Avaliação Do Risco Geotécnico de Taludes

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

ESCOLA DE ENGENHARIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL

Juliana Koltermann da Silva

AVALIAÇÃO DO RISCO GEOTÉCNICO DE TALUDES:


REVISÃO DE PRÁTICAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Porto Alegre
dezembro 2016
JULIANA KOLTERMANN DA SILVA

AVALIAÇÃO DO RISCO GEOTÉCNICO DE TALUDES:


REVISÃO DE PRÁTICAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Trabalho de Diplomação apresentado ao Departamento de


Engenharia Civil da Escola de Engenharia da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, como parte dos requisitos para obtenção do
título de Engenheira Civil

Orientador: Luiz Antônio Bressani

Porto Alegre
dezembro 2016
JULIANA KOLTERMANN DA SILVA

AVALIAÇÃO DO RISCO GEOTÉCNICO DE TALUDES:


REVISÃO DE PRÁTICAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Este Trabalho de Diplomação foi julgado adequado como pré-requisito para a obtenção do
título de ENGENHEIRA CIVIL e aprovado em sua forma final pelo/a Professor/a
Orientador/a e pela Comissão de Graduação (COMGRAD) da Engenharia Civil da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Porto Alegre, dezembro de 2016

Prof. Luiz Antônio Bressani


Ph.D. pela Imperial College London, Grã-Bretanha
Orientador

Prof. Washington Peres Núñez


Dr. pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Relator

BANCA EXAMINADORA

Prof. Luiz Antônio Bressani (UFRGS)


Ph.D. pela Imperial College London, Grã-Bretanha

Prof. Washington Peres Núñez (UFRGS)


Dr. pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Eli Antônio da Costa (UFRGS)


Me. pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Dedico este trabalho a meus pais, Régio e Tânia, pelo
amor incondicional e apoio incessante, que me
impulsionaram a conquistar meus sonhos.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus por ter me possibilitado a conclusão de mais uma etapa da
vida com saúde, muitos conhecimentos e experiências adquiridos, junto a pessoas das quais
me lembrarei para sempre.

Agradeço aos meus pais Tânia e Régio, e à minha irmã Débora, pelo companheirismo, amor e
atenção que sempre me dedicaram, em todos os momentos e, principalmente, naqueles que
mais precisei. Vocês me apoiaram em todos os meus projetos, me deram forças pra continuar
em frente nas situações difíceis e estavam sempre ao meu lado para comemorarmos as
conquistas. Somente consegui realizar esse sonho com vocês.

Agradeço também a todos os demais familiares, pela compreensão durante todos esses anos,
pelo carinho e pelas palavras reconfortantes e encorajadoras. Em especial, às minhas avós
Nelcy e Marina, e às minhas tias Nilce e Zuleide, que me acompanharam de perto em todos os
momentos da minha vida, me transmitindo ensinamentos e princípios, os quais contribuíram
para minha formação.

Agradeço a todos professores que tive durante minha vida acadêmica, desde o ensino
fundamental até o superior, que me instigaram a buscar mais conhecimento, a dar o melhor de
mim em todos os meus projetos e também, de alguma forma, a seguir a carreira da Engenharia
Civil.

Agradeço ao Prof. Luiz Antônio Bressani, orientador deste trabalho, pelas discussões sempre
muito pertinentes e produtivas sobre o assunto do trabalho, pelos conselhos e apoio recebidos
durante este último ano de graduação, e pelas aulas de Mecânica dos Solos II, que me
inspiraram a seguir a área geotécnica da Engenharia Civil.

Agradeço, por fim, às minhas amigas do Colégio Mãe de Deus, aos meus amigos presentes
desde os primeiros semestres de faculdade, aos amigos/flatmates conhecidos durante o meu
intercâmbio em Bristol e aos amigos adquiridos no decorrer do curso de graduação, em
especial àqueles que me acompanharam durante esses últimos semestres exaustivos e que me
apoiaram para chegar ao sonhado momento da colação de grau.
To see the world, things dangerous to come to, to see
behind walls, draw closer, to find each other and to feel.
That is the purpose of life.
The Secret Life of Walter Mitty
RESUMO

Este trabalho discute as diversas metodologias e práticas existentes no Brasil e em países


estrangeiros sobre Avaliação de Riscos Geotécnicos de Taludes, com ênfase em taludes
rodoviários. Primeiramente, abordaram-se os diferentes tipos de movimentos de massa aos
quais taludes naturais e projetados são suscetíveis, com uma atenção especial aos fatores
preparatórios, aos elementos desencadeadores de deslizamentos e aos indicadores visuais de
movimentação. Após, apresentaram-se os conceitos e a terminologia envolvida no âmbito de
gerenciamento de risco de deslizamentos, com o objetivo de uniformizar a interpretação dos
conceitos utilizados no decorrer do trabalho, juntamente com o framework utilizado para
padronizar as apresentações e a posterior análise das metodologias pesquisadas. Na primeira
parte do trabalho, expuseram-se duas metodologias brasileiras para avaliação de risco
geotécnico de taludes, uma com abordagem qualitativa, publicada pelo Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo, e outra de cunho quantitativo, proposta por Costa
(2005). Na segunda parte do trabalho, detalhou-se a metodologia apresentada por Fell et al.
(2005), que oferece métodos para realizar análises de risco geotécnico, tanto qualitativamente
quanto quantitativamente. Para facilitar o entendimento da aplicação dessa metodologia,
exibiu-se um exemplo de avaliação de risco de deslizamentos em um aterro rodoviário
hipotético e apresentaram-se adaptações da mesma para casos de estudos reais no Canadá, no
Nepal e na Austrália. Constatou-se que, apesar da relativa facilidade em se executar análises
qualitativas de risco geotécnico, essas não são recomendadas, especialmente quando avaliam
riscos a pessoas. Isso se deve ao grande teor de subjetividade dos descritores qualitativos
utilizados para a estimativa do risco. Concluiu-se que as abordagens puramente qualitativas
podem levar a um mau entendimento dos fatores que compõem o risco e, por isso, descritores
numéricos relacionados aos Fatores de Segurança dos taludes podem tornar-se uma alternativa
para a melhor compreensão do risco geotécnico nos projetos brasileiros. De fato, os Fatores
de Segurança dos taludes já são relacionados aos níveis de segurança desejados em projetos,
através da NBR 11.682 (2009). Uma abordagem qualitativa, de cunho numérico, apresenta-se
no momento como uma opção para evitar a caracterização do risco geotécnico como alto,
médio ou baixo, propiciando uma melhor compreensão do risco existente em taludes entre a
sociedade e os profissionais geotécnicos brasileiros.

Palavras-chave: Avaliação de Risco Geotécnico, Taludes, Metodologia.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Crescimento das perdas econômicas devido a desastres naturais ................... 17


Figura 2 – Tendência de ocorrência de desastres naturais ............................................... 18
Figura 3 – Diagrama com as etapas do trabalho .............................................................. 23
Figura 4 – Talude Natural ou Encosta .............................................................................. 26
Figura 5 – Talude de Corte e Talude de Aterro ................................................................ 26
Figura 6 – Dimensões geométricas básicas de uma encosta ............................................ 26
Figura 7 – Quedas de blocos rochosos ............................................................................. 30
Figura 8 – Corte de talude exemplificando matacão suscetível a rolamento ................... 31
Figura 9 – Tombamento de blocos rochosos .................................................................... 32
Figura 10 – Escorregamento Circular ou Rotacional ....................................................... 34
Figura 11 – Escorregamento Planar ou Translacional ..................................................... 35
Figura 12 – Escorregamento em Cunha ........................................................................... 36
Figura 13 – Espalhamento Lateral ................................................................................... 37
Figura 14 – Fluxo de detritos ........................................................................................... 38
Figura 15 – Rastejo de solo .............................................................................................. 39
Figura 16 – Relações entre definições básicas ................................................................. 47
Figura 17 – Elementos em risco a um deslizamento ........................................................ 48
Figura 18 – Framework para análise, avaliação e gerenciamento de risco geotécnico .... 49
Figura 19 – Função Densidade de Probabilidade Normal ................................................ 65
Figura 20 – Função Densidade de Probabilidade Triangular para probabilidades
subjetivas ............................................................................................................ 65
Figura 21 – Termos utilizados para o cálculo do Índice de Confiabilidade ..................... 68
Figura 22 – Relação entre Índice de Confiabilidade e Probabilidade de Ruptura para
um Fator de Segurança com distribuição de probabilidades Normal ................ 69
Figura 23 – Árvore de Eventos para modelo do processo de instabilização .................... 70
Figura 24 – Exemplo de gráfico indicando o critério de tolerância ao risco de uma
sociedade (Curva F-N) ....................................................................................... 88
Figura 25 – Deslizamento em um aterro rodoviário ........................................................ 93
Figura 26 –Avaliação da tolerabilidade de risco para sociedade através de uma Curva
F-N ..................................................................................................................... 97
Figura 27 – Modelos de frequência x volume dos deslizamentos para as várias
unidades de encosta ............................................................................................ 108
Figura 28 – Leiaute de planilha utilizada para um perigo, local e unidade de encosta
em particular ....................................................................................................... 110
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Classificação abreviada de movimentos de massa por Varnes (1978) .......... 29


Quadro 2 – Escala de Velocidades por Cruden e Varnes (1996) ..................................... 29
Quadro 3 – Classificação de deslizamentos por Augusto Filho (1992) ........................... 54
Quadro 4 – Critérios para a determinação dos graus de risco .......................................... 60
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Medidas qualitativas de possibilidade de um deslizamento ........................... 80


Tabela 2 – Medidas qualitativas de consequências à propriedade ................................... 83
Tabela 3 – Matriz qualitativa de análise de risco – classes de risco à propriedade .......... 87
Tabela 4 – Critérios para riscos toleráveis e aceitáveis em taludes projetados ................ 91
Tabela 5 – Fatores de Probabilidade (PF) ........................................................................ 100
Tabela 6 – Fatores de Consequência (CF) ....................................................................... 102
Tabela 7 – Níveis de resposta sugeridos e suas respectivas abordagens de
gerenciamento, conforme os níveis de risco ...................................................... 103
Tabela 8 – Matriz qualitativa de perigo de instabilidades de taludes, de acordo com o
tipo de ruptura .................................................................................................... 105
Tabela 9 – Matriz de qualitativa vulnerabilidade da rodovia ........................................... 106
Tabela 10 – Níveis de risco e soluções possíveis ............................................................. 106
Tabela 11 – Algumas vulnerabilidades para deslizamentos adotadas no projeto ............ 109
Tabela 12 – Nível de segurança desejado contra a perda de vidas humanas ................... 115
Tabela 13 – Nível de segurança desejado contra danos materiais e ambientais .............. 115
Tabela 14 – Fatores de segurança mínimos para deslizamentos ...................................... 115
LISTA DE SIGLAS

AGS – Australian Geomechanics Society

ALARP – As Low As Reasonably Practicable

CDF – Cumulative Distribution Function

CEPED/RS – Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres

IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

JTC-1 – Joint Technical Committee on Landslides and Engineered Slopes

LHD – Lawrence Hargrave Drive

ONU – Organização das Nações Unidas

PDF – Probability Density Function

SHT – Saskatchewan Highways and Transportation

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UNDRO – United Nations Disaster Relief Organization

UNISDR – The United Nations Office for Disaster Risk Reduction

WP/WLI – Working Party on World Landslide Inventory


LISTA DE SÍMBOLOS

C – consequência ou dano de um evento aleatório

Cst – prejuízo monetário

CF – fator de consequência

D – declividade (em porcentagem)

Dmd – número de moradias destruídas

E – elemento em risco

H – amplitude (em medida de comprimento)

L – comprimento na horizontal (em medida de comprimento)

LC:R – comprimento do carro ou a distância de reação

M – número de mortes

NR – número anual de deslizamentos atingindo a rodovia

NL – número de faixas afetadas pelo deslizamento

NV – número de carros por dia por faixa

P – probabilidade de ocorrência de um evento aleatório

PLS – estimativa do limite superior para a probabilidade condicional

PS – probabilidade anual de um carro ser atingido ou atingir um deslizamento

PS:H – probabilidade do impacto espacial do deslizamento na rodovia dado o evento

P(L) – frequência de deslizamento

P(LOL) – probabilidade anual de uma pessoa ser morta devido a um deslizamento

P(S:T) – probabilidade espacial temporal do elemento em risco


P(T:L) – probabilidade do deslizamento alcançar o elemento em risco

PF – fator de probabilidade

R – risco geotécnico

RD – probabilidade anual de perda de vida

R(prop) – perda anual de valor da propriedade

T – número de habitantes em uma moradia

V – valor de uma moradia

VD – vulnerabilidade do indivíduo dado o impacto do deslizamento no carro

VV = velocidade do carro em km/h

V(D:T) – vulnerabilidade da pessoa ao deslizamento

V(prop:S) – vulnerabilidade da propriedade ao deslizamento

α – inclinação (em medida de ângulo, geralmente graus)

β – índice de confiabilidade

µ - média dos fatores de segurança

σ – desvio padrão dos fatores de segurança


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 16
2 DIRETRIZES DE PESQUISA ................................................................................... 20
2.1 QUESTÃO DE PESQUISA ....................................................................................... 20
2.2 OBJETIVOS DA PESQUISA .................................................................................... 20
2.2.1 Objetivo Principal ................................................................................................. 20
2.2.2 Objetivos Secundários ........................................................................................... 21
2.3 PRESSUPOSTOS ...................................................................................................... 21
2.4 DELIMITAÇÕES ...................................................................................................... 21
2.5 LIMITAÇÕES ............................................................................................................ 22
2.6 DELINEAMENTO .................................................................................................... 22
3 MOVIMENTOS DE MASSA ..................................................................................... 25
3.1 DEFINIÇÃO DE CONCEITOS BÁSICOS ............................................................... 25
3.2 CLASSIFICAÇÃO DE MOVIMENTOS DE MASSA ............................................. 27
3.2.1 Quedas e rolamentos ............................................................................................. 30
3.2.2 Tombamentos ........................................................................................................ 31
3.2.3 Escorregamentos ou deslizamentos ..................................................................... 32
3.2.3.1 Escorregamentos Circulares ou Rotacionais ........................................................ 33
3.2.3.2 Escorregamentos Planares ou Translacionais ...................................................... 34
3.2.3.3 Escorregamentos em Cunha ................................................................................. 35
3.2.4 Espalhamentos ....................................................................................................... 36
3.2.5 Corridas .................................................................................................................. 37
3.2.6 Rastejos .................................................................................................................. 38
3.3 FATORES PREPARATÓRIOS E ELEMENTOS DESENCADEADORES ............ 40
3.4 INDICADORES VISUAIS DE MOVIMENTAÇÃO ............................................... 42
4 PRINCIPAIS DEFINIÇÕES E FRAMEWORK PARA AVALIAÇÃO DE
RISCO GEOTÉCNICO ............................................................................................ 43
4.1 PRINCIPAIS DEFINIÇÕES PARA AVALIAÇÕES DE RISCO GEOTÉCNICO .. 44
4.2 FRAMEWORK PARA AVALIAÇÕES DE RISCO GEOTÉCNICO ........................ 49
5 METODOLOGIA NACIONAL PARA AVALIAÇÃO DE RISCO
GEOTÉCNICO .......................................................................................................... 50
5.1 ABORDAGEM QUALITATIVA .............................................................................. 51
5.1.1 Modelo de Abordagem da ONU ........................................................................... 52
5.1.1.1 Identificação dos Riscos ....................................................................................... 52
5.1.1.2 Análise dos Riscos ............................................................................................... 53
5.1.2 Conceitos básicos para Análise de Risco ............................................................. 53
5.1.3 Descrição dos movimentos de massa, tipos e proposta de mapeamento .......... 53
5.1.3.1 Descrição dos movimentos de massa ................................................................... 53
5.1.3.2 Tipos de mapeamento ........................................................................................... 55
5.1.3.3 Proposta de método de mapeamento .................................................................... 56
5.1.4 Roteiro metodológico para Análise de Risco e Mapeamento de
Deslizamentos de Solo ............................................................................................... 57
5.2 ABORDAGEM QUANTITATIVA ........................................................................... 61
5.2.1 Considerações Fundamentais ............................................................................... 61
5.2.1.1Análise Determinística e Probabilística ................................................................ 62
5.2.1.2 Origem e Tipos de Incertezas ............................................................................... 63
5.2.1.3 Definições Estatísticas Básicas ............................................................................ 64
5.2.1.4 Fator de Segurança e Confiabilidade ................................................................... 65
5.2.1.5 Risco Geotécnico .................................................................................................. 66
5.2.1.5.1 Método de Monte Carlo .................................................................................... 67
5.2.1.5.2 Índice de Confiabilidade ................................................................................... 67
5.2.1.5.3 Consequências dos eventos adversos ................................................................ 69
5.2.1.5.4 Aceitabilidade do Risco Geotécnico ................................................................. 71
5.2.2 Proposta de Metodologia para Análise Probabilística de Taludes de Terra ... 72
5.2.2.1 Considerações iniciais .......................................................................................... 72
5.2.2.2 Análise Determinística Prévia .............................................................................. 73
5.2.2.3 Análise Probabilística ........................................................................................... 73
6 METODOLOGIA INTERNACIONAL PARA AVALIAÇÃO DE RISCO
GEOTÉCNICO .......................................................................................................... 77
6.1 AVALIAÇÃO DE RISCO DE DESLIZAMENTOS ................................................. 77
6.1.1 Definição do Escopo .............................................................................................. 77
6.1.2 Análise de Perigo ................................................................................................... 78
6.1.2.1 Caracterização do movimento de massa (ameaça) ............................................... 78
6.1.2.2 Análise de frequência ........................................................................................... 79
6.1.2.2.1 Abordagem qualitativa ...................................................................................... 80
6.1.2.2.2 Abordagem quantitativa .................................................................................... 81
6.1.3 Análise de Consequências ..................................................................................... 82
6.1.3.1 Abordagem qualitativa ......................................................................................... 83
6.1.3.2 Abordagem quantitativa ....................................................................................... 84
6.1.4 Estimativa de Risco ............................................................................................... 86
6.1.4.1 Abordagem qualitativa ......................................................................................... 86
6.1.4.2 Abordagem quantitativa ....................................................................................... 87
6.1.5 Critérios de aceitabilidade do risco ..................................................................... 90
6.2 EXEMPLO DE SITUAÇÃO HIPOTÉTICA: DESLIZAMENTO EM ATERRO
RODOVIÁRIO ............................................................................................................ 92
6.2.1 Definição do escopo do exemplo ........................................................................... 93
6.2.2 Caracterização do deslizamento .......................................................................... 93
6.2.3 Estimativa da frequência ...................................................................................... 94
6.2.4 Análise das Consequências ................................................................................... 95
6.2.5 Estimativa do risco geotécnico ............................................................................. 95
6.2.6 Avaliação do risco geotécnico estimado .............................................................. 96
6.3 APLICAÇÕES DA METODOLOGIA A CASOS REAIS ........................................ 97
6.3.1 Aplicação na malha rodoviária de Saskatchewan no Canadá .......................... 98
6.3.1.1 Classificação de perigos ....................................................................................... 99
6.3.1.2 Sistema de Gerenciamento de Deslizamentos ...................................................... 99
6.3.1.3 Análise de Risco ................................................................................................... 99
6.3.1.4 Circuito de Inspeção ............................................................................................. 103
6.3.2 Avaliação preliminar de risco de deslizamentos na rede rodoviária do Nepal 104
6.3.3 Aplicação de avaliação quantitativa de risco ao projeto de Lawrence
Hargrave Drive na Austrália ..................................................................................... 106
7 ANÁLISE DA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA ....................................................... 112
7.1 COMPARAÇÃO DAS METODOLOGIAS E ADAPTAÇÕES ............................... 112
7.2 SUGESTÕES DE ADAPTAÇÕES DE PRÁTICAS INTERNACIONAIS .............. 116
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 118
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 120
ANEXO A – Terminologia Qualitativa para uso em Análises de Risco à Propriedade .. 122
ANEXO B – Formulário de Inspeção de Campo ............................................................. 125
16

1 INTRODUÇÃO

Manifestações das forças da natureza sempre ocorreram no planeta, desde muito antes da
espécie humana se estabelecer em cidades, sendo fenômenos aleatórios e incontroláveis por
parte dos humanos. No âmbito de gestão de risco de desastres, esses fenômenos da natureza,
juntamente com fenômenos ocorridos por consequência de ações humanas, são nomeados
conforme o grau de impacto causado pela ocorrência do fenômeno sobre a população.
Segundo Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Centro de Estudos e Pesquisas sobre
Desastres/RS (2014, p. 5, grifo do autor), esses fenômenos são classificados em:

Eventos são fenômenos da natureza ou causados pela ação antrópica que ocorrem
sem causar danos ou prejuízos significativos [...]. Por exemplo: deslizamentos e
inundações que ocorrem em áreas não ocupadas, com consequências mínimas ao
homem e suas atividades [...].

Os eventos adversos, por outro lado, tratam da ocorrência desfavorável, prejudicial,


imprópria de eventos. Eles trazem danos e prejuízos à população ou ao ambiente.
Por exemplo: um determinado evento, como por exemplo, uma chuva forte sob uma
cidade, uma explosão química em uma indústria ou um período prolongado sem
chuvas em uma área agrícola, é chamado de evento adverso.

Ainda conforme Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Centro de Estudos e Pesquisas
sobre Desastres/RS (2014, p. 5), são os eventos adversos que podem causar desastres se eles
acontecerem em regiões habitadas vulneráveis. Os eventos de origem natural capazes de
causar “[...] danos humanos, ambientais e/ou materiais e prejuízos ao patrimônio público e
privado [...]” (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL; CENTRO DE
ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE DESASTRES/RS, 2014, p. 5) são também chamados de
ameaças (em inglês, danger) (ABGE; ABMS, 2013, p. 81). Um desastre é definido, portanto,
quando os danos mencionados acima são de grande porte, devido a eventos adversos de
elevada magnitude sobre um quadro vulnerável (BRASIL1, 2012 apud UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL e CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE
DESASTRES/RS, 2014, p. 5).

1
BRASIL. Instrução Normativa Nº 1, de 24 de agosto de 2012. Estabelece procedimentos e critérios para a
decretação de situação de emergência ou estado de calamidade pública pelos Municípios, Estados e pelo
Distrito Federal, e para o reconhecimento federal das situações de anormalidade decretadas pelos entes
federativos e dá outras providências. Brasília, DF, 2012.
__________________________________________________________________________________________
Juliana Koltermann da Silva. Porto Alegre: DECIV/EE/UFRGS, 2016
17

Com o crescimento populacional e, às vezes, o consequente crescimento desordenado das


cidades, os danos e as perdas causados por eventos adversos naturais tornaram-se cada vez
mais frequentes e maiores. Perdas em infraestrutura devido a essas ameaças são “[...]
significantes e continuam a escalar em uma taxa crescente” (KREIMER et al., 2003, p. 33,
tradução nossa). Segundo Kreimer et al. (2003, p. 33-34, tradução nossa), “Pesquisa indica
dois principais fatores que contribuem para essas perdas: aumento na concentração de pessoas
e bens em regiões suscetíveis a ameaças no mundo e o aumento na intensidade e frequência
de eventos severos relacionados ao clima”.

Munich Reinsurance Company2 (2002 apud KREIMER et al., 2003, p. 34, tradução nossa)
mostra que houve um aumento de quase oito vezes em perdas econômicas devido a desastres
naturais no mundo desde a década de 1960 (figura 1), sendo que as perdas econômicas per
capita em países em desenvolvimento foram 20 vezes maiores que as de países desenvolvidos,
devido à diferença de tamanho das economias desses países (BENDIMERAD3, 2000 apud
KREIMER et al., 2003, p. 34, tradução nossa). O aumento no número de desastres naturais no
mundo pode ser visto na figura 2, salientando-se que “[...] enquanto o número de ocorrências
de terremotos permaneceu relativamente estável com o tempo, a incidência de eventos
relacionados ao clima acelerou” (KREIMER et al., 2003, p. 34, tradução nossa).

Figura 1 – Crescimento das perdas econômicas devido a desastres naturais

(fonte: MUNICH REINSURANCE COMPANY, 2002 apud KREIMER, 2003, p. 34, tradução
nossa)

2
MUNICH REINSURANCE COMPANY. Topics: Annual Review: Natural Catastrophes 2001. Munich: 2002.
3
BENDIMERAD, F. “Megacities, Megarisk”. The Disaster Management Facility, World Bank. Washington,
D.C, 2000. Available from <http://www.worldbank.org/dmf/knowledge/megacities. htm> accessed June 2002.
__________________________________________________________________________________________
Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
18

Figura 2 – Tendência de ocorrência de desastres naturais

(fonte: MUNICH REINSURANCE COMPANY4, 2002 apud KREIMER, 2003, p. 35, tradução
nossa)

A partir do conhecimento de que os eventos adversos causam consequências em termos de


danos, ABGE; ABMS (2013, p. 26) definiram risco como sendo:

Uma medida de probabilidade e severidade de um efeito adverso à saúde, à


propriedade ou ao meio ambiente. O risco é frequentemente estimado pelo produto
da probabilidade de um fenômeno de uma dada magnitude, multiplicado por suas
consequências. No entanto, uma interpretação mais ampla de risco envolve uma
comparação entre a probabilidade e consequências sem o cálculo do seu produto.

E diante das tendências do cenário mundial com relação a desastres naturais, as Nações
Unidas realizaram, em março de 2015 na cidade de Sendai no Japão, uma conferência
mundial, onde foi adotado o Marco de Sendai para Redução de Risco de Desastre (THE
UNITED NATIONS OFFICE FOR DISASTER RISK REDUCTION, 2015, p. 5, tradução
nossa). O Marco de Sendai tem o objetivo de “Prevenir novos e reduzir riscos existentes de
desastres através da implementação de [...] medidas para prevenir e reduzir a exposição às
ameaças e a vulnerabilidade aos desastres, [...] fortalecendo a resiliência” (THE UNITED
NATIONS OFFICE FOR DISASTER RISK REDUCTION, 2015, p. 36, tradução nossa).

Neste contexto, o presente trabalho se enquadra na primeira prioridade de ação do Marco de


Sendai, que é o “[...] entendimento do risco do desastre em todas as suas dimensões de
vulnerabilidade, capacidade, exposição de pessoas e bens, características das ameaças e do
meio ambiente” (THE UNITED NATIONS OFFICE FOR DISASTER RISK REDUCTION,

4
MUNICH REINSURANCE COMPANY. Topics: Annual Review: Natural Catastrophes 2001. Munich: 2002.
__________________________________________________________________________________________
Juliana Koltermann da Silva. Porto Alegre: DECIV/EE/UFRGS, 2016
19

2015, p. 36, tradução nossa). Pois, tem como tema principal a apresentação e a comparação de
várias metodologias utilizadas atualmente no Brasil e no mundo para a realização de
avaliações de risco geotécnico, com ênfase em taludes rodoviários, proporcionando maior
compreensão sobre como são praticadas as etapas dessa análise em países desenvolvidos e no
Brasil.

