Casos Práticos

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Casos Práticos Contencioso UE | Márcia Durães

REENVIO PREJUDICIAL - MINI TESTE DE 20/05/2019


Benjamin Clementine é um arqueólogo maltês que trabalha, desde junho de 2008,
no Museu Nacional de História e Património Arqueológico, em Malta. Anteriormente,
Benjamin Clementine trabalhou no Museu de Arte Contemporânea em Portugal (de
janeiro de 2001 a dezembro de 2003) e no Museu Pré-histórico da Alemanha (de janeiro
de 2004 a dezembro de 2006).
A Diretiva nº YYYY/XX estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento
no emprego e na atividade profissional no âmbito do exercício da livre circulação de
pessoas.
No seu artigo 2º, nº 1, a Diretiva determina o seguinte: “Para efeitos da presente
diretiva, entende-se por «princípio da igualdade de tratamento» a ausência de qualquer
discriminação, direta ou indireta […].”, sendo que se entende como existindo uma
discriminação direta quando, nos termos do artigo 2º, nº 2, a), “[…] uma pessoa seja
objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser
dado a outra pessoa em situação comparável, que nunca tenha circulado no espaço da União
Europeia”.
Sucede que, nos termos do seu artigo 3º, a Diretiva estabelece que “As disposições
constantes no artigo 2º poderão ser objeto de derrogação, por parte dos Estados-Membros,
no desempenho de funções públicas”. A diretiva deveria ter sido transposta até dezembro
de 2013.
Por sua vez, e dando cumprimento à transposição da Diretiva, o artigo 50º, nº 1,
da Lei Orgânica (maltesa) dos Trabalhadores Públicos em Funções Culturais, estabelece
que “um trabalhador público em funções culturais que tenha a antiguidade de quinze anos
adquirida ao serviço de estabelecimentos culturais malteses tem direito a um subsídio
especial de antiguidade do montante de 500,00 €”.
Decorridos 10 anos, ou seja, em junho de 2018, Benjamin Clementine solicita o
pagamento deste subsídio especial por antiguidade alegando que, muito embora ainda não
computasse 15 anos de antiguidade como arqueólogo ao serviço de museus malteses, tinha
a antiguidade exigida se fosse considerada a duração dos seus serviços noutros Estados-
Membros, alegando, para o efeito, o artigo 2º da Diretiva.
O Museu Nacional de História e Património Arqueológico não acedeu ao pedido
de pagamento do subsídio especial de antiguidade feito por Benjamin Clementine,
demonstrando que o artigo 3º da Diretiva abre um regime de exceção relativamente ao
tratamento de trabalhadores em funções públicas, o que determinou que este reagisse
judicialmente.

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Assim, perante os tribunais nacionais malteses, Benjamin Clementine invocou que


tal entendimento violava o direito da União e, especificamente, levantou o problema de
saber se a norma do artigo 3º da Diretiva estava ou não em conformidade com os
Tratados.
Nenhum dos tribunais de instância aderiu aos argumentos esgrimidos por
Benjamin Clementine. Por via de recurso, o caso chegou ao conhecimento do tribunal
maltês que decide em última instância.

