificações são apresentadas pelo pró-
Brasil. A disputa pelas prefeituras das cidades estudadas envolve li- prio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e constam no Manual de
deranças estaduais e regionais com cargos eletivos (deputados esta- Prestação de Contas do órgão8. Optou-se por coletar apenas os cin-
duais e federais), além de incumbentes, sucessores(as) e postulantes co principais gastos diante do entendimento de que essas principais
sem cargo eletivo, mas com capital político relevante e com passa- despesas ofereceriam um contexto relevante do que foi a campanha
gens por outros cargos públicos. em termos de aplicação de recursos financeiros.
Desta forma, a coleta dos dados foi realizada no site DivulgaCand, A tabela 1 expõe dados sobre os valores gastos em cada um dos
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - o endereço eletrônico dis- cinco municípios estudados. A primeira coluna traz o nome do mu-
ponibiliza as prestações de conta de cada candidato(a). A base de nicípio, a segunda o valor total gasto pelos prefeituráveis da cidade
dados5 conta com 50 candidato(a)s a prefeito(a)6: Curitiba soma no pleito de 2020 e a terceira o valor de gastos captado por essa
15 candidaturas, Ponta Grossa teve cinco candidatos(as) no pleito, metodologia de pesquisa, levando em conta os cinco principais gas-
Maringá teve 12 postulantes, Londrina somou outros 10 prefeiturá- tos de cada cidade. A quarta coluna expõe a porcentagem de gastos
veis e, por fim, Cascavel teve 8 candidatos(as) no pleito. captados em cada cidade relacionando o total gasto e os valores que
Para cada candidatura foram coletadas as seguintes variáveis: foram incluídos no estudo através da metodologia aplicada.
nome do(a) candidato(a), gênero (homem ou mulher), cidade (mu-
nicípio), partido, tipo de candidato (desafiante com mandato, desa-
7 No caso de campanhas com segundo turno há um acréscimo de 40% no valor
fiante sem mandato, incumbente ou candidato(a) a sucessor(a)) e se
do teto previsto para o primeiro turno - só houve uma segunda fase do pleito em
o(a) postulante foi eleito(a) ou não. As tipologias dos(as) candida- Ponta Grossa. Neste caso, o teto das candidatas que foram à segunda etapa da
5 Disponível para consulta neste link: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1 eleição recebe um acréscimo de 40% como prevê a legislação.
EQF5S8ObieqMGo9bXORQXaGNZH48im7wupUYlhel0b8/edit#gid=573922960 8 Ver: https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2020/prestacao-de-contas/
6 O número inicial de candidatos a prefeito(a) era 51, mas com a candidatura arquivos/tse-manual-prestacao-de-contas-2020/rybena_pdf?file=https://www.tse.
de Diego Gomes (PCO) para a Prefeitura de Curitiba indeferida pela Justiça jus.br/eleicoes/eleicoes-2020/prestacao-de-contas/arquivos/tse-manual-prestacao-
Eleitoral, o candidato foi retirado da base de dados utilizada nesta pesquisa. de-contas-2020/at_download/file
540 Qual é a fatura de uma campanha eleitoral? Um estudo sobre os gastos Afonso Ferreira Verner 541
na disputa pelas cinco maiores cidades do Paraná em 2020
Tabela 1. Gastos declarados e gastos captados por município Tabela 2. Candidatos em tipologias nas cinco maiores cidades do Paraná
Tipo de candidato Número (N)
Município Valor total da Valor captado Porcentagem Incumbente 4
campanha pela pesquisa captada pelo estudo
Desafiante sem mandato 32
Curitiba 19.543.947,05 15.558.364,13 79,60%
Desafiante com mandato 13
Ponta Grossa 3.052.137,78 2.405.323,36 78,80%
Sucessor(a) 1
Maringá 5.334.357,90 5.239.661,94 98,22%
Total: 50
Londrina 3.198.239,59 2.747.791,40 85,91% Fonte: elaboração própria (2021)
Cascavel 2.813.951,43 2.433.656,27 86,48%
Total 33.942.633,75 28.384.797,10 83,62% A coleta dos cinco principais gastos de campanha nos cinco
Fonte: elaboração própria (2021) mais importantes colégios eleitorais do Paraná resultou em 21 tipo-
logias de gastos que foram registradas ao menos uma vez em cada
Nota-se que a metodologia de coleta de dados sobre os gastos de uma das cidades estudadas. Para fins de análise e visualização, as 21
campanha contabilizou porcentagens representativas dos colégios tipologias foram agrupadas9 e resultaram em 18 tipos finais analisa-
eleitorais estudados. A menor porcentagem captada foi na cidade dos neste trabalho.