É importante ressaltar que a infraestrutura rodoviária brasileira é, por vezes, suscetível a


eventos adversos relacionados a movimentos de massa no Brasil, devido à localização de
parte das rodovias serem ao lado de encostas. Os danos que vierem a ocorrer com a ruptura de
um talude rodoviário incluem não somente danos à rodovia em si e aos usuários da rodovia no
momento da ruptura, mas também danos indiretos, pelo fato de que se interrompida a rodovia,
a conexão de cidades será prejudicada.

Este trabalho também contribui em parte para uma das metas incluídas no Marco de Sendai, a
qual objetiva “Aumentar substancialmente o número de países com estratégias nacionais e
locais de redução de risco de desastres até 2020” (THE UNITED NATIONS OFFICE FOR
DISASTER RISK REDUCTION, 2015, p. 36, tradução nossa). Tendo o amparo dessas
medidas internacionais, e também, do reconhecimento nacional da necessidade de se abordar
a questão do risco devido a eventos adversos de origem natural, este trabalho espera colaborar
para a conscientização de que investimentos aplicados em infraestruturas, para torná-las mais
resilientes a desastres e diminuir o risco, não somente reduzem gastos de reconstrução e
perdas econômicas, mas também diminuem o número de mortes e de pessoas afetadas por
esses fenômenos da natureza, caso o desastre venha a ocorrer.

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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2 DIRETRIZES DA PESQUISA

As diretrizes utilizadas para o desenvolvimento deste trabalho são apresentadas neste capítulo,
sendo subdividas nos seguintes tópicos: questão de pesquisa; objetivos da pesquisa;
pressupostos da pesquisa; delimitações; limitações; e delineamento. Inicialmente, o trabalho
tinha como objetivo realizar uma análise de risco geotécnico em um trecho de rodovia,
entretanto, devido a problemas com a obtenção e manipulação de dados, a parte de aplicação
prática dos conhecimentos adquiridos não foi abordada no presente trabalho.

2.1 QUESTÃO DE PESQUISA

Para este trabalho, formulou-se a seguinte questão de pesquisa: através de uma análise de
metodologias nacionais e internacionais para avaliação de risco geotécnico de taludes, como
adaptar práticas internacionais ao contexto brasileiro, de forma que possibilitem uma
abordagem mais numérica para análises de risco de taludes?

2.2 OBJETIVOS DA PESQUISA

A partir da formulação da questão de pesquisa foram estabelecidos os objetivos da pesquisa,


compreendendo os objetivos principal e secundários descritos a seguir.

2.2.1 Objetivo Principal

Este trabalho tem como objetivo principal analisar e comparar as diferentes metodologias
nacionais e internacionais pesquisadas, a fim de determinar quais práticas aplicadas em países
desenvolvidos poderiam ser adaptadas para complementar as técnicas brasileiras de análise de
risco geotécnico, proporcionando uma abordagem com um cunho numérico e contribuindo
para diminuir a subjetividade dos resultados usualmente encontrados na maioria das análises
atuais no Brasil.

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2.2.2 Objetivos Secundários

Este trabalho tem como objetivos secundários:

a) classificar e caracterizar os movimentos de massa que possam estar presentes


em taludes;
b) revisar a metodologia brasileira referente à avaliação de risco geotécnico para
eventos de movimentos de massa;
c) revisar a metodologia internacional de países desenvolvidos referente à
avaliação de risco geotécnico para eventos de movimentos de massa;
d) apresentar um exemplo fictício e adaptações da metodologia internacional a
casos reais.

2.3 PRESSUPOSTOS

Este trabalho tem por pressuposto que uma análise quantitativa da probabilidade de ruptura de
um talude realizada a partir do uso da Teoria das Probabilidades é considerada adequada para
fenômenos geotécnicos, sendo utilizada por profissionais da área (BRESSANI; COSTA,
2007, p. 15); sendo assim não tem o propósito de sugerir metodologias inovadoras para a
análise de risco geotécnico com abordagem quantitativa. Além disso, o trabalho terá como
base um framework amplamente empregado internacionalmente por engenheiros responsáveis
por análises de risco (ABGE; ABMS, 2013, p. 29), considerando tal metodologia capaz de
gerar resultados confiáveis. Não é uma finalidade do trabalho validar a competência desse
método na avaliação de situações de risco.

2.4 DELIMITAÇÕES

Uma vez que avaliações de riscos podem englobar muitas situações de eventos adversos, tanto
de origem natural como tecnológica, este trabalho se delimita a pesquisar metodologias de
avaliação de risco geotécnico devido a movimentos de massa em taludes rodoviários, sendo
que, devido à falta de um procedimento padrão para taludes rodoviários publicado por algum
órgão nacional, uma metodologia brasileira para análise de risco de taludes urbanos também
será apresentada. Há de se considerar que existem diferenças entre taludes rodoviários e
urbanos, principalmente relativas ao uso do talude, à ocupação humana e à possibilidade de se
obter informações geotécnicas a partir de ensaios.
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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2.5 LIMITAÇÕES

Este trabalho tem como limitações:

a) as metodologias apresentadas no trabalho são aquelas que foram selecionadas a


partir de critérios da autora;
b) as adaptações sugeridas como resultado final não serão validadas através de
uma aplicação a caso real neste trabalho.

2.6 DELINEAMENTO

As etapas que serão seguidas para a execução deste trabalho são descritas abaixo e também
são apresentadas na figura 3, a fim de explicitar as relações entre as diversas etapas ao longo
do desenvolvimento do trabalho.

a) revisão bibliográfica sobre movimentos de massa;


b) revisão bibliográfica sobre metodologias nacionais para avaliação de risco
geotécnico em taludes, com abordagens qualitativa e quantitativa;
c) revisão bibliográfica sobre metodologias internacionais para avaliação de risco
geotécnico em taludes rodoviários, com abordagens qualitativa e quantitativa;
d) exposição de exemplo de uma situação hipotética e adaptações da metodologia
internacional a casos reais;
e) análise e comparação das metodologias pesquisadas;
f) sugestões de adaptação de práticas internacionais para metodologias brasileiras
de análise de risco geotécnico;
g) considerações finais.

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Figura 3 – Diagrama com as etapas do trabalho

(fonte: elaborada pela autora)

A primeira etapa do trabalho consiste em uma revisão bibliográfica sobre movimentos de


massa necessária para o embasamento adequado da pesquisa. Foram apontados conceitos
básicos de definição e caracterização de taludes, seguidos da apresentação de uma
classificação de movimentos de massa, a qual é amplamente adotada por engenheiros
geotécnicos mundialmente. Após, cada movimento de massa presente nessa classificação foi
detalhado com suas principais características físicas e geotécnicas. Por fim, fatores
preparatórios, elementos desencadeadores e indicadores visuais de movimentação dos
diversos movimentos de massa foram expostos.

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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A segunda etapa refere-se ao desenvolvimento da pesquisa, através da exposição de


metodologias nacionais e internacionais sobre avaliação de risco geotécnico em taludes.
Primeiramente, conceitos básicos para o entendimento do trabalho e um framework para
análise, avaliação e gerenciamento de risco geotécnico foram abordados e exibidos em um
capítulo à parte, a fim de facilitar a apresentação dessas definições importantes ao leitor.

Para a parte de metodologia nacional, foram detalhadas uma metodologia de análise de risco
geotécnico em taludes urbanos, de abordagem qualitativa, e uma metodologia de análise de
risco geotécnico de taludes naturais, utilizando uma abordagem quantitativa para a
determinação da probabilidade de ruptura do talude. Já para a metodologia internacional,
além da apresentação de metodologias de avaliação de risco geotécnico para taludes, com
abordagens qualitativa e quantitativa, um exemplo de uma situação hipotética e algumas
adaptações das metodologias para situações de taludes rodoviários reais em diversos países
foram explicitados neste trabalho, com fins de demonstrar a aplicabilidade dessas
metodologias a situações encontradas no cotidiano de engenheiros geotécnicos.

A terceira e última etapa do trabalho consiste em analisar e comparar as metodologias


encontradas através da pesquisa bibliográfica, determinando quais práticas internacionais
poderiam ser adaptadas ao contexto atual brasileiro, a fim de complementar as metodologias
empregadas usualmente no país no que tange a análise de risco geotécnico de taludes
rodoviários. Com a realização da avaliação das metodologias, foi possível estabelecer
sugestões de adaptação das práticas internacionais, completando-se, então, o objetivo
principal do trabalho. Finalmente, foram apresentadas considerações finais a respeito da
pesquisa e dos assuntos pertinentes a ela.

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Juliana Koltermann da Silva. Porto Alegre: DECIV/EE/UFRGS, 2016
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3 MOVIMENTOS DE MASSA

Os movimentos de massa consistem nas ameaças mais frequentes a que rodovias e estruturas
em geral localizadas ao longo de encostas estão submetidas. Primeiramente, é preciso definir
os conceitos básicos referentes a esse tipo de fenômeno, que serão aplicados no resto do
trabalho, para que não gere confusão aos leitores. Logo após a definição dos conceitos, será
apresentada a classificação de movimentos de massa utilizada na pesquisa, seguida da
caracterização e do detalhamento dos movimentos de massa presentes na mesma. Para
finalizar o capítulo, serão descritos os elementos desencadeadores e fatores preparatórios de
movimentos de massa, e os indicadores visuais de movimentação.

3.1 DEFINIÇÃO DE CONCEITOS BÁSICOS

Inicialmente, é necessário definir os conceitos de encosta e talude, além de fazer uma


distinção entre os tipos de talude existentes e uma apresentação dos parâmetros geométricos
pelos quais eles são caracterizados. Após, é exposta uma definição de movimentos de massa.

Entende-se que taludes sejam “[...] extensões de solo com declividades mensuráveis e que
podem sofrer deslocamentos em função da sua inclinação” (BRESSANI, 2016). A partir dessa
definição, há uma divisão, diferenciando os taludes conforme a atuação do homem ou não
sobre o talude em:

a) Taludes Naturais ou Encostas: “[...] encostas de maciços terrosos, rochosos


ou mistos, de solo e/ou rocha, de superfície não horizontal, originados por
agentes naturais” (CARVALHO et al., 2007, p. 29);
b) Taludes Artificiais ou Taludes: encostas que foram modificadas
expressivamente através de ações humanas (BRESSANI, 2016), sendo
subdivididos em:
- Talude de Corte: “[...] definido como um talude, resultante de algum processo
de escavação executado pelo homem” (CARVALHO et al., 2007, p. 30);
- Talude de Aterro: “[...] refere-se aos taludes originados pelo aporte de
materiais, tais como, solo, rocha e rejeitos industriais ou de mineração”
(CARVALHO et al., 2007, p. 30).

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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Exemplos esquemáticos de talude natural/encosta e taludes de corte e aterro são mostrados


nas figuras 4 e 5, respectivamente.

Figura 4 – Talude Natural ou Encosta Figura 5 – Talude de Corte e Talude de Aterro

(fonte: CARVALHO et al., 2007, p. 29) (fonte: CARVALHO et al., 2007, p. 30)

Os taludes são caracterizados geometricamente por dois parâmetros básicos: sua inclinação e
sua declividade. Tendo a figura 6 como modelo para a determinação desses parâmetros, são
definidas:

a) Inclinação: representa “[...] o ângulo médio da encosta com o eixo horizontal


medido, geralmente, a partir de sua base” (CARVALHO et al., 2007, p. 30).
Ver fórmula 1;
b) Declividade: equivalente ao “[...] ângulo de inclinação em uma relação
percentual entre o desnível vertical (H) e o comprimento na horizontal (L) da
encosta” (CARVALHO et al., 2007, p. 30). Ver fórmula 2.

Figura 6 – Dimensões geométricas básicas de uma encosta

(fonte: adaptado de CARVALHO et al., 2007, p. 30)

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α = ARCTAN (H/L) (fórmula 1)

D = (H/L) x 100 (fórmula 2)

Onde:
α = Inclinação (em medida de ângulo, geralmente graus);
D = Declividade (em porcentagem);
H = Amplitude;
L = Comprimento na Horizontal.

Finalmente, um movimento de massa pode ser definido conforme Selby5 (1993, p. 249 apud
HOLCOMBE, 2015, tradução nossa) como:

Movimento de massa é o movimento encosta abaixo de material de solo ou rocha


sob a influência da gravidade sem a ajuda direta de outros meios como água, ar ou
gelo.

[...] água e gelo, entretanto, são frequentemente envolvidos por reduzir a resistência
do material da encosta e contribuir para o comportamento plástico e fluido dos solos.

3.2 CLASSIFICAÇÃO DE MOVIMENTOS DE MASSA

Conforme Highland e Bobrowsky (2008, p. 6) “As classificações de diferentes tipos de


deslizamentos são associadas a mecanismos específicos de falhas em taludes e às
propriedades e características desses tipos de falhas geológicas”. Na colocação acima, o
vocábulo “deslizamentos” pode ser compreendido como um termo genérico para movimentos
de massa, cuja definição foi apresentada na seção anterior.

As Sociedades Internacionais Geotécnicas da UNESCO formaram na década de 1990 um


grupo de trabalho chamado Working Party on World Landslide Inventory (WP/WLI), como
parte dos esforços mundiais em prol da Década Internacional para Redução de Desastres
Naturais. No relatório final gerado pelo grupo, foi usada a classificação de Varnes elaborada

5
SELBY, M. J. Hillslope Materials and Processes. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press, 1993.
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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em 1978 e atestado que essa classificação é mais amplamente utilizada (THE GEOLOGICAL
SOCIETY, s. d., tradução nossa). Já que este trabalho abordará metodologias nacionais e
internacionais de análise de risco, a classificação de movimentos de massa a ser adotada no
trabalho será a de Varnes, por ser a mais aplicada mundialmente.

A classificação de movimentos de massa proposta por Varnes em 1978 possui dois termos
que, quando unidos, formam a denominação do movimento. O primeiro termo refere-se ao
tipo de movimento e “[...] descreve como o movimento do deslizamento é distribuído através
da massa deslocada”, sendo “Os cinco tipos cinematicamente distintos [...] descritos na
sequência quedas, tombamentos, escorregamentos/deslizamentos, escoamentos e corridas”
(THE GEOLOGICAL SOCIETY, s. d., tradução nossa). O segundo termo descreve o tipo de
solo deslocado pelo movimento de massa, divididos em (VARNES6, 1978 apud THE
GEOLOGICAL SOCIETY, s. d., tradução nossa):

a) Rocha: é uma massa rija ou firme que estava intacta e no seu lugar natural antes
do início do movimento;

b) Solo: é um agregado de partículas sólidas, geralmente de minerais e rochas, que


ou foi transportado ou foi formado pelo intemperismo da rocha do lugar. Gases e
líquidos ocupando os poros do solo formam parte do solo;

c) Terra: descreve material no qual 80% ou mais das partículas são menores que
2mm, o limite superior de partículas do tamanho de areia;

d) Lama: descreve material no qual 80% ou mais das partículas são menores que
0,06mm, o limite superior de partículas do tamanho de silte;

e) Detritos: contém uma proporção significativa de material grosseiro, 20% a 80%


das partículas são maiores que 2mm, e o restante são menores que 2mm.

O sistema de classificação de Varnes (1978) pode ser compactado e resumido no quadro 1 a


seguir.

Em 1996, Cruden e Varnes propuseram uma escala de velocidades para os movimentos de


massa, complementando a classificação apresentada por Varnes em 1978. Nessa escala
(quadro 2), foram estabelecidas relações entre velocidades, taxas de movimentação, descrição
e prováveis efeitos destrutivos causados pelos movimentos de massa (CRUDEN; VARNES,
1996, p. 58-59, tradução nossa).

6
VARNES, D. J. Slope movement types and processes. In: LANDSLIDES: ANALYSIS AND CONTROL,
1978, Washington D. C., USA. Special Report 176... Transportation and Road Research Board, National
Academy of Science, 1978, p. 11-33.
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Quadro 1 – Classificação abreviada de movimentos de massa por Varnes (1978)

(fonte: adaptado de VARNES7, 1978 apud THE GEOLOGICAL SOCIETY, s. d., tradução nossa)

Quadro 2 – Escala de Velocidades por Cruden e Varnes (1996)

(fonte: adaptado de CRUDEN; VARNES, 1996, p. 58-59, tradução nossa)

Os movimentos de massa presentes na classificação de Varnes (1978) serão detalhados nos


subitens no decorrer dessa seção. Os deslizamentos serão apresentados na seguinte ordem:

7
VARNES, D. J. Slope movement types and processes. In: LANDSLIDES: ANALYSIS AND CONTROL,
Washington D. C., USA. Special Report 176... Transportation and Road Research Board, National Academy
of Science, 1978, p. 11-33.
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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quedas (e rolamentos) de rocha, tombamentos de rocha, escorregamentos (rotacionais,


translacionais e em cunha), espalhamentos, fluxos de detritos rápidos (corridas) e fluxos de
terra lentos (rastejos).

3.2.1 Quedas e rolamentos

As quedas de rocha são movimentos verticais para baixo, em que não há significativo
deslocamento de massa causado por cisalhamento (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p.
8). As massas de rocha (na forma de blocos e/ou lascas de rochas) se desprendem de taludes
íngremes ou penhascos com velocidades muito rápidas em queda livre (em uma ordem de
grandeza de m/s) (CARVALHO et al., 2007, p. 37). Durante o deslocamento da massa de
rocha, o material pode se chocar contra partes inferiores do talude, causando saltos ou, até
mesmo, a quebra do material com consequente rolamento das partes menores até uma cota
mais baixa do terreno, como pode ser visto na figura 7. O volume de material deslocado em
uma queda pode variar expressivamente, de blocos individuais (também conhecidos como
matacões) a centenas de metros cúbicos de rocha (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 8).

Figura 7 – Quedas de blocos rochosos

(fonte: HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 10)

As quedas e rolamentos ocorrem mundialmente onde há a presença de afloramentos rochosos


em talude íngremes, de origem natural ou artificiais de escavação, como: taludes litorâneos ou
de rios, cortes em rocha, frentes de exploração de pedreiras, etc. Esses movimentos são

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causados pela existência de descontinuidades nos maciços rochosos. Ciclos de dilatação e


contração da rocha, ocasionados por condições climáticas diferenciadas, e ações antrópicas
potencializam e aceleram o desencadeamento desse tipo de movimento (CARVALHO et al.,
2007, p. 37; HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 8-9).

Os rolamentos de matacões são mais característicos de solos derivados de rochas graníticas


nos quais, segundo Carvalho et al. (2007, p. 39), “[...] existe maior predisposição a origem de
matacões de rocha sã, isolados e expostos em superfície”. A figura 8 mostra um corte
esquemático de um talude com presença de bloco rochoso suscetível a rolamento.

Figura 8 – Corte de talude exemplificando matacão suscetível a rolamento

(fonte: CARVALHO et al., 2007, p. 39)

Como consequências a propriedades, devidas a quedas ou rolamentos rochosos, tem-se uma


alta possibilidade de danos a estruturas localizadas abaixo da linha de queda das rochas e a
veículos e/ou estruturas que estejam no trajeto de rolamento dos matacões, assim como, danos
elevados para rodovias e ferrovias, que podem ficar bloqueadas após o acontecimento de um
evento. Esse tipo de movimento também promove um risco elevado à vida de pessoas, já que
os blocos rochosos podem atingir casas e veículos tanto em quedas quanto em rolamentos
(HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 9).

3.2.2 Tombamentos

Conforme Carvalho et al. (2007, p. 38), os tombamentos, assim como os outros movimentos
em rocha, ocorrem predominantemente em taludes íngremes com fraturas e diaclases
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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verticais, entretanto geralmente são movimentos mais lentos e possuem um mecanismo de


movimentação muito diferente dos anteriores. O tombamento é caracterizado por um
movimento de “[...] rotação frontal de uma massa de solo ou rocha para fora do talude, em
torno de um ponto, ou eixo, abaixo do centro de gravidade da massa deslocada” (ver figura 9)
(HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 11).

Figura 9 – Tombamento de blocos rochosos

(fonte: HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 12)

As principais ocorrências são notadas em taludes de corte, onde ocorre o desconfinamento das
descontinuidades devido à mudança de geometria do talude, promovendo o movimento de
blocos de rocha. Quando do seu acontecimento em taludes rodoviários, pode ocasionar danos
muito destrutivos, especialmente se a ruptura for repentina e/ou sua velocidade for alta, o que
pode ser possível se a distância de deslocamento do bloco de rocha for elevada (HIGHLAND;
BOBROWSKY, 2008, p. 11).

3.2.3 Escorregamentos ou deslizamentos

Os escorregamentos, também conhecidos como deslizamentos, são movimentos de massa


com velocidades consideráveis (de m/h a m/s), onde é possível se estabelecer claramente uma
superfície de ruptura, com limites e profundidades definidos, determinando de forma
aproximada o volume de material que pode ser movimentado ou já se moveu. Esse tipo de

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movimento pode acontecer com vários tipos de material, como solo, saprolito, rocha e
depósitos (CARVALHO et al., 2007, p. 34).

Os deslizamentos também diferem entre si pela geometria da superfície de ruptura, a qual


varia de acordo com os planos de fraqueza ou estruturas de baixa resistência existentes no
maciço. A existência desses planos é condição essencial para a formação desses movimentos
(CARVALHO et al., 2007, p. 35). De acordo com esse parâmetro, os escorregamentos são
divididos em: circulares ou rotacionais, planares ou translacionais, e em cunha. (CARVALHO
et al., 2007, p. 34-35).

3.2.3.1 Escorregamentos Circulares ou Rotacionais

Este tipo de escorregamento é frequente em materiais homogêneos e é o tipo de deslizamento


mais corriqueiro em aterros, podendo ter uma velocidade que varia de muito vagarosa a
rápida. Ele também pode ser relacionado a taludes com inclinação de 20 a 40 graus
(HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 13). Além dos aterros, escorregamentos rotacionais
(figura 10) são também característicos em pacotes de solo ou depósitos espessos e em rochas
sedimentares ou cristalinas muito fraturadas. Se comparados com os escorregamentos
translacionais, os deslizamentos circulares têm raio de alcance menor (CARVALHO et al.,
2007, p. 35).

Highland e Bobrowsky explicam o movimento de escorregamento rotacional da seguinte


forma (2008, p. 13):

É um tipo de deslizamento em que a superfície da ruptura é curvada no sentido


superior (em forma de colher) e o movimento da queda de barreira é mais ou menos
rotatório em torno de um eixo paralelo ao contorno do talude. A massa deslocada
pode, sob certas circunstâncias, mover-se de maneira relativamente coerente, ao
longo da superfície de ruptura e com pouca deformação interna. O topo do material
deslocado pode mover-se quase que verticalmente para baixo e a parte superior
desse material pode inclinar-se para trás em direção ao talude.

Segundo os mesmos autores, esse tipo de escorregamento usualmente não oferece risco a
vidas, caso sua velocidade seja lenta, mas podem causar muitos danos a estruturas, redes de
abastecimento e rodovias. Esses danos podem alcançar altos valores especialmente quando
essas estruturas estiverem sobre ou dentro da massa, se ela for deslocada pelo movimento
(HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 14).

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Figura 10 – Escorregamento Circular ou Rotacional

(fonte: HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 14)

3.2.3.2 Escorregamentos Planares ou Translacionais

Dentre os tipos de escorregamento, um dos mais comuns pelo mundo são os escorregamentos
translacionais, já que eles ocorrem em todos os tipos de ambientes e condições. Sua extensão
pode variar de algumas centenas de metros quadrados até quilômetros quadrados, mas
geralmente são mais rasos que os escorregamentos rotacionais. A velocidade desse tipo de
movimento é bastante variável também, ele pode iniciar-se lento e chegar a velocidades
moderadas, muitas vezes, ou até a altas velocidades. Entretanto, quando atingidas velocidades
elevadas, esse tipo de movimento pode se transformar em corrida (HIGHLAND;
BOBROWSKY, 2008, p. 16).

Nas regiões serranas brasileiras, os escorregamentos planares são bastante frequentes,


principalmente em solos pouco desenvolvidos em encostas com altas inclinações, mas
também podem acontecer em solos saprolíticos, saprolitos e rochas (quando da existência de
planos de fraqueza desfavoráveis à estabilidade do maciço). Como pode ser visto na figura 11,
sua forma é muitas vezes retangular, onde o comprimento da massa deslocada é
proporcionalmente muito maior que sua largura (CARVALHO et al., 2007, p. 35).

O mecanismo de movimentação dos escorregamentos translacionais é esclarecido por


Highland e Bobrowsky (2008, p. 16):

A massa [...] move-se para fora, ou para baixo e para fora, ao longo de uma
superfície relativamente plana, com pequeno movimento rotacional ou inclinação
para trás. Este tipo de deslizamento pode progredir por distâncias consideráveis, se a
superfície da ruptura estiver suficientemente inclinada, ao contrário dos
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escorregamentos rotacionais, que tendem a restaurar o equilíbrio do deslizamento.


[...] Escorregamentos translacionais comumente ocorrem ao longo de
descontinuidades geológicas [...] ou o ponto de contato entre rocha e solo.

Quanto aos danos provocados pelos deslizamentos deste tipo, os autores acima indicam que
esses movimentos somente arriscam a vida de pessoas quando se dão em altas velocidades. Se
o movimento for lento, ele poderá causar danos a propriedades e/ou redes de abastecimento
(HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 17).

Figura 11 – Escorregamento Planar ou Translacional

(fonte: HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 17)

3.2.3.3 Escorregamentos em Cunha

Os escorregamentos em cunha são mais relacionados a saprolitos e rochas (em taludes de


corte ou em taludes que passaram por desconfinamento), não tendo, por isso, muita relevância
em especificá-los neste trabalho com tantos detalhes, da mesma forma que foi feito para os
deslizamentos descritos nos subitens anteriores. É importante saber que esse tipo de
movimento depende da existência de dois planos de falhas não favoráveis à estabilidade do
maciço (figura 12), sendo eles mesmos a condição necessária para o movimento ao longo do
eixo de interseção dos planos (CARVALHO et al., 2007, p. 36).

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Figura 12 – Escorregamento em Cunha

(fonte: CARVALHO et al., 2007, p. 36)

3.2.4 Espalhamentos

Segundo Highland e Bobrowsky (2008, p. 19), espalhamentos ou espalhamentos laterais são


movimentos de massa que ocorrem em terrenos planos ou taludes de baixa inclinação onde
existam uma camada de rocha ou solo coesivo em cima de uma camada menos rígida e mais
fraca (figura 13). Quando as rupturas acontecem, geralmente ocorre também um afundamento
geral em direção à camada inferior, como descrito a seguir (HIGHLAND; BOBROWSKY,
2008, p. 19, grifo nosso):

Nos espalhamentos de solos rochosos, a parte sólida se estende e rompe, movendo-


se, vagarosamente da posição estável para cima da camada mais fraca, sem que
necessariamente se forme uma superfície de ruptura identificável. A camada menos
rígida, em determinadas condições, pode ser espremida para cima e para dentro da
fissura que divide os blocos rochosos. Em espalhamentos de terra, a camada
superior estável estende-se ao longo da camada inferior mais fraca que flui, após
uma liquefação ou deformação plástica. Se a camada inferior for relativamente
grossa, o bloco partido da camada superior poderá afundar, virar, girar, desintegrar,
liquefazer ou até mesmo fluir.