No presente caso encontra-se uma situaçã o que envolve a UE, sendo certo que, apesar
de nã o ser um estado, esta cria as suas pró prias regras jurídicas obrigató rias para os seus EM e
para os seus cidadã os, como se fosse atuando, assim, como uma ordem jurídica. Deste modo,
Malta, ao ser um dos estados-membros da UE, desde 2003, nos termos do art 52º TUE, é lhe
aplicá vel o direito da UE, estando a ele vinculado (cfr. Acó rdã o Costal Enel), e, entre ele e a
Uniã o, deve vigorar o princípio da cooperaçã o leal, respeitando-se e assistindo-se mutuamente
no cumprimento das missõ es decorrentes dos tratados (art. 4º, nº3 TUE).
O contencioso da UE surge como uma disciplina que se dedica ao estudo das normas
processuais e das vias recursó rias disponíveis na UE, a fim de assegurar uma tutela jurisdicional
efetiva (art 19º, nº1, § 2, art 6º, nº1 e art. 47º CDFUE), sendo que, o mecanismo que se
encontra em aná lise é um reenvio prejudicial (art. 267º TFUE). Tal trata-se de um
contencioso de interpretaçã o e ocorre quando um tribunal nacional tem dú vidas sobre se
uma determinada questã o viola ou nã o o direito da UE, pedindo ao TJUE um
esclarecimento. Este mecanismo surge como resultado da colaboraçã o entre os ó rgã os
jurisdicionais dos EM e o TJ, e apenas pode ser desencadeado por um ó rgã o jurisdicional
nacional.
É assim caracterizado por um diá logo formal entre o TJUE e os tribunais nacionais,
onde o juiz nacional tem um importante papel, já que deve garantir a aplicaçã o do direito da
uniã o e proteger os direitos dos cidadã os, utilizando assim, por este motivo, o reenvio
prejudicial. A sua ausência poderá colocar em causa a tutela jurisdicional efetiva do direito dos
particulares (art 19º TFUE e art. 47º CDFUE) e prejudicar seriamente a uniã o (Ac. Kobler).
Deste modo, os tribunais nacionais gozam de uma competência exclusiva para reenviar,
vigorando uma presunçã o de indispensabilidade do reenvio para a boa decisã o (Ac. Cartesio de
2008). Podemos concluir que o reenvio prejudicial é assim admissível, já que incide sobre
direito da UE, nã o se trata de uma questã o hipotética e relaciona-se com o objeto do litígio
nacional.
O reenvio apresenta duas dimensõ es: uma objetiva assente no diá logo formal entre
juízes (art. 267º) e uma subjetiva, já que se trata de um mecanismo ao serviço da tutela
jurisdicional efetiva.
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A arquitetura jurisdicional europeia baseia-se na existência de tribunais organicamente


europeus, isto é, o TJ e o TG, que juntos compõ em o TJUE (art. 19º, nº1, 1º parte) e tribunais
funcionalmente europeus, sendo estes os tribunais nacionais, quando aplicam o direito da uniã o.
O TJUE, tendo como principal funçã o a garantia do direito na interpretaçã o e aplicaçã o dos
tratados (art. 19º, nº1), 2º parte TUE), acaba por ser, também da sua competência, o reenvio
prejudicial (art. 19º, nº3 al. b) TUE).
O reenvio prejudicial pode versar sobre a interpretaçã o dos tratados (direito
originá rio) ou sobre a validade e a interpretaçã o dos atos adotados pelas instituiçõ es, ó rgã os ou
organismos da uniã o (direito derivado), nos termos do art. 267º , § 1 TFUE. No caso em
apreço, trata-se de um reenvio de interpretaçã o e validade da diretiva, em que se pretende
perceber se o artigo 3º da diretiva, viola ou nã o, o principio da igualdade (art. 288º TFUE).
Nos termos do art. 267, §3 TFUE o reenvio em causa seria obrigató rio, uma vez que se
trata de uma questã o suscitada em ó rgã o jurisdicional nacional cujas decisõ es nã o sã o
suscetíveis de recurso judicial. Contudo, vale ressalvar que, em funçã o da jurisprudência Foto-
Frost e IATA e, por conta da efetividade do DUE, é percecionado que este seria, de qualquer
das formas, obrigató rio, por se tratar de uma questã o de validade e interpretaçã o dos atos
adotados pelas instituiçõ es, ó rgã os ou organismos da uniã o.
Neste caso, o reenvio prejudicial segue a tramitaçã o comum, já que nada no enunciado
nos remete para a tramitaçã o acelarada (art. 23ºA ETJUE, art. 105º e 106º RPTJUE) ou urgente
(art. 23ºA ETJUE, art. 107º e 114º RPTJUE), provavelmente, em língua maltesa, ainda que, a
língua oficial de trabalho do TJUE seja o francês (art. 55º TUE).
Caso o TJUE emane uma decisã o em que declara a invalidade, o juiz nacional que
procedeu ao reenvio, deverá nã o aplicar o art 3º da diretiva. O acó rdã o da invalidade terá
efeitos retroativas, mas, contudo, por força da aplicaçã o aná loga do art. 264, § 2 TFUE, o TJ
poderá detalhar os efeitos do ato invá lido que poderã o continuar a produzir-se, por questõ es de
segurança jurídica ou para assegurar o bom funcionamento do mercado interno.
A ausência do reenvio prejudicial em causa poderia acarretar, uma vez que é
obrigató rio, a possibilidade de justificaçã o de açã o de responsabilidade do estado por violaçã o
do direito da uniã o (cfr Acó rdã o Ferreira da Silva). Também o particular poderia, na ausência
deste mecanismo, recorrer a uma açã o por incumprimento, nos termos do art. 258º a 260º
TFUE, através de queixa dirigida à Comissã o Europeia que poderia dar início ao processo.
Por ú ltimo, ressalvar apenas que o reenvio poderia ter sido submetido a partir da
plataforma e-Curia (observando assim o paradigma da justiça eletró nica europeia).

