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List e o sistema nacional de economia política

Alcides Goularti Filho1

“Marx começou seus estudos econômicos em Paris, em 1843, com os grandes autores
ingleses e franceses; dos alemães só conhecia Raul e List e já achava bastante”.
Friedrich Engels (Prefácio ao Livro II de O capital).

Resumo
O pensamento e a obra de George Friedrich List não são tratados com freqüência e com a
devida atenção pelos historiadores e pelos economistas, o mesmo ocorre com a Escola
Histórica Alemã. Apesar de alguns autores não considerarem List como membro da Escola
Histórica, há correlação muito próxima entre o seu pensamento e o da Escola Histórica. A
negação do dedutivismo, a crítica à Escola Clássica e a aplicação do empirismo e do
historicismo como métodos de análise fazem de List um dos precursores da Escola Histórica.
A presente nota tem por objetivo discutir o sistema nacional de economia política de Friedrich
List. Está estruturada da seguinte forma: primeiro, será discutida a influência do método
utilizado por List na Escola Histórica; em seguida, List será contextualizado na história
européia, com destaque à Prússia nos séculos XVIII e XIX; em terceiro lugar, serão
analisados sua obra e seu pensamento; e, por último, mostra uma possível relação com os
pensamentos keynesiano e cepalino.

1 A Escola Histórica alemã

A Escola Histórica originou-se na Alemanha2 em 1840, fazendo


crítica à Escola Clássica que se tornava o pensamento hegemônico tanto nos
meios acadêmicos, como entre os estadistas.
Podemos dividi-la em duas fases: a “velha” escola de 1840 a 1870; e
a “nova” escola a partir de 1870.3 Na primeira fase destacam-se as obras de
Wilhelm Roscher (Esboço de um curso de economia política segundo o
método histórico, 1843); Bruno Hildebrand (A economia política do presente

1 Doutorando – UNICAMP. Instituto de Economia (IE)/Professor – Universidade do Extremo Sul


Catarinense (UNESC) e da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).
2 Neste momento ainda não estava formado o Estado alemão. Apesar do anacronismo,
chamaremos de Alemanha toda região que mais tarde veio a ser Alemanha, fato que ocorreu somente em
1871 com a unificação.
3 Schumpeter (1964), ainda classifica a “novíssima” escola, que abrange as primeiras décadas do
século XX e tem como expoentes Arthur Spiethoff, Wener Sombart e Max Weber.

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e do futuro, 1848); e Karl Knies (A economia política do ponto de vista do
método histórico, 1883). Já na segunda fase, destaca-se a obra de Gustav
Schmoller (Esboço da história econômica geral, com dois volumes, 1900 e
1904).
Para atacar a economia política clássica, a Escola Histórica foi buscar
subsídios no anti-racionalismo e na filosofia política de Hegel4 e no
positivismo de Comte.5 Como resultado, questionava as suposições básicas,
as generalizações prematuras e o fato de tratá-las como leis (Bell, 1976). A
generalização leva à universalização e à perpetuação e, com isso, nega as
especificidades históricas e espaciais de cada povo ou nação. Segundo a
Escola, é necessário relativizar a história universal colocando-a no seu devido
tempo e espaço. Portanto, a Escola utiliza o método histórico, que dá ênfase à
história dos povos, reexaminando todas as fases históricas que envolvam
aspectos políticos, econômicos e culturais, ou seja, os elementos concretos da
civilização, como único meio para estudar seu progresso econômico (Bell,
1976).
Segundo Bell (1976), comentando sobre o pensamento de Knies e a
aplicabilidade do método histórico a ciências econômicas,
“a configuração econômica de uma sociedade em qualquer tempo e os conceitos
aplicáveis àquela sociedade são um resultado de acontecimentos históricos definidos e
todos os elementos que caracterizam aquela sociedade atestam o seu progresso e
desenvolvimento em qualquer tempo”.
Destaca-se que a Escola, sobretudo Knies, ressalta a importância das
instituições econômicas e sociais e as mudanças que sofrem com o tempo,
lugar e povos, levando à mudança de conceitos em relação à propriedade
privada, produtividade do trabalho e funções do Estado. Sendo assim, a
universalização das leis naturais dos economistas clássicos torna-se inócua.
Veremos que os fundamentos da Escola Histórica são os mesmos que
anteriormente foram desenvolvidos por List, e apesar disto, muitos autores
ainda não o classificam como membro da Escola. Melhor seria classificá-lo
como membro fundador.