de Ponta Grossa com 78,60% dos gastos de campanha inclusos na A próxima tabela (3) reúne os dados agrupados em cada um
amostra, enquanto a maior foi registrada em Maringá com 98,22% dos municípios e a porcentagem que aquele tipo de gasto represen-
dos gastos inclusos. Em média, as cinco cidades estudadas tiveram ta em cada cidade. Ao todo, 18 tipos de despesas foram registra-
83,62% dos gastos de campanha inclusos no corpus. dos, mas alguns deles foram encontrados em apenas um dos cinco
Já a tabela 2 reúne a divisão de candidatos por tipologias: de- municípios e em números pequenos - como é o caso do gasto com
safiantes com mandato, desafiante sem mandato, incumbentes e “reembolso realizado para eleitores” encontrado exclusivamente em
candidatos(as) a sucessores. A divisão dos candidatos(as) entre os Curitiba e do gasto de “encargos financeiros, taxas e afins” que foi
grupos foi feita de forma não cumulativa (um(a) prefeiturável só localizado em dois municípios, mas é ínfimo diante do total aplica-
foi incluído em uma das tipologias) e com base em uma pesquisa do nas campanhas.
exploratória sobre cada uma das cidades.
Tabela 3. Gastos agrupados em porcentagem por município Tipo de gasto Curitiba Ponta Grossa Maringá Londrina Cascavel
Tipo de gasto Curitiba Ponta Grossa Maringá Londrina Cascavel Locação e cessão 3,29% 0,27% 0,00% 0,00% 0,00%
Despesas com 25,81% 0,00% 22,63% 2,05% 22,41% de bens imóveis
pessoal Alimentação 0,00% 0,60% 0,00% 0,00% 0,00%
Doações 11,57% 13,66% 0,81% 2,50% 3,55% Encargos 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
financeiras a financeiros, taxas
outros candidatos e afins
Publicidade por 10,03% 21,37% 18,79% 13,67% 13,29% Despesas a 0,24% 0,00% 0,00% 2,57% 0,00%
adesivos e material especificar
impresso
Publicidade em 1,83% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Produção de 1,83% 0,28% 0,00% 0,00% 0,00% revistas e jornais
jingle, vinheta e Recursos de 1,92% 0,00% 0,58% 1,23% 1,70%
slogan partido político
Campanha on-line 4,97% 0,09% 6,52% 12,20% 2,17% Total 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: elaboração própria (2021)
Reembolsos em 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
gastos realizados
por eleitores Para fins de análise, foram usadas apenas duas casas decimais
após a vírgula. Desta forma, mesmo recursos que foram registrados
Produção de 23,03% 13,23% 22,63% 30,73% 22,98%
programa de rádio, com pequenas quantias, acabam aparecendo com a porcentagem
televisão ou vídeo zerada. Esse é o caso da despesa de “reembolso em gastos realiza-
dos por eleitores” que somou uma entrada de R$ 930, apenas em
Serviços 4,56% 6,75% 5,34% 20,24% 6,57%
advocatícios e
Curitiba (0,0005% do total gasto em campanha) e “encargos finan-
contábeis ceiros, taxas e afins” que registrou gastos ínfimos nas cidades estu-
Atividades de 3,00% 19,60% 9,18% 6,38% 8,37% dadas. Para fins de análise, esses tipos de gastos serão omitidos das
militância e próximas visualizações.
mobilização A partir da tabela 3 é possível realizar alguns apontamentos. O
Pesquisa e testes 0,02% 0,00% 2,85% 0,00% 0,00% primeiro deles é sobre as despesas registradas em todos os cinco
eleitorais municípios estudados. Elas são: Doações financeiras a outros can-
Serviços prestados 7,84% 24,64% 10,27% 10,42% 18,91% didatos, publicidade por adesivos e material impresso, campanha
por terceiros online, produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, servi-
Combustíveis e 0,00% 0,00% 0,33% 0,00% 0,00% ços advocatícios e contábeis, atividades de militância e mobilização,
lubrificantes serviços prestados por terceiros.