INTERPRETAÇÃO CONFORME - CASO PRÁTICO:

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A CELEBRA COM AGÊNCIA DE VIAGENS B UM CONTRATO DE VIAGEM


TURÍSTICA QUE É FINANCIADO POR AGENCIA DE FINACIAMENTO C
DIRETIVA XPTO: O CONSUMIDOR TEM O DIREITO DE DEMANDAR O
MUTUANTE QUANDO ESTE TIVER COM O FORNECEDOR DE BENS OU
SERVIÇOS UM ACORDO PRÉ-EXISTENTE, NO QUAL O MUTUANTE COLOQUE O
CRÉDITO À DISPOSIÇÃO EXCLUSIVA DOS CLIENTES DESSE FORNECEDOR
PARA AQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS AO MESMO FORNECEDOR
CÓDIGO CIVIL: “OS CONTRATOS SÓ PRODUZEM EFEITOS ENTRE AS PARTES
QUE OS CELEBRAREM E OS SEUS HERDEIROS”.
QUID IURIS?
No caso em concreto, encontramo-nos perante um contrato de mutuo e um contrato de prestaçã o
de serviços e, uma vez que estamos perante dois particulares, encontramo-nos perante uma
relaçã o horizontal, logo, nã o se pode aplicar o efeito direto.
Pese embora a diretiva seja clara, precisa e incondicional, nã o foi transposta para o direito
nacional, pelo que, à partida nã o poderia ser invocada, uma vez que nos encontramos perante
uma relaçã o horizontal, tendo de ser aplicada a lei nacional.
Contudo, tal como ensinam acó rdã os do TJUE, como por ex. Ac. Dori, podemos contornar a
situaçã o, através da interpretaçã o conforme, interpretando a norma de direito interno de forma a
que vá de acordo com a norma de direito comunitá rio, isto é, é possível retirar das diretivas
direitos para os particulares (mas apenas é possível retirar obrigaçõ es para o Estado). Na
prá tica, o efeito é o mesmo que o efeito direto, mas este só se aplica a relaçõ es entre o Estado e
os particulares.
Assim, diz-nos o principio da interpretaçã o conforme que: havendo uma interpretaçã o que
resulte na restriçã o de um direito fundamental, e uma interpretaçã o que respeite o direito
fundamental, deve preferir-se a ú ltima. Pelo que, devemos ter sempre em atençã o, que esta nã o
é uma soluçã o de ultimo recurso, mas antes, uma soluçã o que deverá ser sempre utilizada,
como se se tratasse de uma interpretaçã o extensiva da lei.

AÇÃO POR INCUMPRIMENTO – EXAME DE RECURSO 2019/2020

A Hungria é um Estado-Membro da União Europeia. Em 2017, decidiu adotar uma


legislação nacional (Lei no XXX, relativa à transparência das organizações que recebem
ajuda financeira proveniente do estrangeiro) que impõe obrigações de registo, de
declaração e de publicidade a certas categorias de organizações da sociedade civil que
beneficiam direta ou indiretamente de uma ajuda proveniente do estrangeiro e que excede
um determinado limite. Na mesma legislação nacional é ainda prevista a possibilidade de
aplicação sanções às organizações que não respeitem tais obrigações.