4 Para Hegel o Estado é a síntese das contradições da sociedade civil e está acima dos interesses
antagônicos das classes sociais.
5 Foi no pensamento de Comte que os históricos buscaram a crítica ao dedutivismo, o qual leva a
generalizações abstratas, com isto, segundo Comte, a Economia Política se aproxima da Metafísica (Denis,
1982).

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2 List e seu tempo

George Friedrich List nasceu em agosto de 1789 e suicidou-se em


novembro de 1846. List foi aquilo que poucos teóricos foram: militante ativo
das suas idéias, homem preocupado com seu país e, acima de tudo, com as
condições sociais de seu povo. List nasceu numa Alemanha fragmentada,6
dividida entre 39 estados independentes, uns de economia essencialmente
agrícola e outros tentando impulsionar a industrialização. Os Estados que
mais se destacavam eram a Prússia e a Áustria. Enquanto isso, no final do
século XVIII e início do XIX a Inglaterra avançava com o seu poderio
econômico e os Estados Unidos davam largada à prosperidade. E a partir da
década de 1830 o transporte ferroviário entra em franca expansão, o que para
List era um dos principais fatores de integração nacional.
Após a Guerra dos 30 anos,7 a reconstrução da Prússia foi, em certa
medida, impulsionada por protestantes ricos que fugiram da França e da
Espanha.8 A partir de 1740, o déspota esclarecido Frederico II (1740/86)
implementa mudanças que favorecem a educação, com construção de
escolas, e a industrialização, com proteção alfandegária. Enquanto isso, o
território alemão continuava esfacelado e à mercê do livre comércio. Com o
bloqueio continental de Napoleão Bonaparte (1806/14), a Prússia e os demais
territórios germânicos foram beneficiados, não com o comércio exterior, mas
com o fortalecimento do mercado interno. Com o fim do bloqueio, a
Inglaterra vem com força total na concorrência internacional e, para proteger
as manufaturas nascentes, em 1818, a Prússia cria uma lei alfandegária e
acaba com tarifas internas que prejudicavam a circulação interna de
mercadorias no território prussiano. Porém, o grande impulso às manufaturas
veio somente em 1834 com a Zollverein, uma união alfandegária entre os
territórios da Confederação Germânica, ficando de fora apenas Hanover,
Brunswick e Oldenburgo.
Este era o cenário que List observava, uma Alemanha que era
impulsionada industrialmente pela pujança de seu povo e pela proteção

6 Em 1789, ainda não estava devidamente formado o Estado alemão. List nasceu em
Württemberg, que mais tarde, 1818, entrou na recém-formada Confederação Germânica.
7 Guerra entre os países da Europa Central e do Norte (1618-1648) para resolver problemas
religiosos.
8 Em 1685, foi decretado o fim do Edito de Nantes, que dava proteção aos protestantes no
Império Francês. List constantemente destaca esta expulsão dos protestantes como um dos fatores que
dinamizou a economia inglesa e prussiana.

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alfandegária. Um amante da sua terra, alguém que queria ver a Alemanha
prosperar e desenvolver-se economicamente, para conquistar o lugar que lhe
era devido entre as nações respeitadas. Foi com base nas condições materiais
descritas e imbuído de paixão que List militou e escreveu.

