TJ-21-06-2018 - Competência Emissão CSE
TJ-21-06-2018 - Competência Emissão CSE
TJ-21-06-2018 - Competência Emissão CSE
21 de junho de 2018 *
«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 650/2012 —
Artigo 4.o — Competência geral de um órgão jurisdicional de um Estado-Membro para decidir do
conjunto de uma sucessão — Regulamentação nacional que rege a competência internacional em
matéria de emissão de certificados sucessórios nacionais — Certificado Sucessório Europeu»
No processo C-20/17,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE,
pelo Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha), por decisão de
10 de janeiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de janeiro de 2017, no processo
intentado por
advogado-geral: M. Szpunar,
PT
ECLI:EU:C:2018:485 1
ACÓRDÃO DE 21. 6. 2018 — PROCESSO C-20/17
OBERLE
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o do Regulamento (UE)
n.o 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à
lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos
em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO 2012, L 201, p. 107).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo intentado por Vincent Pierre Oberle no
Amtsgericht Schöneberg (Tribunal de Primeira Instância de Schöneberg, Alemanha), para efeitos da
obtenção de um certificado sucessório nacional na sequência da morte do seu pai, nacional francês,
cuja última residência habitual era em França.
Quadro jurídico
Direito da União
3 Os considerandos 7 a 9, 27, 32, 34, 59 e 67 do Regulamento n.o 650/2012 têm a seguinte redação:
«(7) É conveniente facilitar o bom funcionamento do mercado interno suprimindo os entraves à livre
circulação de pessoas que atualmente se defrontam com dificuldades para exercerem os seus
direitos no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça. No espaço europeu de
justiça, os cidadãos devem ter a possibilidade de organizar antecipadamente a sua sucessão. É
necessário garantir eficazmente os direitos dos herdeiros e dos legatários, das outras pessoas
próximas do falecido, bem como dos credores da sucessão.
(8) Para alcançar aqueles objetivos, o presente regulamento deverá agrupar as disposições sobre a
competência judiciária, a lei aplicável, o reconhecimento ou, consoante o caso, a aceitação, a
executoriedade e a execução das decisões, dos atos autênticos e das transações judiciais, bem
como sobre a criação do certificado sucessório europeu.
(9) O âmbito de aplicação do presente regulamento deverá abranger todas as questões de direito civil
da sucessão por morte, ou seja, todas as formas de transferência de bens, direitos e obrigações por
morte, independentemente de se tratar de um ato voluntário de transferência ao abrigo de uma
disposição por morte, ou de uma transferência por sucessão ab intestato.
[…]
(27) As disposições do presente regulamento são concebidas a fim de assegurar que a autoridade que
trata da sucessão aplique, na maior parte das situações, o seu direito interno. […]
[…]
(32) A fim de facilitar as diligências dos herdeiros e legatários que residem habitualmente num
Estado-Membro diferente daquele em que a sucessão está a ser ou será tratada, o presente
regulamento deverá autorizar qualquer pessoa habilitada nos termos da lei aplicável à sucessão a
fazer declarações relativas à aceitação ou ao repúdio da herança, de um legado ou da legítima, ou
relativas à limitação da sua responsabilidade pelas dívidas da herança, na forma prevista pela lei
do Estado-Membro da sua residência habitual perante os órgãos jurisdicionais desse
Estado-Membro. Tal não obstará a que essas declarações sejam feitas perante outras autoridades
nesse Estado-Membro que sejam competentes para receber declarações nos termos do direito
2 ECLI:EU:C:2018:485
ACÓRDÃO DE 21. 6. 2018 — PROCESSO C-20/17
OBERLE
[…]
(34) Em prol de um funcionamento harmonioso da justiça, deverá evitar-se que sejam proferidas
decisões incompatíveis em diferentes Estados-Membros. Para tal, o presente regulamento deverá
prever regras processuais gerais semelhantes às de outros diplomas legais da União no domínio
da cooperação judiciária em matéria civil.
[…]
(59) À luz do seu objetivo geral, isto é, o reconhecimento mútuo das decisões proferidas nos
Estados-Membros em matéria sucessória, independentemente de terem sido proferidas em
processos contenciosos ou não contenciosos, o presente regulamento deverá prever normas
relativas ao reconhecimento, à executoriedade e à execução de decisões semelhantes às de
outros diplomas legais da União no domínio da cooperação judiciária em matéria civil.