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Tendo tal circunstância chegado ao conhecimento da Comissão Europeia – por queixa


realizada por um particular integrado numa das organizações sancionadas por não
publicitar a proveniência de apoios financeiros, decorrente de um financiamento realizado
por uma entidade privada de outro Estado-Membro –, esta entende que “a Hungria
introduziu restrições discriminatórias, injustificadas e desnecessárias relativamente aos
donativos estrangeiros concedidos às organizações da sociedade civil, em violação das
obrigações que lhe incumbem por força do artigo 63o do Tratado sobre o funcionamento
da União Europeia, bem como dos artigos 7o, 8o e 12o da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia”.

Neste contexto, a Comissão entabulou contactos informais e formais com a Hungria, tendo
permanecido com a convicção do seu incumprimento. Nesta circunstância, leva o caso ao
conhecimento do Tribunal de Justiça.

No presente caso encontra-se uma situaçã o que envolve a UE, sendo certo que, apesar
de nã o ser um estado, esta cria as suas pró prias regras jurídicas obrigató rias para os seus EM e
para os seus cidadã os, como se fosse atuando, assim, como uma ordem jurídica. Deste modo,
Hungria, ao ser um dos estados-membros da UE, desde 2003, nos termos do art 52º TUE, é lhe
aplicá vel o direito da UE, estando a ele vinculado (cfr. Acó rdã o Costal Enel), e, entre ele e a
Uniã o, deve vigorar o princípio da cooperaçã o leal, respeitando-se e assistindo-se mutuamente
no cumprimento das missõ es decorrentes dos tratados (art. 4º, nº3 TUE).
O contencioso da UE surge como uma disciplina que se dedica ao estudo das normas
processuais e das vias recursó rias disponíveis na UE, a fim de assegurar uma tutela jurisdicional
efetiva (art 19º, nº1, § 2, art 6º, nº1 e art. 47º CDFUE), sendo que, o mecanismo que se
encontra em aná lise é uma açã o por incumprimento (art 258º TFUE).
A açã o por incumprimento diz respeito à violaçã o, por açã o ou omissã o, de
obrigaçõ es que incumbem aos EM decorrentes dos tratados e, aplica-se ao caso em apreço
pelo facto de a Hungria ter violado disposiçõ es quanto à proibiçã o de restriçõ es de
movimento de capitais do TFUE e da CDFUE. Este é um mecanismo do contencioso de
plena jurisdiçã o.
A arquitetura jurisdicional europeia baseia-se na existência de tribunais organicamente
europeus, isto é, o TJ e o TG, que juntos compõ em o TJUE (art. 19º, nº1, 1º parte) e tribunais
funcionalmente europeus, sendo estes os tribunais nacionais, quando aplicam o direito da uniã o.
O TJUE, tendo como principal funçã o a garantia do direito na interpretaçã o e aplicaçã o dos
tratados (art. 19º, nº1), 2º parte TUE), acaba por ser, da competência do TJ, a decisã o em sede
de açã o por incumprimento.