3 A obra e o pensamento de List

Uma das primeiras críticas teóricas feitas à Escola Clássica é de List,


na sua obra Sistema Nacional de Economia Política, publicada em 1841, que
constantemente denunciava a falta de noção histórica e a generalização das
particularidades dos clássicos, tachando-os de cosmopolitas. Segundo List
(1986), eles praticam uma “ciência que ensina como a humanidade inteira
pode atingir a prosperidade (...) por meio da agricultura e do comércio”, ou
melhor, do livre comércio.
Seu alvo preferencial foi Smith, seguido de Say, afinal A riqueza das
nações estava conquistando os meios acadêmicos e políticos como a Santa
Inquisição conquistara a Espanha. Os fundamentos dos clássicos estavam
calcados no individualismo e no naturalismo; para fazer frente a esses
argumentos, List (1986) ressaltou a nação: “Toda a minha estrutura está
baseada na natureza da nacionalidade, a qual é o interesse intermediário entre
o individualismo e a humanidade inteira.” O que é a nação? A nação, a
unidade nacional, é o cimento aglutinador de um povo que é fundamentado
na liberdade civil (com instituições livres: religiosa e política), na pujança e
na perseverança de seu povo com determinação ao trabalho, nos nexos
morais e éticos, no farto material intelectual, nos recursos naturais e no
potencial de sua agricultura e, sobretudo, de sua indústria.
Para um país montar um parque industrial com capacidade para
concorrer com os países que já atingiram elevado grau de desenvolvimento
tecnológico, é condição sine qua non proteger as indústrias enquanto
estiverem com deficiências competitivas. Para List (1986), o protecionismo9
“age como estimulante em todos aqueles setores da indústria nacional cujos
produtos, embora possam ser obtidos com maior facilidade do exterior,
podem ser fabricados no próprio país. Tais medidas asseguram uma

9 List diferencia a tarifa alfandegária da fiscal; a alfandegária não inibe a produção e é necessária,
ao contrário da fiscal que, quando muito elevada, inibe a produção.

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recompensa para o homem de empresa e para o operário, que dessa forma se
animam a adquirir novos conhecimentos e qualificações, oferecendo ao
capitalista nacional e estrangeiro meios para que invistam seu capital, durante
um período definido e certo, de forma particularmente compensadora”. Dessa
forma, coloca o país protegido em condições de igualdade para concorrer. E
com esse propósito, o protecionismo “apresenta-se como o meio eficaz para
fomentar a união final das nações e, portanto, também para promover a
verdadeira liberdade de comércio”. Enquanto nações subordinarem os
interesses de toda humanidade aos seus interesses, é suicídio abrir seu
mercado à livre concorrência. Segundo List, o protecionismo não surgiu de
um ideário e sim das condições concretas impostas pelas guerras:
“a guerra constituiu uma circunstância decisiva para a escolha do sistema protecionista
adequado, na medida em que gera um sistema proibitivo compulsório. Em tempo de
guerra cessa o intercâmbio entre as partes beligerantes, e cada nação deve procurar ser
auto-suficiente, quaisquer que sejam as suas condições econômicas”.
Como List chegou a essas conclusões? Utilizando o método histórico. Foi
com base na história de cada povo, de cada nação que encontrou
fundamentos para sua teoria. Os primeiros capítulos de seu livro são uma
análise da história e das peculiaridades de vários países: Itália, Suíça,
Holanda, Inglaterra, Espanha, Portugal, França, Alemanha, Rússia e Estados
Unidos. Em cada país identifica os momentos em que ocorreram fases de
prosperidade, proporcionada pelo protecionismo, e de decadência econômica,
fruto do livre comércio. A prosperidade também está associada a um Estado
centralizador, forte e neutralizador dos interesses antagônicos, cujo objetivo
maior é a industrialização. Por um lado, os exemplos de proteção com
resultado positivo são: a Inglaterra, na primeira metade do século XVII nos
reinados de Jaime I e Carlos I e na República de Cromwell com o Ato de
Navegação em 1651,10 os Estados Unidos, após as guerras pela
independência (1775/81); a França, com Colbert no terceiro quartel do século
XVII11 e com Napoleão, no início do século XIX; e a Prússia, no império de
Frederico I e com a Zollverein. Por outro lado, a mesma história mostra os
exemplos em que a falta de unidade nacional e de liberdade civil, o livre

10 O Ato de Navegação obrigava todas as mercadorias destinadas a entrar ou sair dos portos
ingleses a serem transportadas por navios da Inglaterra.
11 Após o período Colbert, há retrocesso econômico porque Luís XIV libera o comércio e revoga
o Edito de Nantes (1685), expulsando vários protestantes da França. Em 1786, a França assina com a
Inglaterra o Tratado de Eden que dava amplos poderes à Inglaterra para comercializar com a França,
levando à ruína inúmeros pequenos proprietários.