544 Qual é a fatura de uma campanha eleitoral? Um estudo sobre os gastos Afonso Ferreira Verner 545
na disputa pelas cinco maiores cidades do Paraná em 2020
Entre esses tipos de gastos constantes, nota-se alguns mecanis- Além do gasto constante e relevante com rádio, TV ou vídeo,
mos tradicionais de campanha, como a produção de programas de também há um gasto relevante com publicidade por adesivos e ma-
rádio e TV, além de atividades de militância mobilização e o inves- teriais impressos em todas as cidades estudadas, variando de 10%
timento em publicidade por adesivos e material impresso. Além a 21% dos gastos em cada município. Além disso, o repasse para
disso, figuram entre os gastos de campanha registrados nos cinco candidaturas de vereador (doações financeiras a outros candidatos)
principais municípios do Paraná, o investimento com campanha parece relevante em todas as cidades estudadas.
online e o aporte com serviços advocatícios e contábeis. Por sua vez, os gastos com campanha online podem ser tidos
Diante do exposto, o gráfico 1 expõe apenas os gastos relevantes como pequenos, mesmo em colégios eleitorais tidos como médios
quando se observa os cinco municípios de forma ampla. Nota-se ou grandes, como as cidades estudadas. Em Londrina, os gastos com
que a barra verde clara (produção de programa de rádio, TV ou campanha online chegam a 12,20%, mas na capital (Curitiba) é de
vídeo) mantém um tamanho considerável (porcentagem parecida) apenas 4,97%, em Maringá soma 6,52%, enquanto Cascavel e Ponta
em todas as cidades estudadas. Grossa registram 2,17% e 0,9% dos gastos de campanha.
Em seguida, são analisados os dados sobre tipos específicos de
Gráfico 1. Principais gastos de campanha candidato. O primeiro tipo de candidato analisado é o incumbente,
o(a) prefeito(a) que busca a reeleição - ao todo são quatro candida-
tos do tipo nas cidades estudadas: Rafael Greca (DEM - Curitiba),
Ulisses Maia (PSD - Maringá), Marcelo Belinati (PROGRESSISTAS
- Londrina) e Leonaldo Paranhos (Cascavel). Para fins de análise, a
esse grupo se soma Professora Elizabeth10 (PSD - Ponta Grossa), en-
tão vice-prefeita da cidade e foi indicada como sucessora de Marcelo
Rangel (PSDB).
Quando se reúne o grupo de incumbentes, nota-se que entre
os cinco municípios estudados, esses(as) candidatos(as) estão en-
tre os(as) postulantes que mais gastam proporcionalmente em cada
cidade. O gráfico 2 reúne os principais gastos destes candidatos:
os quatro incumbentes e a sucessora em Ponta Grossa, Professora
Elizabeth Schmidt (PSD).
10 Neste estudo, Elizabeth foi classificada como candidata sucessora. Ela foi
a única das 50 candidatas classificadas neste tipo. Como ela já era vice-prefeita
de Ponta Grossa, optou-se (para fins de análise) incluí-la entre os candidatos
Fonte: elaboração própria (2021) incumbentes.
546 Qual é a fatura de uma campanha eleitoral? Um estudo sobre os gastos Afonso Ferreira Verner 547
na disputa pelas cinco maiores cidades do Paraná em 2020
Gráfico 2. Principais gastos dos incumbentes Junior Santos Rosa e Paulo Porto), sete deputados estaduais (Mabel
Canto, Goura, Dr. Batista, Homero Marchese, Tiago Amaral e
Marcio Pacheco) e quatro deputados federais (Boca Aberta, Roman,
Fernando Francischini e Cristiana Yared).
A seguir, são expostos os principais gastos desta tipologia de
candidatos, membros da elite política que já tem algum tipo de
mandato, seja ele em nível municipal (vereador), estadual (depu-
tado estadual) ou federal (deputado federal). Nota-se que, ao con-
trário do grupo de candidatos incumbentes, os candidatos com
mandato têm entre seus três principais gastos o investimento com
pessoal (29,95%), doações financeiras a outros candidatos (17,65%)
e produção de programa de rádio, TV e vídeo (17,06%).
dos 5% entre os dois grupos. Por sua vez, os gastos com militância de comum entre os dois tipos de candidatos, os gastos com mate-
e mobilização só parecem relevantes entre os desafiantes com man- riais impressos e adesivos.