A área afetada pelo movimento pode variar, começando em uma parte pequena do terreno e
evoluindo para centenas de metros de amplitude. Da mesma forma, as velocidades variam de
lentas a moderadas chegando a ser rápidas, conforme a saturação aquosa das camadas de solo
(HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 19-20).

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Figura 13 – Espalhamento Lateral

(fonte: HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 21)

A ocorrência de espalhamentos laterais está ligada a características do solo e do local, por isso
eventos de movimento de massa desse tipo acontecem somente onde há solos os quais possam
sofrer liquefação ou em áreas com atividades sísmicas. Eles são desencadeados por
mecanismos que desestabilizem a camada inferior menos rígida, como: terremotos (causam
liquefação), sobrecarga do terreno, saturação das camadas do subsolo, erosão na base de um
talude (causa liquefação), deformação plástica de uma camada de solo profunda e instável. Os
danos causados por escoamentos geralmente são restritos a danos a estruturas e propriedades,
como rodovias e edifícios, podendo ser elevados (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 19-
20).

3.2.5 Corridas

Corridas ou fluxos são um dos tipos de movimentos de massa mais rápidos e com maior raio
de alcance e, por isso, são um dos mais destrutivos. Carvalho et al. (2007, p. 39) apontam que
“As corridas de massa são movimentos gravitacionais de massa complexos, ligados a eventos
pluviométricos excepcionais [...], sendo o seu escoamento ao longo de um ou mais canais de
drenagem [...]”, como pode ser visto na figura 14. Highland e Bobrowsky caracterizam com
mais detalhe o fluxo de detritos, que é um movimento que carrega grandes quantidades de
solo solto, rochas e, às vezes, material orgânico, misturados à água, formando um fluxo cujo
comportamento se assemelha a um líquido viscoso (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p.
22).

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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Figura 14 – Fluxo de detritos

(fonte: HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 24)

Os fluxos de detritos ocorrem por todo o mundo, especialmente em ravinas íngremes e


cânions. Eles podem ser delgados ou espessos, seus tamanho e extensão são geralmente
associados com a dimensão dos taludes nos quais são originados e sua velocidade varia
conforme a consistência da massa deslocada e a inclinação do talude, alcançando magnitudes
de até aproximadamente 60 km/h. Ao cessar o movimento, os detritos e a lama formam
depósitos triangulares e cônicos nas bases dos taludes de origem dos materiais, conhecidos
como cone de detritos (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 22).

As consequências de corridas são bastante danosas devido à alta velocidade de movimento


das partículas, do grande volume de sedimentos e potencial de transporte e soterramento de
estruturas, veículo e residências pelos detritos e sedimentos deslizados talude abaixo.
Também, como a previsão desse tipo de movimento de massa é difícil, quando da ocorrência
de corridas, muitas vítimas fatais podem acontecer (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p.
23).

3.2.6 Rastejos

Segundo Highland e Bobrowsky, os rastejos são os movimentos de massa mais frequentes no


mundo, com maior número de ocorrências se comparados com deslizamentos mais rápidos e
mais danosos. Podem chegar a movimentar massas de dimensões regionais ou somente áreas
de proporções pequenas, mas em todos os casos, devido a sua velocidade extremamente lenta

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Juliana Koltermann da Silva. Porto Alegre: DECIV/EE/UFRGS, 2016
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(inferior a um metro por década – mm ou cm por ano), se torna complicado definir os limites
da movimentação (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 33).

Highland e Bobrowsky ainda complementam (2008, p. 33):

Este tipo de deslocamento é causado por tensão de cisalhamento interna suficiente


para causar deformação, mas insuficiente para causar rupturas. Geralmente, existem
três tipos de rastejo: (1) sazonal, no qual o movimento ocorre [...] afetado por
alterações sazonais, em sua mistura e temperatura; (2) contínuo, no qual a tensão de
cisalhamento contínua excede a resistência do material; e (3) progressivo, no qual os
taludes atingem o ponto de ruptura gerando outros tipos de movimentação do
terreno.

Os rastejos se caracterizam principalmente pelo movimento nas camadas superiores do solo


(figura 15) e nas camadas de transição entre solo e rocha, mas também há a possibilidade de
ocorrência de rastejos em rocha, neste caso, em profundidades bem maiores. Quando há a
movimentação em solo, são incluídos na mesma categoria movimentos em solos de alteração
(saprolíticos) e em solos transportados, como os colúvios e tálus (CARVALHO et al., 2007, p.
33).

Figura 15 – Rastejo de solo

(fonte: adaptado de HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 34)

Devido às suas características, os danos relacionados a este tipo de movimentação ocorrem,


mesmo que de maneira mais lenta, afetando estruturas, tubulações e rodovias. Caso eles
apresentem caráter progressivo e levem à ruptura do solo, os danos serão mais destrutivos
(HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 34).

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
40

3.3 FATORES PREPARATÓRIOS E ELEMENTOS DESENCADEADORES

O conhecimento dos fatores preparatórios e dos elementos desencadeadores de movimentos


de massa são de extrema importância para a realização de uma análise de risco geotécnico de
taludes. Alguns autores classificam esses dois conceitos como condicionantes, que podem ser
subdivididos em naturais, antrópicos ou ambos. Os condicionantes naturais podem ser agentes
predisponentes (fatores preparatórios) ou efetivos (elementos desencadeadores)
(CARVALHO et al., 2007, p. 40). Segundo Carvalho et al. (2007, p. 40-41), agentes
predisponentes são:

[...] o conjunto das características intrínsecas do meio físico natural, podendo ser
diferenciados em complexo geológico-geomorfológico (comportamento das rochas,
perfil e espessura do solo em função da maior ou menor resistência da rocha ao
intemperismo) e complexo hidrológico-climático (relacionado ao intemperismo
físico-químico e químico). A gravidade e a vegetação natural também podem estar
inclusos nesta categoria.

Holcombe lista alguns exemplos de fatores preparatórios (2015, tradução nossa):

a) Inclinação do talude;

b) Intemperismo, orientação e estrutura dos estratos de material;

c) Tipo, resistência, propriedades hidrológicas do material;

d) Vegetação;

e) Água superficial e de subsuperfície e drenagem;

f) Convergência ou divergência topográfica;

g) Fatores antropogênicos.

Para cada tipo de movimento, uma combinação de certas características das condicionantes
acima é necessária para haver a possibilidade do movimento. Por exemplo, como descrito na
seção acima no subitem sobre escorregamentos rotacionais, eles são característicos de
maciços com materiais homogêneos e de taludes com inclinação de 20 a 40 graus. Para os
outros tipos de movimento de massa, alguns dos fatores preparatórios estão incluídos na
descrição dos movimentos, na seção anterior.

Já com relação aos elementos desencadeadores de movimentação, em termos gerais, eles são
muito similares para todos os movimentos de massa. Para Carvalho et al. (2007, p. 41), os
elementos desencadeadores são:
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41

[...] pluviosidade, erosão pela água e vento, congelamento e degelo, variação de


temperatura e umidade, dissolução química, ação de fontes e mananciais, oscilação
do nível de lagos e marés e do lençol freático, ação de animais e humana, inclusive
desflorestamento [...] chuva intensa, vibrações, fusão do gelo e neves, erosão,
terremotos, ondas, vento, ação do homem, etc.

Este último grupo de elementos desencadeadores são considerados como sendo de caráter
imediato, ou seja, logo após o acontecimento de um ou mais desses elementos, o movimento
de massa ocorre (CARVALHO et al., 2007, p. 41). Highland e Bobrowsky são mais
detalhistas e especificam os elementos desencadeadores conforme a classificação do
movimento de massa. A seguir são apresentados os elementos desencadeadores citados pelos
autores que se enquadram ao quadro climático brasileiro (CARVALHO et al., 2007, p. 37, 39;
HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 8-9, 11, 13, 16, 23, 33):

a) Quedas: subpressões devidas ao acúmulo de água, penetrações de raízes nas


descontinuidades do maciço, erosões regressivas, grande amplitude térmica e
ações antrópicas, como vibrações geradas de explosões;
b) Rolamentos: remoção do apoio de base dos matacões por consequência de
processos erosivos ou ações antrópicas;
c) Tombamentos: o envergamento de um bloco de rocha pode ser causado pela
presença de água ou gelo nas fraturas do maciço rochoso, já o movimento em
si pode ser gerado pela gravidade exercida na parte superior da massa
deslocada, por erosões regressivas, escavações, vibrações e amplitude térmica
elevada;
d) Escorregamentos Rotacionais: precipitações intensas e/ou contínuas que
aumentam o nível d’água no maciço de solo, fluxos rápidos de rios após
enchentes e aumento no nível d’água de rios, lagos ou outros corpos d’água,
causando erosão no pé dos taludes;
e) Escorregamentos Translacionais: principalmente precipitações intensas,
elevação da saturação do solo pelas chuvas, inundações, elevação do nível
d’água (causada por irrigação e vazamento de tubulações de água) e erosão
regressiva;
f) Corridas: eventos de chuva intensos, que ocasionam elevados fluxos
superficiais de água, erosão superficial das encostas e movimentação do solo
solto e rochas presentes nos taludes. Além disso, corridas podem surgir a partir
de outros tipos de deslizamentos em áreas inclinadas;
g) Rastejos: no caso de rastejos sazonais a chuva é o principal elemento
desencadeador existente no Brasil, para os outros tipos, condições do clima,
vazamento de tubulações, drenagem com mau funcionamento e construções
que promovem a desestabilização do maciço são alguns dos elementos.

Além dos condicionantes naturais, os condicionantes antrópicos podem ser bastante decisivos
para o início de movimentação de um talude. Alguns dos condicionantes que podem ser
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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encontrados na situação em estudo são: “[...] remoção da cobertura vegetal, lançamento e


concentração de águas pluviais e/ou servidas, [...] execução deficiente de aterros
(compactação, geometria, fundação), [...] lançamento de lixo nas encostas/taludes, retirada do
solo superficial [...]” (CARVALHO et al., 2007, p. 41). No caso específico de rastejos, a
execução de cortes na região central-inferior do maciço é o principal condicionante antrópico
para deflagração de movimento (CARVALHO et al., 2007, p. 34).

3.4 INDICADORES VISUAIS DE MOVIMENTAÇÃO

Os indicadores visuais de movimentação de solo variam conforme o tipo de movimento.

Para as quedas de rocha, que consistem na separação de um solo e/ou de uma rocha de um
talude íngreme, alguns indicadores visuais de movimentação são as presenças de rochas
pendentes, partidas ou reincorporadas aos taludes (HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 8-
9). No caso de tombamento de rochas, um indicador visual importante é a mudança de
inclinação de taludes próximos a fissuras e de áreas com maior movimentação vertical
(HIGHLAND; BOBROWSKY, 2008, p. 12).

Com relação a escorregamentos/deslizamentos, os indicadores visuais são representados pelo


aparecimento de “[...] fendas de tração na superfície dos terrenos ou pelo aumento de fendas
preexistentes, devido ao embarrigamento de estruturas de contenção, pela inclinação de
estruturas rígidas, [...] pelo surgimento de degraus de abatimento e trincas no terreno e
moradias” (CARVALHO et al., 2007, p. 37).

Já com relação a rastejos, os indicadores visuais são “[...] trincas observadas em toda a
extensão do terreno natural, que evoluem vagarosamente, e árvores ou qualquer outro marco
fixo, que apresentam inclinações variadas” (CARVALHO et al., 2007, p. 33-34).

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4 PRINCIPAIS DEFINIÇÕES E FRAMEWORK PARA AVALIAÇÃO DE


RISCO GEOTÉCNICO

As definições dos conceitos de eventos, eventos adversos, ameaças e risco foram


apresentadas no capítulo Introdução com o fim de esclarecer melhor os objetivos e a
metodologia deste trabalho, descritos no capítulo 2 Diretrizes da Pesquisa, já a definição de
movimentos de massa foi exposta no capítulo 3 de mesmo nome. Entretanto, como a
definição de risco é uma das mais importantes para o desenvolvimento do trabalho, ela será
retomada aqui. Segundo ABGE; ABMS (2013, p. 26), o risco é “Uma medida de
probabilidade e severidade de um feito adverso à saúde, à propriedade ou ao meio ambiente.
O risco é frequentemente estimado pelo produto da probabilidade de um fenômeno de uma
dada magnitude, multiplicado por suas consequências”. Como pode ser visualizado na
fórmula 3 abaixo (CARVALHO8, 1998 apud COSTA, 2005, p. 72):

R = ∑ (Pi x Ci) (fórmula 3)

Onde:
R = Risco geotécnico devido a “n” eventos aleatórios (“i” varia de 1 a “n”);
Pi = Probabilidade de ocorrência do evento aleatório Ei;
Ci = Consequência ou dano do evento aleatório Ei.

Alguns autores utilizam também uma versão estendida (fórmula 4) para a definição de risco,
na qual a parcela de consequência é desdobrada em exposição e vulnerabilidade
(HOLCOMBE, 2015, tradução nossa). Por isso, além da apresentação desses conceitos
introdutórios, é necessário abordar outras definições e a terminologia pertencentes à
metodologia de análise de risco geotécnico geralmente utilizadas para estudos nessa área.

8
CARVALHO, C. S. Risco geotécnico em favelas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MECÂNICA DOS
SOLOS E ENGENHARIA GEOTÉCNICA, 11., COBRAMSEG, Brasília, 1998. Anais... Brasília, 1998, v.4,
p.123-141.
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
44

Risco = Perigo x Exposição x Vulnerabilidade (fórmula 4)

Este capítulo aborda os conceitos definidos por Fell et al. em 2008 no trabalho de nome
Diretrizes para o Zoneamento da Suscetibilidade, Perigo e Risco de Deslizamentos para
Planejamento do Uso do Solo (Guidelines for Landslide Susceptibility, Hazards and Risk
Zoning Land use Planning) pelo Comitê Técnico em Deslizamentos e Taludes Artificiais
(Joint Technical Committee on Landslides and Engineered Slopes – JTC-1). Nesta
publicação, é expressa a importância de que todos os documentos relacionados a esse assunto
se utilizem do mesmo conjunto de conceitos, para evitar “mau entendimento de seus termos”
(ABGE; ABMS, 2013, p. 25). Além das principais definições, será exibido o framework para
análise de risco geotécnico apresentado por Fell et al. em 2005, no qual este trabalho será
baseado.

4.1 PRINCIPAIS DEFINIÇÕES PARA AVALIAÇÕES DE RISCO


GEOTÉCNICO

É importante saber que análises de risco de encostas e taludes sempre existiram, mesmo que
não formalizadas, porém sem que houvesse uma estrutura para padronizar essas avaliações.
As primeiras aplicações formais de uma estrutura para análise de risco de movimentos de
massa foram utilizadas para zoneamento de deslizamentos para planejamento urbano e
gerenciamento de taludes rodoviários na década de 1970, de forma qualitativa. Nas décadas
seguintes, abordagens quantitativas começaram a ser utilizadas e o uso dessas análises foi
estendido para encostas individuais, dutovias e gerenciamento global de risco de encostas
(FELL et al., 2005, p. 3, tradução nossa).

Entretanto, a análise de risco propriamente dita é o último nível de detalhamento de um


zoneamento de movimentos de massa. Esses zoneamentos são geralmente realizados “[...]
para o planejamento regional, local e específico de uma região”, sendo que seus resultados
são “[...] apresentados em uma ou mais das seguintes formas: inventário de deslizamentos9,
suscetibilidade, mapas de zoneamento de perigo ou de risco e seus relatórios associados”

9
Referindo-se a todos os tipos de movimento de massa.
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45

(ABGE; ABMS, 2013, p. 39). Há a necessidade, então, de se definir o que é cada um desses
termos citados acima, segundo ABGE; ABMS (2013, p. 25-27, 84):

a) Inventário de deslizamento é “Um inventário do local com tipo, volume,


atividade, data de ocorrência e outras características de um deslizamento em
uma área”;
b) Suscetibilidade de deslizamento é “Uma avaliação quantitativa ou qualitativa
do tipo, do volume (ou área) e da distribuição espacial de deslizamentos que
existem ou potencialmente podem ocorrer em uma área”. A velocidade e a
intensidade do movimento de massa potencial ou existente também podem ser
consideradas, porém esse nível de análise não avalia o período de tempo
(frequência) dos deslizamentos de forma explícita;
c) Perigo é “Uma condição com o potencial de causar uma consequência
indesejável dentro de um certo período de tempo”. A análise do perigo de
movimentos de massa “[...] deve incluir o local, volume (ou área), classificação
(tipo) e velocidade dos deslizamentos em potencial e materiais destes
resultantes, e a probabilidade de sua ocorrência dentro de um período de tempo
determinado”;
d) Análise de Risco é utilizar todos os dados e informações disponíveis para “[...]
estimar o risco aos indivíduos, população, propriedades ou meio ambiente,
pelos perigos”. Na maioria das Análises de Risco, há a realização das seguintes
etapas: “[...] definição do escopo, identificação de perigos e estimativa de
risco”;
e) Zoneamento é “A divisão do solo em áreas ou domínios homogêneos e sua
classificação de acordo com graus de suscetibilidade, perigo ou risco de
deslizamentos reais ou potenciais [...]”.

A quantidade de dados, documentos e o valor dos investimentos necessários para se realizar


cada um desses tipos de zoneamento crescem de acordo com o detalhamento de cada um
deles. Portanto, o tipo do zoneamento que deverá ser executado e as escalas dos mapas com
os resultados da análise dependem de vários fatores, como (ABGE; ABMS, 2013, p. 39-40):

a) Objetivo de se realizar o zoneamento;


b) Estágio de desenvolvimento do plano de planejamento do uso do solo;
c) Tipo de construção;
d) Tipo e características físicas do movimento de massa;
e) Financiamento disponível para o projeto;
f) Quantidade e qualidade de informações disponíveis;
g) Histórico da área a ser analisada;
h) Diferença entre os métodos (qualitativos ou quantitativos);
i) Qualidade e exatidão necessárias para os resultados do zoneamento;
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j) Uso do zoneamento como passo preliminar para outros processos mais


detalhados de análise.

ABGE; ABMS (2013, p. 39) indicam que zoneamentos de risco geralmente serão mais
utilizados em situações nas quais o número de elementos em risco já está definido, ou pelo
menos, previsto. Além disso, no que tange a ameaça de movimentos de massa, uma análise de
risco é normalmente mais necessária quando a velocidade e intensidade (medida através da
combinação da própria velocidade e do volume deslocado) do deslizamento tenham maior
probabilidade de serem elevadas (ABGE; ABMS, 2013, p. 39).

ABGE; ABMS (2013, p. 40) acrescentam que quando da inexistência ou da inconfiabilidade


de dados sobre frequência de deslizamentos, zoneamentos de perigo e risco não podem ser
realizados, sendo recomendado o zoneamento de suscetibilidade. Já Carvalho10 (1998 apud
COSTA, 2005, p. 77-78) explica que essa condição não impede o uso da Teoria das
Probabilidades na quantificação do risco, apenas determina que, nesses casos, a probabilidade
deve adquirir um conceito subjetivo, respectivo ao conhecimento de especialistas da área
geotécnica e aos seus graus de confiança na ocorrência do evento adverso. Isso vai de
encontro à afirmação de ABGE; ABMS (2013, p. 40) que ressalta a importância de se utilizar
métodos quantitativos mesmo para zoneamentos de suscetibilidade e perigo quando for
possível, sendo que para zoneamentos de risco, a abordagem quantitativa é obrigatória,
segundo esses autores.

A fim de explicitar melhor a relação dos diversos níveis de zoneamento de movimentos de


massa, e também dos diversos conceitos envolvidos nesses níveis, é apresentado o diagrama a
seguir (figura 16).

10
CARVALHO, C. S. Risco geotécnico em favelas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MECÂNICA DOS
SOLOS E ENGENHARIA GEOTÉCNICA, 11., COBRAMSEG, Brasília, 1998. Anais... Brasília, 1998, v.4,
p.123-141.
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Figura 16 – Relações entre definições básicas

(fonte: elaborada pela autora)

A probabilidade de ocorrência do movimento de massa, que é incluída no processo de análise


na etapa de determinação do perigo, determina se a análise de perigo e, consequentemente, de
risco terá uma abordagem qualitativa, semi-quantitativa ou quantitativa, como já foi
mencionado anteriormente. ABGE; ABMS (2013, p. 83) definem probabilidade como:

Uma medida do grau de certeza. Esta medida tem um valor entre zero
(impossibilidade) e 1,0 (certeza). É uma estimativa da possibilidade da magnitude de
uma quantidade incerta ou da possibilidade da ocorrência de um evento no futuro.
Existem duas interpretações principais:

(i) Estatística – frequência ou fração – O resultado de uma experiência repetitiva


como, por exemplo, jogar cara ou coroa. Ela inclui também a ideia de
variabilidade de população. Tal número é chamado um “objetivo” ou
probabilidade de frequência relativa porque ele existe no mundo real e é, em
princípio, mensurável pela realização de experimentos.

(ii) Probabilidade subjetiva (grau de crença) – Medida quantificada da crença,


julgamento, opinião ou confiança na possibilidade de um resultado, obtida
através da consideração de toda a informação disponível, honesta e justamente,
com o mínimo de tendenciosidade (viés, bias). A probabilidade subjetiva é
afetada pelo estado de entendimento de um processo, julgamento relativo a uma
avaliação, ou a qualidade e a quantidade da informação. Esta pode mudar com o
tempo assim como a mudança do estado de conhecimento muda.

Assim, se forem usadas probabilidades subjetivas e “[...] escalas de classificação descritivas


ou numéricas para descrever a magnitude das consequências em potencial [...]” (ABGE;
ABMS, 2013, p. 83), o resultado será uma Análise Qualitativa de Risco. Uma Análise
Quantitativa de Risco se baseia, então, “[...] em valores numéricos de probabilidade,
vulnerabilidade e consequências [...]” (ABGE; ABMS, 2013, p. 83). Já Análises Semi-
quantitativas são métodos que envolvem procedimentos quantitativos e qualitativos para
análise do risco.

As consequências, que devem ser estimadas para caracterização de uma análise de risco, são
proporcionais ao número de elementos em risco (em exposição à ameaça) e às suas
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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vulnerabilidades. São definidas como “ Os resultados, ou resultados potenciais, que surgem da


ocorrência de um deslizamento, expressos quantitativa ou qualitativamente, em termos de
perda, [...] danos, lesões ou perdas de vida” (ABGE; ABMS, 2013, p. 81). A exposição dos
elementos em risco é função do tipo de ameaça (movimentos de massa) e da localização
espacial e temporal dos elementos, como pode ser visto na figura 17.

Os elementos em risco são a “População, prédios e construções, atividades econômicas,


serviços públicos, outros tipos de infraestrutura e valores do meio ambiente na área que é
potencialmente afetada pelo perigo do deslizamento” (ABGE; ABMS, 2013, p. 26). Já a
vulnerabilidade se refere à vulnerabilidade técnica dos elementos em risco, sendo conforme
ABGE; ABMS (2013, p. 26):

O grau de perda para um dado elemento ou grupo de elementos dentro da área


afetada pelo deslizamento. É expressa numa escala de zero (sem perda) até 1,0
(perda total). Para propriedades, a perda será o valor do dano relativo ao valor da
propriedade; para pessoas, será a probabilidade de uma vida em particular (elemento
em risco) ser perdida, dado que a pessoa seja afetada pelo deslizamento.

Figura 17 – Elementos em risco a um deslizamento

(fonte: HOLCOMBE, 2015, tradução nossa)

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4.2 FRAMEWORK PARA AVALIAÇÕES DE RISCO GEOTÉCNICO

A partir das definições apresentadas na seção anterior, é possível apresentar o framework


(figura 18) a ser utilizado para análises de suscetibilidade, perigo e risco de movimentos de
massa, tanto em abordagens quantitativas quanto qualitativas (ABGE; ABMS, 2013, p. 29). O
framework também inclui ações para avaliação e gerenciamento de risco.

Figura 18 – Framework para análise, avaliação e gerenciamento de risco geotécnico

(fonte: adaptado de FELL et al., 2005, p. 5, tradução nossa)

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5 METODOLOGIA NACIONAL PARA AVALIAÇÃO DE RISCO


GEOTÉCNICO

Com o objetivo de desenvolver a capacitação técnica de equipes municipais brasileiras e


ações de planejamento para montar sistemas municipais de gerenciamento de riscos, o
Ministério das Cidades promoveu, em 2004, “[...] a elaboração de um material de treinamento
para o gerenciamento de áreas de risco com ênfase no mapeamento de risco de deslizamentos,
enchentes e inundações”, através da contribuição das experiências sobre o tema de
pesquisadores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT
(CARVALHO et al., 2007, p. 3, 5-6). O documento atende pelo nome de Material de
Treinamento de Equipes Municipais para o Mapeamento de Riscos de Deslizamentos de
Encostas e Solapamentos de Margens e tem o intuito de propor um método de mapeamento
nacional unificado de baixa complexidade, baixo custo de execução e linguagem comum aos
técnicos de municípios, para proporcionar a determinação e análise das áreas de risco por todo
o país, tornando-se material referência nacional na área de gerenciamento de riscos, para
todos os municípios que sofrem com ameaças relacionadas ao período de chuvas
(CARVALHO et al., 2007, p. 3-6).

Este material apresenta uma metodologia básica de análise de risco, que permite o
mapeamento dos riscos, a implementação de medidas de segurança nas áreas mapeadas, se
forem necessárias, e a comparação das situações de risco através de todo o território nacional
(CARVALHO et al., 2007, p. 11). Entretanto, por ter como público-alvo técnicos municipais,
que usualmente são profissionais sem conhecimento técnico avançado em geologia/geotecnia,
e por ser de baixo custo de execução, a metodologia apresentada no material é de abordagem
qualitativa.

Esse tipo de abordagem se adapta bem à realidade das áreas urbanas das cidades brasileiras,
onde a realização de ensaios de campo é relativamente difícil e o custo de ensaios de campo e
laboratoriais por vezes excedem o orçamento dos municípios para esse problema. Porém, para
casos mais específicos, como análises de encostas e taludes de áreas rurais dos municípios, é
possível a aplicação de uma metodologia mais quantitativa para análise de risco, utilizando-se
métodos probabilísticos.
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A fim de contemplar os dois tipos de metodologias referentes a análises de risco existentes em


bibliografia nacional (abordagens qualitativa e quantitativa), esse capítulo abordará não só o
material disponibilizado pelo IPT, como também, uma metodologia proposta por Costa (2005)
para análise probabilística de taludes de terra.