[…]
(67) A fim de que as sucessões com incidência transfronteiriça na União sejam decididas de uma
forma célere, fácil e eficaz, o herdeiro, o legatário, o executor testamentário ou o administrador
da herança deverão poder provar facilmente a sua qualidade e/ou os seus direitos e poderes
noutro Estado-Membro, por exemplo no Estado-Membro onde se situam os bens da herança.
Para o efeito, o presente regulamento deverá prever a criação de um certificado uniforme, o
certificado sucessório europeu […], que será emitido para fins de utilização noutro
Estado-Membro. A fim de respeitar o princípio da subsidiariedade, este certificado não deverá
substituir os documentos internos que possam existir para fins semelhantes nos
Estados-Membros.»
«O presente regulamento é aplicável às sucessões por morte. Não é aplicável às matérias fiscais,
aduaneiras e administrativas.»
5 O artigo 1.o, n.o 2, do referido regulamento enumera as questões excluídas do seu âmbito de aplicação.
«O presente regulamento não afeta a competência das autoridades dos Estados-Membros para tratar
matérias sucessórias.»
a) “Sucessão”, a sucessão por morte, abrangendo qualquer forma de transferência de bens, direitos e
obrigações por morte, quer se trate de um ato voluntário de transferência ao abrigo de uma
disposição por morte, quer de uma transferência por sucessão sem testamento;
[…]
ECLI:EU:C:2018:485 3
ACÓRDÃO DE 21. 6. 2018 — PROCESSO C-20/17
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[…]»
8 O artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, deste regulamento define o conceito de «órgão jurisdicional» do
seguinte modo:
«Para efeitos do presente regulamento, a noção de “órgão jurisdicional” inclui os tribunais e as outras
autoridades e profissionais do direito competentes em matéria sucessória que exerçam funções
jurisdicionais ou ajam no exercício de uma delegação de poderes conferida por um tribunal ou sob o
controlo deste, desde que essas outras autoridades e profissionais do direito ofereçam garantias no
que respeita à sua imparcialidade e ao direito de todas as partes a serem ouvidas, e desde que as suas
decisões nos termos da lei do Estado-Membro onde estão estabelecidos:
b) Tenham força e efeitos equivalentes aos de uma decisão de um tribunal na mesma matéria.»
«Para além do órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão, nos termos do disposto no
presente regulamento, os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em cujo território se situa a
residência habitual de qualquer pessoa que, nos termos da lei aplicável à sucessão, possa fazer perante
um órgão jurisdicional uma declaração relativa à aceitação ou ao repúdio da sucessão, de um legado ou
da legítima ou uma declaração destinada a limitar a responsabilidade da pessoa em causa no que
respeita às dívidas da herança, são competentes para receber essas declarações sempre que, nos
termos da lei desse Estado-Membro, tais declarações possam ser feitas perante um órgão
jurisdicional.»
«O órgão jurisdicional de um Estado-Membro perante o qual tenha sido intentada uma ação em
matéria sucessória para o qual não seja competente por força do presente regulamento declara
oficiosamente não ter competência.»
«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao conjunto da sucessão é a lei
do Estado onde o falecido tinha residência habitual no momento do óbito.»
«A lei designada nos termos do artigo 21.o ou do artigo 22.o regula toda a sucessão.»
4 ECLI:EU:C:2018:485
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3. O certificado [sucessório europeu] não substitui os documentos internos utilizados para efeitos
análogos nos Estados-Membros. Todavia, uma vez emitido com vista a ser utilizado noutro
Estado-Membro, o certificado produz também os efeitos enunciados no artigo 69.o no Estado-Membro
cujas autoridades o emitiram por força do presente capítulo.»
Direito alemão
17 Nos termos do § 105 da Gesetz über das Verfahren in Familiensachen und in den Angelegenheiten der
freiwilligen Gerichtsbarkeit (Lei relativa aos processos em matéria de direito da família e de jurisdição
voluntária, a seguir «FamFG»), na redação de 17 de dezembro de 2008 (BGB1. 2008 I, p. 2586):
«Nos demais processos previstos pela presente lei, os tribunais alemães são competentes sempre que
um tribunal alemão seja territorialmente competente.»
