ARTIGO - Gestão de Tempo e Organização Do Trabalho
ARTIGO - Gestão de Tempo e Organização Do Trabalho
ARTIGO - Gestão de Tempo e Organização Do Trabalho
trabalho
AUTOR:
Fernando Boavida, Professor Catedrático na Universidade de Coimbra
Muito do sucesso ou insucesso pessoal passa por uma correta gestão de um dos recursos mais
limitados e mais críticos de que dispomos nas nossas vidas: o tempo. Tomar decisões sobre o que
fazer ou não, quando fazer, como organizar o trabalho, quando trabalhar e quando descansar, como
identificar, delegar e gerir tarefas, ou como interagir com outros, é determinante para atingir bons
resultados, para a realização pessoal, para o bem-estar e, em última análise, para a felicidade. O
presente artigo, baseado no meu recente livro “Gestão de tempo e organização do trabalho”, da
editora PACTOR, tem por objetivo introduzir a problemática da gestão de tempo – termo geral que
inclui não só o controlo da utilização do tempo cronológico de que dispomos ou julgamos dispor,
mas, também, a organização do trabalho e da vida – como forma de alcançar o melhor equilíbrio
entre o investimento temporal e os resultados alcançados nas mais variadas atividades do dia a dia.
Uma boa estratégia de gestão de tempo conduz a uma boa agenda e, por sua vez, uma boa
agenda possibilita a implementação de uma estratégia de gestão de tempo adequada
Pode dizer-se que a necessidade da gestão de tempo se fez sentir assim que as pessoas se
aperceberam de que o tempo é um bem limitado e que, através da utilização do tempo, se poderiam
produzir bens ou serviços com um determinado valor. Ou seja, poderíamos afirmar que a gestão de
tempo se iniciou com as primeiras formas de comércio, que remontam à pré-História. Foi, no
entanto, com a primeira e segunda revoluções industriais, no século XIX, que a máxima “tempo é
dinheiro” se generalizou e que a gestão de tempo ganhou um papel crucial na nossa sociedade.
Não é surpreendente constatar que as últimas décadas têm sido aquelas em que se dá mais atenção à
gestão do tempo e, também, às formas de organização de trabalho, devido ao reconhecimento do
valor do trabalho na sociedade atual. Por conseguinte, não é de estranhar que nos últimos 50 anos
tenham surgido diversas estratégias de gestão de tempo – como, por exemplo, estratégias assentes
na maximização da eficiência, priorização de tarefas, multiplicação temporal, ou investimento
temporal – cada vez mais sofisticadas, cujo objetivo foi e é o de permitir a realização de mais e
melhor trabalho em espaços de tempo cada vez menores.
No entanto, apesar de, intrinsecamente, essas estratégias terem por objetivo a otimização da
utilização do tempo, o erro consiste na forma em que elas são utilizadas. Com efeito, todas essas
estratégias têm como objetivo único e exclusivo a máxima rentabilização do tempo. Ora, se isso é
algo que é importante e desejável no caso de trabalho realizado por máquinas – uma máquina que
realiza mais trabalho por unidade de tempo que outra é, naturalmente, melhor do que esta –, a
verdade é que não somos máquinas e, portanto, o nosso desempenho é afetado por outros fatores. É
um grande equívoco pensar que as pessoas se devem comportar como máquinas, com capacidade
de trabalho ininterrupto e perfeitamente constante. Esta é uma ideia da primeira revolução
industrial, que ainda subsiste em muitos setores. Também é um erro querer que máquinas se
comportem como pessoas.
Porque não somos máquinas, o nosso desempenho não é independente da carga de trabalho que se
nos oferece. Independentemente da ou das estratégias de gestão de tempo que utilizemos, se a carga
de trabalho crescer demasiado, o desempenho degradar-se-á a ponto de entrarmos em colapso, tal
como é ilustrado na figura1.
Muita dessa degradação decorre de não sermos psicologicamente imunes ao facto de sabermos que
temos demasiado trabalho por fazer, que se irá atrasando inevitavelmente até ao ponto de falharmos
a sua execução atempada. Isso tem um efeito não só no trabalho que não podemos realizar, mas,
também, naquele que temos em mãos. Além disso, quando a carga é elevada, temos tendência a
aumentar o número de tarefas que tentamos realizar simultaneamente, o que também causa grande
ineficiência, pois leva a períodos de trabalho de curta duração em cada tarefa e a grandes perdas de
tempo na comutação entre tarefas.