5.1 ABORDAGEM QUALITATIVA

O material desenvolvido por Carvalho et al. (2007) e disponibilizado pelo IPT foi realizado
com a finalidade de abordar quatro questões importantes no âmbito do gerenciamento de áreas
urbanas com risco de deslizamentos, enchentes e inundações. A seguir, são apresentadas as
questões com seus respectivos planos de ações para respondê-las (CARVALHO et al., 2007,
p. 17):

a) O que e como ocorre? Refere-se aos tipos de processos presentes e como


ocorrem, determinando seus fatores preparatórios e elementos deflagradores,
sejam eles naturais ou antrópicos. Essa etapa é denominada de Identificação da
Tipologia dos Processos;
b) Onde ocorrem os problemas? A partir da etapa anterior, é feito o
Mapeamento das áreas de risco, para a identificação dos locais onde os
processos ocorrem ou podem ocorrer;
c) Quando ocorrem os problemas? A partir de Monitoramento e de estudos de
correlação com condições hidrometeorológicas adversas, definem-se quais são
os momentos mais prováveis para a deflagração dos processos;
d) O que fazer e quem será responsável? Com o conhecimento apreendido
sobre os processos nas três etapas anteriores, planeja-se Medidas Estruturais ou
Não-Estruturais a serem tomadas e quem será responsável pela implantação das
mesmas.

As três primeiras questões referem-se ao primeiro fundamento na área de gerenciamento de


riscos, que é chamado de Previsão, já a quarta questão é relacionada ao segundo fundamento
denominado de Prevenção (CARVALHO et al., 2007, p. 18). Além dessas questões, o
trabalho também seguiu o Modelo de Abordagem da ONU para o combate de acidentes
naturais na composição do manual (CARVALHO et al., 2007, p. 18). Este item limita-se,
então, na apresentação dos principais pontos referentes à análise de risco de movimentos de
massa (deslizamentos) presentes no manual do IPT.

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5.1.1 Modelo de Abordagem da ONU

Em 1991, a Agência de Coordenação das Nações Unidas para o Socorro em Desastres


(UNDRO) “[...] elaborou um modelo de abordagem para o enfrentamento de acidentes
naturais, baseando-se em duas atividades: prevenção e preparação” (CARVALHO et al.,
2007, p. 18). As atividades de prevenção englobam estudos técnicos-científicos dos
fenômenos e processos que causam acidentes naturais, análise de risco, e ações, metodologias
e técnicas para a prevenção de desastres. Já as atividades de preparação são relacionadas às
ações de defesa civil, de ordem logística, para o enfrentamento de situações de emergência,
como a evacuação e/ou proteção da população localizada em áreas de risco elevado ou após a
ocorrência de um desastre (CARVALHO et al., 2007, p. 18-19).

Nesse modelo de abordagem, há a definição de ações essenciais que devem estar presentes em
programas de Mitigação de Desastres, as quais incluem (CARVALHO et al., 2007, p. 19):

a) Identificação dos riscos;

b) Análise dos riscos;

c) Medidas de prevenção;

d) Planejamento para situações de emergência;

e) Informações públicas e treinamento.

Como o presente trabalho se limita à análise de risco, não envolvendo as demais atividades do
gerenciamento de risco, serão detalhados aqui somente as duas primeiras ações do programa
de Mitigação de Desastres apresentadas acima.

5.1.1.1 Identificação dos Riscos

A identificação dos riscos consiste em estudos sobre os fenômenos e processos e a pré-


setorização das áreas. Eles se referem (CARVALHO et al., 2007, p. 19-20):

[...] aos trabalhos de reconhecimento de ameaças ou perigos e da identificação das


respectivas áreas de risco. Para cada tipo de ameaça, deve-se entender os fatores
condicionantes, os agentes deflagradores e os elementos sob risco. Os trabalhos de
identificação apresentam-se, geralmente, sob a forma de mapas de identificação
espacial das áreas de risco.

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5.1.1.2 Análise dos Riscos

A análise de riscos é executada a partir dos resultados apresentados na ação de identificação


dos riscos. Ela aborda, de uma maneira mais detalhada, as áreas nas quais os processos estão
presentes, possibilitando um melhor entendimento sobre o grau de risco efetivo em cada área,
para cada tipo de processo reconhecido na ação anterior (CARVALHO et al., 2007, p. 20). As
atividades envolvidas nessa ação englobam (CARVALHO et al., 2007, p. 20):

a) Zoneamento ou setorização das áreas;

b) Quantificação relativa e/ou absoluta do risco;

c) Cadastramento de risco;

d) Carta de risco;

e) Hierarquização de risco;

f) Avaliação de possíveis cenários de acidentes.

5.1.2 Conceitos básicos para Análise de Risco

Os conceitos básicos de risco e análise de risco são praticamente os mesmos apresentados no


capítulo 4, item 4.1 deste trabalho e, para evitar repetições e o alongamento da revisão
bibliográfica, essas definições não serão colocadas novamente no presente capítulo.

5.1.3 Descrição dos movimentos de massa, tipos e proposta de mapeamento

Neste item, será oferecido um comentário sobre a descrição de movimentos de massa contida
no manual do IPT e serão indicados os tipos e uma proposta de método de mapeamento
exibidos no mesmo material de treinamento para técnicos municipais.

5.1.3.1 Descrição dos movimentos de massa

A descrição dos movimentos de massa que podem ocorrer em taludes, a partir da


caracterização física e geotécnica da tipologia desses processos, dos condicionantes, causas e
indicadores visuais de movimentação é apresentada no capítulo 3 deste trabalho. Novamente,
não serão repetidos no presente capítulo tais definições. Porém, vale ressaltar que a

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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classificação de movimentos de massa adotada no manual do IPT não é a de Varnes (1978) e


sim a proposta por Augusto Filho11 (1992 apud CARVALHO et al., 2007, p. 32-33), que pode
ser vista no quadro 3.

A diferença entre tais classificações é mínima, sendo que a principal se dá na divisão de


quantos tipos de movimentos existem. Na classificação de Augusto Filho (1992), os
movimentos são divididos em quatro grandes grupos, de acordo com o processo de
movimentação: rastejo (creep), escorregamentos (slides), quedas (falls) e corridas (flows).

Quadro 3 – Classificação de deslizamentos por Augusto Filho (1992)

(fonte: AUGUSTO FILHO, 1992 apud CARVALHO et al., 2007, p. 32-33)

11
AUGUSTO FILHO, O. Caracterização geológica-geotécnica voltada à estabilização de encostas: uma proposta
metodológica. In: CONFERÊNCIA BRASILEIRA SOBRE ESTABILIDADE DE ENCOSTAS, 1, 1992, Rio
de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ABMS/ABGE. p. 721-733.
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5.1.3.2 Tipos de mapeamento

Carvalho et al. (2007, p. 42-43) consideram que dentre vários tipos de mapeamento, três deles
podem ser destacados, já que, a partir de suas realizações, é obtido um mapeamento de risco
de determinada área. Os três tipos de mapeamento são: mapa de inventário, mapa de
suscetibilidade e mapa de risco (postos na sequência de suas execuções).

O mapa de inventário é o primeiro a ser feito e demonstra a distribuição espacial dos eventos,
o tipo, tamanho, forma e estado da atividade, e informações coletadas em campo, como fotos
e imagens (CARVALHO et al., 2007, p. 42). O segundo é o mapa de suscetibilidade, que
depende da realização do primeiro mapa para possibilitar sua execução. O mapa de
suscetibilidade expressa a suscetibilidade de áreas de risco às ameaças, de acordo com a
probabilidade de ocorrência dos processos naturais ou induzidos. Esse mapa é essencial para
elaborar medidas de prevenção e planejamento de uso do solo e ocupação, tendo as seguintes
características: é fundamentado no mapa de inventário; inclui os fatores influentes na
possibilidade de ocorrência dos eventos, explicitando sua correlação; e classifica as áreas de
risco segundo graus de suscetibilidade (CARVALHO et al., 2007, p. 42-43).

Mesmo que o mapa expresse a suscetibilidade das áreas conforme graus de probabilidade de
ocorrência, por se tratar de uma abordagem qualitativa, deve-se entender suscetibilidade como
um potencial de que os eventos adversos ocorram na região, sem a exigência de cálculo
rigoroso de probabilidade de ocorrência. Se um cálculo mais formal de probabilidade de
ocorrência for feito e se houver uma avaliação do potencial do deslizamento causar danos,
seria mais adequado nomear-se o mapeamento como um mapa de perigo, para ir de acordo
com a terminologia internacionalmente adotada.

Por fim, com a posse dos mapas de inventário e suscetibilidade, pode ser realizado o mapa de
risco. Este mapa classificará as áreas segundo graus de risco, a partir da avaliação dos danos
potenciais à população, que são resultados da conjunção da probabilidade de ocorrência das
ameaças com as consequências sociais e econômicas decorrentes das mesmas ameaças, se
estas de fato acontecerem. Este tipo de mapa tem como características principais: contém a
probabilidade espacial e temporal, tipologia e comportamento das ameaças; apresenta as
vulnerabilidades dos elementos em risco e os custos dos danos; e possui aplicabilidade
temporal limitada (CARVALHO et al., 2007, p. 43).

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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5.1.3.3 Proposta de método de mapeamento

O método de mapeamento proposto por Carvalho et al. (2007) tem como objetivo “[...] a
identificação e caracterização de áreas de risco sujeitas a deslizamentos e solapamentos de
margens [...]” (CARVALHO et al., 2007, p. 43), e para realização de tal propósito, usam-se
duas metodologias: o zoneamento e o cadastramento de risco.

Para Carvalho et al. (2007, p. 44), “O zoneamento compreende a identificação dos processos
destrutivos atuantes, a avaliação do risco de ocorrência de acidentes e a delimitação e
distribuição espacial de setores homogêneos em relação ao grau de probabilidade de
ocorrência do processo ou [...] de risco [...]”. Segundo o mesmo autor, o cadastramento de
riscos oferece informações mais detalhadas sobre esses setores de risco, como quantidade de
moradias nessas áreas, identificando quais necessitam ser removidas, e é considerado
essencial para ações de intervenção dos órgãos responsáveis. O cadastramento também
possibilita a análise de situações individualmente ou por grupos de mesmo grau de
probabilidade de ocorrência do processo ou risco (CARVALHO et al., 2007, p. 44).

O primeiro passo do mapeamento consiste, então, em um zoneamento chamado de pré-


setorização. A realização da pré-setorização depende da experiência e da vivência do
profissional em trabalhos de mapeamento, e é realizada a partir da observação das seguintes
características das áreas de risco (CARVALHO et al., 2007, p. 44-46):

a) Declividade ou inclinação do talude: pode variar conforme geologia, relevo e


ações humanas sobre as encostas, mas existem valores de referência acima dos
quais há iminência do início de deslizamentos (17º pela Lei Federal 6766/79 e
20º-25º na Serra do Mar em São Paulo, a partir de dados históricos);
b) Tipologia dos processos: também depende da geologia, do relevo e das
intervenções humanas, como cortes e aterros;
c) Posição das moradias em relação ao talude: indica se a moradia pode sofrer
queda ou atingimento devido à ocorrência de um evento adverso (quando perto
do alto do talude há a possibilidade de queda, quando próxima à base há a
possibilidade de atingimento, e se estiver em meia-encosta pode ocorrer tanto a
queda quanto o atingimento da moradia);
d) Qualidade das moradias: indica a vulnerabilidade das moradias, onde moradias
de madeira são mais vulneráveis às ameaças quando comparáveis a moradias
construídas com alvenaria.

O segundo passo do mapeamento é chamado de setorização, envolvendo tanto princípios de


zoneamento quanto de cadastramento de riscos. Essa etapa é realizada através do
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57

preenchimento de fichas de campo, que devem conter informações sobre características do


local, sobre a presença de indicadores visuais de movimentos de solo, sobre a presença de
água e vegetação, e desenhos (plantas), fotos e guias de ruas para a correta delimitação das
áreas. Esta etapa deve ser desempenhada por uma equipe treinada para tal tarefa e que tenha
conhecimento sobre os movimentos de massa já ocorridos e/ou existentes na área a ser
mapeada, com o fim de se determinar valores adequados para o grau de probabilidade de
ocorrência dos deslizamentos ou para o grau de risco das áreas (CARVALHO et al., 2007, p.
46).

No fim dessas etapas, as áreas mapeadas receberão graus qualitativos de probabilidade de


ocorrência de deslizamentos ou de risco, conforme a seguinte escala (CARVALHO et al.,
2007, p. 47):

a) R4 – Muito Alto;
b) R3 – Alto;
c) R2 – Médio;
d) R1 – Baixo ou sem risco.

5.1.4 Roteiro metodológico para Análise de Risco e Mapeamento de


Deslizamentos de Solo

O roteiro metodológico apresentado no manual do IPT apresenta um passo a passo para


elaborar um cadastramento emergencial de risco de deslizamentos, por meio de vistorias em
campo feitas por técnicos municipais, sem a necessidade que estes sejam especialistas em
engenharia ou geologia. O objetivo da realização do cadastro com essa metodologia é obter a
potencialidade de ocorrência de acidentes, e até mesmo, determinar o grau (nível) de risco da
área a ser analisada (CARVALHO et al., 2007, p. 51).

O cadastramento baseia-se no preenchimento de uma ficha de campo, composta de oito


passos e algumas observações, que serão abordadas a seguir. No cabeçalho da ficha de campo,
e antes de cada uma dessas etapas, consta uma introdução com dicas e instruções para ajudar
no preenchimento dos dados (CARVALHO et al., 2007, p. 52).

Conforme Carvalho et al. (2007, p. 52-66), os passos ou etapas para a realização do


cadastramento de risco resumem-se em:
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
58

a) Levantamento de dados gerais da moradia: nesse campo deverá ser colocada


a localização (endereço) da moradia em análise, identificação do morador,
condições de acesso à moradia e o tipo de moradia (com relação ao seu
material de construção);
b) Caracterização do local: identificação do tipo e do material do talude (natural
ou de corte/aterro, de solo, ou aterro lançado, ou rocha), assinalando a presença
de blocos de rocha (matacões), de bananeiras e lixo/entulho, determinação da
inclinação do talude (escolhendo uma dentre as seguintes opções: 10º, 17º, 30º,
60º e 90º) de forma visual, e distância da moradia ao topo ou à base dos
taludes;
c) Água: observar a presença de água (pluvial, servida e esgoto), principalmente a
respeito de sua origem e de seu destino, e se há ou não sistema eficaz de
drenagem superficial, concentração de água da chuva na superfície,
vazamentos em tubulações, etc.;
d) Vegetação nas proximidades do talude: avaliar a área de acordo com a
presença de árvores, arbustos, cultivos ou se é uma área desmatada. Especial
atenção deve ser dada às áreas que possuírem bananeiras, já que é amplamente
aceito na comunidade acadêmica que elas prejudicam a estabilidade de
encostas, pois facilitam a infiltração de água;
e) Sinais de movimentação: observar a presença de juntas de alívio, fendas de
tração, fraturas de alívio, trincas no terreno e nas moradias, degraus de
abatimento, inclinação de estruturas rígidas (como árvores e postes),
embarrigamento de muros e paredes, e, por fim, se há cicatrizes de
deslizamentos. Este passo é considerado o mais importante para determinação
do grau de risco, mas vale ressaltar que esses sinais são úteis para monitorar
movimentos lentos, com velocidade de m/s a m/h;
f) Tipos de movimentos de massa esperados ou ocorridos: esse passo considera
que após a realização das etapas anteriores, o técnico responsável pelo
cadastramento tenha capacidade de determinar qual(is) é(são) o(s) tipo(s) de
movimentos potenciais na área. A classificação adotada no método é a de
Augusto Filho (1992), mostrada no quadro 3 no item 5.1.3.1, e o roteiro traz
desenhos para auxiliar na determinação do tipo de movimento. Porém, é
aconselhada a consulta a um especialista em casos que impossibilitem o
adequado julgamento do técnico sobre a situação;
g) Determinação do grau do risco: nesse passo, considerado o ponto principal
do roteiro, acumulam-se todos os julgamentos dos parâmetros relevantes para
análise de risco apresentados nas seis etapas anteriores para classificar a área
analisada em:
- Risco Muito Alto: exigindo ações imediatas;
- Risco Alto: permanência do estado de observação sobre a área;
- Risco Médio: permanência do estado de observação sobre a área;
- Risco Baixo ou Sem Risco.
O quadro 4 apresenta os critérios para a classificação de um determinado local em
um desses quatro níveis de risco;

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h) Necessidade de remoção: se a área for enquadrada em risco muito alto,


providências para remover as pessoas de suas moradias serão necessárias.
Então, esse campo fornece informações para a Defesa Civil sobre o número de
moradias e pessoas nesse nível crítico de risco.

Além dos campos para preenchimento desses oito passos na ficha de vistoria, há espaços
destinados para o técnico responsável anotar outras informações sobre a moradia ou o talude
em si e também para fazer desenhos. São requisitados dois desenhos, essenciais para permitir
discussões sobre o cadastro entre pessoas que não o executaram, os quais são: a planta de
situação da(s) moradia(s), incluindo indicadores visuais de movimentação se possível, e o
perfil da encosta, com as medidas/cotas relevantes para a análise (CARVALHO et al., 2007,
p. 67).

É importante ressaltar que os técnicos municipais são encorajados, por meio de um lembrete
na ficha de campo, a buscar auxílio de profissionais especializados em geologia-geotecnia,
caso estejam em dúvida sobre alguma situação encontrada durante o cadastramento. Os
cadastros também possuem a assinatura do técnico responsável por suas realizações, e “ [...] a
possibilidade de responsabilização por um diagnóstico equivocado, que possa ter causado
prejuízos materiais ou sociais” existe (CARVALHO et al., 2007, p. 68).

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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Quadro 4 – Critérios para a determinação dos graus de risco

(fonte: CARVALHO et al., 2007, p. 64-65)

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5.2 ABORDAGEM QUANTITATIVA

A abordagem quantitativa à Análise de Risco proposta por Costa (2005) envolve o uso de
probabilidade e estatística para estimar as incertezas referentes aos parâmetros de entrada, que
sempre estarão presentes nas análises, mesmo que o modelo de análise determinística a ser
utilizado (geralmente o de equilíbrio limite) seja o mais completo possível. As incertezas têm
diversas origens como “[...] a heterogeneidade e anisotropia inerentes ao solo, as dificuldades
experimentais de investigação e a dificuldade de se estabelecer a superfície de ruptura
crítica”, além disso há incertezas devidas às simplificações adotadas para possibilitar a análise
por modelos determinísticos (COSTA, 2005, p. 17-18).

Quando a análise de estabilidade de um talude é feita por meio de métodos determinísticos, os


engenheiros responsáveis pela avaliação geralmente adotam valores conservadores para as
propriedades do solo, obtendo resultados na forma de um fator de segurança, que deve ter
uma margem de segurança adequada, conforme o nível de controle e conhecimento que se
tem sobre as incertezas e sobre o desempenho real do talude. Os métodos probabilísticos
aplicados à engenharia geotécnica são, então, uma maneira de “[...] criar um procedimento
sistemático de tratamento das incertezas de forma quantitativa” (COSTA, 2005, p. 20).

Além da inserção de ferramentas de probabilidade e estatística na sua proposta de


metodologia, Costa (2005, p. 18) indica que “[...] o senso crítico formado pela experiência,
seja pela prática ou pelo estudo de casos similares apresentados na literatura, deve ser usado
na definição das regiões críticas” e, portanto, sendo utilizado em análises de risco promove a
otimização e a eficácia da aplicação dos recursos financeiros.

Nesse sentido, o presente capítulo apresentará algumas considerações principais, tidas como
básicas para a contextualização e o entendimento da metodologia proposta por Costa (2005), e
a metodologia de análise probabilística de taludes de terra propriamente dita.

5.2.1 Considerações fundamentais

Nesta seção, serão abordadas algumas observações sobre itens pertinentes à análise de Costa
(2005) que são consideradas importantes como base teórica para a compreensão da
metodologia proposta pelo autor. Este item é subdividido em: Análise Determinística e

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
62

Probabilística, Origem e Tipos de Incertezas, Definições Estatísticas Básicas, Fator de


Segurança e Confiabilidade, e algumas observações sobre Risco Geotécnico.

5.2.1.1 Análise Determinística e Probabilística

Os métodos de análise determinísticos e probabilísticos possuem algumas diferenças


relevantes que Costa (2005), por meio de uma discussão baseada em El-Ramly (2001), aborda
de forma breve.

Os métodos determinísticos mais utilizados por engenheiros geotécnicos nas últimas


décadas, para previsão de desempenho e análise de estabilidade dos taludes, são os modelos
analíticos (numéricos) como os métodos de Bishop, Spencer, Morgenstern-Price e Janbu.
Nesses métodos, os parâmetros de entrada são adotados como a melhor estimativa simples de
cada parâmetro, a partir de dados disponíveis e do julgamento dos especialistas. O resultado
da análise é único, um fator de segurança, que é aceito como uma representação adequada do
desempenho real do talude (EL-RAMLY12, 2001 apud COSTA, 2005, p. 22-23). Segundo El-
Ramly (2001 apud COSTA, 2005, p. 22):

A principal suposição envolvida na abordagem determinística é que o erro estimado,


diferença entre o valor real desconhecido dos parâmetros de entrada e as nossas
estimativas, seja igual a zero. No caso das Ciências da Terra, nas quais as
propriedades do material tendem a ser variáveis e os dados disponíveis normalmente
são esparsos, não há justificativa para essa suposição. Além disso, a suposição de
que os modelos usados para a previsão de desempenho não tenham falhas e
representam perfeitamente a realidade, raramente será o caso.

Como a incerteza nos métodos determinísticos não é considerada de forma explícita


quantitativamente, os parâmetros de entrada e os projetos de taludes adotados pelos
engenheiros geotécnicos possuem um caráter conservador, que, consequentemente, é
embutido dentro do fator de segurança global do projeto. E, mesmo com o uso do
conservadorismo na prática habitual de projeto de taludes, há a presença de um elemento de
risco, que não se pode evitar. Entretanto, vale ressaltar que essa prática convencional é
amparada por décadas de uso e por um grande número de experiências, que sustentam a sua
aplicação ainda atualmente (EL-RAMLY, 2001 apud COSTA, 2005, p. 24-25).

12
EL-RAMLY, H. Probabilistic analysis of landslide hazards and risks: bridging theory and practice. 2001.
Thesis (Doctor of Philosophy in Geotechnical Engineering), Faculty of Graduate Studies and Research,
Department of Civil and Environmental Engineering, Edmonton, Alberta, Canada; Jan., 2001, 391p.
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63

Já os métodos probabilísticos tratam os parâmetros de entrada como variáveis aleatórias,


levando em consideração, então, as incertezas dos próprios parâmetros e dos modelos de
previsão. A incerteza nos parâmetros é refletida na possibilidade de que os valores dos
parâmetros de entrada possam assumir magnitudes variadas dentro de um determinado
intervalo, sendo que cada magnitude tem sua respectiva probabilidade de ocorrência, obtida
através dos dados disponíveis. Como os parâmetros de entrada são variáveis aleatórias, o
resultado de um método probabilístico de análise também é um intervalo de valores possíveis
para o desempenho do talude, com cada valor tendo uma probabilidade de ocorrência (EL-
RAMLY13, 2001 apud COSTA, 2005, p. 22).

Então, o método probabilístico para análise de taludes também é executado utilizando-se


métodos de equilíbrio limite, porém considerando os parâmetros de entrada do projeto
variáveis. “As técnicas probabilísticas auxiliam no entendimento das principais origens de
risco, melhoram o julgamento de engenharia e permitem uma comparação racional entre
confiabilidade de projetos alternativos, melhorando o processo de tomada de decisão” (EL-
RAMLY, 2001 apud COSTA, 2005, p. 25).

5.2.1.2 Origem e Tipos de Incertezas

Conforme Costa (2005, p. 36), todas as etapas de uma obra envolvem incertezas, a partir da
caracterização do local, posteriormente o projeto e a tomada de decisões, até a construção. As
incertezas podem ser muito influentes na confiabilidade da segurança estimada de um talude,
o que pode ser percebido quando rupturas ocorrem em obras projetadas para serem seguras.

No âmbito da engenharia geotécnica, as incertezas foram classificadas em três categorias por


Morgenstern, em 1995, facilitando a abordagem e o uso prático das mesmas (EL-RAMLY,
2001 apud COSTA, 2005, p. 37,40-41):

a) Incerteza dos Parâmetros: referente a incertezas ligadas aos parâmetros


geotécnicos do solo, como resistência ao cisalhamento, poro-pressão e
compressibilidade. É dividida em:
- Dispersão dos dados: “Dispersão das propriedades do solo em torno da
tendência média”, devido à variabilidade espacial real das propriedades ou a

13
EL-RAMLY, H. Probabilistic analysis of landslide hazards and risks: bridging theory and practice. 2001.
Thesis (Doctor of Philosophy in Geotechnical Engineering), Faculty of Graduate Studies and Research,
Department of Civil and Environmental Engineering, Edmonton, Alberta, Canada; Jan., 2001, 391p.
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
64

erros aleatórios de medida (por causa do operador ou do equipamento


defeituoso);
- Erros sistemáticos de dados: “Incerteza na localização da tendência média
em relação ao valor real (desconhecido)”, devido ao tamanho limitado da
amostra ou a desvios (viés) nos procedimentos de medida;
b) Incerteza do Modelo: devido a questões numéricas (simplificações de
hipóteses, truncamentos, etc.) ou a questões conceituais;
c) Incerteza Humana: resulta de enganos humanos (falta de cuidado ou
comunicação, etc.), é imprevisível e aleatória.

5.2.1.3 Definições Estatísticas Básicas

Como foi dito no item 5.2.1.1, o método probabilístico para análise de estabilidade de taludes
considera que os parâmetros de entrada são variáveis aleatórias. Portanto, esses parâmetros
possuem uma média (µ) e um desvio padrão (σ), sendo que “A média é uma medida de
localização central ou a melhor estimativa da propriedade do solo; enquanto que o desvio
padrão é uma medida da dispersão dos dados ou da incerteza” (COSTA, 2005, p. 49).

Uma definição importante na estatística é o conceito de Função Densidade de Probabilidade –


PDF (Probability Density Function), que é representada por f(x) e, conforme, Whitman14
(1984 apud COSTA, 2005, p. 49-50):

[...] descreve a incerteza sobre uma variável, ou seja, a probabilidade da variável


aleatória assumir um valor particular em relação a outros possíveis. A incerteza em
f(x), descrita pela função de densidade de probabilidades (PDF) [...] para o caso
onde a variável aleatória seja distribuída continuamente, é caracterizada por uma
média µx e um desvio padrão sx.

Segundo Costa (2005, p. 50) e diversos outros trabalhos lá citados, “A distribuição normal (ou
Gaussiana) e as distribuições log-normais são os modelos de variáveis aleatórias mais usuais”,
ver figura 19 que mostra uma distribuição normal. Porém, quando opiniões e julgamentos de
especialistas em geotecnia forem utilizados para se estabelecer probabilidades de ocorrência
de determinados valores para parâmetros de entrada, como probabilidades subjetivas, pode ser
adotada uma distribuição triangular, onde “b” refere-se a melhor estimativa e “a” e “c” aos
limites inferior e superior do intervalo, respectivamente, como pode ser visto na figura 20
(WHITMAN, 1984 apud COSTA, 2005, p. 50).