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No que respeita à legitimidade passiva, esta diz respeito ao EM que incumpriu, isto
é, a Hungria (art. 52º). Nã o obstante, a legitimidade ativa pode ser da Comissã o, nos
termos do art. 258º, ou de qualquer EM (que nã o o infrator), nos termos do art. 259º. No
caso em apreço, a legitimidade ativa pertence à comissã o, o que determina a tramitaçã o da
açã o por incumprimento à luz dos arts. 258º e 260º TFUE.
Tal ó rgã o teve conhecimento da alegada violaçã o, mediante queixa por um cidadã o,
dando assim origem a uma série de contactos informais por parte da comissã o, com o
objetivo de sensibilizar o EM para o incumprimento. Caso o incumprimento se mantenha,
surge uma fase pré-contenciosa que tem início com uma carta de notificaçã o, no prazo de 2
meses apó s o conhecimento, onde é fixado o objeto do litígio e é permitido ao EM se
justificar e proceder com o cumprimento. Mantendo-se a posiçã o da Hungria, a comissã o
elabora um parecer fundamentado, onde expõ e todas as razõ es de facto e de direito que
constituem violaçã o do direito da UE, comunicando medidas para cessar a violaçã o, num
determinado prazo. Findo este período, sedimenta-se o incumprimento do EM e a
comissã o pode entrar com a petiçã o no TJUE, que irá emitir um acó rdã o de
incumprimento, com cará ter declarativo (art. 260º TFUE). O acó rdã o proferido nã o
poderia ser considerado com cará ter sancionató rio (art. 260º, nº3 TFUE), uma vez que nã o
está em causa uma situaçã o de nã o transposiçã o de diretivas, isto é, de um processo
legislativo. A este respeito, vale ressalvar a novidade introduzida pelo Tratado de Lisboa,
em que, em caso de nã o comunicaçã o das medidas de transposiçã o de uma diretiva à
comissã o, o TJ pode aplicar uma sançã o pecuniá ria ao EM, logo na fase do primeiro
acó rdã o de incumprimento (art. 260º, nº3 – tendo o primeiro caso surgido em 2019,
contra a bélgica).
O processo poderá ter seguido trâ mites na língua hú ngara, ainda que a língua
oficial de trabalho do TJUE seja o francês (art. 55º TUE).
Se o TJ declarar o incumprimento, a Hungria deverá pô r termo sem demora,
cabendo-lhe adotar as medidas necessá rias à execuçã o do acó rdã o (art. 260º, nº1), sob
pena de originar uma situaçã o de duplo incumprimento e ser condenada no pagamento de
um montante fixo ou de uma sançã o pecuniá ria compulsó ria. O acó rdã o terá efeitos
retroativos que se irã o retroagir desde a data em que a infraçã o teve início.

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REENVIO PREJUDICIAL
1. Está ao Tribunal de primeira instância da cidade de bordéus obrigada a
recorrer ao mecanismo de diálogo judicial previsto no artigo 267 TFUE?
No presente caso encontra-se uma situaçã o que envolve a UE, sendo certo que, apesar
de nã o ser um estado, esta cria as suas pró prias regras jurídicas obrigató rias para os seus EM e
para os seus cidadã os, como se fosse atuando, assim, como uma ordem jurídica. Deste modo,
França, o Estado onde ocorreu a situaçã o em aná lise, é um dos estados-membros da UE, nos
termos do art 52º TUE, sendo-lhe aplicá vel o direito da UE, estando a ele vinculado (cfr.
Acó rdã o Costal Enel), pelo que, entre ele e a Uniã o, deve vigorar o princípio da cooperaçã o
leal, devendo este respeitar e cumprir as missõ es decorrentes dos tratados (art. 4º, nº3 TUE).
O contencioso da UE surge como uma disciplina que se dedica ao estudo das normas
processuais e das vias recursó rias disponíveis na UE, a fim de assegurar uma tutela jurisdicional