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comércio e o protecionismo exacerbado levaram à decadência econômica de
várias nações. No primeiro e no último caso temos o exemplo da Itália que
apesar de monopolizar o comércio nos séculos XIII e XIV entrou em
decadência nos posteriores.12 Ainda no primeiro caso destacamos a Holanda,
que apesar de possuir uma frota naval invejável foi suplantada pela Inglaterra
de Cromwell e pela França de Colbert. Já a falta de liberdade civil e o livre
comércio levaram à ruína Portugal e Espanha, duas potências comerciais e
navais dos séculos XV e XVI; a falta de liberdade com a expulsão dos judeus
e dos mouros e o livre comércio com tratados impostos pela Inglaterra.13
Portanto, esse era o método utilizado por List, ou seja, os fatos
históricos concretos que levaram às conclusões que protecionismo, liberdade
civil e unidade territorial são condições necessárias para a constituição da
nação.
E é justamente nesse ponto que está o erro da Escola Clássica, pois
ela “ignora a própria natureza das nações, procura excluir quase totalmente a
política e o poder do Estado, pressupõe a existência de um estado de paz
perpétua e união universal, subestima o valor de uma força manufatureira
nacional, e os meios para se atingir essa meta, e exige liberdade absoluta de
comércio” (List, 1986). Os clássicos ao mesmo tempo que se fundamentam
no individualismo pregam o cosmopolitismo, imaginam a igualdade entre
nações subestimando seu poder financeiro, tecnológico e militar. Outra
crítica aos clássicos é o fato de não observarem a dicotomia entre a economia
privada e a nacional. Adam Smith ressaltava as benevolências da economia
privada por meio da divisão técnica do trabalho geradora de produtividade e,
na mesma esteira, desqualificava o trabalho intelectual, classificando-o de
improdutivo. Os clássicos não tinham dimensão do todo integrado com as
partes; ora, a divisão técnica do trabalho só tem funcionalidade na divisão
social, ou seja, na economia nacional: “na economia nacional pode ser

12 Neste período a Itália era um território todo fragmentado, sem unidade nacional, condições
que levaram Nicolau Maquiavel a escrever O príncipe. Gênova, Veneza e Florença eram grandes pólos
comerciais, porém independentes. Florença também se constituía num pólo financeiro, porém o excesso de
proteção a levou ao isolamento e à decadência. A unificação italiana somente ocorreu em 1861, sendo que
Veneza e Roma foram incorporadas à Itália em 1866 e 1870 respectivamente.
13 Em 1705 Portugal assinou o Tratado de Methuen que beneficiava a industria têxtil inglesa por
meio da garantia de compra dos tecidos ingleses e em troca a Inglaterra comprava os vinhos portugueses.
Em 1713 a Espanha assina o Asiento que dá aos ingleses “o direito de introduzir anualmente certo número
de negros africanos na América espanhola, e de visitarem, uma vez por ano, o porto Portobello, com um
navio, o que servia aos ingleses como pretexto para introduzirem imensas quantidades de produtos nesses
países” (List, 1986).