14
WHITMAN, R. V. Evaluating calculated risk in geotechnical engineering. Journal of Geotechnical
Engineering. New York: ASCE, v.110, n.2, p.144-188. Feb. 1984, 17., Terzaghi Lecture.
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Figura 19 – Função Densidade de Figura 20 – Função Densidade de Probabilidade


Probabilidade Normal Triangular para probabilidades subjetivas

(fonte: adaptado de COSTA, 2005, p. 51) (fonte: adaptado de COSTA, 2005, p. 51)

A Função Distribuição Acumulada ou Função de Distribuição de Probabilidades – CDF


(Cumulative Distribution Function) é a integral da probabilidade correspondente na PDF e
descreve praticamente a mesma informação que aquela. A CDF “[...] mostra a probabilidade
da variável assumir um valor menor ou igual a um valor selecionado” (COSTA, 2005, p. 52).

5.2.1.4 Fator de Segurança e Confiabilidade

O Fator de Segurança, resultado obtido por meio do uso de análise determinística da


estabilidade do talude, é bem conhecido por engenheiros e consiste na razão entre a
Resistência, valor admissível ou capacidade do solo do talude em relação à Solicitação,
devida a cargas aplicáveis sobre o talude ou o próprio peso do solo (WHITMAN15, 1984 apud
COSTA, 2005, p. 54). Para Whitman (1984 apud COSTA, 2005, p. 54), o valor obtido como
fator de segurança tem pouca relação com a possibilidade de ruptura do talude, já que:

[...] normalmente os passos pelos quais a resistência é selecionada ou a solicitação é


determinada ainda não estão bem definidos nem seguem um padrão uniforme pelos
engenheiros. Portanto, um talude com um fator de segurança relatado como 1,5 pode
ter, na verdade, uma margem de segurança menor ou maior probabilidade de ruptura
do que outro talude com o mesmo fator de segurança.

Assim, para “[...] assegurar o desempenho satisfatório do sistema dentro das restrições
econômicas, que implicam no desenvolvimento de projetos sem informações completas e sob
condições de incertezas”, é utilizada a Teoria da Confiabilidade, um ramo da Teoria da
Probabilidade (WHITMAN, 1984 apud COSTA, 2005, p. 54-55). Nessa Teoria da

15
WHITMAN, R. V. Evaluating calculated risk in geotechnical engineering. Journal of Geotechnical
Engineering. New York: ASCE, v.110, n.2, p.144-188. Feb. 1984, 17., Terzaghi Lecture.
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Confiabilidade, tanto a Resistência do solo quanto à Solicitação apresentam funções de


densidade de probabilidade reais, e, consequentemente, obtém-se a função de densidade de
probabilidade real para o Fator de Segurança. A partir dessa PDF para o Fator de Segurança, é
possível determinar qual é a probabilidade de ruptura do talude, que corresponde à área
abaixo dessa curva à esquerda do Fator de Segurança igual a 1, ou seja, a probabilidade do
Fator de Segurança real ser menor que a unidade. Essa probabilidade decresce à medida que a
média dos fatores de segurança se eleva e as variabilidades da resistência e da solicitação
diminuem (WHITMAN, 1984 apud COSTA, 2005, p. 55).

5.2.1.5 Risco Geotécnico

Com relação aos conceitos pertinentes à Análise de Risco Geotécnico, Costa (2005) segue os
conceitos apresentados por Fell em 1994. Como no presente trabalho já foram abordados os
conceitos de risco e demais definições segundo um trabalho do mesmo autor, porém mais
recente (ver ABGE; ABMS, 2013, capítulo 1 e item 4.1 deste trabalho), considera-se que é
desnecessário apresentar todos conceitos definidos em Costa (2005) neste item.

Entretanto, a reapresentação da fórmula 5 a seguir é relevante, para ilustrar como o risco foi
definido na dissertação de Costa (2005). Esta expressão é adotada por Carvalho16 (1998 apud
COSTA, 2005, p. 72) e tem o mesmo significado do conceito definido por ABGE; ABMS
(2013), já apresentado neste trabalho no capítulo Introdução e no capítulo 4, página 43.

R = ∑ (Pi x Ci) (fórmula 5)

Onde:
R = Risco geotécnico devido a “n” eventos aleatórios (“i” varia de 1 a “n”);
Pi = Probabilidade de ocorrência do evento aleatório Ei;
Ci = Consequência ou dano do evento aleatório Ei.

16
CARVALHO, C. S. Risco geotécnico em favelas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MECÂNICA DOS
SOLOS E ENGENHARIA GEOTÉCNICA, 11., COBRAMSEG, Brasília, 1998. Anais... Brasília, 1998, v.4,
p.123-141.
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Juliana Koltermann da Silva. Porto Alegre: DECIV/EE/UFRGS, 2016
67

Neste item serão apresentados os seguintes tópicos: Método de Monte Carlo, Índice de
Confiabilidade, Consequências dos eventos adversos e Aceitabilidade do Risco.

5.2.1.5.1 Método de Monte de Carlo

O Método de Monte Carlo é um método probabilístico direto, no qual a função distribuição do


Fator de Segurança é obtida a partir das funções distribuição das variáveis aleatórias dos
parâmetros de entrada (GUEDES17, 1997 apud COSTA, 2005, p. 81). Segundo Costa (2005,
p. 83), os passos do Método de Monte Carlo são:

a) Seleção do modelo determinístico de base para função de desempenho


[geralmente o fator de segurança], como o método de Bishop;

b) Tomada de decisão relativa à quais parâmetros irão ser modelados


probabilisticamente, bem como as funções de distribuição das variáveis de
entrada;

c) Estimativa, respeitando a curva de distribuição de frequência de Gauss (Normal),


dos parâmetros de entrada do modelo determinístico adotado. Para isso, se usa
um falso gerador de números aleatórios que seleciona um valor aleatório para
cada variável de entrada baseado na sua distribuição de probabilidades. E após
isso, usam-se esses valores para resolver a função de desempenho, calculando o
fator de segurança (estes cálculos são normalmente efetuados considerando-se
somente a superfície crítica obtida a partir da análise determinística realizada
previamente);

d) O processo é repetido diversas vezes para se construir a distribuição de


frequências da variável de desempenho (Fator de Segurança), de onde se obtém
suas principais características de variação, o FS [Fator de Segurança] médio e
probabilidade de ruptura do talude Pr, que no caso será a probabilidade de FS≤1.

5.2.1.5.2 Índice de Confiabilidade

O Índice de Confiabilidade é outra maneira de se realizar análises de confiabilidade em um


projeto geotécnico. Conforme Costa (2005, p. 84-85), “O Índice de Confiabilidade (β) é
definido em termos da média (µ) e do desvio padrão (σ) dos fatores de segurança das iterações
[...]”. Este parâmetro de segurança do talude nada mais é que a descrição da estabilidade de
um talude pelo número de desvios padrão que distanciam o fator de segurança médio do fator
de segurança na iminência da ruptura (FS = 1,0) (COSTA, 2005, p. 85). O Índice de
Confiabilidade é apresentado na fórmula 6 e uma visualização dos termos utilizados nessa
fórmula é oferecida na figura 22.

17
GUEDES, M. C. S. Considerações sobre análise probabilística da estabilidade de taludes. 1997.
Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, 1997, 202p.
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
68

β = (µ – 1,0) / σ (fórmula 6)

Onde:
β = Índice de confiabilidade;
µ = Média dos fatores de segurança;
σ = Desvio Padrão dos fatores de segurança.

Figura 21 – Termos utilizados para o cálculo do Índice de Confiabilidade

(fonte: COSTA, 2005, p. 85)

Para se utilizar o Índice de Confiabilidade em uma análise, é preciso que a hipótese de que a
função distribuição Normal do Fator de Segurança é consistente com as funções distribuição
das variáveis de entrada, seja verdadeira. Através de estudos de laboratório, vários autores
puderam confirmar essa hipótese, já que a curva de distribuição de probabilidades de Gauss
foi considerada adequada para representar o comportamento de variáveis geotécnicas
envolvidas em análises de estabilidade de taludes, como a coesão (c’) e a tangente do ângulo
de atrito interno (tan(ϕ’)) (COSTA, 2005, p. 85-86, 112).

O Índice de Confiabilidade também pode ser relacionado à probabilidade de ruptura, caso a


forma da função distribuição de probabilidades do Fator de Segurança seja conhecida. A
figura 23 mostra a relação entre o Índice de Confiabilidade e a Probabilidade de Ruptura se a

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Juliana Koltermann da Silva. Porto Alegre: DECIV/EE/UFRGS, 2016
69

distribuição de probabilidades for Normal (Gaussiana) para o Fator de Segurança


(MACHADO; RIBEIRO18, 2001 apud COSTA, 2005, p. 86).

Figura 22 – Relação entre Índice de Confiabilidade e Probabilidade de Ruptura para


um Fator de Segurança com distribuição de probabilidades Normal

(fonte: MACHADO; RIBEIRO, 2001 apud COSTA, 2005, p. 86)

5.2.1.5.3 Consequências dos eventos adversos

Para Costa (2005, p. 93), análises de risco quantitativas envolvem a determinação de dois
modelos, que juntos consistem no modelo de risco: modelo do processo de instabilização e
modelo de consequências. Como um exemplo simplificado desse tipo de análise, Costa (2005)
apresentou uma análise quantitativa feita por Carvalho (1998).

Neste exemplo, Carvalho19 (1998 apud COSTA, 2005, p. 94) utilizou como uma
representação gráfica do modelo do processo de instabilização uma árvore de eventos, onde
os eventos aleatórios (Eis) relacionados às possíveis formas de evolução do processo de
instabilização estão colocados em ordem cronológica (figura 24). As consequências foram
divididas entre custos associados à destruição das propriedades localizadas na área de risco e
mortes das pessoas residentes nessas moradias. Ambos os elementos em risco (moradias e

18
MACHADO, S. L.; RIBEIRO, M. P. Estudo estatístico de parâmetros de resistência de um solo residual de
Granulito. In: CONFERÊNCIA BRASILEIRA SOBRE ESTABILIDADE DE ENCOSTAS, 3., COBRAE,
Rio de Janeiro, 2001. Anais... Rio de Janeiro: ABMS, 2001, p.345-353.
19
CARVALHO, C. S. Risco geotécnico em favelas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MECÂNICA DOS
SOLOS E ENGENHARIA GEOTÉCNICA, 11., COBRAMSEG, Brasília, 1998. Anais... Brasília, 1998, v.4,
p.123-141.
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
70

habitantes) receberam um grau de vulnerabilidade máximo (igual a 1,0), para simplificar o


problema. Então, o modelo de consequência referente aos custos (fórmula 7) e às mortes
(fórmula 8) foi determinado como segue (CARVALHO, 1998 apud COSTA, 2005, p. 95).

Figura 23 – Árvore de Eventos para modelo do processo de instabilização

(fonte: CARVALHO, 1998 apud COSTA, 2005, p. 95)

Cst = Dmd * V (fórmula 7)

M = Dmd * T (fórmula 8)

Onde:
Dmd = Número de moradias destruídas;
Cst = Prejuízo monetário;
V = Valor de uma moradia (admitido constante);
M = Número de mortes;
T = Número de habitantes em uma moradia (admitido constante).

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71

O risco foi determinado a partir do uso das probabilidades apresentadas na árvore de eventos,
das fórmulas 7 e 8 (para o cálculo das consequências) e da fórmula 5 (CARVALHO20, 1998
apud COSTA, 2005, p. 95). Vale ressaltar que no trabalho de Carvalho (1998), as
probabilidades utilizadas para a análise de risco foram probabilidade subjetivas. Portanto,
Carvalho (1998 apud COSTA, 2005, p. 96) faz algumas ponderações sobre o uso de
probabilidades subjetivas em análises, que merecem ser expostas neste trabalho também:

a) Mais de um avaliador de probabilidades de ocorrência dos processos devem


fazer a estimativa das probabilidades subjetivas, de forma independente, e
quando houver muita divergência entre os resultados, isso indicará a
necessidade de se realizar estudos mais profundos;
b) Em casos nos quais não há amostras suficientes que sejam representativas
estaticamente dos processos de instabilização, o uso de probabilidades
subjetivas, adotadas por meio de julgamento de profissionais geotécnicos
especialistas nos fenômenos físicos envolvidos nas situações as quais se deve
analisar, permite uma abordagem quantitativa à análise de risco em questão.

5.2.1.5.4 Aceitabilidade do Risco Geotécnico

Este trabalho se limitará a apresentar apenas uma das formas que Costa (2005) explicitou em
seu trabalho, a fim de evitar delongas e reproduzir explicações sobre técnicas que não são
possíveis de serem utilizadas no Brasil atualmente, uma vez que necessitam de um banco de
dados e posterior tratamento estatístico.

Uma das maneiras mais correntes de se analisar a aceitabilidade de um risco geotécnico é


compará-lo com outros riscos aceitáveis que existem no cotidiano das pessoas. Conforme
Fell21 (1994 apud COSTA, 2005, p. 99-100, 103-104):

a) Há indícios que a população aceite níveis de risco voluntários (como esportes e


dirigir) maiores que níveis de risco involuntário (que são impostos à ela);
b) A escala do risco muda sua aceitabilidade: muitos eventos adversos com
poucas mortes são mais aceitáveis que poucos eventos com um número grande
de fatalidades, mesmo que esse número de morte seja o mesmo;
c) Riscos comuns de 10-3 e 10-4 por ano são aceitáveis para riscos voluntários, mas
a população exige riscos 1000 vezes menores para riscos involuntários serem
aceitos, da ordem de 10-6, no máximo chegando a 10-5 ao ano;

20
CARVALHO, C. S. Risco geotécnico em favelas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MECÂNICA DOS
SOLOS E ENGENHARIA GEOTÉCNICA, 11., COBRAMSEG, Brasília, 1998. Anais... Brasília, 1998, v.4,
p.123-141.
21
FELL, R. Landslide risk assessment and acceptable risk. Canadian Geotechnical Journal. Canada, v.31,
p.261-272, 1994.
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
72

d) No âmbito de escorregamentos/deslizamentos, a sociedade aceita riscos


maiores para os eventos naturais, se isso evitar evacuações de moradores das
áreas de riscos. Isso acontece porque parece haver uma preocupação maior com
a desvalorização ou perda da propriedade do que com a possibilidade da perda
de vidas;
e) Ainda no contexto de deslizamentos de terra, Fell concluiu que: para danos
materiais, a sociedade aceitaria riscos da ordem de 10-2 ao ano, para
escorregamentos naturais, riscos anuais de perdas de vidas da ordem de 10-3, e
para escorregamentos que envolvam estruturas/taludes melhorados ou
construídos pelo homem, um risco anual de perdas de vidas da ordem de 10-5
seria o máximo aceitável;
f) Possivelmente, níveis de risco menos conservadores possam ser aceitos em
rodovias, se comparados com os níveis aceitáveis para taludes urbanos.

5.2.2 Proposta de Metodologia para Análise Probabilística de Taludes de


Terra

A proposta metodológica para análise probabilística de taludes de terra que consta nessa
seção, e que foi apresentada por Costa (2005) na sua dissertação de mestrado, é adaptada de
uma metodologia desenvolvida por El-Ramly22 (2001). Essa metodologia representa a
tentativa de se introduzir métodos probabilísticos na prática de análises e projetos geotécnicos
atuais no Brasil (COSTA, 2005, p. 105).

5.2.2.1 Considerações iniciais

Inicialmente, deve-se indicar as condições para as quais a metodologia proposta pode ser
utilizada. De acordo com Costa (2005, p. 105):

Devido à dificuldade em quantificar a incerteza do modelo de forma confiável, esta


proposta de metodologia será focada principalmente nos problemas onde esta
incerteza não seja tão importante. Isso inclui os taludes de solo granulares grosseiros
não estruturados, solos granulares finos saturados e não estruturados, deslizamento
ao longo de planos de cisalhamento pré-existentes que venham a mobilizar a
resistência residual e aterros adequadamente compactados.

Além disso, a análise probabilística necessita ser levada em consideração desde a primeira
etapa do projeto, no nível de planejamento da investigação geotécnica, até a análise de

22
EL-RAMLY, H. Probabilistic analysis of landslide hazards and risks: bridging theory and practice. 2001.
Thesis (Doctor of Philosophy in Geotechnical Engineering), Faculty of Graduate Studies and Research,
Department of Civil and Environmental Engineering, Edmonton, Alberta, Canada; Jan., 2001, 391p.
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Juliana Koltermann da Silva. Porto Alegre: DECIV/EE/UFRGS, 2016
73

estabilidade propriamente dita. Para a análise de estabilidade do talude, é feito uso de um


programa computacional que realiza a Simulação de Monte Carlo e que possibilita a interação
com planilhas eletrônicas comerciais. No caso da dissertação, utilizou-se o programa
Slope/W, da Geo-slope International Ltd., versão 5, tanto para a análise determinística quanto
para a probabilística (COSTA, 2005, p. 106, 110).

5.2.2.2 Análise Determinística Prévia

A realização de uma análise determinística previamente à análise probabilística é muito


importante, principalmente para guiar o estudo subsequente e, também, para ajudar na
interpretação dos resultados finais. Na análise determinística prévia feita na dissertação de
Costa (2005), o método de equilíbrio limite utilizado foi o de Spencer, que considera tanto
equilíbrio de forças quanto o equilíbrio de momentos (COSTA, 2005, p. 106, 109).

Matematicamente, métodos que consideram os dois tipos de equilíbrios geram resultados


melhores, mas no momento da escolha de qual método usar para a análise, procedimentos e
práticas locais e a experiência do projetista podem ser levados em consideração também
(COSTA, 2005, p. 108-109).

De uma maneira breve e geral, as principais etapas de uma solução determinística de um


projeto de estabilidade de taludes são (BRESSANI23, 2004 apud COSTA, 2005, p. 106-107):

a) Estudos preliminares de escritório e levantamento de campo;


b) Estudo de campo inicial;
c) Projeto de investigação de campo e análise de dados;
d) Reavaliação do modo e extensão do escorregamento;
e) Investigações de campo e laboratório;
f) Determinação do modelo geomecânico;
g) Análises de estabilidade e avaliação do risco;
h) Projeto de estabilização;
i) Construção.

5.2.2.3 Análise Probabilística

As principais etapas da análise probabilística são (COSTA, 2005, p. 109):

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
74

a) identificação dos fenômenos e modos de ruptura envolvidos no problema através


da Geologia, Topografia e Geomorfologia;

b) definição dos mecanismos. Avaliar os tipos de movimentos, estabelecer o modelo


geomecânico preliminar, planejar a investigação geotécnica e definir o modelo
geomecânico final. Adotam-se valores para os parâmetros de entrada com base
na investigação geotécnica, bibliografia e conhecimento prévio do projetista;

c) estabelecimento do fator de segurança (FS). A metodologia probabilística é


inserida para auxiliar a investigação geotécnica (planejamento de quais dados
buscar e sua quantidade); obter a variabilidade dos parâmetros de resistência e
poro-pressão (médias e desvios padrão) definindo suas incertezas; além de
estimar da probabilidade de desempenho insatisfatório (ameaça) [probabilidade
de ruptura] e o índice de confiabilidade (β) através dos métodos probabilísticos;

d) avaliação das consequências (danos) do processo de instabilização, do risco


geotécnico e da sua aceitabilidade.

Nessa proposta de metodologia, as incertezas dos parâmetros de entrada são abordadas de


forma total, sem diferenciação quanto às suas origens, a partir da consideração da média e do
desvio padrão das variáveis aleatórias de entrada do modelo. “Os parâmetros de resistência e
poro-pressão tipicamente serão os primeiros a serem considerados como variáveis aleatórias”,
sendo que outros parâmetros, como espessura de uma determinada camada, podem ser
tratados como variável aleatória dependendo de sua variabilidade, e se for necessária essa
consideração (COSTA, 2005, p. 110).

Quando o número de dados referentes aos parâmetros de entrada se apresenta em grande


quantidade (mais que 1000 dados), a função distribuição de probabilidades real obtida
diretamente dos dados é razoável e pode ser usada na análise sem ajustes. Quando essa
quantidade for menor que o mínimo exigido para a utilização da distribuição real dos dados,
uma distribuição paramétrica é ajustada aos dados amostrais e, então, lança-se mão dessa
distribuição paramétrica para servir de parâmetro de entrada para o método probabilístico. Já
quando os dados são em pequeno número ou ausentes, distribuições paramétricas são
assumidas (COSTA, 2005, p. 111). Como já foi mencionado anteriormente, distribuições
normais e log-normais são as mais utilizadas em engenharia geotécnica.

Idealmente, para cada conjunto de parâmetros de entrada gerados aleatoriamente pelo Método
de Monte Carlo, uma nova superfície de ruptura crítica para o talude deveria ser gerada para
então analisar-se o fator de segurança, a probabilidade de ruptura e o índice de confiabilidade.
Entretanto, isso demandaria um elevado esforço computacional e tempo de cálculo. Então, a

23
BRESSANI, L. A. Comunicação Pessoal. 2004. Notas de aula.
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Juliana Koltermann da Silva. Porto Alegre: DECIV/EE/UFRGS, 2016
75

metodologia propõe que o problema seja simplificado, utilizando-se uma superfície de ruptura
fixa para todos os cálculos, e essa superfície é a superfície de ruptura crítica encontrada a
partir da análise determinística prévia (COSTA, 2005, p. 112-113).

O Método de Monte Carlo é utilizado nessa metodologia exatamente como foi descrito no
item 5.2.1.5.2 do presente trabalho, a partir do uso do programa Slope/W. O programa é
responsável pela modelagem da variabilidade espacial dos parâmetros aleatórios de entrada, e
para tal, gera números aleatórios para a estimativa dos parâmetros de entrada e dos
coeficientes de correlação, que expressam a ligação entre os parâmetros de resistência ao
cisalhamento do solo (COSTA, 2005, p.115-116). Estes parâmetros (c’ e ϕ’) são geralmente
correlacionados negativamente, ou seja, maiores valores de coesão diminuem o ângulo de
atrito interno do solo. Esses coeficientes de correlação podem variar entre -0,72 e 0,35,
dependendo do tipo de solo (SLOPE/W USER’S GUIDE24, 2002 apud COSTA, 2005, p.116).

O número de iterações do Método de Monte Carlo é fundamental para a acurácia da análise


probabilística. Para descobrir qual é o número mínimo de iterações do método que deve ser
utilizado para um resultado razoável, Costa (2005, p. 117) propõe executar:

[...] a mesma análise algumas vezes com o mesmo número de iterações. Se as duas
soluções forem bastante diferentes, deve-se elevar o número de iterações até que as
diferenças entre as soluções atinjam um valor tolerável, ou seja, a resposta da
simulação estabilize com a elevação do número de iterações.

Finalmente, “o principal resultado da análise probabilística é a função densidade de


probabilidades (PDF) do fator de segurança, da qual a média e o desvio padrão podem ser
inferidos” (EL-RAMLY25, 2001 apud COSTA, 2005, p. 118). O resultado obtido é similar ao
ilustrado na figura 22. A probabilidade de ruptura pode ser entendida como a probabilidade
das forças instabilizantes ultrapassarem as resistentes em um talude, sendo calculada como a
razão entre o número de iterações para os quais o FS ≤ 1 e número total de iterações feitas
pelo Método de Monte Carlo (COSTA, 2005, p. 118).

Vale ressaltar que os resultados dessa análise probabilística, assim como todos os resultados
de análises de risco, não consideram os efeitos do tempo. Segundo Costa (2005, p. 121), “[...]

24
SLOPE/W USER’S GUIDE. Slope/W for slope stability analysis. [Manual do Slope/W]. Geo-slope Office,
version 5.13. Calgary, Alberta, Canada: Geo-slope International Ltd., 2002, 504 p. 1 CD-ROM.
25
EL-RAMLY, H. Probabilistic analysis of landslide hazards and risks: bridging theory and practice. 2001.
Thesis (Doctor of Philosophy in Geotechnical Engineering), Faculty of Graduate Studies and Research,
Department of Civil and Environmental Engineering, Edmonton, Alberta, Canada; Jan., 2001, 391p.
__________________________________________________________________________________________
Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
76

o impacto do tempo sobre a estabilidade somente poderá ser avaliado por outra análise com as
distribuições de probabilidade dos parâmetros de resistência revisadas”.

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6 METODOLOGIA INTERNACIONAL PARA AVALIAÇÃO DE RISCO


GEOTÉCNICO

Este capítulo apresentará a metodologia proposta por Fell et al. no artigo denominado “A
framework for landslide risk assessment and management”, que é um dos oito artigos
considerados como “estado-da-arte” no assunto e publicados no livro “Landslide Risk
Management” em 2005. O artigo aborda os processos necessários para a execução de uma
avaliação de risco conforme o framework apresentado na seção 4.2 deste trabalho, tanto para
uma abordagem qualitativa quanto quantitativa, e oferece alguns exemplos simplificados de
avaliação de risco. Quando houve necessidade, os conceitos e práticas apresentados por Fell et
al. foram complementados por diretrizes fornecidas pela Australian Geomechanics Society
para Gerenciamento de Risco de Deslizamento, divulgadas nos anos de 2000 e 2007.

O capítulo também descreve um exemplo hipotético de uma avaliação de risco em um aterro


rodoviário, que consta no artigo escrito por Fell et al. (2005), a fim de ilustrar os processos
apresentados, e algumas aplicações internacionais dessa metodologia em avaliações de risco
de deslizamentos. Geralmente, essas aplicações são adaptações necessárias da metodologia
para a realidade de cada país, devido às diferentes necessidades e restrições impostas aos
responsáveis pelas análises de risco geotécnico.

6.1 AVALIAÇÃO DE RISCO DE DESLIZAMENTOS

A terminologia utilizada na metodologia e os passos para a realização da avaliação de risco


geotécnico são as mesmas apresentadas na Introdução e no capítulo 4 deste trabalho e, por
isso, não serão postas nessa seção novamente. Este item tem como objetivo detalhar as
diversas etapas contidas no framework (item 4.2, página 49).

6.1.1 Definição do Escopo

Segundo Fell et al. (2005, p. 7, tradução nossa), a definição do Escopo é útil para “Garantir
que a análise de risco atenda os problemas relevantes, satisfaça as necessidades daqueles
__________________________________________________________________________________________
Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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interessados, e para evitar mal-entendidos”. Essa primeira etapa do processo de avaliação de


risco de deslizamentos consiste em responder os seguintes itens referentes à avaliação que se
quer realizar (FELL et al., 2005, p. 7, tradução nossa):

a) Qual é o objeto e o objetivo de análise (sítio específico, ou um número de


sítios, ou zoneamento de perigo para planejamento do uso do solo, ou uma
avaliação de risco global para uma determinada área ou infraestrutura);
b) Quais são os limites geográficos do(s) movimento(s) de massa;
c) A que será limitada a avaliação de risco (aos danos de propriedades ou também
incluirá potencial de perda de vida ou lesões às pessoas atingidas);
d) Qual é a extensão dos estudos geológicos e geotécnicos necessários para a
realização da avaliação de risco;
e) Quais serão as abordagens a serem utilizadas para a caracterização dos
movimentos de massa e para determinação da frequência de ocorrência desses
e suas consequências;
f) Se a análise de risco será qualitativa ou quantitativa;
g) Quem irá decidir os critérios de aceitabilidade do risco ou por qual processo
isso será avaliado;
h) Quais são as restrições financeiras e operacionais para a análise;
i) Responsabilidades legais de cada parte envolvida na avaliação de risco;
j) Qual será o resultado final da análise de risco (relatório ou mapa) e como ele
será comunicado às diversas partes interessadas.