18 Em matéria sucessória, a competência territorial é regida pelo § 343 da FamFG. Na sua versão
resultante da Gesetz zum Internationalen Erbrecht und zur Änderung von Vorschriften zum
Erbschein sowie zur Änderung sonstiger Vorschriften (Lei relativa ao direito sucessório internacional
que altera as disposições relativas ao certificado sucessório e outras disposições), de 29 de junho de
2015 (BGB1. 2015 I, p. 1042), em vigor desde 17 de agosto de 2015:
«1. É territorialmente competente o tribunal da circunscrição em que o falecido tinha a sua residência
habitual no momento da sua morte.
2. Se, no momento da sua morte, o falecido não tinha residência habitual em território nacional, é
competente o tribunal em cuja circunscrição o falecido teve a sua última residência habitual em
território nacional.
3. Se o tribunal competente não puder ser determinado com base no disposto nos n.os 1 e 2, o tribunal
competente é o Amtsgericht Schöneberg (Tribunal de Primeira Instância de Schöneberg) em Berlim,
sempre que o falecido seja alemão ou que os bens da sucessão se encontrem em território nacional.
[…]»
19 Adrien Théodore Oberle (a seguir «falecido»), cidadão francês, com última residência habitual em
França, faleceu a 28 de novembro de 2015, ab intestato. Sobreviveram-lhe dois filhos, Vincent Pierre
Oberle (a seguir «V. Oberle») e o seu irmão, já que a esposa tinha falecido anteriormente. Os bens da
herança situam-se em França e na Alemanha.
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22 Após ter procedido à verificação da sua competência, em conformidade com o artigo 15.o do
Regulamento n.o 650/2012, o Amtsgericht Schöneberg (Tribunal de Primeira Instância de
Schöneberg), por decisões de 17 de novembro e de 28 de novembro de 2016, declarou-se
incompetente para decidir deste pedido, considerando que as disposições do § 105 e do § 343, n.o 3,
da FamFG não podem ser aplicadas para determinar a competência internacional sem violar o
artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012, nos termos do qual são competentes para decidir do conjunto
da sucessão os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em que o falecido tinha a sua última residência
habitual.
23 V. Oberle interpôs recurso desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, o Kammergericht Berlin
(Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha).
25 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não é evidente que o legislador da União tenha querido
regulamentar de maneira exaustiva, através das disposições do capítulo II do Regulamento
n.o 650/2012, a competência internacional em matéria de emissão dos certificados sucessórios
nacionais, como fez no que respeita à competência do certificado sucessório europeu, através do
artigo 64.o, n.o 1, desse regulamento.
26 Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, se fosse de considerar que a competência
internacional em matéria de emissão do certificado sucessório europeu já é regulada pelas disposições
do capítulo II do Regulamento n.o 650/2012, teria sido inútil o legislador prever uma disposição
específica a este respeito, ou seja, o artigo 64.o n.o 1, desse regulamento. No entender deste órgão
jurisdicional, se o referido legislador tivesse querido regulamentar a competência internacional em
matéria de emissão dos certificados sucessórios nacionais do mesmo modo que a competência
internacional em matéria de emissão do certificado sucessório europeu teria previsto, nesse
regulamento, quanto a esses primeiros certificados, uma disposição correspondente, mutatus
mutandis, à do artigo 64.o, n.o 1, do referido regulamento.
27 Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o Amtsgericht Schöneberg (Tribunal de
Primeira Instância de Schöneberg) concluiu erradamente pela aplicação no caso em apreço da regra
que figura no artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012. Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de
reenvio, a competência geral dos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro no território do qual o
falecido tinha a sua residência habitual para «decidir do conjunto da sucessão», na aceção da referida
disposição, diz apenas respeito à adoção de decisões judiciais, não constituindo os certificados
sucessórios tais decisões. Estes últimos são, com efeito, emitidos no termo de um processo gracioso e
a decisão de emissão desses certificados contém apenas constatações de facto, não se destinando,
portanto, a adquirir força de caso julgado.