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efetiva (art 19º, nº1, § 2, art 6º, nº1 e art. 47º CDFUE), sendo que, o mecanismo que se
encontra em aná lise é um reenvio prejudicial (art. 267º TFUE e 93º e ss RPTJUE).
O reenvio prejudicial, trata-se de um contencioso de interpretaçã o, sendo aplicá vel
quando o tribunal nacional tem dú vidas se uma determinada questã o viola ou nã o o direito da
U.E., podendo, através do reenvio prejudicial, questionar ao TJ se existe efetivamente uma
violaçã o. Assim, este mecanismo garante a tutela jurisdicional efetiva, bem como os direitos dos
particulares (19º/1 , 2§ TUE e 47º CDFUE), possibilitando uma aplicaçã o homogénea do
direito da Uniã o (Ac. Kobler). Desta forma, cabe realçar que, no caso em apreço encontramo-
nos perante uma restriçã o aos direitos liberdades e garantias, que sã o protegidos pela CDFUE.
Este mecanismo surge como resultado da colaboraçã o entre os ó rgã os jurisdicionais dos
Estados Membros e o TJ, e apenas pode ser desencadeado por um ó rgã o jurisdicional nacional,
independentemente de as partes no processo principal terem ou nã o exprimido a intençã o de
submeterem uma questã o prejudicial ao TJ. É assim caracterizado por um diá logo formal entre
o TJUE e os tribunais nacionais, onde o juiz nacional tem um importante papel, já que deve
garantir a aplicaçã o do direito da uniã o e proteger os direitos dos cidadã os, utilizando assim o
reenvio prejudicial. A sua ausência poderá colocar em causa a tutela jurisdicional efetiva dos
direitos dos particulares (art 19º TFUE e art. 47º CDFUE) e prejudicar seriamente o direito da
uniã o (Ac. Kobler). Deste modo, os juízes dos tribunais nacionais gozam de uma competência
exclusiva para reenviar, vigorando uma presunçã o de indispensabilidade do reenvio para a boa
decisã o (Ac. Cartesio de 2008). Podemos concluir que o reenvio prejudicial é assim admissível,
quando a questã o em apreço incide sobre direito da UE, nã o se trata de uma questã o hipotética
e relaciona-se com o objeto do litígio nacional.
O reenvio apresenta assim duas dimensõ es: uma objetiva assente no diá logo formal
entre juízes (art. 267º) e uma subjetiva, já que se trata de um mecanismo ao serviço da tutela
jurisdicional efetiva.
A arquitetura jurisdicional europeia baseia-se na existência de tribunais organicamente
europeus, isto é, o TJ e o TG, que juntos compõ em o TJUE (art. 19º, nº1, 1º parte) e tribunais
funcionalmente europeus, sendo estes os tribunais nacionais, quando aplicam o direito da uniã o.
O TJUE, tendo como principal funçã o a garantia do direito na interpretaçã o e aplicaçã o dos
tratados (art. 19º, nº1), 2º parte TUE), acaba por ser, também da sua competência, o reenvio
prejudicial (art. 19º, nº3 al. b) TUE).
O reenvio prejudicial pode versar sobre a interpretaçã o dos tratados (direito originá rio)
ou sobre a validade e a interpretaçã o dos atos adotados pelas instituiçõ es, ó rgã os ou organismos
da uniã o (direito derivado), nos termos do art. 267º , nº1 TFUE. No caso em apreço, trata-se de
um reenvio de validade da diretiva (isto é, se o ato emitido pelo Conselho respeita as respetivas
competências, ou seja, se poderia ou nã o ser efetuado), em que se pretende perceber se a

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diretiva aprovada pelo Conselho é, ou nã o, vá lida. Assim, caso existam duvidas nestas matérias,
deve o juiz nacional, na logica de clarificaçã o de um ato jurídico da uniã o, fazer um reenvio
(possibilidade de submissã o do reenvio a partir da plataforma e-Curia) para que o TJ se
pronuncie da situaçã o (ac. Luchini). O reenvio suspende a instancia (art. 23º Estatuto TJUE).
Quando o TJUE emanar a resposta ao reenvio, o tribunal nacional que a apresenta est á
vinculado à interpretaçã o de direito do TJUE, devendo cumprir a decisã o tomada. Aliá s, o
tribunal nacional deve ter em conta o efeito de obrigatoriedade em agir de acordo com decisõ es
tomadas anteriormente em situaçõ es similares (ac. Barber), o que nã o se aplica ao caso
concreto, pois trata-se de uma situaçã o nova. O acó rdã o terá efeitos retroativos, mas, contudo,
por força da aplicaçã o aná loga do art. 264, § 2 TFUE, o TJ poderá detalhar os efeitos do ato
invá lido que poderã o continuar a produzir-se, por questõ es de segurança jurídica ou para
assegurar o bom funcionamento do mercado interno. De realçar que, uma vez que estamos
perante uma questã o de validade, deve ser aplicada em todos os EM, tendo efeitos retroativos,
sob pena de nã o garantirmos a homogeneidade do DUE.
A ausência do reenvio prejudicial em causa poderia acarretar, uma vez que é
obrigató rio, a possibilidade de justificaçã o de açã o de responsabilidade do estado por violaçã o
do direito da uniã o (cfr Acó rdã o Ferreira da Silva). Também o particular poderia, na ausência
deste mecanismo, recorrer a uma açã o por incumprimento, nos termos do art. 258º a 260º
TFUE, através de queixa dirigida à Comissã o Europeia que poderia dar início ao processo.