6.1.2 Análise de Perigo

A etapa de análise de Perigo é subdividida em: caracterização do deslizamento potencial


(caracterização da ameaça) e análise da frequência de ocorrência do deslizamento. A primeira
parte dessa etapa independe do tipo de abordagem da avaliação de risco, já a segunda parte,
referente à frequência, muda com o tipo de análise, se qualitativa ou quantitativa.

6.1.2.1 Caracterização do movimento de massa (ameaça)

Fell et al. (2005, p. 8, tradução nossa) indicam que a caracterização do deslizamento exige,
por parte dos profissionais geotécnicos responsáveis pela execução dessa etapa, conhecimento
dos mecanismos de ruptura e de deslizamentos de taludes e entendimento da relação desses
mecanismos com a geomorfologia, geologia, hidrologia, clima e vegetação presentes em cada
caso de estudo. É importante, portanto, que eles tenham experiência e treinamento em

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79

deslizamentos de taludes, uma vez que o resultado da análise de risco tende a ser controlado
pelos efeitos dos movimentos de massa determinados nessa etapa. A omissão, subestimação
ou superestimação desses efeitos pode prejudicar o resultado do estudo. Durante a etapa de
caracterização da ameaça, deve ser possível realizar (FELL et al., 2005, p. 8, tradução nossa):

a) Uma classificação dos deslizamentos potenciais conforme o sistema de Varnes,


considerando que um determinado sítio pode ser afetado por mais de um
movimento de massa e, por isso, uma lista dos possíveis deslizamentos deve
ser desenvolvida;
b) Uma avaliação da extensão física de cada movimento em potencial com
determinação do local, da extensão de área e do volume envolvido em cada
um;
c) Uma avaliação do provável evento desencadeador do movimento, das
características geotécnicas dos materiais envolvidos, como resistência ao
cisalhamento, poro-pressões, e da mecânica do deslizamento;
d) Uma estimativa antecipada dos prováveis percurso, distância, profundidade e
velocidade do deslizamento, se ele ocorrer, e uma estimativa da probabilidade
do deslizamento atingir a área onde o elemento em risco está (PT:L);
e) Uma identificação dos possíveis sinais de movimentação, que possam servir de
aviso pré-ruptura e ser monitorados.

Os autores observam que além dos movimentos presentes dentro do sítio em análise,
movimentações de solo/rocha acima ou abaixo do talude em estudo também devem ser
considerados, já que eles podem afetar os elementos em risco. Além disso, a caracterização
das diversas ameaças, e consequentemente a estimativa do risco, deve ser feita levantando-se
todos os eventos possíveis (dos mais frequentes e de menor magnitude, até os mais raros e,
por isso, de magnitudes maiores), mesmo que o risco frequentemente seja dominado pelos
eventos de maior frequência. Se há propostas de desenvolvimento e de mudanças estruturais
ou geotécnicas na área em análise, essas devem também ser consideradas na análise de risco,
porque podem alterar a natureza e a frequência dos movimentos de massa (FELL et al., 2005,
p. 8, tradução nossa).

6.1.2.2 Análise de frequência

Para se determinar a frequência de ocorrência de deslizamentos, os responsáveis pela


execução da análise de risco podem optar entre seguir uma abordagem qualitativa ou adotar
um dos métodos quantitativos. Fell et al. (2005, p. 8, tradução nossa) preferem o uso da
abordagem quantitativa para a estimativa da frequência, pois, segundo os autores, ela
__________________________________________________________________________________________
Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
80

proporciona resultados uniformes em termos quantitativos e permite que o resultado da


análise de risco seja comparado com critérios quantitativos de aceitabilidade de riscos e
também com riscos causados por outras ameaças, os quais as partes interessadas na análise
poderão associar com o risco geotécnico.

6.1.2.2.1 Abordagem qualitativa

Na abordagem qualitativa, são utilizados descritores para determinar uma frequência de


ocorrência qualitativa para o movimento de massa. Ferramentas como sistemas e matrizes de
classificação e esquemas de pontuação são algumas das possibilidades para abordar a
frequência qualitativamente (FELL et al., 2005, p. 12, tradução nossa).

A tabela 1, a seguir, mostra um exemplo adaptado da Australian Geomechanics Society


(AGS) para determinar a possibilidade de um deslizamento. Nesse caso, a possibilidade
engloba a frequência do deslizamento, a probabilidade do deslizamento alcançar o elemento
em risco e probabilidade espacial temporal que o elemento em risco esteja na área a ser
atingida pelo deslizamento na hora de sua ocorrência (FELL et al., 2005, p. 12, tradução
nossa).

Tabela 1 – Medidas qualitativas de possibilidade de um deslizamento

(fonte: adaptado de AUSTRALIAN GEOMECHANICS SOCIETY, 2000, p. 87, tradução nossa)

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Em 2007, a AGS publicou uma nova diretriz para ajudar na uniformização e interpretação de
medidas qualitativas de possibilidade de deslizamentos para perdas em propriedades. O
quadro A.1 no Anexo A mostra a complementação da tabela 1 com as considerações e
experiências adquiridas nos anos seguintes à publicação feita em 2000 (AUSTRALIAN
GEOMECHANICS SOCIETY, 2007, p. 76, tradução nossa).

6.1.2.2.2 Abordagem quantitativa

Há várias formas de se expressar uma frequência de ocorrência de deslizamento


quantitativamente, como: o número de um certo tipo de movimento de massa que pode
ocorrer em uma determinada área em um ano; a probabilidade de que um deslizamento ocorra
em um talude específico em um ano; e a probabilidade de que as forças instabilizantes
ultrapassem as resistentes em um talude, através da consideração da probabilidade anual da
poro-pressão crítica ser excedida. Entretanto, o que há de comum entre todas as metodologias
é que a análise da frequência deve ser feita para cada tipo de deslizamento identificado e
caracterizado na etapa anterior (INTERNATIONAL UNION OF GEOLOGICAL
SOCIETY26, 1997 apud FELL et al., 2005, p. 8, tradução nossa).

Conforme o INTERNATIONAL UNION OF GEOLOGICAL SOCIETY (1997 apud FELL et


al., 2005, p. 8, tradução nossa), algumas maneiras de se calcular a frequência de ocorrência de
deslizamentos são:

a) Dados históricos dentro da área de estudo, ou áreas com características similares,


por exemplo, geologia, geomorfologia;

b) Métodos empíricos baseados em correlações em conformidade com sistemas de


classificação de instabilidade de taludes;

c) Uso de evidências geomorfológicas (juntamente com dados históricos), ou


baseadas em julgamento de especialistas;

d) Relação com a frequência e a intensidade do evento desencadeador, por exemplo,


chuva, terremoto;

e) Avaliação direta baseada em julgamento de especialistas, a qual pode ser


realizada com referência a um modelo conceitual, por exemplo, uso de uma
metodologia de árvore de falhas;

26
INTERNATIONAL UNION OF GEOLOGICAL SCIENCES. Quantitative risk assessment for slopes and
landslides – the State of the Art. In: CRUDEN, D.; FELL, R. (Ed.) Landslide Risk Assessment. Balkema,
Rotterdam, 1997, p. 3-12.
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
82

f) Modelagem da variável primária, por exemplo, pressões piezométricas versus


evento desencadeador, acompanhado da variação de níveis de conhecimento de
geometria e resistência ao cisalhamento;

g) Aplicação de métodos probabilísticos, levando em consideração a incerteza na


geometria do talude, na resistência ao cisalhamento, no mecanismo de ruptura, e
nas pressões piezométricas [...];

h) Combinações dos métodos acima.

Fell et al. (2005, p. 8, tradução nossa) recomendam que é apropriado usar mais que um dos
métodos acima na análise de risco e que é importante que a probabilidade de deslizamento
(PL) seja expressa como um frequência “por ano”, já que os critérios quantitativos de
aceitabilidade do risco para perda de vidas costumam ser expressos dessa forma. Esses
autores ainda comentam que, devido às várias incertezas envolvidas no processo e às
restrições de dados, para a maioria dos casos, calcular a estimativa da frequência de
deslizamento através de dados históricos, evidências geomorfológicas e relações com o
evento desencadeador é geralmente mais confiável que utilizar métodos probabilísticos mais
detalhados e rigorosos (FELL et al., 2005, p. 9, tradução nossa).

6.1.3 Análise de Consequências

A etapa de análise das consequências no processo de avaliação de risco geotécnico depende


também do tipo de abordagem que será seguida (qualitativa ou quantitativa). Mas, de uma
forma geral, em ambas metodologias são necessárias uma identificação e quantificação dos
elementos em risco e uma avaliação da vulnerabilidade desses, em termos de danos à
propriedade e lesão/perda de vida, como apropriado ao estudo de caso (FELL et al., 2005, p.
9, tradução nossa).

O significado de elemento em risco adotado por Fell et al. (2005) já foi apresentado neste
trabalho e, por isso, sua exposição nesta seção está dispensada. Entretanto, esses autores
adicionaram algumas observações relevantes, principalmente quando o objeto de estudo da
análise de risco se trata de uma rodovia com diversos tipos de movimentos de massa. A
primeira observação é a que, dentro de uma série de elementos em risco (como prédios,
população, infraestrutura, etc.), os veículos usualmente seriam categorizados em: carros,
caminhões e ônibus, uma vez que o número provável de pessoas que estariam nesses veículos
difere. Já a segunda observação refere-se a uma ressalva: os elementos em risco são
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83

provavelmente dependentes da natureza do movimento de massa e, portanto, a análise de


consequência deve ser executada para cada tipo de deslizamento identificado e caracterizado
nas etapas anteriores (FELL et al., 2005, p. 9, tradução nossa).

6.1.3.1 Abordagem qualitativa

Assim como para a determinação da frequência de ocorrência de deslizamentos, para a


avaliação das consequências na abordagem qualitativa são utilizados descritores e as mesmas
ferramentas elencadas anteriormente no item 6.1.2.2.1. Como continuação do exemplo
adaptado da AGS, a tabela 2 mostra descritores para avaliação das consequências de danos à
propriedade. A AGS recomenda que abordagens qualitativas (como a da figura abaixo) sejam
somente aplicadas a casos de análises de risco a propriedades (AUSTRALIAN
GEOMECHANICS SOCIETY, 2000, p. 62, 87, tradução nossa). Nesses casos, as
consequências incluem as vulnerabilidades e os valores dos elementos em risco.

Tabela 2 – Medidas qualitativas de consequências à propriedade

(fonte: adaptado de AUSTRALIAN GEOMECHANICS SOCIETY, 2000, p. 87, tradução nossa)

Também foram feitas complementações à tabela 2 pela AGS em 2007. O quadro A.2 no
Anexo A apresenta as medidas qualitativas de consequências à propriedade atualizadas. Essa
atualização foi feita direcionada ao desenvolvimento residencial, mas também pode ser

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
84

utilizada em outras situações (AUSTRALIAN GEOMECHANICS SOCIETY, 2007, p. 76,


tradução nossa).

6.1.3.2 Abordagem quantitativa

Em uma abordagem quantitativa, além da identificação e caracterização dos elementos em


risco, é necessário avaliar a probabilidade do deslizamento alcançar o elemento em risco
(PT:L), a probabilidade espacial temporal (PS:T) e a vulnerabilidade dos mesmos, geralmente
distinta para danos a propriedades (Vprop:T) e para perda de vida (VD:T). Porém, Fell et al.
(2005, p. 9, tradução nossa) complementam que as consequências podem não estar limitadas
somente aos danos a propriedades e perdas de vida, mas também podem incluir custos
indiretos, como indenizações, processos e perdas econômicas (se uma rodovia for interditada
por dias, impedindo o tráfego e afetando empresas) no caso da ocorrência de um desastre.

A probabilidade do deslizamento atingir o elemento em risco (PT:L) varia de acordo com a


localização do elemento em risco em relação à fonte do movimento de massa e o provável
trajeto a ser percorrido pelo mesmo a partir da fonte. Essa probabilidade é expressa por um
valor entre 0 e 1, sendo (FELL et al., 2005, p. 9, tradução nossa):

a) Para prédios que são localizados na fonte do deslizamento PT:L=1;

b) Para prédios ou pessoas localizados abaixo da fonte do deslizamento e no


caminho do trajeto resultante do deslizamento, PT:L é calculada levando em
consideração a distância do trajeto do deslizamento, a localização da fonte do
deslizamento, e o elemento em risco;

c) Para veículos e pessoas em veículos, ou pessoas caminhando na área abaixo da


fonte do deslizamento no caminho do trajeto resultante (rastro) do deslizamento,
PT:L é calculada levando em consideração a distância do trajeto do deslizamento,
e o caminho a ser seguido pelo veículo ou pessoa. Se o veículo ou pessoa está no
caminho no momento do deslizamento é considerado através da probabilidade
espacial temporal (PS:T).

A probabilidade espacial temporal (PS:T) é “[...] a probabilidade que o elemento em risco


esteja na área afetada pelo perigo no momento de sua ocorrência. É uma probabilidade
condicional, e é entre 0 e 1” (FELL et al., 2005, p. 9, tradução nossa). Conforme Fell et al.
(2005, p. 9-10, tradução nossa), essa probabilidade muda dependendo do elemento em risco:

a) Para prédios sobre ou no caminho do deslizamento, a probabilidade espacial


temporal é 1;

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85

b) Para um único veículo que passa abaixo de um único deslizamento, é a proporção


de tempo em um ano em que ele estará no caminho do deslizamento;

c) Para todos os veículos que passam abaixo de um único deslizamento, é a


proporção de tempo em um ano em que um veículo estará no caminho do
deslizamento. [...];

d) Para pessoas em um prédio, é a proporção de tempo em um ano que as pessoas


ocupam o prédio (0-1.0). Isso é provavelmente diferente para cada pessoa.

Os autores completam que “Para pessoas em veículos, a probabilidade espacial temporal será
como para b) e c). Entretanto ela pode variar para uma pessoa em um carro, e quatro pessoas
em um carro”, e, em alguns casos, será necessário levar em consideração no cálculo da
probabilidade espacial temporal se haverá possibilidade de um aviso para evacuação da área
afetada pelo deslizamento. Em todas as situações, o tipo de deslizamento, seu volume e sua
velocidade, a presença ou não de sinais de movimentação, de sistemas de aviso e evacuação, e
os próprios elementos em risco (como a mobilidade das pessoas) devem ser avaliados para a
determinação da probabilidade espacial temporal (FELL et al., 2005, p. 10, tradução nossa).

Por fim, para determinar a vulnerabilidade de propriedades (Vprop:T) ao deslizamento é


importante saber os fatores que mais afetam esse parâmetro, que são: o volume (com relação
ao da propriedade) e a velocidade do deslizamento; a posição relativa do elemento em risco e
do deslizamento; e a magnitude dos deslocamentos do deslizamento e dos deslocamentos
diferenciais dentro do mesmo. Os autores observam que, no que diz respeito à vulnerabilidade
de propriedades, “Deslizamentos que se movem devagar (particularmente aqueles com
superfície de ruptura horizontal quase plana) podem causar poucos danos, com exceção para
as estruturas que estão nas fronteiras do deslizamento e por isso experimentam deslocamentos
diferenciais” (FELL et al., 2005, p. 10, tradução nossa).

Já os fatores que mais influenciam na vulnerabilidade de pessoas (VD:T) são: a velocidade


do deslizamento (independentemente do volume); o volume do deslizamento; o grau de
proteção da pessoa contra o impacto do deslizamento (se a pessoa está dentro de um prédio ou
veículo, ou não); e a resistência à ruptura e o tipo de ruptura de um prédio se ele for atingido
por um deslizamento (se houver pessoas dentro do mesmo) (FELL et al., 2005, p. 10, tradução
nossa).

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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6.1.4 Estimativa de Risco

A última etapa de uma análise de risco é a estimativa do risco e, como as duas etapas
anteriores, essa também depende da abordagem adotada para a análise. Por isso, esse item
será subdividido em: abordagem qualitativa e abordagem quantitativa.

6.1.4.1 Abordagem qualitativa

Como a frequência de ocorrência de deslizamentos e as consequências, a estimativa do risco


na abordagem qualitativa é feita através de descritores, a partir do uso de uma das ferramentas
citadas no item 6.1.2.2.1. Fell et al. (2005, p. 12, tradução nossa) propõem que uma análise de
risco qualitativa tem uma função importante em um programa de gerenciamento de riscos de
deslizamentos, porque oferece uma comparação relativa de riscos de diferentes sítios em um
mesmo estudo de caso, possibilitando uma priorização de ações futuras para diminuir o risco
apresentado pelo grande número de sítios. Além disso, quando utilizada juntamente com
julgamento de especialistas, pode determinar se um determinado perigo está colocando vidas
sob significante risco, exigindo medidas de redução de risco imediatas, sem a necessidade de
elaborar um estudo quantitativo. Entretanto, essa metodologia possui muitas limitações, como
a subjetividade e imprecisão dos descritores, que podem resultar em um análise com
resultados muito variados, os quais não poderão ser avaliados contra critérios de
aceitabilidade de risco, pois estes não existem em termos qualitativos (FELL et al., 2005, p.
12-13, tradução nossa).

Para que a análise de risco qualitativa agregue valor e forneça resultados coerentes, Fell et al.
(2005, p. 12, tradução nossa) advertem que ela deve ser realizada de maneira crítica e
preferencialmente supervisionada através de revisões de especialistas na área. Ainda, quando
for utilizada para estimar riscos de perda de vida e como suporte para decisões em sítios
específicos, extremo cuidado deve ser tomado, devido às deficiências associadas a este tipo de
abordagem (FELL et al., 2005, p. 13, tradução nossa). A tabela 3 mostra uma matriz de uma
análise de risco geotécnico qualitativa, seguindo o exemplo da AGS.

Em 2007, a tabela 3 foi complementada pela AGS, seguindo as atualizações feitas nas tabelas
1 e 2, de possibilidade de deslizamentos e consequências respectivamente. O quadro A.3,
presente no Anexo A, mostra a versão atualizada para a matriz qualitativa de análise de risco à
propriedade. Já o Quadro A.4 mostra as implicações dos níveis de risco que podem ser
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obtidos como resultado de uma análise de risco (AUSTRALIAN GEOMECHANICS


SOCIETY, 2007, tradução nossa).

Tabela 3 – Matriz qualitativa de análise de risco – classes de risco à propriedade

(fonte: adaptado de AUSTRALIAN GEOMECHANICS SOCIETY, 2000, p. 87, tradução nossa)

6.1.4.2 Abordagem quantitativa

Conforme Fell et al. (2005, p. 10, tradução nossa), há várias formas de se calcular o risco e
apresentá-lo, e é útil determiná-lo de diferentes maneiras, sendo que as mais praticadas são as
seguintes:

a) Calcular o risco anual (valor esperado) através da soma das multiplicações da


probabilidade de ocorrência da ameaça com suas consequências, para todos os
perigos identificados. Para danos a propriedades e custos indiretos, o risco
anual é expresso como um valor em dinheiro relativo aos danos por ano ($x
danos por ano), já para perda de vida, o risco anual é o número potencial de
vidas perdidas em um ano, devido a esses perigos;
b) Apresentar pares de frequência e consequência (f-N), que seriam as expressões
das probabilidades anuais separadamente, de acordo com seu respectivo grau
de consequência. Por exemplo: probabilidade anual de poucos danos ($x), de
danos médios ($y) e de grandes danos ($z), probabilidade anual de perda de
uma vida, de cinco vidas, de 100 vidas;
c) Plotar o par frequência cumulativa e consequência (F-N) em um gráfico
representando o critério de tolerância ao risco da sociedade (como o da figura
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
88

25). Nesse caso, a frequência (F) plotada no gráfico indica a probabilidade


anual de N ou mais vidas serem perdidas.

Figura 24 – Exemplo de gráfico indicando o critério de tolerância ao risco de uma


sociedade (Curva F-N)

(fonte: adaptado de GEOTECHNICAL ENGINEERING OFFICE27, 1998 apud FELL et al., 2005,
p. 11, tradução nossa)

A fórmula 9 expressa o cálculo para a determinação do risco anual a propriedades, já a


fórmula 10 indica como pode ser calculada a probabilidade anual de uma pessoa em particular
perder sua vida (FELL et al, 2005, p. 10-11, tradução nossa).

R(prop) = P(L) * P(T:L) * P(S:T) * V(prop:S) * E (fórmula 9)

27
GEOTECHNICAL ENGINEERING OFFICE. GEO Report No. 75: Landslides and Boulder Falls from
Natural Terrain: Interim Risk Guidelines. The Government of the Hong Kong Special Administrative Region,
1998.
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P(LOL) = P(L) * P(T:L) * P(S:T) * V(D:T) (fórmula 10)

Onde:
R(prop) = É a perda anual de valor de propriedade;
P(L) = É a frequência de deslizamento;
P(T:L) = É a probabilidade do deslizamento alcançar o elemento em risco;
P(S:T) = É a probabilidade espacial temporal do elemento em risco;
V(prop:S) = É a vulnerabilidade do elemento em risco (propriedade) ao evento do deslizamento;
E = É o elemento em risco, por exemplo, o valor ou o valor presente líquido da propriedade;
P(LOL) = É a probabilidade anual de uma pessoa ser morta;
V(D:T) = É a vulnerabilidade da pessoa ao evento do deslizamento.

A fórmula 10 pode ser estendida para a fórmula 9 acrescentando-se o fator “E” que, nesse
caso, seria o número de pessoas em risco. O resultado dessa multiplicação representa o risco
anual de perda de vida (FELL et al., 2005, p. 11, tradução nossa).

Em algumas situações, é necessário obter o risco total, que é a soma dos riscos referentes a
cada um dos perigos identificados e caracterizados na área em estudo. Para esses casos, há
duas alternativas que podem ser seguidas (FELL et al., 2005, p. 11, tradução nossa):

a) Aplicar as fórmulas 9 e/ou 10 a cada um dos perigos, conforme o resultado que


se quer obter (risco à propriedade ou risco de perda de vida), e depois somar os
resultados das multiplicações. Esta alternativa assume que os perigos são
independentes, o que pode ser incorreto se eles foram causados por um mesmo
evento desencadeador (como um único evento de chuva, um terremoto);
b) Se os perigos forem dependentes entre si, a teoria de limites uni-modais deverá
ser usada para estimar as probabilidades:
- Limite superior: utilizando-se a regra de Morgan, a estimativa superior para a
probabilidade condicional é dada pela fórmula 11. “Este cálculo deve ser
feito antes de aplicar a probabilidade anual do evento causador comum”. Se
todas as probabilidades condicionais (P1 – PN) forem menores que 0,01, esta
fórmula leva ao a um resultado igual ao obtido somando-se todas as
probabilidades condicionais estimadas, com uma precisão aceitável;
- Limite inferior: será a máxima probabilidade condicional individual.

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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PLS = 1 – (1 – P1).(1 – P2).......(1 – PN) (fórmula 11)

Onde:
PLS = Estimativa do limite superior para a probabilidade condicional;
P1 a PN= Estimativas das probabilidades condicionais individuais de vários perigos.

6.1.5 Critérios de aceitabilidade do risco

Inicialmente, Fell et al. (2005, p. 13, tradução nossa) consideram que para o correto
entendimento dos conceitos envolvidos em uma avaliação de risco, é necessário saber a
diferença entre risco aceitável e risco tolerável:

Risco Aceitável: Um risco que todos impactados estão preparados para aceitar. Ação
futura para reduzir tal risco é geralmente não exigida a menos que medidas
razoavelmente praticáveis estejam disponíveis a baixo custo em termos de dinheiro,
tempo e esforço.

Risco Tolerável: Um risco dentro de uma extensão com o qual a sociedade pode
viver a fim de assegurar certos benefícios líquidos. É uma extensão de risco
considerado como não-negligenciável, e necessita ser mantido sob revisão e
reduzido futuramente se possível.

Segundo o INTERNATIONAL UNION OF GEOLOGICAL SOCIETY 28 (1997 apud FELL


et al., 2005, p. 13, tradução nossa), há alguns princípios gerais que devem ser considerados
para a análise de riscos toleráveis para a perda de vida:

a) O risco incremental a que uma pessoa está exposta devido a um perigo, não
pode ser significante se comparado a um risco o qual ela normalmente está
sujeita cotidianamente;
b) Este risco incremental deve ser reduzido, seguindo-se o princípio do ALARP
(As Low As Reasonably Practicable), que significa em português “Tão baixo
quanto razoavelmente praticável”. Este princípio é aplicado também nos
gráficos (curvas) F-N, como pôde ser visto na figura 25;
c) Se a consequência de um determinado perigo for alta, em termos de perda de
vida, então sua probabilidade de ocorrência deve ser baixa, consentindo com a
intolerância da sociedade para eventos que acarretem em muitas fatalidades
simultaneamente;

28
INTERNATIONAL UNION OF GEOLOGICAL SCIENCES. Quantitative risk assessment for slopes and
landslides – the State of the Art. In: CRUDEN, D.; FELL, R. (Ed.) Landslide Risk Assessment. Balkema,
Rotterdam, 1997, p. 3-12.
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d) Pessoas que não têm condições financeiras ou possuem outras limitações, que
as impedem de reduzir ou controlar riscos, geralmente toleram riscos maiores
do que eles consideram como aceitável. Além disso, trabalhadores de indústrias
com encostas perigosas (por exemplo, mineiros) toleram riscos maiores que a
sociedade em geral.

Há outros princípios que se aplicam especificamente a riscos relacionados a encostas e


deslizamentos, mesmo que não existam critérios de aceitabilidade de risco de perda de vida
mundialmente estabelecidos para esses casos (INTERNATIONAL UNION OF
GEOLOGICAL SOCIETY 29, 1997 apud FELL et al., 2005, p. 14, tradução nossa):

a) A sociedade tolera riscos mais altos para taludes naturais se comparados com
aqueles projetados;
b) Se algum monitoramento e/ou medida de mitigação de risco for implantado em
um talude natural, o risco tolerável relativo a esse talude se tornará próximo ao
risco tolerável para taludes projetados;
c) Os riscos toleráveis podem variar de acordo com o histórico de deslizamentos e
com o sistema de controle e propriedade dos taludes com presença de ameaças,
podendo ser diferentes de um país para outro ou, até mesmo, dentro do mesmo
país.

A AGS (2000, p. 63-65, tradução nossa) possui algumas sugestões de critérios de


aceitabilidade para riscos individuais e riscos sociais. Para riscos individuais, é considerado
que a tabela 4 pode ter uma aplicação razoável em determinar critérios para riscos toleráveis
em taludes projetados. A AGS ainda sugere que a ordem de grandeza dos riscos aceitáveis é
geralmente uma ordem de magnitude menor que a dos riscos toleráveis.