6 ECLI:EU:C:2018:485
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28 Nestas condições, o Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim) decidiu suspender a
instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Deve o artigo 4.o do Regulamento [n.o 650/2012] ser interpretado no sentido de que determina
igualmente a competência internacional exclusiva em matéria de emissão, nos respetivos
Estados-Membros, dos certificados sucessórios nacionais que não foram substituídos pelo certificado
sucessório europeu (v. artigo 62.o, n.o 3, do Regulamento n.o 650/2012), com a consequência de que as
disposições derrogatórias adotadas pelos legisladores nacionais no que respeita à competência
internacional em matéria de emissão dos certificados sucessórios nacionais — como, por exemplo, o
[§ 105 da FamFG na Alemanha] — não produzem efeitos por violarem disposições de direito da
União, hierarquicamente superior?»
29 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o do
Regulamento n.o 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de
um Estado-Membro como a que está em causa no processo principal, que prevê que, embora o
falecido não tivesse, no momento da sua morte, residência habitual nesse Estado-Membro, os órgãos
jurisdicionais deste último continuam a ser competentes para a emissão dos certificados sucessórios
nacionais, no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça, quando há bens sucessórios no
território do referido Estado-Membro ou quando o falecido tivesse a nacionalidade do mesmo
Estado-Membro.
30 A título liminar, importa recordar que o Regulamento n.o 650/2012 se aplica, nos termos do seu
artigo 1.o, lido à luz do considerando 9, a todas as questões de direito civil da sucessão por morte,
com exclusão das matérias fiscais, aduaneiras e administrativas. O artigo 1.o, n.o 2, do referido
regulamento enumera, por sua vez, diversas questões que estão excluídas do âmbito de aplicação do
referido regulamento, entre as quais não figuram os certificados sucessórios nacionais nem os
processos a eles relativos.
31 O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 650/2012 precisa que o termo «sucessão» abrange
«qualquer forma de transferência de bens, direitos e obrigações por morte, quer se trate de um ato
voluntário de transferência ao abrigo de uma disposição por morte, quer de uma transferência por
sucessão sem testamento».
32 Além disso, esse regulamento aplica-se às sucessões que tenham incidência transfronteiriça, como
resulta dos considerandos 7 e 67. É o que aqui acontece, uma vez que a sucessão inclui bens situados
em vários Estados-Membros.
33 No que respeita, mais precisamente, à questão de saber se o artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012
define a competência internacional dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros no que respeita à
emissão dos certificados sucessórios nacionais, importa recordar que, segundo jurisprudência
constante do Tribunal de Justiça, as disposições relativas às regras de competência, na medida em que
não remetem para o direito dos Estados-Membros a fim de determinar o seu sentido e alcance, devem
ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só o seu
teor mas também o contexto dessas disposições e o objetivo prosseguido pela regulamentação em
causa (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de dezembro de 2014, Sanders e Huber, C-400/13
e C-408/13, EU:C:2014:2461, n.o 24, e de 1 de março de 2018, Mahnkopf, C-558/16, EU:C:2018:138,
n.o 32).
34 Segundo a sua redação, o artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012 estabelece a competência dos órgãos
jurisdicionais do Estado-Membro em que o falecido tinha a sua residência habitual no momento do
óbito para decidir do conjunto da sucessão.
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35 A este respeito, há que precisar que, ainda que nada na redação dessa disposição indique que a
aplicação da regra geral de competência que esse artigo enuncia esteja sujeita à condição da existência
de uma sucessão que implique vários Estados-Membros, não é menos verdade que esta regra se baseia
na existência de uma sucessão com incidência transfronteiriça.
36 Além disso, resulta da epígrafe do artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012 que esta disposição rege a
determinação da competência geral dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros, sendo a
repartição das competências no plano interno estabelecida segundo as regras nacionais, em
conformidade com o artigo 2.o desse regulamento.
37 Resulta da redação do referido artigo 4.o que a regra de competência geral que estabelece visa o
«conjunto da sucessão», o que sugere, como o advogado-geral salientou no n.o 67 das suas conclusões,
que se deve aplicar, em princípio, a todos os processos em matéria sucessória que correm nos órgãos
jurisdicionais dos Estados-Membros.
38 Quanto à interpretação do verbo «decidir», que figura nesta mesma disposição, há que analisar se o
legislador da União quis referir-se apenas às decisões adotadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais no
exercício das suas funções jurisdicionais. No caso em apreço, como recordado no n.o 27 do presente
acórdão, resulta da decisão de reenvio que o procedimento de emissão dos certificados sucessórios
nacionais é um processo de natureza graciosa e as decisões relativas à emissão desses certificados só
contêm constatações de facto, com exclusão de qualquer elemento suscetível de adquirir força de caso
julgado.