dato, sem maior impacto nas campanhas dos incumbentes (exceto a
campanha de Elizabeth). 3. Resultados e discussão
Em seguida, são analisados dados das contas de campanha dos
desafiantes sem mandato, ou seja, aqueles prefeituráveis que dis- Este tópico reúne os resultados e achados empíricos da pesquisa.
putaram o pleito em Curitiba, Cascavel, Ponta Grossa, Londrina Para fins de organizações, optou-se por começar esta etapa tratando
e Maringá sem estarem ocupando cargo público no momento da dos resultados gerais e, em seguida, especificando as observações
campanha. Nos colégios eleitorais estudados são 32 candidatos(as) para cada tipo de candidato observado. Primeiro são destacados
classificados(as) nesta tipologia. O Gráfico 4 exibe os principais da- aspectos sobre as candidaturas de forma geral, em seguida trata-se
dos deste tipo de prefeiturável. dos incumbentes, dos desafiantes com mandato e, por fim, dos de-
safiantes sem mandato.
Gráfico 4. Principais gastos dos desafiantes sem mandato 3.1 Os gastos nos principais colégios eleitorais do Paraná
tem percentuais mais representativos em Ponta Grossa (13,66%) e alguma estrutura de comunicação digital construída no próprio
Curitiba (11,57%). Algo semelhante acontece com os investimen- mandato.
tos em serviços advocatícios e contábeis que somam 20,24% em
Londrina, enquanto nas outras quatro cidades estudadas ficam na 3.3 Os gastos de campanha entre desafiantes com mandato
casa dos 4% a 6%.
Outro gasto que figura com porcentagem de destaque em apenas Os candidatos com mandato (gráfico 3) têm uma distribuição
uma cidade é o aporte em “atividades de militância e mobilização” de gastos ligeiramente diferentes. Ao observarmos esse grupo que
que soma 19,60% do total gasto pelos prefeituráveis, enquanto nas reúne deputados (estaduais e federais) e vereadores, nota-se uma
demais cidades não passa dos 9,18% (Maringá) e em outros colégios especial importância na aplicação de recursos em despesas com
estudados varia entre 3% (Curitiba) a 8,37% (Cascavel) dos gastos pessoal (29,95%), além da doação financeira a outros candidatos
declarados. (17,65%) - esse último aspecto pode ser explicado por aquelas can-
didaturas que, apesar de serem pouco competitivas, servem para dar
3.2 Considerações sobre os gastos entre incumbentes palanque e distribuir recursos (financeiros e comunicacionais) aos
candidatos a vereador(a) do grupo político naquele município.
Quando observamos apenas os gastos entre os incumbentes Ao contrário da análise dos gastos de todos os candidatos e dos
(Rafael Greca, Leonaldo Paranhos, Marcelo Belinati, Ulisses Maia incumbentes, entre os candidatos com mandato o gasto com pro-
e Professora Elizabeth), nota-se um primeiro padrão: quatro dos gramas de Rádio e TV é apenas o terceiro em termos de acúmulo de
cinco candidatos(as) classificados(as) nesta tipologia empenham re- recursos. Em seguida, aparecem os investimentos em mecanismos
cursos significativos de suas campanhas em produção de programas de campanha impressa ou por adesivo. Atividades como gasto com
de rádio, TV e vídeos. militância, serviços advocatícios e contábeis e ações de campanha
Entre os eleitos, apenas o curitibano Rafael Greca (DEM) in- online somam recursos na casa dos 5% entre esse grupo.
vestiu parte significativa dos seus recursos na produção de Jingles A dispersão dos gastos deste tipo de prefeiturável ressalta a ca-
e Vinhetas (ver gráfico 2). Inversamente, Greca também é o único racterística destas campanhas de servirem como palanque eleitoral
entre os incumbentes que não aplica recursos significativos de cam- de meio de mandato para deputado(a)s e também para dar condi-
panha em publicidade por adesivo e material impresso - isso pode ções de disputa para o(a)s vereadores(as) nas cidades. Lembra-se
ser explicado pelo fato de o democrata disputar a eleição no colégio ainda que a eleição de 2020 foi a primeira em que a coligação entre
eleitoral mais urbanizado do Paraná, que é Curitiba. partidos foi proibida para a disputa por vagas no âmbito municipal.