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sabedoria o que é absurdo na economia privada, e vice-versa; simplesmente
porque um alfaiate não é o mesmo que uma nação, e uma nação não é o
mesmo que um alfaiate”.
Para coordenar e impulsionar a divisão social do trabalho em âmbito
nacional, segundo List, o Estado tem “o dever de impor certas normas e
restrições ao comércio, na salvaguarda dos interesses superiores da nação.
(...) o Estado não orienta os indivíduos sobre como empregar suas forças
produtivas e seu capital (...). Diz apenas: ‘É vantajoso para a nossa nação que
nós mesmos produzamos esse ou aquele artigo (...)’. Dessa forma, o Estado
não impõe restrição alguma ao trabalho privado; pelo contrário assegura um
campo maior e mais amplo de atividades aos recursos pessoais e financeiros e
naturais”. Afinal, o mercado interno é “dez vezes” mais importante que o
mercado externo.
Landes (1994), analisando a industrialização na Europa Ocidental
desde 1750 até a nossa época, conclui que a “industrialização, desde o
começo, foi um imperativo político”. E foi justamente na Alemanha que o
Estado fez “doações mais generosas” ao capital privado. A ação do Estado
nos países de industrialização atrasada deu-se na centralização do capital
dando capacidade de comando ao capital nacional para alavancar avanços
tecnológicos e na criação de canais de financiamento por meio da
generalização de sociedades por ação. Enquanto a Inglaterra especializou-se
no crédito comercial de curto prazo, os países atrasados utilizaram como
principal instrumento de centralização os bancos de investimentos com
aporte estatal (Oliveira, 1985). Além de centralizar e financiar o capital
nacional, o Estado nos países de industrialização atrasada controlava os
investimentos estrangeiros e incentivava a importação de máquinas e
equipamentos para completar a industrialização.
Apesar de exaltar o protecionismo, List o defende apenas como um
estágio necessário ao livre comércio mundial, porque o sistema nacional se
modifica de acordo com os estágios de progresso pelos quais cada país deve
passar. São três os estágios: no primeiro, o país adota o livre comércio com
nações mais desenvolvidas como mecanismo de sair do estado de barbárie e
para progredir na agricultura; no segundo estágio, adota o protecionismo para
promover o crescimento das indústrias, da pesca, da navegação e do
comércio exterior; após atingir elevado grau de desenvolvimento econômico,
passa para o último estágio, que é o livre comércio e a concorrência sem
restrições, afastando a indolência e a acomodação dos capitalistas nacionais.

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Com relação aos objetivos do comércio, List (1986) abomina
qualquer projeto de nação conduzido pelos comerciantes porque, se uma
nação ficar submetida aos interesses dos comerciantes, jamais constituirá
sistema industrial integrado, pois “o comerciante importa venenos da mesma
forma como importa remédios. Ele enfraquece nações inteiras com o ópio e
com licores alcoólicos. Não lhe importa, como homem de negócios, se, com
suas importações e contrabandos, dá ocupações e sustentos a centenas de
milhares de cidadãos, ou se com isso esses cidadãos são reduzidos à miséria.
(...) Em tempo de guerra, fornece ao inimigo armas e munições.” O
comerciante segue a mesma lógica de todo capitalista: acumulação pela
acumulação e, nesse caso, a acumulação se dá por meio da comercialização
de mercadorias, sejam elas produzidas internamente ou importadas, a procura
será determinada pelo preço.
Como já foi ressaltado, List via a ferrovia como fator de integração
nacional,14 condição necessária para a formação da nação. Defendia a
construção de um Sistema Nacional de Linha Férrea para todo o Império
Germânico e, para a Europa e Ásia, planejava uma interligação total por via
férrea. Seu planos foram executados em décadas posteriores com os adventos
da Zollverein que estimulou a construção de ferrovias conduzindo à unidade
nacional.15 Segundo Landes (1994), se somarmos os investimentos sobre a
demanda de bens de consumo, “parece lícito dizer que, na década de 1840, a
construção de ferrovias foi o mais importante estímulo isolado ao
crescimento industrial da Europa Ocidental”. As estradas de ferro exigiam
novos produtos e promoviam a inovação, “basta testemunhar a crescente
habilidade para moldar e manipular grandes massas de metal” (Landes,
1994). O transporte mais barato e rápido “significou matérias-primas mais
baratas e mão-de-obra mais móvel, além de mercados mais amplos” (Ibid).
Na Inglaterra, a construção das ferrovias deu-se por meio da ação de capitais
privados; nos Estados Unidos, na França e na Alemanha, “a própria

14 A conquista do oeste norte-americano e a descoberta do ouro na Califórnia aceleraram o


povoamento nos Estados Unidos, levando à construção das primeiras estradas de ferro nos anos 30 e 40 do
século XIX. A primeira foi a The Baltimore and Ohio inaugurada em 1830. Essas transformações foram
presenciadas por List que morou nos Estados Unidos de 1825 a 1830.
15 Os ingleses construíram na Índia uma rede ferroviária unificadora com objetivos de exploração
colonial, porém a rede também serviu para unificar o movimento de independência no século XX. Foi por
meio das ferrovias que Gandhi facilmente se locomoveu por toda Índia para difundir seus ensinamentos e
disseminar o movimento pela libertação nacional.