2. Poderia o reenvio para judicial ser julgado seguindo uma tramitação


acelerada? E urgente? como se distinguem estes mecanismos de agilização
processual?

O reenvio funciona como um verdadeiro incidente processual, sendo que o


processo comum terá um prazo normal de 14.7 meses. Contudo, nas condiçõ es previstas
no art. 23ºA do estatuto e artg. 105º a 114º do Regulamento de processo, o reenvio
prejudicial pode, em certas circunstâ ncias, ser sujeito a uma tramitaçã o acelerada e/ou
urgente. A aplicaçã o de uma dessas tramitaçõ es será decidida pelo Tribunal de justiça,
com base na apresentaçã o, pelo ó rgã o jurisdicional de reenvio, de um pedido devidamente
fundamentado que indica as circunstâ ncias de direito ou de facto que justificam a
tramitaçã o, o, a título excecional, o Tribunal de justiça decide oficiosamente, quando a
natureza ou as circunstâ ncias específicas do processo parecerem exigi-lo.
Nos termos do artigo 105º do regulamento de processo, o reenvio prejudicial pode
ser sujeito a tramitaçã o acelerada, quando a natureza do processo exige o seu tratamento
dentro de prazos curtos, sendo que, esta tramitaçã o impõ e contingências importantes a

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todos os atores do processo, como por exemplo aos Estados membros chamados a
apresentar observaçõ es, escritas ou orais, em prazos bastante mais curtos do que os
prazos ordiná rios. desta forma, a sua aplicaçã o só deve ser pedida em circunstâ ncias
particulares, que justifiquem que o Tribunal de justiça se pronuncie rapidamente sobre as
questõ es submetidas (Ac. Jippes).
Nos termos do artigo 107º do regulamento de processo, o reenvio para judicial
pode ser sujeito a tramitaçã o urgente, quando o processo suscito uma ou vá rias questõ es
relativas aos domínios objeto do título V da parte III do Tratado sobre o funcionamento da
Uniã o Europeia, relativa ao espaço de liberdade segurança e justiça, impondo, com efeito,
contingências ainda mais significativas à s pessoas envolvidas, uma vez que limita o
nú mero de partes autorizadas a apresentar observaçõ es escritas e que permite, em casos
de extrema urgência, omitir completamente a fase escrita no processo do Tribunal de
justiça. Assim a aplicaçã o desta tramitaçã o só deve ser pedida em circunstâ ncias em que
seja absolutamente necessá rio que o Tribunal de justiça se pronuncie muito rapidamente
sobre as questõ es submetidas pelo ó rgã o jurisdicional de reenvio. Como exemplo de um
processo que pode seguir a tramitaçã o urgente, temos o ultimo paragrafo do artigo 267º
TFUE.
No caso concreto, e pela ló gica, deveria ser aplicado o reenvio prejudicial sob
tramitaçã o urgente, contudo será o Tribunal de justiça a entidade competente para
decidir.

AÇÃO DE ANULAÇÃO

3. Pode A. propor um recurso de anulação nos termos do art. 263º TFUE?

O recurso de anulaçã o é um mecanismo do contencioso de fiscalizaçã o de legalidade,


nos termos do art. 263º TFUE, sendo possível ““(...) interpor recurso de anulação de todas as
disposições adoptadas pela instituição, quaisquer que sejam a sua natureza e forma, que visem
produzir efeitos jurídicos” ( Ac. Espanha/Comnissã o). Trata-se de um mecanismo relativo à
legalidade dos comportamentos positivos das instituiçõ es, ó rgã os e organismos da UE,
acabando por ser a via mais eficaz de acesso direto dos particulares ao TJUE, tendo, neste caso,
por base um ato do Conselho, ó rgã o da UE (art. 13º TUE).
No caso em apreço encontra-se em questã o um ato emanado pelo Conselho, sendo certo
que, o facto de nã o se tratar de uma recomendaçã o nem de um parecer se torna muito relevante,
já que, nos termos do art. 288º, § 5 estes nã o sã o vinculativos, nã o produzindo assim efeitos
jurídicos obrigató rios, o que é pressuposto para a admissibilidade do recurso. Deste modo,
pode o TJUE fiscalizar a legalidade de tal ato (art. 263º, § 1), com fundamento na violaçã o dos