Por fim, ainda sobre os incumbentes, é necessário notar que
nenhum deles aplica recursos consideráveis nos mecanismos de
campanha online, ferramentas até então tidas como essenciais no
período de pandemia e distanciamento social. O que pode ser ex-
plicado pelo fato de que, por serem incumbentes, eles já mantinham
552 Qual é a fatura de uma campanha eleitoral? Um estudo sobre os gastos Afonso Ferreira Verner 553
na disputa pelas cinco maiores cidades do Paraná em 2020
3.4 As estratégias dos candidatos sem mandato expressas nos gastos pessoal figuram nos principais gastos de todas as tipologias de can-
de campanha didatos(as) estudados(as).
A pesquisa buscou ainda refletir sobre mudanças nos modelos
O grupo mais numeroso de prefeituráveis nas principais cidades de campanha ao observar os gastos declarados pelos prefeituráveis.
do Paraná diz respeito a postulantes sem mandato. Entre eles(as) há Há aqui dois apontamentos a serem feitos. O primeiro diz respeito à
uma constante (ver Gráfico 4): o gasto com gravação de programas permanência de gastos tidos como tradicionais, como o investimen-
de rádio e TV está entre os principais custos de campanha (23,68%), to em material impresso e adesivo, relevante em basicamente todos
seguido da contratação de pessoal (16,48%) e do investimento em os cenários estudados e tipos de candidatos analisados.
material impresso e adesivo (16,02%). A segunda é que, apesar de parte da literatura em Ciência Política
No entanto, a partir daqui há diferenças notáveis na aplicação e Comunicação apontar para o fortalecimento do digital como me-
que esse tipo de candidato faz dos recursos de campanha. O grupo canismo de campanha, os gastos parecem ainda não refletir isso.
aplicou 15,24% dos gastos de campanha na prestação de serviços Quando se observa todos os prefeituráveis de forma conjunta, os
e outros 9,12% do total gasto em mecanismos de campanha onli- custos com ferramentas de campanha online (impulsionamento de
ne - este último gasto pode ser explicado pela aposta deste tipo de conteúdo e criação de sites) parecem pouco relevantes, variando de
candidato(a) em se tornar mais conhecido através dos mecanismos 0,09% do total declarado em Ponta Grossa e chegando a 12,20% em
de internet, menos dependentes de acordos eleitorais e partidários Londrina.
que viabilizam recursos do HGPE, por exemplo. A hipótese é que o gasto com campanha online em Londrina
tenha sido maior por conta de fatores contextuais da eleição neste
3.5 Há diferenças de gastos e de campanhas entre tipos de candidatos? município. Lá havia 10 candidatos na disputa, entre eles três desa-
fiantes com mandato: um deputado estadual, um deputado federal e
O presente estudo buscou refletir sobre os gastos de campanha um vereador. Além disso, a cidade tem dois prefeituráveis que fize-
a partir de uma variável principal: o tipo de candidato. A proposta ram gastos acima da média neste tipo de ferramenta de campanha:
era compreender se havia diferenças consideráveis entre as formas Marcio Stamm (Podemos) e Tiago Amaral (PSB).
que incumbentes, desafiantes com mandato e sem mandato inves- Por fim, os dados aqui apresentados apontam para um papel de
tiam seus respectivos recursos de campanha. Neste caso, pode-se destaque dos investimentos típicos de campanha classificadas como
observar mais padrões entre os gastos do que rupturas e divergên- modernas por Pippa Norris (2001): a produção de programas de
cias entre eles. Rádio, TV e vídeo. Apesar do avanço dos mecanismos online em
Apesar de haver diferenças na forma como esses candidatos gas- alguns contextos e entre alguns tipos de candidatos, as ferramentas
tam seus recursos de campanha, em sua maioria os principais gastos tradicionais seguem sendo centrais nas disputas pelos maiores colé-
se repetem entre todos os tipos de candidatos(as). Os investimentos gios eleitorais do Paraná.
em programas de rádio, TV e vídeo, assim como publicidade em
material impresso e adesivos e, também, o aporte em despesas com
554 Qual é a fatura de uma campanha eleitoral? Um estudo sobre os gastos Afonso Ferreira Verner 555
na disputa pelas cinco maiores cidades do Paraná em 2020
mais que sejam os maiores, eles são apenas 1,25% do total de prefei- dos podem ser cruzados com outras variáveis, como partido do(a)
turas em disputa no Paraná. prefeiturável, os conteúdos que o(a) candidato(a) divulga no HGPE
Cabe ressaltar ainda que o desenho de pesquisa aplicado faz ou mesmo nas redes sociais online.