Tabela 4 – Critérios para riscos toleráveis e aceitáveis em taludes projetados

Situação Riscos toleráveis sugeridos para perda de vida Riscos aceitáveis sugeridos para perda de vida

Taludes 10-4/ano para pessoa em maior risco 10-5/ano para pessoa em maior risco
projetados
existentes 10-5/ano para média de pessoas em risco 10-6/ano para média de pessoas em risco

10-5/ano para pessoa em o maior risco 10-6/ano para pessoa em o maior risco
Taludes
projetados novos
10-6/ano para média de pessoas em risco 10-7/ano para média de pessoas em risco

(fonte: adaptado de AUSTRALIAN GEOMECHANICS SOCIETY, 2000, p. 65, tradução nossa)

29
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Rotterdam, 1997, p. 3-12.
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No caso de riscos sociais, o uso de curvas F-N (figura 24) é uma alternativa que pode refletir a
realidade de que a sociedade, geralmente, é mais tolerante a eventos frequentes que causam
menos mortes individualmente, a eventos mais raros que causam um número grande de
fatalidades por evento. As linhas presentes na curva F-N são variáveis, de acordo com os
sistemas legais e dos próprios países onde os deslizamentos estão sendo analisados (FELL et
al., 2005, p. 14, tradução nossa). Segundo Christian30 (2004 apud FELL et al., 2005, p. 14,
tradução nossa), a curva F-N pode representar uma ferramenta importante para descrever o
significado de probabilidades e riscos, já que mesmo entre engenheiros, há problemas na
compreensão de pequenas probabilidades, o que pode prejudicar o resultado e a avaliação de
análises probabilísticas.

Entretanto, os limites de tolerabilidade ao risco não devem ser pensados como fronteiras
absolutas. As sociedades possuem uma ampla extensão de tolerância ao risco e esses números
são tentativas de se expressar matematicamente o senso comum de uma população. Além
disso, essa questão deverá ser abordada no nível de governo nacional, estatal ou local, já que o
estabelecimento de padrões e diretrizes universais não é prático (INTERNATIONAL UNION
OF GEOLOGICAL SOCIETY 31, 1997 apud FELL et al., 2005, p. 14, 16, tradução nossa).

Por fim, os autores concluem que, apesar das incertezas e limitações, decisões deverão ser
tomadas e, nesse contexto, ter uma estimativa de riscos da situação em análise é melhor do
que não ter ciência do possível risco presente no talude em estudo. “O nível de sofisticação a
ser adotado na estimativa do risco para um problema particular somente necessita ser
suficiente para facilitar uma decisão informada” (FELL et al., 2005, p. 24, tradução nossa).

6.2 EXEMPLO DE SITUAÇÃO HIPOTÉTICA: DESLIZAMENTO EM


ATERRO RODOVIÁRIO

O artigo escrito por Fell et al. fornece três exemplos simplificados que ilustram como
funcionam os conceitos básicos de sua metodologia para uma avaliação de risco geotécnico.

30
CHRISTIAN, J.T. Geotechnical Engineering reliability: how well do we know what we are doing? Journal
Geotechnical and Geoenvironmental Engineering, Reston, v. 130, n. 10, p. 985-1003, 2004.
31
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Rotterdam, 1997, p. 3-12.
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Para a etapa de julgamento de valor e aplicação de critérios de tolerância e aceitabilidade do


risco estimado, foram considerados que a figura 25 e a tabela 4 são aplicáveis para as
situações exemplificadas, por conveniência (FELL et al., 2005, p. 16, tradução nossa).

Nesta seção, será exposto o primeiro exemplo, que trata de um deslizamento presente em um
aterro rodoviário (FELL et al., 2005, p. 17-18, tradução nossa). Caso seja do interesse do
leitor, os outros dois exemplos encontram-se nas páginas 19 a 23 do artigo (FELL et al.,
2005).

6.2.1 Definição do escopo do exemplo

Este exemplo tem como escopo calcular o risco de perda de vida a que pessoas morando
numa residência próxima a um aterro rodoviário estão expostas (figura 26).

Figura 25 – Deslizamento em um aterro rodoviário

(fonte: FELL et al., 2005, p. 17, tradução nossa)

6.2.2 Caracterização do deslizamento

A caracterização do perigo é feita através da análise do histórico da rodovia em questão. A


rodovia foi construída há 50 anos, com corte e aterro feitos com uma escavadeira. O local tem
como fundação rochas graníticas e o aterro é originado de solos residuais e granito
completamente alterado, sendo classificado como uma areia siltosa. Registros acusam que não
foi realizada uma compactação apropriada no aterro e que, ao longo de toda a extensão dessa

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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rodovia, que possui topografia, geologia e condições climáticas similares às encontradas neste
aterro, houve quatro deslizamentos em um total de 60 aterros rodoviários.

Com os dados da geometria do aterro e dos deslizamentos já ocorridos na rodovia, foi


avaliado que o volume provável do deslizamento seja de aproximadamente 1000 m3. Devido
ao estado solto e saturado do aterro, especialistas consideram que poderia ocorrer uma perda
elevada de resistência não drenada no deslizamento (caracterizando uma “liquefação
estática”) e, por isso, o movimento resultante possivelmente seria rápido.

Através da utilização de métodos empíricos, a amplitude do ângulo para a distância de trajeto


do deslizamento foi estimada ser entre 13º e 20º. A partir dessa estimativa e das dimensões
geométricas do talude, a probabilidade do deslizamento atingir os elementos em risco foi
estimada em 0,4 (P(T:L)=0,4).

6.2.3 Estimativa da frequência

A frequência de deslizamento no aterro pode ser obtida considerando o número de


deslizamentos registrados para a totalidade dos aterros (quatro em 60 aterros) durante os 50
anos de vida útil da rodovia, conforme a seguinte expressão:

(fórmula 12)

Onde:
P(L) = Frequência de deslizamento do aterro.

Esse valor de frequência pode ser considerado apropriado para o estudo se as seguintes
suposições forem atendidas: o aterro em questão é similar aos outros 59 aterros existentes na
rodovia e a performance da rodovia durante seus 50 anos de funcionamento é representativa
do futuro.

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Juliana Koltermann da Silva. Porto Alegre: DECIV/EE/UFRGS, 2016
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6.2.4 Análise das consequências

Para se estimar as prováveis consequências de um deslizamento, é necessário determinar a


probabilidade espacial temporal (P(S:T)) das pessoas que residem na casa e sua vulnerabilidade
(V(D:T)). Quatro pessoas moram na casa: uma delas está na casa 20 horas por dia, sete dias por
semana, e as outras três estão na casa 12 horas por dia, dois dias por semana. Assim sendo, as
P(S:T) para a pessoa em maior risco e para as outras três pessoas são como as seguintes
expressões, respectivamente:

(fórmula 13)

(fórmula 14)

Onde:
P(S:T) = Probabilidade espacial temporal, assumindo que não existe aviso prévio ao evento.

A vulnerabilidade das pessoas, em serem mortas se o deslizamento atingir a casa enquanto


elas estiverem no interior da residência, foi estimada ser igual a 0,4 (V(D:T)=0,4), considerando
os prováveis volume e velocidade do deslizamento quando este atingir a casa.

6.2.5 Estimativa do risco geotécnico

O risco de perda de vida de uma ou mais pessoas pode ser estimado através da aplicação da
fórmula 10. A probabilidade anual da pessoa em maior risco perder sua vida, devido ao
deslizamento, é como a fórmula 15. O risco calculado com a ajuda dessa fórmula é um risco
individual.

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
96

(fórmula 15)

Onde:
P(LOL) = Probabilidade anual da pessoa em maior risco ser morta, devido ao deslizamento.

Já para determinar a probabilidade anual das quatro pessoas estarem na residência quando esta
é atingida pelo deslizamento, deve-se utilizar a probabilidade espacial temporal que assume
que todas as pessoas estão simultaneamente no interior da casa, conforme a fórmula 16. Como
a vulnerabilidade das pessoas é 0,4, então para um total de quatro pessoas dentro da
residência, isso resultaria em 1,6 pessoas (1 para 2) que seriam mortas pelo deslizamento se o
mesmo atingisse a propriedade.

(fórmula 16)

Onde:
P(LOL) = Probabilidade anual das quatro pessoas estarem na casa, a qual será atingida pelo
deslizamento.

6.2.6 Avaliação do risco geotécnico estimado

O risco estimado para a pessoa em maior risco de perda de vida deve ser confrontado com os
limites de tolerabilidade para riscos individuais fornecidos pela tabela 4. Segundo dados dessa
tabela, para taludes projetados existentes, o risco individual tolerável para a pessoa em maior
risco é de 1,0 x 10-4 /ano. Nesse caso, o risco obtido através da fórmula 15 (P(LOL) = 1,7x10-4
/ano) está na classe intolerável, devendo ser mitigado. Ressalta-se que a tolerância e a
aceitabilidade ao risco de taludes depende de cada população.

O risco calculado considerando as quatro pessoas residentes na propriedade é avaliado


utilizando-se os critérios de tolerância ao risco de uma sociedade, pois se trata de um grupo de
pessoas e não somente de um indivíduo em particular. Nessas situações, o par Frequência –
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Número de Fatalidades pode ser plotado em um gráfico como o da figura 25, sendo possível a
verificação da tolerabilidade ou aceitabilidade do risco obtido, conforme os padrões da
sociedade envolvida no estudo. A figura 27 mostra que o risco para o grupo de pessoas,
calculado neste exemplo e plotado na Curva F-N (0,74x10-4 por 1,6), está abaixo da linha
limite de tolerabilidade, mas se encontra na região de ALARP. A partir dessa avaliação deve-
se: minimizar o risco, se medidas razoavelmente praticáveis estiverem disponíveis, ou
considerar a realização de investigações geotécnicas mais profundas para melhorar a precisão
do resultado da análise.

Figura 26 – Avaliação da tolerabilidade de risco para sociedade através de uma


Curva F-N

(fonte: FELL et al., 2005, p. 18, tradução nossa)

6.3 APLICAÇÕES DA METODOLOGIA A CASOS REAIS

Esta seção tem como objetivo apresentar algumas experiências reais encontradas em países do
exterior na tentativa de aplicar a metodologia apresentada na seção 6.1 para a realização de
avaliações de risco de deslizamentos em taludes rodoviários. Essas experiências são descritas
em artigos presentes no livro “Landslide Risk Management”, publicado em 2005.
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
98

A primeira a ser apresentada é uma aplicação de um sistema de gerenciamento de risco de


deslizamentos na malha rodoviária de Saskatchewan no Canadá, seguida de uma avaliação
preliminar de risco de deslizamentos na rede rodoviária do Nepal e de uma aplicação de
avaliação quantitativa de risco em um projeto rodoviário na Austrália.

A experiência canadense será descrita de maneira mais detalhada no subitem 6.3.1, pois
utiliza uma abordagem qualitativa e numérica da metodologia internacional, relacionada ao
Fator de Segurança dos taludes, que representa um nível de precisão mais elevado, se
comparado com abordagens qualitativas com o uso de descritores para a estimativa do risco,
como a utilizada no Nepal. Além disso, a aplicação australiana é mais complexa e exige
conhecimentos e dados que não estão disponíveis para a maioria dos taludes brasileiros
atualmente, sendo de pouca utilidade, então, sua apresentação aprofundada no presente
trabalho.

Então, as aplicações de avaliação de risco de deslizamentos em taludes rodoviários no Nepal e


na Austrália são descritas, de forma resumida, nos subitens 6.3.2 e 6.3.3, respectivamente.
Elas são apresentadas com o objetivo de demonstrar possíveis soluções para aplicar a
metodologia internacional de avaliação de risco, independentemente da quantidade e
qualidade dos dados e conhecimentos disponíveis para realizar a análise de risco geotécnico.

6.3.1 Aplicação na malha rodoviária de Saskatchewan no Canadá

Este subitem pretende apresentar os pontos principais relacionados à metodologia do artigo


escrito por Kelly et al. (2005), que expõe a aplicação de um sistema de gerenciamento de
risco na malha rodoviária de Saskatchewan, no Canadá. Em 2003, a malha rodoviária de
Saskatchewan, gerenciada pela Saskatchewan Highways and Transportation (SHT), recebeu,
pela primeira vez, a implementação de um sistema de gerenciamento de risco de
deslizamentos, baseado no modelo do Alberta Transportation, com o objetivo de priorizar
locais que necessitam de maior monitoramento e de medidas de remediação imediatas e
também fornecer níveis de resposta a partir dos níveis de risco identificados (KELLY et al.,
2005, p. 571, tradução nossa).

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6.3.1.1 Classificação de perigos

Para a análise de risco na malha rodoviária, foram considerados perigos que afetassem
motoristas e/ou bens físicos do sistema rodoviário. Os perigos foram divididos em: perigos
geotécnicos e perigos de deslizamentos. Exemplos desses perigos são (KELLY et al., 2005, p.
571, tradução nossa):

a) Perigos geotécnicos: erosão, recalque (adensamento) e fenômenos relacionados


à interação solo-estrutura;
b) Perigos de deslizamentos: movimentos de massa do solo, cujos volumes
modificam as linhas e greides das rodovias e podem causar impactos aos
motoristas ou à operação da rodovia. Esses perigos envolvem tanto taludes
naturais quanto taludes projetados.

6.3.1.2 Sistema de Gerenciamento de Deslizamentos

Nesse item serão especificadas as práticas utilizadas pela SHT a fim de se aplicar um sistema
moderno de gerenciamento de deslizamentos. Conforme Kelly et al. (2005, p. 571-572,
tradução nossa), os seguintes passos são necessários para a prática de um sistema de
gerenciamento eficiente e atual:

a) Avaliar o grau de perigo que pode estar associado com locais instáveis;

b) Avaliar a necessidade de monitoramento contínuo e inspeção;

c) Fornecer aviso antecipado e resposta de emergência onde preocupações com


segurança pública são justificadas; e,

d) Estabelecer prioridades para investimento de recursos.

O Sistema de Gerenciamento de Deslizamento do Alberta Transportation foi considerado


adequado para aplicação às condições das rodovias, sendo utilizado como modelo inicial,
porque já estava em uso e poderia ser facilmente modificado para esta aplicação (KELLY et
al., 2005, p. 572, tradução nossa).

6.3.1.3 Análise de Risco

A análise do risco de deslizamentos na malha rodoviária de Saskatchewan foi baseada no


modelo do Alberta Transportation, no qual o risco é definido por (KELLY et al., 2005, p. 572,
tradução nossa):

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
100

R= PF x CF (fórmula 17)

Onde:
R = Risco de deslizamentos;
PF = Fator de Probabilidade;
CF = Fator de Consequência.

O Fator de Probabilidade (PF) significa a possibilidade de um deslizamento ocorrer durante a


vida útil de uma estrutura, sendo avaliado por um engenheiro geotécnico qualificado, e é um
valor não anualizado. O Fator de Probabilidade é adotado a partir de valores pré-estabelecidos
em uma escala de 20 pontos, que foi modificada a partir da escala PF do modelo da Alberta
Transportation. A principal modificação foi distinguir a instabilidade de um talude entre
taludes naturais e taludes construídos (KELLY et al., 2005, p. 572, tradução nossa).

Segundo Kelly et al. (2005, p. 572, tradução nossa), a distinção entre taludes naturais e
taludes projetados se dá no plano de cisalhamento: enquanto que em taludes naturais o plano
de cisalhamento encontra-se no interior do talude (antes de qualquer interferência de obras de
engenharia), nos taludes artificiais a estabilidade do terreno natural já foi previamente
atestada, e o deslizamento pode ocorrer devido a uma instabilidade no talude construído. A
tabela 5 mostra a escala utilizada na aplicação na SHT.

Tabela 5 – Fatores de Probabilidade (PF)

PF Talude Natural Talude Projetado

1 Geologicamente estável. Probabilidade muito F > 1,5 baseado em análise de tensão efetiva
baixa de ocorrência de deslizamento com dados calibrados e modelo*.
Historicamente estável. Probabilidade de
deslizamento muito baixa

3 Inativo, talude aparentemente estável. 1,5 > F > 1,3 baseado em análise de tensão
Probabilidade baixa de ocorrência de efetiva com dados calibrados e modelo.
deslizamentos ou remobilização Historicamente estável. Probabilidade de
deslizamento baixa
* Se as condições descritas para análise do talude forem desconhecidas ou não encontradas, aumente o PF em
uma categoria, por exemplo: se a qualidade dos dados usados na análise for desconhecida, aumente o PF de 1
para 3. F = Fator de Segurança.
continua

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continuação
PF Talude Natural Talude Projetado

5 Deslizamento inativo com probabilidade 1,3 > F > 1,2 baseado em análise de tensão
moderada de remobilização. Nível de incerteza efetiva com dados calibrados e modelo. Sinais
moderado; ou, talude ativo com taxa constante pequenos de movimentação visível.
de movimentação muito baixa; ou, padrão de Probabilidade moderada de deslizamento
movimentação indeterminado

7 Deslizamento inativo com probabilidade alta de 1,2 > F > 1,1 baseado em análise de tensão
remobilização, ou perigos adicionais presentes. efetiva com dados calibrados e modelo. Sinais
Nível de incerteza alto. Taxa de movimentação de movimentação perceptíveis, ou perigos
perceptível com zonas de movimentação adicionais presentes. Probabilidade alta de
definidas deslizamento

9 Deslizamento ativo com taxa de movimentação F < 1,1 baseado em análise de tensão efetiva
moderada, estável ou decrescente em zona com dados calibrados e modelo. Sinais óbvios
definida de cisalhamento de movimentação contínua lenta a moderada

11 Deslizamento ativo com taxa de movimentação Deslizamento ativo com taxa de movimentação
moderada, crescente moderada, crescente

13 Deslizamento ativo com alta taxa de Deslizamento ativo com alta taxa de
movimentação a uma taxa estável ou crescente movimentação a uma taxa estável ou crescente

15 Deslizamento ativo com alta taxa de Deslizamento ativo com alta taxa de
movimentação com perigos adicionais** movimentação com perigos adicionais

20 Deslizamento catastrófico está ocorrendo Deslizamento catastrófico está ocorrendo


** Perigos adicionais são fatores que podem aumentar muito a taxa de movimentação, por exemplo: pé erodindo,
nível d’água, etc.
(fonte: KELLY et al., 2005, p. 572, tradução nossa)

O Fator de Consequência (CF) “[...] é a consequência do deslizamento na infraestrutura de


transporte ou segurança do motorista”. Os critérios incluídos na análise das consequências
são: segurança do público, fechamento da rodovia e perda de infraestrutura. A classificação e
o volume de tráfego da rodovia são considerados nos itens de segurança do público e perda de
infraestrutura (KELLY et al., 2005, p. 573, tradução nossa).

O Fator de Consequência é assumido a partir de valores pré-estabelecidos em uma escala de


10 pontos (tabela 6). Essa escala é basicamente a mesma escala CF do modelo da Alberta
Transportation, com poucas alterações (KELLY et al., 2005, p. 573, tradução nossa).

Para determinar os fatores PF e CF de cada um dos 69 locais monitorados pela SHT na malha
rodoviária de Saskatchewan, foi necessário reunir um painel especializado em análise de risco
de taludes que era familiarizado com as características dos locais estudados. Cada um dos
membros do painel avaliou os fatores independentemente e, para determinar o nível de risco,
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
102

foi feita a média das avaliações de cada membro posteriormente (KELLY et al., 2005, p. 573,
tradução nossa).

Tabela 6 – Fatores de Consequência (CF)

CF Consequências Típicas

1 Taludes de corte rasos nos quais o deslizamento pode se espalhar para dentro de
trincheiras ou aterros nos quais o deslizamento não impacta o pavimento para a
segurança do condutor, problema de manutenção

2 Aterros e cortes moderados, não incluindo aterros de aproximação ou cabeceiras


de pontes, perda de parte da rodovia ou possível deslizamento sobre a rodovia,
volume pequeno. Aterros rasos onde terras privadas, corpos d’água ou estruturas
podem ser impactadas. Deslizamentos afetando uso da rodovia e segurança de
motoristas, mas não exigindo fechamento da rodovia. Lugares com perigo
potencial de queda de rocha

4 Aterros e cortes associados com pontes, tratamentos de interseções, bueiros e


outras estruturas, aterros altos, cortes profundos, áreas históricas de perigo de
queda de rocha. Locais onde fechamento parcial da rodovia ou desvios
significantes seriam resultados diretos e evitáveis de uma ocorrência de
deslizamento

6 Locais onde fechamento da rodovia seria um resultado direto e inevitável de uma


ocorrência de deslizamento

10 Locais onde a segurança do público e uma significante perda de instalações de


infraestrutura (como um encontro de uma ponte) ou estruturas privadas irão
ocorrer se um deslizamento acontecer. Locais onde rápida remobilização de um
deslizamento de larga escala é possível.

(fonte: KELLY et al., 2005, p. 573, tradução nossa)

A partir da determinação do nível de risco dos 69 locais analisados, os mesmos foram


categorizados em quatro níveis de resposta: urgente, prioridade, rotina e inativo. Os níveis de
resposta variam com o nível de risco e, como consequência, as ações a serem tomadas para o
gerenciamento do risco do local também mudam, como pode ser visto na tabela 7 (KELLY et
al., 2005, p. 573, tradução nossa).

Segundo Kelly et al. (2005, p. 573, tradução nossa), quando novos locais são incluídos no
sistema de gerenciamento de risco, eles recebem uma classificação de “urgente”,
independentemente do seu nível de risco calculado. O nível de resposta permanece nesse grau
até três anos de monitoramento durante a primavera e o outono, quando os locais poderão ser
caracterizados.

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Tabela 7 – Níveis de resposta sugeridos e suas respectivas abordagens de


gerenciamento, conforme os níveis de risco

Nível de
Nível de Risco Abordagem de Gerenciamento
Resposta

> 125 Urgente Inspecionar pelo menos uma vez ao ano. Monitorar instrumentação
pelo menos duas vezes ao ano na primavera e no outono. Investigar e
avaliar medidas de mitigação

75 a 125 Prioridade Inspecionar uma vez ao ano. Monitorar instrumentação pelo menos
uma vez ao ano

27,5 a 75 Rotina Inspecionar a cada 3 anos. Monitorar instrumentação pelo menos a


cada 3 anos com uma frequência aumentada para locais
selecionados como exigido

< 27,5 Inativo Não estabelecer agenda de monitoramento de instrumentação e


inspeção. Monitorar e inspecionar conforme exigido em resposta a
solicitações de manutenção

(fonte: adaptado de KELLY et al., 2005, p. 574, tradução nossa)

6.3.1.4 Circuito de Inspeção

Para finalizar a análise de risco, o painel de especialistas conduziu circuitos de inspeção em


todos os locais analisados para confirmar o nível de risco de cada um. Os especialistas
completaram um Formulário de Inspeção (exemplo fornecido no Anexo B) e deram
recomendações para investigações futuras. A presença de especialistas durante as inspeções
de campo é muito importante para fornecer uma avaliação mais precisa do nível de risco, já
que essa avaliação depende do conhecimento das condições de campo. Além dos perigos de
deslizamentos, os perigos geotécnicos também são identificados nas inspeções, porque eles
influenciam nos movimentos de massa (KELLY et al., 2005, p. 573-574, tradução nossa).

No artigo, também são apresentados dois estudos de casos. Nessas aplicações, além dos
preenchimentos dos formulários de inspeção de campo, um programa de instrumentação foi
adotado para determinar opções de remediação. Inclinômetros e piezômetros foram instalados
em posições estratégicas para caracterizar a movimentação do talude em estudo. Ensaios de
laboratório também foram realizados, juntamente com a utilização de modelos de estabilidade
de taludes em 2D e 3D, para caracterizar a movimentação do talude e avaliar a estabilidade do
estudo de caso (KELLY et al., 2005, p. 574-580).

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
104

6.3.2 Avaliação preliminar de risco de deslizamentos na rede rodoviária do


Nepal

No Nepal, aproximadamente 80% do território nacional se encontra em terreno montanhoso e


a rede rodoviária é de extrema importância para o país, uma vez que não há outros meios de
transporte terrestre disponíveis. A maior parte do transporte de bens e serviços depende dessa
malha rodoviária que possui 16.800 km de extensão, das quais 3.000 km são consideradas
rodovias de grande porte, constituindo ligações entre centro de serviços importantes. Mais da
metade da extensão dessas rodovias de grande porte estão em regiões montanhosas e são
constituídas de taludes de corte, onde um grau elevado de perigo relacionado a deslizamentos
é esperado, devido às características geológicas das montanhas do país, combinadas com
chuvas concentradas que ocorrem anualmente (SUNUWAR et al., 2005, tradução nossa).

O Himalaia do Nepal é conhecido por possuir montanhas frágeis, com várias falhas inversas
(falhas compressivas) proeminentes no sopé da cordilheira. As regiões entre essas falhas
inversas formam as grandes unidades geológicas do país e quase todas as grandes rodovias
atravessam uma ou mais dessas descontinuidades geológicas. As chuvas que ocorrem
anualmente de junho a setembro (estação da monção) podem facilmente desencadear
deslizamentos nos trechos de rodovias que cruzam essas falhas inversas. Várias unidades
geológicas do Nepal também possuem características estratigráficas não favoráveis à
estabilidade dos taludes, como, por exemplo, a presença de materiais altamente heterogêneos
na superfície das encostas, consequência dos tipos de rochas prevalecentes nas unidades
geológicas encontradas no país (SUNUWAR et al., 2005, tradução nossa).

Usualmente, há dois fatores desencadeadores principais de deslizamentos no Nepal, os quais


são as chuvas intensas e os terremotos, sendo que as chuvas são as maiores causadoras de
deslizamentos frequentes todos os anos no Nepal, podendo também ocasionar desastres de
enchentes em algumas partes do país. As precipitações pluviais são concentradas no período
de monção, de junho a setembro, e às vezes chuvas intensas ocorrem dentro de um período de
poucos dias, causando extensa erosão e deslizamentos. Mais de 80% da precipitação anual
para as cidades do país ocorre durante esses quatro meses da monção (SUNUWAR et al.,
2005, tradução nossa).

Em 2000, o Departamento de Rodovias do Nepal adotou um sistema de coleta de dados sobre


interrupções e fechamentos de rodovias, com o objetivo de implantar uma maneira sistemática
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de alocar recursos de manutenção para as rodovias, devido a deslizamentos e enchentes. Os


dados coletados incluem: nome e localização do escritório responsável pela rodovia, nome e
extensão (em km) da rodovia interrompida pelo deslizamento, dia e hora do fechamento e da
reabertura da rodovia, e recursos utilizados para abrir a rodovia (equipamentos, mão de obra e
gastos, se possível). Além disso, como o número de locais com instabilidades ao longo das
rodovias é grande, o Departamento de Rodovias implementou uma avaliação qualitativa
preliminar de risco de deslizamentos, para priorizar as instabilidades de taludes presentes na
malha rodoviária do Nepal, em termos de manutenção e medidas emergenciais, de acordo
com níveis de risco potencial (SUNUWAR et al., 2015, tradução nossa).