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Tratados, nomeadamente, no que respeita ao processo de adoçã o de uma diretiva (art. 288º e
297º TFUE). No entanto, é importante realçar que o TJ nã o pode substituir o ato em apreço,
mas apenas pode anula-lo.
Nos termos do art 263º, nº4, qualquer pessoa singular ou coletiva poderia interpor um
recurso de anulaçã o, desde que este lhe diga diretamente e individualmente respeito, e, uma vez
que se trata de um particular, estamos perante um recorrente nã o privilegiado/ordiná rio. Mas
como se determina se algo afeta diretamente e individualmente um particular? A afetaçã o
indireta e individual para efeitos de contestaçã o pressupõ e que tenham por destinatá rio um
terceiro, mas, no entanto, suscite o interesse em agir, isto é, que o ato afete o autor da açã o,
provocando-lhe um interesse em agir. Deste modo, a afetaçã o direta trata-se de um ato que
produz efeitos diretos na situaçã o jurídica do recorrente, e a afetaçã o individual trata-se de um
ato que atinja o recorrente particular de modo distinto face a todos os demais afetados.

De acordo com o Ac. Stichting Woonpunf e Stchiting Woonlinie o interesse em agir e a


legitimidade constituem 2 requisitos que se devem verificar cumulativamente para se poder
interpor um recurso de anulaçã o nos termos do referido preceito.
Ora, o acó rdã o Plaumann, ensina que se entende como afetaçã o direta:
1. Decisõ es que afetem os recorrentes em certas qualidades que lhe sã o pró prias
e que os caracterizem em relaçã o a qualquer outra pessoa, individualizando os
de forma aná loga à do destinatá rio da decisã o;
2. Manter-se a individualizaçã o, em relaçã o a qualquer outra pessoa quando
analisada em termos futuros.
No entanto, esses requisitos quase tornam ISTO impossível de cumprir, pelo que é
quase que impossível fazer a prova diabó lica.
Desta forma, interpretando o Ac. PLAUMANN, conjuntamente com o Ac. UPA, que
interpreta de forma mais ampla a afetaçã o individual, podemos verificar que, um ato que nã o é
dirigido a um recorrente ordiná rio (que é o caso), diz-lhe diretamente respeito quando produz
efeitos sobre a sua esfera jurídica e nã o confere à entidade destinatá ria do ato (neste caso, todos
os EM), responsá vel pela sua execuçã o, qualquer discricionariedade.
Assim, pese embora o recurso de anulaçã o seja um mecanismo suscetível de ser
utilizado por particulares, torna-se por vezes difícil fazer a prova diabó lica, o que muitas vezes
parece comprometer a tutela jurisdicional efectiva, pois o particular quase que deixa de estar
protegido nos seus direitos, pelo facto de o Tribunal de justiça fazer uma interpretaçã o da
afetaçã o direta, que se torna de difícil aplicaçã o, aos casos reais e concretos.

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Casos Práticos Contencioso UE | Márcia Durães

4. Qual o tribunal competente para conhecer do recurso de anulação?

O tribunal competente para conhecer do recurso de anulaçã o, segundo o artigo 256º


TFUE, Será o Tribunal Geral, Pois este reconhece em primeira instâ ncia os recursos de
anulaçã o do artigo 263º TFUE.
No entanto existem algumas exceçõ es, como Hoje recursos atribuídos a um tribunal
especializado nos termos do artigo 257º, bem como os recursos sob reserva da competência do
Tribunal de justiça. Assim , se o recurso em questã o tivesse sido interposto por um Estado
membro, a competência deste seria do Tribunal de justiça.
Cabe ainda ressalvar, que as decisõ es proferidas pelo Tribunal geral podem ser
reapreciadas a título excecional pelo Tribunal de justiça, em caso de existir risco grave de lesã o
da unidade ou da coerência do direito da Uniã o. das decisõ es proferidas pelo Tribunal geral ao
abrigo do artigo 256º , cabe recurso para o Tribunal de justiça limitado à s questõ es de direito
nas condiçõ es previstas NOS artigos 56º e ss do estatuto.

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