A (dura) realidade é o que a maioria das pessoas sabe sobre gestão de tempo está,
simplesmente, errado
A questão chave no curto, médio e longo prazos é sempre: o que queremos atingir? Esta questão
pode formular-se de muitas maneiras, mas tem sempre a ver com a nossa ambição, com os nossos
anseios e angústias, com o nosso imaginário. É conveniente tentar traduzi-la em subquestões de
natureza aparentemente racional, mas não nos podemos esquecer que, na sua génese, está sempre
algo que é subjetivo.
Apesar disso – e porque necessitamos de ter algum controlo sobre o que fazemos e o que queremos
atingir – devemos adotar algumas práticas que aumentem a probabilidade de alcançarmos os
objetivos. Ao estabelecermos a duração e data de arranque de tarefas, queremos ter uma margem
para lidar com imprevistos, com riscos e com fatores emocionais. Queremos, também, minimizar
perturbações no nosso trabalho – tal como interrupções e urgências – para conseguirmos um maior
controlo sobre os resultados.
Temos, ainda, que aprender a lidar com a execução de várias tarefas em “simultâneo”. Trata-se de
algo que é inevitável e fundamental nos dias de hoje e que, se for bem pensado e planificado, pode,
até, levar a ganhos de produtividade. Em qualquer caso, é um aspeto crítico, que exige extremo
cuidado. Muito do nosso sucesso ou insucesso pode passar pela forma em como lidamos com a
simultaneidade de tarefas, quer quando trabalhamos isoladamente, quer quando trabalhamos em
equipa.
Um outro aspeto crucial para a produtividade é a organização geral dos períodos de trabalho e de
descanso ao longo do tempo. Os períodos de focagem são fundamentais para atingir bons
resultados, mas não menos importantes são os períodos de almofada, durante os quais lidamos com
tarefas menos críticas e menos exigentes, mas às quais não podemos fugir. De facto, estes períodos
permitem um relativo relaxamento e podem servir como investimento temporal para a realização de
tarefas futuras. Por fim, os períodos de trabalho e de descanso devem suceder-se de forma cíclica,
por forma a permitir a recuperação de forças e a maximização dos resultados atingidos durante o
trabalho. Períodos durante os quais “não se faz nada” são absolutamente essenciais para a
existência de períodos em que “se faz muito”.
A estratégia de organização da agenda é, também, fundamental para o sucesso. Sem uma agenda
controlada não é possível ter bons resultados no curto, médio e longo prazos, e não é possível pôr
em prática qualquer abordagem eficaz para a gestão de tempo. Trata-se, de facto, de um ciclo: uma
boa estratégia de gestão de tempo conduz a uma boa agenda e, por sua vez, uma boa agenda
possibilita a implementação de uma estratégia de gestão de tempo adequada aos fins em vista.
Associada a qualquer agenda deve existir, complementarmente, uma lista de tarefas. A combinação
dos dois mecanismos – agenda e lista de tarefas – flexibiliza a gestão de tempo e otimiza os
resultados. Dois aspetos de extrema importância, pelo impacto que têm na nossa organização do
trabalho e na implementação de qualquer estratégia de gestão de tempo, são a participação em
reuniões e a gestão de equipas e projetos. O fator que estes dois aspetos têm em comum é o de
envolverem várias pessoas em simultâneo. A gestão do tempo de múltiplas pessoas tem um elevado
potencial para ineficiências que, frequentemente, se propagam à totalidade dos envolvidos, dada a
É
sua interdependência. É nestas situações que a organização do trabalho assume um caráter mais
crítico.
Há, por fim, que ter em consideração o impacto do teletrabalho nas formas de gestão de tempo e
organização do trabalho. Em regime de teletrabalho passamos a dispor de mais tempo, pois
eliminam-se os tempos de deslocação de e para o local de trabalho. Este tempo adicional pode ser
aproveitado para reforçar qualquer dos períodos de trabalho – sejam eles períodos de focagem ou
de almofada – ou os períodos de descanso, o que se traduzirá em benefícios de produtividade. No
entanto, não nos devemos esquecer de que teletrabalho conduz também a uma série de desafios,
cuja resposta reside numa ainda mais criteriosa gestão de tempo.
Artigo publicado na edição n.º 134 da RHmagazine, referente aos meses de maio/junho de
2021.