O risco de instabilidade do talude foi definido como uma combinação de perigo e


vulnerabilidade. Para a identificação do nível de perigo, são definidos três tipos de rupturas de
taludes: deslizamento, fluxo de detritos e ruptura de aterro (ver tabela 8). No contexto do
Nepal, fluxo de detritos é qualquer deslizamento que apresente material fluindo através de um
canal de drenagem, independentemente do tipo de material e da taxa de movimento. Na
categoria de deslizamentos, são incluídos todos os tipos de rupturas que geralmente ocorrem
em taludes rodoviários, como: quedas de rochas, escorregamentos translacionais e
escorregamentos rotacionais (SUNUWAR et al., 2005, tradução nossa).

Tabela 8 – Matriz qualitativa de perigo de instabilidades de taludes, de acordo com o


tipo de ruptura

Nível de Perigo Alto (A) Médio (B) Baixo (C)

Deformações claras e Topografia de deslizamento Deslizamento suspeito mas


Deslizamento movimentos visíveis de óbvia mas sem movimento sem evidência de
fissuras visível deformação visível

Frequência dentro de cada Frequência superior a três


Fluxo de Detritos Ocorrência é rara
dois anos anos

Deformações visíveis e Sem deformações mas


Deformações visíveis mas
Ruptura de Aterro condições de tráfego necessidade de reparo de
fluxo de tráfego normal
prejudicadas estruturas e drenagem

(fonte: SUNUWAR et al., 2005, p. 419, tradução nossa)

A tabela 9 mostra os graus qualitativos de vulnerabilidade (consequência ao deslizamento) da


rodovia, de acordo com a importância da mesma (dada pelo Tráfego Diário Médio Anual) e
dos bens públicos afetados, com a quantidade de propriedades privadas prejudicadas, e com o

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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tempo necessário para a abertura temporária da rodovia. Combinando-se os níveis de perigo e


vulnerabilidade, é obtido o grau de risco potencial para a ruptura do talude, dado pela tabela
10. Foram definidos quatro níveis de risco, a partir dos quais a priorização para medidas
emergenciais e de manutenção dos taludes rodoviários possa ser realizada convenientemente
(SUNUWAR et al., 2005, tradução nossa).

Tabela 9 – Matriz qualitativa de vulnerabilidade da rodovia

Item de Avaliação Alto (a) Médio (b) Baixo (c)

Tráfego Diário Médio Anual ≥ 1.000 1.000 > T ≥ 500 < 500

Bens públicos Importante Média Baixa

Número de casas privadas ≥ 10 10 > C ≥ 3 <3

Tempo necessário para a


≥ 3 dias 3>P≥1 < 1 dia
abertura temporária do tráfego

(fonte: SUNUWAR et al., 2005, p. 419, tradução nossa)

Tabela 10 – Níveis de risco e soluções possíveis

Combinação Nível de Risco Solução

Aa, Ab, Ba I Implementação imediata de contramedidas

Monitoramento frequente (inspeção de


Ac, Bb, Ca II
frequência uma vez por mês)

Bc, Cb III Inspeção periódica (antes e depois da monção)

Sem acompanhamento até algumas mudanças


Cc IV
serem notadas

(fonte: SUNUWAR et al., 2005, p. 419, tradução nossa)

6.3.3 Aplicação de avaliação quantitativa de risco ao projeto de Lawrence


Hargrave Drive na Austrália

Lawrence Hargrave Drive (LHD) é uma rodovia costeira localizada em New South Wales na
Austrália, que foi construída em aproximadamente 20 a 45 m acima do nível do mar junto a

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penhascos que alcançam 300 m de altura acima da rodovia. A rodovia tem um histórico de
sérios problemas de instabilidade dos aterros, de quedas de rochas e de fluxos e
escorregamentos de detritos, muitos deles causados por erosão marinha agressiva. Em 2003, o
Ministério de Rodovias fechou um trecho de 1350 m de rodovia (entre Coalcliff e Clifton) por
medidas de segurança. Uma aliança entre a autoridade responsável pela rodovia, construtores
civis e engenheiros consultores foi formada para desenvolver uma solução de engenharia que
reduzisse a probabilidade anual de perda de vida de aproximadamente 10-2 para
aproximadamente 10-5 (WILSON et al., 2005, tradução nossa).

O trecho de rodovia em estudo foi dividido em cinco Domínios Geotécnicos diferentes, sendo
três promontórios e duas baías. Esta divisão foi feita com intuito de realizar a análise de risco
por domínio geotécnico, além do risco total do trecho da rodovia, e possibilitar o estudo do
impacto das soluções de engenharia sobre a probabilidade anual de perda de vidas em cada
um dos domínios. A geologia é bastante semelhante ao longo de todo o trecho estudado da
rodovia, compreendendo uma sequência de unidades de arenito e argilito intercaladas. As
unidades de arenito formam os penhascos sub-verticais, já as unidades de argilito formam os
taludes intervenientes entre os arenitos (WILSON et al., 2005, tradução nossa).

Os perigos geotécnicos estão presentes por toda a escarpa desde o seu topo até a costa. A
maioria dos deslizamentos dos penhascos consiste de quedas de rochas e rolamentos de
matacões, enquanto que os deslizamentos provenientes dos taludes de argilito são fluxos e
deslizamentos de detritos (misturas de solo e rocha). Além disto, o aterro da rodovia é
suscetível à ruptura devido a erosão marinha. A maioria dos deslizamentos são desencadeados
por chuvas intensas (precipitação pluvial anual de cerca de 1500 mm). Entretanto, os
processos de instabilidade dos taludes estão sendo acelerados pela erosão marinha, que
aumenta a declividade dos taludes e remove material da base dos penhascos, causando
tombamento da camada de arenito e deslizamentos nas camadas de argilito, sucessivamente
até o topo da escarpa, ao longo da rodovia (WILSON et al., 2005, tradução nossa).

Para determinar a frequência ou possibilidade de deslizamentos impactando a rodovia foram


desenvolvidos modelos de frequência e volumes de deslizamentos para cada uma das
“unidades de encosta”. Essa distribuição de frequência x volume de deslizamentos dentro de
uma unidade de encosta depende da forma da superfície de cada unidade e dos materiais
geológicos que a compõem. A figura 28 mostra curvas de frequência x volume de

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
108

deslizamentos para cada uma das unidades de encosta, que indicam o número de eventos
esperados de acordo com a ordem de magnitude dos deslizamentos. As curvas foram
normalizadas para apresentar o número de deslizamentos/100 m de rodovia em uma vida de
projeto de 100 anos (WILSON et al., 2005, p. 592-593, tradução nossa).

Para determinar as consequências dos possíveis deslizamentos, o estudo adotou um valor de


4000 veículos/dia (sendo este o valor do Tráfego Diário Médio Anual), referido nos cálculos
como 2000 veículos/faixa/dia. Para consideração da vulnerabilidade das pessoas foram
considerados dois níveis, dependendo da situação em que as pessoas se encontram em relação
ao deslizamento (WILSON et al., 2005, p. 593-594, tradução nossa):

a) Vulnerabilidade de pessoas em um veículo diretamente atingido pelo


deslizamento. Sendo maior no caso de o deslizamento atingir o topo do carro
verticalmente, se comparado com o que atinge a lateral do carro em um
movimento horizontal;
b) Vulnerabilidade de pessoas em um carro que vai de encontro ao deslizamento.
Assumindo que o deslizamento atinge a rodovia a 40 m ou menos do carro e
que o motorista não consegue evitar a colisão. Esta distância é baseada em um
tempo de resposta de 2 s e o carro numa velocidade de 60 km/h.

Figura 27 – Modelos de frequência x volume dos deslizamentos para as várias


unidades de encosta

(fonte: WILSON et al., 2005, p. 593, tradução nossa)

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A tabela 11 apresenta algumas das vulnerabilidades adotadas no projeto (WILSON et al.,


2005, p. 594, tradução nossa).

Tabela 11 – Algumas vulnerabilidades para deslizamentos adotadas no projeto

Quedas de rocha do Penhasco Fluxos de detritos do Domínio


Ordem de magnitude
Scarborough Geotécnico 4
do deslizamento
atravessando a
Deslizamento Carro atinge o Deslizamento Carro atinge o
rodovia (m³) *
atinge o carro deslizamento atinge o carro deslizamento

0,03 0,05 0,0006 - -

0,3 0,1 0,002 - -

3 0,3 0,03 0,001 -

30 0,7 0,03 0,01 0,001

300 1 0,03 0,1 0,003

3.000 1 0,03 1 0,003


* Nem todos os volumes considerados de eventos estão mostrados nessa tabela
(fonte: WILSON et al., 2005, p. 594, tradução nossa)

Por fim, para determinar o risco devido a cada perigo encontrado em cada unidade de encosta
e em cada Domínio Geotécnico foi utilizada uma planilha de Excel para conduzir os cálculos
(o modelo desta planilha pode ser visto na figura 29). A probabilidade anual de uma ou mais
mortes no trecho da LHD entre Coalcliff e Clifton foi obtido ao somar o resultado das 59
planilhas produzidas no estudo. O risco para os usuários da rodovia foi calculado usando as
fórmulas 18 a 20 (WILSON et al., 2005, p. 595-596, tradução nossa):

RD = PS * VD (fórmula 18)

PS = 1 - (1 - PS:H) NR (fórmula 19)

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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PS:H = (NV * LC:R * NL) / (24 * 1000 * VV) (fórmula 20)

Sendo:
RD = probabilidade anual de perda de vida;
PS = probabilidade do carro ser atingido ou atingir um deslizamento;
VD = vulnerabilidade do indivíduo (probabilidade de morte) dado o impacto do deslizamento
no carro;
PS:H = probabilidade do impacto espacial do deslizamento na rodovia dado o evento;
NR = número anual de deslizamentos atingindo a rodovia;
NV = número de carros por dia por faixa;
NL = número de faixas afetadas pelo deslizamento;
LC:R = comprimento do carro (assumido em 5 m) ou a distância de reação (como apropriado,
nesse caso assumida em 40 m);
VV = velocidade do carro em km/h (assumida como sendo o limite de velocidade de 60 km/h).

Figura 28 – Leiaute de planilha utilizada para um perigo, local e unidade de encosta


em particular

(fonte: WILSON et al., 2005, p. 595, tradução nossa)

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Várias simplificações foram feitas ao realizar a análise de risco de forma quantitativa, devido
ao comportamento complexo dos deslizamentos e suas interações com os elementos em risco.
As simplificações consideradas diretamente na condução da análise quantitativa de risco
foram (WILSON et al., 2005, p. 593, tradução nossa):

a) O modelo de frequência x volume de deslizamentos assume que não há


deposição de material no local, ou seja, todo o material erodindo da encosta irá
atravessar a rodovia, por deslizamento ou outro processo erosivo. Mas ele não
assume que todos os detritos de cada deslizamento irão atravessar a rodovia
toda vez que ocorrer um deslizamento;
b) Além das duas situações consideradas para se estimar a vulnerabilidade das
pessoas, outros eventos ou combinações de eventos poderiam ocorrer, como
pedras atingindo pessoas se protegendo junto ao penhasco, veículo atingindo
estrutura afetada pelo deslizamento, etc.. Porém, devido à dificuldade em
prever a probabilidade desses eventos, eles não foram considerados na análise.

Além dessas, outras simplificações foram adotadas indiretamente na análise de risco


(WILSON et al., 2005, p. 597, tradução nossa):

a) Quedas de rochas não atingindo ou permanecendo na rodovia;

b) Variações no número de veículos durante o dia;

c) Comprimento adotado do veículo e largura do deslizamento;

d) Variações em como as pessoas nos veículos são impactadas;

e) Ônibus;

f) Veículos pesados;

g) Distâncias de visibilidade.

Wilson et al. apontam que, a partir de resultados anteriores de outras análises de risco
quantitativas, esses fatores iriam produzir apenas efeitos de segunda ordem no resultado para
o risco total do trecho em análise (diferença de valores menor que metade de uma ordem de
magnitude), se fossem incluídos. E como alguns dos fatores são a favor da segurança e outros
contra, os autores julgaram essas simplificações como não significativas para o resultado da
análise (2005, p. 597, tradução nossa).

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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7 ANÁLISE DA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

Neste capítulo, as diversas metodologias e adaptações nacionais e internacionais pesquisadas


no trabalho e descritas nos capítulos 5 e 6 são comparadas e analisadas. Também são feitos
alguns comentários sobre as mesmas, no que diz respeito à utilização de tais metodologias em
projetos e estudos brasileiros. A norma brasileira ABNT NBR 11.682:2009 sobre Estabilidade
de encostas teve alguns de seus aspectos levantados, a fim de ilustrar como o risco é abordado
nesse documento, que representa uma indicação da melhor prática a ser executada por um
profissional da área.

Algumas sugestões de adaptações das metodologias que poderiam ser utilizadas no Brasil,
com o objetivo de aprofundar os estudos e conhecimentos sobre a situação de risco geotécnico
em talude rodoviários brasileiros, são apresentadas ao fim do capítulo.

7.1 COMPARAÇÃO DAS METODOLOGIAS E ADAPTAÇÕES

No que diz respeito à complexidade das metodologias pesquisadas, fica claro que os países
desenvolvidos possuem técnicas mais precisas e avançadas para a determinação do risco
envolvendo deslizamentos. Isso se dá principalmente pela maior quantidade de dados
disponíveis, recolhidos por várias décadas através de registros de precipitações pluviais e dos
próprios movimentos de massa. A existência de um banco de dados históricos de fenômenos
naturais, por si só, já possibilita a criação de modelos numéricos que relacionem os fatores
desencadeadores de deslizamentos com os tipos e intensidades de movimentos de massa
decorrentes. Ou, como é mais comum, modelos que explicitem a relação entre as magnitudes
dos deslizamentos com sua frequência/probabilidade de ocorrência. Além disso, o fato de
alguns países possuírem sérios e recorrentes problemas com deslizamentos há muito tempo,
acaba por fomentar o desenvolvimento de pesquisas e estudos para mitigar o risco em
encostas e taludes, como no caso de Hong Kong, que iniciou uma política de controle de risco
de deslizamentos no final da década de 1970, após a ocorrência de dois grandes incidentes
causados por chuvas intensas em um mesmo dia.

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No Brasil, grandes desastres promovidos por deslizamentos começaram a acontecer nas


últimas décadas, agravados por ocupações desordenadas das encostas, e a falta de registros
históricos sobre deslizamentos ocorridos no país, com seus respectivos dados de
caracterização física e geotécnica, prejudica um avanço rápido das metodologias para análise
de risco de deslizamentos. Como pôde ser visto nas apresentações das metodologias, a técnica
brasileira existente como diretriz nacional para mapeamento de risco em encostas, publicada
pelo IPT e escrita por Carvalho et al. (2007), possui um grau de subjetividade bastante
elevado.

Nessa metodologia, a caracterização da ameaça é realizada a partir de parâmetros visuais por


membros de equipes municipais, que não são necessariamente engenheiros geotécnicos ou
possuem experiência em inspeções de deslizamentos. A frequência ou a probabilidade de
ocorrência do deslizamento é inferida a partir dos sinais de movimentação que podem ser
observados durante a vistoria de campo. As consequências são estimadas a partir da qualidade
das moradias e da distância das mesmas aos taludes. Por fim, os graus qualitativos de risco
são obtidos, em categorias: de R1 – baixo ou sem risco até R4 – risco muito alto.

Uma das principais conveniências desse método é a facilidade de aplicação, entretanto,


devido ao caráter qualitativo de todas as etapas e, principalmente, do resultado da análise, a
compreensão e implicação para a sociedade do nível de risco resultante para a encosta pode
ser mal entendida. Este mesmo problema pode ocorrer ao se adotar uma metodologia com a
do Nepal (SUNUWAR, 2005), que é em vários aspectos similar a de Carvalho et al. (2007),
embora aquela seja preliminar por definição. Ao se enquadrar o risco em quatro categorias, e
numerá-las de 1 a 4, a maioria das pessoas pode interpretar o número relativo ao nome da
categoria com o risco ao qual ela se refere, inferindo uma relação de proporção aos níveis de
risco que não necessariamente é válida. Por exemplo, se uma encosta é enquadrada no nível 2
ou (II), seu risco de deslizamento não corresponde à metade do risco de outra encosta avaliada
com nível 4 (IV). Especialmente em se tratando do Fator de Segurança (FS) da encosta, não é
necessário que o FS da encosta 1 seja reduzido à metade, para que seu risco de ruptura seja
igualado ao da encosta 2.

Isso pode ser comprovado analisando a escala de 20 pontos para o Fator de Probabilidade
(PF) na adaptação canadense da metodologia internacional, descrita por Kelly et al. (2005).
Nessa adaptação, o PF do talude (que significa a possibilidade de um deslizamento ocorrer

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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durante um determinado intervalo de tempo) varia em proporções maiores que o FS do talude


analisado. Em outras palavras, uma variação pequena no FS, por exemplo de 1,5 para 1,3,
equivale a um aumento no PF de 1 para 5. Como o risco é considerado equivalente ao
resultado da multiplicação do PF com o CF (Fator de Consequência), se para um determinado
talude, as consequências resultantes do deslizamento se mantiverem constantes, o risco se
elevará em 5x somente pelo diminuição de 0,2 no FS do talude, de acordo com o método
canadense.

De fato, o Fator de Segurança de um talude possui um enfoque importante na norma NBR


11.682 de estabilidade de encostas. Segundo a NBR 11.682 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE NORMAS TÉCNICAS, 2009, p. 17):

[...] o valor do fator de segurança (FS) tem relação direta com a resistência ao
cisalhamento do material do talude [...]. Entretanto, no caso de encostas, a
variabilidade dos materiais naturais pode reduzir significativamente a segurança,
aumentando a probabilidade de ocorrência de uma ruptura da encosta.

Na metodologia adotada na norma, o FS mínimo de uma encosta ou talude deve ser adotado
segundo o risco a que pessoas, propriedades e meio ambiente estejam sujeitos, considerando
situações atuais e futuras. Dessa forma, o FS apresentados pela NBR 11.682 devem “[...]
cobrir as incertezas naturais das diversas etapas de projeto e construção” (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2009, p. 17).

Os projetos são, então, enquadrados pelo engenheiro civil geotécnico responsável pela obra
em um dos seguintes níveis de segurança desejados contra a perda de vidas humanas e contra
danos materiais e ambientais, mostrados nas tabelas 12 e 13, respectivamente. O FS mínimo
para o projeto, de acordo com os níveis de segurança esperados, é dado pela tabela 14
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2009, p. 17-18).

Conforme a NBR 11.682, “Os fatores de segurança indicados [...] referem-se às análises de
estabilidade interna e externa do maciço, sendo independentes de outros fatores de segurança
recomendados por normas de dimensionamento dos elementos estruturais de obras de
contenção [...]”(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2009, p. 18).

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Tabela 12 – Nível de segurança desejado contra a perda de vidas humanas

(fonte: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2009, p. 17)

Tabela 13 – Nível de segurança desejado contra danos materiais e ambientais

(fonte: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2009, p. 18)

Tabela 14 – Fatores de segurança mínimos para deslizamentos

(fonte: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2009, p. 18)

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Em casos especiais, como explicitado na nota 1 da tabela 14 e em situações nas quais o risco
potencial de perdas de vidas humanas e de danos for elevado, a NBR 11.682 recomenda que,
a critério do engenheiro civil geotécnico responsável, a probabilidade de ruptura do talude
pode ser quantificada e estimada por um profissional especialista (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2009, p. 19). Nesses casos, a metodologia para
análises probabilísticas de risco em taludes de terra proposta por Costa (2005) é uma opção
que fornece os resultados necessários satisfatoriamente, uma vez que consiste em uma
abordagem quantitativa de análise de risco.

A metodologia sugerida por Costa (2005) segue os mesmos princípios e conceitos


apresentados por Fell et al. (2005) no seu framework para avaliação e gerenciamento de risco
de deslizamentos. As principais diferenças entre essas duas metodologias se dão na
determinação das consequências e nos critérios de tolerância ao risco. No que tange às
consequências, Fell et al. (2005) propõem uma diferenciação entre os fatores exposição e
vulnerabilidade do elemento em risco, já Costa (2005) indica, com base na literatura, uma
metodologia que engloba esses fatores em um só termo. A diferenciação é possível quando se
tem um conhecimento grande dos processos que envolvem os deslizamentos e os elementos
em risco, como pôde ser visto na adaptação australiana para o projeto da Lawrence Hargrave
Drive. Entretanto, na maioria das vezes, mesmo em países que possuem uma base de
conhecimento consistente em análises de risco de deslizamento, valores numéricos para as
vulnerabilidades são adotados, ao invés de calculados, devido ao alto grau de incerteza que
existe nesse fator.

Os critérios de tolerância ao risco, que sugerem os valores aceitáveis e toleráveis pela


sociedade e para um indivíduo em particular, são dependentes dos órgãos regulatórios em que
se realiza o estudo. Por isso, as metodologias brasileiras não apresentam critérios tão
definidos quanto às internacionais, já que não há critérios que regulamentam limites toleráveis
e aceitáveis para riscos de deslizamentos no Brasil. Nesses casos, a população, de acordo com
seu poder econômico e cultura, define os limites toleráveis e aceitáveis para si.

7.2 SUGESTÕES DE ADAPTAÇÕES DE PRÁTICAS INTERNACIONAIS

Como foi demonstrado na seção anterior, a norma técnica brasileira relacionada à estabilidade
de encostas (NBR 11.682:2009), baseia-se no Fator de Segurança do talude para cobrir as
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incertezas relacionadas a encostas e taludes e garantir o desempenho esperado dos projetos e


um nível de segurança adequado para pessoas, propriedades e meio ambiente. Além disso, é
sabido que o conceito do Fator de Segurança é amplamente conhecido por engenheiros civis
geotécnicos, desde a sua formação até a prática de projetos de construção de taludes ou
estabilização de encostas e/ou taludes existentes.

Considerando o contexto brasileiro de projetos geotécnicos, acredita-se que a utilização de


descritores numéricos para probabilidade de ruptura de taludes relacionados aos Fatores de
Segurança dos mesmos, como a escala apresentada na adaptação canadense (modelo do
Alberta Transportation – tabela 5, páginas 100-101), é considerada uma boa opção para se
abordar os problemas menos complexos de análise de risco de deslizamentos de uma forma
menos subjetiva no Brasil. Para a estimativa das consequências, o mesmo raciocínio poderia
ser aplicado. É importante que o risco seja determinado a partir de valores numéricos, para
que somente depois de obtidos os resultados da análise, estes sejam categorizados por
descritores subjetivos, como: urgente, prioritário, médio e baixo risco. Isso permite uma
melhor interpretação e entendimento dos fatores que influenciam no resultado da análise, sem
detrimento da possibilidade de utilizar o risco geotécnico como ferramenta de priorização de
recursos e gastos em manutenções de encostas e taludes.

Para casos em que uma abordagem quantitativa do risco é necessária, como situações
complexas que envolvem riscos elevados a pessoas e propriedades, a metodologia proposta
por Costa (2005) de uma análise probabilística de risco de deslizamentos em taludes de terra é
adequada e produz resultados satisfatórios. Ressalta-se que, ao se optar por essa metodologia,
é necessário obter um número elevado de dados, que consumirão custo e tempo proporcionais
à quantidade de informação a ser levantada.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este Trabalho de Diplomação teve como objetivo pesquisar, analisar e comparar diferentes
metodologias nacionais e internacionais para avaliação de risco geotécnico em taludes, com
abordagens qualitativas e quantitativas, possibilitando a identificação de práticas
internacionais que poderiam ser utilizadas em projetos brasileiros. A fim de se completar o
objetivo proposto, vários assuntos pertinentes a este campo de estudo na área geotécnica da
Engenharia Civil foram abordados.

Os movimentos de massa, que são os eventos considerados importantes no âmbito da


geotecnia, foram apresentados e classificados, conforme a classificação de Varnes (1978). As
principais definições e o framework amplamente utilizado mundialmente para se realizar uma
avaliação de risco geotécnico foram descritos em um capítulo à parte, com fins de possibilitar
o acesso rápido a esses conceitos e, também, uniformizar a terminologia utilizada durante
todo o desenvolvimento do trabalho.

Além disso, foi proporcionada uma descrição das metodologias qualitativas e quantitativas
presentes no Brasil para a condução de análises de risco geotécnico. A abordagem qualitativa
é a adotada pelo IPT, que propõe seu uso em todos os municípios para combater os problemas
causados por movimentos de massa. Já a abordagem quantitativa se refere ao estudo de Costa
(2005) na sua dissertação de mestrado, no qual métodos probabilísticos são incorporados a
uma análise de estabilidade de taludes, com o objetivo de proporcionar uma metodologia que
introduza os conceitos probabilísticos e estatísticos nesse tipo de análise, considerando
algumas das incertezas envolvidas nos problemas geotécnicos.

A metodologia internacional foi apresentada através da descrição detalhada do artigo escrito


por Fell et al. (2005), complementado por diretrizes da AGS sobre avaliações qualitativas de
risco de deslizamentos a propriedades. Para ilustrar a abordagem quantitativa internacional
para análises de risco, foi exposto um exemplo de uma situação hipotética de deslizamento em
aterro rodoviário. Também foram descritas experiências com adaptações da metodologia
internacional a casos reais de estabilidade de taludes no Canadá, no Nepal e na Austrália. Ao
completar essa parte do trabalho, os objetivos secundários do trabalho foram alcançados.

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Por fim, uma análise da pesquisa bibliográfica realizada, comparando-se as metodologias


apresentadas entre si e com as diretrizes de boa prática recomendadas pela NBR 11.682
(2009) sobre Estabilidade de encostas, permitiu que sugestões fossem feitas sobre possíveis
aplicações de práticas internacionais no contexto brasileiro de avaliação de risco geotécnico,
em projetos corriqueiros e de baixa complexidade.

A validação da aplicabilidade dessas técnicas em projetos no Brasil ainda necessita de


comprovação, através de estudos de caso, o que não foi abordado no presente trabalho. Sendo,
portanto, possível assunto de futuros trabalhos e pesquisas.

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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ANEXO A – Terminologia Qualitativa para uso em Análises de Risco à


Propriedade (AUSTRALIAN GEOMECHANICS SOCIETY, 2007)

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Quadro A.1 – Medidas qualitativas de possibilidade de deslizamentos

(fonte: AUSTRALIAN GEOMECHANICS SOCIETY, 2007, p. 91)

Quadro A.2 – Medidas qualitativas de consequências à propriedade

(fonte: AUSTRALIAN GEOMECHANICS SOCIETY, 2007, p. 91)

Quadro A.3 – Matriz qualitativa para análise de risco à propriedade

(fonte: AUSTRALIAN GEOMECHANICS SOCIETY, 2007, p. 92)

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Avaliação do risco geotécnico de taludes: revisão de práticas nacionais e internacionais
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Quadro A.4 – Implicações dos níveis de risco

(fonte: AUSTRALIAN GEOMECHANICS SOCIETY, 2007, p. 92)

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ANEXO B – Formulário de Inspeção de Campo


(KELLY et al., 2005, p. 575)

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