parte da pesquisa de doutoramento do autor que trata de disputas
em capitais brasileiras. Por fim, destaca-se ainda que a generalida- Referências
de de algumas tipologias de gastos aplicadas pela Justiça Eleitoral
prejudica afirmações mais precisas. Isso se dá por conta da maneira Avis, Eric; Ferraz, Cláudio; Finan, Frederico & Varjão, Carlos.
como os gastos são tipificados e computados pela instituição no mo- (2017) “Money And Politics: The Effects Of Campaign Spending
mento da prestação de contas. Limits On Political Competition And Incumbency Advantage”.
Aqui toma-se como exemplo a tipologia “Gastos com produ- NBER Working Paper, 23508. Disponível em http://www.nber.org/
ção de programas de Rádio, TV e vídeo”. Nesta categoria podem papers/w23508 Acesso em: 25 mai. 2020.
estar inclusos gastos em mecanismos típicos de campanha eleitoral
moderna (Norris, 2001), como rádio e TV, como também gastos Cotado, Adriano; Cervi, Emerson Urizzi & Perissinotto, Renato.
em produção para plataformas como o Youtube (vídeo), típicas de (2013) “Quem se elege prefeito no Brasil? Condicionantes do
modelo de campanhas hiper midiáticas (Howard, 2006). sucesso eleitoral em 2012”. Cadernos Adenauer, 2(3), pp. 61-84.
• Implicações para futuras pesquisas: Figueiredo Filho, Dalson Britto & Silva Jr., José Alexandre da. (2009)
O texto apresentado nesta pesquisa faz parte do desenho de “Desvendando os mistérios do coeficiente de correlação de Pearson
pesquisa da tese de doutoramento do autor que trata da disputa de (r)”. Revista Política Hoje, 18(1).
2020 em capitais brasileiras. No entanto, cabe ressaltar que estudos
municipais como este (gastos de campanhas) ainda são raros - há Fisher, Justin; Denver, David. (2006) “From Foot-Slogging to
boas pesquisas discutindo o uso de recursos de campanha em nível Call Centres: Constituency Campaigning 1992-2005”. Annual
nacional, mas pouco se observa outros municípios para além das Conference of the Political Studies Association. Anais Eletrônicos
capitais. […]. Disponível em https://bit.ly/2SpRjyb Acesso em: 25 mai. 2021.
Então, parte da contribuição aqui deixada é abrir uma agenda
de pesquisa que observe como candidatos de grandes cidades, além Howard, O.N. (2006) New Media Campaigns and the Managed
das capitais, aplicam seus recursos no momento da campanha. O Citizen. Cambridge: Cambridge University Press.
próprio autor do texto já buscou refletir sobre o gasto com campa-
nhas online nos menores colégios eleitorais do Paraná como forma Lemos, Leany Barreiro; Marcelino, Daniel & Pederiva, João
de aproximação ao objeto. Henrique. (2010) “Porque dinheiro importa: a dinâmica das
Por fim, destaca-se ainda a importância de observar eleições de contribuições eleitorais para o Congresso Nacional em 2002 e 2006”.
forma multifatorial. Aqui a aposta é olhar para uma ‘grande’ variá- Opinião Pública, 16(2).
vel, que são os gastos de campanha. No entanto, os resultados obti-
558 Qual é a fatura de uma campanha eleitoral? Um estudo sobre os gastos Afonso Ferreira Verner 559
na disputa pelas cinco maiores cidades do Paraná em 2020
Marsh, Michael. (2004) “None of The Post-modern Stuff Around Sudulich, Maria Laura & Wall, Matthew. (2011) “How do candidates
Here: Grassroots Campaigning in the 2002 Irish General Election”. spend their money? Objects of campaign spending and the
British Elections; Parties Review, 14(1), pp. 245-267. Disponível em: effectiveness of diversification”. Electoral Estudies, s/v(30), pp.
http://dx.doi.org/10.1080/1368988042000258862 Acesso em: 25 91-101.
mai. 2021.
Silva, Clarissa Benatti & Silva Murilo Massaru (2014) “O poder dos
gastos de campanha: evidências probabilísticas”. Anais eletrônicos
[…] Caxambu: Anpocs. Disponível em http://bit.ly/33w1nLR.
Acesso em: 25 mai. 2021.