39 A este propósito, como o advogado-geral salientou no n.o 64 das suas conclusões, o conceito de «órgão
jurisdicional», na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012, conforme definido no artigo 3.o,
n.o 2, do mesmo, não fornece indicações quanto ao alcance do verbo «decidir».
40 Há pois que constatar que a redação do artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012 não permite, em si,
determinar se a natureza contenciosa ou graciosa do processo afeta a aplicabilidade da regra de
competência prevista por esta disposição e se por «decidir», na aceção da referida disposição, há que
entender a adoção de uma decisão de natureza exclusivamente jurisdicional. A interpretação literal
desta disposição não dá assim resposta à questão de saber se se deve considerar que um
procedimento de emissão dos certificados sucessórios nacionais como o que está em causa no
processo principal é abrangido pelo referido artigo 4.o.
41 Quanto à análise do contexto em que se inscreve a referida disposição, resulta do artigo 13.o do
Regulamento n.o 650/2012 que, além do órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão ao
abrigo deste regulamento, os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em cujo território se situa a
residência habitual de qualquer pessoa que, nos termos da lei aplicável à sucessão, possa fazer uma
declaração relativa à aceitação ou ao repúdio da sucessão, de um legado ou da legítima ou uma
declaração destinada a limitar a responsabilidade da pessoa em causa no que respeita às dívidas da
herança, são competentes para receber essas declarações.
42 Assim, este artigo 13.o, lido à luz do considerando 32 do Regulamento n.o 650/2012, visa simplificar as
diligências dos herdeiros e dos legatários, derrogando as regras de competência previstas nos
artigos 4.o a 11.o deste regulamento. Por conseguinte, os órgãos jurisdicionais competentes para
decidir do conjunto da sucessão ao abrigo do artigo 4.o do referido regulamento são, em princípio,
competentes para receber declarações sucessórias. De onde resulta que a regra de competência
enunciada neste artigo 4.o visa também os processos que não conduzem à adoção de uma decisão
jurisdicional.
8 ECLI:EU:C:2018:485
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43 Esta interpretação é corroborada pelo considerando 59 do Regulamento n.o 650/2012, do qual resulta
que as disposições deste último se aplicam independentemente de terem sido proferidas decisões
relativas a uma sucessão com incidência transfronteiriça no quadro de um processo contencioso ou
gracioso.
44 Assim, o artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012 determina a competência internacional dos órgãos
jurisdicionais dos Estados-Membros relativa aos processos respeitantes a medidas sobre o conjunto de
uma sucessão, como, nomeadamente, a emissão dos certificados sucessórios nacionais,
independentemente da natureza contenciosa ou graciosa desses processos.
45 Esta interpretação não é infirmada pelo artigo 64.o do Regulamento n.o 650/2012, na medida em que
este prevê que o certificado sucessório é emitido no Estado-Membro cujos órgãos jurisdicionais sejam
competentes por força dos artigos 4.o, 7.o, 10.o ou 11.o desse regulamento.
46 Como o advogado-geral salientou no n.o 90 das suas conclusões, o certificado sucessório europeu, que
foi criado pelo Regulamento n.o 650/2012, goza de um regime jurídico autónomo, estabelecido pelas
disposições do capítulo VI deste regulamento. Neste contexto, o artigo 64.o do referido regulamento
destina-se a precisar que tanto os órgãos jurisdicionais como certas outras autoridades são
competentes para emitir esse certificado sucessório, especificando, por remissão para as regras de
competência contidas nos artigos 4.o, 7.o, 10.o e 11.o desse regulamento, em que Estado-Membro tal
emissão deve ocorrer.
47 Por outro lado, há que precisar que, nos termos do artigo 62.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 650/2012,
o recurso ao certificado sucessório europeu não é obrigatório e esse certificado não substitui os
documentos internos utilizados para efeitos análogos nos Estados-Membros, como os certificados
sucessórios nacionais.
48 Nestas condições, o artigo 64.o do Regulamento n.o 650/2012 não pode ser interpretado no sentido de
que os certificados sucessórios nacionais estão excluídos do âmbito de aplicação da regra de
competência contida no artigo 4.o desse regulamento.