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transformação de recursos monetários em capital para a estrada de ferro
dependeu em maior ou menor grau da ação do Estado” (Oliveira, 1985).
A unidade nacional almejada por List veio concretizar-se somente em
1871 com a formação da Alemanha sob um imperador, Guilherme I. No bojo
da expansão do imperialismo, a Alemanha entra com projeto para construir
uma estrada de ferro para ligar Berlim – Bagdá, o que levou
descontentamentos a outras nações européias, que mais tarde culminaram na
Primeira Guerra Mundial.

4 A atualidade do pensamento de List

Alfred Marshall foi herdeiro direto da tradição histórica e do anti-


racionalismo clássico da Escola Alemã, que influenciou na sua visão
organicista da sociedade em oposição ao individualismo burguês. É no seio
dessa visão que J. M. Keynes passa a ter visão holística e sistêmica da
sociedade. Keynes não citava List, porém afirmava que a produção deveria
ter caráter nacional e a universalização ficaria reservada à literatura e às artes.
O capítulo 23 da Teoria geral é uma demonstração de que Keynes via o
protecionismo, ou mercantilismo, como algo positivo para implementar a
política de pleno emprego.
Não foram apenas Marshall e Keynes que List e a Escola Alemã
influenciaram; a CEPAL também bebeu nesta fonte, com destaque para Celso
Furtado. As teorias que deram sustentação ao modelo de substituição de
importações e ao nacional-desenvolvimentismo das décadas de 50 e 60, em
parte, foram baseadas no sistema nacional de List. Da mesma forma que List,
Furtado tece elogios às políticas protecionistas implementadas por Hamilton
nos Estados Unidos após as guerras da independência. Furtado nunca o citou,
mas incorporou seu pensamento sem reconhecê-lo.
Quando Furtado trabalha com a categoria “forças produtivas”, ela
tem o mesmo significado que em List: Estado, tecnologia, mercado interno,
indústria e comércio exterior. A articulação entre estas variáveis possibilita o
desenvolvimento econômico (Dantas, 1997). Outra característica que
aproxima List de Furtado é a história comparada como método para entender
o atraso de uma nação. Em várias passagens de Formação econômica do
Brasil, Furtado recorre à comparação entre Brasil e Estados Unidos para
explicar o nosso atraso, começando pelo tipo de colonização: de povoamento

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e de exploração. Para ambos, somente a história explica os fenômenos
econômicos (Dantas, 1997).

Referências bibliográficas
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DANTAS, José Adalberto Mourão. A economia política de List e o pensamento de
Celso Furtado. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 2,
São Paulo, 1997. Anais... São Paulo: PUC-SP/SEP, 1997.
DENIS, Henri. História do pensamento econômico. Lisboa: Livros Horizontes,
1982.
HUGON, Paul. Economistas célebres. São Paulo: Atlas, 1955.
LANDES, David. S. O prometeu desacorrentado: transformação tecnológica e
desenvolvimento industrial na Europa ocidental, desde 1750 até a nossa época.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
LIST, Georg Friedrich. Sistema nacional de economia política. São Paulo: Nova
Cultural, 1986. (Coleção Os Economistas).
MAURO, Frédéric. História econômica mundial 1790-1970. Rio de Janeiro: Zahar,
1976.
OLIVEIRA, Carlos Alonso Barbosa de. O processo de industrialização: do
capitalismo originário ao atrasado. Campinas: UNICAMP. IE, 1985. (Tese,
Doutorado).
OLIVEIRA, Francisco de (Org.). Celso Furtado. São Paulo: Ática, 1983 (Coleção
Grandes Cientistas Sociais).
SCHUMPETER, Joseph Alois. História da análise econômica. Rio de Janeiro:
Fondo de Cultura, 1964. v. 1.

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