49 Quanto aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 650/2012, resulta dos considerandos 7 e 8 do
mesmo que este se destina, nomeadamente, a ajudar os herdeiros e legatários, as outras pessoas
próximas do falecido e os credores da sucessão a exercerem os seus direitos no âmbito de uma
sucessão com incidência transfronteiriça e a permitir aos cidadãos da União prepararem a sua
sucessão.
50 Nesta mesma perspetiva, o considerando 27 do Regulamento n.o 650/2012 salienta que as disposições
do regulamento são concebidas a fim de assegurar que a autoridade que trata da sucessão aplique, na
maior parte das situações, o seu direito interno.
51 A este propósito, tanto o artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 650/2012, respeitante à regra geral
relativa à lei aplicável, como o artigo 4.o deste regulamento, que respeita à competência geral dos
órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros, se referem ao critério da residência habitual do falecido
no momento do óbito.
52 Ora, a aplicação do direito nacional a fim de determinar a competência geral dos órgãos jurisdicionais
dos Estados-Membros para emitir certificados sucessórios nacionais seria contrária ao objetivo visado
no considerando 27 do Regulamento n.o 650/2012, destinado a assegurar a coerência entre as
disposições relativas à competência e as disposições relativas à lei aplicável nessa matéria.
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ACÓRDÃO DE 21. 6. 2018 — PROCESSO C-20/17
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53 Além disso, de acordo com o objetivo geral deste regulamento, enunciado no seu considerando 59, que
visa o reconhecimento mútuo das decisões proferidas nos Estados-Membros em matéria sucessória, o
considerando 34 do referido regulamento salienta que este último pretende evitar que sejam
proferidas decisões incompatíveis em diferentes Estados-Membros.
54 Este objetivo está relacionado com o princípio da unidade da sucessão, concretizado, nomeadamente,
no artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento n.o 650/2012, que precisa que a lei aplicável nos termos deste
regulamento se destina a regular «toda a sucessão».
55 Ora, este princípio da unidade da sucessão subjaz igualmente à regra estabelecida no artigo 4.o do
Regulamento n.o 650/2012, na medida em que este artigo também precisa que a referida regra
determina a competência dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros para decidir «do conjunto da
sucessão».
56 Como o advogado-geral recordou nos n.os 109 e 110 das suas conclusões, o Tribunal de Justiça já
declarou que uma interpretação das disposições do Regulamento n.o 650/2012 que provocasse uma
fragmentação da sucessão seria incompatível com os objetivos do referido regulamento (v., neste
sentido, Acórdão de 12 de outubro de 2017, Kubicka, C-218/16, EU:C:2017:755, n.o 57). Com efeito,
uma vez que um desses objetivos consiste em estabelecer um regime uniforme aplicável às sucessões
com incidência transfronteiriça, a realização deste regime implica a harmonização das regras relativas
à competência internacional dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros no quadro tanto dos
processos contenciosos como graciosos.
57 A interpretação do artigo 4.o do referido regulamento segundo a qual esta disposição determina a
competência internacional dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros quanto aos processos de
emissão dos certificados sucessórios nacionais destina-se, com vista a uma boa administração da
justiça na União, à realização desse objetivo, limitando o risco de processos paralelos nos órgãos
jurisdicionais dos diferentes Estados-Membros e de contradições que daí poderiam resultar.
58 Em contrapartida, a realização dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 650/2012 seria
dificultada se, numa situação como a que está em causa no processo principal, as disposições do
capítulo II deste regulamento, nomeadamente o seu artigo 4.o, fossem de interpretar no sentido de
que não determinam a competência internacional dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros
relativa aos processos em matéria de emissão dos certificados sucessórios nacionais.
59 Resulta do conjunto das considerações expostas que o artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012 deve ser
interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro como a que está
em causa no processo principal, que prevê que, embora o falecido não tivesse, no momento da sua
morte, residência habitual nesse Estado-Membro, os órgãos jurisdicionais deste último continuam a
ser competentes para a emissão dos certificados sucessórios nacionais, no âmbito de uma sucessão
com incidência transfronteiriça, quando há bens sucessórios no território do referido Estado-Membro
ou quando o falecido tivesse a nacionalidade do mesmo Estado-Membro.
Quanto às despesas
60 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o
órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas
outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
10 ECLI:EU:C:2018:485
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Assinaturas
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